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ESTUDO DAS RELAÇÕES

ÉTNICO-RACIAIS PARA O
ENSINO DE HISTÓRIA E
CULTURA AFRO-BRASILEIRA,
AFRICANA E INDÍGENA
AULA 3

Prof. Elston Americo Junior


Prof. Iziquel Antônio Radvanskei
CONVERSA INICIAL

Nesta seção que estamos prestes a iniciar será demonstrada e discutida


a teoria da democracia racial. Assim como as teorias do branqueamento, o
debate científico da democracia racial também teve consequências nas
políticas e ações da sociedade brasileira. Em uma reconfiguração política, com
o advento do Estado Novo e a eclosão do nazismo alemão, as teorias do
branqueamento começaram a entrar em xeque aos olhos da população e da
academia científica. Buscando novas metodologias para se explicar a questão
racial, Gilberto Freyre, precursor da ideia da democracia racial, propôs olhar
para as relações raciais por meio da cultura, e não de uma perspectiva
simples e ilusória da biologia em conceituar raça. Assim, o debate do sociólogo
toma corpo em observar a miscigenação na sociedade brasileira mediante
traços culturais, apresentando uma ideia de inexistência do racismo. Esta e
outras questões serão assuntos de debates nesta aula.

TEMA 1 – DESENVOLVIMENTO DA DEMOCRACIA RACIAL

A democracia racial, termo adotado por Gilberto Freyre (2006) em sua


famosa obra Casa-Grande & Senzala, teve boa recepção no governo que se
firmava no Brasil na década de 1930. O governo liderado por Getúlio Vargas
viu com bons olhos uma teoria científica que explicava e afirmava ser o povo
brasileiro um povo heterogêneo, mas uno, ou seja, com várias culturas
convivendo de maneira unificada. Já exposta na própria etimologia do termo –
democracia racial – esta teoria apresentava que a sociedade brasileira estava
miscigenada no aspecto cultural, com a tríade dos povos (brancos, negros e
indígenas) convivendo de maneira harmônica e criando traços em comum,
como o futebol e o samba (Schwarcz, 1998). Em um governo nacionalista,
esses pressupostos foram aceitos para assegurar argumentos de unificação e
de identidade nacional, fortalecidos por meio de símbolos que foram criados
pelo governo e pela ciência.

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TEMA 2 – O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS

O ideal da democracia racial aponta uma harmonia do povo brasileiro,


com a união de várias culturas, inexistindo qualquer tipo de discriminação
racial. A quem lê essa teoria, parece que todas as culturas presentes nessa
miscigenação fazem parte da identidade nacional de maneira igualitária, sem
qualquer imposição de elementos culturais de uma determinada sociedade
sobre a outra. É nesse momento que Lilia Schwarcz (1998) aponta como mito
da democracia racial, uma vez que inexiste na discussão de Freyre um
elemento central: o poder. Freyre teria apontado a miscigenação cultural sem a
interferência de poder da cultura branca e europeia sobre as demais, presente
nas relações de trabalho, religião e nos símbolos nacionais, com a
sexualização da mulher negra no samba. Outro elemento central diz respeito
ao ato da miscigenação por meio de violência sexual entre o senhor e a
escrava. Esse caso exemplifica uma miscigenação nada democrática.

TEMA 3 – O INÍCIO DA DESCONSTRUÇÃO DO MITO DA DEMOCRACIA


RACIAL

Ainda que a teoria da democracia racial tenha obtido grande


repercussão no meio científico e político da sociedade brasileira, aos poucos
ela foi sendo questionada por alguns teóricos e movimentos sociais. O
sociólogo Florestan Fernandes (2004), em pesquisa para a Unesco,
apresentou dados que demonstravam a relação desigual que afetava os
negros, como no caso do acesso ao trabalho, representação política,
quantidade de encarcerados e homicídios. Florestan concluiu que muito longe
de democrática, a sociedade brasileira estava em um regime de imposição de
um poder, originalmente branco, sobre as demais culturas. No momento atual,
a teoria da democracia racial ainda apresenta marcas em nossa sociedade, o
que para Lilia Schwarcz (1998) é um equívoco, haja vista algumas
características apontadas pela autora que afeta o povo negro: desigualdade
econômica, discriminação, pouca representatividade política, mapa da fome e
da violência.

