a a B INSTITUTO FEDERAL OB SUDESTE DE MINAS GERAIS CAMPUS MURIAE AGROECOLOGIA EAD FUNDAMENTOS SOCIO-ANTROPOLOGICOS APLICADOS AO MEIO RURAL PROF. JULIO MONERAT2 FUNDAMENTOS SOCIO-ANTROPOLOGICOS APLICADOS AO MEIO RURAL ee CAPITULO 4 eee Cultura camponesa Vamos aprofundar um pouco mais nosso entendimento da cultura camponesa através do estudo do verbete “Cultura camponesa” do Dicionario de Educagao do Campo, escrito por José Maria Tardin e por nés adaptado. Em se tratando do campesinato, ele se constitui a partir de uma diversidade de sujeitos sociais histéricos que se forjaram culturalmente numa intima relagdo familiar, comunitaria e com a natureza, demarcando territorialidades com as transformagées necessarias @ sua reprodugao material e espiritual, gerando uma miriade de expresses particulares que, ao mesmo tempo, respaldam-se em elementos societarios gerais, marcando sua humanizagao e humanizando a natureza, em um intricado complexo de agroecossistemas. Nesses termos, 0 campesinato confirma e exige tomar o tratamento da cultura em sua pluralidade; trata-se, portanto, de culturas do modo de ser de cada sociedade, nas quais se supera a pretensdo de que haja “a cultura” e, fora dela, a "nao cultura’, como, na particularidade no campo, tem-se as culturas camponesas. Ha que tratar entéo das “agri-culturas" — do grego ager e do latim colere, que significa cuidar do campo, criar no campo, cultivar 0 campo — como expressdes diferenciadas das relagdes das campénias e dos campénios no campo e com o campo. A agricultura traduz, sem equivoco, uma relacao humano-natureza marcada pelo sentido de forte conexéo, de pertencimento, de ato transformador e criador, uma relagao fundada no cuidado, como assinalado anteriormente. E, portanto, identidade humano/natureza Assinalamos um conjunto de aspectos que serao desenvolvidos em seguida e que podem nos levar a uma primeira aproximagao ao entendimento das culturas camponesas, por meio da formulagao relativa a experiéncia do campesinato brasileiro: influéncias étnicas, relages cotidianas com a natureza, conhecimento empirico amplo, oralidade e pratica, espiritualidade,religiosidade, estética, relagdes diversificadas de cooperagao, forte predominancia patriarcal, e relagdo familia, comunidade e territério. Ademais desses aspectos, aos quais certamente se somam outros ndo desenvolvidos aqui, hd de se considerar que 0 campesinato como sujeito social histérico se forja em condigées sociais, materiais e politicas acentuadamente adversas que marcarao suas culturalidades Aqui destacaremos trés elementos, a saber: sofre violéncias e continuas agressdes no percurso da histéria; € historicamente ativo em processos de rebelies; e apresenta elevado grau de radicalidade na sua agdo politica No Brasil, povos originarios, povos africanos negros e povos europeus foram condicionados historicamente a se encontrar neste vasto territorio, sob o dominio das nobrezas de alguns paises europeus, notadamente Portugal e Espanha, e vao conformando o miscigenado campesinato brasileiro. Essa miscigenagao tem continuidade histérica no pais nao sé em decorréncia da vinda de outros povos para o Brasil, mas também pelo intenso processo migratério existente no campo até os dias atuais. Essa constituigéo pluriétnica cada vez mais miscigenada vai gestar tipos humanos diferenciados e regionalizados territorialmente, os quais, em suas interagdes com os ambientes especificos de cada lugar, vao configurar as paisagens com suas peculiaridades culturais: os povos originarios, majoritariamente na Amazénia e dispersos nas demais regides; o sertanejo, no Agreste nordestino; os quilombolas, dispersos em varias regides; o ribeirinho, as margens de rios; o caipira, em partes do Sudeste; o caboclo, em partes do Nordeste e da Amazénia; 0 gaticho, nos pampas sulinos; 0 colono imigrante europeu, no Sul e em partes do Sudeste, entre outros. Na condigéo predominante de trabalhadores sem-terra, estéo o pedo de boiadeiro, o pantaneiro, 0 agregado, 0 meeiro, o parceiro e, nas vilas & cidades predominantemente, o boia-fria © mundo camponés é formado por ecossistemas complexos, dos quais & preciso recolher e/ou transformar os materiais da natureza para assegurar a satisfagao das necessidades vitais e a reprodugao social. A paisagem natural vai sendo aculturada com os cultivos agricolas, a criagao de rebanhos e 0 extrativismo florestal, que envolvem o manejo deincomensuravel biodiversidade e agrobiodiversidade, A cada uma dessas espécies, de uso