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Capitulo 1 a, Sa. ss Géneros discursivos: O que sao? * A riqueza e a diversidade dos géneros do discurso 40 se eee tiforme atividade humana e porque em cada campo dessa atividade 6 integral 0 repertorio de géneros do discurso, Srnec ouattona as a Se a ‘Curso (orais e escritos), no quais devemos incluir as breves ‘réplicas do didlogo cotidiano (saliente-se que a diversidade composicao dos participantes), 0 relato do dia a dia, a carta lacénico e padronizado, a ordem desdobrada e detalhada, © repertorio bastante (padronizado na maioria dos casos) dos documentos € 0 diversificado universo: temo: sociais, politicas); mas ai também devemos incluir eee rarios (do provérbio ao romance de muitos: cree oper Este capitulo tem por objetivo definir o que sao “géneros discursivos”, estabelecendo um entendimento basico dos principais tragos do conceito bakhtiniano de géneros. 16 Para tal, primeiramente, caracterizamos os géneros como enti- dades que funcionam em nossa vida cotidiana ou publica, para nos comunicar e para interagir com as outras pessoas (universais concretos). Em seguida, diferenciamos “géneros de discurso” de “tipos de texto” e dos “textos” ou “enunciados propriamente ditos”. Passamos, entdo, a fazer um brevissimo histérico das reflexdes acumuladas pela humanidade a respeito dos géneros, iniciando com a Pottica e a Retdrica na Grécia Antiga, para mostrar o impac- to que a proposta do Circulo de Bakhtin trouxe ao tratamento do conceito. Finalmente, sintetizamos as diferencas entre os conceitos de “géneros textuais” e “géneros discursivos”, apresentando o sur- gimento da teoria dos géneros de discurso do Circulo de Bakhtin (principalmente Bakhtin, Medvédev e Volochinov), que nortearé a abordagem nos outros capitulos seguintes. &. lamos e escrevemos por meio de géneros ‘Todas as nossas falas, sejam cotidianas ou formais, estado articuladas em um genero de discurso. Levantamo-nos pela mani, damos um bom-dia a nossos filhos; afixamos na geladeira um papel pedindo 2 diarista que limpe o refrigerador; vemos e respondemos nossos e-mails. A caminho do trabalho, passamos na agéncia bancéria para entregar seguradora um formulério assinado de aplicagao; a0 chegar 2o emprego, entregamos o relat6rio de vendas solicitado pela chefia e que, mais tarde, vamos apresentar em reunido. Se formos proiessores, ao entrar em sala de aula, fazemos a chamada; lemos, com ou para os alunos, uma crénica ou enunciado de problema matematico que esté no livro didatico ou na apostila/caderno; pas- samos uma lista de exercicios com questées ¢ instrugdes; pedimos uma redagao ou uma opinido sobre um fato controverso para pos- tarmos no blog da turma. Em todas essas atividades, valemo-nos de varios géneros discursivos — orais e escritos, impressos ou digitais — utilizados socialmente e tipicos de nossa cultura letrada urbana: cumprimento, bilhete, mensagem eletrOnica, formulério, relatorio, apresentagao empresarial. Os géneros discursivos permeiam nossa vida didria e organi- zam nossa comunicagao. Nés os conhecemos e utilizamos sem nos dar conta disso. Mas, geralmente, se sabemos utilizé-los, consegui- ‘mos nomeé-los. Como escreveu Bakhtin, © objeto do discurso do falante, seja esse objeto qual for, nao se torna pela primeira vez objeto do discurso em um dado enunciado eum dado falante nao é o primei- 10 a falar sobre ele. O objeto, por assim dizer, jé esta ressalvado, contestado, elucidado e avaliado de diferentes modos; nele se cru- zam, convergem e divergem diferentes pontos de vista, visdes de mundo, correntes. 0 falante ndo é um Adao blico, s6 relacionado com objetos vi gens ainda ndo nomeados, aos quais a nome pela primeira vez (Bakhtin 2003{1952-1953/1979]: 299-300). Em sua celebre comédia O burgués fidalgo, Moliére cria um personagem — Sr. Jordao — que ¢ um burgués novo-rico, mas inculto, um padeiro que, para ser aceito pela nobreza, busca se educar contratando professores de danga, musica, artes marciais e filosofia. Conversando um dia com seu professor de filosofia, o Sr. Jordao se dé conta de que fala por meio de géneros: MESTRE — Senhor, tudo 0 que nao é prosa é verso; e tudo 0 que nao € verso é prosa. 7 SR. JORDAO — E qual dos dois &, quando a gente fala? MESTRE — E prosa! SR. JORDAO — O qué? Quando eu digo: “Nicole, traz minhas pantufas e me aleanca o meu barretinho”, isso é prosa? MESTRE — Sim, senhor. SR. JORDAO — Mas olha s6! Hd mais de quarenta anos que eu faco rosa e nem sabia! Obrigado, professor: sem o senor, eu nao teria descoberto! (Moliére, Jean-Baptiste. Le bourgeois gentihomme. 