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[zabel Priscila Pimentel da Siva 6 150 ‘comunicagio do pals, a livertagso de 15 presos politicos, banidos - esta foi a figura juridica “inventada" pela ditadura pare legalizar a saiéa dos ‘prescs do pais — c levados a0 México, a bordo do avido Hércules 56 da FAB. Para um relato cetalhado da aggo de capiura do embalxador e seu desfecho, of: BERQUO, Albeo. © seqdestro dia-a-dia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. GORENDER, Jacob. Combate nas travas — 2 esquerda brasileira: des iusdes perdiias @ luta armada. 5* edicgo. S40 Paulo: Atica, 1959, 0.182. BERQUO, Alberto. O sequestro diasa-dia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997. Tratave-se da Dissidéncia Estudantil do Rio de Janeiro (DI-RW), surgida em NiterGi e que, desde o final de 71968, tinha optado pelo afastamento as cidades, transterindo seus militantes para duas fazendas em Gascevel © Monteléndia, no Perand, onde orgenizariam um foco uerriheiro, que deveria aluar na regido de Foz do Iguacu. © nome “Movimento Ravolucionario 8 de Outubro (MR-8)" fazia feferéncia @ data da morte do lider revolucionario Emesto “Che” Guevara, em_08 de outubro de 1967, na Bolivia, No entanto, hoje se sabe que "Che" foi capturado no dia 8 de outubro, mas $6 foi zssassinado no dia seguinte, em 9 de outubro de 1967. GABEIRA, Femando, © que ¢ isso, companhelro? Rio de Janeiro: Neva Frontera, 1962, p. 96. CAMURGA, Marcelo Ayres & AARAO REIS, Daniel. "O Movimento Revoluciondtio 8 de Cutubto (MR-8). Da lula armada contra a ditadura & luta eleitoral ro PHIDB". In; FERREIRA, Jorge & AARAO REIS, Daniel (orgs). Revalugdo e demosracia (7964...) Rio de Janeiro: Civllzagao Brasileira, 2007, p. 137 (Colego As eequerdas no Brasil, v. 3) Referéncia 4 expresso, empregada nia época, de autora de Carlos Viner, entao miitante da diregzo do MR-B. CAMURGA, Marcelo Ayres & AARAO REIS, Daniel. "0 Movimento Revoluciondrio 8 de Outubro (MR-8). Da luta armada contra a ditadara & huta eleitoral no PMB". In: FERREIRA, Jorge & AARAO REIS, Danie! (orgs). Revoligdo @ democracia (1964-..). Rio de Janeira: Civilzagao Brasileira, 2007, p. 198 (Colego As esquerdas ro Brasil, v. 3) Idem, 9. 138-148, Para maiores informagdes sobre a trajetéria do MR-6 nas décadas de 1970 e 1980, cf. CAMURGA, Marcelo Ayres. Os “melhores fllios do povo": um estudo do ritual ¢ do simbéico nume organizagéo comunista — 0 caso MA-8. Tese (Doutorado em Antropologia Social) ~ Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1984, Dia-Logos, Riode Janeiro/RJ, 8, Outubro de 2011 Policia Politica om Minas Gerais: Fabricacdo de crimes rio anticomunista no regime militar de 1964 Jiila Letticia Camargos" (..) Basta uma testemunta / (verdadeira ou tatsa) basta um simples indloio / para torné-fo ~o Indiciado (s verdugos foro tudo / conforme isis e tratados Inférmies néo proferidas /ideals de 18 fistrados sonhos um cia sonhados /serdo crimes sam saida (..) (Lara de Lemos — Inventario do Meda) Policia Politica e Anticomunismo, algumas consideragdes © golpe que inaugurou o regime militar no Bras em 1964 gerou significativas mudangas na ordem politica econdmica e social do pais, colocando fim ao curto periodo demecratico experimentado Pela sociedade desde o fim do Estado Novo em 1946. O arranjo governamental elaborado pelos militares a partir de 1964 caracterizou-se pela imposéo de um Estado de excesao fundamentado na Doutrina de Seguranga Nacional que atrelava a Jegitimagéio do Estado a0 desenvolvimento econémico e, sobretuco & seguranga interna. Um vaste esquema de informacao e seguranca destinado ao controle social e politico foi criado transforfiando-se num dos sustentéculos da estruturagéo deste sistema ditatorial. A miltarizagao do Estado implicou na institucionalizacdo de um aparato repressivo atuando constantemente na manuteneée da ordem social com a fung&c de coibir quaisquer manifestagdes entagénicas & ordem instalada. ‘A policia politica teve