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‘Teomi (AHA LTERARA FEMINISTS Primeira 218 da infancia ¢ adolescéncia para onde a protagonista retorna apés muitos anos ¢ tenta recuperar a sua identidade. Esses objetos, porém, séo obstéculos a ultrapassar no desejado caminho para a liberdade e plenitude individuais. Semelhante destruicao os protagonistas desejam concretizar em Contos sanguindrios, com sua violéncia contra os valores da familia ¢ das instituicbes. Embora 0s personagens desses romances ¢ contos estejam completamente desinteressados pela situagao social e politica do Brasil, parecem perceber que passam por um periodo de transigao nos valores e nos papéis desempenhados pelas mulheres até aquele momento, os quais nao serao mais validos daquela época em diante porque carecem de liberdade ¢ representam a sujeicao ¢ a objetificacao da mulher. Alastando-se do lugar-comum daliteratura feminina contemporanea, Zulmira Ribeiro Tavares escreveu em 1985 0 romance O nome do bispo. Apesar dos episédios relatives ao golpe de 64, a familia, a meméria, as especulacdes {iloséficas ¢ 0 proprio humor s8o comuns aos romances acima mencionados. O que distingue esse romance de Tavares é a construcdo de seu discurso, que faz lembrar a diego feminina © a corrente da critica feminista psicanalitica francesa preconizada por Cixous ¢ as feministas de tradigao francesa. ‘As autoras dos romances acima, escritos nos anos da ditadura militar, revelam nao apenas um solipsismo do discurso da prosa, como uma leitura superficial possa indicar, mas, de modo especial, um discurso literdrio revelador do desconforto experimentado pelas mesmas dentro da sociedade, j4 em mutagao, mas ainda machista. Embora se possa dizer que clas esqueceram a dimensao social, ¢ interessante lembrar que na década de 1980 acontecerd 0 pleno desabrochar da Segunda Onda Feminista, a qual abrir outras possibilidades. ‘Apesar da censura e das restricbes impostas pelos golpistas, que efetivou uma completa esterilizagao da literatura de autoria masculina, no se pode negar um aumento de produgéo literaria de autoria feminina e uma incipiente critica feminista. Essa concentracao de itens referentes a familia, & tradigao, aos costumes, semelhantes aos temas dos romances tradicionais, mas, ao mesmo, tempo, diferentes, demonstra uma tentativa de desconstrucdo (Butler, 2003) da sociedade patriarcal, da familia, da mulher ¢, efetivamente, de todos os conceitos opressivos em que, porventura, 6 género feminino se encontra (CAVENDISH WANDERLEY, 2004). Onda Feminista ‘A Primeira Onda Feminista (wave, em inglés) abrange o ativismo literario, cultural e politico a partir das décadas finais do século 18 até a luta pelo direito de voto feminino nas primeiras décadas do século 20. PAROoIA ~ Pro-vi0 Em 1864 apareccu na Westminster Review um artigo de Justin M'Carthy (1830-1912) que poderia ser um retrato de todas as sociedades ocidentais ¢ dos papéis tradicionais das mulheres como esposas, mdes ¢ filhas. © maior problema social na Inglaterra atualmente é 0 relacionamento entre homens e mulheres, A diferemga entre nés e nossos antepassados esté no fato de que estes accitavam a sociedade tal qual a encontraram, enquanto nés nos encontramos transtornados e perplexos. Parece que a instituigao do matriménio esté, nos dias de hoje, em profunda crise (apud ABRAMS, 1979, p. 1650), Havia ja a publicagéo em 1792 de A vindication of the rights of woman, de Mary Wollstonecraft, e em 1869 de The subjection of Women, de Stuart Mill. Esses livros seminais quase nada ou muito pouco surtiram efeito imediato. Na Inglaterra, a questao feminina girava em torno da néo-igualdade sexual na politica, economia, educacéo ¢ relacionamento social. Um: adagio popular inglés comparando 0 cérebro dos homens (1,60 kg) ao cérebro feminino (1,22 kg), mostrava sintomaticamente o status da inferioridade intelectual da mulher. Seque-se que a mulher que ousava cultivar sua inteligéncia e escolaridade além do desempenho da sala de estar estava violando a natureza e a tradicéo religiosa. As mulheres cram avaliadas conforme as caracteristicas “inerentes” a seu sexo, ou seja, a ternura, a