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GNARUS | 110 Artigo OS ESTADOS SUDANESES E TOMBUCTU Por Hilton Sales Batista Resumo: Este artigo aborda 0 desenvolvimento dos Estados Sudaneses © das civilizagdes que se organizaram nas roximidades da cidade africana de Tombuctu, a partir de Joseph Ki-Zerbo, a urbes ¢ anterior a0 reino de Gana e 0 seu apogeu se dard durante o desenvolvimento da civilizacio do Mall, destaca-se a importante viagem de Mansa Mussa aMeca ‘ea peregrinacio da elite africana onde colocard em evidéncia 0 povoado de Tombuctu durante o medievo europeu, além de despertar a cobiga europeia e de outros povos em meio ac ouro africano. Por fim, estudaremos o dominio Songai na regio e suas consequéncias gerando a decadéncia da cidade. Palavras-chave: Tombuctu, Gana, Mall, Songai Estados Sudaneses, “Tombuctu apresenta um aspecto magniico; 0s mercadores, 0s artistas 840 numerosos; os habitantes, na sua ‘maioria,ricos. De inimeros pocos jorra égua fresca: ndo faltam cereals e gado ... O rei tem uma corte senhoril. Quando deseja cavalgar, monta um camelo conduzide por um dos seus fidalgos, embora todos 0s seus guerreiros andem a cavale. Mantém permanente em armas trés mil cavalelros e um mimero superior de intantes, armados de setas envenenadas..” Leo, O Africano. (Séc. XVI) cidade histérica de Tombuctu, localizada “Africa Medieval” e 0 urbanismo em meio a historia no Mall, ea preservaco das mesquitas de dos “Estados Sudaneses" de Gana, Mali e Songai. Djingareyber, Sankoré e Askia, que vive Esta regio traz consigo um manancial enorme fom cortiwa:restauracd locales: seer. mn dre sobre a Histéria da Africa, sobretudo a regio da identi Farm rico adancal dai documnentcs desde; cidade de Tombuctu, & qual nos referimos, um lugar oI. ceive aero een Exbleetnces particulars interessante em muitos aspects _conforme que atestam parte da fascinante hist6ria dos povos podemos identificar neste trabalho, as mesquitas africanos. Tombuctu, ¢ identificada como "jéia do rmugulmanas? ao estilo africano, 0 rio Niger # 0 deserto” do ceste africano nos oferece uma curta dversos povos, que fazem parte da histéria de ‘explicagao da dindmica comercial existente na Tombuctu. "A presenca slamicana Africa, deu-se a partir dos povos arabes centre 0: séculos Vite Vil. Gnarus Revista de Historia - VOLUME X- N°9- SETEMBRO - 2018 Mesquita Tombuctu é um nome que sempre impressiona a0 abordar a Histéria da Africa, surgida por volta do século XI, a partir do comércio transaarlano, transformou-se em referéncia intelectual africana por possuir bibliotecas, escolas e universidade entre 0s séculos XIV e XV. Pouco estudada em pesquisas desenvolvidas no Brasil a cidade de Tombuctu, tem uma origem mitica formada a partir do encontro de um poco (Tum) préximo ao deserto do Sara em um oasis, por uma mulher tuaregue, Bucto, por volta do século XI d.C, dai o nome da cidade. O local transformou-se em uma importante rotae ponto de encontro dos povos que se desenvolveram com 0 comércio transaariano de ouro, sal, escravos, tecidos, noz-de-cola, bronze e outros. 2 Tuaregues sto um povo berbare seminOmades que praticam ‘opastoreir, a agricultura ee comércio. GNARUS | 111 Préxima ao rio Niger, floresceu um centro de difuso do pensamento islamico na regido da Africa Ccidental, marcando a simbiose das culturas africana com a islamica. A questio urbana na Africa Ocidental est atrelada A dindmica do comércio na regio transaariana, que se fazia presente a0 aparecimento de Tombuctu, a eriago da cidade por volta do século XI, utilizada como entreposto comercial atendendo os interesses *tuaregues ou berberes, islamicos e dos diversos povos