You are on page 1of 16
1126 Faris D'Acenig Modelos de Nobreza: A Ordem de Malta eas trés Ordens Militares portuguesas. Uma perspectiva comparada (séc. XVII-XVII): Inés Versos e Fernanda Olival Embora as Ordens Militares no sejam 0s Ginicos institutos impl que forma, por ur jem de Malta e, por outro, as de Avis, Cristo e Santiago marcaram as vias de acesso e 0s cbdigos desse patamar de distingio logo, que estamos perante dois perfis tendencialmente sta vertente seri também um pélo crucial de gato, financiad pela FCT, ‘omisirios do Santo Ofc € ua 7 Inds Verses ¢ Fernanda Olcal ‘A Ordem de Malta correspondia a uma agremiagio internacional ‘enquanto que as restantes estavam sob a tutela da Coroa portuguesa desde 1551 e tinham sido geradas nas unidades politicas peninsulares, exceptuando 4 Ordem de Cristo eriada no século XIV, na sequéncia do desaparecimento dos Templirios. O facto dos Mestrados de Cristo, Avis e Santiago estarem, fortemente ligados 4 Monarquia lusitana (perpetuamente desde 1551), nio invalidava, todavia, as dependéncias destas Ordens em relagio a Santa Sé, em, todo o tipo de matérias. Os recursos destas milicias eram grandes, mas confinavam-se a Portugal; fora do espago metropolitano, a sua influéncia era diminuta, apesar do vasto padroado que a Ordem de Cristo obteve a meados, do século XV e que nominalmente mantinha no periodo em exame, bem como a presenga de pequenas comendas nas Ihhas atlanticas. Por seu lado, a Orclem de Malta tinha um estatuto ps tum principado eclesiéstico e um lugar importante no €q ‘curopeus (FONTENAY, 1996). Este estatuto decorria de quatro factos fundamentais ¢ concomitantes: 1) ser a entidade soberana dailha de Malta, sede internacional da Ordem desde 1530; 2) ser uma instituigo religiosa supranacional governada exclusivamente por nobres, de entre os quais se elegia 0 Grio-Mestre, e que ficava dependente da Santa Sé ao nivel espirtual (representada na ilha pelo curopeu o estatuto de uma consideraveis recursos humanos e materais; 44) possuir uma pequena frota, que garantia a sua sobrevivéncia enquanto forca militar e naval independente, embora muitas vezes fosse posta 40 servigo dos interesses dos reinos cristios (BLONDY, 2002), Em Portugal, a Ordem foi sempre formalmente reconhecida como parte dessa supra-estrutura internacional, ¢ como tal 0s seus membros gozaram ‘de uma consideravel autonomia face a0 poder régio na administragao do seu patriménio. Obedeciam, simultaneamente, as decisdes das estruturas da Ordem —respeitavam os Estatutos e Ordenagies € la Ordem e do Priorado- e as decisoes dos monarcas. Esta situagio nao se alterou apesar de uma série de mudangas verifcadas no periodo em estudo: a reserva para os Infantes, desde o reinado de D. Pedro II (1683-1706), da sucessio na mais alta dignidade da instituigio no 128 Modelos de Nobreza reino —o cargo de Grio Prior do Crato; a incorporagZo da administragao da comenda prioral na Casa do Infantado, entre 1789 ¢ 1793 (Bula Expedit ‘quam maxime e Quoniam Ecclsiasticum, respectivamente); a ocupagao da ilha de Malta pelos exércitos napoleénicos, em 1798, que fez ruir os organismos centrais de governo da Religifo, entre os quais a Assembleia/“Tribunal da Lingua de Portugal e Castela, Esclaresa-se que, no repovoamento dos territérios conquistados 205, mugulmanos, em 1232, os Hospitalirios portugueses estenderam 0s seus dominios por