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Un bel composto: a obra de arte total do primeiro Barroco portugués Luis de Moura Sobral Faculté des Arts et des Sciences, Université de Montréal, Montréal Canada Nos anos 60 do século xu verifica-se (ou.acentua- -se) em Portugal uma tendéncia para a concepcao globalizante do espago eclesiastico, cancepgao essa directamente relacionada com a fungao retérica, tipica do periodo pés-tridentino, da arte em geral e das ima- gens em particular Na construggo arquitectural do be! composto portu- gues do ultimo tergo do século xu serdo logicamente utilizadas as técnicas e as formas artisticas que tinham ganno as preferéncias dos utentes e que se revela- ram aptas para a fungo a que se destinavam: a talha, © azulejo, a pintura €, mais para o fim do século, os embrechados de mérmores. A partir de entao, e ainda durante grande parte do século Xvi, estas técnicas sero quase sempre utilizadas em relagao de estrita complementaridade Esta nogao de complementaridade € aqui da maior importancia, Se de facto uma obra é agora funda- mentalmente um be! composto, © estudo separado de cada uma das suas partes (arquitectura, pintura, escultura) talvez nao seja muito relevante, pois & pre- cisamente pela combinatoria delas que @ obra ela- bora e transmite sentidos. @ luz destas nogdes que serao apresentadas algu- mas estratégias da struggle for synthesis do primeiro barroco portugués, para o desenvolvimento da qual sera determinante a decoragao da desaparecida Capela Real de Lisboa. Primazia do revestimento de azulejos (Sao Vitor, Braga), da talha dourada (Capela da Doutrina em Sao Roque, Lisboa), dos marmores (Capela de S20 Gongalo em S40 Domingos de Ben- fica, Capela dos Lencastre, Lisboa), da pintura (Sala Go Despacho do Convento das Flamengas, Lisboa) ou sintese de tudo isso em equilibrios de proporgées, variadas (Ameixoeira, Comendadeiras da Encarnacao, Lisboa), as distintas modalidades compositivas enal- tecem a Eucaristia, a Virgem, os santos portugueses eas reliquias, e, através deles, as personalidades indi- viduais ou colectivas que encomendaram as obras ou seja, os poderes constituidos In the Portugal of the 1760s there was a marked lendency towards an overall concept of ecclesiastical spas, closely linked to the rhetorical function of art in general. and images in particutar, in the post-Tridentine period. In the last third of the xvi century the preferred and functional techniques and artistic forms used on the architecture of the Portuguese bel composto were’ carved gilded woodwork, painted ties, painting, and, towards the end of the century, marbie work. From that point onwards and! for most of the xvii century, these techniques were almost always used in a strictly com plementary fashion This notion of being complementary is of the greatest importance here. If a work is basically a total work of art, the study of each of its parts (architecture, paint- ing, sculpture} is perhaps not particularly relevant, tor it is precisely through the combination of these parts that the work elaborates the meaning it transmits. It is in the light of these ideas that the strategies in the struggle for synthesis in Early Portuguese Baroque are presented. Pre-eminent are glazed, painted tiles (church of Sao Vitor, Braga); carved glided woodwork (Chapet of the Doctrine, church of $40 Roque, Lisbonl; marble work in the Lencastre chapef, Cisbon; painting (the Sala do Despacho in the Convento das Flamengas, Lisbon), or the synthesis of all this balanoedl with varied! propor- tions (Ameixoeira, Comendadeiras da Encarnagao, Lis- bon, the separate, composttive modalities enhancing the Eucharist, the Virgin, saints and reliquaries, and, through them, the individual or collective personalities who commissioned the works, that is to say, the duly con- slituted powers, {h bel compost: otra deat fll da prone Barroco portup.c Struggle for Synthesis Sacred spaces Etenim omnes artes, quae od humanitatem pertinent, hhabent quoddam commune ¥inculum et quasi cognatione