alimentar, condimentar, medicinal, ornamental; fibras madeira; espécies necessérias a fertilizagdo e a protegao de fontes, rios e solo; ou que precisam ser mantidas visando a fins conservacionistas e de preservagdo, corresponde uma multiplicidade de conhecimentos e saberes relativos aos seus manejos e usos, e dos instrumentos de trabalho utilizados em cada situagao. Em sua generalidade, 0 ser camponés esta imbricado & natureza numa relago cotidiana, e essa interago se da por um continuo conhecer, pelas descobertas, por uma praxis empirica ampla e, preponderantemente, pela experimentagao durante largo lapso de tempo, efetivando tentativas que levam a acertos e erros, e, com isso, orientam as escolhas. Impée-se ao camponés a exigéncia de conhecimentos amplos, entre outros, sobre as plantas cultivadas e os animais silvestres criados; saberes sobre reprodugdo, produgao, protegao, conservagao, transformacao armazenagem; sobre usos que incluem a gastronomia, a terapéutica e a transformagao doméstica; sobre os solos e a agua — seus manejos ¢ conservagéo, que implicam obras e equipamentos variados; sobre o clima — vento, temperatura, chuva, seca, geada; sobre as estacdes do ano e 0 ciclo lunar; sobre fertiizantes, ferramentas e maquinas de trabalho; sobre construgao; e sobre produgao artesanal — roupas, calgados, adornos.... Nesses conhecimentos esta implicita a exigéncia de habilidades, destrezas e competéncias do fazer pratico direcionado para o alcance de solugées objetivas, o que proporciona constituir sujeitos com amplo desenvolvimento de suas capacidades e possibilidades humanas. Annatureza do conhecimento camponés faz dele um efetivo praxicoempirico, que preponderante e necessariamente faz ensinando e ensina fazendo, ao mesmo tempo em que comunica oralmente explicagées dos saberes intrinsecos a cada objeto e pratica. Estéo presentes em suas relagdes sociais acentuados valores humanos fundamentais, entre os quais a solidariedade e a fraternidade, que se concretizam em miiltiplas praticas de ajuda mitua entre vizinhos, em situages de catastrofes, perdas de safra, doengas e mortes, ou mesmo na organizagao de festividades comunitarias ou casamentos, batizados, entre outras. Da mesma forma, a ajuda mutuafaz parte nao apenas do seu cotidiano — com sementes, animais de trabalho ou para a reprodugao, com ferramentas e maquinas -, mas também do seu trabalho - seja nas trocas de dias ou nos mutires, sendo que esses tiltimos resultam sempre em festividade ao final das tarefas realizadas. Essa tradigao cultural leva-os a praticarem varios trabalhos coletivos para o bem comum da comunidade, realizando obras piiblicas voluntariamente — manutengdo de estradas, bueiros e pontes, escolas, postos de satide — de acordo com as suas necessidades, muitas vezes auséncia e por causa do descaso do Estado. Também se verifica a formalizagéo de sistemas organizativos voltados para o alcance de resultados econémicos mais vantajosos, como as associagées comunitarias ou de produtores especializados em determinadas mercadorias ou as cooperativas de porte comunitério ou municipal, havendo também iniciativas de alcance regional, estadual e nacional. Esses sistemas aparecem ao longo da histéria camponesa, e muitas experiéncias alcangam elevado nivel de cooperagdo complexa, nas quais todos os meios de produgao e o trabalho so possuidos e geridos coletivamente e a repartigao da produgdo social e de seus resultados econémicos é feita de forma igualitéria ou mediante uma base geral igualitaria que estabelece diferenciagdes segundo a posigao que cada membro associado ocupa no trabalho — periculosidade, jomada de trabalho ete. Também estao a frente de sistemas de cooperativas de crédito ou de servigos, e, tanto na forma de associagdes ou cooperativas quanto nas demais atividades econémicas, voltam-se ainda para a realizagao de atividades culturais e sociais. Sua imbricagao e cotidianidade com a natureza colocam o camponés ante a grandiosidade e a complexidade dos fendmenos naturais, o que vai ser apreendido muito mais na sua aparéncia do que em sua esséncia fenoménica, marcando profundamente a subjetividade camponesa. Emerge dai um sentimento de pertencimento, um vinculo umbilical com a “mae Terra’, mito primitivo que persiste no tempo. Essa relagéo com a natureza vai caracterizar uma espiritualidade propria, que sera traduzida numa estética de expressdo variada, que se revela em misicas de estilos variados, dangas, postica, teatro, bailes e festividades,instrumentos musicais, causos