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Sintese da evolucao urbana: de suas origens a cidade contemporanea. 1. Evolugao urbana: introdugao Estudar-se-4 aqui a cidade sob seus aspectos histéricos, ou seja, quando, como e por que surgiu, como se desenvolveu através dos tempos e, sobretudo, como: sua evolugdo e estrutura sofreram as influéncias do meio fisico, do desen- volvimento das ciéncias e tecnologia e, finalmente, das formas econdmicas de producdo. Pretende-se com tais estudos, ainda que sumérios, atingir os seguintes objetivos principais: a) Facilitar ao aluno de planejamento a leitura, a compreensio da cidade atual, como obra de arte “aberta”, ambigua, no sentido de possuir miltiplos significados, todos, porém, bem definidos e ordenados. A leitura de um signo 208 Célson Ferrari se amplia em significados pelo conhecimento de suas origens. Os estudos historicos dos fatos urbanos tém prestado grande contribuigdo ao urbanismo, Os monumentos, aS ruas, as pragas, enfim, a cidade em seu tragado geral sio permanéncias que, de acordo com a maior ou menor vitalidade de suas formas, conseguiram chegar até nés, através de miiltiplas adaptagoes as mudaneas do ser ou sociedade humana, Pragas de mercado (fungGo comercial) transformam-se em pragas de reunido civica (fungdo politica), ruas de veiculos tornam-se passeios de pedestres, ¢ assim por diante, numa demonstragdo de que o valor dos fatos urbanos reside, essencial- mente, em sua forma e ndo em sua transitéria fungdo. Os estudos histéricos nos propiciam meios de distinguir as permaneéncias negativas, patolégicas, das positivas ou vitais, ) Dar ao leitor uma compreensio do proceso de urbanizacdo, isto é, mostrarlhe de que maneira o meio fisico e a evoluggo da tecnologia e das formas de produgdo, cujo reflexo mais visivel ¢ © processo histérico da confrontagao Gialética das classes sociais, afetam 0 processo de urbanizacao. ¢) Fornecer subsidios 20 planejamento de novas cidades ou de renovagdo ’ urbana, pelo estudo comparativo das solugdes jd encontradas e pela sua andlise critica, : ) Dar ao aluno, ainda que superficialmente, um conhecimento geral sobre a evolucdo das principais teorias urbanisticas. 2. A cidade na pré-histéria e na antiguidade ; 21. A origem da cidade A cidade € um fato historico, geografico e, acima de tudo, social. Como ~ fato social a cidade surgiu muito secentemente na Historia, coincidindo seu aparecimento com o fim da pré-histéria. A Historia da Civilizacao comega com © alvorecer da cidade (do latim civitate), ha cerca de 6.000 anos apenas. Sabendo-se que a idade presumivel do Universo € de 10 bilhoes de anos, que a idade da Terra é de 5 bilhGes de anos ¢ que a do homem, aproximadamente, € de 1 milhdo de anos, e comparando-se a idade da Terra (5 x 10? anos) 4 um ano (365 dias), o homem surgiu faltando apenas 1 hora e 45 min para a meia-noite do iiltimo dia do ano ea cidade nos 30 segundos finais do ano, mais ou menos. Os perfodos da pré-hist6ria so: paleolitico, mesolitico e neolitico. No paleolitico e mesolitico o homem vivia em estado de selvageria, estado cultural caracterizado por uma economia de caga, pesca e coleta de alimentos in natura © por um artesanato rudimentar de fabricagdo de instrumentos de pedra lascada € ossos. No neolitico, 0 homem passou a cultivar o solo, a domesticar os animais, a polir a pedra ¢ a fabricar objetos de cerdmica, deixando a selvageria e ingressando ; na barbdrie. a Ji = ed Urbanismo 209 No consenso da maioria dos historiadores, 0 que separa a Histéria da pré- -Hist6ria 6 0 aparecimento dos documentos escritos. Outros, delimitam-nas com © aparecimento do pao ou da cidade. A pré-Hist6ria ndo conheceu a cidade, mas apenas aldeias rurais ou proto- -cidades que nao eram fixas e mudavam de lugar com a exaustdo do solo. Robert Redfield em O mundo Primitivo e suas Transformagdes, escreveu: “No neolitico etnografico, as povoagdes apresentavam poucas centenas de habi- tantes. Na Europa pré-historica, a maior povoagdo neolitica jé conhecida, Barkaer, na Jutlindia,' compreendia 52 habitagdes pequenas, com um s6 comodo; © mimero mais comum, porém variava entre 16 a 30 casas; assim o grupo local médio na época neolitica tinha, em média, de 200 a 400 membros”. Segundo GORDON CHILDE (historiador, arquedlogo ¢ etndgrafo) no neo- Iitico aconteceram duas revolugdes importantes, caracterizadas por dois movi- .. mentos culturais que provocaram mudangas sociais muito significativas: a) Revolugdo Agricola © homem, em fins do neolitico, comegou a irrigar, a arar, a selecionar sementes, observar épocas propicias a0 plantio de alguns vegetais, conhecer as estagdes do ano, enfim, descobriu processos agricolas racionais. Gragas a essa evolugio, pela primeira vez, o homem passa a colher excedentes agricolas e comega a sedentarizarse. Surge a possibilidade de trocar 0 excedente agricola por outros bens econdmicos. Mas 0 aglomerado pré-urbano ainda continua a mudar de lugar, coma exaustdo do solo, se bem que com menor freqiéncia. A proto-cidade ja existe. +) Revoluedo urbana As atividades agricolas tornaram-se incompativeis com a criagdo de gado na mesma 4rea. Surge pois a separagdo entre a agricultura e o pastoreio e a primeira divisao social do trabalho: o agricultor ¢ o pastor. A sociedade de classes precedew pois, historicamente, a origem da cidade. O pastor precisava dos produtos agricolas. O agricultor, por outro lado necessitava dos produtos animais. Comegaram entdo a aparecer postos de troca, onde pastores e agricultores permutavam os seus produtos. Acontecia, porém, que nem sempre a troca podia ser procedida de fato: ndo era ocasido da colheita ou nao havia pronta disponibilidade de produtos animais. A necessidade que dai adveio de se registrarem as trocas combinadas e as entregas de produtos, forgou © aparecimento da escrita. Surgiram os escribas: pessoas que sabiam representar palavras e nimeros com signos. Junto aos postos de troca, foram surgindo aglomeragdes de pessoas como os sacerdotes, os soldados ¢ os artesdos, isto ¢, a especializagao profissional. ' Jutlindia — peninsula continental da Dinamarea, 210° Célson Ferrari A moeda € criada para facilitar as trocas. Em resumo, a revolugéo urbana eclode em fins do Neolitico e principios do perfodo historico. Com a cidade surgiu a Hist6ria e a civilizagdo. O homem emergido de um estado de selvageria (paleolitico ¢ mesolitico: pré-Histéria) passa pela barbaric (neolitico: pré-Histéria) e atinge o estado civilizado com o evento da cidade. E na cidade nascente estavam as rafzes do proprio Estado. Para explicar a origem da cidade, ha algumas hipéteses: a) Os aglomerados pré-urbanos neolitices ou proto-cidades se desenvolveram ¢ deram origem ds cidades. Poe-se em duvida esta hipétese, com o seguinte argu- mento: Como muitas cidades antigas foram construfdas no cimo dos morros, as colheitas tinham que ser transportadas em aclive para serem armazenadas. Nao é provavel que os agricultores adotassem solugao tao inadequada. Os que levantam esta dtivida supdem que a cidade tenha surgido um pouco mais tarde e, no alto das clevagdes, em virtude de acontecimentos relatados a seguir, Mas nem todas as cidades da antiguidade se localizavam em pontos elevados, diga-se de passagem. 4) A cidade surgiu com a idade dos metais. Os povos que descobriram 0 uso do metal (pastores), possuindo armas mais poderosas que as de pedra, dominaram as populagdes agricolas, que ainda as usavam. Para proteger essas populagdes obreiras, construiram cidades fortificadas em sitios elevados. Em troca da protec militar recebiam tributos e subserviéncia do povo agricultor. Na realidade, as cidades da Mesopotamia (Ur, Uruc, Lagash, Babilonia) foram fundadas pelos invasores sumeérios; a “polis” grega, pelos invasores aqueus; as cidades de Creta pelos invasores egeus, etc. Essa luta entre pastores (guerreiros) e agricultores (trabalhadores) segue 0 homem através da Hist6ria até a extingao dos povos bérbaros, na Idade Média. E pouco provavel que a hipétese (a) tenha-se verificado com exclusividade, ndo s6 pelas razOes expostas, mas porque a criagao da cidade, ao exigir a produgdo de excedentes agricolas, em cardter permanente, ¢ tal que pudesse manter uma populagdo urbana ndo produtora de seus alimentos, pressupunha a existéncia de uma estrutura de classes, dividida em “classe dominante” ¢ “classe dominada”. Assim a hipétese (b) & mais aceitével porque ja parte do pressuposto real da existéncia de uma “classe dominante” constituida pelos povos invasores, pastores, guerreiros. A idade do ferro surge em fins do neolitico marcando, de certa forma, com o aparecimento da escrita ¢ da cidade, a origem dos tempos historicos ou civilizados. A cidade pode ter nascido, algumas vezes, do mercado enquanto sitio (marketplace), e outras, “da proto-cidade transformada pela fung’o comercial (hipétese a). Nesse caso porém, a cidade comercial deve ter surgido sob a protecdo de uma cidade-estado, cuja “classe dominante”, pela imposigdo das armas de seus soldados dela retirava um “mais-produto” para sua manutengdo, como também para sustentar os artifices, soldados, sacerdotes, etc. * Urbanismo 211 © que vale a pena destacar é que a cidade, ao mesmo tempo que se constitui numa nova técnica de dominagdo, di a produgdo uma organizagdo, através da divisio e especializaggo do trabalho. O poder militar se aperfeigoa com a cidade (criagdo de fortalezas, facilidade de recrutar soldados profissionalizando-os, fabri- cago de armas pelo artesanato urbano, etc.) e di-Ihe ensejo de dominagao politica sobre os territ6rios vizinhos. ARTHUR KORN em sua obra History Builds the Town, escreveu: “A cidade é a pedra fundamental do Estado que emerge”, salientando o papel politico da cidade e © resultado da progressiva desintegragdo da sociedade tribal pela divisio do trabalho. O novo género de vida que a cidade gerou trouxe uma nova dimensio a experiéncia humana. Antes das cidades, predominava uma ordem moral. A cidade, trouxe também uma ordem técnica, isto 6, 0 homem passou a se organizar pela necessidade ou utilidade dessa organizagio. A cidade pela sua heterogeneidade étnica, profissional, de crengas ¢ costumes, enfraquece a ordem moral ¢ fortalece a ordem técnica. 