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STELLA MARIS BORTONI-RICARDO 0 professor pesquisador Introducao a pesquisa qualitativa Capa. Projeto Grice: Avon Costco ‘CIP-BRASIL. CATALOGAGAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RU ono ord, Sta Mas, 1988 ( profesor pesqusader inode & pee qi / Sta as Bortn ard, Sto Paola Eto, 2008, ‘p23 crn (rats de nso 8) Inch bora ince Ison s7e-s-ea4see01 1.x fducaconl 2. Pesqusa-Metodologia LT Si 5.4098 coo sor cou a70154 Direkos reservados. PARABOLA EDITORIAL ‘ua Dt Maro Vicente, 394- Ipiranga (4270-000 Sao Paulo, SP jabs: [11 061-9262 | 5061-8075 fax [11] 2588-0262 home page: wivw.parabolaedtoriatcom br ‘emai parabolamparabolaeditorial combr “eo vdieo ever Neu prt eta obra pe ear Zit ou nani por queue Ferma eau gusque rs (eric Os ‘mecca cu top savage ov args em ee soe ‘Soha de cons arisen pose oa ora Le 1S8N: 978-85-88456-89-1 1" eigbo- 6" reimpressio: Fevereiro de 2019, © do texto: Sela Maris Bortonbcardo, 2008 © da edo: Pardbola Editorial, Sto Paulo, novembro de 2008 Dedico este livro a meus filhos, a meus netos Sumario Introdugao: A pesquisa cientifica 9 1. Postulados do paradigma positivista 13 2. _Exemplo de pesquisa quantitativa experimental 19 3. Postulados do paradigma interpretativista 31 4. O professor pesquisador 41 5. As rotinas da pesquisa qualitativa 49 6. Coleta e andlise de dados 57 7. Blos entre assergées e dados 65 8, Pesquisa colaborativa na formagao continuada de professores 71. 9. Projeto de pesquisa qualitativa 79 10, Pré-projetos de pesquisas qualitativas 99 11, O pacadigma de redes sociais para a andlise qualitativa 121. Referéncias bibliograficas 129 {indice onomastico e de assuntos 133 Introducao: A pesquisa cientifica ste 6 um livro de introdugao & metodologia da pesqui- sa qualitativa, ditigido especialmente a professores em atividade e aos professores em formagio inicial ¢ con- tinuada. A medida que o texto foi sendo elaborado, era submetido & apreciagao de alunos de pés-graduacao em educagéo e-em lingufstica e a alunos de graduagao do curso de pedagogia’. Muitos episédios de conversa entre a autora e esses leitores cola- boradores foram gravados, ¢ alguns fragmentos da interagao esto incorporados ao texto para que os leitores possam transitar da re- flexo tebrica sobre a pesquisa qualitativa para fragmentos de con- versas coloquiais motivadas pelos temas abordados*. © pensamento cientifico permeia todos os aspectos da vida moderna: 0 alimento que consumimos é resultado da pesquisa em agronomia para a producdo de cereais, verduras e frutos e da pes~ 7 Agradego a meus alunos de pés-graduagao em edhucago © em Tinguistica e a meus alunos de graduagao em pedagogia, todos da Universidade de Brasilia, que contribu yram com comentarios aa texto e com a cesstio de dados de seus projetos para a ilustra- ‘Gao de temas agui abordados, Este trabalho foi desenvolvido com uma dotacdo da Universidade de Brasilia ~ Funpe, 2006. Participaram do projeto como assistentes de pesquisa as alunas licen- ciandas em pedagogia: Thafs de Oliveira e Tatiana de Oliveira quisa genética para a produgio de proteinas animais; a roupa que vestimos, os meios de transporte que usamos, os cuidados com a satide, os eletrodomésticos de que nos ser imos e, em especial, os meios de comunicacao— que experimentaram uma verdadeira re- volugao no final do século passado com © desenvolvimento da in- formatica eo advento da internet —, enfim, tudo 0 que nos cerca em nossa rotina didria é produto da evolugao cientifica, © conhecimento do mundo em que vivemos, a Terra e para além dela, alterou-se profundamente com o desenvolvimento da as- trofisica e da tecnologia da explorago espacial. Da mesma forma, 0 conhecii jento de nosso corpo vem se beneficiando constantemente dos progressos das ciéncias fisicas e biolégicas ¢ do refinamento da tecnologia que deles decorre. Também nosso conhecimento sobre as mais diversas culturas humanas, sobre as mais diversas etnias que povoam a Terra vem se acumulando. Aeducagao e, mais propriamente, o trabalho escolar de ensino © aprendizagem também tém sido objeto de pesquisa sistematica Por tudo isso, € desejavel que os professores e todos os atores en- volvidos com a educagao tenham uma postura pré-ativa na produ- do de conhecimento cientifico (cf. G. Spindler & L. Spindler, 1987; Bogdan & Biklen, 1998). A pesquisa em sala de aula insere-se no campo da pesquisa social ¢ pode ser construfda de acordo com um paradigma quan- titativo, que deriva do positivismo, ou com um parai litativo, que provem da tradi ma qua- emol6gica conhecida como. interpretativismo. O positivismo ¢ o interpretat duas principais tradigoes no desenvolvimento da pesquisa social 0 positivismo comegou a ser empregado nas ciéncias exatas e foi depois importado pelas ciéncias sociais, a partir do inicio do século XIX, desfrutando desde entao de grande prestigio. smo so as O objetivo deste livro introdutério é permitir que os leitores se apropriem dos prinefpios basicos da metodologia da pesquisa qualitati- va e também estejam aptos a ler, com razoavel compreensao, relat6rios de pesquiisa em geral e artigos em periédicos cientificos especializados. a0 [ososverivoseo PuBLICOLEITOR | 0 {letra inicial do. nome da aluna) - Ah, sim, primeiro eu ‘queria saber pra quem... este texto aqui, 0 pablico que vai "0° dirigido, se ¢ pras alunas de Projeto 3, ou se ¢ para pes- _ fob pl hii tl Gia | ale foi dirigido, porque eu acho que ficou meio. 'P (professora) - interlocutor, quem € nosso interlocutor? Quem € nosso leitor?: | 0.-Esegundo, qual é 0 objetivo deste texto? Caos cnt ececinaen mate ania GO eee sees coetotorsancuncey professores. Agora ah... © que vacé esta sugerindo.. 0.- Quea gente primeira diga a quem 0 texto se dirige. P.- Se ele se dirigir a professores, vocé acha que esté bem como esta, merece alteragdes? E se ele se dirigir a alunos, pensemos nessa outra possibilidade, se ele se dirigir a alunos, entio quer dizer, professores em formag&o inicial, alunos _que estao em curso inicial de formagao de professores. Entio este pode ser um texto lido na formacao inicial e pode ser um texto também para professores que ‘sejam alunos de formagao continuada, ou seja, é um texto para professores em formacao inicia! ou continuada. Ent&o 0 que nbs vamos fazer 6 definir bem o pu- Be aa ata cutscene cane ‘em termo de objetivos? Qual é 0 objetivo daste texto? Oe he wm ait ‘A. - Ajuda até mesmo nds a fazer um pés-doutorado, P.-Um pos... um mestrado, t4, um mestrado, T,- E quanto ao publica, eu acho que 6 interessante a gente fazer isso fo inicio, porque a gente j4 tem uma nogao de como faz Ah, Uma sugestfo deT., ela acha que nés podemos... que pode ser no inicio dda formactio inicial, né? Durante o século XX, a humanidade avangou mais na produ- a0 de conhecimento cientifico do que em todos os milénios de sua existéncia até agora. As ciéncias, desenvolvidas nas universidades e ‘em centros especializados mantidos pelos governos e pelas grandes corporacées, estilo organizadas em associagées cientificas, guardias, da tradigao e da fidedignidade da produgao dos cientistas e respon- a siveis pela intensa divulgagao de seus progressos. Mas nao se pode imaginar que 0 nascedouro das ciéncias seja contemporaneo das modernas tecnologias. O conhecimento cientifico tem avancado jun- tamente com a historia da humanidade, Contudo, hé alguns perfo- dos nessa hist6ria em que 0 avango foi mais répido e mais intenso. H4 muitos registros de atividade cientffica entre os povos an- tigos, Exemplos sdo os conhecimentos de astronomia dos maias, pré-colombianos; a técnica de mumificagio e de construgao das piramides no antigo Egito; a tecnologia nautica entre os fenfcios e outros povos navegadores. Mas foram os gregos, no século IV a.C., que usaram extensivamente a escrita para registrar a evolugao de pensamento nas diversas ciéncias, Essa heranga esta, praticamente, nas raizes de todo o acervo cientifico ocidental. Datam dessa época 08 registros escritos sobre a geometria de Euclides (*360-4285 a.C.); a matematica de Arquimedes (*287-#212 a.C.) a medicina de Hi pocrates (*460-$377 a.C.) entre muitos outros Por muitos séculos, o Ocidente permaneceu ignorante dos pro- gressos cientificos entre os poves orientais. Quando o viajante vene- ziano Marco Polo (*1254-+1324 d.C.) visitou a China e paises vizinhos, trouxe consigo informagées ¢ artefatos que surpreenderam a Europa. Encerrada a Idade Média, as nagdes curopeias experimen- taram um grande desenvolvimento cientifico. Nos séculos XVI e XVI, Galileu Galilei (*1564-+1642 d.C.) construiu telescépios, ja de grande preciso, e conduziu experiéncias sobre movimento, peso, velocidade e aceleragao, Nesses dois séculos, foram também cons- truidos outros instrumentos para pesquisa, que permitiram 0 pro- gresso cientifico: microsc6pios, bindculos e instrumentos néuticos, como astrokibios, mapas e barémetros. Foi ainda Galileu quem ofereceu evidéncias de que a Terra e os demais planetas deste sistema giravam em torno do Sol e refutou a teoria aristotélica de que os corpos pesados caem mais rapidamente que os leves. Conta-se dele a historia de que havia subido na torre de Pisa e feito sucessivas experiéncias de langar do alto objetos de pesos iferentes, observando a rapide de sua queda. Com esse proceso de sistemdticas experimentagoes, devidamente registradas, Galilen Provou que objetos leves e pesados caem na mesma velocidade. 2 Postulados do paradigma positivista nites de refletir sobre a metodologia da pesquisa qua- litativa, temos de tragar, em esboco, um quadro descri- tivodo conflito das duas vertentes das ciéncias sociai: partir do século XX: a tradigao légico-empirista — que estamos denominando paradigma positivista — e a tradico int pretativa ouhermenéutico-dialética—que denominamos paradigma interpretativista. A primeira privilegia a razdo analitica, buscando. explicagdes causais por meio de relagées lineares entre fenémenos. A segunda pressupde a superioridade da razo dialética sobre a analiti- cae busca a interpretagao dos significados culturais (J. Hughes, 1980). A tradigao explicativa ou cientificista estruturou-se a partir do po- sitivismo de Auguste Comte (*1798-41857) no século XIX e vai ter gran- de influéncia em toda a atividade cientifica ¢ cultural, no senso comum e no medo de vida a partir do século XX. De fato, desde meados do século XIX, a teoria da ciéncia comegou a confundir-se com a propria teoria do conhecimento, de tal forma que todo 0 conhecimento consi- derado legitimo passou a ter sua fundamentagao na pesquisa cientifica. Didrio de bordo Pesquise em livros ou na internet definicoes para 2 positivismo e interpretativismo. Lembrese de registrar suas respostas em um caderno ou arquivo digital, a Entre os precursores intelectuais da tradigao cientificista, desta- cam-se dois nomes: Francis Bacon (1561-1621) e René Descartes (1596-41650). Bacon representa a heranga aristotélica do empiris- mo como fonte de conhecimento, enquanto Descartes alinha-se & tra- digo racionalista platonica. A partir de Bacon, desenvolve-se uma escola que privilegia a experimentagao, a indugao