inocéncia, 0 amor ao lar ¢ a submissao. As ocupacées femininas na época vitoriana se restringiam, no caso da classe baixa, ao trabalho arduo das fabricas, com nenhum tempo para o lazer; como domésticas e babas, no caso da classe média empobrecida; ao lazer e ao écio, considerado simbolo do seu status aristocrético, no caso das mulheres da classe alta e classe média rica, Iniciou-se a rebeldia quando certas pessoas achavam a vida doméstica sufocante. Florence Nightingale (1820-1910) nao tolerava mais a vida ociosa: em 1850 saiu de casa e galgou uma carreira como enfermeira nos hospitais e nos campos de guerra da Criméia, Politicamenteas mulheres cram consideradas cidadasdesegunda categoria. Elas nao podiam votar, assumir cargos administrativos (excegao feita a rainha Vitoria, a qual era antifeminista), trabalhar como advogadas ou médicas, nem sequer como secretdrias nos escritérios. Desde a década de 1840 0 parlamento britanico era assediado por pedidos de sufragio feminino, considerado “uma tolice louca” pela rainha Vitéria. As mulheres tiveram de esperar até 1918 para poderem votar. O dircito de possuir ¢ administrar a sua propriedade, independentemente da interferéncia de seus maridos, foi concedido entre 1870 e 1908, apés muita atividade lobista no parlamento. Em 1875 a consolidacao das leis trabalhistas (Factory Act) corrigiu os piores problemas sobre o emprego feminino nas minas ¢ fabricas e a jornada de 16 horas (LANE, 1978). 219 "TeoRIA € Carica LTERARIA FEMINISTS 220 Os romances vitorianos apenas raramente retratam os problemas Teferentes ao status legal das mulheres. Quando isso acontece, mostram mulheres domesticadas, companheiras educadas dos homens, pessoas-boncca, enfeitadas ¢ submissas. Através da heroina Jane Eyre do romance homénimo, Charlotte Bronté diz: f de esperar que as mulheres sejam muito calmas; contudo, elas tm os sentimentos iquais aos homens. Elas necessitam exercitar suas faculdades mentais exatamente como seus irméos requerem; elas sofrem de um constrangimento excessivo, de uma estagnag3o completa, semelhante aqueles que os homens sofreriam; 6 muito oprimente ouvir seus colegas masculinos dizer que as mulheres devem se restringir a fazer pudins, cerzir meias, tocar piano e bordar sacolas, No ¢ justo condené-las ov p6-las ao ridiculo se elas tentarem fazer mais ou aprender mais do que tradicionalmente se concede & sua condicio feminina (BRONTE, 1956, p. 111) ‘Tais aspiragdes comecaram a ser realizadas apenas em 1848, quando foi {undado em Londres um colégio de educagao mais avangada para mulheres. Todavia, o fim do século 19 viu grandes mudangas na educacao feminina, cujo progresso foi relutantemente aceito como fato. O final do século 19 ¢ 0 inicio do século 20 testemunharam uma luta pela igualdade das mulheres na Inglaterra. Enquanto usavam métodos pacificos, poucos homens mostraram-se interessados em seus escritos © seus discursos, Em 1903, Emmeline Pankhurst fundou a Associagao Social e Politica das Mulheres para lutar pelo voto feminino. As suffragettes, as sufragistas militantes pés- 1905, amarravam-se aos portées do Palacio de Buckingham, incendiavam recintos publicos, danificavam obras de arte, cortavam fios telef6nicos e interrompiam os debates do parlamento. Quando foram presas, faziam greve de fome e sofriam os horrores de serem forcadas a comer (MACKENZIE, 1975). Apesar disso, somente em 1918 foi concedido 0 direito de votar aquelas com mais de trinta anos. A igualdade politica foi conquistada apenas em 1928 (LANE, YON, 1992). Todavia, no inicio do século 20 iniciou-se o ressurgimento literério feminino inspirado por Virginia Woolf, cujos livros de critica, como A room of one’s own (1929) ¢ Three guineas (1938), tiveram forte impacto no movimento feminista. Os romances de Woolf, privilegiando a realidade interior através do uso do fluxo de consciéncia, a manipulacdo de tempo, 0 simbolo ¢ a complexidade psicolégica, influenciaram autoras briténicas e americanas na segunda metade doséculo20 (APPIAH; GATES, 1997; STEVENSON, 1987). A primeira onda feminista estadunidense, iniciada em 1840, foi, ao longo do século 19, dedicada 4 temperanga, a