1671. Disponivel em: http://www.toutmoliere.net/acte-2,405364. html. Acesso em: 24 set. 2014). Dessa forma, tudo 0 que ouvimos e falamos diariamente se acomoda a géneros discursivos (preexistentes, assim como 0 que, Jemos e escrevemos. Nossas atividades que envolvem linguagem, desde as mais cotidianas — como a mais simples saudagao — até as piblicas (de trabalho, artisticas, cientificas, jornalisticas etc.) se dao por meio da lingua/linguagem e dos géneros que as organizam jtando que fagam sentido para o outro. Bakhtin (2003(1952-1953/1979]) chama de géneros primérios aqueles que ocorrem em nossas atividades ¢ estilizam, possil ear geralmente — mas nao necessaria- mente — na modalidade oral do dis- curso. Sao ordens, pedidos, cumprimentos, conversas com amigos ou parentes, bilhetes, certas cartas, interagdes no Skype, torpedos posts em certos tipos de blog. Por outro lado, hé os géneros se- cundérios, que servem a finalidades publicas de varios tipos, em diversas esferas ou campos de atividade humana e de comunicagao. Esses s4o mais complexos, regularmente se valem da escrita de ‘uma ou de outra maneira (e, hoje, também de outras linguagens) ¢ tém fungo mais formal e oficial. Sao relatérios, atas, formulé- rios, noticias, antincios, artigos, romances, telenovelas, noticidrios televisivos ou radiofénicos, entre outros. Os géneros secundarios mais simples, privadas e cotidianas, © podem absorver e transformar os primérios em sua composigao, assim como a telenovela inclui conversas cotidianas entre seus personagens na trama. Bazerman, examinando o “trabalho realizado pelo texto na sociedade”, busca identificar as condigdes sob as quais esse trabalho se realiza, para observar a regulatidade com que os textos executam tarefas reconhecidamente similares e para ver como certas profissdes, situagdes © organizagdes sociais podem estar associadas a um niimero limitado de tipos de textos [géneros] [...] para analisar como produgio, circulagao e uso ordenados desses textos cons- tituem, em parte, a prépria atividade e organizacao dos grupos sociais (Bazerman, 2005: 19). © exemplo do qual o autor parte ¢ retirado da esfera escolar (universitaria) para dar base a conclusao de que “cada texto se encontra encaixado em atividades sociais estruturadas e depende de textos anteriores que influenciam a atividade e a organizagao social” (Bazerman, 2005: 22). Por exemplo, para dar aulas, um pro- fessor deverd, primeiro, organizar um planejamento de curse’para a escola na qual trabalha. Em seguida, deverd escolher ou analisar © material didatico com 0 qual trabalhard com os alunos (livros didaticos, apostilados, fasciculos, cadernos — dependendo do tipo de escola em que trabalha —, que, por sua vez, apresenta diversos géneros inerentes: crénicas, poemas, noticias, artigos de opiniao, instrugées, questdes, definigdes etc.). 0 professor, entio, organiza- 14 e ministraré suas aulas. Em certo momento, os alunos deverdo claborar trabalhos — como redagies escolares, seminarios — ou se submeterem a uma prova para avaliar seu aprendizado. Essa avaliagao sera publicada no formato de um diério de classe, que inclui a lista de notas e frequéncia em formulério proprio. Esses so todos exemplos de géneros secundarios utilizados na esfera piiblica de ensino. - 1” como fazer as compras do més. Também de fazer nossa lista de compras (ainda que apenas mentalmente) antes de ir ao supermercado. Se formos a um estabelecimento desco- nhecido, ao comprar, precisaremos consultar as placas orientadoras de sec6es e produtos para nos localizat composicao, os teores de gordura e agticar e as datas de validade dos produtos; e consultar as etiquetas de precos ou os cédigos de barra Para pagar, recorreremos 4 planilha de calculo feita sabermos o valor da compra e, se ndo usarmos dinheiro, preenchere- mos um cheque ou digitaremos a senha de nosso cartao de eré ou débito e receberemos nossa nota fiscal. Como tarefa coti feita em esfera ptiblica comercial, temos aqui uma série (sistema) de atividades que sé podem ser desempenhadas por meio de uma série (sistema) de géneros, uns primérios, outros secundérios Esses textos ou enunciados encontram-se organizados em géneros, que Bazerman (2005) define como “formas textuais pa- dronizadas iveis, reconheciveis pelos interlocutores ¢ relacionadas a outros textos e géneros que ocorrem em circuns- tancias correlatas. Para dar conta da complexidade dessas atividades e da circula- do de textos que nelas se d, o autor prope que os textos fi em “conjuntos e sistemas de géneros” que fazem parte dos de atividades humanas” (Bazerman, 2005: 23). rofessor(a) 1. Vocé sabe o que é racismo? Hé racismo no Brasil? Se vocé acha que sim, indique algumas maneiras como ele se manifesta. internet, em 12/09/2011, logo apés Leila Lopes — Miss Ango- n usudrio do Facebook postou “aprovando” Miss Universo, la — ser el um comentario recheado de racismo em seu peri a escolha: Oa Rec dee LEILA LOPES € AMISS UNVERSO! Conhec! a prota més passado. Realmonto linda e fez muito bem de tr prendido aquole cabelo de vassoure. Era a Sinica elogante das 5 finalists... todas com cara de brega. Ela no... ‘parocia uma Barb Black Label! HAHAHA Algo me diz que lutaré pelas classes! 1 4 pessoas curiam isso. ‘eens, WAWAHAHARHAHA To passando mal de rit Figura 1.4 Disponivel em Acesso erm: 29 set. 2014 2 2 @) Quais os indices de aprovagaé da escolha de Leila como Miss nm Universo presentes neste post? » 4. O post provocou imediata reacao antirracista, nacional e inter- i ; ‘ionalmente, no préprio Facebook, no Twitter e inclusive na (b) Quais os indices de racismo presentes neste post? an Re: Expressi ae post . imprensa. 0 jornal digital Noticias Angola publicava dois dias depois a seguinte noticia: 5. Ea noticia do jornal Noticias Angola, seria um texto em género primério ou secundério? Por qué? 6. Como voce descreveria o sistema de atividades em que se insere este sisi na de géneros que gerou a noticia? 