e contos, histérias e lendas, artesanato, artes plasticas, ritos, mitos e outros. Esse contagio com o mistério natural, seja pela via da contemplagdo, seja pela via do medo, do sentir-se pequeno, fragil e vulneravel, seja, ainda, por sentir-se afagado, acolhido e contemplado, vai traduzir-se, também, na constituigaéo do sagrado como estado superior e exterior, mas também igualitario e interior. O sentimento e a percepgéo do sagrado vao levar a demarcagao de ambientes naturais ou culturais especiais a sua manifestagao, com a determinagao de mitos e rituais particulares. Os rituais se voltam diretamente tanto para a natureza — olhos d’agua, cachoeiras, lagos, montanhas, grutas, bosques e florestas — quanto para processos do trabalho — preparagao da terra, semeadura e colheita, ou mesmo para a matanga e a preparagéo de animais, visando ao consumo ou para fins exclusivamente ritualisticos, momentos em que se faz uso de simbologias diversas: entoagdes de vozes, cantos, ritmos, ordculos, rezas, vestes e roupas, velas, incenso, ervas e madeiras de cheiro. O culto ao sagrado se concretiza na expressdo de cosmovisées panteistas, politeistas ou monoteistas, alcangando formas sincréticas de religiosidade Popular, em muitos casos refutadas, ou mesmo proibidas e perseguidas como inculturadas em determinados periodos histéricos, sob a hegemonia das religides oficiais, sobretudo a crista catdlica © sagrado vai marcar também festividades fixadas no calendario anual, estabelecendo as formas de expressao de momentos especiais no interior das familias e comunidades, em eventos como o nascimento, o batizado, a crisma e 0 casamento — ou seja, a iniciagao e a maioridade -, ou na morte & no funeral Outro trago geral das culturas camponesas advém do patriarcalismo constitutive do paradigma historicamente hegeménico nas diferentes sociedades. E notéria a supremacia do homem na hierarquia familiar e nas Tepresentagdes no espaco piiblico. A diviséo do trabalho segue tradicionalmente uma base sexual que em geral sobrecarrega a mulher, por isso, ela, ademais de cumprir com toda a gama de trabalhos de manutengao e cuidado da familia no Ambito domiciliar, também executa um conjunto de trabalhos na produgao agropecuaria,‘A magnitude e a complexidade de seu “quefazer’ exigem das mulheres amplos conhecimentos e habilidades vistos como obrigagses de uma boa mulher e como ajuda ao marido. E um contexto secularmente opressor e repressor no qual a relevancia dos seus afazeres e a dignidade do seu ser em geral no alcangam o devido reconhecimento, seja no interior da familia ou no Ambito social A essa opresséo secular, acrescentam- se muitas outras manifestagées de violéncia, na forma de agressées morais e fisicas, e de sociabilidade restringida, levando a um sentimento de obediéncia e de inferioridades fisica e subjetiva e 4 sua menor participagao tanto na geréncia do trabalho e dos negécios quanto na repartigao dos beneficios dos resultados econémicos do trabalho da familia. A dominagao patriarcal erguida e sustentada por milénios se materializa em cada periodo histérico de diferentes maneiras, expressando-se na divisdo sexual e social do trabalho, e é reforgada diferentemente pelas distintas formas de consciéncia social, nas quais as concepgées do sagrado e as religides vo exercer destacada influéncia. © politeismo, que inclui divindades masculinas e femininas, e que se expressa em panteismo, tem uma influéncia diferente do monoteismo — 0 qual é sempre patriarcal e atribui 4 mulher culpabilidades como o pecado original, responsabilizando-a, por exemplo, nao sé pelo sofrimento humano, mas também pelo softimento da divindade encarnada. Toda essa complexidade esté acentuadamente posta nos marcos culturais do campesinato brasileiro e vai, por sua vez, imprimir no homem camponés um sentido de superioridade que o autolegitima como portador de certa autoridade, um sentido exteriorizado na sua estética fisica e no seu vestuario, na expressdo de bravura e valentia, na supervalorizagao de ser 0 macho, num sentir exacerbado da honra, da austeridade e de ser trabalhador e na acentuada capacidade para o sacrificio diante das asperezas do ambiente e do labor. © horizonte imediato do campesinato é a familia, que, forgosamente consolidou-se aqui sob a forma cultural europeia cristé capitalist, reforgando as relagdes patriarcais, ao mesmo tempo em que impediu, sejapela forga juridica e policial, seja pela ordem social moral, outras formas tipicas dos povos origindrios