2.2. A cidade na Historia Antiga 2.2.1. As civilizagOes antigas ‘As primeiras civilizagdes desenvolveram-se_nos vales dos rios em virtude da fertilidade do solo, facilidade de irrigagdo e de transportes: Nilo (Egito), Tigre e Eufrates (Mesopotimia), Indus (Paquistao) e rios Amarelo e Yang-Ts¢-Kiang (China), O rio € 0 elemento unificador dos primitivos Estados. A cidade de Ombos no Egito, é tida como a mais antiga cidade do mundo, por varios autores, (4.000 A.C., portanto, hd 6.000 anos). Gideon Sjoberg adotando o aparecimento da escrita como critério definidor da cidade, remonta suas origens hé 5.500 anos (3.500 A.C.) na Mesopotamia. Outras cidades antigas conhecidas sao: Na Mesopotamia: Lagash, Larsa, Erek, Kish, Eridi, Ur e Babilonia. Ur ¢ Babilonia so mais novas e contempordneas de Tebas ¢ Ménfis, no Egito. No Vale do Nilo: Tebas, Ménfis, Hieracompolis, Buto, etc. Na Bacia do Indus: Harapé, Moenjo-Daro, Chandu-Daro, Laore, ete. Estas cidades da bacia do Indus si0 contemporineas das grandes piramides egipcias (2.700 A.C.). Na regido da Palestina: Jericé, Biblos, Megido, Jerusalém, Tizo, ete. Na China: em 1.100 A.C. surge Pequim com o nome de Ki. Os chineses eram agricultores ¢ demoraram a fundar grandes cidades. Em 1409 Pequim recebeu um tratamento urbanistico que impressiona até hoje pela sua grandiosidade e religiosidade. ee 212 Célson Ferrari ‘aiuaug owixoad op ede ~ Or eanBia joo is wad) £3760 Woo pS Vea aens ‘i \ SAG vheyers Couean ure) ONIMAe ainad Urbanismo 213 Em 1.600 A.C. Teba’, no Egito, possuia 250,000 habitantes e seus habitantes queixavam-se jé da insuportavel poluigdo atmosférica e tréfego da cidade i Breves comentarios sobre algumas cidades antigas: Harapa ¢ Moenjo-Daro (Paquistao) Apresentavam um caracteristico impar dentre as cidades antigas, Eram construidas dentro do sistema tabuleiro de xadrez ou ortogonal. Foram encontrados vestigios de sistema dindmico de esgotos em suas ruas. As quadras eram edificadas segundo essa concepedo ora retomada em alguns loteamentos ¢ desmembramentos modernos: casas voltadas para o interior da quadra. Com as paredes cegas, 0 ambiente interno ficava isolado do externo. Para a India, local de intenso calor, jd representava uma soluggo de conforto térmico além de sua fungio estratégica predominante de defesa. | __ Moenjo-Daro possuia duas zonas distintas: a cidade alta e a baixa. O principal edificio da parte alta era o dos Grandes Banhos com uma piscina de 11,70m de lado e 2,40 m de profundidade? “Quem construiu essas grandes cidades ¢ nelas viveu? A origem de seus habitantes é um mistério. As cidades ndo parecem ter crescido gradualmente, como Ur ou Paris, mas ter sido deliberadamente construidas de acordo com um plano, como Washington, Nova Delhi ou Camberra. .. Isso sugere que os pais da civili- zagao Indus nao apenas provieram de algum lugar fora do subcontinente, mas também vieram de muito longe.” (Amold J. Toynbee in “De Leste a Oeste” Ibrasa — S. Paulo — 1959 — as fils. 154) Babilonia (Mesopotémia) Na Mesopotamia, a Babilonia do século XIX A.C., atingiu sew periodo aureo. HERODOTO, o pai da Historia, descreveu-a como sendo uma grande cidade cereada por muralhas de 21 Km de lado, de 80 metros de altura e espessura de 20 metros, possuindo 110 portas macigas de cobre. Suas ruas eram largas ¢ retas e possuia prédios de 3 e 4 pavimentos. E pouco provavel que essa muralha ciclépica tenha existido. Foi parcial- mente destruida e pilhada por XERXES (486-465 A.C.) filho de DARIO. _ Pequim (China) Da China, a cidade mais importante é Pequim. Ela teve varios nomes: Ki Yen, Yen-Tcheu, Yen-King, Chung-Tu e Khan-Balik. O atual, s6 foi fixado quando seu imperador Yung-Loh a remodelou toda, em 1409, criando amplas avenidas, parques ¢ seus famosos jardins de tragados simétricos ¢ grandiosos. 2? Sobre Moenjo-Daro veja-se a revista da Unesco editada pela Fundagdo Getilio Vargas: Correio, feverciro/1974, ano 2, n9 2, pp. 9-18. a 214 Célson Ferrari Ki ou Chi foi construida em 1.100 AC. e destrufda em 226 AC. por CHE-HUANG-TI. Ressurge depois sob as designagdes sucessivas de Yen, Yen-Tchau, Yen-King ¢ Tchong-Tu (Chung-Tu). Foi destrufda pelos barbaros de GENGIS KHAN em 1215, de nossa era. KUBILAY KHAN construiu a nordeste da cidade precedente uma nova cidade chamada Khan-balik (cidade do Khan, em mongol). A dinastia dos Ming mudou-lhe o nome para Pei-King ou Pequim (Paz do Norte) A vida urbana na China, surgiu muito tarde, pois ld, a economia se baseava na agricultura, predominantemente, e sua civilizacdo rural ndo criou metropoles milenares, As capitais nfo duravam mais que suas dinastias transit6rias. No Egito e Mesopotamia, principalmente, as cidades eram estruturas frageis, pereciveis, que ndo deixaram vestigios em torno de palicios, templos e monu- mentos colossais ¢ eternos. Refletem tais estruturas 0 despotismo politico dos reis e deuses através de seus prepostos na terra, os sacerdotes. E a cidade da antiguidade, um privilégio da classe dirigente, qual seja a dos reissacerdotes do Egito, e a do poder militar dos reis-comerciantes da Mesopotamia. E o simbolo do despotismo € da opressiio dos poderosos sobre um povo oprimido cuja moradia ndo deixou sequer vestigios de sua efémera e miserivel existéncia. 2.2.2. Povos e cidades da Grécia No mar Egeu, precedendo a cultura da peninsula grega, na ilha de Creta surgiu a partir de 2.000 A.C. a civilizagdo cretense ou egéia. Os egeus, povos portadores de armas de bronze, dominam os pelagios, barbaros que usavam armas de pedra. Em Creta fundam-se cidades como Cnossos, Faistos e Malia. Na peninsula grega fundam-se prag«: fortes militares: Orcomenos, Tebas, Argos, Tirinto e Micenas. No século XVI A.C. os aqueus, povos indo-europeus que usavam armas de ferro ocupavam jé quase toda a peninsula grega. Eram eles os jonios, edlios e J6rios, principalmente. Em 1450 A.C. os aqueus invadem Creta e destroem Cnossos. Com a quéda de Cnossos, Micenas, capital de uma federacao de cidades-estados no continente, passa a ter maior importincia. Trdia, na Asia Menor, é destrufda pelo povo grego, em formagio, em 1300 A.C. Os aqueus, juntamente com os cretenses (egeus) dominados, seriam os mais importantes componentes étnicos do povo grego. As cidades cretenses, das quais temos ruinas bem conservadas de alguns palicios, tinham ruas em curva de nivel; eram estreitas e pavimentadas com rede de équa e esgoto. A civilizagao micénica era militarista e comercial. Suas cidades tinham muralhas protetoras, de alvenaria de pedra ciclépica. As cidades micénicas deram origem as primitivas cidades gregas que cram um labirinto de becos, sem drenagem ¢ sem esgotos canalizados. A rua com abaulamento invertido, servia de canal de esgoto. Segundo G. CHILDE, a socie- dade micénica era barbara. Urbanismo 21S 216 Célson Ferrari Com excegdo dos templos e das muralhas (os governantes eram sacerdotes- -teis comerciantes), os demais edificios cram de construgio simples e perecivel, tal qual ocorria no Egito e Mesopotamia, principalmente. A dgora (praca do mercado) ¢ a cidade eram irregulares na forma, A agora, aos poucos, foi passando de praga do mercado para espaco politico: Nela os gregos discutiam seus problemas e votavam diretamente suas leis. A Grécia conheceu, por isso, a iinica democracia direta, ndo representativa. O cidadao livre grego exercia seus direitos politicos pela votagao direta e livre manifestagao do pensa- mento, Atenas - SécvioIE D.C. (Agora e entorne) Figura 10.3 — Atenas e sua gora. Urbanismo 217 Figura 10.4 — Mileto. Um dos primeiros urbanistas conhecidos, HIPODAMOS DE MILETO, século V A.C., fez famosos projetos de algumas cidades. Ele, até hé algum tempo, era conhecido como o pai do sistema de xadrez. Estabeleceu esse sistema para varias cidades gregas. Apds a descoberta de Harapdé e Moenjo-Daro, constatou-se que nao tinha sido ele o primeiro a usar o referido sistema. 218 Célson Ferrari HIPODAMOS observava a orientacao e dimensionamento das ruas segundo aintensidade de seus usos. Até hoje, aqui no Brasil muitas cidades nao observam essa hierarquizagdo em seus sistemas vidrios, com evidente desperdicio de espago urbano. Atribui-se ao urbanista jonio HIPODAMOS e seus disefpulos os planos das seguintes cidades: Pireu, Turio, Rodas, Selino, Cirene, Pérgamo, Alexandria, Mileto, Nicéia, etc, todos segundo 0 sistema tabuleiro de xadrez. Procurava ele atingir a especializagdo de funcdo das zonas urbanas, a busca de efeitos estéticos e 0 desenvolvimento da agora como espago isolado ¢ civico. Sua cidade ideal ndo deveria abrigar mais de 10.000 “cidadaos"* e seu espago devia subdividir-se em trés partes principais: a dos deuses, a do Estado e a dos individuos. Colocava dgora (espago civico) no centro geométrico da cidade, proxima dos edificios publicos. A cidade de Mileto, reconstruida em 480 A.C. (fora destruida pelos persas em 494 A.C.), segundo plano de seu filho Hipédamos, cobria 90 ha, dos quais 52 ha eram parques e jardins. O sistema vidrio foi projetado segundo o sistema tabuleiro de xadrez. Atenas, nessa época — século V — tinha 300,000 habitantes, dos quais 115,000 eram escrayos, de acordo com estimativa de Gomme, citada por A. KORN. ARISTOTELES e PLATAO viviam neste século, e achavam Atenas dema- siadamente grande. Segundo eles, a populagdo ideal de uma cidade seria de 10.000 “cidadaos”, no que concordavam com HIPODAMOS. A cidade grega atinge um dos objetives da arte urbana: £ organica no sentido de que tem cada drgao no lugar onde deve cumprir sua fungo especifica, sendo por isso exaltada pelos adeptos do urbanismo organico. Por sua forma e arqui- tetura, a cidade contemporinea tem suas raizes na Grécia. A sociedade helénica era divida em ricos e pobres, bem como em livres e escravos. Dentre os livres, destacava-se uma classe nobre e de donos de terra, além de uma classe mercantil muito ativa ¢ rica. A cidade reflete essa dicotomia entre © poder politico e o poder econdmico pelo destaque que dé ao castelo do rei € da nobreza (acropole) ¢ ao mercado (dgora). A medida que a democracia se instaura mas cidades gregas, a dgora passa a disputar com a acrdpole o poder politico: torna-se a assembléia do povo, o espaco civico da “polis”. A agora das cidades gregas naturais, como o forum dos romanos, situava-se perifericamente. Assim como nas cidades do Egito e Mesopotamia, a populagao (classe pobre) residia sob coberturas precdrias construfdas na meia encosta dos morros ¢ também nao deixaram vestigios. A geomorfologia acidentadissima da Atica foi a principal responsavel pelo aparecimento das Cidades-Estados, gregas, j@ que as isolava entre si, protegendo-as ‘Cidadgos”, isto ¢, homens livres. Incluindo-se as mulheres, os escravos ¢ estrangeiros, nio deveria uitrapsssar 100.000 habitantes. Urbanismo 219 com barreiras naturais. Influiu também na concepgao de suas estruturas. Pérgamo, por exemplo foi construida sobre uma elevada montanha, constituindo-se num dos mais engenhosos planos urbanisticos da antiguidade. 