atribuigdo régia, consolidando a sua presenga em terras que viriam a denominar por Crato. Foi precisamente aqui que se veio a cestabelecer a sede lusitana da Ordem por volta de 1340, e a constituir 0 Priorado do Crato, que assumiu mais tarde a designagio de Grao-Priorado do Crato, nome pelo qual passou a ser conhecido o ramo portugués desta instituiglo. Deve-se, no entanto sublinhar, que a terminologia de “Priorado do Crato” se aplicava também ¢ simplesmente 4 comenda atribuida aos Grao-Priores por ineréncia do cargo. O Crato contava-se entre os priorados sobreviventes, apés 1798, Em 1799 foi instituido no reino 0 Tribunal do enerando Priorado de Portugal, antes Tribunal da Lingua de Castela Portugal, sedeado em Malta. Tratava-se de uma instincia colegial, reconhecida pelos organismos centrais da Religido ainda existentes. Foi aprovado por parte do Grio-Mestre e do Convento interino estabelecidos ‘em Trieste, a 18 de Maio de 1799. Até a vit6ria liberal em 1834, com a consequente nacionalizagio dos bens das Ordens religiosas no Reino (Dec. de 30 de Maio de 1834), este Tribunal parece ter tido sempre a dima palavra na resolugdo dos assuntos do Priorado, numa inter-relagio com 0 Infante Grao-Prior e as instancias centrais da Ordem. Por fim, um iltimo reparo sobre o corte cronol6gico escolhido. Corresponde a um periodo amplo e muito sensivel quanto a questio da nobiliarquia em Portugal. Nele viram-se forjar ¢ desestruturar as ambiéncias do Barroco € respectivos arquétipos de poder, bem como o grande apego a pureza de sangue (puritanismo, décadas de 1670-1730) e a cextinglo oficial da mesma, em 1773. Em 1789, as Ordens de Avis, Cristo Santiago foram reformadas pela Monarquia tendo em vista torné-las mais distintivas, Esse esforgo, todavia, s6 deu resultados num curto espago de tempo. A partir da chegada do Principe D. Joao ao poder, em 1792, a inflagio de mercés destas insignias tornou-se de novo recorrente. 129 wT Inds Versos¢ Fernanda Otay HAniTo & SERV IcoS Um primeiro espago de grande diferenga entre as Ordens Militares de Avis, Cristo e Santiago e a Ordem de Malta reporta-se a obtengio do direito a candidatar-se a insignia, 'Nas Ordens sob a algada da Monarquia a possibilidade de vir a alcangar ‘um habito decorria de uma mercé régia. Esta era quase sempre dada na sequéncia de servigos feitos 4 Coroa (assumia os tragos de uma mereé ), embora também em casos relativamente raros pudesse ser meramente voluntirio do rei (graga régia). A primeira situagio era notoriamente a dominante nos séculos XVII-XVIIL. Era porque alguém obtinha um bom lote de servigos que solicitava 4 remuneragdo dos mesmos a0 centro politico. O resultado podia ser a concessio de um habito, na maioria dos casos acompanhada de uma tenga em dinheiro, ou de uma comenda, Os servigos podiam ser os mais diversos, inclusive aconteceu frequentemente nas conjunturas de mudanga dinistica, 1580. Apenas em 1706 foi estabelecido um lote de limitando-os; até ai todos os efectuados & Monarquia cram admissiveis a hora de pedir recompensas. Mesmo muitas ocupagic, ‘como as de desembargador, corregedor ¢ juiz de fora, que implicavam a recepgio de um salaro, permitiam a acumulagio de tempo de servigo para feito de solicitar mercés Coroa; incluem-se aqui também as prestagées de mulheres, cite-se 0 caso das damas do pago cujo tempo de servigo era também passivel de remuneragio com este