aboligéo da escravidao je A representagao feminina no Congresso dos Estados Unidos como inferéncia dos principios da Declaracéo da Independéncia. A participagao da mulher na ocidentalizagao da fronteira, na urbanizacao e na industrializacao dos Estados Unidos Panooia = Paosvina na virada do século 20, e sua contribuigao na 1 Guerra Mundial e nos dificeis anos seguintes fizeram com que ela adquirisse uma répida, embora relaliva, igualdade semelhante aquela {ruida pelo homem. Além do crescimento do numero de romances de autoria feminina, a representagao da mulher nos romances letra escarlate (1850), de Nathaliel Hawthorne, Sister Carrie (1900), de Theodore Dreiser, e O grande Gatsby (1925), de Francis Scott Fitzgerald, mostra 0 progresso da revindicacao de direitos femininos durante esse periodo. Embora haja no Brasil uma participagao constante de mulheres brancas, escravas e alforriadas em todos os eventos vivenciados pela sociedade colonial, a atividade intelectual que deu origem a dois grandes movimentos abrangendo dois séculos foi Direitos das mulherese injustigados homens, por Nisia Floresta Brasileira Augusta, em 1832, traducao livre de A vindication of the rights of women, de Mary Wollstonecraft. A atividade, que poderia ser rotulada “primeira onda feminista brasileira", originou-se no movimento abolicionista brasileiro do século 19, Chiquinha Gonzaga, Elisa de Faria Souto, Elvira Pinho, Francisca Clotilde, Inés Sabino, Leonor Porto, Maria Amélia de Queirés e outras foram ativistas em varias regides do Brasil para acabar com a escravidao no pais. Apés a proclamagao da Republica, muitas abolicionistas mulheres enveredaram por uma luta semelhante aquela de suas colegas inglesas em fins do século 19 e inicio do 20, ou seja, para a participagio no governo como cidadas plenas pelo voto. © movimento sufragista, porém, deve ser entendido no contexto de reivindicagées basicas cxigidas pela cidadania, como a luta pela educagdo das mulheres (Branca Canto e Melo; Marta Alonso Abranches), pela pratica da enfermagem (Ana Néri, Florisbela, Damas da Cruz Verde), pelo exercicio da profissao de advogada ou médica (Antonieta Dias), pelo jornalismo (Amélia Carolina da Silva Couto), pelo direito de divércio (Andradina de Oliveira), Foi, porém, a luta pelo voto que aglutinou a forca das brasileiras contra 6 que mais tarde seria chamado o patriarcalismo ¢ seus simbolos. Na época pré-republicana ¢ nas tiltimas décadas do século 19, varias mulheres instruidas, como Isabel de Sousa Matos, Isabel Dillon, Josefina Alvares de Azevedo, aproveitando-se de brechas na legislacao contemporanea, pleiteavam 0 voto para as mulheres. Rechagadas por juizes ¢ ministros, as feministas acirraram os animos e levaram a luta sufragista por mais de trinta anos até a conquista do voto pelo Cédigo Eleitoral de 1932 (efetivamente em 1934; apés a Riissia, em 1917; a Alemanha, em 1918; os Estados Unidos, em 1919; a Inglaterra, em 1928; porém antes da Franga, Italia e Japao em 1945), Os nomes de Bertha Lutz e Emiliana Emery Viana e de centenas de outras participantes, especialmente as integrantes da Federacao Brasileira pelo Progresso Feminino, destacaram-se nessa luta, adotando estratégias semelhantes as das ativistas norte- americanas e inglesas. oe ‘TeORIA € CRETCA LITERARIA FEMINISTA Na superacdo dessa etapa importante, as feministas lutaram por amplas conquistas que incluiam a protecao 4 maternidade c a infancia, a corregao das diferencas salariais por sexo, o direito de estado civil, a introducao da licenca-maternidade remunerada, © acesso a cargos pitblicos, os direitos trabalhistas das mulheres nas fabricas (SCHUMAHER; VITAL BRAZIL, 2000; AJAMIL et al., 2001) Privilégio rivus, individual ou particular; lex, lei) indica uma lerarquica de fatores causais. Como um dos objeti to feminista é revelar ¢ denunciar os niveis em que o julino operava e opera para esconder a vida, as preocupagées e as perspectivas das mulheres durante toda a histéria humana, diversos pretextos para a manutencdo desse privilégio foram levantados. Entre eles, ha a teoria da “natureza humana”, através da qual se propoem “razées" para justificar