e a observacdo exaustiva. Pertencem a essa escola, entre outros, John Locke ("1632- +1704), David Hume (1711-11776) e John Stuart-Mill (1806-1873). oe Maye. %, De acordo com o paradigma positivista, a realidade 5 6 apreendida por meio da observac&o empirica. As > descobertas se dao pela via da indugao, que é 0 pro- ‘QyWPASO™ vaso dan reyitsldedes, Podo-so tambée trata nesse paradigma pelo processo hipotético-dedutivo, que concilia a interpretagéo empirica com as certezas da légica de- dodletia send teal a pivaicd pe agen pusgnes positivista, consulte o livro de Pedro Demo, Metodologia cientifi- de Anténio Gil, Como elaborar projetos de pesquisa. Sao Paulo: Atlas, 1988. Para Descartes, por outro lado, a matematica, com seus princi pios atemporais e imutaveis, era a linguagem mais adequada para a investigacaio da natureza, Sao seus seguidores os filésofos racio- nalistas como Baruch Spinoza (1632-71677) e Gottfried Wilhelm Leibniz (*1646-71717) que tiveram grande influéncia sobre Comte. As reflexdes sistemdticas sobre a teoria da ciéneia tiveram inf- jo com as afirmag6es ontolégicas dos fildsofos gregos no século IV a,, isto 6, afirmagdes sobre tudo 0 que existe. Relacionadas & reflexo ontoldgica estao as reflexdes epistemolégicas, a respeito de como o mundo vem a ser conhecido pelo ser humano. E no bojo dessas reflexdes epistemolégicas que podemos encontrar as raizes da teoria das ciéncias, em particular, as raizes do paradigma positi- vista, que é marcado pelos seguintes postulados principais: “ * Certeza sensivel: a realidade consiste naquilo que os senti- dos podem perceber. Na evolucao da historia das ciéncias, foram sendo criados instrumentos, como 0 microscépio, 0 telesc6pio, a radiografia e a ecografia, que ampliam a per cepgao dos sentidos humanos. * Certeza metédica: a investigagao cientifica procede de acor- do com métodos rigorosos ¢ sistematicos. * Antinomia entre o sujeito cognoscente e 0 objeto cognosct- vel. A percepcao objetiva do mundo tem de estar dissociada da mente do pesquisador, que nao se apresenta como siste- ma de referéncia. As categorias postuladas devem ser livres de contexto, isto é, independentes das crengas e valores do proprio sujeito cognoscente e de sua comunidade. A ortodoxia positivista também postula uma aversio & metafi- sica e A propria filosofia e prevé uma distingao fundamental entre fato e valor (cf. J. Hughes,1980). Outra distingao importante que se constituiu com 0 avango da teoria da ciéncia foi entre 0 senso comum e o raciocinio cientifico. Este tiltimo pressupée a observncia dos postulados que acabamos. de mencionar, especialmente, a certeza metédica, isto é, 0 emprego rigoroso da metodologia cientifica. Por exemplo, se um de nés pas- sa por uma rua e vé uma longa fila formada a frente de um 6rgao governamental de atendimento ao ptiblico, podera exclamar: “E s6 no Brasil que o cidadao precisa ficar em fila para ter seus direi- tos contemplados”. Essa observagao nao decorre de um rigoroso raciocinio cientifico, é apenas uma observagiio baseada no senso comum, Seria dificil confirmar cientificamente a asserg&o porque teriamos de obter dados empiricos em todos os pafses do mundo para confirmar se, de fato, somente no Brasil os cidadaos tém de ficar em fila, Se tal pesquisa fosse realizada, estaria sendo conduzi- da pelo processo de indugao. Dificuldades como essa na producao de evidencia cientifica levaram alguns epistemélogos, como Karl Popper (*1902-71994) e Thomas Kuhn (*1922-+1996) a repensar a ldégica subjacente ao modo de fazer ciéncia. Sua contribuigao é co- nhecida como pés-positivismo. ee eeee PESNUISADOR | Stella Maris Bortoni-Ricardo Le Segundo eles, a logica de verificagaio deve ser trocada por uma logica de falsificagao. Assim, 0 proceso de indugao também sera substitufdo pelo processo de dedugao hipotética (Kamberelis & Di- mitriadis, 2005). Seguindo essa revisio de postulados, seria possi- vel testar cientificamente a hipétese sobre as filas no Brasil. Bas- taria para tal comegar a coletar dados em outros paises. Se fosse identificada a existéncia de filas em qualquer outro pais, a hipétese restaria “falsificada” e poderia ser descartada. POSTULADOS DA PESQUISA QUANTITATIVA-1 P. - 0 positivismo fol justamente 0 que voces leram: ele <> tem alguns principio, algumas premissas, alguns pressu~ ostos, um deles, por exemplo, ¢ que haje uma total... uma precisto total e também um distanciamento total entre o sueito cognoscente, 0 pesquisador, © aqulo que ele esta pesquisanda, que 6 0 objeto cognoscivel. Nas ciSncias exatas, 6 assim. Nas cidncias do homem, nas ciéncias hhumanas, isso ja pode ser mais dtl, porque a simples presenca do pesquisa- dor jé pode alterar 0 comportamente e a postura de quem esta sendo pesquisa- do, Quando surgi uma aternativa para o paradigma positivista, era justamente ‘umaalternativa que no buscasse necessariamente a explicagao, de tal maneira Que voce tenha uma variavel explicagdo © uma variavel explcade, né? Voc® quer estabelecer uma relagio entre, entre... vejamos, vejamos... entre o consumo de... de agicare..o consumo de ager, chocolate. problemas de futuaga0 no he ‘mot por exemplo, Ou alguma coisa um pouco mais facil de medic, Ah, consumo de agacer..uma coisa que eu vi esses dias, consumo de refrigerante na base de ‘ola ¢ certos tipos de doenga 1 tentando me lembrar qual era a doenca, Pepsi -cola, Coca-cola essas coisas, esses, esses, o consumo desses refrigorantes © certas doencas, certo? Consumo de refrigerants como a Coca-cola, Pepsi-cola, 167 E avarivelexplicada seriaa doenga que se quer pesquisar, como, por exemn- fo, algumas doengas autoimunes, umas doencas assim, Ah... na perspectiva po- sitivista quantifica-se, quer dizer, voc trabalha com dols grupos, um crupo que est sendo sub... que consome, s8o consumidores 6..? (Ent, qual ¢ a variavel ‘exolicacao?) Consume de tefrigarantes,dividido.am dois niveis: Um grupo que consome um alto nivel de religerantes @ um outro que nfo cone HITTITE POSTULADOS DO PARADIGMA POSITIVISTA ‘Geralmente faz-se assim, vocd tom um... dois grupos, um que esta eonaumindo bastanteaquele produto, outro que néo consome eal depois ambos 0s grupos sio acomparhados pra ver qual foi o... 0 resultado em termos daquela doenga. Ah coma 6 que se {az isso? Faz-se assim: primelro voc tom um grupo que consome ‘mui altas doses. ¢ pode ter um aruno que consome medianamente e um grupo ‘que nfo tonsome, voc# quantiica o consumo. Ou voce pode ter dois grupos, um «qe consome, outro que nfo consome.E depois vocé vai avaliendo, vai contando ‘também quantas pessoas do, daquela amostra total adoeceram @ af val ver se houive una corrolagso positiva entre o consumo do refrigerante © a doenga. Isso quer dizer, s@ aquele grupo que consumiu mais adoeceu mais, quem consumiu ‘menos adoeceu menos. Se isso aconteceu.. fo &em termo de grupo, ¢ de quan- tos membros daquele grupo adoeceram, né. Depois se faz uma, uma...um teste ‘estatistico pra var se aquela correlacéo no é uma... No pode ser atribuida ao simples acaso, a0 simples azar. Uma coisa que poderia ter acontecido de qual- ‘quer forma, Se ha uma comprovagao estatistica de que aquela correla;ac existe, Te _ Didrio de bordo Para fixar 0 que aprendemos até aqui. responda d hk pergunta: 0 que caracteriza uma pesquisa cientifica 5p no Ambito do paradigm positivista? Dé exemplos. A ortodoxia positivista valoriza 0 pensamento cient! sidera o senso comum destitufdo de qualquer valor significative Mas, a partir do século XX, acompanhando as criticas a essa c todoxia, surge uma tendéncia a se conferir relevancia também ao senso comum, Considera-se que esse é diferente em sua natureza do processo cientifico, mas é importante nas culturas humanas. Ve- jamos um exemplo: de acordo com 0 Cédigo de Transito Brasileiro, podem-e evitar colisdes ¢ atropelamento calculando-se a distan- cia entre um carro ¢ © vefculo da frente, denominada distancia de seguimento. E. possivel calcular essa distancia por meio de uma compl velocidade dos veiculos em questao, o seu peso e comprimento, 0 atrito com a superficie da via, a velocidade do vento, entre outros fatores. Como nao ¢ viavel fazer célculos quando estamos no tran- sito, podemos, alternativamente, prevenir colis6es com vefculos & 0 € con- ada formula cientifica (matemstica), que leva em conta a yw Ee wereereRicardo CCT ‘© #680 ComuM, isto 6, mantendo um espago razod- 08 dois veiculos. A medida que se aumenta a velocidade, -distincia também tem de ser aumentada. Jé vimos que o senso comum na vida contemporanea também € influenciado pelo pensamento cientifico. Jé vimos também que esses dois tipos de conhecimento sao distintos. O ponto que esta- ‘mos defendendo aqui é que o senso comum representa uma dimen- so do conhecimento que nao deve ser descartada como primitiva ou produto da ignorancia, Pelo contrario, 0 senso comum € um componente valioso em nosso conhecimento de mundo. O cientis- ta social pode valer-se dele para interpretar as ac6es socialmente organizadas e a forma como os atores sociais as veem, posicionam- -se em seu interior e constroem seu sistema de interpretagao. Por exemplo, ao examinar como se da a transmissio de conhecimentos de uma geragdo para a geragdo seguinte, tanto nas familias quanto nas escolas, os pesquisadores vao levar em conta léncias cientifi- mente comprovadas, mas também a influéncia do senso comum. A pesquisa que segue © paradigma positivista pode ser experi mental ou nao experimental. Em ambas, 0 pesquisador esta procu rando relagdes causais entre dois ou mais fendmenos, isto é, entre variaveis. Ele procura explicar a varidvel denominada dependente (ou variavel explicada) estabelecendo uma conextio com uma ou mais varidveis independentes (ou varidveis explicagao). Podemos dizer também que, com essa metodologia, 0 pesquisador esta bus- cando uma correlagao entre os fendmenos, mais propriamente, uma variagdo concomitante: alterando-se o fenémeno antecedente — varidvel independente — é de se esperar uma alteragao paralela no fenomeno consequente — variavel dependente. Quando se ob- tém cvidéncia confidvel dessa relacdo, pode-se generalizar a evidén- para casos andlogos. Na pesquisa experimental, também denominada pesquisa de la- boratério, hé um alto grau de controle sobre as varidveis, O pesqui- sador tem de controlar as diversas variaveis independentes, ou os di- vversos niveis de uma varidvel independente, para que possa estabele- cer com certeza a relagao causal entre eles ¢ o fendmeno pesquisado. HET Exemplo de pesquisa quantitativa experimental Swe ‘Trnvip 0a pesquisa: Reagées de falantes de portugués & concordéncia ver- bal nao padrao! Jusrincariva: no portugués brasileiro contempordneo, hé uma tendéncia a no se fazer concordancia entre sujeitos plurais de 3* pessoa e a forma verbal 1 eles relacionada, O fendmeno constitui uma regra varidvel porque convi- vere cor ncordancia: a variante tradicional, pre~ vista pela gramstica normativa (por exemplo: “Os cidadaos do Timor foram ontem as urnas”) ¢ a variante substituta, que é muito empregada, principal- -sinformais (por exemplo: "Chegou uns envelopes das realizagées dessa c mente