7. Para vocé, o que é mais importante na noticia: sua forma (man- chete, lide, texto), 0 fato ou os sentidos racistas dos textos? ) professol Conv A partir de atividades como essas, ofa) professor(a) poder abordar 0s conceitos desta primeira parte do capitulo (géneros primarios/ secundarios, sistema de atividades/géneros) nao por si mesmos, como a escola gosta de fazer, mas pelos efeitos de sentido que tém na leitura e producao de textos/enunciados reais presentes na vida didria de todos nds. A essa altura de nossa discussao, precisamos estabelecer algumas distingdes que geram bastante diivida: 0 que é texto/enunciado? 0 que sao os tipos de texto? O que sao géneros de discurso? Um texto ou enunciado é, como vimos, um dito (ou cantado, escrito, ou mesmo pensado) concreto e tinico, “irrepetivel”, que gera significagao e se vale da lingua/linguagem para sua materializaci Conistituindo o discurso, Na era do impresso, reservou-se principal- mente a palavra “texto” para referir os textos escritos, impressos ou. nao; na vida contemporanea, em que os escritos e falas se misturam com imagens estaticas (fotos, ilustrag6es) e em movimento (videos) e com sons (sonoplastias, mtisicas), a palavra “texto” se estendeu a essesyCnunciados hibridos de “novo” tip9! de tal modo que falamos em “textos orais” e “textos multimodais", como as noticias televi- sivas e os videos de fas no YouTube. Quanto as distingdes entre tipos de texto e géneros de texto/ discurso, a mais famosa a esse respeito é de Marcuschi (2002), que 0s define como: (a) Usamos a expressao tipo textual para designar uma espé de construcao tedrica definida pela natureza linguistica de sua composi¢ao (aspectos lexicais, sintéticos, tempos verb. relagdes légicas). £m geral, os tipos textuais abrangem cerca de mela diizia de categorias conhecidas como: narragao, ar- gumentagao, exposigao, descrigao, injungao. 25 = e * Os géneros integram praticas sociais situadas Um letramento & sempre um letramento em algum género deve ser definido com respeito aos sistemas signicos empregados, as tecrologlas materiais usadas e aos con textos socials de produgdo, citculagdo e uso de um g8nero particular, Podemos ser letrados em um género de de pesauiss cientitica ou em um género de apresentagao jos. Em cada caso, as habilidades de letramento .@ as comunidades de comunicagao relevantes iferentes (Lemke, 2010: 5p.) Este capitulo tem como propésito discutir de que maneira por elas gerados e formatados. Para isso, apresentamos 0 que sao e como se definem as “ sociais”, com base no conceito marxista de “praxis centando que toda préxis exige uma ética. A seguir, com base na apresentacdo das “esferas de valor” (ética) em Hegel e em Weber, introduzimos o conceito de “esferas de atividade” deste sao bakhtiniana sobre as “esferas de atividade humana/ ‘imo autor para fundamentar a discus- 54 de comunicagao”, desenvolvida no item 2. Abordamos também os conceitos de “campo” e de “habitus”, de Bourdieu, relacionando-os ao de “esfera de atividade/comunicagio". Em seguida, definimos as relagdes entre os géneros discursivos e as esferas/campos de atividade humana na obra bakhtinians e discutimos a diversidade nalmente, no item 3, trata- dessas esferas/campos dos géneros. mos da relagdo entre enunciado/texto e a (situacao de) “enunciacao", dando destaque ao conceito de “apreciagao valorativa” (ainda com forte énfase nas questdes éticas) como determinante da enunciagao dos textos: Sair-se bem em uma entrevista de emprego, vender 0 carro usado por um bom valor, fazer valer a prépria opinido em uma discussao com os amigos, avaliar criticamente as propostas dos candidatos para votar mais acertadamente, entender um documentario cien- tifico, fazer uma prece ao santo de devo¢io, pagar um boleto pela internet, apreciar um bom romance ou filme, cantar ou compor uma can¢ao, Todas sao agdes ou atividades que, vez por outra ou frequentemente, realizamos em nossa vida corriqueira a contento (ou nao) porque sabemos (ou nao} agir de acordo com os padroes das praticas sociais que as regem. Nossa vida nao ¢ feita apenas de pessoas ¢ objetos. Nem mesmo das ideias e concepgdes que temos sobre essas pessoas ¢ objetos E feita de nossas atividades ou ages com essas pessoas ¢ objetos, que so, a0 mesmo tempo, objetivas e subjetivas, sensiveis. Marx, nas Teses sobre Fewerbach, designava essas ages humanas, capazes de transformar nossa vida, o mundo e a natureza, como “praxis e afirmava que “a vida social ¢ essencialmente pratica. Todos os mistérios que seduzem a teori solugao racional na préxis humana e na compreensao desta praxis (Marx, 1982[1845], tese 8). para o misticismo encontram a sua Konder (2003: 1) define “praxis” como a “atividade do sujeito que, de algum modo, aproveita algum conhecimento ao interferir no mundo, transformando-o e se transformando a si mesmo”. Nes- sa perspectiva, as praticas sociais so ages racionais, convocam responsabilidade social, envolvendo uma ética. Na praxis, o sujeito age conforme pensa, a pratica “pede” teoria, as decisdes precisam ter algum fundamento consciente, as es colhas devem poder ser justificadas. Na praxis, 0 sujeito projeta seus objetivos, assume seus riscos, carece de conhecimentos (Konder, 2003: 1), De fato, para ganhar uma discussdo com amigos sobre uma controvérsia de maneira “civilizada” e nao no grito; para nego- ciar bem 0 prego de nosso carro usado, mas sem mé-fé; para ser