quadam inter se contineatur. CleERO, Pre ce Pots, M2 Numa eélebre ¢ frequentemente citada passagem da vida de Bernini, escreyeu Filippo Baldinucci em (682: “% concetto molto universale ch’egli [Bernini] sia stato il primo, che abbia tentato di_ unire I’architettura colla scultura ¢ pittura in tal modo, che di tutte si facesse un bel composto” A nogio de belcompasta, que relerenciada 4 produgao berniniana evoca de imediato a Capela Cor naro_de S, Maria della Vittoria (1644-1652), reveste consideravel novidade tedrica no Ambito do sistemardas artes da €paca clissica) Fundamentalmente, ela transfere a problemdtica estética assu- Tnida individualmente pelas diversas disciplinas (arquitectura, escultura, pintura) para a ideia de uma combinatéria ou de uma inter-relacdo entre as artes. © bel composto tende a ultrapassar assim a ideia de uma hierarquia da s artes, do poragone entre a escultura ¢ a pintura, tio importante durante os séculos XV e XVI € mesmo durante 0 século Xvi. Para além disso, 0 bel composto coloca © espectador numa situacio relativamente nova, Colocado nao em face mas, rigorosamente, no interior de uma_obra de arte, 0 espectador é levado a participar no drama representado, num processo de interiorizagio que implica o espirito € 0 corpo, fundindo-se a experiéncia estética & cspiritual num verdadeiro percurso de co plisticas do Barroco’, ntemplacio religiosa ~ que outro nao era o fito das artes Por outro lado, e € este o aspecto que, de momento, aqui mais conerctamente interessa fazer re saltar, quando Baldinucei afirma que Bernini “foi o primeiro a tentar unir a arquitectura com a escultura ea pintura”, tal afirmagio implica que a “obra de arte total” ou o bel compesto constituia na segunda metade do século Xvi! um fenémeno perfeitamente cortenté, 8 que € atiés confirmado pela abundancia dos exemplos conservades tanto na Europa como nas Américas. Em/1803, no extremo limite da época que nos ocupa, escrevia Cyrille W. Machado: “Os cons- truktoreé de edificios nunca foram simplesmente arquitectos, todos exerceram outras artes [...] Nos séculos ilustrados debaixo das na;des polidas, tém sido os arquitectos juntamente desenha- dores, pintores ou escultores; ¢ por este motivo as obras dos Gregos [e] Romanos eram seme- Ihantes as pessoas mais belas, nobres ¢ elegantes que se possam imaginar: os seus ornomentos, pela perfeigao c hem acertada colocagio, podem comparar-se aos de uma delicada princeza no dia das suas nuipcias [...]"¥, Mesmo se esta passagem se refere especificamente as culturas clissicas, é ébvio que Cyrillo reflecte uma experiéncia pessoal marcada pelo longo periodo barroco e, por conse guinte, pela problemética que aqui nos ocupa Como se sabe, é a partir dos anos 1660 que se verifica em Portugal uma tendéncia para a con- cepgao globalizante ¢ unitéria de um certo nimero de espacos construides, o que se levard a cabo através de programas decorativos envolvenites, quase sempre de grande riqueza. As igre~ jas, eserevia D. Fernando Correia de Lacerda ent 1676, devem s er “elegantes € conspicuas”, pois assim Jo s6 agradam mas clevam”. E explica de Seguida o autor: “Conserva-se a majestade veneragio que se deve 4s coisas divinas quando se véem os Templos ornados com decéncia reli- | giosa, porque assim como se vé com desprezo 0 que se propde sem aparato, vé-se com admi- | ue Struggle for Synthesis Espagos sagrados Un bei compasta: a abe de arte total do primsio Baroco portuguas ragio 0 que se propde com resplendor ¢ 0 entendimento do homem se eleva 9 considerar a grandeza de Deus” No tempo de Correia de Lacerda, os arquitectos ¢ artistas portugueses elaboraram de facto um tipo de bel composto que respondia aos critérios de “majestade” e “resplendor” deste autor, As igre jas dessa época serio na realidade ricas © por vezes aparatosamente ricas. Se, continuando uma tendéncia profundamente arreigada na Peninsula, as planimetrias continuam a ser muito simples, reduzindo-se frequentemente a uma caixa rectangular com coberturas planas ou em berso, ja 0 espagos interiores se