em nossas intera pra voc regra varidvel de concordancia verbal tem sido mui to estudada por sociolinguistas em universidades brasileiras, como Anthony Naro, Maria Scherre e Maria Luiza Braga (cf. Scherre, 2005). Esses estur inte OU outra n&o é com- dos mostram que a escolha entre uma vai pletamente aleatéria, Tendemos a usar mais a variante tradicional quando a forma verbal de 3* pessoa do plural € mais distinta da forma verbal de 3* pessoa do singular (por exemplo: “ele foi/ cles jemplo baseado na primeira parte da dissertagio homdnima de mestrado apre- seniada por Stella Maris Bortoni-Ricardo ao programa de pés-graduagao em lingul tica da Universidade de Brasflia em agosto de 1977. A autora agradece a Luiz Pasquali pela supervisio dos procedimentos metodologicos da pesquisa. en | none Maris Barton Mcarde, CCE foram”; “ela vai/ eles vao"). Também tendemos a usar essa variante tradicional quando o sujeito 6 um ente animado ¢ quando vem ime- diatamente antes do verbo. Em resumo, os especialistas demonstra- ram que usamos mais a concordancia verbal prevista na gramatica normativa em contextos que sao mais salientes, mais perceptiveis. Em contextos menos percepttveis, hd uma maior ocorréncia da va- riante substituta, que nao é abonada por essa gramatica. O conceito da saliéncia, tao importante no uso dessa regra vari- vel, parece estar diretamente relacionado ao conhecimento que os falantes tém da gramética normativa. Usando o senso comum, pode- mos prever que falantes com maior grau de escolarizagaio tenderao a usar mais a variante tradicional da regra que falantes com menor grau de escolarizagao, se as demais circunstancias se mantiverem iguais €m ambos os casos. Foi para confirmar essa asser¢aio, construida com base no senso comum, que realizamos esta pesquisa quantitativa ex- perimental sobre as reagdes dos falantes as duas variantes da regra. Meropotocia: a metodologia consistiu numa variagao da téeni ca de estudos de atitudes denominada no Canada “matched guise”, em que os estimulos foram gravados por uma tinica pessoa e apre- sentados oralmente. Foram observadas as condigdes basicas para a anilise de varidncia, ou seja, 0s tratamentos foram aplicados em amostras independentes, garantindo-se sua homogeneidade por meio de escolha aleatéria. Vanuivets: na pesquisa foram estabelecidas as seguintes varid- veis independentes: a) dialeto padrao e dialeto nao padraio b) escolaridade A varidvel escolaridade compreendeu dois niveis: université- rios e alunos de supletivo. A varidvel dependente consistiu na percepedio da concordancia nao padrao (variante substituta), medida por meio de uma escala de sete pontos. DEFINIGOES OPERACTONAIS: para efeito da pesquisa, as varidveis re- ceberam as seguintes definigées operacionais: {/MIIIUITITITITIIEL EXEMPLO DE PESQUISA QUANTITATIVA EXPERIMENTAL 2) Dialeto padrao: nove sentengas da norma culta do portu- gués brasileiro onde nao se verifica a ocorréncia de qualquer variante nao padrao de regras varidveis. b) Dialeto nao padrao: as mesmas nove sentengas nas quais foi empregada a variante substituta da regra variavel de concor- dancia verbal, que ndo ¢ abonada pela gramatica normativa. ©) Universitérios: alunos calouros de diversos cursos da Uni versidade de Brasfli 4) Alunos do curso supletivo noturno da Escola Classe da Su- perquadra Norte 411, em Brasilia. ©) Percepgao da concordancia nao padrao indicada numa es- cala de 7 pontos, na qual a extremidade 1 correspondia a “absolutamente correto” e a extremidade 7 a “absolutamen- te incorreto”. Quanto mais préximo da avaliagao 7, maior a estigmatizacao. DeseNHo DA PESOUISA: a pesquisa seguiu o seguinte delineamento Dialetos Escolaridade ais ate Universitarios O-u tu Supletivistas o-s ts Figura 1, Delinsamento da pesaisa Na figura acima, temos: Grupo @ ~ u: Universitarios que ouviram o dialeto padrao Grupo —s: Alunos de supletivo que ouviram o dialeto padrao Grupo 1 — u: Universitarios que ouviram o dialeto nao padrao Grupo 1 —s: Alunos de supletivo que ouviram o dialeto nao padrao Hiroreses: foram postuladas para a pesquisa as seguintes hipéteses: a) De efeito principal de dialetos H'= SusOs < 41s 2 2 Independentemente da escolarizagao do sujeito, o dialeto pa- drao sera menos estigmatizado do que o dialeto nao padrao. b) De efeito principal de escolarizagao © PROFESSOR PESQUISADOR | Stella Maris Bortoni-Ricarco = |(/ (1/11/11 NTNU Hi= Out > Bs+is 2 2 Independentemente do dialeto, os universitarios estigmatiza- rao mais a concordancia verbal nao padrao do que os alunos do curso supletivo. ©) Hipstese nula H’= Ou+is = + Os 2 2 Nao haverd efeito de interagdo entre dialetos e escolarizaco sobre a percepgao da concordancia nao padrao, visto que o dialeto padrao ‘ser menos estigmatizado do que o dialeto nao padrao, tanto entre os ssitdrios quanto entre os sueitos de curso supletivo + Universitarios —+ Supletivistas Padrao Nao Padrao Figur 2 Demoastrag das hipéteses Amostna: 0 universo da pesquisa é a populagao brasileira adulta residente em Brasflia, que frequenta universidade ¢ curso supletivo. A amostra se constituiu de 24 alunos (11 homens e 13 mulhe- res) da disciplina introdutéria de produgao de textos aberta para alunos de todos os cursos da Universidade de Brasilia, escolhidos por meio de sorteio aleatorio, ¢ 24 alunos (11 homens e 13 mulhe- res) de curso supletivo noturno da Escola Classe da Superquadra 411 Norte em Brasilia, igualmente escolhidos por meio de sorteio aleatério, A média de idade do primeiro grupo era de 20 anos e seis meses ¢ a do segundo grupo de 25 anos e sete meses. J/TITELTTTLTITHTTITET EXEMPLO DE PESQUISA QUANTITATIVA EXPERIMENTAL SS Ee Diario de bordo Pesquise na internet ou er wnt livro de introducio “hestatistica 0 que é “sorteio aleatirio” INSTRUMENTOS F PROCEDIMENT a) Da amostra: Na turma da disciplina referida foram sorteados 24 alunos. Os alunos de nameros pares ouviram o tratamento zero (@: sentengas do dialeto padrao). Os de niimero impar ouviram o tratamento um (1: sentengas do dialeto nao padrao). © mesmo procedimento foi adotado na turma de supletivistas. b) Da variavel independente: Foram gravados por uma professora de lingua portuguesa, em um ambiente a prova de rufdo, dois textos compostos de nove sen- tengas cada um. As sentencas dos dois textos si idénticas, exceto pelo fato de que, no segundo, havia uma ocorréncia da variante nio padrao da regra de concordancia verbal’. © primeiro texto ficou assim constituido: 1. Quando acordei, os raios de sol penetravam pelas frestas do barracao. 2. As aves devem ser mais felizes do que nés. Acho que entre elas existem amizade e igualdade. 3. Avida numa casa sem conforto e a falta de boa alimentagio trazem problemas para o desenvolvimento da crianga, 4. Nem quando sao consultados, eles se exaltam ou provocam briga. Nao fazem estas pessoas nenhuma arruaga na favela, 5. Tenho pavor destas mulheres da favela. Tudo querem saber. Alingua delas como os pés de galinha que espalham tudo. 6. Estas criangas so as mais maltrapilhas da cidade. 0 que elas vao encontrando nas ruas vaio comendo. 7 Asseniengas foram retiradas do livro de Carolina Maria de Jesus, Quarto de despejo. ‘Sao Paulo: Francisco Alves Editora, 1960. ‘O PROFESSOR PESQUISADOR | Stelle Maris Bortoni-Ricardo (CCU 7, Em janeiro, quando as fguas que desceram do morro invadi ram os armazéns, vi os homens jogando sacos de arroz.no rio. 8. Eu me levantei as 7 horas. Estava alegre e contente, Depois € que vieram os aborrecimentos. 9. Minha falecida mae era muito boa. Queria que eu fosse professora. Isso foi o que me disseram minhas tias que a conheceram. O segundo texto ficou assim: 1, Quando acordei, os raios de sol penetrava pelas frestas do barracao. 2. As aves devem ser mais felizes do que nés. Acho que entre elas existe amizade e igualdade. 3. Avida numa casa sem conforto ea falta de boa alimentagao traz problemas para o desenvolvimento da crianga. 4, Nem quando sao consultados, eles se exaltam ou provocam briga. Nao faz estas pessoas nenhuma arruaga na favela. 5. Tenho pavor destas mulheres da favela. Tudo quer saber: A Iingua delas 6 como os pés de galinha que espalham tudo. 6. Estas criangas so as mais maltrapilhas da cidade. O que elas va 10 encontrando nas ruas vai comendo. 7. Em janeiro, quando as aguas que desceram do morro invadiu os armazéns, vi os homens jogando sacos de arroz.no rio. 8. Eu me levantei as 7 horas. Estava alegre e contente. Depois 6 que veio os aborrecimentos. 9. Minha falecida mae era muito boa. Queria que eu fosse profes- sora, Isso foi o que me disse minhas tias que a conheceram, ©) Da varidvel dependente: Os sujeitos receberam um questionario com as instrugdes es- critas, onde indicaram sua idade, sexo e 0 curso. Em seguida, ouvi ram a gravagao ¢ a avaliaram usando uma escala de 7 pontos, onde, a extremidade 1 foi arbitrada a avaliagao “absolutamente correta” ea extremidade 7, a avaliagao “absolutamente incorreta”. Além das instrugées escritas, os sujeitos ouviram, antes da audigao das sen- tengas, as seguintes instrugdes gravadas pelo mesmo falante: Pry {UITTIETTITTITITTTTIEE EXEMPLO DE PESQUISA QUANTITATIVA EXPERIMENTAL “Vocé vai ouvir, apenas uma vez, a leitura de 9 sentengas isola- das, retiradas de um texto, Preste bastante atencdo e, quando ter- minar de ouvir as sentengas, dé sua avaliagao quanto a corregao delas, assinalando apenas um item da escala que vocé encontra na folha que recebeu. Vocé esta avaliando a corregao gramatical. Nao se preocupe com 0 contetido”. Ambos os grupos, divididos em subgrupos de 6 alunos, ouvi- ram as gravagées em ambiente a prova de ruido, usando audio- fones, Dessa maneira, as condigdes de aplicago do experimento foram homogeneizadas © mais possivel. A mesma pesquisadora conduziu todos os eventos. ANAUISE Dos papos: os dados obtidos no experimento estio des- critos nas tabelas 1 e 2 seguintes e no grifico ntimero 2. “Beesariade im camene [in Universtrios % 30 ‘Supletivistas_ 34 28 ‘a. ens pro alae pao Eaclardade Tora doo escoes | Wada Unierataice 5 36 Supelvtas 2 25; ‘Tbela2. Resultados para 0 diaet no padrao Os dados foram analisados por meio de um procedimento es- tatistico denominado anilise de variancia. A andlise confirmou que existe efeito principal da varidvel dialeto. O dialeto padrao (média = 2,9) foi avaliado como sendo mais correto que o dialeto nao padrao (média = 4,05). A hipétese foi confirmada ao nivel de significancia p< 0,01, isto é, ha somente 1% de possibilidade de que a diferenga nas médias deva ser atribufda ao acaso. Foi, portanto, rejeitada a hipétese nula ao nivel de 0.01 de significancia. Encontrou-se também efeito principal da variavel escolari- dade. Os universitarios apresentaram uma média de avaliagio de 4,3, superior & apresentada pelos supletivistas, de 2,7. A hipstese nula referente a variavel escolaridade foi rejeitada ao nivel de 0,01 de significancia. Isso indica que a distingao entre os dois dialetos © PROFESSOR PESQUISADOR | Stella Maris Bortoni-Ricardo ||| (1 I/NNNNNNINNMIEE ocorre significativamente mais entre falantes universitarios do que entre falantes do curso supletivo. Foi encontrado também efeito de