género de expedientes. As petigdes desta natureza atingiram um niimero tal que desde o inicio do século XVII 0 centro politico teve de estabelecer 0 tempo minimo recompensivel, além de outras particularidades, que envolviam desde os procedimentos a0s papéis necessirios (provas), passando pelas benesses atribuiveis. Era no ambito desta estrutura dinimica (a economia da mercé), que ‘envolvia a Coroa € os seus vassalos, que muitos habitos de Avis, Cristo © Santiago eram alcancados. Em boa verdade, no periodo considerado, o que mais se pediae obtinha ‘ra a mercé do habito de Cristo. Os de Santiago e Avis despertavam muito ‘menos interesse. O facto dos monarcas portugueses (feta excepglo aos trés como 1130 Models de Nobreza Habsburgos) usarem 20 pescogo apenas a insignia de Cristo seria um dado relevante a este propésito. O mesmo se diga do elevado mémero de comendas da Ordem de Cristo (cerca de 540), pois permitia a alguém ‘maiores oportunidades de chegar a comendador. ‘Muitas vezes quem alcangava uma insignia de Avis ou Santiago niio a tomava efectiva; procurava renegociar a mercé com 0 centro politico, amiide com mais servigos, de modo a ser melhorado na Ordem de Cristo. FFrequentemente a expressio usada era textualmente ess: “ser melhorado”. ‘Tal facto traduz claramente uma maior valorizagio desta insignia que ira persistir até ao final do século XVIII, ndo obstante os esforgos em sentido contririo por parte da entidade que administrava a quase totalidade dos assuntos respeitantes a estas trés Ordens (Mesa da Consciéncia) eda realeza 10 quartel de Setecentos. Saliente-se que a mercé de um hibito era sempre atribuida pelo rmonarca, feita ressalva a um reduzido leque de situagdes. Eram estas “ltimas, em primeiro lugar, as 43 comendas da Ordem de Cristo da Casa de senhorio. Roma assim passou a ser a tinica enti (CuNHA, 2000, pp. 312-332). No entanto, em pleno rigor verbal e juridico, ‘0s Duques apenas apresentacam o candidato a determinada comenda ao rei- ‘mestre, Em iltima analise era também ele que concedia tas distingdes. E 0 mesmo sucedia quando alguém obtinha do rei o direito a nomear determinado niimero de hibitos em criados (entenda-se clientes apaniguados seus). Desde 1551, que Roma sancionara a anexaglo dos trés mestrados Coroa, mesmo que esta viesse a recair numa mulher ou num menor de idade, A partir de entio o rei era 0 mestre, ou mais correctamente, 0 governador ¢ perpétuo administrador destas Ordens Militares. O soberano ‘com estes recursos viu aumentar consideravelmente 0 seu poder. Na realidade, tinha mais expedientes para atrair bons servidores, que podiam ‘uma insignia. Desde a bula de 18 (Corpo Diplomatico Portuguez, XI, ‘consagrara-se genericamente 0 s tres Ordens na sua tutela iador dos siibditos e num espago de ‘pp. 630-640), para chegar a0 simy principio dos servigos feitos tornaram-se num instrumento dis 31 Inds Verso Fernanda Oticat rmanifestagio de parte do seu poder e influéncia ao agraciar “A ou “pr, ‘mesmo que fosse indigitado por outrem. Teoricamente esse outrem obtivers 4 delegasio do monarca por servigos, mas tal poder era muito cicunsrite« de mera intermediasao, que ndo devia reirar 0 protagonismo supremo ap (Ora, o mesmo nio se pasava na Ordem de Malta De fact, o ingress nas ileras dos cavaleiros de Malta assum como «uma ops0 pessoal, ou familiar, por uma carzera, que se diferencia, exda vex