a dominagao masculina sobre as mulheres € os esteredtipos embutidos nos escritos dos filésofos ocidentais, principalmente Platao, Aristételes, Kant e Nietzsche. Na discussdo essencialista do feminismo, discursa-se sobre as mulheres em si ¢ focaliza-se 0 discurso sobre “a esséncia feminina”, Portanto, a légica da investigacao feminista faz com que se descartem todas as diferengas entre grupos de mulheres e atinja a propria esséncia. O paradoxo do feminismo em seu inicio estava exatamente neste ponto: privilegiava apenas um grupo de mulheres, ou seja, a mulher branca, de classe média, heterosexual, de cultura ocidental. Através desse privilégio, a condigao de um tinico grupo feminino foi destacada como se fosse a condigao de todos os outros grupos e foram descartadas as diferengas que 0 grupo privilegiado tinha em relacao aos outros grupos, como se nao fossem diferencas. Surgiram na Segunda Onda Feminista varias teorias que levam em consideracao a mulher negra africana, a mulher negra afro- americana, a mulher negra afro-brasileira, a mulher do Terceiro Mundo, a mulher operdria, a mulher lavradora, a mulher lésbica, a mulher negra e lésbica, a mulher mugulmana, a mulher catdlica e outras categorias de etnia, classe e raga, as quais compdem a denominagao Feminismos. Pr6-vida / pré-escolha ~ Os termos “pré-vida" e “pré-escolha” praticamente dizem respeito ao aborto e a problemas reprodutivos, um dos assuntos que mais provocou ¢ ainda provoca controvérsia. Embora a religiao e a 222 Segunda Onda Feminista Convenientemente poder-se-ia dizer que a Segunda Onda Feminista comeca pela publicagao, em 1949, de O segundo sexo, de Simone de Beauvoir, ¢ pelas atividades do Movimento pela Libertagao da Mulher na década de 1960, quando Betty Friedan, Shulamith Firestone, Ann Oakley, Kate Millett, Juliet Mitchell ¢ Germaine Greer tornaram-se famosas pela sua atuacao politica, cultural ¢ literdria. Seus escritos efetivamente foram os alicerces das posigées tedricas dos estucos literdrios e criticos feministas. De Beauvoir (1980) analisa certos fatores (bioldgicos, socioecondmicos, psicolégicos) que foram usados para que o homem se tornasse o Sere a mulher 0 Outro. A consolidacao de certos falsos pressupostos ("tota mulierin utero") torna dificil questionar os papéis sexuais tradicionalmente atribuidos a mulher. A mulher, cla escreve, nao nasce, mas se torna mulher. Millett (1970) comeca a usar os termos “patriarcalismo", “sexo”, “género", “cultura” e “identidade sexual". Seu termo "politica sexual" descreve a realizagéo dos papéis sexuais para gerar a relagao diferenciada de dominagao e subordinagao. No caso da literatura, Millett afirma que os valores ¢ as conven¢ées literarios foram moldados pelos homens (as aventuras © a perseguicao romantica tém o impeto "masculino") ¢ os escritores se dirigem aos leitores como se todos, inclusive as leitoras, fossem homens. De fato, insiste em expor as representagdes opressivas da sexualidade encontradas na ficcao escrita por D.H. Lawrence, Henry Miller, Norman Mailer e Jean Genet, Por outro lado, com referéncia ao fator hist6rico determinante, Firestone (1970) substitui 0 fator sexual pelo fator classe. A luta de classe, ela diz, é 0 produto da organizacao da unidade familiar biolégica, Barrett (1980), uma feminista marxista, argumenta que 0 termo "patriarcalismo” usado por Millett e Firestone sugere uma dominacao universal sem variagées ou origens diferenciadas. Barrett insiste no nexo entre patriarcalismo e capitalismo, envolvendo a organizacao econdmica do lar, a divisao de trabalho, os sistemas de educacao e do governo, ‘TeORiA © €RITICA LITERARIA FEMINISTA 236 0s processos culturais, a natureza da identidade de género e 0 relacionamento entre a sexualidade e a reprodugao biolégica. E de Showalter (1978) a divisao tripartite das fases literarias femininas britanicas: a fase feminina (1840-1880), quando as autoras de ficcdo imitavam os padrées estéticos masculinos; a fase feminista (1880-1920), quando as autoras lutavam por direitos iguais aos dos homens, especialmente referente ao voto e ao exercicio da profissao; a fase fémea (1920 até o presente), na