interagao entre as duuas varia- veis independentes porque, ao contrario do que se havia previsto, o dialeto padrao nao foi mais bem avaliado do que o dialeto nao pa- drao em ambos os grupos. A percepcao das diferengas entre os dois dialetos, representadas pelo emprego das variantes da regra de con- cordancia verbal, ocorreu entre os universitérios, mas nio ocorreu entre os supletivistas. Os resultados esto apresentados na figura 3a seguir, em que se pode observar que, para os universitérios, ha uma grande distancia na avaliagaio dos dialetos. Para os suplet distancia na avaliag3o desses dialetos é muito pequena. A figura 3 mostra ainda 6 efeito de interagao na sobreposicao das linhas. as, a + Padraic i80 padrao Universitatios —-—-Supletvistas Figura 3. Relag entre esceavidade ediletos sre avaliagio da variante no pad da regra Ae eoncordincia verbal A pesquisa que descrevemos permitiu demonstrar que a per- cepgao do uso das duas variantes da regra variavel de concordancia verbal depende do nivel de escolarizagao dos falantes. Para falantes com nivel mais alto de escolarizagao, a regra é mais saliente que para falantes com pouca escolarizacao. Jé vimos no capitulo anterior que a pesquisa quantitativa pode ser de natureza experimental, como a que acabamos de ilustrar, € nao experimental. Nessa altima, as varidveis nao podem ser contro- ladas. Apenas se constata sua existéncia em seu ambiente natural. Por isso esse tipo de pesquisa também é chamado de pesquisa ex post facto (depois do fato, ou seja, considerando-se o fato preexistente).. THVIUITTOUTIODTIELIIIE = EXEMPLO DE PESQUISA QUANTITATIVA EXPERIMENTAL de leituca, como 0 SAEB", Ai o quo nds quoremos saber? Se h éntr@ 05 dols tenémenos, O grau de escolaridade dos pais seréa ilo, que também 6 chamada de independente. O desempenho é a cada, oudependente. Ah... é muito possivel que os testes estatisticos entre esses n ites ao nivel de escolarizacao dos pais: suitado do SAEB, mostrem que hé uma correlagdo istatar de forma sistematica uma correlagao, né?, A P Qualeraa tematea? CO meu t Juéncia... a influéncia dos pais, a influéncia sociog Na... agera eu me esqueci, até escrevi aqui. E, a influén cia do status socioecondmico dos pas. ee em eres MR CNTeNC RNS Ih) IUTLUUUREUDORENIDPDOUSEDEN UCT iangas cujos pais tom ensino médio, c pa ee supetiog, Al és teremos 4 grupos, ‘ser até 0 proprio SAEB, pra ver o desempenh se ha lores, se a iferenga na mia ds quatro grupos signieativa. Pra Se a diferenga dos quatro grupos fr sigifiativa statis 08 for uma... uma Indcagdo bastante robusta Jade dos pais 6... tem implicagées na leitura, ‘mos sempre estabelece menos, que a gente chama de: variavel expli [DIEMPLO DE PESQUISA QUANTITATIVA EXPERIMENTAL de nés ink ‘por exemplo, ou em Sa- no caso, seriam varié- i PVTETTOUEETTTTA Postulados do paradigma interpretativista 0 inicio dos anos 1920, um grupo de pensadores, entre os quais devemos nomear Theodor Adorno (*1903-71969) e Jiirgen Habermas (*1929-), se ret ne na chamada Escola de Frankfurt e apresenta as primeiras criticas sisteméticas ao positivismo clissico de Comte e a0 neopesitivismo que se constituit nessa época em torno de ou- tros pensadores, como Ernst Mach (1838-41916) e Rudolf Carnap ("1891-71970), permitindo a emergéncia de um paradigma alterna- tivo para se fazer ciéncia: o paradigma interpretativista. Ao desenvolver uma filosofia positivista, Auguste Comte (*1798- -#1857) propés que as ciéncias sociais e humanas deveriam usar ‘0s mesmos métodos os mesmos principios epistemolégicos que guiam a pesquisa das ciéncias exatas. A reagao a essa postura veio, entdo, no inicio do século XX. Argumentavam os criticos de Comte e de seus seguidores que a compreensao nas ciéncias so poderia negligenciar 0 contexto sécio-histérico, como, por exem- plo, o grande impacto do desenvolvimento da tecnologia, que al- terou as rotinas tradicionais. Citando Eric Vogelin, Hughes (1980, 109) afirma: jais nao Quando 0 te6rico aborda a realidade social, encontra o campo anteci- padamente ocupado pelo que pode ser chamado de autointerpretagao da sociedade. A sociedade humana nao é meramente um fato, ou um a OPRESESSOR PESQUISADOR | Stella Marts Bortoni-Ricardo CCT acontecimento do mundo exterior, a ser estudado por um observa- dor como um fendmeno natural... um pequeno mundo integral, um cosmos, iluminado de significado a partir de seu interior pelos seres humanos que incessantemente 0 criam e conduzem como forma e condigdo da sua autorrealizagao, Na mesma linha de pensamento, rejeitando a sociologia posi- tivista fragmentéria, baseada na metodologia das pesquisas de sur- veys (levantamentos), Silverman (1972, p. 4) assim apresenta 0 foco da sociologia: Nosso foco ¢ particularmente 0 mundo partilhado de significados so- ciais, por meio dos quais a agao social (entendida no sentido de Weber como toda ago que leva em conta os motivos dos outros) é gerada ¢ interpretada, Como socilogos /..., procuramos, entender as regras utilizadas para localizar (fixar) significados nas agoes, express6es, ges- tos e pensamentos dos outros. Segundo 0 paradigma interpretativista, surgido como uma al- ternativa ao positivismo, nao ha como observar o mundo indepen- dentemente das praticas sociais e significados vigentes. Ademais, ¢ principalmente, a capacidade de compreensao do observador esta enraizada em seus préprios significados, pois ele (ou ela) ndo é um relator passivo, mas um agente ativo. Esse e outros postulados do paradigma qualitativo serio retomados ao longo deste livro em nossa reflexao sobre a pesquisa qualitativa e, muito particularmen- te, sobre a pesquisa etnogratica. Na drea da pesquisa educacional, o paradigma positivista, de natureza quantitativa, sempre teve maior prestigio, acompanhando ‘© que ocorria nas ciéncias sociais em geral. No entanto, as escolas, € especialmente as salas de aula, provaram ser espacos privilegia- dos para a condugao de pesquisa qualitativa, que se constréi com base no interpretativismo. Nos préximos capitulos, vamos aprofundar essa rellexao, espe cialmente a que os professores poderio conjugar com seu trabalho pedagégico. O docente que consegue associar o trabalho de pesqui- saa seu fazer pedagégico, tornando-se um professor pesquisador de sua prépria pratica ou das praticas pedagégicas com as quais ‘/UILITLITTITITITIITE POSTULADOS DO PARADIGMA INTERPRETATIVISTA convive, estaré no caminho de aperfeicoar-se profissionalmente, desenvolvendo uma melhor compreensdo de suas agdes como me= diador de conhecimentos e de seu processo interacional com os ‘educandos. Vai também ter uma melhor compreensao do processo de ensino e de aprendizagem. Fconciuia QUANTITI E Born, assim | interprettivita? Porque ointerpretatvismo, 68 a | lar muito dole, pode complementar dimensbes que nfo fi | clarasnecontroie de varives, principalmenteseestvetm i de aula, Por exemplo, se quisermos estabelecer correlacao entre pais s ue no vem juntos, opal ea mae quero vivem juntos, eo desempa to... Ser possive estabelecer uma corelagao entre esses dois fendmenos? Pals diconals,o pal ea mBe numa casa, e casals que nBo tém mas esse Wi que se constituiram em novos casais etc, E aia pessoa quer ver se ha larital dos pais @ 0 desempenho dos filhos. Sob a denominagao interpretativismo, podemos encontrar um conjunto de métodos e pritticas empregados na pesquisa qualitativa, tais como: pesquisa etnogréfica, observacdo participante, estudo de aso, interacionismo simbolico, pesquisa fenomenolégica e pesquisa construtivista, entre outros. Interpretativismo é uma boa denomina- © PROFESSOR PESQUISADOR | Stella Maris Bortoni-Ricardo: CET ‘cdo geral porque todos esses métodos tém em comum um compro- misso com a interpretagao das agdes sociais e com 0 significado que as pessoas conferem a essas agdes na vida social (cf. Erickson,1990). A pesquisa quantitativa procura estabelecer relagdes de causa © consequéncia entre um fendmeno antecedente, que € a varidvel explicagao, também chamada de varidvel independente, ¢ um fend- meno consequente, que é a varidvel dependente. J4 a pesquisa qua- litativa nao se propoe testar essas relagdes de causa ¢ consequéncia entre fendmenos, nem tampouco gerar leis causais que podem ter um alto grau de generalizagao. A pesquisa qualitativa procura en- tender, interpretar fendmenos sociais inseridos em um contexto. Didrio de bordo \ Na pesquisa quantitative, trabatha-se com varidveis procurando estabelecer una relagio entre elas. A varidvel dependente & a que € explicada; a varidvel independente é a explicacaio. Na pes- quisa qualitativa, ndo se procura observar a influéncia de uma variével em outra, © pesquisador esté interessado em um pro: cesso que ocorre em determinado ambiente e quer saber como 0s atores sociais envolvidos nesse proceso 0 percebem. ou seja: como 0 interpretam. ; Para que essas diferengas fiquem mais claras, vejamos mais um exemplo: pode-se conduzir uma pesquisa quantitativa para explicar a relaco entre o grau de escolaridade dos pais e 0 desempenho de alunos em testes de interpretaco de leitura, como 0 SAEB. A pesqui- sa ser delineada para verificar se ha de fato uma correlaco entre os dois fendmenos. O grau de escolaridade dos pais sera a varidvel que fornece a explicagao, considerada entao variavel independente. ‘0 desempenho dos alunos ¢ a varlavel explicada, ou variavel depen- dente. £ muito possfvel que os testes estatisticos entre os dados re- ferentes ao nivel de escolarizagao dos pais e os dados referentes ao resultado do SAEB mostrem que ha uma correlagio positiva entre esses dois conjuntos de dados: pais com alto nivel de escolarizagiio - ‘LUTTE POSTULADOS DO PARADIGMA INTERPRETATIVISTA > filhos com bom desempenho nos testes. Essa pesquisa vai consta- tar de forma sistematica, e comprovada por meio de nimeros, mais um efeito perverso do carater intergeracional das injustigas sociais, na comunidade. Isto é, familias pobres tém indices mais baixos de escolaridade e esse problema tende a se perpetuar na medida em que seus filhos tenderao a ter um desempenho escolar menos expressivo. Uma pesquisa como essa, de natureza macrossocial, pode ser complementada com uma pesquisa qualitativa, que se voltaré para um microcosmo, uma sala de aula, por exemplo. A motivagao para produzir uma pesquisa qualitativa voltada para 0 mesmo problema ja identificado deriva da convicgao de que os efeitos nefastos interge- racionais da mé distribuigao de renda no aproveitamento escolar de alunos no pais nao ocorrem num “vacuo” social. © problema toma corpo e forma a cada minuto da agio educativa em sala de aula. Uma pesquisa qualitativa no microcosmo da sala de aula, que se volte para a observacao do processo de aprendizagem da leitura ¢ da escrita, vai registrar sistematicamente cada sequéncia de even tos relacionados a essa aprendizagem. Dessa forma, poder mostrar como e por que algumas criangas avangam no proceso, enquanto outras sio negligenciadas ou se desinteressam do trabalho condu- zido pelo professor, ou ainda veem-se frustradas porque fracassam na tarefa de ler e entender os textos que Ihes so apresentados. _ Didrio de bordo Pense numa sala de aula em