africanos sendo a ténica maior que permitiu desenvolvimento e a permanéncia da cidade, mesmo depois do apogeu de Tombuctu que ocorrera durante 0s séculos XIV e XV. Gnarus Revista de Historia - VOLUME X- N°9- SETEMBRO - 2018 th aN ‘Exralda de Lés Royaumes Africains = Uatnerharapactca ents batnaas apres canes pee Pe 24025. © islio na Africa Ocidental foi mareado por conveniéncias mugulmanas e africanas. Isso se explica pela conversao das liderancas locais e ano aceitago por parte da maioria da populaco, que continuo com suas praticas_religiosas (tradicionais), tendo um cardter essencialmente préprio aos costumes dos povos envolvidos, ¢ as permanéncias animistas’, marcadas pela prépria transformagio cultural frente & influéncia do ista. Tombuctu, tratada a partir dos chamados estados sudaneses que se formaram ao redor da cidade com 0s *“Reinos” de Gana, Mali e Songai e a explicacao sobre as organizacées destas civilizagdes foram necessérias para entendermos parte da dinamica que a envolveu durante os quase nove séculos de existéncia. € bem verdade que a organizagio 30 terme animista, ou povos que cultuam elementos da ‘natureza, tem sido usado porhistoriadores edemais estudiosos {que abordam © continente africane. Outro muito comum & Religies Tradicionals, @ conceito de Cosmologias Africanas, citado pelo historiador Anderson Oliva: a compreensio dos ddiversot unversos socioculturaisafricanos someate se torna atividade completa quando passamos a reconhecer a complexidade e diversidade das formas de pensar, explicar ese ‘elacionar com 0 mundo fisico metafisico das sociedades afrcanas, Percebidas como conjuntos de Idelas © de praticas ‘que perpassariam crengas, atlidades, habitos mentas © GNARUS | 112 istrateratpsey ai azar eS vTe ia iY res estatal se viu fragilizada durante a 6poca moderna a partir do século XVI, a partir do implemento macigo do escravismo voltado ao interesse ‘mercantilista europeu. (O Reino de Gana “O Reino Africano de Gana’, primeiro grande “Império da Africa Ocidental”, de acordo com Ki- Zerbo (1972,133), “Dispomos para isso, em primeiro lugar, das fontes érabes, as primeira das quais s8o fbn Hawkal e Al Bakri(). H.KRAMERS e G. WIET.1965). O primeiro que viajou de Bagda até a margem do Niger, em todo 0 caso até Awdaghost, em 970, nao hesita em dizer do Imperador de Gana: “€ 0 mais rico do mundo por causa do ourd. Um comportamentos em praticamente todas as atividades didvias, 23: cosmologias aricanas permitem que or membros de suas sociedades se reconhecam e interajam com as diversas esferas 60: cosmos. * Uniiza-se Inieialmente aspas, para assinalar que estes conceitos s8o questionados, pois estutura de poder afrieana se difere da organizacio politica européia, utlizadas pelos pesquisadores como meio de tornar mals clara a explicagz0 sobre organizacto politica destes poves. (M'BOKOLO 2003: 122-162). Gnarus Revista de Historia - VOLUME X- N°9- SETEMBRO - 2018 século mais tarde & Al Bakr, escritor arabe de Cérdoba, que na sua célebre Descricko da Africa Setentrional 1087 nos da pormenores precisos sobre o império. (KI-ZERBO, 1972, p. 133). Na descrig&o de Al Bakr: “O Gana, é chamado assim por causa do titulo des soberanos', Ki-Zerbo, afirma em Histéria da Africa Negra, que significava, qualquer coisa como rei ou sultdo. Gana situava-se a0 norte das duas curvas divergentes do Senegal ¢ do Niger, compreendia essencialmente os povoades de Auker ao norte eo de Hodh ao sul Este lugar chamado de Uagadu (pals dos rebanhos); beneficiava-se do clima mide, 0 que favorecia a criagéo de gado e a agricultura. O contato com as zonas saarianas, regio do Magreb e sudanesa, destinava-se naturalmente