qual se desenvolvem nalliteratura a escrita especificamente feminina, a receptividade multipla, uma grande franqueza ante a sexualidade, a politica, 0 papel da mulher na pés-modernidade (LIMA DUARTE, 1990). A mesma autora néo apenas analisa a profunda diferenca entre a escrita feminina e a masculina, mas também afirma que a tradicdo literéria feminina foi praticamente descartada pelos autores e criticos masculinos, 0 que implicaria uma urgente mudanga do cénone literdrio. Por outro lado, a teoria feminista francesa foi influenciada pela filosofia de Jacques Derrida (1976) ¢ pela psicanélise de Jacques Lacan (1977). O significante “mulher” representa uma posicao de um sujeito banido para “o continente obscuro” pelo poder castrador do falocentrismo e, conseqientemente, pelo falogocentrismo. Lacan entao analisa 0 discurso feminista antilogocéntrico, privilegiando positivamente a abertura feminina contra o fechamento patriarcal. Essa é a razdo de a escrita feminina descartar terminantemente as conclusées estaveis ou 0 estabelecimento da “verdade definitiva". Portanto, a produtividade poética feminina subverte a tirania do significado tinico e logocéntrico. A polaridade usada por Kristeva (1984) entre o sistema racional e fechado e o sistema subversivo e aberto favorece a poesia como um lugar privilegiado de andlise. £ a distingao entre o Semidtico e 0 Simbélico. Enquanto 0 semidtico é associado ao corpo feminino, 0 simbélico se refere a Lei-do-Pai, que introduz.o discurso. Portanto, a mulher é 0 "inconsciente" que precede o discurso. Ela € 0 Outro que ameaga subverter a ordem racional do discurso. Kristeva afirma que essa revolucao pottica, intimamente ligada a revolucao politica e a libertacdo feminina, corresponde ao discurso subversivo e anérquico adotado pelo feminismo para derrubar o falogocentrismo. Cixous (1976) afirma que a mulher escreve com seu “corpo”, ou seja, no fervilhar do inconsciente feminino é qué germina o pensamento subversive. Conseqientemente, a escrita feminina ultrapassa 0 discurso que regula 0 sistema falocéntrico. Cixous fala do discurso polissémico, do prazer do texto, da abolico de todas as repressdes: de fato, o papel da escritora é a transgressao das leis do discurso falocéntrico. Necessita, portanto, a mulher de inventar uma linguagem prépria, jé que, até agora, sempre tinha de se limitar ao e de se expressar dentro do discurso masculino. Poder-se-ia dizer que a Segunda Onda Feminista nos Estados Unidos comegou nos anos 1960 e parece que tomou rumos mais politizados do que aquela inspirada pelas teorias francesas. Em SEGUSDA Oup4 « SuPcnionb ani 1963, Belly Triedan publica The feminine mystique. com grande repercussdo, © que culmina com a publicagao de Ms, Magazine em 1972, reivindicando os direitos da mulher ¢ denunciando todo © qualquer sinloma de patriarcalismo na sociedade estadunidense, Em 1977, Elaine Showalter publica o importante A literature of their own, colocando o debate feminista no Ambilo da literatura do cnone Literdrio. No mesmo ano, 0 essencialismo feminista & denunciado por Barbara K, Smith em seu ensaio “Toward a Black Feminist Criticism”, dando inicio a debates sobre o feminismo negro e alrodescendente, diferentemente dos requisitos do feminismo branco e da classe média, Essas duas décadas sao efetivamente fechadas pelo trabalho In a different voice, de Carol Gilligan, om 1982, AS ostralégias do movimento feminista nos Estados Unidos foram as seguintes: methoramento na educagdo dos Lilhos ¢, conseqiiontementle, nas praticas socializanles; formagan de pequenos grupos de conscientizagao nos quaisas mulheres aprenderiam como mudar sua vida alravés das experidincias de outras mulheres; critica do movimento feminista aos meios de comunicagao que perpetuam © slatus quo objetificante Ieminino; criagaa, pelo movimento feminista, de alternativas culturais ospecialmente no quo dix respeilo a literatura, 4 musica, ao jornalismo ¢ a arte; linalmente, a transformacao de todos os lugares de educacao formal, inclusive os centrosde pesquisa. Realmenteomovimento pode contabilizar muitos sucessos, onlre os quais a diminuicéo vertiginosa da diseriminagao, a