papel fundamental na execugéio da seguranga interna do pais. Num estudo sobre Policia e Palicia a sociéloga Martha K. Huggins salienta que toda “agdo policial & politica” Segundo a autora, mesmo em situagdes em que a policia nao esta diretamente ligada @ repressdo politica, ou seja, em suas atividades “normais” ela se configura como tal porque s¢ enconira sustentada pelo Estado no exercicio de manutengo do poder. * De fato todas as ag6es policiais esto ligadas a politica do Estado, todavia, ha distingdes que separam a policia politica de outras modalidades convencionais de policia, primeiramente, trata-se de um corpo especializado treinado para prevenir e combater crimes contra o Estado. René Rémond elucida que a polltica 6 uma atividade relacionada ao exercicio, conquista e prética do poder sendo assim, 151 ia Lettleka Camarges as fungbes da policia politica estdo vinculadas a estes niveis préprios das relacdes de poder, todas ¢ quaisquer atividades que possam vir a comprometer 0 exercicio de autoridade do Estado séo da ‘competéncia da policia politica, Em segundo lugar, a especificidade do freinamento, a especializagdo em crimes de natureza politica incluia itens como espionagem, vigilancia, técnicas de interrogatério, sabotagem, em alguns casos técnicas de tortura dentre outros. A profissionalizagao Policiai era requisito fundamental para a solicificacdo da inslituicao, segundo Max Weber este tipo de organizagao_ burocraticamente estruturada exige alto grau de especializacso de seus funcionarios, a competéncia técnica esta ligada ao treinamento especializado para o exercicio das atividades, pois somente 0 pessoal quailficaco vincula- 52 a0 quadro administrativo dessas organizagoes. A formago de um corpo burocratico especializado responsével la seguranga do Estado e manutencéo da ordem politica e social implicou no 36 na estruturagao racional de um sistema de regras € padrdes de operacdes, mas também na utilizago de dispositivos mentais capazes de assegurar o comprometimento ¢ lealdade dos funcionarios, Sustentamos, em sintonia com as ideias de Bronistaw Baczko, ‘que qualquer instituigéo social ou poiitica faz parte de um universo simbdtico que a envolve e constitu’ seu quadro de funcionamento oientando a adeséo a um sistema de valores capazes de intervir nos processos de inleriorizagao pelos individuos @ de modelar ‘comportamentos coletivos.’ A legitimagao do poder representado pelos militares dependeu nao 86 de normes burocraticamente fundadas, mas também na utiizagao de dispositives mentais, © anticomunismo fol um forte elemento ideoiégico que moldou ‘comportamentos, sustentou agdes coercitivas e definiu os contornos da préxis da policia palitica no Brasil ‘Chamamos a atengdo para o fato de que mesmo fora dos limites burocréticos os funcionérios militares propalavam o ideério engendrado no interior da corporagéo, tamanhe a assimilagse dos valores recebidos dentro da instituigéo. Nota-se isto claramente na formago de organizagées clandestinas oriundas do aperelho policial formal, os chamados Esquadrdes da Morte srupos de extetminio que utllizavam de meios violentos contra criminosos comuns € politicos no intuito de ‘limpar’ as cidades ilegalmente. Em varios estados da federagao houve agées destes grupos, Huggins em sua pesquisa sobre 0 treinamento de pollcias estrangelras pelos Estados Unidos 182 Dia-Logos, Rio de Janek oR, 1.8, Outubro de 2014 Policia Pottioa om Minas Gerais, evelou que este tipo de instrucdo especializada contribulu para a degenerescéncia da policia brasileira e favoreceu a formagao de corganizagies parelelas. Neste caso ressalta-se a intercess&o entre racionalidade sistematica e imagindrio social, a especializagdo profissional aliada aos valores anficomunistas favoreceu ages hediondas por parte do corpo de policiais. Em estudo sobre a policia poltica em Minas Gerais de 1935 a 1964, Rosangela Assuneao 20 analisar a trajetoria desta instituigo nos mostra que esta softeu