aprovados em uma entrevista de emprego sem mentiras ou enga nagdo ou para fazer uma prece ao santo, mas com fé e devocao, precisamos de éticas de natureza diversa. Por isso, Hegel (1820) ja falava em trés espagos das préticas humanas, trés esferas da ética: a da familia, a da sociedade civil e a do Estado. Essas esfe ras éticas, entretanto, 36 se constituem a partir das regularidades das préticas intersubjetivas. Logo, nesses espacos, as pessoas aprendem essas regularidades de aco, esses habitos e valores, conforme vao participando de cada uma das demais esferas: ha um aprendizado ético. Dialogando com Hegel ¢ Marx, 0 socidlogo Max Weber (1974(1946}; 1995) vai, ele também, distinguir esferas de atividade/ agao/atuacao humana e esferas de valores. Para Weber, a socie dade 6 formada por “individuos” e “esferas” bem nitidas; existem 05 individuos e as estruturas sociais criadas pelos individuos em interagao social (esferas). , para entendé-las, € preciso um “méto- do compreensivo”, ou seja. 6 preciso buscar o “sentido” de certas conexées entre esferas, motivagdes etc, Essas estruturas sociais ou esferas também nao sao estiticas, nao estao fora da histéria, Elas 55 56 acabam, mudam, sao substitufdas, dependendo da “vontade” dos individuos, pois sao eles que dao logica as ages coletivas, Weber trata, portanto, as esferas de atuagéo humana como esferas de valor. O que so essas “esferas”? S30 os campos das ativi- dades humanas centrais, basicamente trés: a esfera da ciéncia e da técnica, a esfera da arte e a esfera da ética. Segundo Ghiraldelli Jr. (2009: s.p.), Weber “segue a triade kantiana: conhecimento te6rico, apreciagao estética, normatividade ético-moral” Ao tratar das esferas de atuacao humana como esferas de valor distintas, Weber define seis dominios ou esferas da pratica social: politica, ciéncia, religido, burocracia, economia e ética, cada uma segundo regimes e funcionamentos particulares (Weber, 1974, 1995), como explica Teixeira (1999: s.p.): “Enquanto esferas de valor sepa- radas, politica, ciéncia e burocracia fazem demandas distintas sobre 0s sujeitos que nelas se inserem, produzindo vocagdes especifica Nessa perspectiva, as praticas sociais e as atuagdes humanas nao se dao na sociedade de maneira desorganizada e selvagem, mas se organizam de maneira diversificada em esferas distintas de atuacao ou atividade que seguem regimes de funcionamento diferenciados, inclusive no que diz respeito aos principios éticos aos valores. Isto é, as praticas sociais sao “situadas” em esferas de atuacao especificas. Um bom exemplo seriam as diferentes éticas ow as diferengas de valor, nas universidades ou na academia, entre a esfera da ciéncia e a da burocracia, que muitas vezes, entram em choque por essas diferengas. Quantas vezes nao discutimos com as esferas burocraticas académicas que seria mais interessante para a pesquisa dispor de uma organizaco interdisciplinar; de um curti- culo estruturado no tripé ensino/pesquisa/extensao; de um menor niimero de alunos em sala de aula; de cursos mais flexiveis, com tempos diversificados e trabalhos colaborativos? Ao fazermos essas discusses, estamos nos valendo de uma ética ou de um conjunto de valores do campo cientifico (inter ou transdisciplinaridade, interesses primérios de pesquisa, colaboratividade etc,). Essa ética ow esse conjunto de valores, no entanto, conflita com os interesses, valores ¢ ética burocratica de maior produtividade e periodicidade controlivel em linha de produgao, baseada ainda em uma concep¢ao fordista de educagao e trabalho, em geral adotada pela burocracia Ninguém esté a priori “certo” ou “errado”: sao olhares e fazeres que obedecem a diferentes éticas. Outro socislogo que se ocupou dessa reflexao foi Bourdieu’ Segundo Almeida (2006: 2), a proposta de Bourdieu “visa cobrir 0 hiatos deixados pelas outras perspectivas entre teoria e pratica, individuo e historia, atores sociais e estrutura, por intermédio dos conceitos de ‘campo’ e ‘habitus’ (Bourdieu, 1982; 1983)”. 0 conceito de “campo” é bastante préximo ao de “esfera de atividade”®, mas a concepcao de Bourdieu se estende para além dos valores e da ética, em especial para as relagdes de poder no campo. © conceito de “campo” enfatiza a ideia de um espago de produgao simbdlica (artistica, cientifica, literaria etc.) como espago social de relagdes objetiv: sArio Segundo Bourdieu, para que um campo funcione, & neces que haja objetos de disputas e atores dotados de um habitus que implique 0 conhecimento e o reconhecimento das leis imanentes do jogo, dos objetos, das disputas etc. (Almeida, 2006: 2) Os campos sao, pois, “espagos estruturados de posicdes”, micro- cosmos sociais, com valores (capitais cultural, econdmico, simbélico etc,), objetos e interesses especificos (Bourdieu, 1987: 32). 0 campo um espaco de disputa, principalmente entre 0 polo do novo, dos individuos que reivindicam o direito de entrada nesse espaco, ¢ 0 Essa reflexdo sobre a importincia da relagio entre © conceito webs conceito boutdieusiano de campa para a compreensio do conceito de esfeas de cn iscursos em Bakhtin ¢ largamente insprada em taballo conjunto realizado com Jacqueline Peixoto Barbosa, em 2003, e apresentado no 13® INPLA, inutulade “O canceto de “esleras de ciculagio’ em Bakhtin; sua aplicagao para construgao de currculos para 0 ensino de lingua materna” (Rojo e Barbosa, 2003), Tnchusive, na traduedo de Estetica da riagdo verbal de 2003. feta ttagutor prefer usir “compo” a0 invés de “esfena", contrariamente 30 que aparece na radugdo de 1997, feta por Maria Ermantina G.G, Perea Paulo Bezetra © 387 polo dominante, que tenta defender 0 monopélio e excluir a con- corréncia (Almeida, 2006). 