animam com tectos pintados de grotescos e revestimentos parietais de talha douada, azulejos, séries de telas e, mais para o fim do século, embrechados de marmores. A par- tir de entdo, e ainda durante grande parte do século xVill, as diferentes tecnicas ou dis artisticas serio em muitas ocasides utilizadas em relagdes de estrita complementaridade Ora esta nogao de complementaridade levanta ao historiador problemas de certa importancia, Se uta plinas obra de arte é agora funclamentalmente um bel composto, 0 estudo separado de cada uma das suas par- tes (arquitectura, pintura, escultura) talvez nio seja muito relevante, dado que ¢ precisamente pela | combinatoria dessas partes que a obra se constitu e que cla elabora ¢ transmite sentidos. Por sua vez, a questio daGentido,¢ absolutamente central para uma compreensio correcta da época dita barroca Constituido Por Séries ou conjuntos coerentemente organizados, o bel composto estrutura-se a par- tir dos significados individuais de certas unidades, digamos, mais simples (quadros, esculturas), e da discursividade de outras, digamos, compésitas ou mais complexas (retdbulos, ciclos de telas, Aa = de azulejos ou de relevos, etc.). Todos estes elementos se combinam e entrelagam numa teia de grande complexidade conceptual, dialogando uns com os outros em relagdes‘de contiguidade, jus- taposigio, alternincia, oposigdo, sobreposigio, etc., que o historiador tem de‘erdenar para recons- tituir 0 itinerdrio ou os itinerarios narrativos ou simbélicos previstos pelos respectivos autores. | Ora se na literatura portuguesa da especialidade sio relativamente correntes as referéncias as “igre- | jas forradas de ouro”, aos “espagos envolventes dos revestimentos”, etc. , etc., quer-me parecer que raramente se traiou de compre der 0 funcionamento global de tais obras, para 0 que se teré de articular andlise formal e leitura iconografica ou iconologica, Ou Séja, h& que estudar o significado das obras individuais, dos ciclos iconogréficos e das inter-relagdes entre uns © outros, dominio proprio de uma “narratologia plastica” que no tem sido muito fécil de de! nir ¢ ainda menos de teorizar’, Esta “narratologia” deve considerar as obras na sua especificidade material, fisica e espa- cial, e nao se pode limitar a transpor conceitos elaborados em outros campos disciplinares E luz destas répidas (e incompletas) consideragdes que cu gostaria de trazer algumas achegas para 6 estudo do bel composto do primeiro Barroco portugués. Por primeiro Barroco portugués entendo 6 perfodo correspondente ao ultimo terse do século XVI e aos primeiros anos do século seguinte, coincidindo grosso modo com o reinado de D. Pedro Il, quando 0 substrato propriamente hispa- nico ou ibérico ainda era a principal forga estruturante da nossa cultura Dentro portanto da éptica apontada, uma primeira abordagem destes problemas tera forgosamente de considerar em cada obra duas ordens de factores: a componente técnica ou formal € a compo nente conceptual, tematica ou iconogréfica. Assim, em tal edificio consagrado a um santo ou a uma ric de santos deu-se a preferéncia ao revestimento de azulejos, em tal outro apelou-se para | a talha dourada para celebrar uma devogdo propria a uma ordem religiosa, enquanto num terceiro | se combinaram diferentes técnicas a volta de programas eucaristicos ou marianos 20s Un tl cempesin obra ts arte tl do primeira Baroce potuputs Struggle for Synthesis Sacred spaces Fo. Capea 10 Sa Cones go Amarari, lg cle S80 Domingos de Bence, Lisboa, 1686: Foso do actes. The chapel of So Genial, Atrareites a chueor of $30 Domingos. Berea Liston, 1685, Photograph by author A este propésito, a desaparecida Capela Real do Paco da Ribeira.marca, no ultimo tergo do século XVIt, um momento determinante no processo da elaboragio do bel composto portugues. O edificio, de trés naves, tinha as paredes revestidas de marmores ¢ a abdbada de berco da nave central decorada com “grotescos de ouro assentados em branco”®. Entre as janelas altas da nave central encontravam-se, quatro de cada