ao comércio. Nesta regido viviam pastores de origem berbere, os sanhadjas, e cultivadores negros sedentarios, além de miltiplos grupos mestigados. LKi-Zetbo (1972, 137) 0 Reino de Gana De acordo, com Ki-Zerbo (1972, 133-4), dominavam a regiéo os bambaras ov mandeus, roucoulores, volofos e sereres, 0s songals a leste, todos esses grupos tnicos, viviam mais ao norte, de acordo com pesquisas arqueolégicas desenvolvidas ‘em Auker e Tagant. Tarikh es Soudan menciona uma dinastia branea de 44 principes que teriam reinado o lugar no Uagadu por volta de 750 d. C, GNARUS | 113 que mais tarde teria se misturado com 0s negros, 0 sentido da palavra sarakhole, que significa, homem branco, que explica a ascendéncia branca, segundo cronistas. A origem do rein e, portanto, provavelmente autéctone, mesmo que as relagSes de sangue © bens com os berberes ou semitas saarlanos tenham desempenhado seu papel, em todo 0 caso, no século X, uma dinastia negra se impBe na histéria, € um império que se estendia do Tagant ao alto Niger e do Senegal a Tombuctu. A organizagéo politica. era_marcada pela prosperidade e¢ a seguranga de Gana impressionavam os viajantes arabes, a maior parte os quais haviam, no entanto, visitado as grandes cidades do Magrebe e mesmo da Espanha. 0 grande conselho do rei chamado de (tunka) compreendia altos dignitaries, alguns dos quais eram antigos escravos e mugulmanos, incluindo os filhos de reis vencidos, guardados na corte como reféns e associados ao governo. A sucess4o era matrilinear, isto 6: era o filho da Irm& do rei que Ihe sucedia. Isto para assegurar, diz- ‘nos A/ Bakr, que 0 sucessor fosse sempre real, porque, se se esté sempre seguro de ser irmio da prépria irma, nem sempre se esta seguro de ser 0 pal do préprio filho, mas sobretudo, porque o sistema matrlinear parece ter sido, de inicio, a prética corrente dos povos negro-africanos, pratica essa, sem divida, ligada ao seu cardter agricola e sedentério. (KI-ZERBO, 1972, p. 136). Ainda como citado por Ki-Zerbo, conhecemos os nomes de raros imperadores, entre os quais o de tunka Menin, que subiu ao trono em 1062 e era sobrinho do predecessor, Bassi. © imperador “era animist”, assim como a maioria de seus siiditos. O principal culto era o do deis-serpente do Uagadu (Uagadu-Bida), antepassado-totem dos Cissés. Segundo a lenda, saia da toca no dia da Gnarus Revista de Historia - VOLUME X- N°9- SETEMBRO - 2018 entronizag2o dos ‘eis @ recebia em sacrificio anualmente a mais bela moga da terra. Um dia, diz Maghan, vendo a sua noiva, a jovem virgem, Sai, que fot entregue A serpente, matou o réptil, que era © deus da fecundidade, com isso 0 desaparecimento da divindade desencadearla a desertificagao do lugar. © historiador africano, Joseph Ki-Zerbo (1972, 140) nos explica sobre a vida econémica, que era bastante organizada, com a presenga de pocos € jardins onde a pratica agricola, entretanto a riqueza do Estado provinha essencialmente do comércio, ¢ sobretudo do ouro, provenientes do sul de Galam, Bambuque e mesmo Buré, por intermédio dos mercadores Wangaras. 0 soberano controlava 0 comércio, evitando a desvalorizacio, que detinha a posse das pepitas, apenas 0 ouro em po tinha livre curso. Os mercadores do Magrebe, evitando os atravessadores Wangara, iam até a regido onde tecidos de ld, de algodao, de seda, ¢ de purpura, € 05 anéis de cobre, pérolas azuis, além do sal, tmaras e figos. Dispunham-nos em pequenas pilhas e retiravam-se onde os nativos avangavam entdo, faziam a sua escolha neste mostrudrio colocavam ouro em pd como pagamento, tal comércio se baseava essen mente na confianga mitua, utilizavam também marfim, goma e ‘escravos