inimeras alteragées estruturais a0 longo do tempo tendo como finalidade maior controle politico/social, a0 asso que © anticomunisme permaneceu como elemento nerteador das agées policiais © subtertigic para “Justiicar @ legitimar as agoes de cunho autoritério sob a sociedade civil.” ® Assungao argumenta que em diferentes conjunturas poliicas as fungées da policia politica Permaneceram inalteradas e mesmo em periodos democréticos suas atribuigSes estavam voltadas, nao s6, mas, fundamentaimente pata 2 supresso do comunismo, o Partido Comunista era considerado 0 nico merecedor de intensa vigilancia, a manutengéo da ordem pUblica estava estritamente ligada a eliminagao des comuristas. ‘As atividades de pollcia politica em Minas Gerais iniciaram-se em 1922 com a crisgao do "Gabinete de Investigagdes ¢ Capturas’ para o combate de desordens socisis geradas pelo anarquismo ou ‘comunismo sua prefissionalizagao iniciou-se nos anos 1830 num esforgo do governo estadual em aprimorar a estrutura funcional da policia frente consolidaéo da escuerda no Brasil como o Partido ‘Comunista e a Allanga’ Libertadora Nacional (ALN). Nos anos do govero Vargas de 1935 a 1940 0 anticomunismo se firmou na pollicis, ra delerminando os contomos da aco da policia contra os inimigos da ordem @ do Estado". Quando sobrevelo o golpe da coalizéo clvil-militar de 1984 a policia politica mineira jé se encontrava consolidada 2 estruturada e tinha como base ideolégica o anticomunismo componente essencial da cultura politica que envolveu o Estado autoritério brasileiro durante o regime militar. ‘© fenémeno do anticomunismo surglu apés a Revolucdo de Outubro de 1917, quando 0 comunismo concretizou-se como movimento politico organizado configurando-se como uma possivel alternativa aos sistemas politicos tradicionais. Entretanto, ndo se trata de uma simples oposigo a0 comunismo, mas um fenémeno politico © ideolégico estimulado por conjunturas, valores interesses variados, no plano ideoldgico € entendido como corrente de Pensamento que agraga valores ¢ representagées, no plano polltico 163 ia Leticia Camargos traduz a sistematica organizagéo da oposigéo comunista. E importante frisar que 0 anticomunismo no necessariamente um movimento de direite, fol incorporado por diversas correntes como as de cunho clerical, reacionario, fascista, de princlpios liberais ou da social-democracia” No Brasil, como aponta Rodrigo Palto SA Motta’, houve a construgao de uma tradi¢&o anticomunista apropriada por diferentes setores da sociedade que se empenharam para sua consolidagao e difus8o, 0 que levou a constituiggo de um verdadsiro imaginario anticomunista, tres matrizes ideoldgicas sustentaram as bases do anticomunismo ne Brasil: 0 catolicismo, o nacionalismo @ fiberalismo. ‘A matriz catélica via 0 comunismo como uma emeaca & moral ctisté, pois agregava valores contrarios aos preceitos do catolicismo, negava a existéncia de Deus preconizando 0 materialismo ateu, € ‘objelivava a destruigs da instituigo da familia, 0 comunisrno concortia com a religiéo apresentando cutras vias de percepsdo sobre mundo, O nacionalismo, por sua vez, estigmatizava 0 comunisme como. inimigo estrangeiro, agente desagregador da ‘coesa0 @ centralizaggo nacional, uma ameaca intemacionalista que no poderia ter espago na sociedade brasileira. Por fim, 0 liberalismo defendia os principios da propriedade privada, reverberava 0 autoritarismo polfiico dos regimes comunistas criticando 0 intervencionismo estatal e supresso de liberdades individuais. O anticomunismo foi reproduzido e apropriado pela policia politica mineira de maneira expressive. Em relatorio sobre as atividades da Alianga Libertadora Nacional (ALN) de 1971 em Minas Gerais o encarregado do Inquérito Policial Militar faz uma "incurséo no terreno ideoldgico” como ele mesma menciona, explicitando algumas dessas_vertentes anticomuristas. Vejamos como de fato estas correntes estavam presentes no ideério poiltico. Langa mao do modelo