mais pelo grau de distingio social que conferia, bem como pelo seu caticter militar e eclesistico.O perfil militar estava presente, por um lado, nas exigéncias de prestagio de servigns desta natureza, fosse nas armadas da eligi (caavanss) ou, a partir de 1799, no caso de Portugal, no exército do comutativo). No. entanto, tais desempenhos 6 0 ingress nas fileras da para obter a mereé. Enquanto que nas trésmilicias da Coroa aquee que se tomava cavalciro e comendador podia depos at nunca mais combater, se «que alguma vez 0 fizera, em Malta no era assim ‘Quanto 20 carictereclesistico, decorrente de al entrada, consubstancav- se no acto da profissio e na tomada dos votos de obediénca, cefectuavam-se , Hlraléry i Canada /L'Héraldique au Canada vol. XXXII n° 3 (Otava, Set 198), pp. 22-32; n° 4 (Dez. 1998), pp. 22-32; n° 5 (Margo 1999), pp. 21-28. Michael Bustt: Rick Noble, Poor Noble, Manchester University Press, Manchester 1988, pp. 32-33, 65 Corpo Diplomatico Portugues, ed. de Luis Augusto Rebelo da Silva, 16 Vols, Typ. da “Academia Real das Sciencias, Lisboa 1862-1891 [Robert DESCIMON: “Chercher de Nouvelles voies pour interpréter les phénoménes nobilsres dans la France Moderne. La Noblese, essences ou rapport socal?”, Revue dHitire Moderne et Contemporaine Tome 46-1 (Paris 1999), pp. 5-22 Claudio Dona: Leia di nobilitas in lalia. Secoli XIV-XVIIT, Laterea, Roma 1988 Jnel FONTENAY: “Ordre de Malte", in Lucien BELY (dir): Dictionnaire de L’Ancien "Regime, Reyoume de France XVIe-XVIIlesiéle, PUF, ati 1996, pp. 937-938. HG, Haver; “Comparative History”, in Neil J. SwetseR ¢ Paul B. BALTES (dirs): International Encyclopedia of the Socal & Behavioral Sciences, Vol. 1V, Elsevier, ‘Amesterdio 2001 Xavier LaBAT SAINT VICENT: Matte et le commerce Francis au XVIII sel, these “dactilographe, Université Pris IV- Sorbonne, 2 vos, 2000. ‘Jean MEvER: Nobles et Pousoirs dans Europe d’Ancien Régime, Hachette, Paris 1973 Nuno Gongalo Monetno: crepisculo det Grander: 0 casa e 0 patriménio da aristacracia em Portugal (1750-1832), IN-CM, Lisboa 1988. Fernanda Ouivat: As Ordens. tado Moderna, Honra, Mereée Venalidade ‘om Portugal (1641-1789), Estat, Lisboa 2001, 1156 Modelos de Nobresa FFemanda OLA: “An Elite? The meaning of knighthood in the Portuguese Military ‘Orders of the seventeenth and eighteenth centuries”, Mediterranean Stuliesn® 15, ‘Sérgio da Cunha Sonnes: “Nobr ‘de Matriculas de Filhament (1997), pp. 403-455. [Angelantonio StsGNOLETT: “Elementi per uma storia del?Ordine di Malta nel! Talia Tmoderna”, Mélangs de 'Ecole Francaite de Rome tomo 96 n° 2 (1984), pp. 1021- 1049. [Angelanconio SPAGNOLETT: Stata, Avstocracia ¢ Ordine di Malta nel Talia Moderna, ‘Collection de Ecole Frangaise de Rome I 1, sn. [1988] Angelantonio SP4GNOLETTI ¢ Pedro Gaacia Maxri: “Cuando San Juan se hizo Malta”, Hitoria 16 Ano XX n° 225 (1995), pp. 61-66 Maria Inés Vensos: Os cazaleiros da Ordem de S. Joao de Mata em Portugal defnas do “Antigo Regime ao Liberalamo, Distertagdo de mestrado apresentada em 2003, ma Universidade Nova, Faculdade de Ciéncias Sociais e Humanas (poicopiads), 2003, arquétipo de Fidalgo. A propésivo de um Livro -1724), Revita de Histéia das Ideias vol. 19 \Vensos: “O valor da linhagem ¢ do real servigo. O acesso ao grau de ‘Encontro sobre Orden: Miltares. 30 de Janciro a2 de Peverir de 2002, Palmela, 2008, pp 827-870. 1s7

You might also like