2.2.3. Roma No século X A.C. os etruscos, vindos provavelmente da Lidia — Asia Menor — fundaram 0 império etrusco na peninsula itélica. Suas cidades principais ficaram conhecidas como as “dodecdpolis” e eram: Tarquinia, Cerveteri, Vulci, Veios, Vetulénia, Orvieto, Chiusi, Perugia, Ruselae, Cortona, Volterra e Arezzo. Desde meados do século VIII A.C. os gregos passaram a fundar colonias na peninsula itdlica. Algumas delas: Népoles (Neapolis), Messina, Agrigento, Tarento, Siracusa, Selino, etc. A civilizagdo urbana nao é autéctone na Europa. Resultou ca agao coloni- zadora de povos procedentes do Oriente e dos gregos que tamb-m vieram do Oriente. A data presumivel da fundagdo de Roma, é 0 ano de 754 A.C. Teria sido fundada por descendentes dos antigos troianos. Com a destruigdo de Tréia em 1300 A.C., os troianos comandados por ENEIAS, dirigiram-se ao Lacio (peninsula itélica) © formaram com os aborigines um povo inico. ASCANHO, filho de ENEIAS, fundou Alba. De Alba partia ROMULO que fundou Roma com ele- mentos latinos e sabinos. Além das “dodecapélis” e das colonias gregas, durante muito tempo, divul- gou-se a noticia de que teria havido nas planicies do rio P6, por volta de 2000 A.C., a civilizagdo das ““Terremares” (de terra marma: terra gorda, fértil). Exame mais atento e minucioso dos vestigios das “cidades™ dessa suposta civilizagao indicaram, todavia, tratar-se de obras de irrigagdo agricola. Roma no século 1V de nossa era, gragas a0 grande desenvolvimento tecno- légico da engenharia romana, conseguia atingir populacao que s6 foi igualada por poucas cidades nos tempos atuais: 1 milhdo de habitantes! Possufa Roma: 19 aquedutos que forneciam 1.000.000 m?/dia a cidade, esgotos dinamicos, ruas pavimentadas, 46,602 prédios de apartamentos, tendo alguns até 8 andares, 80 paldcios para os nobres, além de ser protegida por muralhas. O alto padraéo da técnica romana permitiu a construgdo de prédios em alvenaria de até 8 andares! Constitui Roma um sugestivo exemplo da influéncia do desenvolvimento tecnoldgico, sobre a evolugdo das cidades. Qs romanos fundaram colénias, todas construidas dentro do sistema orto- gonal e amuralhadas: Timgad — na Argélia, Aosta na Itélia, Silchester; Chester; Colchester (Chester-castelo), na Inglaterra; Colonia, na Alemanha, ete. Eram cidades fortificadas, que defendiam 0 Estado romano e¢ sua populagao agricola sedentéria. Sempre a irreconcilidyel antinomia entre pastores (soldados) e agricultores. _ 220 Célson Ferrari Jnia romana, Fig. 10.5-b — Silchester (Calleva Atrebatium) Yendo-se 0 foro, as portas, pousa- das, termas, o templo ¢ o anf teatro dessa colonia romana. Fig. 10.5-c — St. Albans (Verulamium), a cidade pré-histérica, a Roma dos primeiros tempos e a Roma do age de sua civilizagio. Urbanismo 221 O desenvolvimento de Roma capital do vasto Imperium Romanum, é, sobre tudo, o resultado di pujanga econdmica esse Império. Um trago peculiar do planejamento de Roma foi a criagdo de vias principais com colunatas, arcos e monumentos. Outro caracteristico é€ a existencia das Tuxuosas termas. Os jardins pablicos eram poucos mas muito freqientes nas mans6es dos ricos romanos. As massas viviam em promiscuidade, em edificios de apartamentos e os nobres em palicios de grande luxo ¢ conforto. A escravidao e a servidio que, a pouco ¢ pouco, constitufram a dinica forma de trabalho produtivo do grande Império, relegaram o trabalho @ condiggo de atividade inferior. O resultado da aceitagdo desse conceito negative do Trabalho foi a paralisagdo do desenvolvimento tecnolégico, a queda da produtividade agricola ¢ artesanal e 0 conseqitente enfraquecimento do Império. No ano de 476, ODOACRO, rei dos érulos, conquista Roma. Dé-se a queda do Império Romano do Ocidente, e inicia-se a Idade Média. De 476 a 1453 se estende a Idade Média. Em 1453 caiu o Império Romano do Oriente. Os turcos tomaram Bizancio ou Constantinopla. Principiam os tempos modernos com a Renascenca. A tomada de Roma em 476 significou o fim da “paz romana”. Ondas sucessivas de bérbaros comegaram a invadir o império romano, que no tinha mais uma organizagéo defensiva capaz de detélos. Nao 6 um “acidente” na Historia, mas a conseqiiéncia da luta econémica secular entre agricultores (seden- tarios) e pastores (némades). 3. A urbanizagao medieval ’ Com a queda do Império Romano do Ocidente a Europa ¢ envolvida por um estado de guerra permanente Do século V ao IX, aconteceu a grande desurbanizagdo. A cidade era um alvo facil as pilhagens dos povos birbaros. Assim, os citadinos fugiam para 0s campos num processo acentuado de desurbanizagdo. Viena, na Austria, por Gois séculos chegou a desaparecer dos mapas europeus. Roma, na época de CARLOS MAGNO, chegou a ter apenas 20.000 habitantes. As estradas, abando- nadas, desapareceram. Com excegdo das cidades maritimas, as interioranas, foram morrendo, em sua grande maioria. Nessa época surgiu na Europa o feudalismo. Mesmo no Império de CARLOS MAGNO (768 a 814) ndo havia uma cidade capital Surgem pequenos burgos de tragado irregular e pestilentos. As ruas eram estreitas, pavimentadas. O sistema de esgotos era estdtico. As casas nado abriam janelas para as ruas defendendo-se do mau cheiro. 222 Célson Ferrari A igreja ou catedral ¢ © centro da vida comunitéria. O regime é verdadeira- mente teoctitico: o poder dos bispos, dominando os homens ¢ as terras. O teatro, a arena, o banho piiblico da Roma paga desaparecem e os deuses do paganismo so: substituidos pelos santos cristdos. Alguns mosteiros fundados por religiosos deram origem a cidades, poste- riormente. Ex.: Wurzburgo, Brandeburgo e Oldenburgo, na Alemanha. PRINCIPAIS CIDADES RUSSAS SECULO xIl & METADE DO SECULO XIII —<— Se Km Eecala : F Figura 10.6 — Cidades russas principais no século XII e metade do século XIII. i LL Urbanismo 223 Do século IX ao século XI, hé uma sucesséo continua de invasdes de barbaros e sarracenos na Europa Continental. A chegada dos arabes ao Mediterraneo fez cesar 0 comércio maritimo. Paris € invadida e saqueada, sucessivamente, em 845, 857 e 861. Os dinamarqueses (VIKINGS) invadem a Inglaterra. Normandos conquistam © este europeu e fundam o reino de Novgorod — nicleo do atual Estado russo, cuja capital foi Kiev ¢, mais tarde, Moscou. Nesse perfodo, ou mais precisamente, nos séculos IX e X, jd existiam na Rissia as seguintes cidades: Belgorod (980), Beloozero (muito antiga), Vasilev (988), Vyshgorod (946), Vruchy (977), Izborsk (862), Iskorosten (946), Kiev (muito antiga), Novgorod (algumas fontes dizem-na muito antiga outras dio o ano de 862 como o de sua fundagao), Polotsk (862), Pskoy (903), Rodnya (980), Rostoy (862), Smolensk (muito antiga), Turov (980), Chermigoy (907) ¢ muitas outras. Parece fora de divida que tais cidades foram fundadas pelos eslavos. Aparecem novamente as muralhas, que na “paz romana” nfo se faziam necessérias. Surgiram mais burgos e castelos fortificados na Inglaterra e baluartes na Franga em defesa da populacdo contra as constantes invasdes barbaras. ‘Ao mesmo tempo que o feudalismo crescia, os mercadores da orla maritima intensificavam 0 seu comércio, a partir do século XI. O burgo assume novas fungSes: abriga os artesdos que se associam em “corporagdes de oficios” e os comerciantes reunidos em “corporagdes de mercadores” ou “guildas”. © homem medieval ndo vive isolado: pertence a um mosteiro, a um palécio, a uma corpo- ragao de offcio, a uma “guilda”, enfim, a uma comunidade qualquer. O capital comercial comega a se expandir através do comércio nacional e internacional pelas rotas maritimas, dando origem a uma burguesia rica que comega a se ombrear com os senhores feudais, aristocrdticos. (Burgués era 0 habitante do burgo, em oposi¢go aos nobres que residiam nos castelos:) » O erédito e © capital usurdrio surgem no século: XI, intensamente, como. decorréncia do capital mercantil que se acumulava desde o século IX, principal- mente, nos portos do Mediterraneo, e, em particular, em Veneza. A familia Fugger possufa cerca de 10.000 mineiros empregados, navios, sendo que imperadores e © papa eram seus dependentes. Outras familias de fortuna incalculével: os Peruzzi, ‘os Medicis, etc. O poder dos bispos sobre as cidades ¢ total na Idade Média e vem desde © século VI, impondo um regime teocrdtico sobre o regime municipal da anti- giidade. Movimentos comunais reinvindicando o retorio do poder temporal municipal comegam a surgir nos séculos XI ¢ XII. Do século XII ao século XV ocorre 0 seguinte: Algumas mercadorias, para chegarem a seus destinos, tinham de atravessar terras dos senhores feudais e pagar altas tarifas de pedagio. Isto obstaculizava © desenvolvimento do comércio. Os mercadores entiio, que 4 época j4 possufam maior poder econémico, financiaram a implantagdo de monarquias, a fim de 224 Célvon Ferrari enfraquecer 0s senhores feudais ¢ climinar os peddgios. Na Franga, por exemplo, de Ruao a Nantes, havia cerca de 70 pedagios. Nos estroncamentos vidrios implan- tam-se feiras que floresceram sobretudo, no século XIII, em toda a Franga, Inglaterra ¢ Italia, principalmente. Assim em fins da Idade Média, os interesses mercantilistas haviam conso- lidado as tiranias. A ética divorcia-se da politica passando os fins (manutengao da tirania) a justificar todos os meios empregados para atingi-los. MAQUIAVEL procurou justificar esse divércio em O Principe (1513) onde estabelece os prin- cipios recomendéveis 4 implantagao de uma tirania, ainda que fazendo-se uso da violéncia e da fraude. Esse perfodo da Idade Média é caracterizado por uma intensa urbanizagao. O comércio e as cidades renascem a partir do século XIII. No mesmo século surge a catedral gética ¢ a Stimula Teolgica de Tomés de Aquino que representavam uma renovagdo da fé catélica. No século XII, Paris passa de 100.000 habitantes a 240.000 habitantes; Veneza de 100.000 habitantes chega a ter 200.000 habi- tantes; Florenga passa de 45.000 habitantes a 90.000 habitantes. A cidade de fins da Idade Média é nitidamente burguesa. Na Idade Média, “todo plano era uma projegdo direta dos objetivos dos clérigos, dos senhores feudais ou dos mercadores”.