0 funcionamento do campo € garantido entre seus atores pelo que Bourdieu denomina de “habitus”. O habitus ¢ uma competéncia pritica, adquirida na e para a a¢3o no campo. Nao é uma aptidao natural, mas social e é, portanto, varidvel através do tempo, dos lugares e, sobretudo, pelas distribuigdes de poder. Para Wacquant, © habitus & ‘0 modo como a sociedade se tora depositada nas pessoas sob a forma de disposigdes duraveis, ou capacidades treinadas & propensdes estruturadas para pensar, sentir e agir de modos determinados, que entao as guiam nas suas respostas criativas 0s constrangimentos e sol (Wacquant, 2007: 66) tages do seu meio social existente, Nao se trata de procurar reduzir atividade a campo, erro sobre o qual nos adverte Lahire (1999: 31): A leitura dos textos mostra que seria abusivo reduzir a apreensao weberiana 3 de tais realidades sociais [os campos]. Certas esferas de atividade parecem, aparentemente, com 0 que podem ser os ‘campos (esferas de atividade econdmica, politica, religiosa, esté- tica, intelectual), mas outras se distinguem bastante claramente (vida doméstica, atividades erdtico-sexuais, dimensao ética das atividades...). Mas frequentemente, mesmo as primeiras podem ser consideradas mais como registros de acao, como dimensdes da vida social, que como atividades inscritas em espagos-tempos relativamente autonomizados. proprio Bourdieu (1990a: 65), a0 afirmar que nao se filia a nenhuma grande teoria, nem a nenhum autor, mas que se serve de * elas e de “todos” eles, vai citar como exemplo sua relagao com Weber: “{...] construf a nogao de campo contra Weber e a0 mesmo tempo com Weber (...]” (€nfase do autor). Assim, trata-se so. mente de procurar ver que propriedades do campo, por positividade (em nome do “com Weber”) ou negatividade (em nome do “contra Weber”), podem ser atribuidas as esferas de atividades. Assim, para esses autores, a sociedade se organiza e funciona em campos ou esferas de atividade que se regem por leis proprias. as quais determinam a posigao, os poderes, os deveres, os valores eo habitus dos individuos que atuam nesses campos ou esferas. Entre essas maneiras de agir em uma esfera ou campo, que Bourdieu denominou “habitus”, estao as maneiras de falar, de escrever e de se comunicar interagindo, ou seja, os géneros discursivos. As imagens abaixo (figuras 2.1, 2.2 2.3), por exemplo, deixam muito claro como vigem diferentes éticas, valores, habitus ¢ distri. buicdes de poderes, por exemplo, nas esferas/campos empresarial, religiosa ¢ nas tribos urbanas da cu a juvenil: Figure 2.1 Disponivel em ‘Acesso em, 29 set. 2014 Figura 2.2 Dispanive! em ‘Acesso em: 29 set 2044 59 __Eiii saia de aula: atividades para o(a) professor(a) 1. Vocé gosta de RAP? Conhece 0 movimento hip-hop? Sabe como funciona e quais s4o os principios e valores que 2, Para saber mais sobre o funcionamento desse movimento, leia © texto (adaptado) escrito por Bruno Ventura (DJ Groovy), com apoio do grupo Spartanic Rockers e Hit da Breakz, para o site Hip-hop & uma cultura que consiste em quatro subculturas ou subgrupos, baseadas na criatividade, Um dos primeiros grupos seria, e se no o mats itura, 0 Ding ‘oMCing (com ou sem util o Writing (escritores e/0U grafteiros) representa a arte pléstica, expresso Disponivel em: (© hip-hop nao pode ser consumido, tem que ser vivido (nao comprando roupas caras, mas, sim, melhorando suas habilidades em um ou mais ‘elementos dia a dia). € um estilo de vida... Uma ideologia... Uma cultura ser seguida... ‘A*consciéncia” ou a “informagao”, na minha opiniZo, no pode ser cons ‘derada como elemento da cultura, pois isso Ja vem inserido nas culturas do Diing, 8. Boying, MCing e Escritor/Writing (grafiteiros), ou seja nos elementos da cultura hip-hop, mas 6 valido para a nova geragao, dizendo 61 62 fazer parte da cultura hip-hop sem ao menos conhecer os criadores da cultura e suas reais intengoes. As ralzes ‘A origem e as ratzes da cultura hip-hop esto contidas no sul do Bronx, ‘em Nova York (EUA).A ideia basica desta cultura era e ainda é: haver uma esfera de comunicagao —_—- lugar histricos (cronotopo) mene lagdes socal) [Uz Temas Vl \Vontade enunciatva/apreciagao valoratva do co Figura 2.8 Praticas sociase esferas de comunicacao, Sobre os participantes ou atores e suas finalidades ou propé- sitos, Bakhtin afirma: “A posi¢ao social, o titulo e o peso do desti- natario, refletidos nos enunciados dos campos cotidianos ¢ oficiais, so de indole especial. Nas condigdes de um regime de classes e particularmente de castas, observa-se uma excepcional diferen- ciagdo dos géneros do discurso...” (Bakhtin, 2003[1952-1953/1979]: 302-303, énfase adicionada). E acrescenta, em outro texto: “Esses géneros diferem segundo as esferas hierérquicas: a esfera intima, aesfera oficial e suas variedades”. (Bakhtin, 2003{1970-1971/1979): 390, énfase adicionada). Em resumo, h4 uma visivel vinculagao entre as praticas sociais, os tipos de interagdo verbal, os géneros