basico da logica do marxismo para criticar as organizag6es de esquerda, fala em uma tese uma antiiese © uma sintese, examinemos as. palavras do Capitéo Osmar Vaz de Mello da Fonseca, encarregado do IPM A certeza de nossa tese democratica é um obstdouio instransponive! & ‘antitese de nossos contrérios, que contiuam lutando, teimosamente, ‘em busca do ‘momento tistérico’, a sintese, que Keri Marx sonhou 8 Lenine vem perseguindo através de seus sequidores, uulzando-se para isto, da _covartis, do assassinate de tantos outros afos abomindves. Partimos, fundamentelmente, da teorla do “sere do vir a 154 Dia-Logos, Rio de JaneiroRJ,n.5, Oulubo de 2011 Poca Politica em Minas Gerais ser’, do materialismo versus espirtualismo; partimos dos principios que regem os direitos fundamenteis do homem e da imortalidade da alma humana sem o que estariamos sendo, por conveniéncia, submissos aos ideais dos outras e nio conscientes das tradip6es democraticas e cristas na Nagao brasiteira. Primeiramente, criica © comunismo como “o momento historic” pelo qual’ seus adepios lutam em véo, expée a face autoritéria dos regimes comunistas caracterizando seus atos como “alos de covardia” © “abomindveis’, neste caso a critica ao autoritarismo demonstra seus limites, uma vez que no Brasil ‘ocorreram atos que Viclaram e violentaram os individuos privando-os de suas liberdades individuais e coletivas. E por fim os titimos argumentos expressam claramente a tradigao cristé @ a defesa da Nagao brasileira, ‘Assuneao evidencia que estes valores anticomunistas estavam presentes no imaginério da policia politica mineira, onde as vertentes catdica, nacionalista e liberal se misturavam e combinavam @ nos discursos polciais haviapredominania_especiaimente, dos argumentos nacionalistas de defesa da ordem contra o inimigo", Nossa pesquisa revela alguns estratagemas ulllizados pelos Policias no proceso de investigagao e reunio de provas agntia os ‘suspeitos, utilzamos @ expresso de “fabricagéo de crimes politicos’, ‘como um dispositive coerente com a légica da suspeicéo que revela o procasso de construgo de um arcabougo de evidéncias com a inteng&o de incriminar elementos ou segmentos hostis ao regime de forma tendenciosa. Motta langa mo do termo “Industria do anticomunismo" para demonstrar @ uso oportunista do *perigo vermelho" na legitimagdo das agdes coercitivas’', a fabricagéo dos crimes esta relacionada a utilizagée do anticomunismo como principio orteador da manipulagdo das provas contra os indiciaclos. A Fabricagao de crimes politicos dentro do quadro ideolégico do anticomunismo © policlamento das atividades ditas “subversivas” em Minas Gerais ficou sob a algada do Departamento de Ordem Polttica € Social (DOPS) responsavel pela exeougéo da seguranca Interna do estado. Este érgéo Btucu ne sentido de apurar movimentardes suspeitas no territério mineito, identficou células de organizagées e partidos clandestinos no Estado, investigou segmentos da sociedade civil; esteve atento ao movimento estudantil a0 clero e @ todos 155 Jilia Leticla Camarges aqueles assinalados como elementos que _representavam "periculosidade subversiva’, ‘Os Inquéritos Policiais Militares - IPMe foram mecanismos implantados em 27 de abril de 1964 para identificar, a principio, funciondrios civis e militares envolvides em atividades "subversivas’ em toda a esfera publica, com o endurecimento do regime constituiram-se num mecanismo legal para busca sistematica de seguranca absoluta. Um IPM era aberto para averiguar dentincias € suspeitas, envolvia 0 recolhimento de materiais comprobatérios de crimes politicos, pristes de elementos chave e de mentores intelectuais de organizagées clandestinas, identificagéo de células dessas organizagies, interrogatdrio de suspeitos. Apos a concluss0 0 inquérito era remetido ao procureder do Ministério Publico Militar que erunciava 6 crime eo juiz, caso fosse aceita a deniincia iniciava-se 0 processo na Justiga Militar”. O crime politico