* Castelo e catedral dominam o perfil das cidades medievais. Qualitativamente, 2 cidade do medievo é superior indspita cidade antiga porque mais humanizada: possui hospital, estalagem para forasteiros ¢ asilo de invalidos @ pobres, todavia, nZo possui jardim publico. O jardim é particular, doméstico, intimo. E jardim e pomar ao mesmo tempo em que se cultivam flores, hortaligas ¢ drvores frutiferas. © fim da [dade Média é caracterizado pela formagio das monarquias expansao do mercantilismo. 4. A cidade nos tempos modernos 41. A Renascenca: a cidade cldssica © que marca a origem dos tempos modernos, sob o aspecto cultural, 6 a Renascenga: movimento de retorno ds artes e conhecimentos da antigiidade cléssica helénica que provocou uma ampla renovagio cultural, social e religios’, duranté os séeulos XVI e XVII, principalmente. Com a queda de Constantinopla, todo o comércio que se fazia através do Mediterrineo, no Oriente Médio, se desloca para o Atléntico. Portugal, Espanha, Inglaterra ¢ Holanda, crescem como poténcias navais e inicia-se 0 ciclo das grandes navegagies, * FRANCOISE CHOAY em The Modern City: Planning in the 19th Century, p. 1. ——— Urbanismo 225 O mercantilismo se desenvolve apoiado pela expansio do capital comercial (capital derivado das trocas de bens) e do capital usurdrio (capital derivado da renumeragdo do proprio capital). Facilitou e incentivou a expansio do capital usurario 2 Reforma religioss iniciada por Lutero: a usura que era condenada pela Igreja passou a ser aceita pelos reformistas. O capital usuririo, através dos juros excessivos expropria ¢ enfraquece os pequenos produtores, geralmente artesdos, que nao tiveram outra alternativa sendo a de ingressar nas fébricas como assala- riados, como proletérios. Comeca a desenvolver-se uma incipiente industria manu- fatureira. A descoberta dos metais preciosos na América robusteceu o mercantilismo europeu do colonialismo. E de se notar que esse mercantilismo ainda nao é o regime capitalista, embora prepare o caminho para ele. As cidades continuam a aumentar sua importancia nesse periodo histérico, A cavalaria, suprema arma da Idade Média, perde terreno para a artilhariae a infantaria. Os canhdes tornam obsoletas as muralhas apenas defensivas. As cidades descem das colinas para as planicies e os tragados regulares dominam. As ruas passam a irradiar de uma praca central de onde os canh6es defendem, estrategica- mente, as entradas da cidade. A Renascenga artistica domina toda a Arquitetura ¢ a Arte Urbana se con- funde com o planejamento urbano. A Igreja ou catedral que na Idade Média nao ¢ isolada, regra geral, das demais construg0es, passa a ter destaque especial em grandes pragas ajardinadas. Fontes esculturais, est4tuas, colunas e obeliscos decoram as pragas. A arte urbana copia da arquitetura seu desenvolvimento classic, Em fins do século XVI a cidade passa a ser olhada, sobretudo como espago politico, como um centro de decisiio poderoso, de grande importincia estratégica. Dgsde 0 declinio do mundo classico helénico, apenas na Renascenga uma teoria urbanfstica 6 reformulada. A cidade é em alguns casos amuralhada, mas sua muralha ndo tem carater apenas defensivo como na Idade Média. E ao mesmo tempo ofensiva. Sob o aspecto doutrinal, as leis da perspectiva sfo regras de construgdo das vias e pragas, edificadas dentro de principios da mais rigida simetria e proporedo. As construgoes, de carater monumental, eram salientadas pelas perspectivas de ruas largas, confluindo para elas. Grandes pragas so projetadas, as vezes, fora da érea urbanizada, em apén- dice puramente decorativo. Em Roma, BERNINI projeta a famosa praca de Sao Pedro, ¢ sob Sisto V, Domenico Fontana projeta “la pit grande Roma”. Em Veneza, € construida a célebre praga de Sdo Marco, e em Paris surgem as pragas Real (hoje, de Vosges) e praca das Vitorias. Na Itélia ainda, se projeta a cidade de Pienza, é feita a ampliago de Ferrara ¢ a reforma de Vigevano, dentro do mais puro estilo renascentista. Até o Renascimento a arte dos jardins se resumia na apropriagfo pela cidade de espacos verdes naturais que eram cercados e domesticados, ou entio ie ae aceiccaatalaa eum emia iB 226 Célson Ferrari Urbanismo 227 no cultivo de reas verdes domésticas. Agora, 0s jardins se expandem em amplas pragas com desenhos geométricos, escalonados em diversos planos. Por suas dimens6es e grandes escadas ou rampas ndo se prestam ao passeio. E o jardim monumental para ser visto ¢ pouco usufrufdo. 4.2. A cidade barroca Na evolugdo histérica da arte, ao classicismo renascentista segue-se 0 estilo barroco. Barroca era a pérola defeituosa. Pejorativamente, chamou-se de barroca a arte que, negando 0 realismo classico das proporgées imutaveis ¢ normas rigidas de comunicagio, passou a valorizar-se com a contribuigdo espontinea do artista. A arte barroca é “aberta” na acepgi0 moderna que the di UMBERTO ECO, no sentido de ser dindmica, mutivel conforme 0 angulo de observagio, permitindo uma multiplicidade de significados. A cidade barroca é um espetdculo para os olhos. Em termos de Estética informacional, o barroco é de repertério mais rico possui um grau maior de informagdo que o estilo renascentista, O tragado das cidades barrocas em nada difere do das cidades olissicas a nfo ser na arquitetura urbana que de clissica passou a barroca, ganhando mais riqueza ¢ movimento com sua abertura. Continua a existir aquele mesmo monu- mentalismo classico das pragas e jardins e dos tracados rédio-concéntricos. A escala humana continua esquecida, no tragado urbano. Em Paris, surgem pragas, como as de Versalhes, Vendéme e Conc6rdia e as ruas de La Paix, de Castiglione, de Rivoli e des Pyramides; projeto de ANTOLINI para Milfo; na Alemanha surge Mannheim, Munique, Potsdam e Carlsruhe, principalmente. JOHN NASH, inspirado na rua de Rivoli-Paris, projeta para Londres a Regent Street, ligando Portland Place a Carlton House (1812-1819). Em Paris, os projetos de HAUSSMANN retomam ao classicismo, perdendo em substancia. O artificialismo geométrico dos jardins claéssicos se atenua com o retorno a natureza, preconizado por Milton (Paraiso Perdido) e Rousseau, dentre outros autores. Por volta dos anos 1700, 0 jardim classico comeca a tornar-se parque com arvoredo, cérregos e um propositado desalinho. Bons exemplos desses parques sio em Londres: Kensington, Green Park, Hyde Park, Batersea Park e Saint-James Park. E o jardim paisagista ecleticamente combinado com o clAssico. Todavia, a arquitetura da cidade barroca é retérica, nfo ¢ aberta como aparenta ser e perde-se em faceis efeitos de gosto kitsch. Sob 0 aspecto arqui- tetonico a cidade barroca tende para a aristocracia (grandiloqiiéncia de formas) enquanto & burguesa em seu aspecto socioecondmico, ant ead BR U4) , 4.3. A Revolugdo industrial: a cidade burguesa do capitalismo Os estudiosos da histéria econémica costumam situar a revolugao industrial entre os anos de 1760 e 1830, perfodo em que predominava ainda nas artes 0 neoclassicismo. A arquitetura neocléssica, renascentista, representa um rompi- ae a Figura 10.7 — Mannheim. Plano do século XVIII. 228 Célson Ferrari Urbanismo 229 mento da arte com a tecnologia pelo seu servilismo ao modelo classico, em desres- peito até a funcionalidade do elemento estrutural (Colunatas sem sentido, cornijas desnecessdrias, timpanos que nao ocultam telhados, etc.). A pratica construtiva se desloca da arquitetura para a engenharia. A técnica sobrepde-se a arte, Em fins do século XVIII ¢ inicio do século XIX, surge a Idade da Maquina, caracterizada por algumas descobertas importantes: WATT desenvolte a maquina de vapor entre 1765 e 1774; RICHARD ARKWRIGHT em 1785 difunde 0 uso do tear mecinico, inventado, em 1770, por HARGREAVES, para o fio de algodao; em 1784, GUILHERME MURDOCH constréi a primeira locomotiva de vapor ainda rudimentar; VOLTA, em 1800, inventa a pilha elétrica; em 1825 uma méquina de vapor transporta 50 toneladas de carvéo pela estrada Stokton-Darlington’; em 1825 é inventado o eletroima; em 1828, VICAT descobre 0 cimento; em 1829, a locomotiva “Rocket” de STEPHENSON, percorre 0 trecho Liverpool-Londres; FARADAY, em 1831, constréi o primeiro dinamo e FOURNEYRON inventa a turbina hidrdulica; em 1832 6 construfda a primeira ferrovia francesa ligando Lyon a Saint-Etienne; em 1856, é inventado o conversor Bessemer para a fabricagdo de ago; em 1859 a American Drake extrai petréleo do subsolo de Titusville-Pensilvania; em 1860 € construido por LENOIR © primeiro motor de explogao de gis; em 1865 surge © motor de gasolina; em 1866, 0 engenheiro SIEMENS constréi o primeiro dinamo industrial; EDISON instala a primeira central térmica, em 1882; e muitas outras invengdes e descobertas nos campos das engenharias mecanica ¢ elétrica. \ LL ( Seti x / AN Yes h { ess ‘C8 a ok K JIN ATTN A idade da maquina favoreceu o aparecimento do industrialismo e do capitalismo. Sdo condigdes fundamentais para o aparecimento do capitalismo a exis- téncia de: » a) Capital usuririo © comercial. b) Mao-de-obra assalariada abundante. c) Mercado consumidor. Com 0 aparecimento da fiagdo e tecelagem mecanicas ¢ o conseqiiente apa- recimento das fabricas, grande ntimero de artesdos fiadores e teceldes que tinha seus oficios em seus lares, fica desempregado. Com essa abundancia de mao-de-obra, com um grande capital comercial e usurdrio acumulado. através da economia mercantilista ¢ com um amplo mercado consumidor dado por suas colénias, alguns paises da Europa, principalmente a Inglaterra ¢ Franga, deram origem ao sistema capitalista baseado nas livres forcas do mercado (liberalismo econdmico do “laissez-faire”). 200 300 400 S00 Figura 10.8 — Carisruhe. Piano de 1715. Cidade construida. 