e as esferas de atividade. Cada uma dessas esferas/campos de atividade, ao mes- ‘mo tempo, engendra e é engendrada por certos tipos de interagao verbal admitidas nas prdticas sociais, 0 que nos permitiria falar, entdo, em “esferas/campos de comunicacao”. Nestas, circulam certos géneros que refletem e refratam as restricdes impostas pela correlagao de posicdes sociais, pelo jogo de interesses e pelas finalidades proprias dessas esferas e, ao mesmo tempo, cristali- zam as formas de discurso — os géneros — mediante as quais se materializa seu funcionamento. ‘Além disso, ha também certa diviséo/contraposicao entre esfe- ras/campos puiblicas e privadas, mais ligadas & superestrutura ou a infraestrutura social, oficiais institucionalizadas ou cotidianas. Ai é que se contrapdem, nos textos, os termos “esferas de comunicacao verbal/comunicagao cultural” e “esferas da vida cotidiana/familiar e da vida oficial”, correspondende, de certa maneira, aos conceitos de “géneros primarios/géneros secundarios” que vimos antes. ‘Vejamos outras citagoes: ‘Além disso, existe uma parte muito importante da comunicacao ideol6gica que nao pode ser vinculada a uma esfera ideolégica particular: trata-se da comunicagao na vida cotidiana. Por um lado, ela esta diretamente vinculada aos processos de produgao nm 74 2. Leia a definicao de “géneros” a seguir: Diferentes modos de vida e circunstancias ligados as diversas esferas/ ‘campos de comunicacao, por sua vez relacionadas com os varios tipos de atividade humana e determinadas, em titima instancia, pela organiza¢ao econémica da sociedade, gerariam tipos tematicos, composicionais @ ticos de enunciados/textos relativamente estavels — os géneros (Rojo, neste livro: 6). Com base nessa definicao, considere abaixo os temas, as deseri- ges de temas e linguagem, mencionados na coluna da esquerda, e relacione-os as esferas/campos de atividade humana e seus valores, que figuram na coluna da direita: (1) Fatos relevantes recentes, ( } {ntima — proximidade, informados em linguagem afeigdo, amor, respeito objetiva. docilidade. (2) Regras e normas gerais, escritas nalistica — confiabilidade, em linguagem normativa e com dade, novidade da validade que se aplica a todos. informa¢ao. (3) Afetividade e sentimentos, em —_(_) Juridica — universalidade, linguagem pessoal, subjetiva e dominagao, normalizagio, delicada. clareza. ) Literéria — beleza, efeito estético, singularidade. (4) Produtos, servigos ou ideias, apresentados em linguagem sugestiva, buscando mover 0 leltor/espectador & a¢ao. (5) O wabalho sobre a linguageme —_(_) Propagandistica — a lingua visa a provocar emo¢3o convencimento, persuasio, © contemplagao/apreciagao apelatividade. estética, A chave correta 6: (a) ()5,4,2,1,3. (b) ()2,1,3,5,4. © 051324 @ 031254 . Em uma mesma esfera de atividade humana, podemos viver vé- rias situagées de produgao do enunciado ou do texto. Considere as seguintes esferas/eampos de atividade humana que figuram na coluna da esquerda e relacione-as as situacées de produgao do texto e seus participantes mencionados na coluna da direita, Em seguida, marque a alternativa correta. advogados de defesa e act € escrivdo se retinem para deci Juridica sentenga do réu, 75 72 €, por outro lado, diz respeito as esferas das diversas ideologias especializadas e formalizadas (Volochinov/Bakhtin, 1981{1929}: 37, énfase adicionada) Nesse texto de Volochinoy, esferas ideolégicas sao especit camente aquelas ligadas 8 superestrutura social, as das ideologias especializadas, formalizadas e oficiais e em que circulam, portanto, géneros secundarios. J a “ideologia do cotidiano”, a comunicagao ha vida cotidiana, estaria relacionada as infraestruturas sociais em \ciada e influencia, reflete e refrata as diversas ideologias das esferas oficiais. O termo “esferas ideolégicas” desaparece no texto de Bakhtin (2003(1952-1953/1979]), mas, de maneira diversa, ele retoma a questdo e, com frequéncia, contrapée comunicagao cultural a comunicagao verbal: que ela circula muitas vezes e que ¢ influ Em cada época, em cada f cresce e vive, sempre existem enunciad culo social, em cada micromundo liar, de amigos e conhecidos, de colegas, em que investidos de autori dade que dao 0 tom, como as obras de arte, ciéncia, jorn politico, nas quais as pessoas se baselam, as quai: imitam, seguem. Em cada época ¢ em todos os campos da vida eda atividade, existe determinadas tradigdes, expressas e con- servadas em vestes verbalizadas: em obras, enunciados, sentencas etc. (Bakhtin, 2003[1952-1953/1979}: 294, énfase adi Para refletir Considerando que os atores de uma dada esfera/campo se rela- cionam com base em certos principios éticos e em um conjunto especifico de valores (produtividade no trabalho, fé e dogma na religido, etc.), quais esferas/campos de circulacao de discursos vocé julga indispensavel tratar na educagao bésica, em especial, no ensino médio? Marxismo e filosofia da linguagem. de Volochinov/Bakhtin, publica- do pela Editora Hucitec, é obra primordial da teoria da enunciagao Nesse livro, é abordada a influéncia da ideologia, dos atores sociais e do tema na enunciacao. ida aula: at ) professo 1. Observe 0 trecho de texto a seguir: cada campo de utiliza¢ao da lingua elabora seus tipos relativamente est veis de enunciados, os quais denominamos géneros do discurso. (Mikhail