uma escola de periferia frequen: tada por jovens provenientes de familias de baixa renda. Ima- gine os alunos recebendo um texto para leitura e discussio €05 problemas de compreensao do texto que poderio surgir, seja porque o tema nao faz parte do wniverso deles, seja por outras razdes. Pare refletirmos mais sobre os beneficios de se conjugar uma pesquisa qualitativa © uma pesquisa quantitativa, vejamos outro exemplo, Podemos partir da seguinte questiio de pesquisa: O PROFESSOR PESQUISADOR | Stella Maris Bortoni-Ricardo TL) Ser que os alunos de ensino médio em uma escola onde os professores de todas as disciplinas atuam como agentes letradores vao se sair melhor no ENEM do que os alunos de uma escola onde © trabalho com a leitura compreensiva é de responsabilidade exclu- siva do professor de Iingua portuguesa? Entendemos por agentes letradores professores que constroem uma mediagio de maneira a facilitar para os alunos uma leitura compreensiva dos textos dida- ticos de suas disciplinas'. Podemos delinear uma pesquisa quantitativa para responder a essa pergunta escolhendo duas escolas em fungdo do compromi so dos professores com o desenvolvimento de habilidades de leitura dos alunos. Em uma das escolas, esse compromisso é assumido por todos os professores. Na outra, os professores acreditam que a res- ponsabilidade no desenvolvimento de habilidades de compreensio dos textos lidos 6 exclusiva do professor de portugues. Na linguagem das varidveis, 0 compromisso dos professores com a compreensao da leitura € a varidvel explicacao, ou independente. © desempenho dos alunos no ENEM éa variavel explicada, ou dependente. Uma pesqui- sa qualitativa voltada para esse mesmo tema vai deter-se na aniilise sistemdtica do processo de tratamento de textos didéticos nas duas escolas, verificando como os professores trabalham a atribuigdo de significados aos textos ¢ como professores alunos percebem esse trabalho ¢ interpretam as ages que esto relacionadas a ele. ST y Didrio de bordo Pense em umn tema que pode ser desenvolvido por meio de uma pesquisa quantitativa, No projeto, vocé vai relacionar dois fato- res, por exemplo, a formacio de professores de biologia em nivel superior e a aprendizagem dos alunos de biologia nas aulas, Registre a hipétese principal que vai funcionar como guia de sua pesquisa. Em sequida, descreva uma pesquisa qualitativa sobre o mesmo problema, que poderd camplementiar a pesqui- Bata questo de pesquisa foi desenvolvida por Patricia Vieira da Silva Pereira, HITTITE POSTULADOS DO PARADIGMA INTERPRETATIVISTA sa quantitativa anterior, na medida em que poder’ revelar dados da interacio dos professores de biologia ‘ccm os seus alunos, que nédo apareceriam nos resultados quantitativos da primeira pesquisa. No inicio do século XX, os principios da pesquisa positivi de natureza quantitati a jd estavam bem consolidados, especial- exatas, ou ciéncias da natureza. No entanto, alguns pesquisadores colocaram em divida os pressupostos des- se tipo de pesq mente em ciéne! ‘@ para as ciéncias do homem — ciéncias hu- manas ou sociais. Um deles foi o polonés Bronislaw Malinowski (*1884-41942), que era aluno de antropologia na Universidade de Oxford. Ele foi enviado por seus mestres para as IIhas Trobriand, hoje oficialmente denominadas como Mhas Kiriwina, situadas na Papua Nova Guiné, no Oceano Pacifico, onde permaneceu um longo perfodo. Durante sua permanéncia entre os habitantes da ilha, que eram considerados pelos colonizadores britanicos como um povo primitivo, ele procurou descrever © modo de vida na- quela cultura. Procurou também entender as creng Ss © a visio de mundo daquele povo, combinando um longo perfodo de ob: servacao participante com conversas e entrevistas. Procedendo assim, Malinowski foi capaz de desenvolver uma teoria sobre 0 conhecimento cultural implicito dos trobriandenses, do qual eles préprios nao tinham muita consciéncia porque estavam comple- {amente imersos na prépria cultura, Em suma, o jovem antropé- logo conseguiu construir uma interpretagao da percepgao que os habitantes das ilhas tinham de seus valores culturais, seus cos- tumes, suas crengas, seus ritos, enfim, conseguiu ter acesso as perspectivas interpretativas daquele povo em relagao A sua vida em sociedade, & sua espiritualidade e a todos os demais aspectos constitutivos de sua cultura, que ele descreveu no livro Argonau- tas do Pacffico Ocidental, publicado em 1922 O relatorio da pesquisa de Malinowski foi considerado por muitos como acientifico, por faltarlhe a objetividade, que é um dos preceitos bé- 2 © PROFESSOR PESQUISADOR | Stella Maris Bortoni-Ricardo LL sicos da pesquisa cientifica positivista. Mas outros pensadores entende- ram que aquela experiéncia representava uma maneira alternativa de tra- balhar com o conhecimento, maneira essa que era, em esséncia, interpre- tativista e, por isso mesmo, podia levar em conta também as impresses subjetivas do pesquisador. Desde entio, outros pesquisadores adotaram © interpretativismo e passaram a conduzir pesquisas qualitativas. Entre eles, devemos citar Margareth Mead (*1901-71978) da Universidade de Columbia, a quem se atribui a primeira monografia emografica, produ- ida em 1928. Depois da Segunda Guerra Mundial, um nimero maior de etndgrafos voltou sua atengo no mais para comunidades isoladas e muito diferentes das comunidades urbanas europeias, mas sim para am- bientes educacionais. Esses pesquisacores foram diretamente influ: dos pelos trabalhos pioneiros, como os de Malinowski e Mead. pets: ei a. O termo etnografia foi cunhado por antropélogos no a final do século XIX para se referirem a monografias que vinham sendo escritas sobre os modos de vida de povos até entdo desconhecidos na cultura ocidental. A palavra se compée de dois radicais do grego: ethno/, que em grego antigo significa “os outros”, “os ndo-gre- gos" e graphos que quer dizer “escrita” ou “registro”. Para condiraua pesquisa, oetnégrato participa, durante extensos perio dos, na vida didria da comunidade que esta estudando, observando tudo 0 que ali acontece; fazendo perguntas e reunindo todas as infor- mages que possam desvelar as caracteristicas daquela cultura, que 60 seu foco de estudo, Hoje em dia, as pesquisas qualitativas, espe- cialmente as pesquisas conduzidas em instituigdes, como presidios ou excite, flo s8a. nacesterlimente daservolilie por exlensos periedoa de tempo, Quando ouvimos mencAo a "pesyolessetnogr- Casem sala de aula", por exemplo, evemos entender que se rata de pesquisa qualitativa, interpretativista, que fez uso de métodos desen- volvidos na tradi¢ao etnogrAfica, como a observacdo, especialmente para geragao ea analise dos dados. E assim que devem ser entendi- Haw neg rste iro waeforspaiss a ‘atapad” “prosna onto “ndtedoe” de peogulan strogréfica om salad tla Antes de concluirmos esta revisdo das raizes intelectuais da pesquisa qualitativa, vamos ainda mencionar dois pesquisadores: {HILIITLIMIIILLIHILL POSTULADOS 00 PARADIGMA INTERPRETATIVISTA Clifford Geertz (*1926-+2006) e Dell Hymes (*1927-+2009 ). O trabalho de Geertz teve inicio a partir dos anos 1960 ficou conhecido como antropologia simbélica. Para ele o estudo das miltiplas e variadas formas simbélicas de cultura podem pro- ver ao pesquisador uma visdo da Iégica dessa cultura do ponto de vista de seus membros. mal sustentado em redes de significados que ele préprio tece; 0 estudo da cultura é em esséncia 0 estudo dessas redes”; para ele a leitura da cultura era como a leitura de textos. A propdsito compare essas ide as de Geertz com as ideias de Paulo Freire sobre a leitura do mundo e a leitura das palavras. Dell Hymes é um sociolinguista de formagao antropolégica que, a partir de 1962, estabeleceu as bases programaticas de uma. dimensao da pesquisa qualitativa denominada etnografia da co- municagio, voltada para a andlise dos padrdes do comportamen- to comunicativo em uma cultura (cf. Saville-Troike, 1982). Pode- -se sintetizar 0 objeto da etnografia da comunicacio com estas simples perguntas: o que um individuo precisa saber para comu- nicar-se apropriadamente em uma comunidade de fala? Como ele ou ela acquire esse saber? Essas questes estdo associadas a um conceito educacional muito importante: a competéncia comu- nicativa, A competéncia comunicativa permite ao falante saber © que falar e como falar com quaisquer interlocutores em quais- quer circunsténcias. principal componente na proposta de Dell Hymes é a inclu- stio da nogio de adequagao no Ambito da competéncia linguistica. Quando faz uso da lingua, o falante nao s6 aplica as regras estru- turais dessa Iingua para obter sentengas bem formadas, como tam- bém observa normas de adequagao definidas em sua cultura, (© PROFESSOR PESQUISADOR | Stella Maris Bortoni-Ricardo | |()//L1/INIIINITNIITIIINT Mags A competéncia comunicativa de qualquer pessoa vai s -se ampliando & medida que se ampliam também o | 2 rol de ambientes em que ela interage e as tarefas % comunicativas que tem de desempenhar nesses wy oe ambientes. Mas ¢ na escola que o individuo tem a oportunidade de desenvolvé-la de forma sistemética e de agregar novos recursos comunicativos que the permitirao construir sentencas bem formadas. Sentencas bem formadas 40 sentencas de acordo com o sistema da lingua. Nao devemos en- tender esse conceito como sendo sentengas que seguiram todas as exigénclas da gramatica normativa. Quer saber mais sobre competéncia comunicativa ¢ recursos co- municativos? Quer entender melhor a diferenga entre 0 conceito de sentencas bem formadas ¢ o conceito de corregéo gramatical de acordo com a gramatica normativa? Entdo leia o livro de Stella Maris Bortoni-Ricardo, Educagao em lingua materna, Parabola Edi torial, So Paulo, 2004, em especial o capitulo 6: “Competéncia co- municativa”. Quando 0 aluno avanga do ensino fundamental para © ensino médio, carrega consigo uma competéncia comunicativa bem desenvolvida. Mas no ambito de cada disciplina que compée 0 curriculo escolar, nas sucessivas fases da escolarizagao, ele tera ‘oportunidad de conhecer novas areas de saber e incorporar vo- cabularios especificos dessas areas, que agregard a seu acervo de recursos comunicativos. A forma como os professores de cada disciplina introduzem novos conceitos e terminologias, apoiando- -se em ilustracées, em experimentagao laboratorial ou em outros recursos é um bom tema para a condugao de pesquisas qualitati- vas em sala de aula, Pode-se pesquisar, por exemplo, como os pro- fessores associam as novas informagdes a conhecimentos ante- riores, inclusive os relacionados as rotinas de vida dos alunos. Foi um trabalho dessa natureza que a etnégrata Shirley Brice-Heath, professora da Universidade de Stanford, desenvolveu com os alu- nos de clencias nas escolas em que ela @ seus alunos de um curso de formagao de protessores trabalharam, como veremos nos capl- tulos subsequentes (Brice-Heath, 1983). PITT ROUTE O professor pesquisador ssim como os pesquisadores que pesquisam culturas estranhas & sua, os pesquisadores, em especial os etnd- grafos que se propdem a interpretar as agdes que tem lugar em uma escola ou em uma sala de aula come- cam