conscientizagao sobre a existéncia de diferengas sexuais ¢ raciais entre as mulheres, a freqiiéncia da mulher nas universidades (entre 1980 © 1990 hd um acréscimo de 30% de mulheres indias; 99% de mulheres de origem asidtica; 16% de mulheres afrodescencentes; 73% de mulheres hispano-americanas; 15% de mulheres brancas). Com referéncia aos centros de estudo e pesquisa sobre a mulher, na década de 1990 hd 66 nos Estados Unidos ¢ no Canada, em contraste com 29 na Asia, 25 na Europa, 27 na América Central edo Sul, 8 na Arica e 5 na Australia ¢ na Nova Zelandia, © contetio feminino ¢ feminista debalido nos Estados Unidos & extremamente variado ¢ corrige muitos Lemas tidos como dagmatico poucod tempo alrés, Debates sobre 0 género © a sexualidade, a construGéo cultural do género, a persisténcia em muitos ambientes do masculino como norma e do teminino come variante; a conlinuagado da visdo masculina sobre a histéria, a cullura c freqlientemente sobre a literatura; a dificil erradicagao do conceito de que muilas normas ‘jo culturalmente construidas quando todos acreditam serem inerentes & nalureza humana; os sistemas diferentes de génere que cada sociedade possui; a restricdo para nao falar da mulher ou do homem universal ou da feminilidade ou masculinidade © outros eslao sempre em paula. Por outro lado, no periodo 1960-1980, os feministas esladunidenses mostram grande ira contra 0 patriarcalismo, 237 “TCORIA CRITICA LITERARIA FEMUNISTA 238 a hierarquizacdo do sistema de género, as diferencas sexuais, as desigualdades econémicas, a negacao da cidadania total as mulheres, a vitimizacao da mulher pelo pai ou pelo marido ou da mulher colonizada pelo homem branco, as representacoes infantis e consumistas veiculadas nos meios de comunicagao social, Todavia, nos anos 1990 as feministas déo mais importancia & presenca da mulher, realcando o ser diferente da mulher; a cultura feminina; as suas tradicées literarias ¢ artisticas. Os livros The lay of the land e The land before her, de Annette Kolodny (n. 1941), e o ensaio In search of our mothers’ gardens, de Alice Walker (n. 1944), sio os precursores de uma onda criativa feminina nas décadas seguintes. Atualmente a “fragmentacdo" do movimento feminista nos Estados Unidos acontece devido a cada grupo ensejar uma fusao dos estudos de género a um outro tema de identidade cultural, ou seja, a classe social, originando o feminismo socialista ou marxista (por exemplo Gayle Greene); a opcao sexual, originando o feminismo lésbico (por exemplo Bonnie Zimmerman); os estudos pés-coloniais, originando estudos da mulhercolonizada esubalterna (especialmente por Gayatri Spivak); a religido, originando estudos do feminismo no Catolicismo (por exemplo Elizabeth Fox-Genovese) e no Isla (por exemplo Leila Ahmed); a raca e etnia, originando o feminismo negro, afrodescendente (por exemplo Deborah McDowell), chicano (Cherrié Moraga), indigena (por exemplo Joy Harjo e Winnona LaDuke). Explorando as diferencas entre as mulheres, esses grupos estéo realmente aprofundando sua propria histéria, cultura, estrutura social ¢ relaces de género e relacionam-se intelectual & eticamente com os outros grupos promovendo coalizées com eles Somente o didlogo cria possibilidades de varias e legitimas versées da verdade. A Segunda Onda Feminista no Brasil iniciou-se no contexto da conjuntura internacional de descolonizacao politica, de rebeldia dos jovens universitarios, dos negros contra a segregagao racial nos Estados Unidos, dos politicos contra a guerra do Vietnd, do novo feminismo em muitos paises curopeus e nos Estados Unidos. A instituic&o do Ano Internacional da Mulher pela ONU em 1975 e a mobilizacdo seguinte provocaram um novo alento a organizacéo feminista brasileira. Logo de inicio, 0 feminismo_ brasileiro contemporaneo tinha de enfrentar nao apenas uma situagao politica machista (a Ditadura Militar), com todas as suas conseqiiéncias limitantes, mas também o fato de que a ideologia da supremacia masculina ainda permeava a sociedade recém-urbanizada e industrializada. Desde o primeiro grupo formado em 1972 em Sio Paulo ¢ a fundacao do Centro da Mulher Brasileira