tomou grandes dimensées durante 0 regime militar, principalmente apés 0 Ato Institucional numero dois (Ai2} em 1965 que criou a Justiga Militar para o julgamento de crimes de natureza politica contra o Estado. Leis subseqlientes como os decretos n? 314 @ n? 510 de 1967 € 1969 respectivamente, definiram ¢s crimes contra a Seguranga Nacional inoluindo na esfera dos crimes politicos ¢s crimes comuns. ‘A fabricago do crime politico consistla na produeéo, por parte dos policiais, de indicios e evidéncias que pudessem comprover a existéncia do crime politico, ancorados néo sé na legislagao fepressiva, mas também no plano ideolégico do anticemunismo. Como sugere Carlos Fico 0 anticomunismo definiu os contornos da c80 da policia: (1) tomados intetamente pela desconfianga sistemética, os agentes die informagées desenvolverem algumas técnicas de trabalho capazes de gerar cupados em quantidade compativel cam o forte sentimento anticomunista de quo estavamn tomados,”* Fabricar, no sentido literal denote a produgo de algo a partir de matérias-primas a construeao de alguma coisa, o termo também figura ideagdo, ou seja, imaginacao de meneira ideal, inventar ou forjar. Em nossa perspectiva de andlise estes dois sentidos estao imbricados. Encaramos a elaboragao dos argumentos e a reunigo de provas contra os indiciados como construgées feitas a partir de ‘escolhas tendenciosas largamente influenciadas pelos valores © referenciais da cultura politica autoritéria. Ao reunir um arcabougo de 186 Dia-Logos, Rlo de Janeiro, n.6, Outuoro de 2011 alicia Pollica em Minas Gerais provas para fundamentagéo das acusagSes 08 agentes aglomeravam varlados indicios, faziam 0 entrelagamento de informacdes no intento de tragar uma rede de significados que incriminasse o indiciado. ‘As vezes 0 individuo era apontado como criminoso antes mesmo de cometer o crime. A produgéo da suspelta era um mecanismo frequentemente utilizado na construgéo dos argumentos contra os investigados, sob a logica da suspeicao 0s indiciados eam tratados com desconfianga como podemos constatar no relatorio do Inguérito sobre a Ago Popular (AP), "a militincia da AP no visa imediatamanie um movimento armado, todavia néo fugirs dele no momenic oportuno’."* Podemos notar também que o inquérito tinha um caréter preventivo que procurava assegurar o controle de segmentos que pudessem vir a se tornar futuras ameagas, como por ‘exemplo, a vigilancia sob parte do claro da diocese de Itabira por incitar a "subverséo" em suas pardquias, neste Inquérito , 6s ‘acusacées segundo 0 encarregado, S40 baseadas em depoimentos de testemunhas que “sentiam 0 clima gerado pelas atividades dos padres’, além de matérias da imprensa catdlica conservadora que criticava posturas politicas © sociais dentro da Igreja como 9 jomal “Catolicismo" érgdo oficial da Defesa da Tradigfo Familia e Propriedade, extrema direita fascistizante da Igreja no Brasil, 0 que mostra © recolhimento de provas selecionadas de acordo¥com a intengdo © motivagao do agente. Em outra passagem deste relatério podemos observar a producso de suspeitas, vejamos: Observa-se que no presente © partcularments apos Iniciado 0 Inquérito Policiai Miter, ésté 0 seferido clero em cla de tranquilidade, s6ja por precaugto, soja por acomodacao, soja porque a majoria dos implicados deivou 0 ministénio, seja ainda por ter sido modificada a orientagéo atual do Blspo da Diocose, 0 fato € que nem ‘por isso devam ser considerados elementos dignos de confianga. Esto como que aguardando o resultado do julgamento da justica para_medirem a capacidade do combate subversdo 6 verificarem se devem ou ndo continuar ostensivamente no apoio 4 elementos que se contrapsem ao governs, identificados, atualmente, dentre os que militam na subversdo." (grifo nosso} Ao fabricar 0 crime politico, os encarregados atrelavam a construgao de seus argumentos as tendénclas psicolégicas © a afinidade do crimineso com seu delito, como aponta Michel Foucault"? ‘em sua