M Bakhtin, Estética da criagéo verbal. So Paulo: Martins Fontes, 2003, 0.262) Considere abaixo as esferas de atividade humana que figuram na coluna da esquerda. Associe-as aos géneros mencionados na segunda e, em seguida, marque a alternativa correta. (_) Pauta, noticia, reportagem, 1* pagina, manchete, artigo de opinigo, editorial, comentétio telejornal (_) Prova, exercicio, livro didatico, lista de notas, programa de curso, orientagdes curticulares, boletim, relatério, lista de presenca (2) Jornalistica (3) Cotidiana_(_) Boleto bancério, conversa, bate-papo, Twitter, torpedo, bilhete, passagem, lista de compras, calendario, lista telefénica. (4) Escolar () Pauta, memorando, ofici apresentacao oral, e-mail, cronograma. (5) Trabalho.) Prova, réplica, depoimento, testemunho, acareag: regulamento, lei, escr , sentenga, estatuto, regiment alo. (b) ()2.4,3,5,1. @ ()3,4,1,5,2. Acchave correta é: (a) ( ) 2,1, 3,5,4. © ()54,2,13. 73 76 (2) Jornalistica () Editor de “cotidiano”, repérteres, fotdgrafo e redatores retinem-se para elaborar a pauta do itima se retinem para () Delegado, eserivao e prestar/registrar queixa, () Revisor revisa e corta textos de acordo com 0 espaco de impressao pré-definido. A chave correta é: (a) () 12,21 (b) () 12,2. © ()L242 @(2LL2 Os exercicios acima funcionam como exemplos de andlises que po- dem levar os alunos a perceberem como circunstancias diversas de comunicagao e discurso, em diferentes esferas sociais de atividade, Ievam a escolha de géneros discursivos que também vao apresentar sos linguisticos, tons, apreciagdes e valores, ideologia, significagées e estilos diferenciados. Tudo isso estaré sempre envolvido na analise de diferentes textos em géneros de discurso diversos, Enunciado e er to € contexto Vimos, no capitulo 1, que podemos fazer equivaler a nogao de texto ao conceito de “enunciado” do Circulo de Bakhtin, Um enun- ciado se define por suas fronteiras entre os interlocutores e acaba quando o enunciador, locutor ou falante considera que terminou de discursar. Nas palavras de Bakhtin, 0 tratamento exaustivo do tema do enunciado varia profun forme as esferas da comunicagao verb ivo pode ser quase total em certas esferas na vida cotidiana (as perguntas de ordem puramente factual e as respostas igualmente factuais que elas suscitam), na vida pratica, na vida m tar (0s comandos e as ordens), na vida profission: ‘em suma, nas esferas em que os géneros do discurso sao padroni- zados ao maximo e a criatividade é quase inexistente. Nas esferas criativas (em particular, claro, nas ciéncias), em compensacao, 0 tratamento exaustivo seré muito relative — ex: (imo de acabamento capaz de suscitar uma atitude responsiva (Bakhtin, 1997{1952-1953/1979}: 300), mente un Ou seja, ndo somente os géneros, mas também a natureza dos enunciados varia conforme as relagdes nas esferas/campos de comunicagao. E 0 fenémeno que chamamos de “enunciagio”. A enunciacao se define pelas possibilidades deixadas pela esfera/ campo de comunicacao em que se da. E isso acontece porque, em uma mesma esfera de atividade, podemos viver varias situacdes de enunciagao ou de produgao do enunciado. Por exemplo, na esfera/ campo académica brasileira e contemporanea, és, professores, podemos protagonizar diversas situagdes de enunciacdo: participar de eventos e reunides de departamento ou de conselho, dar aulas, oientar dissertagdes e teses, escrever e publicar artigos e organizar revistas e periddicos, Em cada uma dessas situagdes concretas de enunciagao, tere mos parceiros especificos com os quais nos relacionaremos (bem ou mal, com gosto ou nao, de forma estritamente profissional ou mais ampla, como subordinados ou chefia etc.) e sobre os quais te- Femos juizos e apreciagdes de valor mais ou menos estaveis. Essas apreciagées valorativas — sobre o tema do enunciado e sobre os parceiros da enunciagdo — sao, na visdo de Bakhtin, 0 elemento 7 mais importante para a vontade enunciativa ou o querer-dizer do falante ou locutor e determinam a escolha do género e a realizacao concreta do enunciado, sua formatagao: A vontade enunciativa do falante se realiza antes de tudo na esco- Tha de um genero do discurso. Essa escolha é determinada pela especificidade de um dado campo da comunicacao discursiva, or consideracdes semantico-objetais (teméticas), pela situacao concreta da comunicagao discursiva, pela composi¢ao pessoal dos seus participantes etc. (Bakhtin, 2003{1952-1953/1979): 282, énfase do autor) ‘Tratando, por exemplo, do que chama de os “géneros| aqueles que usamos com o(a) namorado(a) au ofa) amante (confiss30, ‘amorosa, declaracao, conversa etc.), em contraste com os “generos. familiares”, isto é, que utilizamios em fat m a esposa ou oma: Tido, 0s flhos, 05 primos etc. (ordens, pedidos, conversas, broncas, brigas, pitos etc.) Bakhtin diz: ‘Matizes mais sutis do estilo s20 Brau de proximidade pessoal do destinat os diversos generos familiares de disc por outro. A despeito de toda a imensa d ites e intimos (e, respectivamente, 05 estilos) eles percebemt destinatario em maior oumenor grau fora do ambito Isso é que faz a diferenca na maneira de nos dirigirmos, por exemplo, a um namorado(a) ou a um marido (ou esposa). Imagine a seguinte situacao: 0 casal esta saindo para o cinema e o homem +A tranqueza da praca pblica pronunciada em viva voz