5 Em 1853, por iniciativa do Bardo de Maué, foi inaugurada no Brasil o 19 trecho da antiga Estrada de Ferro Central do Brasil. \ IFFT 230 Célson Ferrari As cidades comegariam a crescer explosivamente, As industrias localizam-se na cidade, a fim de aproveitar a proximidade da mao-de-obra ¢ do mercado con- sumidor ¢ a “urbe” passou a ser centro de produgdo, em carater prioritério, pela primeira vez na Historia. Todas essas mudangas constituem o que se convencionou chamar de Revolugo Industrial, que ¢ um fendmeno socioldgico complexo. A cidade, como local de produgao e comércio, se divide em diferentes zonas carac- terizadas por atividades funcionais predominantes. Assim & que surgem as zonas industriais, comerciais, residéncias de baixo, médio e alto padrio, etc., refletindo a injustiga das classes sociais. A dicotomia produgfo-consumo origina na cidade dois grupos antagonicos: trabalhadores residindo em cortigos, favelas centrais ou petiféricas e proprietirios dos meios de produgdo (burgueses) em bairros resi- denciais. Em 1800, no inicio da Revolugdo Industrial, contavam-se apenas 20 cidades de mais de 100.000 habitantes e nenhuma cidade que atingisse 1.000.000 de habitantes; e apenas 1,7% da populacdo mundial era urbana; em 1850, jé existiam 4 cidades com 1,000,000 ou mais de habitantes; em 1900 esse niimero subiu para 19. Entre 1950 ¢ 1960 constatou-se que existiam: 141 cidades com mais de 1.000.000 de habitantes; 12 cidades entre 5 e 10 milhGes de habitantes; 1.460 cidades com mais de 100.000 habitantes; 3 cidades com mais de 10 milhdes de habitantes ¢ 13% da populago mundial era urbana, em 1950. No Brasil, a populagdo total cresceu de 1950 a 1960 de 17,8% ¢ sua popu- Jago urbana cresceu de 70,2%; de 1960 a 1970 a populacao total cresceu de 31,2% e a urbana de 62,9%. TABELA 10.1: DISTRIBUIGAO INTERCONTINENTAL DAS GRANDES Cl- DADES. Cidades com mais | Cidades com mais | Cidades com mais Continente de 1 milhio de de 2 mithées de de 5 mithbes de | habitantes habitantes habitantes Américas 45 364% | 19 40,4% 5 50% ia \« 344% | 16 34,1% 2 20% Europa + URSS | 33 25.9% 9 19,1% 3 30% Africa 4 22% 1 2.1% - - Oceania 2 11% 2 4,3% - - TOTAL 127 100% 47 100% 10 100% L FONTE: Anuério Demogratico das Nacdes Unidas, 1967. ~ Urbanismo 231 TABELA 10.2: RELAGAO DAS MAIS POPULOSAS CIDADES DO MUNDO. Cidades Populate 18) Xangai 10,820,000 hab, 23) Téquio 8.678.642 hab. 38) Cidade do México 8.591.750 hab. 42) Nova lorque 7,894,862 hab, 88) Pequim 7.570.000 hab, 68) Moscou 7.528.000 hab, 73) Sfio Paulo 7.198.608 hab, 88) Londres 7.167.600 hab, 98) Caicuts 7.031.382 hab, 108) Bombaim 5.970.575 hab. FONTES; The Europe Year Book — 1976 ¢ Almanaque Abril 1977 Obs.: As dreas metropolitanas no estio compreendidas nesta Tabela. A populacdo urbana mundial esté crescendo a razdo de 6,5% ao ano, o que quer dizer que cla dobrard em apenas 11 anos. No Brasil, a taxa anual de cresci- mento urbano foi de 5,2% na década de 60, muito embora suas cidades médias de 100,000 a 250,000 hab. no mesmo perfodo, crescessem a razo de 9,7%! Houve um crescimento maior das cidades em detrimento da populagao rural. Nunca as cidades cresceram tanto como sob o regime capitalista de produgao. TABELA 10.3; PERCENTUAL DE POPULAGAO URBANA DE ALGUNS PAISES, EM 1960. 50,7% 45,1%° © Isto, adotando-se o critério de consideraur como populagdo urbana, todas as pessoas que habitam as sedes de municipios ¢ distritos. Pelo critério da ONU, que s6 considera urbana a populagio de nicleos de 20.000 ou mais habitantes, a taxa do Brasil seria de 29% uproxt ‘madamente. — 232 Célson Ferrari De 1830 a 1900, Londres passou de 2 milhées para 4 milhGes de habitantes. Paris, no mesmo perfodo, passou de 1 milhgo para pouco mais de 2 milhoes de habitantes. Berlim, do inicio do século XIX até 1890, teve sua populacdo aumen- tada de 150.000 para 1.300.000. O saneamento basico passou a preocupar os governos porque cidades inteiras foram atingidas por violentas epidemias. © industrialismo ja existia antes da revolugdo industrial, na Europa, mas a urbanizagio foi incrementada pela fabrica. Diversas pessoas jé se preocupavam com 0s problemas urbanos criados pelo industrialismo, e alguns como FRANCOIS FOURIER, escreveram livros sobre 0 assunto, O Nove Mundo Industrial e Societdrio foi escrito por FOURIER, em 1829, tendo criado uma habitagao do tipo comunal a que denominou: o falanstério. A residéncia seria proxima a fabrica. Haveria “créches” para a guarda das criangas. Quando ele escreveu sua obra, KARL MARX ¢ ENGELS nao haviam ainda estruturado o socialismo cientffico. Era um socia- lismo utopico.” ROBERT OWEN, em 1813, escreveu Uma Nova Visdo da Sociedade; JAMES SILK BUKINGHAM, em 1849, publicou: Males Nacionais e Remédios Praticos onde defendia a idéia de que as cidades deveriam ser compartimentadas segundo as classes sociais. Além desses, literatos (BALZAC, ZOLA, DICKENS, etc.) fild- sofos (COMTE, ENGELS, MARX), sociélogos (LE PAY, DURKHEIM), gedgrafos (VIDAL DE LA BLACHE, BRUNHELS, RATZEL, MARTONE), arquitetos e os proprios papas cuidam de resolver os problemas criados pelo capitalismo e que se manifestam nas cidades capitalistas, com veeméncia, através de crescente urbanizagao. Os problemas urbanos comegaram a preocupar os governos ensejando o aparecimento das primeiras leis urbanisticas: O governo grego, em 1835, fixa normas urbanisticas para o projeto ¢ implan- ago de novas cidades e vilas, determinando que as cidades devem ser concebidas segundo um esquema ortogonal e as vilas conforme um tragado circular ou quadrado com as habitagGes locadas a0 redor dos edificios piblicos. Em conse- qiéncia dessa determinagdo governamental foram fundadas: Nova Esparta, Nova Corinto ¢ Nova Tebas, Na Itélia, em 1865, ¢ claborada uma legislagdo urbanistica sobre saneamento, comunicacao e estética da cidade. Surgiu em 1874 na Suécia uma lei urbanistica: Preceituava que toda a cidade de mais de 10.000 habitantes deveria elaborar seu plano de expansao. Prissia (1875), Holanda (1901), Inglaterra (1909), Franca (1919), etc., seguem o exemplo da Suécia, elaborando leis urbanisticas semelhantes. 7 Os adeptos de FOURIER, nos Estados Unidos, fundaram muitos falanstérios, tendo sido © de BROOK FARM o mais conhecide. No Brasil, cerea de 200 colonos curopeus fundaram um falanstério em Sai, municfpio de Sio Francisco, Santa Catarina, segundo citagdo de GILBERTO FREYRE em “Um engemheiro francés no Brasil”, p. 369. i (Eee Urbanismo 233 Qs termos “urbanizagao”, “urbanismo”’, com a acepgdo de planejamento urbano foram formulados pela primeira vez na segunda metade do século passado. Parece que quem se utilizou pela primeira vez do termo “Urbanizagao” foi ILDE- FONSO CERDA, em 1867, em sua obra pioneira: Teoria Geral da Urbanizagao. Empregou-o para explicar a organizagao das cidades resultantes da revolucao indus. trial, em seu sentido sociolgico atual, de forma surpreendentemente antecipadora. Com a revolugao industrial surge o urbanismo moderno, Como a cidade moderna é filha do capitalismo, 6 conseqiiéncia do regime vigente, todos os seus males derivam desse regime econdmico, dizem os urbanistas marxistas, chamando de idedlogos aos que pretendem resolver os problemas urbanos sem mudar, primeiramente, o regime politico.* No entretanto, o urba- nismo russo padece dos mesmos males, nada tendo criado de original até agora. Seria a critica improcedente ou néo teria o socialismo russo atingido os verdadeiros objetivos do socialismo? O urbanismo moderno comegou com as teorias de: ARTURO SORIA Y MATA — 1882 com sua cidade linear; CAMILO SITTE — 1889, preocupado com a estética urbana; EBENEZER HOWARD — 1898 — criador da cidade jardim; TONY GARNIER — 1901 — com sua cidade industrial; PATRICK GEDDES — 1915 — e suas originais concepgées tedricas. Depois desse perfodo inicial da teoria urbanistica, utopica em alguns casos, surgiu LE CORBUSIER com o chamado Urbanismo racionalista. 0 homem passa a ser uma unidade estatistica considerando-se, sobretudo, os aspectos quantitativos do urbanismo. Defende LE CORBUSIER as grandes densidades demograficas, sob © aspecto econdmico, altamente aceitéveis. E o apologista incondicional do arranha-céu, da maquina de morar. BRUNO ZEVI, renomado critico de arte italiano, escreveu que o raciona- lismo de LE CORBUSIER € a predominancia do absurdo-légico querendo significar que suas concepgdes, ousadas até ao absurdo, eram légicas. Parece-nos que a qualificagao de “racionalista” dada ao urbanismo € redundante ou pejorativa. Contra © racionalismo de LE CORBUSIER, surgiram, na opinido de BRUNO ZEVI: a) O Equivoco Russo, que é uma volta ao classicismo; pragas e avenidas monumentais, colunatas nos edificios, ete. 4) A “Retérica monumental nazi-fascista” (Alemanha). O nazismo e 0 fascismo precisando de promogdo tentavam obté-la através de obras monumentais. ©) O urbanismo organico, representado pelos americanos e escandinavos, através dos arquitetos FRANK LLOYD WRIGHT e ALVAR AALTO, americano ® Leia-se sobre 0 assunto, Miséria de la ldeologia Urbanistica de FERNANDO RAMON. 234 Célson Ferrari © escandinavo, respectivamente. Cogitou-se de dar a cidade, a estrutura de um organismo vivo: multicelular, polinucleada. A semelhanga de um organismo, que tem Orgios diferengados, procurou-se organizar os nicleos urbanos de forma escalonada atribuindo-se as fungdes urbanas o papel de criar as formas urbanas, Essa similitude, contudo, ndo deve ser confundida com igualdade, pois, a cidade no & um ser vivo, a ndo ser figuradamente. No planejamento de uma cidade organica, j4 se chegou a extremos de assemelhé-la a uma Arvore, estruturalmente, © que levou C. ALEXANDER a contestar essa organicidade escrevendo conhecida obra de andlise e critica intitulada: The City is not a Tree. Finalmente surge 0 urbanismo contempordneo, sintese do organico e do racional, representado, predominantemente, pelos ingleses. BRUNO ZEVI escreveu: “O plano de Londres de 1944 sintetiza 100 anos de urbanismo europeu”. ‘As “New towns” inglesas representam, em alguns casos, essa sintese ou, na pior das hipéteses, a luta em busca da sintese. O projeto de “HOOK” — New Town Industrial — ¢ um dos mais significativos dos iltimos anos. As “new towns” foram construidas a partir do “New Towns Act" editado em 1946 pelo governo inglés, visando a descentralizagdo industrial ¢ urbana de Londres. 