analise sobre 0 concelto de delingliéncia elaborado pelas 187 Ja Latticla Camargos. instituigSes penais no século XIX, a exisiéncia do criminoso pressupSe a existéncia do crime. O crime no & somente um ato ou um fato, mas um conjunto de tendéncias @ intengdes relacionadas 2 trejetéria co individuo, Distribuir panfletos, ou perticipar de reuniées 2 principio ndo se configuram como agées criminosas, mas quando 2 intengéo dessas agdes é desvelada como parte de um projeto “revolucionario’ de tomada do Poder por organizagées clandestinas las so concebidas crimes de natureza polltica (© inquérito aberto para averiguer as atividades do Partido comunista (POC) na cidade de Mentes Claros relata a prisdo de elguns membros, apreensao de material subversivo e desarticulagao a Secretaria Regional do POC naquela cidade. Entre os indiciados estava 0 estudante da Faculdade de Ciéncias Econémicas da UFMG Nilmario de Miranda, foi enquacrado pelos seguintes crimes: Pertancer ao Partido Operério Comunista, oryanizecto clsndestine e rovolucionéria de cardter manista- leninista que visa a tomada do ‘poder € implentagéo do regime sooialsta através da greve geral e de guerra de guemiihas. Ccupar cargo de coordenador geral do Secretaria Regional do POC, promovendo reuniées ¢ doutrinando ouires individuos. Aller indlviduos para milter no POC visando @ amplagao dos quadros do partido: Distrbuir materia! doutrindrio do FOC. Pantcipar de reumies fora de Bh, tendo viajado especialmente para este fim, Partioipar de greve proibica,”” Veja que os crimes atrolados partem da premissa da clandestinidade da organizagée qualquer atividade vinculada a ela consequentamenta 6 de carater ilegal. © cerceamento das organizagSes de cardter marxistaeninista pode ser considerado um exemplo do uso oportunista do anticomunismo para a repressio da opasig&0, 0 que dé margens para aluacéo deliberada da policia em rTelagao aos crimes dos opositores. Neste mesmo IPM no momento em que relata a desarticulagso da célula do Partido Operario Comunista em Montes Claros, verificames o forte sentimento anticomunista dos agentes e 0 juizo de velor a respeito dos investigados, (.) © POC teve identiicade todos os seus elementos-chave Tesponsévols pols orientapso @ dirago da organizaggo em nosso eslado, Alguns se acham presos. Outros de importéincia so encontram Toragidos, pois assim como 0s ratos $80 os primelros a abandonar ‘0 bareo que naufraga, nas organizagées marxistas, normatmente, 488 ia-Logos, Rio de Janelro/RJ,n.6, Outubro de 2011 Policia Poltca em Mines Gereis ‘séo os chefes os primeiros @ debandar ao menor sinal de perigo”* (gnfo nosso} Observa-se que os textos dos relatérics s4o construidos a partir de uma narrativa bastante subjetiva os encarragados dos IPs emitem opiniées julzos de valor, exprimindo ‘eferentes que caracterizam a ideclogia difundida pelo Estado autoritario, o que nos leva a0 conhecimento 20 tipo de apropriaggo de significados felta pelos agentes, No campo politico 0 imaginario social funciona come controlader da vida sccial principalmente quando relacionados 20 exercicio e pritica do poder tormado-se objeto de confiitos sociais. A legitimago do poder esta estritamente ligada ao imagindrio social, no Brasil a legiimagao do Estado autoritério © as praticas coercitivas esto ligadas 2 difuséo = apropriaggo do anticomunismo. Notas de Referéncia * Mastranda do Programa de Pés-Graduagao em Historia da Universidade Federal de 820 Jogo Del Rei (UFSV}, orientada peto Professor Ivan de ‘Andrade Vellasco. Coniato:leticiacamargos@yahoo.com.br "Da Tortura™ posma escrito pela poetisa = jomaista Lara Ye Lemos presa durante o regime miftar. In: LEMMOS, Lata de. Inventario do Mado, ‘Sdo Paulo: Massao Ohno editor, 1997. 7 HUGGINGS. Mentha K. Polcia e Pollcia: Relogdes Estados Unidos/ América Latina, Tradugao: Lolio Lourenco Ferreira S80 Paulo: Cortez Editors.1996 pp.10-11 % WEBER, Max. "Os fundamentos da organizagao burocrética: uma Cconsttugo do tipo idea?’ In: Edmundo. (org) Sooiblogia da Burooracia, Opcitp.17. BACZKO, Bronislaw. °A Imaginagao social’, tn: Enoiclopéia Einaudi Lisboa: Imprensa_— Nacional: Casa da Moeda: Ed, Portuguese, 11985.v.5.Antroppas Homen. ASSUNGAQ, Roséingela p. 63 Para entendimento mais detalhado sobre a trafetéria da polcta em Minas Gerais ver MOTTA, Rodrigo. et. ai. Republica, politica e dieto & informacéo: 0s arquivos do DOPSAAG. In: Varia hist6ris, Belo Horizonte: UFMWG / Departamento de Historia, v 28,p.126-153, 2003. BONET, Luciano. “Anlicomunismo". In: BOBBIO, Norberto. et al, Diciondio de Poitica, 4" edicdo. Brasilia: Edltora Unb,1982.p.24. MOTTA, Rodrigo Patto S4."Em guarta conta 0 “perigo vermeiho" 0 anteomintimo no Bros (1917-1968, Sto Paul: Prspecwva:Fapeso, 189 Jia Leticla Camargos “ w 160 ‘Arquivo Pablico Mineiro (APM) - Fundo DOPS/MG — Rolo 0043 {7} 004 ASSUNGAO, Roséngela. Op ct.p.114 MOTTA, Rodrigo Palto Sa, Em guarda contra 0 ‘perigo vermetha": Op.ct. JOFFILY, Mariana. No centro da engrenegem: 08 interrogatérios na Operago Bandeirante e no DOI de Séo Paulo (1969-1975). 2008, Tese (Doutorado em Histéria). Pés-Graduagao em Histéria Social, Universidade de Sao Paulo, S80 Paulo, 2008,.95, FICO, Carlos. Como eles agiam, os subterréneos da Ditadura Milter: espionagem @ pollcia politica. Rio de Janeiro: Record, 2001,p.100 APM - Fundo DOPSIMG, Rolo 0938 pasta 004. ‘APM. Fundo DOPS/MG, Pasta 0¢47, Rolo 004, FOUCAUT, Michel. Vigiar 0 Punir.Pelr6polis: Vozes, 1986 p 224, ‘APM — Fundo DOPSIMG, Pasta 0038, Rolo 004 ‘APM. fundo DOPSING Pasta 0038 roio 004. Outubro de 1969. Dia-Logos, Rio de Janeiro/RJ,n'5, Outubro de 2011 (© Cultural Change Institute: a cultura como via unica para o Progresso Samantha Cintra Magnanini” Os atentados terroristas aos Estados Unidos no dia onze de setembro de dois mil e um deixaram o mundo estarrecido. As cenas de ataque ao territérie norte-americano que tanto divertiam no cinema hollywoodiano tomnavam-se realidade e desconcertavam clentistas sociais do mundo todo. O discurso proferido pelo presidente George ‘W. Bush, horas apés os atentados, apontava qual serlami os rumos adotados para a politica extema do pals: uma vez que a democracia @ a liberdade foram atacadas, os Estados Unidos iniciavemm uma guerra contra o terror a partir do que nomearam como ataque preventivo, ‘A enigmatica frase de George W. Bush em seu discurso apés 08 atentados, afirmando que “os alaques teoristas podem estremecer as fundagées de nossas construgées, mas elas héo podem tocar nas fundagdes da América’ |, demonstra a crenga de gue existe um bem caracteristico da sociedade norte-americana que nao pode ser destruido, que € um bem moral, oflundo da formagaio identitaria norte-americana, um trago cultural caracteristice dos Estados Unidos que provoca, neste contexto com ainda mais potencialidade, orgulho @ nacionalismo. Exisie um debate historiogréfico muito inienso sobre a questéo da formacéo da Identidade nacional norte-americana, Embora néo soja consensual que o milo da excepsionalidade € um falor constitutive da identidade nacional dos Estados Unidos, alguns estudiosos, como Mary Ann Junqueira, acreditam que esse mito & utiizado nos momentos de crise para reforgar a coesdo entre os integrantes da naggo. Para a autora, existiam vérios momentos histéricos em que ‘0s chefes de Estado utilizaram referencias que remetem & fundagdo da nagSo norte-americana com este objetivo. Através do resgate da meméria coletiva € do imaginério, construldos: a partir de simbolos @ mitos especificos, George W. Bush em sou inflamade discurso relembra aos nortg-americanos que eles fazem parte de uma comunidade excepcional.” ‘Convém pontuar, contudo, que a presente andlise néo defende a hipétese de que existe um consenso dentro do universo polltico norte-americano, lembranda que o campo politico, sob a ética de fe Bourdieu, € um lugar de luta onde os atores socials disputam 161

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