seu trabalho de pesquisa procurando responder a trés perguntas: 1. Oque esta acontecendo aqui 2, O.que essas ages significam para as pessoas envolvidas ne- las? Ou seja, quais sio as perspectivas interpretativas dos agentes envolvidos nessas ages? 3. Como essas agdes que tém lugar em um microcosmo como a sala de aula se relacionam com dimensoes de natureza macrossocial em diversos nivel : 0 sistema local em que a escola esta inserida, a cidade ¢ a comunidade nacional? (Erickson, 1990) Quando se voltam para a anillise da eficiéncia do trabalho peda- z6gico, esses pesquisadores esto mais interessados no proceso do que no produto, Também nao estao a busca de fendmenos que tenham status de uma varidvel explicaga0, mas sim dos significados que os ato- res sociais envolvidos no trabalho pedagégico conferem as suas agoes, isto 6, esto a busca das perspectivas significativas desses atores. Conforme explica o emégrafo Frederick Erickson (1990), a ta- refa da pesquisa interpretativa é descobrir como padrées de organi- zagio social e cultural, locais e nao locais, relacionam-se as ativida- a a ere | stella Marts Bortoni-Ricarde {COTE des de pessoas especificas quando elas escolhem como vao conduzit sua aco social. A pesquisa interpretativista nao est interessada_ em descobrir leis universais por meio de generaliza tatisticas, mas sim em estudar com muitos detalhes uma situaao especifica para comparé-la a outras situacdes. Dessa forma, é tarefa da pesqui- sa qualitativa de sala de aula construire aperfeicoar teorias sobre a organizagao social ¢ cognitiva da vida em s texto por la de aula, que é © con- exceléncia para a aprendizagem dos educandos. Nos préximos capitulos deste livro, vamos nos famili com procedimentos que nos habilitem a conduzir pesqui tiva, especialmente pesquisa de natureza etnografi Mas antes de passar a discussio desses procedimento: taremos rapidamente duas pesquis década de 1970, a etndgrafa norte-americana Shirley Brice-Heath conduziu uma importante etnografia em comunidades do sul dos tados Unidos, no periodo de 1969 a 1978, enfocando a vida social nas comunidades e no interior de suas escolas (Brice-Heath, 1983). Ela estava interessada em saber como as pessoas usavam artefatos de le- tramento, como livros de historias, jornais, mapas, cartas, papéis de parede etc., em atividades ¢ eventos em sua vivéncia social. Seu foco de pesquisa foram os modos de falar e de aprender de criangas em trés comunidades: uma comunidade negra, rural, de classe trabalha- dora, uma comunidade branca, rural, de classe trabalhadora, ¢ uma comunidade de classe média urbana, etnicamente mista. Ela exami- now a interagao de adultos e criangas e de criangas entre si na escola, na rua, em pracinhas e outros espagos puiblicos. Como professora de linguistica ¢ de antropologia em um curso de formagao de pro- fessores de uma faculdade, transformou seus alunos em vetdadeiros etnégrafos, levando-os a entender as maneiras como as criancas li- davam com artefatos de letramento em suas familias e comunidades. Dessa forma, induziu a adogdo, em salas de aula das escolas locais, de priticas familiares aos alunos, que facilitassem sua aprendiza- gem da lingua. Os estagisrios, ja investidos na fungaio de etnégrafos, voltaram-se para a observacao de como as criangas construfam suas narrativas, como interpretavam recomendagées © perguntas feitas pelos professores, entre outros aspectos. Os estagiirios e as criangas rizar qualita- comen- 1S que se tornaram modelos. Na a ‘(LUELLA © PROFESSOR PESQUISADOR também foram motivados a prestar atengao a tragos da promincia local dos grupos étnicos, muitos dos quais stio marcas identitérias para esses grupos, Além de observar os tragos tipicos da prontincia, s criangas e 0s estagidrios também observavam as mudangas espon- neas que as pessoas faziam em sua fala, dependendo do contexto. série, Brice-Heath e seus professorandos desenvolyeram um projeto que ela denominou “Tornar-se tradutore de ciéncias”, cujo objetivo era observar os saberes tradicionais sobre 4 agricultura, habitos alimentares e a vida das plantas. Eles visita- vam 0s moradores e os observavam em suas hortas e jardins e os entrevistavam, Iam também colecionando documentos e artefatos, como livros de receita, Fotografias ¢ historias de vida. Seu objetivo era observar como as pessoas da comunidade procuravam tradu: conhecimento tradicional em conhecimento cientifico ao dar seus de- poimentos. Os dados que recolhiam, como depoimentos ¢ hist6rias, ¢ram datilografados pela professora ¢ foram compondo um livro. Os alunos, além de melhorarem muito seu desempenho na disciplina de ncias, aprenderam a falar sobre modos de obter ¢ verificar infor mages. Eles nao s6 fizeram uso de métodos de pesquisa etnografica, como aprenderam a falar sobre eles. Ao final do projeto, estavam ap- iscurso da oralidade da tradigao local em um discur- so cientifico (escolar) comparando categorias de um e de outro. Com os alunos da Didrio de bordo C termo letramento 6 geralmente empregado para inidicar um acervo cultural preservado por meio da escrita, Podemos usar 0 ‘termo letramento no plural, ou entao nos referir a culturas de letramento para preservar a ideia de que nao existe s6 uma cul- tura de letramento, Nas comunidades sociais, convivem culturas de letramento associadas a diferentes atividades: sociais, cientifi- cas, religiosas, profissionais etc. Também existem manifestagoes ulturais letradas associadas & cultura popular, como literatura de cordel, por exemplo, Uma cultura de letramento 6 constituida de praticas sociais em que as pessoas se apoiam em textos escritos e lidos ou lidos @ preservados na meméria. OPROFESSOR PESQUISADOR | Stella Maris Bortoni-Ricardo {0 Outra pesquisa de natureza etnografica que se tornou um mo- delo é a que foi conduzida pela professora de Harvard, Courtney Cazden, no infcio dos anos 1980, Cazden (1988) focalizou as mensdes de continuidade e descontinuidade entre o lar e a escola na vida das criangas, dando atencao especial aos processos intera- cionais em sala de aula, Assim como Brice-Heath, ela mostra que certos grupos sociais desenvolvem em casa atividades de letramen- to afins as atividades das escolas. Quando isso acontece, a transigao das criangas do lar para a escola é mais facilitada. Cazden também divulgou 0 conceito de andaimes, proposto originalmente pelo psicélogo americano Jerome Bruner com base na teoria vigotskyana. et Mage 2, Andaime é um termo motaforico que se refere @ as- =, sisténcia visivel ou audivel que um membro mais ex- 2 © periente de uma cultura presta a um aprendiz, em & qualquer ambiente social, ainda que o termo seja Sry yx8_ mais emoregado no ambito do discurso de sale de mes 880 associados as iniciagbes de um evento de fala pelo professor e a suas avaliagdes das respostas dos alunos, Uma ca- racteristica basica do processo de andaimes é o estabelecimento de uma atmosfera positiva entre professor e alunos, por meio de ‘agdes simples, como a de se ouvirem e se ratificarem mutuamente, como aprendemos na pedagogia de Paulo Freire. Ct., entre outros {livros de Paulo Freire, Pedagogia da autonomia, de 1996. Um trabalho de andaime, ou andaimagem, pode tomar a for- ma de um prefacio a uma pergunta, de sobreposicao da fala do professor a do aluno, auxiliando-o na elaboragaio de seu enunci: do, de sinais de retorno, comentarios, reformulagées, reelabora- cio e parafrase e, principalmente, expansao do seu turo de fala. Todas essas estratégias dio a0 aluno a oportunidade de “recon- ceptualizar” o seu pensamento original, seja na dimensio cogni- tiva seja na dimensao formal (Bortoni-Ricardo & Sousa, 2006). Cazden (1988) associa a reconceptualizagio ao turno de fala do professor reservado a avaliagao, mas alerta para o fato de que 4a (UTC PROFESSOR PESQUISADOR esse turno ndo deve ser apenas um veredito sobre a corregiio ou a incorregao da contribuigao do aluno. Antes, é uma oportunidade de induri-lo a novas formas de pensar, de analisar, de categorizar Segundo a autora, ha uma diferenga crucial entre ajudar um aluno a dar uma resposta e ajudé-lo a atingir uma compreensio conceitual que lhe permitira produzir respostas corretas e pertinentes em situa- ges semelhantes. 0 trabalho de andaime pode ser feito por profes- sores de qualquer disciplina e em qualquer situacao de sala de aula, Aaanillise desse processo em sala de aula pode-se constituir em um bom tema para uma pesquisa qualitativa, baseada na observagio. Carden enfatizou também a necessidade de reprodurir na escola ele- mentos da cultura original das criangas, como cantigas, jogos, cha- radas etc. Ela recomenda, em conclusio, a integracao das dimens6es macroanaliticas microanaliticas na pesquisa educacional. Didrio de bordo Voce pode pensar na interaciio entre professore alunos em una sala de aula do ensino fundamental ou wma sala de aula do ensino médio de qualquer disciplina, procurando identificar estratégias do professor que se caracterizam como andaimes, vis facilitam ao aluno wma melhor compreensao do que the ‘td sendo apresentado. Outra possibilidade é observar ‘ondaimes construidos pelos alunos entre si quando si fluent nba con y No comego dos anos 1980, dois aspectos na didatica de sala de aula ganharam relevancia, especialmente, em paises industria- lizados: a interagdo professor-aluno e a qualidade do processo de aprendizagem. Essas duas tendéncias motivaram os professores a criar o habito de investigar seu préprio trabalho pedagégico, visan- do identificar a melhor forma de apresentar um assunto ou tépico em sala de aula e a acompanhar 0 processo de aprendizagem dos alunos. Eles comegaram a investigar suas proprias turmas ea trocar experiéncias, 0 que Ihes permiti identificarem achados equivalen- tes ou contraditérios. A medida que aprofundavam essa experiéncia, ‘comegaram a desenvolver pesquisa cientifica e a escrever monogra- O PROFESSOR PESQUISADOR | Stella Maris Bortoni-Ricardo Le fias © estudos de caso, em que descreviam suas estratégias. Surgia assim a énfase na figura do professor pesquisador, cujos trabalhos tm trazido contribuigdes para um melhor entendimento do proces- so de ensino-aprendizagem (Kamberelis & Dimitriadis, 2005). Didrio de bordo Reflita e responda: 41) 0 que significa ser usm professor pesquisador? 2) Que aspectos de sua ago pedagogica constituen pro- blemas que mereceriam investiqacao? 