Jado, oito telas de Bento Coelho da Silveira e de Joio Gres- bants com santos portugueses: S30 Dimaso, Mértires de Lisboa, Santo Antonio, Sio Gongalo de Amarante, Sio Joao de Deus, Santa Engrdcia, Santa Isabel e Santa Senhorinha de Basto, No altar- -mor pusera-se um quadro de Sio'lomé, orago do templo’. As pinturas, diz-nos a nossa fonte sete: centista, estavam “cercadas de uma perfeita e bem relevada talha dourada”’, enquanto um silhar de azulejos corria na parte inferior das paredes das naves laterais. A decorago levou um certo numero de anos a terminar: em 1670 todas as telas haviam sido instaladas, mas os grotescos do tecto sé foram executados em 1681, desconhecendo-se enfim a data da instalagao dos azulejos? Como quer que seja, associando a pintura, os azulejos, a decoracio de grotescos ¢ os mirmo- res, a Capela Real seiscentista € uma obra de excepcional significado histérico e cultural e pro- vavelmente um dos primeiros bel composi: do Seiscentos portugués. © seu programa iconografico, assente no ciclo dos santos portugueses, constituia-se num discurso de propaganda dindstica ¢ de alirmagio do poder absoluto de grande cficicia, ¢ ¢ talvez a primeira vez que este tema apa- rece entre nés tratado em escala monumental. A Capela Real da Restauragao contribuiu assim para lancar a moda da hagiografia plastica nacional, que tanto sucesso haveria de ter nas décadas seguintes, Ora a hagiografia € um capitulo maior da cultura portuguesa de Seiscentos e de Setecentos. Género literdrio antes de tudo, a hagiografia conheceu no século XVII um incremento noté vel, devido a acgao dos Bolandistas, que a haveriam de transformar numa disciplina cienti fica, fundada nos principios da critica histérica. Como consequéncia deste movimento, assiste-se desde os comecos do século XVII em toda a Europa a um renovado interesse pelos santos locais, regionais ¢ nacionais, publicando-se em praticamente todos os paises catdlicos uma enorme quantidade de santorais, promovendo-se novas canonizagdes, etc. Neste con- tex(o, a instrumentalizagio politica das hagiografias pelos diversos poderes constituidos € um fendmeno generalizado em todo o Ocidente. Descaradamente 4 margem da metodologia bolandista, aparecem assim, em 1626, o Jardim de Porcugal de Frei Luis dos Anjos, a Primeira Porte da Historia Ecclesiastico dos Arcebispos de Braga de D. Rodrigo da Cunha, em 1634 € 1635, provavel primeiro cxemplo de santoral regional portugués, e enfim 0 Agiolagio Lusitano (1652-1666) de Jorge Cardoso, a obra mais impor- tante € conhecida do género. A estes livros seguir-se-ia uma infinidade de publicacdes de toda a ordem, muitas delas dedicadas a figuras individuais de santos. A seguir 20 exemplo da Capela Real, a hagiografia plistica portuguesa haveria de conhecer, como se disse, rapido e duradouro sucesso, constituindo a tematica central de um nimero relativamente elevado de bel composti barrocos. Tal aconteceu, por exemplo, na capela de S40 Gongalo de Amarante, construida em 1685 num brago do transepto da igreja de S¥o Domingos de Benfica (Fig. 1). Dedicada a um dos santos repre- sentados na Capela Real, 0 pequeno edificio, de planta octogonal e inteiramente revestido de mar- mores brancos, rosas e negros, foi construido para D, Manuel Pereira (1625-1688), bispo e secretario Bm Struggle for Synthesis Espagos sagrados Un bel composto: a obra de ate total do primeio Barroco portugues de Estado de D. Pedro Il, D. Manuel Pereira havia estadlado largos anos em Roma para promover a canonizagao do santo de Amarante, a quem dedicou uma breve biografia italiana’? Algo austera na esquematizacao dos seus principais motivos estruturais, a importacin da capela reside no seu programa iconogritico, constituido por uma série de nove estatuas em mérmore de Carrara, trazidas de Roma pelo bispo dominicano, ¢ recentemente atribuidas a Ercole Ferratta (1610-1686)' . A estdtua do orago do templo, a de maiores dimensdes, encontra-se colocada no nicho por cima do altar. Na boca deste v -se um pértico ou um retébulo muito simplificado de uma Unica