no desenvolvimento comercial. A comercializagéoestabelecida__ pelos governantes de Gana, inevitavelmente levou a0 surgimento de Tombuctu, entreposto comercial, a pattir do século XI, 0 comercio de ouro, sal, noz de cola, e outros fol fruto da expansio mugulmana na regio e da estrutura jd existente com o reino de Gana. Sendo assim, Tombuctu, localizada nos AR escravidio na Africa anterior a presenga europela que nko dependia essencialmente do trabalho escravo, portanto 5 GNARUS | 116 limites de Gana sofreu a influgncia da vida econémica desenvolvida da regito do Saara, e das organizagSes politicas estatais e ndo-estatals estabelecidas anteriores a cidade e desenvolvidas por outros povos ao longo de sua hist6ria. O historiador Basil Davidson nos explica acerca do comércio desenvolvido na Africa anteriormente a presenga europeia. O trafico de escravos*, onde os mesmos eram utilizados em sua maior parte no servigo doméstico ou como soldados; acontecia tanto no sentido do sul, como para o norte do Sara quanto 0 inverso. Apesar das dificuldades naturais de se atravessar 0 deserto, muitas caravanas de mugulmanos cruzavam o Sara a este para comerciarem escravos, sal, cavalos e metais (ouroe cobre) com as populacdes negras. Os berberes ‘também compravam dos negros marfim, peles de animais, plumas de avestruz € sementes de cola (com cafeina); em troca, traziam cobre, espadas decoradas de Damasco, lougas e talheres finos. (DAVIDSON, 1992: 146.) Até esse avango almordvida, o Império de Gana conseguiu suportar as ataques estrangelros, tanto dos inimigos quanto dos préprios berberes, gragas a0 seu exército composto de querreiros soldados, cavaleiros @ arquelros — citados por A/-Bakrl. No centanto, apesar de uma forte resistencia, eles foram derrotados pelos almordvidas e sua capital, Kumbt Saleh, foi tomada e saqueada, por volta de 1076, com essa vité a, 0s almorévidas receberam um poderaso reforco, devido as conversBes dos povos de Gana, disso nos informa o cronista Al-Zuhuri: “As {gents do Gana tomaram-se mugulmanas em 1076 sob a influéncia dos lentunas’ (citado por Kl- ZERBO, 1972, p. 147). consttuiram de sociedades com excravos © no socledades cescravistas ov excravocratas. Gnarus Revista de Historia - VOLUME X- N°9- SETEMBRO - 2018 ‘A decadéncia do Reino de Gana esta ligada ao processo de islamizagZo, Abu Bakr prosseguia em sua tentativa de unificar as tribos berberes @ com ‘las atacar Gana. No entanto, morreu em uma batalha por causa de uma flecha envenenada (1087). Gana reconquistou sua independéncia, mas apés a devastacko e saque de sua capital, dez anos antes, © reino negro nunca mais conseguiu recuperar seu antigo poder, mas ao contrério, as. caravanas passaram a se desviar das rotas que privilegiavam 0 coragdo de Gana, eos comerciantes passaram a optar por Tombuctu, Gao e Djenne. Os mugulmanos ricos se refugiaram em Walata, especialmente depois do segundo saque da capital, Kumbi, em 1203, por parte do rei sosso Sumaoro Kanté, Esse declinio comercial aprofundou o processo de islamizagio das etnias africanas, ‘embora sem nunca atingir todas as camadas da populacdo - ¢, de resto, o islamismo negro era bastante mesclado com as tradigSes religiosas locais. (KI-ZERBO,1972, 147). ‘O Reino do Mall 0 reino Mali jé era conhecido desde o século XI, considerado aliado de Gana era formado pelo grupo étnico malinké ou mandinga, um dos povos do grupo linguistico mandé (soninké, bambara, senuld, mendé, diuld, estratficados em grandes clas regionats (Traoré, Konaré, Kamard, Keita). Com ‘© desenvolvimento do comércio, durante trezentos ‘anos da existéncia do antigo Mali as rotas comerciais saarianas.