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TEMA 4 – OUTRAS VISÕES DA DEMOCRACIA RACIAL: ABDIAS DO
NASCIMENTO

Algumas correntes teóricas ampliaram ainda mais as críticas à


democracia racial, especialmente com a imersão de movimentos sociais na
discussão científica. Florestan Fernandes (2004), mesmo que criticasse a tese
da democracia, não fazia parte da cultura negra, ou seja, não sentia de fato as
consequências do racismo mascarado no Brasil. Um teórico que avançou
nesse sentido foi Abdias do Nascimento, negro e, por isso, esquecido e
deslegitimado na academia, demonstrando o quão racista era a ciência
brasileira. Abdias apresentou uma série de críticas aos argumentos que
anulavam o racismo no país, sobretudo à Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro, pois
não acreditava ser a identidade brasileira fruto de uma miscigenação pacífica.
Uma das contribuições de Nascimento (1980) foi a criação do conceito de
Quilombismo, em uma busca em identificar a cultura e história afro-brasileira,
materializando obras com personagens e fatos específicos de seu povo.

TEMA 5 – O MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO

Além das correntes científicas que questionaram a tese da democracia


racial, no campo popular houve movimentos que se opuseram a tal ideia. O
próprio Abdias do Nascimento verificou a necessidade de organização da
população negra em reivindicar e defender sua cultura. Nesse sentido, Abdias
criou o Teatro Experimental do Negro. O Movimento Negro Unificado e a
Frente Negra Brasileira foram outros movimentos que reivindicaram a cultura
negra e questionaram a inexistência do racismo. Seja de maneira classista ou
cultural, os movimentos começaram a conscientizar a população que o racismo
no Brasil é autêntico e sua negação dificulta a sua eliminação. Por meio da
música, das religiões de matrizes africanas e ouras formas de manifestações, o
movimento negro conquistou uma parcela de democracia. Ainda que muito ralo
diante das estruturas existentes no país, os direitos que os negros têm
atualmente foram conquistas de suas reivindicações.

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NA PRÁTICA

A cultura brasileira é extremamente diversificada em consequência de


um território extenso com diversos agrupamentos sociais distintos. A tese da
democracia racial buscou unificar algumas características e criar uma
identidade nacional na junção de alguns costumes de determinados grupos
étnico-raciais. Como exemplo, podemos citar o samba, a feijoada e até mesmo
o futebol. Paralelamente a essa situação, atitudes pejorativas foram criadas
acerca de vagabundagem, malandragem de indivíduos negros, caboclos e
indígenas, além da sexualização do corpo das mulheres negras.
Com base nisso, nesse momento, realize uma discussão em formato de
texto, relacionando essa dualidade na questão racial com a teoria da
democracia racial: ao mesmo tempo em que se elegem símbolos nacionais de
variadas culturas, também se segrega determinados indivíduos.

FINALIZANDO

A principal questão que devemos focar ao analisar a tese da democracia


racial diz respeito à negação da desigualdade racial. Gilberto Freyre, ao situar
a relação étnico-racial brasileira como harmônica e resultante de uma
miscigenação biológica e cultural pacífica e de ordem natural, consolidou uma
identidade brasileira sem conflitos étnicos. No entanto, como vimos em aulas
anteriores, pesquisas, movimentos sociais e organismos internacionais
denunciaram e demonstraram que a relação étnico-racial no país apresenta
traços claros de racismo. Podemos citar como exemplo os negros e indígenas
como sendo os grupos com maiores dificuldades na conquista da cidadania.
Entendemos, portanto, que essa tese da democracia racial é um mito, forjando
uma identidade brasileira equivocada e contribuindo para a anulação das
diversidades de determinados grupos étnico-raciais.

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REFERÊNCIAS

FERNANDES, F. A sociedade escravista no Brasil. In: IANNI, O. (Org.).


Florestan Fernandes: sociologia crítica e militante. São Paulo: Expressão
Popular, 2004.

FREYRE, G. Casa-Grande & Senzala. São Paulo: Global, 2006.

NASCIMENTO, A. O quilombismo. Petrópolis: Vozes, 1980.

SCHWARCZ, L. M. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na
intimidade. In: ______. História da Vida Privada no Brasil, 4. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998.

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