44. Os préceres do urbanismo contemporineo 44,1. ARTURO SORIA Y MATA, espanhol, republican, conspirador, espirito ilustrado ¢ irriquieto, em 1882 e 1883, através de uma série de artigos publicados no jornal madrilenho “El Progresso”, defendeu a idéia de que a raiz de todos os males da época residia na forma das cidades. Dizia ARTURO SORIA, Y MATA: “Que pede, o que reclama imperiosamente a vida urbana? Terreno barato & comunicagdes ripidas, fregiientes e econdmicas. Pois bem, a estas premissas conduz, logicamente, a cidade linear que delinearemos uma vez mais: Uma s6 rua de 500m de largura e de comprimento que fosse necessirio, entenda-se bem, do comprimento que fosse necessério, tal serd a cidade do futuro, cujos extremos podem ser Cadiz e Sao Petersburgo, ou Pequim e Bruxelas. Coloquem-se ao centro desta imensa rua, ferrovias e-rodovias, tubulagdes para agua, gas e cletricidade, piscinas, jardins e de trecho em trecho pequenos edificios para os diferentes servigos munieipais de incéndio, de satide, seguranga e outros, e ficario resolvidos ao mesmo tempo quase todos os complexos problemas que engendra a vida’urbana de grandes massas populacionais” ARTURO SORIA Y MATA, genial criador da cidade linear, deixou-nos uma série de principios urbanisticos ainda perfeitamente vilidos. Exemplos: “Do problema da locomogao derivam-se todos os demais da urbanizagio” ou “A forma das cidades é o resultado fatal da estrutura da sociedade que as ocupa” ou “Onde ndo vive uma arvore tampouco pode viver um ser humano”. (Miséria de ta Ideologia Urbanistica, F. RAMON). a Crm) i TOTO = i al 3" Urbanismo 235 Figura 10.9 — Esquema teérico da idéia de Arturo Soria y Mata. Ke ts 236 © Célson Ferrari SORIA Y MATA combate a cidade circular, com os seguintes argumentos principais: a) Terrenos centrais, muito caros (procura muitissimo maior que a oferta). b) Congestionamento no centro da cidade. c) Marginalizagdo da populagdo periférica, principalmente. Na cidade linear tais inconvenientes nao se verificam porque: @) Quando ha crescimento da cidade, a avenida central pode-se alongar indefinidamente. b) A oferta de terrenos na area central, sendo praticamente ilimitada mantém © equilibrio oferta-procura, ¢ impede a especulago imobilidria. Os terrenos das zonas residenciais teriam uma uniformidade de prego. Além disso, as comunicagGes entre os diferentes pontos da cidade so ficeis ¢ ripidas, © urbanismo moderno adota a estrutura linear, nao com as dimensdes e fungdes de ARTURO SORIA Y MATA, mas com a estrutura dele. Substitui o eixo Iongitudinal, monumental, por uma “trama linear” ou “tama direcional”, como propée DOXIADIS 4.4.2, CAMILO SITTE, arquiteto austriaco, que nos deixou sua mensagem em um livro famoso “Construgdo de cidades segundo principios artisticos” (1889), preocupava-se com o desaparecimento da vida civica e formas artisticas das cidades, Estudou a fungdo e distribuigao das pragas publicas, fazendo com que a mesma voltasse a ser um Centro Civico urbano. Era um esteta urbano, ndo um planejador. Era o antiurbanista até. Inculpa-se 0 automével, de ter feito desaparecer as pragas, os locais de reunido ¢ os passeios pedestres e, conseqiientemente, de ter causado o desapareci- mento da vida comunitiria e efviea. Mas, a época de SITTE 0 automével nao existia. A causa no seria mais profunda? Nossos sistemas de producdo ¢ consumo no seriam os responsiveis? E um problema em debate e de diffeil solucao. Dizia CAMILO SITTE: “As obras de arte nao podem criar-se por comissGes nem escritorios, se no individualmente, e 0 plano da cidade, que tem por dever produzir um efeito artistico, é uma de tantas” Mas, acontece que o plano de uma cidade é muito mais do que uma obra de arte: € uma obra cientifica também, enquanto produto de uma integragdo multidisciplinar. Alguns arquitetos, numa desculpavel atitude de defesa de sua categoria profissional, valorizam o instante “magico” da criagdo artistica no processo de planejamento integrado sem, contudo, assumirem, até suas dltimas i i eee Urbanismo 237 conseqiiéncias, as responsabilidades dessa conceituago que seria a de negar 0 proprio processo de planejamento, como o fez CAMILO SITTE, coerentemente: “As obras de arte ndo podem criar-se sendo individualmente. ..” Acontece que a criagdo artistica existe, inegavelmente, no planejamento integrado urbano ¢ se manifesta na Arquitetura urbana que é parte do planejamento e no todo o plane- jamento. . . Por intuigdo artistica ndo se cria uma estrutura urbana, consubstanciada num zoneamento de usos do solo e num sistema vidrio, através de um processo de planejamento completo que compreende pesquisas, andlise da pesquisa, diagnose € prognose, por meio de elaboragdo de matrizes de mudangas do sistema, modelos parciais ou totais e técnicas aprimoradas de avaliagdo e controle. Referindo-se as cidades romanas, construidas pelo povo dizia o arquiteto SITTE: “Assim, pois, ndo era causalidade, sendo a grande tradigdo de arte viva em todo um povo, a que produzia, aparentemente sem planos, as dispo- sigdes urbanas. O mesmo ocorria na Idade Média e no Renascimento”. E o antiurbanista que fala. Absurdo que todo um poyo tenha uma tradicdo de arte, capaz de orienté-lo na construgéo de cidades, quando se sabe que essa tradi¢’o sempre foi um privilégio das elites. As cidades, ou cresciam naturalmente, construindo-se nelas edificios, monumentos e pragas de seus artistas, ou eram, realmente, planejadas, 4.4.3. EBENEZER HOWARD, taquigrafo do Parlamento Britanico, em 1889, publicou: Tomorrow: a Peaceful Path to Real Reform que, em 1902 foi reeditado com o titulo: Garden Cities of Tomorrow. Embora tenha conseguido que apenas duas cidades na Inglaterra, Letchworth e Welwyn, fossem planejadas,segundo sua concepgdo quase todos os bairros das Gidades, habitados por gente de renda mais alta, passaram a ser “cidades jardins”, ainda que falsamente, de um modo geral. Em seu livro, HOWARD propée a compra de 2.400 ha: 400 ha seriam espago urbano, ¢ 2,000 ha seriam espaco agricola, a0 redor da cidade. HOWARD chamou a esse espaco agricola, “cinturdo agricola” nao tendo jamais o chamado de “cinturdo verde” ou green belt como tornou-se conhecido mais tarde. A tera pertence 4 comunidade ou ao Municipio, o que elimina a especu- lago imobilidria. A planta da cidade compde-se de uma praga circular central, algumas ruas concéntricas & praca e algumas ruas radials. A cada anel de casas segue-se outro ocupado por jardins ¢ assim sucessivamente. A natureza deve estar sempre presente na cidade. A essa estrutura corresponde uma populacio de 32.000 habitantes, aproximadamente As casas so de dois pavimentos, geminadas de 6 a 8 unidades. As ruas tém 32 metros de largura. Urbanismo 239 238 Célson Ferrari LS ye UX + aN z aN JARDIM HOWARD A CIDADE - OE cE. Plane) Figura 10.10 — Trés diagramas da cidade-jardim de Howard. — 240 Célson Ferrari ARTURO SORIA Y MATA fez uma critica correta 4 cidade jardim de HOWARD na revista “La Ciudad Lineal” de 20 de setembro de 1904, em artigo transcrito por FERNANDO DE TERAN em seu livro: La Ciudad Lineal: Antece- dente de um Urbanismo Actual.? 4.4.4. TONY GARNIER, arquiteto francés de Lyon, projetou entre 1901 ¢ 1904 uma cidade industrial com caracteristicas lineares. Sua “Cité Industrielle” destinava-se a abrigar 35.000 habitantes — O projeto compreende duas grandes dreas: uma residencial ¢ outra industrial, separadas por uma zona verde SANATORIOS & ABLE SE RebSsno C, nem nesoencint Eecorns no teen Figura 10.11 — A cidade industrial de Garnier. 4.4.5. PATRICK GEDDES Em 1910, um pouco antes da 12 Grande Guerra Mundial, na Escécia, PATRICK GEDDES, cientista de multiplas especia- lizagdes, naturalista, sociélogo, sexdlogo, ete. anuncia que uma nova ordem Se aproxima: a ordem neotécnica, sucedendo a ordem paleotécnica entdo predo- minante. Segundo ele: ” TERAN, FERNANDO La Citadad Lineal: Antecedente de un Urbanismo Actual. Madrid: Editorial Ciencia Nueva — 1968, p. 78. i Nhe Urbanismo 241 “Uma nova era industrial se abre. Tal e como na Idade da Pedra, distin: guimos hoje dois perfodos, o Paleolitico ¢ o Neolitico, na era Industrial, € necessdrio diferengar duas fases, a Paletotécnica ¢ a Neotécnica”. E prossegue, explicitando a posiggo do trabalhador em cada uma dessas ordens: “Sob a forma paleotécnica, 0 trabalhador dirigido como esta, como todos nos, por sua educagio tradicional, ao salério monetario, em vez de ao orga. mento virtual, ndo tem tido uma casa adequada, nem mesmo aquilo que Poderia qualificar-se como uma casa decente, Mas, quando a ordem. neotécnica chegar. . . 0 trabalhador construird sua vivenda ¢ se pord a planejar a cidade, 4 projetar seu centro civico, tudo semethante sendo superior a das glorias passadas da historia”. Escreveu em 1915, um livro: Evolug@o das Cidades, republicado em 1949 com 0 titulo: Cidades em Evolugdio — (Cities in Evolution), que passou a set muito conhecido depois da divulgagfo que the deu seu discipulo LEWIS MUMFORD. Nesta obra expoe algumas teorias sobre a cidade e seus problemas, ressaltando, sobretudo, 0 cardter politico dos mesmos, GEDDES, pela primeira vez, chamou a atencdo para a importancia dos aspectos sociais do planejamento regional e urbano e ensinou que todo planeja- mento deve se basear em pesquisas. 4.4.6. CHARLES EDOUARD JEANNERET (LE CORBUSIER) — LE CORBUSIER era um fascinado pela cidade grande, pelo dominio dos arranha-céus: “Grandes cidades, células ardentes do mundo: delas surge a paz ou a guerra, @ abundancia ou a miséria, a gloria, 0 espirito triunfante ou a beleza. A grande ddade expressa as poténcias do homem: as casas, que obrigam um ardor ativo, elevam-se em uma ordem insigne”. Imaginou uma cidade de 3 milhdes de habitantes. Vinte ¢ quatro arranha-céus centrais de 60 andares com 10,000 a 50.000 empregados cada um: negocios, hotéis, escritorios, ete. Viveriam neste centro de 400.000 a 600.000 habitantes. Rodeando 0 centro mais 600.000 habitantes. Longe: a industria. Os trabalhadores vivendo em cidadesjardins de 2.000.000 de habitantes ou mais. E preciso dis- tanciar os sublirbios. Escreveu: “Penso pois, com toda frialdade, que devemos aceitar a idéia de demolir o centro das grandes cidades e reconstrui-lo e que é necessdrio suprimir 0 cinturdo piolhento dos arrabaldes. ..” Sua cidade € segregacionista. Criticado por esta atitude pouco demoeritica, escreveu: “Muito me cuidei de nao sair do terreno técnico, Sou arquiteto e nao me obrigarfo a fazer politica” . . .afirmando que pretendia apenas dar uma ordem a uma situagdo de fato, a uma sociedade cristalizada em classes. — 242° Célson Ferrari Baseou 0 urbanismo modemo em quatro postulados concisos, fundamentais:'® 19) Descongestionar © centro das cidades para fazer face as exigencias da circulagio. 2°) Aumentar a densidade do centro das cidades para realizar 0 contato exigido pelos negécios. 