ou africanos. Ocupando 0 epicentro imediato de sua viséo de mundo, os membros do campesinato brasileiro vao organizar e direcionar suas agées em geral e seu trabalho em particular preponderantemente para a busca de satisfacéo das suas necessidades individuais e familiares, a0 mesmo tempo em que demarcam seus horizontes existenciais pela incumbéncia maior de deixar aos descendentes uma heranga material superior a que receberam Do imediato familiar, as relagdes se estendem para o plano da comunidade, como espaco da vizinhanga, da realiza realizagao do trabalho solidario e cooperado e da sociabilidade mais intensa, espago que, para muitos, é praticamente o Unico local conhecido. De outra parte, as relagdes externas estdo limitadas ao contato apenas para a resolugao de necessidades pontuais. Esse horizonte restrito fragiliza a tomada de consciéncia politica, a organizagao de classe e a exponenciagao de sua humanizagao. A invasao cultural burguesa, ai consolidada em suas formas pratica e ideolégica, também turva a sua capacidade de se autoperceberem como sujeito social complexo e de conceberem o seu espago como tertitério, aspecto menos acentuado nos poves originarios e nas comunidades quilombolas, para as quais a existéncia social, que expressa uma visdo de totalidade histérico- espacial e populacional com recorte étnico, esta diretamente vinculada a determinado territério, A contengao, 0 impedimento de acesso a terra e a exploragéo do seu trabalho constituem expressdo da violéncia histérica e estrutural que perdura sobre os povos camponeses; para isso, 0 Estado burgués e os agentes do capital fizeram uso das mais variadas formas de agressao. Porém, ainda que condicionados a situagées materiais precarias e inferiores, povos origindrios, africanos e o campesinato miscigenado langaram mao de sua indignagao, capacidade organizativa e conhecimento e ergueram-se em rebelides com elevado grau de radicalidade, realizando combates armados com seus inimigos expropriadores e exploradores. Na sua relagdo com a natureza, o camponés utiliza meios e instrumentos de trabalho que em geral exigem muito esforgo fisico. Além disso, ele esta posto diante de realidades que exigem sua ago direta familiar ou coletiva,essa associada a seu grupo étnico ou de vizinhanga na comunidade. O mesmo ocorte nas relagées de produgao e de busca de territérios, na medida em que sempre encontraré forgas inimigas no seu encalgo. Esses condicionamentos histéricos — e, portanto persistentes — ndo s6 constituem sua experiéncia pratica, como também véo se imprimir em sua subjetividade, sendo comunicados em causos, repentes, trovas, cordéis e misicas, ocupando 0 seu imaginario e seu acervo cultural. Os povos originarios se defrontaram com os invasores europeus; os povos africanos Negros, com os senhores escravistas, europeus e nativos; e o campesinato se deparou, e ainda se depara, com latifundidrios e oligarcas, com o agronegécio e o Estado burgués. As rebelides radicalizadas no enfrentamento armado se efetivaram ora localizadamente, ora ocupando vastos territérios, a exemplo de Canudos, no sertao baiano, da comunidade de Caldeirao de Santa Cruz do Deserto, no Ceara, e da Guerra do Contestado em Santa Catarina e Parana Se nesses processos de rebelido a desumanidade imposta ao extremo somourse as inspiragdes messidnicas e colocou o campesinato em guerras, sua resisténcia se atualiza e alcanga outra qualidade politica inicialmente com a influéncia do ideario comunista e, depois, com a teologia da libertagao, Tais influéncias revitalizam a criatividade e a radicalidade do homem do campo, levando o campesinato a estabelecer novas formas de organizagao politica, como as Ligas Camponesas e, mais recentemente, entre outros, 0 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), 0 Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), 0 Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), 0 Movimento das Mulheres Camponesas (MMC Brasil), os quais, por sua vez, e de maneira inédita, vao integrar a articulagao internacional camponesa Via Campesina. Ao mesmo tempo, é organizada, na Amazénia, uma ampla coalizdo entre os Povos da Floresta e o Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), enquanto os povos originarios quilombolas se reposicionam, com vigor renovado, na luta politica. A ditadura militar instalada no pais em 1964 impés a Revolugao Verde que implica a utilizagéo de todo um aparato industrial, financeiro, cientifico, tecnolégico, educacional, agroindustrial