—estimularam =o desenvolvimento de Tumbuctu e Djenne, cidades ‘as quals nfo dependiam da agricultura e da pecuaria praticadas nos arredores. Oterritério do Mall fol expandido entre os séculos XII e XIV, Mansa Mussa ou Kanka Mussa (1312 a GNARUS | 115 1332) ea sua peregrinagio a Meca e asimplicacSes desta viagem que seré abordado. Um dos legados foi avinda do arquiteto andaluz Al-Saheli, autor da Mesquita de Djingereber, em Tombuctu. A viagem de /bn Bartuta, vinte anos apés a morte de Mansa Mussa, retratou em seus escritos a seguranga das estradas e 0 fervor do Isld © também a censura contra a live movimentago de adolescentes seminuas pelas vias pablicas da capital, so talvez explique em meados do século XIV, a ndo aceitagio da maioria do povo ao islao. Os enviados diu/é fundaram entrepostos comerciais como Kong, Gonjé, Bonduki, Bono- Manso e Bobo-Diulasso (relata que Suleim&o é um homénimo) provavelmente tenha sido 0 libertador de Songai em 1375, desde entéo 0 poder foi passando gradativamente as mios desse novo império. (RODRIGUES, 1990, p. 33). Crescerana Africa Ocidental um modesto reino: 0 ‘Mandinga ou Mali (malingué = homem do Mall). As suas origens so pouco conhecidas, E provavel que numerosos e pequenos grupos mandeus dominassem 0 Alto Senegal ¢ © Alto Niger: os Traorés em Dakadyala, na regio de Kri, perto de Nyagassola, no alto Bakoy; 0s Konatés em Tabu, no Dodugu (terra dos Dés), os Kamaras em Sibi, no Siendugu, e os Keiras em Narena, no Dogugu e nos montes do Mandinga, situados entre Sigueri e Kita. Gnarus Revista de Historia - VOLUME X- N°9- SETEMBRO - 2018 GNARUS | 116 ‘Mansa Musa Este altimo sera 0 embrido do Mali. (KI-ZERBO, 1972, p.164), A partir de 1150 se conhece relativamente bem a cronologia dos reis de Mali. Hamana, Djigui Bilali (1175-1200), Mussa Keita, Naré Famaghan (1218- 1230) e principalmente Sundjata (ou Mari Djata, 0 “Leo do Mali"), todos com histérias recheadas de lendas e mitos e transmitidas também pelos gviots', 08 “transmissores de ouvido” de cada etnia que passam de geracio para geracSo as tradic6es desua cultura. Na época de Sundjata, Mali era um reino essenclalmente agricola, 0s_—_—malinqués desenvolveram a cultura do algodio, do amendoim @ do maméo papala, além da criaglo de gado. Sundjata instituiu uma associacao de trinta clés (de 20s giiots 4 0 nome dade pelos franceses 208 didlis que entre ‘os bambarassigrifica contador de histrias" que formam uma ‘asta de. poeta/misicos que asseguram a transmistio da ‘uadlgdo oral provocam © entusiasme dos participantes. Os gilots 530 trovadores, menestéls, contadores de historias Animadores pablices para os quals a disciplina da vordade artesdos, de guerreiros e de homens livres — que, no entanto, eram chamados de “escravos da coletividade”, os ron dyon). Com o crescimento do reino, a categoria dos escravos se multiplicou — recorde que sempre os reinos negros praticaram a escravidao. (KI-ZERBO, 1972, p. 169). Com 0 filho de Sundjata, Mansa Ulé (1255-1270) seus sucessores ~ Abubakar |, Sakura, Abubakar Il até Mansa Mussa (ou Kandu Mussa, 1312-1332), © reino de Mali passou a ser conhecido no mundo ocidental. Em 1324, Mansa Mussa realizou uma peregrinag£o a Meca, passando pelo Egito e com a Intengao de maravilhar os soberanos arabes. perde rgides, sendo-the facultada uma linguagem mais livre, ‘om o objetivo de estimulam a coesto da sociedade, feiitam f aprendizagem da culture, marcadas pela hierarquia, a futoridade, adeferéncia eareveréncia. (Barry in Hernandes,A Aiica na Sala de Aula, 2005). Gnarus Revista de Historia - VOLUME X- N°9- SETEMBRO - 2018 500. (HEERS, 1983: 79). Chegou a0 Cairo com cerca de duss toneladas de oura (), em