3) Que beneficios a investigagiio desses problemas poder 1 trazer a seu trabalho? Due pera t) as seguintes obras: O papel da pesquisa na formacao e na pritica | dos professores, organizada por Marli André, e O | professor e a pesquisa, coordenada por Menga Ludke. | O professor pesquisador nao se vé apenas como um usuario de conhecimento produzido por outros pesquisadores, mas se pro- poe também a produzir conhecimentos sobre seus problemas pro- fissionais, de forma a melhorar sua pratica, O que distingue um professor pesquisador dos demais professores é seu compromisso de refle sobre a prépria pratica, buscando reforgar e desenvolver aspectos positivos e superar as proprias deficiéncias. Para isso ele se mantém aberto a novas ideias ¢ estratégias, Um problema que se pode apresentar ao professor pesquisador € como conciliar suas atividades de docéncia com as atividades de pesquisa. Uma forma de contornar esse problema é adotar métodos de pesquisa que possam ser desenvolvidos sem prejuizo do traba- Iho docente, como 0 uso de um diario de pesquisa. Escrever em um TTTTTCTTTTEET TOTO TETTTTTOTTTETTTTETET O PROFESSOR PESQHISADOR diario € uma pratica muito familiar aos professores e € possivel fa- ver anotagdes entre uma atividade e outra, sem que isso tome muito tempo. O diario também é uma antiga pratica de letramento bem: consolidada em nossas culturas. Um exemplo citado por Altrichter et al, (1993) sao as Confissdes de santo Agostinho. Outro exemplo vem. do trabalho de Malinowski, jé comentado. Esse pesquisador fez uso de diaries, registrando com riqueza de detalhes suas observagées so- bre a comunidade que investigava. A produgiio de um diario de pesquisa varia muito de pessoa para pessoa, mas a literatura especializada traz sugestdes para © contetido de didrios dessa natureza. Os textos mais comuns que sio incorporados aos dirios so descritivos de experién- cias que o professor deseja registrar, antes que se esqueca de de- talhes importantes. Sequéncias descritivas nos didrios contém narrativas de atividades, descrigdes de eventos, reprodugdes de didlogos, informagées sobre gesto: € expressoes fa- iais, Esses detalhes podem ser muito importantes. Falas do proprio professor ou de outra pessoa devem ser reproduzidas o mais fielmente possivel , entoai Além das sequéncias descritivas, constam também dos didrios as sequéncias interpretativas, que contém interpretagées, avalia~ cies, especulacées, ou seja, elementos que vao permitir ao autor desenvolver uma teoria sobre a agao que esta interpretando. Areleitura das notas de um diario é muito util porque pode propiciar a incluso de mais detalhes que voltem & meméria. O didrio pode incluir também notas teéricas, que ajudem 0 pro- fessor a construir sua teoria, bem como notas sobre a sua me- todologia j posta em pratica, ou propostas para uma atividade futura. E aconselhavel que, ao escrever um diario, seja manual- mente, seja no computador, 0 autor deixe uma margem razoavel & esquerda, onde podera acrescentar observagées ou lembretes. Note-se ainda que o professor pesquisador pode tomar notas si- multaneamente as suas atividades ou apés o trabalho; no pri- meiro caso, ele vai precisar desenvolver algumas estratégias de abreviagdo para agilizar a escrita. a ee ween arenes MORRO Rica ie CTE Volte aos registros sobre temas que poderdio ser objeto de inves- tigacio em sua pratica docente, que vocé elaborou esse did- rio de bordo. Escolha um desses temas e faca observacies m sala de aula que the permitam escrever uma piigina de um didrio com anotagies relacionadas a0 tema escothido, Didrio de bordo Uma grande vantagem do trabalho do professor pesquisador & que ele resulta em uma “teoria pritica’, ou seja, em conhecimento que pode influenciar as agdes priticas do professor, permitindo uma ope- racionalizagao do proceso agiio-reflexao-acio, como se demonstra na figura 4. Vocé vera mais sobre essa questo nos capitulos subsequentes. 4a pensou nisso? Bs Bary | | GA pensel, Ate assim, no meu... como estagiéie est ‘YeRse no lugar da professore, as vezes, eu penso como seria minha prépria | Pratica, como eu farla, se faria diferente, se faria igual a ela, mas penso mais | || quando eu for professora de ensino fundamental mosmo, né? Aplicando tudo, iss rend SCR i acho aap rerLexAO EN ‘ago Figura 4 Rago nize a relesio ea ago do profesor pesquisador PARA ACAO <= praricn PT TTOUETTTT As rotinas da pesquisa qualitativa’ ste capitulo tratara de rotinas da pesquisa qualitativa, que se aplicam também ao trabalho do professor pes- quisad 0 objetivo da pesquisa qualitativa em sala de aula, em especial a etnografia, é 0 desvelamento do que esté dentro da ixa preta” no dia a dia dos ambientes escolares, identificando processos que, por serem rotineiros, tornam-se “invisiveis” para os atores que deles participam. Dito em outras palavras, os atores acos- tumam-se tanto as suas rotinas que tém dificuldade de perceber os padres estruturais sobre os quais essas rotinas e praticas se asset tam ou —o que é mais sério— tém dificuldade em identificar os sig- nificados dessas rotinas e a forma como se encaixam em uma matriz, social mais ampla, matriz essa que as condiciona, mas é também por clas condicionada. O objeto de sua pesquisa: perguntas exploratérias A pesquisa inicia-se com perguntas exploratérias sobre temas que podem constituir problemas de pesquisa. E muito importante que o pesquisador reflita sobre tais temas, para escolher um deles, * sas rotinas da pesciisa qualitative baseiarn-se no trabalho de Frederick Erickson (1990). o O PROFESSOR PESQUISADOR | Stella Maris Bortoni-Ricardo: (00 e avalie a importancia de engajar-se na pesquisa. Nessa fase, 0 pes- quisador poder postular perguntas exploratérias. Para chegar a elas, ele se baseia em sua experiéncia e em leituras especializadas. A definigéo de um tema e a proposigdo de perguntas exploratér so etapas iniciais muito importantes porque nao podemes come: car uma pesquisa sem razoavel clareza do que vamos pesquisar. Um procedimento que pode ajudar na definigdo do problema de pesquisa é a condugdo de uma pequena pesquisa piloto, na qual o pesquisador vai certificar-se de que suas perguntas exploratérias sao pertinentes. APESQUISAPILOTO ©.~€ porque aqui voe8 se refere a pesquisa pilato, al eu \ | nao entendi. “y 7 F- Ent vamos la Pavaulen llote. Coma’ diy demeial ebraga err una pele] voc am una agg um artigo, uma tese, um relatdrio de pesquisa, vocé tem lima eurlosidade ou a ‘sua prpria vivencla leva voc8 a dizer: “Nao, eu acho que quero‘eitender melhor td Ao pescuersitomatcaranta oe" na? vce Sone ct focacomezs angle qurvScta je sahanc quae Ee be Aa gris ue paca, qui te oa tous alate, ee aoa bj eeléepactioo sas assorcses, né? Mas ainda assim, o que a gente aconse- tha? Uma pequent pesquisa plot. Antes de entrar em campo pra valer, vocé ate .Que sao instrumentos? Por exemplo, seu questionario, aa INGsL yee trabaharom a. osrc, mesmo que voc Ss ee cet cna mimo d nda S40 piloto, quer dizer, é uma — i Na evolucaio do processo investigat6rio, as perguntas explora- t6rias esto sujeitas a revistio e modificagdes. De fato, na metodo- logia qualitativa, especialmente na que se vale de procedimentos LIJIT HTTHITTTHITITITL AS ROTINAS DA PESQUISA QUALITATIVA etnograficos para a geracao de registros, nao ha uma divisao rfgi- da entre as fases iniciais de planejamento e observagao e as fases seguintes em que os registros coletados sero objeto de reflexao © andllise. Nesse proceso, os registros tornam-se dados, por isso costumamos chamar essa fase de andlise dos dados. A qualquer momento, se 0 pesquisador perceber que precisa modificar suas perguntas exploratérias ou obter mais dados em relagao a alguma dimensao do problema que esta investigando, pode Jo, se Ihe for posstvel retornar ao campo. Um objetivo geral para sua pesquisa Para que o pesquisador tenha mais clareza sobre seu problema de pesquisa, € aconselhavel que procure explicitar em um enun ciado © objetivo geral de sua pesquisa. Supondo que sua pergunta exploratéria seja: Serd que 0 processo de aprendizagem na disciplina “X” se beneficiard de estratégias verbais e ndo verbais que a profes- sora vai empregar sempre que qualquer aluno toma a palavra para fazer perguntas ou trazer contribuigdes? 0 objetivo geral da pesquisa poderd ser postulado assim: Investigar as aces responsivas em que a professora da disciplina “X” se engaja quando os alunos tomam o turno de fala, individualmente ou de forma coletiva. c na postulagao de suas perguntas exploratérias e de seu objetivo geral forem empregadas palavras ou expresses cujo significado pode ndo ser facilmente entendido por qualquer pessoa que os leia, © pes- quisador deve prover definigdes para esses termos. Essas definigdes as jeratura ou na cultura esco- se processa, e as vezes tém um carter ad hoc, isto isa em questao. vezes tém carater geral, j4 consagrado na lar onde a pesqui sio definigdes operacionais postuladas para a pesqt Por exemplo, no objetivo geral que vocé acabou de ler, apare- ce a expresso “agdes responsivas”, que vai merecer uma definicao operacional: (© PROFESSOR PESQUISADOR | Stella Maris Bortoni-Ricardo SC Por ages responsivas entendemos, no Ambito desta pes- quisa, todo 0 comportamento verbal ou nao verbal que a pro- fessora assume em resposta a qualquer intervencao dos alu- nos, que também podem ser verbais ou nao verbais. Objetivos especificos Além do objetivo geral, podem ser postulados também alguns ob- jetivos especificos, que contribuem para apontar ao pesquisador cami- nhos que vai percorrer ao longo do seu trabalho. Veja alguns exemplos de objetivos especificos relacionados ao objetivo geral ja postulado. 1. Investigar a postura fisica da professora no momento de suas aces responsivas. 2. Observar se a professora faz contato visual com 0 alu- no que fez.a intervengao. 3. Observar se a professora menciona © nome do aluno. Observar os movimentos da professora durante suas acées responsivas, inclusive movimentos de locomo- So na sala de aula. 5. Observar se as intervencdes mais frequentes dos alu- nos so individuais ou coletivas. 6. Observar os momentos da dinamica de sala de aula que favorecem a intervencao dos alunos. 7. Observar se os alunos trocam ideias entre si, construin- do um piso paralelo de fala antes de suas intervengdes. 8. Observar se ha intervengdes solidarias em que um alu- no completa ou ratifica a intervengao de um colega. 9. Observar se em sua aco responsiva a professora aco- Ihe positivamente, por palavras, expresso facial e ges- tos, as intervengdes dos alunos, 10. Observar se 0 componente verbal da agdo responsiva inclui apreciagao positiva da intervengao e uma expan- sao da mesma. 11, Observar se as agdes responsivas da professora permi- tem a reconceptualizagao da questo pelo aluno. {INUIT AS ROTINAS DA PESQUISA QUALITATIVA 12. Observar como se processam as reconceptualizagées que 08 alunos realizam mediante uma ago responsiva positiva da professora. 