arquivolta saloménica assente em duas colunas do mesmo tipo, que contrasta tanto pela forma como pela cor com a arcada do enquadramento, lise v com pilastras. A obra coloca-se indu- ditavelmente na drbita de Joao Antunes, parecendo anunciar o retSbulo de Nossa Senhora da Assun 80 de Colares, de 1701-7, ou 0 da Capela do Bom Jesus da Igreja dos Paulistas, de cerca de 1705, que, segundo creio, nio anda atribuido ao célebre arquitecto. —_——__> De cada lado da estatua de Sio Gongalo, em nichos sobrepostos, encontram-se, 4 esquerda, as ima- gens da Virgem do Rosario ¢ de Sio José e, & direita, as de Sio Domingos ¢ de Sio Tomas de Aquino. Ladeando a entrada, em frente do altar, encontram-se por sua vez as estatuas de S30 Joao de Deus, de Santa Teresa de Avila, de Santa Apolénia ¢ de Sao Bento, Encontramo-nos por conseguinte em pre- senga de um programa essenciulmente dominicano (Sio Gongalo, Virgem, Sio Domin- g0s ¢ Sio Toms), onde se misturam devogSes pessoais do encomendador. Note-se, entre estas, a figiFa de Si Jé4o de Deus, um santo portugues jé representado na Capela Real, que sé haveria de ser canonizado em 1690 A Capela de Sio Gongalo, em panos de marmore liso e conceptualmente assente numa séFie de estatuas italianas do mesmo material, constitui um caso isolado na historia do bel composto portugues. Efectivamente, quando, em certas obras de maior prestigio, se decide utilizar 0 marmore, este aparece invariavelmente trabalhado em embrechados, tal como aconteceu na capela fumeraria do cardeal D, Verissiino de Lencastre (1615- -1692), A entrada do convento de Sao Pedro de Alcantara, em Lisboa (Fig. 2) Esta minuscula construcao, edificada a seguir a 1692 pelos testamenteiros de D. Veris fo.2 : ~ ; ~ _ Ceba inorria do Corea simo ¢ atribufda a Jodo Antunes, é de facto um bom exemplo da utilizagio intensiva desta técnica. 1D Verssimo oe Lencaste, oe Comrie Se os de Acar Os embrechados de marmore cobrem completamente as paredes ¢ 0 altar, em cujo retabulo se Sa Lston cena ds 1000 Foto do autor colocaram quatro colunas torciclas. O tecto de grotescos foi recentemente repintado ; “ 1B Verssimo di Lorca fer Segundo parece, a capela teria sido edificada 8 revelia da vontade expressa pelo cardeal que, “des- rave tomate sin Pasta” gundo p 2 . . oe Arty, Lisbon, ater 1692, prezando mausoléus, escolheu uma sepultura rasa, fora da porta da igreja de Sio Pedro de Aledin- ——Protawsah by auton tara” para que quantos ali entrassem, “pondo os pés sobre a sua sepultura”, fizessem “muito caso de viver e morrer bem” € vissem que “nao se deve fazer algum [caso] de mostrar ainda depois da morte a soberba ¢ altivez que durou na vida”’*. Os testamenteiros do cardeal decidiram no entanto honrar a meméria de D. Verissimo com um monumento digno da sua hierarquia religiosa e social A magnifica caprla foi posta sob a invocagio de Verissimo, Maxima « Julia, “padroeiros da fregue- sia de Santos, na qual igreja o dito prelado [D. Verissimo] tinha sido baptizado”!*. No retabulo encontravam-se as estatuas, entretanto desaparecidas, dos trés Santos Mirtires de Lisboa, que tam bém faziam parte do ciclo da Capela Real. A igreja de Sd Vitor, em Braga, completamente revestida de azulejos de Gabriel del Barco em 1692-1693, constitui um exemplo creio que nico no Seiscentos portugués de hagiografia plastica 207 Un be! composto: a ob arte toa do prmek Garoce ponuguis Struggle for Synthesis Seared spaces Fos Gabriel del Barco, Histéries de Sao Vier, 1602-0, azvieos 1p capels-mor da igo bo Vior, rage Foto co auter, Histrias de Sao vitor, Gabrst de! Barca, 1692-1603, ported Chancel of churoa of S40 Vor Braga. Phoiograph by author Fes (Capels da Doutina, igre ce ‘S30 Foqus, Lisboa, 1686-1600, Bacto chapel, church of ‘Sa Roque, Lisbon, 1632-1890. regional _em_escala monumental (Fig. 3). O programa iconogifico, inteiramente baseado no mencionado livro de D. Rodrigo da Cunba's, alids citado nos proprios azulejos, contempla uma série de santos minhotos. A historia do orago est repre sentada em oito painéis em lugar de honra, na