eo ato de chamar as objetes pelos ‘seus proprios nomes caracterizam esse estilo. “engancha” na tv para ver 0 final do jogo do Brasileiréo. A namo- ada dird: “Vamos, benzinho, senao vamos perder o inicio do filme. Vocé queria tanto ver... Eu ponho para gravar para vocé o final do jogo”. J4 a mulher (esposa) dir: “Levanta daf! Desliga isso! Nao quero perder o come¢o do filme! © que muda entre o género intimo e o familiar nao é propria- mente a, proximidade entre os parceiros, muito semelhante em um. caso e outro — aliés, um costuma ser a continuidade do outro —, mas a apreciagao de valor, a avaliagdo, a imagem que um tem do outro e da situacdo: 0 apreco e o grau de familiaridade que um tem pelo ser humano outro que esté a seu lado. Indicacao de leitura Para saber mais sobre os géneros intimos e 0 discurso amoroso, leia Fragmentos de um discurso amoroso, de Roland Barthes. Para uma discuss mais em detalhe sobre 0 impacto da si- tuacao enunciativa sobre os géneros familiares, ver texto de Rojo (2005) intitulado “Géneros do discurso e géneros textuais: questées teéricas e aplicadas” na coletanea organizada por Meurer, Bonini € Motta-Roth, jé indicada anteriormente: Géneros: teorias, métodos e debates. Lembre-se: 0 mais importante na situago de enunciagéo ou na sl: tuacdo de produgao do enunciadovtexto ¢ a apreciacao valorativa ou imagem que o falante/escritor tem de seus parceiras e do tema «do enunciade: Toda palavra usada na fala real pos G80 no sentido objetivo, de conteddo, desses termes, mas tambem um acento de valor ou apreciativo, isto &, quando um conteudo ) pela fala viva, ele & sempre ‘objetivo € expresso (dito ou esc acompannado por um acento aprecia apreciati, €enfase adicionada) 79 ula: atividades para o(a) professc 1, Vamos rir? Veja esta piada retirada do site Piadas Engracadas: Piadas de Casamento ‘aso de namorados estavam passeando pela rua de ncite, a mulher aha pra hia © iz atc: - Ona amor a ua esta $2 escondendo! E 0 homem dz: - E que aha esto ‘com vergonha dessa sua belezat (Cepois de 10 anos de casado) ‘Amuther di: aha amor a lua esta de escondend O homem cz assim: - NBo td vendo que vai hover sua ve!!! Figura 29 Acesso em 29 set. 2014, Disponivel em: 2. O que vocé acha que mudou na rela¢do entre esses parceiros em dez anost Como o homem via a namorada e como vé a esposa? O que achava ele dela hé dez anos e 0 que acha dela dez anos depois, (@preciacao valorativa)? Quais as palavras que indicam isso no texto? 3. Agora, vamos ler a letra de um samba famoso de Noel Rosa: Feitico da Vila, Se puder, ouga 0 samba na internet (por exemplo, em 71). Acesso em: 29 set. 2014). 4, Qual apreciagao de valor vocé acha que Noel Rosa tem do sam- ba de Vila Isabel? E dos sambas de outros lugares, como os dos morros do Rio de Janeiro? 5. Pense sobre os versos: A Sem vela e sem Que nos faz bem ‘Tendo nome de princesa la tem igo sem farofa m Que prende a gente [...] ‘Agora responda: 0 que a palavra “feitico” si 1a”? E como so 0s “outros feiticos”? Quais as apreciagdes de valor de Noel Rosa sobre um e outros? Indicagao de video Se tiver oportunidade, veja a fala de Caetano Veloso sobre este assunto em http://www youtube. com/watch?v=JITDSIWLIUE (acesso em: 29 set. 2014). 6. Finalmente, compare esses versos de “Feitico da Vila” da questao 4.com outros de Haroldo Barbosa em “Pra que discutir com Mada- me?” (Ouga o samba acessando 0 link http://www.vagalume.com. 81 82 br/teresa-cristina/pra-que-discutir-com-madame.html. acesso em 29 set. 2014), Pra que discutir com Madame (Haroldo Barbosa) Madame diz que a raga nao melhora Que a vida piora Por causa do samba. Madame diz que o samba tem pecado Que o samba é coitado Devia acabar. Madame diz que o samba tem cachaga Mistura de raga, mistura de cor. Madame diz que o samba é democrata E misica barata Sem nenhum valor. Que semelhancas e diferencas vocé vé entre a avaliagdo de Noel Rosa sobre o samba que ndo ¢ da Vila Isabel e a de Madame de Haroldo Barbosa? Os exercicios acima exemplificam maneiras de levar os alunos a perceber que é a valoragao social que move o texto (através de seu tema) e também 0 género de discurso na vida. Abordar os géneros © 08 textos principalmente com foco em sua forma — como a escola © 08 materiais didaticos preferem fazer — nao contribui muito para a formagao de um leitor/interlocutor/autor critico e cidadio. Assim, levar a perceber que a forma est a servico de fazer ecoar 0 tema ou a significagao dos textos é a mais importante contribuigao de um professor de lingua para a educa¢ao linguistica de seus alunos. Em http://www.culturabrasil.pro.br/weber.htm (acesso: 24 set. 2014), vocé pode ler um artigo sobre a vida e a obra de Max Weber. No link http://www.marilia.unesp.br/Home/Pesquisa/cultgen/ bourdieu_nocachabitus.pdf (acesso: 24 set. 2014), hd um artigo que esclarece a nogao de “habitus” proposta por Pierre Bour- diew Em http://culturahiphop.uol.com.br/ (acesso: 24 set. 2014), site dedicado a0 movimento hip-hop, voce encontra noticias, matérias, revistas e rédio on-line. O livro Linguagem & didlogo: as ideias linguisticas do Circulo de Bakhtin, de Carlos Alberto Faraco, publicado pela ParSbola Edito- ial, apresenta as contribuigdes do Circulo de Bakhtin relativas linguagem e ao seu modo de funcionamento, Ra

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