e comercial por meio de agées do Estado e do capital privado, configurando um poderoso sistema e um blocode poder burgués que invade amplos territérios camponeses, impondo-Ihes a modemizagao conservadora e a condigao de subaltemidade, seja como “produtores menores” de alimentos e de determinadas matérias-primas, seja como trabalhadores semi-assalariados ou assalariados em processos produtivos agricolas e agroindustriais. Na atualidade, esse sistema e bloco de poder, reconfigurados sob a hegemonia do capital financeiro e das empresas transnacionais — os quais, ampliam e aprofundam a dominagéo e a exploragao, impondo novas tecnologias no campo, notadamente as biotecnologias, tendo a frente os cultivares transgénicos, os associados a determinados agrotéxicos, mas também as nanotecnologias e uma série de outras tecnologias baseadas na informatica satelitizada — passaram a ser identificados como “agronegécio". Tudo isso se associa as mudangas gerais nas legislagdes impostas por organismos internacionais multilaterais a fim de legitimar a permissividade para a maior dominacao, a exploragéo do trabalho e a depredacao e mercantilizago da natureza em escala planetaria pelo agronegécio. Essa expansdo e invasao do capital no campo sao devastadoras para o campesinato, seja por imporem a mercantilizagao — um padrao de produgao e consumo absolutamente distante da sua trajetéria cultural, étnica, familiar e comunitaria —, seja por alterarem intensamente suas bases materiais produtivas, até entao profundamente vinculadas aos processos ecolégicos e as tecnologias endégenas, seja, ainda, por elevarem as contradigées a ponto de fazerem irromper novo ciclo de lutas camponesas no pais. Nesse novo ciclo, agrega-se o que ha de mais avangado politicamente no movimento camponés brasileiro, com claro posicionamento de classe de orientagao filoséfico-teérica e organizativa marxista, que direciona sua formulagao estratégica e sua ago politica, de carater socialista, para o combate anticapitalista. Ademais de apreender e situar-se de forma consciente em relagao @ sua condigao de classe explorada e expropriada dos meios de produgéo e da renda do seu trabalho pelo capital, esse movimento integra a consciéncia e a pratica internacionalistas e a meméria histérica das lutas libertarias e de emancipagéo humana, elaborando diretrizes e lutas unificadas e ampliando enormemente o seu referencial cultural,© movimento social camponés se situa culturalmente na contemporaneidade, forjando respostas aos desafios da atualidade, tomada em sua totalidade social. Sua autocritica e sua critica a ordem burguesa no Ambito do seu modo de produgao — relagées sociais e com a natureza — vao leva-lo a formular diretrizes e agdes que, sob a orientagao cientifica da agroecologia como fundadora de uma praxis comprometida com a “reconstrugao ecolégica da agricultura’, priorizam a soberania alimentar. A violéncia histérica e estrutural do capital, agora exponenciada em seu apogeu imperialista, segue encontrando o parapeito camponés, que resiste criando e recriando-se culturalmente. Seu posicionamento como sujeito social consciente e organizado se expressa historicamente em significativos processos de rebelido, com elevado grau de radicalidade em suas agées. Isso ndo apenas se inscreve em seu imaginario, expressando-se em sua estética cultural, mas continua sendo ativado de forma renovada no tempo. E notério, no presente, que a maior parcela do campesinato brasileiro se encontra subsumida na alienagdo e na manipulagao ideolégica, enquanto outra parte se situa no estado de consciéncia de classe em si e uma fragao menor, mas significativa, toma a frente da sua organizagéo e agao em movimentos sociais com clara consciéncia de classe para si, qualificando sua pratica politica e produtiva e traduzindo-a na elaboragao auténoma do seu projeto de campo e de sociedade, em articulagao e didlogo com os setores populares urbanos e outras forgas sociais da classe trabalhadora e em interagdo internacionalista, Uma realidade tao clara e reveladora da sua significatividade histérica e cultural, e, ao mesmo tempo, tao oculta e ocultada. PARA SABER MAIS A cultura camponesa pode ser percebida através de uma enorme quantidade de fontes. Vocé pode conhecer um pouco mais dessa cultura conhecendo suas misicas, por exemplo, Baixe a Cartilha de Musicas Camponesas disponivel no link abaixo e aprofunde seus conhecimentos. http://www mpabrasil.org.br/bibliotecas/nossas-publicacoes/cartilhas-de- musicas-camponesas