capela-mor. Nas paredes da nave, no arco do cruzeiro e no muro poente colocaram-se uma vintena de painéis com outros tantos santos, dando-se especial relevo, como o exigia a ideologia pés-tri- dentina, a milagres ¢ martirios. Dois destes santos, S20 Goncalo ¢ Santa Senhori- nha de Basto, figuravam igualmente na Capela Real de Lisboa. Reafirmando velhissimos principios doutrinarios, escrevera em meados do século XV o ilustre bracarense Frei Bartolomeu dos Martires: “as [...] imagens servem de livros fos que no sabem ler (...]; ¢ muitas vezes mais perfeita e prestamente vem 4 meméria um mis- | tévio ou a vida de um Santo, vendo uma imagem que lendo um livro. [...} E também as coisas vis tas com os olhos comovem e acendem mais 0 coragio que as coisas somente lidas © ouvidas’”* A igreja de Sao Vitor | Jado. Ela é na realidade nade integralmente _gigantesco livrode Tmagens que se animavam com as palavras dos sermonistas, cintilando a luz das velas_¢ dos reflexos dourados da talha, envolvendo o fiel num ambiente propicio 4 crenga nos prodigios. A tatha dourada das igrejas barrocas ibéricas ¢ ibero-americanas relaciona-se, no campo do sim bélico, com a mitica imagem do templo de Salomio, cuja estonteante riqueza foi evocada por Correia de Lacerda: “na lei escrita ordenou Deus que o taberniculo do Testamento fosse decente € rico, no Santuario até as limpadas eram de ouro, as cortinas do Templo e as vestes do Sacerdécio eram preciosissimas”” Do ponto de} vista pléstico, a talha dourada constitui, tal como os azulejos ¢ a pintura de gro} tescos € de quadratura dos tectos, um dos meios mais utilizados ¢ mais eficazes par unificar espagos, por vezes edificados em épocas anteriores. Foi o que se tratojt de fazer, por exemplo, com as coberturas das naves e do coro da igreja de Sao Fran- cisco do Porto (séculos xtt-Xv). A imponente cobertura de talha dowrada anula a ideia de compartimentagdo propria duma estrutura gética, e permite uma apreen- so imediata do templo como um espago homogéneo, Exemplos de revestimenttos integrais em talha dourada sio, no espago cultural por- tugués e de influéncia portuguesa, abundantissimos e frequentemente reproduz dos. Assim, limitar-me-ei a estudar rapidamente uma ou duas obras que néo me parece terem sido anteriormente analisadas na perspectiva deste ensaio. Existe na igreja jesuitica de S80 Roque em Lisboa uma capela, a primeira do lado direito, chamada a Capela da Doutrina (Fig 4). Fundada nos finais do século xv, foi ela sede duma Confraria da Doutrina constituida por “magos solteiros e oficiais mecinicos. A capela servia portanto para “endoutrinar” estes jovens, sendo a “dou- trina” em questo, logicamente, a de Santo Inécio de Loyola, através da pratica dos Exercicios Espirituais, como tratarei de demonstrar. Um dos elementos emblematicos da decoracio da capela ¢ de facto um livro, referéncia directa, a meu ver, a obra de Santo Inécio. A capela, notivel pelo revestimento de talha dourada que cobre o retbulo, a parte superior dos muros € 0 tecto, data, no seu estado actual, dos anos 1688-1690. Da mesma época sio também os marmores do pavimento e os embrechados do altar € das clegantes arcadas das paredes laterais. 08 Struggle for Synthesis Espagos sagrados bet compost & dbm ce ato toll do primeko Baroea portugues Na parte superior das paredes laterais abriram-se dois largos nichos quadrados em forma de armé- rios que quase passam desapercebidos en-re a exuberancia da talha, Os nichos contém relicarios que fazem parte da colecgéo constituida nos séculos XV e XVI, uma das mais importantes do género em todo © pais. Como as rcliquias s6 eram mostradas aos fidis em determinadas épocas, os reli- cérios encontravam-se tapados, a maior parte do tempo, com duas grandes teias de Bento Coe Iho, uma Aparicao de Cristo Ressuscitado i Virgem (a esquerdu) € uma Ascensdo (a direita). Os quadros foram ha muito apeados ¢ encontram-se agora no adjacente Museu de Arte Sacra Relacionada por conseguinte, de algum modo, com 0 culto barroco das reliquias, a capela cem no entanto