fundado no Rio de Janciro em 1975, os objetivos da Segunda Onda Feminista foram (1) tornar visivel a questao feminina, (2) combater 0 papel subalterno da mulher brasileira, (3) lutar pela redemocratizacao e anistia politica, (4) exigir dircitos iquais e cidadania plena. A formagao de grupos de reflex4o, a organizacéo de congressos nacionais e a publicagao ‘ScGunoA Oxpa = Surextoniaane de jornais e revistas versando sobre a conscientizagao da mulher foram os meios para alcancar esses objetivos. Diversificou-se essa estratégia a tal ponto que, a partir de 1980, a pluralidade feminina (mulheres negras, lésbicas, operarias, educadoras, produtoras culturais, sindicalistas, empregadas domésticas, trabalhadoras rurais sem terra ctc.) foi revelada ¢ reivindicada totalmente cm nivel local, estadual e nacional. ‘A lula feminina pela cidadania plena abrange varias questées, as quais refletem as reivindicagées em Ambito internacional, particularmente em seu aspecto ocidental: a dentincia da violéncia — doméstica e a impunidade masculina, a luta pela satde e pelos direitos reprodutivos, a descriminalizacao do aborto, a ampliagdo do quadro de mulheres eleitas cm todos os niveis politicos, a luta por cargos e saldrios iguais (SCHUMAHER; BRAZIL, 2000). De fato, o Ano Internacional da Mulher (1975), a ECO-92 (Rio de Janeiro, 1992), a Conferéncia Populacao e Desenvolvimento (Cairo, 1994), a IV Conferéncia Mundial da Mulher (Beijing, 1995) em 4mbito internacional, a fundagéo do Centro da Mulher Brasileira no Rio de Janciro em 1975 e os inumeros setores de atuagao em ambito nacional (ONGs, associacao de moradores etc.) contribuiram para uma sociedade brasileira um pouco mais equilibrada, menos excludente, com mais mulheres no poder e nas instancias de decisdo. Apesar dos avancos, distancias enormes ainda deverao ser percorridas neste limiar do século 21 para que a Segunda Onda Feminisla possa cumprir sua agenda da subjetificagao plena da mulher ou, como prevé Greer (2001, p. 378), poderd ser substitufda pelo poderoso feminismo do Terceiro Mundo, “que vai se precipitar sobre nds nas pessoas de mulheres que nada tém a perder, pois ja 2 if Semi6ti midtico", cunhado por Kristeva (1984; 1986), 6 0 giiistico da linguagem, composta de sons, ritmos, oesia, a linguagem psicdtica. E 0 proceso primario ondensa as encrgias e suas inscricées. Embora nao Ero pode ser integrado no Simbélico, subvertendo o Simbdlico, ligado a Lei-do-Pai c ao poder patriarcal. O Semidtico implode o Simbélico pela poesia Sensualidade A sensualidade é a propensdo para as cmocoes corporais, especialmente sexuais, e a gratificacéo obtida pela estimulacdo dos sentides. Muitos textos de autoria feminina, como Song of 239 “Teonin & cRIMCA LITERARIA FEMINISTA teoria para investigar os grandes problemas entre a perspectiva narrativa e 0 ponto de vista ideolégico e epistemoldgico. Todavia, a teoria torna-se suspeita por (1) envolver o termo “olhar" (gaze, na teoria pés-colonial): 0 observador (ocidental, eurocéntrico, heterosexual e masculino) privilegiado fixe categoriza e objetifica os sujeitos observados nas estratificacoes que servem aos interesses do sujeito colonizador mesmo; (2) nao questionar o fato de 0 sujeito privilegiado representar ¢ falar em nome do subalterno: serd que uma autora estadunidense de classe média pode escrever um romance com uma protagonista chicana ou negra; (3) negar 0 vasto pluralismo que o termo “feminismos” envolve atualmente. Terceira Onda Feminista 252 Embora com restrigdes e ndo sem controvérsia, alega-se que, no inicio dos anos 1990, surgiu nos Estados Unidos a Terceira Onda Feminista (com suas manifestacées em Feminista, Riot grrls groups e Third Wave Foundation, entre outras), a qual pretende incorporar as jovens, nascidas nos anos 1970, cuja experiéncia de vida as afasta da experiéncia de mulheres que fizeram historia da Segunda Onda, levando-as além dos pardmetros académicos da Segunda Onda Feminista (BAUMGARDNER; RICHARDS, 2000, 2005; ALFONSO; TRIGLIO, 1997). Poderiam ser trés as causas principais para o surgimento da suposta Terceira Onda Feminista: (1) uma proposta de profunda renovagao do movimento