3°) Aumentar os meios de circulagdo, ou seja, modificar completamente a concepgdo atual da rua que se encontra sem efeito diante do fendmeno novo dos meios modemos de transportes: metrés ou automéveis, avides, trens, etc. 4°) Aumentar as superficies plantadas, tnica maneira de assegurar a higiene suficiente ¢ a calma Util 2o trabalho atento exigido pelo novo sistema dos negécios”. Aparentemente paradoxais, esses postulados so coerentes entre sic de inquestiondvel racionalidade. Esquema preconizado para a cidade contemporanea de LE CORBUSIE! Ch ccioaves- varpim) 2: AREAS NAO URBANIZADAS, Cs 24 ARRANHA- CEUS Figura 10.12 ~ A cidade contemporinea de Le Corbusier A — cidades jardins — 2,000,000 habitantes, B — terrenos livres — no urbanizados. © — cidade, composta de 3 reténgulos concéntricos: no mais central hd mais de 24 arranha-céus com uma densidade demogréfica bruta de 3.000 habitantes/he (400,000 ‘@ 600,000 habitantes comércio, hotéis, negécios, jardins, parques, etc, com 95% de superficie plantada); a0 redor de zona central seguese uma zona residencial luxuosa com densidade de 300 hab/ha bom 85% de superficie plantada (lotes fechados, murados). Nas zonas residenciais viveriam 600.000 habitantes. Not éroas 8 situam-se © aeroporto, dreas industriais, hipédromo, universidade, servigos publicos, etc. Nas zonas residenciais as superquadras medem 400 X 200m ou 600 x 400m, diminuindo-se assim o numero de cruzamentos @ a rea de russ, 4.5. Evolugdo urbana em alguns patses 4.5.1. Russia — Em 1930 houve, entre os urbanistas russos, ampla discussio entre duas teorias: a da desurbanizagdo linear e a da urbanizacdo funcional. © LE CORBUSIER, Urbanisme, Editions Vicent, Paris: P. 92. Fréal & Cia., nova edigio, 1966, ee Urbanismo 243 2) “Acabar com antagonismo entre a cidade e 0 campo é uma das primeiras condigOes para a coletivizagao” dizia KARL MARX. Para acabar com 0 antago- nismo propos-se a redugio da cidade a uma faixa estreita ao longo das estradas © Nios. Era”a desurbanizacao linear do pais — uma ideologia negativista ¢ sem sentido, defendida por MILIUTIN e outros. LE CORBUSIER em carta dirigida ao urbanista russo MOISE GINZBURG, diz entre outras coisas: “O desurbanismo é uma interpretacao mistificada de um Principio de LENIN. LENIN disse: se se quer salvar 0 camponés é necessério Figura 10.13 — Desurbanizagio linear. Diagrama de Hilberseiner. CE eh ae 244 © Célson Ferrari transportar a indtistria ds aldeias; no disse: se se quer salvar ao cidadao... ‘A vida em coletividade fornece a produgio industrial e intelectual. A dispersdo obstaculiza 0 desenvolvimento espiritual e debilita os reflexos da disciplina material e intelectual... 0 homem aspira & urbanizagdo. Um dos projetos de desurbanizagio de Moscou propde cabanas de palhas no bosque. Espléndida idéia! Mas s6 para o Week-end”." ENGELS escreveu: “A separagao entre cidade e campo condenou a popu- lagdo rural a milénios de atraso e a populagdo urbana A escravidio do trabalho assalariado. Destruiu a possibilidade de qualquer desenvolvimento cultural na primeira e de qualquer desenvolvimento fisico na segunda”.’ b) Urbanizagao funcional que consistia na substituigao das grandes cidades ¢ das aldeias, por um maior niimero de cidades industriais e agricolas de 40.000 2 50.000 habitantes’ onde © consumo seria inteiramente coletivizado. A casa familiar seria substituida pela casa comunitéria, com capacidade para 4,000 pessoas ou mais. As criangas seriam cuidadas em creches e locais apropriados. Urbanizar climinando-se as grandes cidades era evidentemente, diminuir 0 ritmo de desen- volvimento do Pafs. Defendia essa tese os “urbanistas” dirigidos pro SABSOVITCH. ‘Ambas as teorias foram consideradas desviacionistas pelos dirigentes russos, assim como a alternativa de LE CORBUSIER representada pela Ville Radiewse de 1933. O Instituto de Planificagdo Urbana entregou o projeto de suas cidades a arquitetos russos e estrangeiros. Assim, a cidade jardim foi aceita. As cidades- -satélites foram empregadas para resolver o problema de descentralizagao e expansio. Aceitando a sugestdo dos “urbanizadores” a agricultura foi considerada uma fungdo urbana, tanto quanto a industria. Procurou-se nio eliminar a cidade, mas transformar o campo de modo a acabar a dicotomia campo-cidade. O campo deveré urbanizar-se pela criagdo de cidades-agricolas, com industrializagio da populagéo agricola. Procurase a nitida separago entre a zona residencial ¢ a industrial. A atividade comercial foi centralizada e passou a ocupar ‘reas reduzidas nas cidades. Uma cidade passoua ser um organismo polinucleado, policéntrico, de distritos iguais projetados para uma massa indiferencada de habitantes. No centro ficam os principais 6rgdos administrativos, as mais altas instituigdes sociais ¢ culturais © os grandes armazéns. Os distritos residenciais abrigam de 2.000 a 6.000 pessoas possuem: jardim de infancia, restaurante, creches, armazéns, casa de socorro, etc. Correspondem, aproximadamente ao escalio “unidade residencial” do escalona- mento urbano organico norte-americano. As escolas primarias, servem ao mesmo tempo a mais de um distrito e esto situadas nas dreas verdes que as scparam. 1 Citagdo de P.CECCARELLI in La Construccion de ta Ciudad Soviética, pp. 81 ¢ 82. 12 p. CECCARELLI, idem, p. 84. Urbanismo 245 Esse conjunto de distritos servidos por uma escola primaria juipam comunitarios (clube, centro de saide, corteio, oe) sadeeiae (8.000% 12.000 habitantes) e corresponde a ‘wnidade de vizinhanga” do see norte-americano. Os espacos verdes formam uma rede continua através da cidade A publicagdo da ONU, Urbanization: Development Policies and Planning informa, diferentemente, que os microdistritos residenciais das cidades russas abrigam de 8.000 a 12.000 habitantes e que alguns microdistritos formam um distrito residencial de 25.000 a 50.000 habitantes. Um dos maiores urbanistas mussos, N. A. MILIUTIN, 0 N. AL , propos o seguinte esquema linear para as novas cidades russas: fe = Fig. 10.14 — Dingramas lineares de Magnitogorsk e $ talingrado (hoje Volvogrado). NOTA: Os equipamentos recreativos € desportivos se localizam nas dreas verdes. O equipa- mento escolar nas éreas resicenciais. 246 Céison Ferrari © projeto de MILIUTIN satisfaz a tarefa principal do planejamento dos diferentes centros de habitagdo que € a de distribuir, de forma a mais racional, as fungOes fundamentais da cidade socialista: a produtiva ¢ a residencial. Um pouco de histéria da evolugdo urbana na Riissia: Parece que as primeiras cidades russas encontradas j4 nos séculos XI ¢ X, foram fundadas pelos eslavos, Ptincipalmente, a0 longo das vias fluviais Dnieper-Volkhoy ¢ alto Volga. Em fins do século IX ¢ comego de século X 0 feudalismo se estabeleceu como um sistema social. As cidades russas dos séculos XI ¢ XIII eram centros administrativos onde havia divisio de trabalho e uma separagdo das atividades comerciais ¢ industriais das agricolas. As maiores cidades desses perfodos desenvolveram-se em regides de maior desenvolvimento agricola: regio de Kiev, de Galich-Volyn, de Polotsk- Smolensk, de Rostov-Suzdal e de Ryazan, Essas reas eram separadas por regides de vastas florestas ¢ pantanos. Se 0 comércio no criou cidades, é certo que Proporcionou © crescimento das mesmas. A agricultura, o artesanato ¢ as relagdes feudais de trabalho é que deram origem as cidades russas. No século XIII, GENGIS KHAN domina 0 ducado de Kiev. Nos séculos XIV e XV as cidades russas sao destruidas pelos tartaros, apesar de serem fortificadas como as cidades do Oeste Europeu. Em contraste com as cidades medievais da Europa Ocidental, muitas das cidades russas possufam forti- ficagdes de madeira. O mercado (torg ou torgovishche) era o centro cfivico da cidade e se situava usualmente, ao lado do rio, em posigéo nao central da cidade, levando-se em conta os fatores geogrificos. Note-se a semelhanga dessa localizagao © fungao cfvica do mercado com as das cidades gregas. Geralmente, a praga do mercado continha uma ou mais igrejas. As cidades eram, geralmente, construfdas de madeira, em virtude de seu prolongado ¢ intenso inverno. Kiev, chamada a “mie das cidades russas” e sua regio formaram o primitivo territério russo (hoje Ucrinia). Em 1169 a hegemonia de Kicy € substituida pela de Novgorod. Moscou comega sua ascensdo a partir de 1326. Ivan III impée a supremacia de Moscou sobre os reinos vizinhos (1462-1505). Ivan, o terrivel (1523-1584) consolida 0 Império Russo ¢ adota o titulo de czar. NICOLAU I (1894-1917) foi 0 dltimo czar derrotado pela revolugao socialista de novembro de 1917 que leva & formagio da U.R.S.S.: Unido das Repiblicas Socialistas Soviéticas. Entre 1917 e 1965 mais de 900 novas cidades foram criadas na Riissia. De 1917 até comegos da década de 30 a Riissia foi um pais de economia, predo- minantemente agricola. Em 1928 teve inicio o primeiro Plano Qiinqienal com duas metas prioritérias: desenvolvimento da inddstria pesada e criago de novas zonas industriais nas regiGes orientais, menos desenvolvidas. Seguiram-se outros planos qiiingiienais ¢ a URSS experimenta uma notavel urbanizacdo. A populagio nee cresceu 33% de 1926 a 1938 enquanto que a populacio total aumentou le 18%. Urbanismo 247 4.5.2. Inglaterra A revolugao industrial alcangou na Inglaterra sua maior intensidade na primeira metade do século XIX. Uma série de importantes invengdes, iniciadas na segunda metade do século XVIII, encontraram no grande capital usurario acurnulado na Inglaterra, por forga de seu mercantilismo altamente desenvolvido, condigdes de se implantarem. A maquina de fiar (1765), @ méquina de vapor (1782), a miquina de tecer de CARTWRIGHT (1785), a locomotiva, 0 navio a vapor € outros inventos criaram o industrialismo moderno ¢ o proletariado. A produgdo de ferro, na Inglaterra, que em 1740 era de 17,000 t. passou a ser de 2.000.000 t. em 1850; 0 niimero de teares movidos a vapor (10.000 em 1823) atingiu em 1855, a 400.000.'? Estradas de rodagem, de ferro, canais so construidos. Ao lado de todo esse desenvolvimento, as cidades comegaram a crescer de forma galopante. (Tabela 10.4). TABELA 10.4: CRESCIMENTO DAS CIDADES INGLESAS NO INICIO DO SECULO XIX. Cidade 1801 1841 Liverpool! 