fundamentalmente um significado propriarente jesuitico ou inaciano, 0 que, segundo ereio, nunca havia sido anteriormente assinalado, Como se sabe, os Exercicios constituem uni método de reflexao fundado numa serie de meditacdes ou “contemplacées” sobre diferentes episidios ou “mistérios” da vida de Cristo. Dividem-se eles em quatro “semanas” de duracao varidvel de acordo com as necessidades de cada exercitando, A pri- meira semana trata do pecado, a segunda trata da vida oculta e da vida ptiblica de Cristo, a ter- ccira medita sobre a Paixdo € a hima compreende 05 mistérios gloriosos ou, seja, a vida de Jesus apds a Ressurreigio. Para meditar sobre tal ow tal mistério, 0 exer- citando tem de construir com 0 maximo de intensidade e de veracidade possiveis uma-imageny ou uma repr: sentacio mental desse episddio. E 0 que no método ina~ ciano se chama a “composicao de lugar”. Para ajudar 0 exercitando nesta exigente operago mental, r vuras ou quadros. nendava-se, quando necessério, a utilizagao de imagens, gra- Ora a Aparigao de Cristo a Nossa Senhora, 0 primero quadro da Capela da Doutrina, corresponde a “primeira contemplagao” da “Quarta Semana” (Exercicios, 218), cons- tituindo a Ascengao, a segunda pintura, a ultima “contemplagio” do livro de Santo Inacio (Exercicios, 312). © programa iconografico da Capela da Doutrina baseia-se de facto na quarta semana dos Exerefcios, fim ¢ coroamento dum longo processo de meditagdo sobre o itinerdrio dé Jesus Cristo, Note-sé que, como tema preparaté rio para as contemplagdes desta quarta semana, Inacio propés na seccao “Mistérios da vida de Cristo Nosso Senhor”, imediatamente antes da Aparigdo de Cristo, 0 mis- tério do Cristo morta: “O seu corpo foi levado ao scpulero, ungido e sepultado” (rer cicios, 298), Este mistério cncontra-se evocado na Capela da Doutrina pela eststua jacente de Jesus na arca do altar, ov seja, no espago que separa os dois quadros de Bento Coelho. A estatua jacente de Cristo completa assim 0 programa cspecifica- mente jesuitico da Capela da Doutrina!® 8 re osx INo estado actual dos conhecimentos\ Bento Coelhg)aparece-nos como o pintor que mais directa. yaa hs romeraee, mente contribuiu no ultimo iergo do séculé XVil para a criagao do bel composto barroco. Eeleo Betta autor das telas que cobrem as paredes € 0 tecto em mayseira da chamada sala do despacho da actual ferechak chen af heat igreja de Nossa Senhora da Quietagao, na realidade, o antecoro da igreja do antigo Convento das ruta Pa Flamengas, outro exemplo de revestimento integral dos finsis do século XVM afortunadamente che- gado intacto até aos nossos dias (Fig. >), As pinturas com os respectivos caixilhos de talha dourada sio 0 elemento unificador deste conjunto, que conta ainda com uma série de lambris de azulejos com emblemas franciscanos ¢ de peniténcia. Toda a decoragio foi realizada nos anos 1680 Un bal compost: obra da are toa do primi Benoco portuaues Struggle for Synthesis Sacred spaces Foé ‘Capela-mor da Igrea da Encarnagao da Amobeka, Usboa, 1693-1702, Foto PHS. hance! of Amaxcota church, Usbon, 1693-1702 Photo PHS. © ciclo de Bento Coelho consta de quinze grandes telis com pasos da vida da Virgem (desde a Anunciagiio até & Coroagia) e da vida de Jesus (desde a Natividade até a Ascengéo), ¢ de oito quadros triangulares, mais pequenos, com anjos segurando emblemas marianos. Os dez primeiros quadros (da Anunciagao até a0 Calvério) encontram-se nas paredes € os cinco restantes no tecto (Ressurrei- $do até 3 Coroagio daVirgem). Os anjos encontram-se emparelhados dois a dois nos cantos do tecto O tema do programa, que passou despercebido até agora, ¢ 0 dos Mistérios do Rostrio. A leitura dos quadros obriga-nos a percorrer todo o espaco da sala em dois movimentos circulares, primeiro da esquerda para a dir ita para os qua- dros das paredes (os Mistérios Gozosos e Dolorosos), e da direita para a esquerda em seguida, para os do tecto (0s Mistérios Gloriosos). © programa termina na Coroasao da Virgem ao centro do tecio, distribuindo-se as pinturas segundo a