pé e em pepitas. O cronista Al-Omari (11349) nos conta: Quando da minha primeira viagem 20 Cairo, ouvi falar de vinde do sultéo Mussa (x) E encontrei os habitantes do Cairo todos excitados a contarem as largas despesas que haviam visto fazer as suas gentes. Este homem espathou pelo Cairo ondas de generasidade No detxou nlnguém, oficial da corea ou titular de qualquer funso sultinica, sem receber dele uma quantia em oure. Que nobre aspecto tinha este sultéol Que dignidade e que lealdade!" (KI-ZERBO, 1972,p. 170. © cronista mugulmano Ibn Batuta (1307-1377), um dos maiores viajantes da Idade Média, chegou a Mali quinze anos depois da morte de Mansa Musa, entre os anos 1352-1353. Em um belo texto medieval, esse notével cronista muculmano nos informa o fausto da corte do imperador de Mali “Osultdo tem uma cipula elevada, cvja porta se encontra no interior de seu palécio e onde ele se senta com frequéncia. Tem do lado das audiéncias trés janelas em arco, de madeira, cobertas de placas de prata, e por baixo delas tres outras quarnecidas de léminas de ouro ou de prata dourada. Estas janelas tém cortinados de lf (que sfo levantados no dia da audiéncia do sultfo na ciple lo)” ‘Mansa Mussa foi tio generoso que ao sair do Cairo fot obrigado a pedir um empréstimo a um riqui imo mercador de Alexandria, para que pudesse manter sua fartura até chegar a Meca. Sua peregrinagao fez o Império de Mali ser conhecido por todo o mundo, €os mapas europeus passaram a cité-lo. Por exemplo, © de Angelo Dulcert Portolano (1339), © Atlas cataléo de Abraio Gresques (1375), elaborado para o rei da Franca Carlos V, 0 SAbio, que traz nitidamente o nome da capital (Ciutat de Mell), além do rei de Mali, Mansa Mussa, sentado em seu trono e segurando uma pepita de ouro. (KI-ZERBO, 1972, p.170~173). De regresso para Mall, 0 imperador trouxe consigo um poet quiteto, Abu Isak, mais conhecido como Es Saheli, com ele construiu a grande mesquita de Djingareyber, em Tumbuctu. GNARUS [117 (Os sucessores de Mansa Mussa tiveram dificuldades de manter um territérlo tho vasto, depois de ‘Maghan (1332-1336), até Mussa Il (1374-1387), 0 reino de Mali viu Tombuctu ser saqueada, além de sucessivos assassinatos e conspiracées palacianas que enfraqueceram 0 império. Lentamente a hegemonia passava para o Reino de Ga que anexava uma a uma as provincias do leste, além de toma cidade de Djenne, metrépole comercial No final do século XV o Tekrur passou para os dominios do estado Wolofo. Houve um curto periodo confuso entre a hegemonia do Mali e do Gao, varios grupos étnicos foram arrastadas para 0 movimento dos Peules do Bundu, conduzido por Tenguella | (chamado de “o Libertador”). 0 imperador do Mali tentou até uma alianca com D. Joao Il de Portugal, mas nenhuma das missSes portuguesas parece ter chegado a seu destino. (KI- ZERBO, 1972, 172-173), A organizagio politica no século XVI, tempo de Mahmud Kati, historlador e conselhetro do Askla Mohammed, o império tinha cerca de quatrocentas cidades e vilas. O sistema de governo era descentralizado, dividido em _provincias, administradas por um dyamani tigui (ou farba), as provincias eram subdivididas em conselhos (kafo) © aldeias (dugu). A autoridade era exercida por dois chefes: um politico © outro religioso. A vida econémica 0 farba recolhia impostos e requisitava tropas, caso necessério; havia ainda reinos subordinados que reconheciam a hegemonia do Imperador, enviando regularmente presentes. O historiador africano J. Ki Zerbo, explica que um. dos segredos do Império de Mali foi a maleabilidade de seu sistema politico, dnica légica possivel em uma estrutura sem burocracia, além da tolerancia religiosa