82.000 hab. 299.000 hab. Manchester 75.000 hab. 262.000 hab, Birminghan 71.000 hab. 202,000 hab. Bradford I 13.000 heb. 67.000 hab. FONTE: DAWSON, Keith The Industria/ Revolution Pan Books, 1972, p. 16. agravamento do nivel de vida e das condiyées de higiene das cidades atingiu seu ponto eritico em meados do século pasado. Epidemias diversas assolaram o pafs."* Surgiram por essa época as primeiras leis sanitarias e de sade piblica: Towns Improvement Act (1847) e Public Health Act (1848). Em 1875 surge 0 Public Health Act do qual resultou o modelo de planejamento tipico das cidades do norte, tais como: Preston e Leeds. "8 4 produgio de carvo de 6 X 10° t. (1770) passa a 49,4 X 10° t. (1850); os produtos de algodao crescem de 8.000 t. (1760) a 300.000 t. (1850). * “Descobriu-se que em Preston, cm um conjunto de 442 residéncias, 2.400 pessoas dormem em 852 camas” — Relatérios de Chadwick, em 1845, para a “Comissio Real para a Satlde das Cidades”. Citagdo de A. KORN em “La Historia Construye la Ciudad”, p. 126. 248 Célson Ferrari Em 1898, conforme j4 se viu, E. HOWARD publicou Tomorrow: a Peaceful Path to Real Reformn reeditada em 1902, como: Garden Cities of Tomorrow. Foi fundada a Garden City Association, logo depois. A primeira legislagdo inglesa sobre planejamento urbano surge em 1909: The Town Planning Act ¢ autoriza os governs locais a elaborarem planos de ordenagio do solo, de saneamento bésico e de protegdo da estética urbana. Em 1910, PATRICK GEDDES, pela primeira vez, ensina que o planejamento regional ou urbano deve sempre ser precedido de uma pesquisa sistemitica. Em 1913 é fundado o Royal Town Planning Institute que caracteriza o aparecimento do planejamento urbano inglés. As cidades jardins nese Pafs tiveram grande repercussio. Em 1903, no projeto de uma “cidade nova” — “New Town” — situada em Letchworth, algumas idéias de HOWARD foram empregadas pelo arquitetos BARRY PARKER e RAYMOND UNWIN. Este iiltimo, R. UNWIN, associado a EDWIN LUTYENS, projetou, segundo"os mesmos principios da cidade jardim, em 1907, o “Hampstead Garden Suburb”.'* E as primeiras “new-towns” sofreram todas, forte influéncia da cidadejardim de HOWARD: obediéncia a um plano diretor, reserva de espagos para 0s equipamentos comunitarios, um padrdo de espagos vazios e a definiglio dos limites urbanos por um anel verde. As idéias de LE CORBUSIER, principalmente, as de sua La Ville Radieuse (1922), foram aproveitadas mais tarde em algumas “new-towns”. Em fins da década Ge 1920 0 conceito de cidade satélite surgiu dos estudos de planejamento regional, entio em seus princfpios. Uma cidade satélite que surgiu desse conceito foi Wythenshawe, proxima de Manchester. A comissio Barlow teve por objetivo estudar a descentralizagao das indistrias ¢ a disperso da populago industrial de Londres, sendo que 0 relatorio de SCOTT e BARLOW ¢ considerado a melhor sintese sobre o assunto. Sob 0 aspecto do planejamento do uso do solo, os planos do Condado de Londres (County of London Plan) ¢ da Grande Londres (Greater London Plan), elaborados, respectivamente, em 1943 e 1944, sintetizam de forma a mais com- pleta, todas as correntes de pensamento vigorantes sobre 0 assunto até entao. O pri- meiro teve por autores principais ABERCROMBIE ¢ FORSHAW e o segundo, o mesmo ABERCROMBIE. Propdem a criagdo de subtirbios satélites nas cidades exis- tentes préximas ao cinturdo verde (GREENBELT) de Londres e sugerem a criagdo € localizagao das “novas cidades”: as New-Towns. Sob o aspecto formal, pode-se distinguir trés fases na construg#o das New- -Towns. A primeira compreende as projetadas entre 1946 ¢ 1950; pertencem a 1s Esse projeto suburbano de cidade jardim gerou, no mundo todo, uma infinidade de oteamentos com os nomes de “cidade jardim”, “jardim América”, “jardim Europa”, “jardim Japio”, etc., que de jardim apenas ostentam o nome enganoso. © Areas Residenciats ® Comercio Atacadista @ Areas Industriats 5 Do 12 & hee Sa © Sub-centros de Viztnhangas Figura 10.15 — Stevenage. — Esle de omy A Escola de Grek Fecala Ehpertor @ ———~—~<‘C:S 250 Célson Ferrari Urbanismo 251 segunda fase as cidades de Cumbernauld (1955), de Hook (nao construda, infeliz~ mente) em 1960 e Skelmersdale (1961); finalmente, ao terceiro grupo pertencem as demais. As cidades do primeiro grupo (Basildon, Bracknell, Crawley, Harlow, Hatfield, Hemel Hempstead, Stevenage, Welwyn Garden City, Aycliffe, Corby, i Cwmbran, Peterlle, East Kilbride, Glenrothes), derivaram sua forma das cidades-jar- dins e do conceito de vizinhanga’®. Além disso, eram projetadas para populagdes limites, geralmente, entre 50.000 ¢ 80.000 habitantes. Eram dimensionadas para 75 habitantes por hectare (zona residencial) e densidade de 125 trabalhadores por hectare (zona industrial). Foram criticadas por falta de coesfo ¢ senso de localiza- so. INDUSTRIAS TE) creas, RESICENCAIS @escovas O segundo grupo caracterizou-se pelo abandono das formas de baixa-densi- dade pela conscientizago da influéncia do automével sobre o espago urbano. A idéia de unidade de vizinhanca foi abandonada porque as altas densidades adotadas faziam com que as caminhadas a pé ao centro da cidade fossem sempre possiveis. Influenciadas por STEIN e WRIGHT (RADBURN), os planejadores ingleses fizeram essencial a0 projeto a secregacdo veiculo/pedestre. As concepgOes estéticas de LE CORBUSIER influenciaram 0 estilo ¢ forma das cidades desse perfodo: Cumber- < nauld é disso um exemplo mareante. As cidades da terceira fase (MiltonKeynes, Newton, Peterborough, Redditch, Runcom, Telford, Warrington, Washington, Irvine ¢ Livingston) tem em comum a importancia dada aos deslocamentos de pessoas e veiculos e a forma “celular” ado- tada. O Relatério de BUCHANAN (1963) influenciou muito na elaboragéo dos planos dessa ultima fase, principalmente, no que se refere ao conceito de hierarqui- zacdo das vias urbanas e a0 seu conceito paralelo de meio ambiente. Hé um reno- vado interesse pela estrutura linear urbana..O conceito de espago ambiental ¢ o retorno a idéia da unidade de vizinhanga, originou uma estrutura celular escalonada (unidade de residéncia, unidade de vizinhanga, setor, distrito, microdistrito, etc.). 4.5.3, Estados Unidos da América do Norte Assim como no Brasil, 0 europeu, ap6s 0 descobrimento do territério dos E.U.A., nfo encontrou cidades nele. Em contraste, porém com o Brasil, o coloni- zador norte-americano que desembarcou com o MAY FLOWER, mais de um século ap6s 0 infcio da colonizago das terras brasileiras, nfo permaneceu no litoral, criando uma “urbanizagdo de caranguejo”. Embrenhou-se para 0 oeste com 0 firme propésito de colonizar e permanecer na nova patria de sua eleig&o. A superioridade da urbanizagao e colonizagao americanas sobre a brasileira ndo advém, como muitos pensam, da superioridade racial do anglo-saxo sobre o portugués. VIANNA MOOG em seu conhecido livro Bandeiranies e Pioneiros, esclarece as razGes dessa diferenca * Os conceitos de unidade de vizinhanga ¢ de coesfo comunitéria eram, Aquela época, de Se SePr modo pioneizo, exaltados por CLARENCE PERRY nos EUA. Flgnre 10:16 = Cumbetnald'> C7 Sea es Aa * brea) Ted” 252 Célbon Ferrari Urbanismo 253 de colonizacao, desfazendo os erréneos argumentos racistas de autores consagrados, como HOUSTON STEWART CHAMBERLAIN, GOBINEAU, GUSTAVE LE> BON e outros. As teorias racistas também fizeram adeptos no Brasil ¢ em toda a América Latina. Em 1897, conforme VIANNA MOOG, JOAQUIM MURTINHO assim se referia as possibilidades de desenvolvimento industrial do Brasil: “Nao podemos, como muitos aspiram, tomar os Estados Unidos da América do Norte como tipo para nosso desenvolvimento industrial, porque ndo temos as aptidoes superiores de sua raga, forga que representa o papel principal no progresso indus- trial desse grande povo”. Os principais fatores do contraste de colonizagao entre os dois paises s40 os que se seguem, muito embora no expliquem tudo: a) Fator econdmico — Sabe-se que a historia se processa através de fatores predominantemente econdmicos. Os Estados Unidos possufam carvao ¢ petréleo e af est4, em grande parte, explicada a diferenga de desenvolvimento entre os dois paises. O carvéo mineral brasileiro ¢ de qualidade inferior a do americano e petrdleo, sO recentemente, nos foi permitido descobri-lo. A acumulagdo de renda deveu-se a uma utilizagdo de recursos naturais e a uma agricultura de exportagdo cujos exce- dentes permaneciam no pais ¢ eram distribuidos, igualitariamente, pela populacao. b) Fator orogrdfico — A Serra do Mar constitui, no Brasil, uma barreira natu- ral & penetrago. Nos Estados Unidos, toda a costa atlantica, numa extensdo de 300 Km é constitufda por uma planicie. A cadeia dos Alleghenies ¢ dos Apalaches que entdo surgem, so, mais facilmente, transponiveis ou contornaveis que a Serra do Mar, Depois seguem-se novamente a planicie até as Montanhas Rochosas, pré- ximas ao Pacifico, No Brasil, a Serra do Mar, a Serra Geral ¢ Serra da Mantiqueira (Macigo Atlantico) constituem sérios obstaculos & implantagao de estradas de ferro e rodovias, » ©) Fator hidrogréfico — Os Estados Unidos possuem a melhor rede hidrogré- fica do mundo com relagdo a navegagio fluvial. O Mississipi é um verdadeiro mar interior. No Brasil, principalmente na zona temperada, os poucos grandes rios exis- tentes ndo so navegiveis: o Sao Francisco € interrompido a 250 Km da costa pela cachoeira de Paulo Afonso, o Parand possui Sete Quedas, o Tieté é todo enca- choeirado. Temos é verdade 0 Amazonas, 0 maior rio do mundo, mas que corre por terras situadas na linha do Equador, de densas florestas ¢ de dificil aproveitamento vn econdmico. i i c) O fator clima — A diversidade do clima dos Estados Unidos contribui para = formagao de uma agricultura diversificada. O frio levou o americano a desenvolver uma industria para combaté-lo: tecidos de 12, aquecedores de dgua e ar, roupas especiais, ete. O otimismo de PERO VAZ DE CAMINHA ao dizer a cl-rei que “querendo-a aproveitar, dar-se-4 nela tudo” referindo-se as nossas terras e clima Sur infelizmente, nao é verdadeiro. tal Ss istente: Ss ext controle espect tas Escolas Secunddrias — Vics Ex Areas Residenclais GEE Industrias propostas Inds. sob MB Industr MME Centros (da Cidade e locate) —. Vlas de Trfnstio Rdptde Figura 10.17 — Runcom. C17 PVR GW totes Pov d) Outros fatores: psicoldgicos (o colono americano veio com a familia com 0 prop6sito de langar rafzes em sua nova patria em virtude das perseguigoes religiosas

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