feminista & luz de certos revezes legais nos Estados Unidos apés 1982, especialmente a derrota do Equal Rights Emendment; (2) a critica masculina de que, sob o pretexto de direitos iguais, as mulheres tém tirado muitos direitos dos homens; (3) a critica conservadora de pés-feministas de que as mulheres tém todas as garantias sociais ¢ legais necessérias para viver em paridade na sociedade contemporanea. Parece que a Terceira Onda Feminista é 0 produto da “estagnagao” ¢ do conservadorismo do pés-feminismo. Enquanto as feministas da Segunda Onda insistiam na inclusdo da mulher nos dominios tradicionalmente ocupados por homens, as feministas da Terceira Onda, partindo do principio-de que a igualdade sexual no foi atingida e de que o feminismo continuaré ativo atéalcancar essa meta, problematizam e expandem os conceitos referentes ao género e a sexualidade. Rechagando a acusagao de elas serem incapazes de agGes coletivas, Baumgardner e Richards (2000), mostram que, ao contrario da luta feminista dos anos 1960, focada na igualdade de género no trabalho, no direito ao aborto ena paridade econémica, as ativistas da Terceira Onda tém uma maior gama de itens na agenda feminista (0 trabalho escravo feminino nas indistrias de paises do Terceiro Mundo; direitos humanos na China; "apartheid" pela producéo de diamantes na Africa do Sul) e a voz feminista esta se articulando numa multiplicidade de maneiras, a0 Towa HoMossexuat = TRABALIO salientar a importancia do movimento feminista na politica, educacao € cultura, mas nao nos moldes da Segunda Onda (HENRY, 2004; HEYWOOD; DRAKE, 1997). Ositens na agenda da Terceira Onda Feminista incluem a teoria queer, a conscientizagéo da negra, 0 pés-colonialismo, a teoria critica, 0 transnacionalismo, a interpretacdo pés-estruturalista de género c de sexualidade, dando menor énfase a opressao patriarcal @ mostrando maior interesse na igualdade dos sexos. Todavia, a luta por direitos iguais ndo se realiza em detrimento da sexualidade, ou Seja, a auto-estima sexual, a feminilidade, a alegria da prépria wd scxualidade é uma forma de poder ¢ energia. Além disso, nao véem a competicao como algo antifeminista, mas enfatizam a cocxisténcia entre a competic¢éo e a cooperagéo feminina. Acreditam que a negociagao ca contradi¢ao das diferencas sao proprias do feminismo contempordneo cuja identidade se caracteriza pela influéncia das feministas “marginalizadas" pela Segunda Onda, especialmente pessoas negras, hifenizadas, hibridas, migrantes, diaspsricas, nao- pertencentes a academia. Portanto, recusam definir cientificamente a Terceira Onda Feminista porque o feminismo nunca pode ser monolitico ¢ untvoco, ou seja, ¢ algo individual para cada feminista (SIEGEL, 1997; HIGGINBOTHAM, 2000), dando mais apreco ao testemunho pessoal através de jornais informais (zines), mensagens eletrnicas ¢ miisica (WALKER, 1995). BAILEY (1997), SHAH (1996), ORR (1996) e DAVIS (In: WALKER, 1995) criticam a Terceira Onda Feminista porque, além de nao lutarem contra uma imagem distorcida do feminismo transmitida pela midia, as ativistas da Segunda Onda sempre foram mais cooperativas na conscientizagao das mulheres e sensiveis aos problemas de diferencae da identidade pessoal (HENRY, 2004) Tomas de u conceito de mulher de Santo Tomas de Aquino (1225-1274) sobre 0 eval, ¢ em contraste com 6 de Agostinho, constata- los conceitos de Aristételes ¢ nao de Platao em sua a divisdo dos sexos ¢ a natureza da mulher. Tomds que a alma é a forma substancial do corpo e que Deus criou alma ¢ corpo sexuado num sé instante. A diferenga sexual tem por finalidade o bem da espécie ¢ o conhecimento de Deus. A respeito desse segundo ponto, Tomas de Aquino diz que homem e mulher foram criados a imagem de Deus, ou seja, aplica-se a narrativa de Génesis 1 na qual se alirma que a mulher, semelhante ao homem, tem alma racional ¢ participante da divindade. A respeito do primeito ponto, afirma que o homem ¢ o principio da espécie humana, tem atributos racionais mais vigorosos do que os da mulher ¢ sua alma é um reflexo mais dircto da divindade. Segue-se que, no 253

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