povos tao variados como os tuaregues, os songals, os malinqués e os peules, Gnarus Revista de Historia - VOLUME X- N°9- SETEMBRO - 2018 reconheceram, durante mais de cem anos, a soberania do imperador do Mall, Hé um eloglo do cronista Ibn Battuta que expressa bem esse sentimento de confianga no funcionamento da estrutura do império: (KI-ZERBO, 1973,179). “Nie & necessério andar de caravana, A seguranca é completa e geral em todo o territér (10 sultdo ndo perdoa a ninguém que se torne cculpado de injustica (..) © viajante, tal como 0 homem sedentirio, nilo tem a temer os ‘maifeitores, nem os ladrées, nem os que vivem de pilhagem. Os pretos no confiscam os bens dos hhomens brancos que venham a morrer nas suas terras, ainda mesmo que se trate de tesouros imensos. Depositam-nos, pelo contrério, em mios de um homem de confianga dentre os brancos, até que se apresentem aqueles a quem revertam por direito e tomem conta deles.” (KI- ‘ZERBO,1972, 180). Sonni Ali também conquistou Djenne (1473), apés quase uma centena de tentativas dos malingués de se apoderarem em volta da cidade, além do centro de Macina, um pouco mais ao norte. Abriu ainda um canal d'dgua a oeste do Lago Faguibine que ALKI-ZERBO, Reino Songal, p.181 ordenou a redacao das atas oficiais do reino. Com sua morte, em 1492, seu filho Sonni Bakary assumiu {a coroa, mas reinou somente um ano. Em seguida, houve uma tomada do poder: 0 filho de Sonni renegou a fé islimica e um substitute chamado Mohammed Torodo, assumiu 0 trono, como nome de Askia Mohammed, com a ajuda dos ulemés, corpo de estudiosos. (HOURANI,1994,p. 77). GNARUS [118 ‘Como Mussa, Askia também realizou uma luxuosa peregrinagio a Meca em 1496, com quinhentos cavaleiros e mil homens a pé. Esse miniexército de escravos e homens livres levava consigo 300.000 pegas de ouro, um tergo distribuido em esmolas durante a viagem. No Hedjaz, Askia conseguiu do califao titulo de “califa do Sudo": Khalifatu biladi al-Tekrur. Do califa Mohammed até Askia Ishak | (1539- 1549), 0 império adquiriu cada vex mais territérios, gracas as guerras — © apesar das intrigas © assassinatos politicos palacianos. ‘© Reino de Songal Mais bem organizado ¢ estruturado que o império e Mall, Songal estava fundado em torno da pessoa do imperador. No dia de sua entronizacéo, ele recebia um selo, uma espada e um Corso, além de conservar dois atributos magicos antigos: o tambor € 0 fogo sagrado (dinturd. A corte obedecia a um tigido protocolo: por exemplo, 0 cuspe do principe no podia cair no chéo, sendo recolhido nas mangas de qualquer um dos setecentos homens vestidas de seda que © acompanhavam. Como em Mall, todos 5 que se aproximavam dele deveriam cobrir a cabega de pd, com raras excegBes (no caso do general do exército, este utilizava farinha). (KI- ‘ZERBO, 1972,186) A economia songai era calculada com base no ndimero de escravos disponiveis para o trabalho no campo. Por exemplo, uma terra com duzentos escravos deveria produzir cerca de 250 toneladas de arroz por ano. O historiador Ki-Zerbo descarta a possibilidade de comparacéo desse sistema escravocrata com 0 feudalismo europeu, embora defenda um principio semelhante para © caso africano: a existéncia do sistema religioso- Gnarus Revista de Historia - VOLUME X- N°9- SETEMBRO - 2018 simbélico de aliangas atenuava_ a opressao escravocrata. Pols © que interessava ao senhor da terra era ter o maior niimero de familias e aldeias de servos, nfo apenas a exploraco econdmica. (KI- ‘ZERBO, op. cit: 187-188) Isso certamente é um carater andlogo ao sistema socioeconémico vigente cerca de quatrocentos anos antes na Europa medieval. Esse sistema, também chamado de