13. Observar se as agdes responsivas geram estratégias de trabalho entre os alunos como, por exemplo, a tomada de notas em seus cadernos. Assergdes A construcdo detalhada dos objetivos — geral ¢ especificos —e de definigdes vai facilitar 0 passo seguinte, que é a geragiio de ass Na pesquisa qualitativa, nfo se levantam hipéteses como na pesquisa quantitativa, mas é aconselhavel elaborar assergdes que correspondam aos objetivos. A assercéio é um enunciado afirmativo no qual o pesquisador antecipa os desvelamentos que a pesquisa poderd trazer. Por exemplo, em relaco aos objetivos que vimos, podem-se gerar varias assergdes como as seguintes: Asserpao relacionada ao objetivo geral 0 processo de aprendizagem na disciplina “X” se beneficiaré de estratégias verbais e nao verbais positivas que a professora vai empregar sempre que qualquer aluno toma a palavra para fazer perguntas ou trazer contribuigées. Assergdes relacionadas a alguns dos objetivos espectficos 1. Apostura fisica acolhedora da professora, marcada pela po- sigdo frontal em relacao ao aluno que interveio, sera inter pretada por ele como um estimulo a sua iniciativa, 2. Para munirem-se de maior confianga quanto a pertinéncia e a corregao de suas intervengoes, os alunos tenderao a trocar ideias entre si em voz baixa, construindo um piso paralelo de fala, antes de suas intervengées em voz alta. 3. As intervengées solidarias de colegas, mediante uma inter vengao inicial de um aluno, vao contribuir para que ele se (© PROFESSOR PESQUISADOR | Stella Maris Bortoni-Ricardo 1 sinta mais confiante e podem desencadear maior empenho do professor em sua acao responsiva. Até este ponto, as rotina dem ser representadas assim: jiciais da pesquisa qualitativa po- Definiglo do problema Postulagao dos imate de pesquisa: perguntas [Po] objtivos: grate | be| Or exploratérias especificos Figura §.Processo ileal da pesuisa qualitaiva Didrio de bordo Elabore perquntas explorntorias relacionadas @ um problema de pesquisa qualitativa que voc’ poderd desenvolver. Postule seu objetivo geral e os objetivos especificos. Trabathe a geracio de assercdes relacionadas a cada objetivo roposto ‘Se houver necessidade de esclarecer algun termo empregado, elabore definicdes operacionais para eles. <2 Ni se esquceca de registrar tudo. _ASSE! \ a: Uma aude | P-Assercoes? TL. Se ima asserc&o nao for confirmada, ae et pen vai para a pesquisa, mostrando por que nao foi as > 2. 2B oa voto. om sa ert en todalégica. Sua questo, A., era uma questao mais de natureza opist ‘04 seja, como ¢ ou... qual a relac&o do pesquisador com o conhecimento.T. tem todolégica, como é que nés vamos...a gente trabalhou as bonitinho, arrumado, mas al todos os dados que a no seu relatério de pet 1¢0.de que ela foi di AS ROTINAS DA PESQUISA QUALITATIVA sais néo, naquelas percebeu-se isso, PTT OnT Ta Coleta e analise de dados jodo trabalho de campo para a coleta de registros que vao se constituir nos dados da pesquisa tem de come- car com as negociagdes que permitirao a entrada do pesquisador no campo. Apés a preparagao inicial, em que o pesquisador jé vishumbra com muita clareza o objeto de sua investigasao, ele precisard tomar algumas providéncias praticas para viabilizar seu trabalho, A principal delas 6 a negociagaio com as pessoas que Ihe dardo acesso ao local da pesquisa. No caso da pesquisa de sala de aula, isso implica selecionar uma escola onde cla serd realizada e procurar o diretor e os professores das discipli- nas em questo. E importante que o pesquisador discuta com eles a natureza e os objetivos de sua pesquisa e obtenha autorizagao para poder frequentar a escola e entrar nas salas de aula. Geralmente os professores da escola ficam receosos de que o desvelamento de seu trabalho possa acarretar criticas ou outras consequéncias negati- vas. A negociagao, portanto, teré de garantir ao professor que todos os dados coletados terao carater sigiloso e que qualquer divulga- 40, na forma de relatorios, tese, monografias etc., serd discutida previamente com os professores envolvidos. Eles também terao de informar se desejam que seus nomes aparecam nos relatérios de pesquisa ou se preferem permanecer anénimos. 0 mesmo se aplica A identificago da escola. Em suma, a pesquisa tem de ser regida por rigidos principios de ética, que preserve os colaboradores que dela se dispuserem a participar. Ainda neste livro vamos discutir a © PROFESSOR PESQUISADOR | Stella Maris Bortoni-Ricardo TE pesquisa colaborativa em que o professor, cujo trabalho esta sendo investigado, participa mais ativamente das decisoes da pesquisa e acompanha seu desenvolvimento mais de perto. A coleta de dados nao deve ser apenas um proceso intuitivo, que consistiria simplesmente em fazer observagdes em determina- do ambiente e tom r notas. Ela deve ser um processo deliberado, no qual o pesquisador tem de estar consciente das molduras de in- terpretag: daqueles a quem observa e de suas proprias molduras de interpretagdo, que sao culturalmente incorporadas e que ele traz consigo para o local da pe Isso significa desenvolver uma vi sao dos dois lados de uma cerea, que alguns metodélogos chamam de visio social estereoscépica (cf. Erickson, 1990). Observe-se também que a pesquisa qualitativa reconhece que 0 olho do obser vador interfere no objeto observado, ou seja, o olhar do pesquisa- dor ja é uma espécie de filtro no processo de interpretacao da rea- lidade com a qual se defronta. Esse filtro esta associado & propria bagagem cultural dos pesquisadores, Conforme vimos, o paradigma positi para a pesquisa de natureza quantitativa, prevé que haja a maior objetividade possivel na pritica do pesquisador, isto é, ele observa os fatos do mundo de uma forma teoricamente neutra, buscando atingir o ideal da objetividade. Esse pressuposto nfo apresenta maio- res dificuldades no ambito das ciéncias exatas. Mas, trazido para 0 Ambito das ciéncias humanas, encontrou problemas. Uma forma de trabalhar 0 problema do necessirio distanciamento entre o sujeito cognoscente (pesquisador) ¢ 0 objeto cognoscivel de sua pesquisa foi a aceitagao, no paradigma interpretativista, do pressuposto da re- flexividade, isto 6, a pesquisa qualitativa aceita o fato de que o pes- quisador é parte do mundo que ele pesquisa. Segundo o paradigma interpretativista, o cientista social é membro de uma sociedade e de uma cultura, 0 que certamente afeta a forma como ele vé o mundo. Portanto, de acordo com esse paradigma, nao existe uma andlise de fatos culturais absolutamente objetiva, pois essa nfo pode ser disso- ciada completamente das crengas e da visio de mundo do pesquisa- dor, Assim, uma linguagem de observagao neutra seria iluséria, pois todas as formas de conhecimento so fundamentadas em priticas , que fornece a base UUTUUUUU ETT UUTTTET ECT CCC TCC On sociais, Iinguagens e significados, inclusive aqueles do senso comumt, O pesquisador nao é um relator passivo e sim um agente ative na construgio do mundo. Sua ago investigativa tem influéneia no ob» jeto da investigagao ¢ é por sua vez. influenciada por esse. Em outras palavras, 0 pesquisador nas ciéncias sociais, incluindo af a pesquisa educacicnal, é parte do mundo social que pesquisa. Ele age nesse mundo social e é também capaz.de refletir sobre si mesmo e sobre as ages como objetos de pesquisa nesse mundo. Essa sua capacidade € denominada, na literatura especializada, reflexividade. REFLEXIVIDADE Tom também 95 saberes do senso comum. i ©. - So gorque tem que ser clentifico.. A. - Sera que no final da pesquisa ¢ a realidade? i G. -E aalidade no angulo dos olhos dele. Porque a pesquisa nada mais ¢... © pesquisador também participa da pesquisa. Ele entendeu, visio dele. P,- Esto ¢ 0 que nés chamamos reflexividade. Quer dizer, voce... positivis- ‘mo... um dos pressupostos do positivism, que eu vou também procurar incl aqui parafael!tar, um dos pressupostos 6 que entre o sueito cognoscente, quem std tentando entender, ¢ © objeto que esta sendo... em que sua proposta esta se debrugando, tem que haver una total..uma total, quer dizer, uma distancia, absolute, ‘De tal maneira que ndo haja influéncia do pesquisador sobre o objet sesquisado, Isso 6 possive nas ciéncias exatas, pois se voce esta estudando all um formiguelro, ou estudando 6 comportamento daquelas formigas, a biologia daquelas formigas etc, etc... Possivelmente, a nBo ser que voc® mexa naquele formigusiro, mas voc8 no vai influr se ficar de longe 86 olhandl, voce nao vai influ Mas nas ci€ncias socials @ numa perspectiva interpretativista, © mais di- {fcil, porque o...na hora em que voc8 esta observando voce ja usa um primeiro fitro, a gente no observa tudo ao mesmo tempo @ capta tudo ao mesmo tempo, ha algumas coisas que nos atraem mais a atencao voce se flea mais naquilo ¢, wood ndo tem como atentar para tudo simultaneamente, Entao voce ¢ meio ‘elotivo,né? Vood olha al, atenta pra isso, atanta pra aqui. t2s0 96 um filtro, ‘entdo voce esté mais ou menos selecionando, ‘0 que voce est4 observando, De- reais nan ci prinefpios, seus valores, suas, primelro, deve evitar juizo de alia ee ee re Wo dizendo “isso nao té bem assim, deve S6F ab ‘oral, religioso, nfo é isso, nfo é o momento, A jescrever, nossa pesquisa qualitativa ¢ pra descrever vel 0 que nds vimos, © que nés percebemos, 1 Peles tec tetor cote sone vena yon ete | ssqulsa interprotaivista diz? fa la 1a geladeira e compor- formas de ro | fa ctmeray fica num c parte da andlise, 6 pre- corr pra umainterpre- | interpretagt premature. nt 4 A presenga de pesquisadores no local guiada por decisdes deliberadas que, como ja vimos, sao explicitadas nos objetivos ¢ nas assergoes da pesquisa. Quando 0 pesquisador nao conduz a pesquisa baseado em de- cisdes bem claras, sua coleta de dados pode resultar em quantida- des inadequadas de evidéncia para confirmar ou desconfirmar as assergoes na fase da andlise. E af pode ser dificil, até impossivel, retornar ao ambiente da pesquisa para obter mais dados, TTT COtETA Ec ANAS ae ‘Quando o pesquisador tem clareza de seus objetivos, sabe que terd de reunir registros de diferentes naturezas (por exemplo: observacao direta, entrevistas, fotos, gravagies de dudio e de video etc.). Esses re- gistros de diferentes naturezas vo permitir a triangulagao dos dados. ngulagdo é um recurso de andlise que per- mite comparar dados de diferentes tipos com 0 ob- jetivo de confirmar ou desconfirmar uma assergao. Pode-se construir também uma triangulagao com- binando as perspectivas de diversos atores em uma aco. Por exemplo, a perspectiva do professor obtida em ‘uma entrevista; a perspectiva de alguns alunos igualmente obtida por entrevista e a perspectiva do proprio pesquisador ou de outro participante obtida pela observacao. Ao comparar concordancias ou discrepancias nas diferentes perspectivas, 0 pesquisador tera mais recursos para construir e validar sua teoria. Outro problema que pode resultar de dados insuficientes ou ina- dequados € a confirmagdo ou rejeigo prematura de uma assergao, que Erickson (1990) denomina problema de tipificagao prematura. O trabalho de campo para a coleta de dados comega com as perguntas de pesquisa que direcionam o estudo. E importante que © pesquisador identifique a gama total de variagdo da agao que esta pesquisando. Por exemplo, se sua pesquisa se volta para a investi- gagiio da ago responsiva da professora, seus dados deverao incluir um ntimero suficiente de epis6dios de agao responsiva, de manei- ra a poder identificar se determinada agao responsiva é tipica ou atipica (episédica). Embora tenha consigo suas perguntas e asser- des, ao entrar em campo e iniciar a coleta de dados, o pesquisa- dor pode nao ter ainda muita seguranga sobre onde focalizar sua observacao. Uma solugio é entrar na sala de aula e observar dias inteiros, identificando uma gama ampla de eventos que ocorreram ao longo do dia e suas frequéncias relativas. De posse dessa infor. magao, ficard mais facil saber onde e quando vai concentrar seu esforgo investigativo. Com o tempo, a percepgao do pesquisador

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