dom e contra-dom, esté bem expresso em um documento, escrito pelo historiador soninke de Tombuctu, Mahmud Kati (Tarikh el-Fettach ~ a Crénica do Buscador— obra escrita em 1520). historiador africano J. Ki-Zerbo, nos explica, seria errado, porém, proceder comparagées apressadas entre estas estruturas socloecandmica e as que existiam na Europa. A nogfo de feudo, de contrato bilateral estabelecide num quadro geral de propriedade privada sobre uma terra bem delimitada, situa-se aqui em um contexto diferente. (KI-ZERBO, 1972, p.188). ‘As metrépoles do Sudo, tornaram-se locais de estudos privilegiados religiosos: Djenne, Tombuctu, Walata e Gao distinguiram-se neste ‘campo, como nos afirma Ki-Zerbo, citando Leo, 0 Alricano, “numerososjuizes, doutores esacerdotes, todos bom instruidos pelo ret. Ele proza mult az lotr. Vendem-se também muitos livros manuscritos que vem da Berberia obtém-se mais lucro com esta venda de que com todo 0 resto das ‘mercadorias”. Existiam estas cidades verdadeiras universidades beneficiande do mecenato e da deferéncia dos principes © da gente do povo.” (KI-ZERBO, 1972, p. 189) © aspecto cultural do Reino Songal, se relacionando a Tombuctu se relaciona a Ahmed Baba nascido em 26 de outubro de 1556, em Arauane, a dez dias de marcha ao norte de ‘Tombuctu, no caminho para Tuat. Os seus principais mestres foram seu irmio e seu tio, mas sobretudo: GNARUS [119 Mohammed Baghyu, um mandeu, que ele préprio chama 0 seu xeque. Com ele durante dez anos, estudou uma série de livros, abrangendo 0 campo dos estudos islamicos da época: Lingua Arabe, Retérica, Fontes da lei, Jurisprudéncia (igh), Exegese Alcordnica (ta/si), etc. Ahmed Baba teria escrito setecentas obras ¢ a sua biblioteca, que, segundo ele, nao eraa maior de Tombucty, contava 1600 titulos. (KI-ZERBO, 1972,p.191) A cidade de Tombuctu declinou depois da conquista marroquina em 1591, dois anos mais tarde os mestres foram presos acusados de traicdo, alguns foram mortos outros exilados em Marrocos. Os marroquinos nfo conseguiam proteger a curvatura do Niger e a cidade foi atacada pelo Fulanis, e pelos Tuaregues até 1893, quando o colonialismo francés conquista a cidade, © a restauram em parte, a fim de lucrar com o comércio, porém no foi construida nenhuma estrada que permitisse ligagao com outras areas da Africa Ocidental. Em 1960, a cidade é incorporada a nascente Republica do Mall, as pequenas caravanas de sal de Taoudenni chegam ainda no inverno, mas nfo hé nenhum ouro a oferecer em troca, e 0 comércio das rotas transaarinas no existe mals. Embora haja um servigo aéreo, a regio € acessivel por Camelo atravessando 0 deserto pelo norte ou por barco via ocidente. A influénciaislamica ainda é presente ea cultura da cosmologia africana também, bem como as linguas francesa e arabe sto ensinadas. Hilton Sales Batista ¢ especialista em Culturas Negras no Atlantico e Mestre em EducacSo pela Universidade de Brasilia (UnB), € professor de Histéria da Secretaria de Educacao do Distrito Federal e servidor piblico federal do Ministério da Educacao. Gnarus Revista de Historia - VOLUME X- N°9- SETEMBRO - 2018 Bibliografia AL-BAKRI (Abu ‘Ubayd), Description de VAfrique septentrionale (ed. e transcr. de Slane), A. Maisonneuve, 1965. DAVIDSON, Basil. A descoberta de Africa, Si da Costa, Lisboa, 1981. Basil. Lés Royaumes Africains, Time-tife, 1967. HERRMANN, Paul. A Conquista da Africa, Boa Leitura Editora S.A, S80 Paulo, s.d., 2 ed. tradugo Marina Guaspari, 197. HOURANI, Albert; traducio Marcos Santarrita. Uma Histérla dos Povos Arabes, Companhia das Letras, Sao Paulo, 1994. KI-ZERBO, Joseph. 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