separay;io tradicional entre o nivel terreno (paredes) ¢ o nivel celeste (tecto) A devogio do Rosario esté intimamente ligada 4 huta da. Igreja contra os “infigis” e contra todo 0 tipo de “heresias”. Segundo a lenda, o rosario fora mesmo entregue pela Virgem a Sio Domingos, quando este se encontrava em plena cruzada contra ox Albigenses. © rosario ajudaré em seguida milagrosamente as Catdlicos contra o Isl 10, contra os Protestantes © finalmente contra os Turcos, tendo sido a vitéria de Lepanto de 1571 atribuida ao sev patrocinio. Ora o Convento das Flamengas foi fundado por Filipe If, onze anos depois de Lepanto, para albergar um grupo de religiosas clarissas de Antuérpia fugi clas as perseguigdes dos Protesiantes. Os azulejos na nave da igreja evocam a atribulada viagem das freiras até Lisboa, circunstincias que podem por si sé explicar a devogo a0 Rosario do convent lisboeta. Por outro lado, nos finais, do século, os Turcos voltam a ameacar 0s territérios dos Habsburgos na extre- midade oriental da Europa cristd, ¢ pode-se imaginar que as religiosas fla- mengas, lembradas das antigas perseguicdes, ienham decidido reavivar o culto do Rosétio, para ajudar a esconjurar o perigo turco Associado em Sio Roque 4 espiritualidade inaciana ¢ ao culto das reliquias, € nas Flamengas ao culto do Rosario, voltamos a encontrar Bento Coelho na capela-mor da igreja da Encarnagio da Ameixoeira, em Lisboa, decorada desta feita com um complexo programa mariano- -eucaristico (Fig, 6). - A nave da igreja ruiu com 0 Terremoto de 1755, tendo sido reconstruida e decorada mais tarde, de acordo com o espirito do programa primitivo. A capela-mor permaneceu no entanto pratica~ mente intacta, conservando os pi ncipais elementos da sua antiga decoragio. As obras, constru- 20, dourado ¢ estofado do retébulo e da outrs talha, grotescos do tecto, telas de Bento Coelho, foram realizadas num espago de tempo relativamente curto, entre 1693 ¢ 1702". A entidade ins- tigadora dos trabalhos foi a Confraria do Santissimo Sacramento, responsavel pela construcsio da igreja de Santa Engracia, a que pertenciam representantes de algumas das familias mais impor- tantes do reino. A Ameixoeira insere-se portanto no movimento de exaltado fervor eucaristico que atravessou todo o século de Seiscentes. As telas de Bento Coelho nas paredes laterais representam a Multiplicagiv dos Paes ¢ a Distrituigdo da Comunhao aos Apéstolos, temas perfeitamente adequados 4 fungao primordialmente eucaristica Swuggle for Synthesis Espages sagrados Un be composto: a sora de art tla do prmeio Baaco portugues das capelas-mor. Esta temitica combina-se porém com a da Virgem da Encarnacio, orago do tem- plo, Ao centro da decoragio de grotescos vegetalistas do tecto vé-se de facto uma Anunciagao flan queada por dois emblemas marianos, uma palmeira ¢ um cedro. A associago Encarnagio/Eucaristia apresenta a Virgem Maria como 0 Primeiro Sacrério, 0 novo Tabernaculo ou a verdadeiva Arca da Alianga, qualificagdes frequentes na pena dos exegetas ¢ tedlogos marianas”® Bento Coelho aparece de novo na igreja das Comendadeiras da Encarnagao, um dos raros templos lisboetas dos finais do século Xvit a ter chegado quase incélome até aos nossos dias, se excep- tuarmos 0 tecto, outrora “ornado de uma vistosa pintura de figuras, ramos ¢ flores””!, € 0 balcao do drgio, entretanto acrescentado (Fig. 7). Na decora todos os elementos de que se falou até agora, pedrari da igreja, capela-mor e nave, entram retabulos de talha, azulejos ¢ pinturas a dleo, obras de qualidade invulgar, conjugadas num conjunto de grande harmonia. Tudo isto faz com que a igreja das Comendadeiras da Encarnagio seja um dos exemplos mais significativos — e mais | bem conservados - do bel composto do primeiro Barroco portugués. A maior parte da obra, in- | duindo os quadros, deve datar dos anos 1697, estando documentada nesta data a intervengio de Joio Antunes na capela-mor?’. © retabulo ¢ a talha da capela-mor devem ser no entanto posterio res a.um incéndio acorrido em 1734 © convento da Encarnagio, que funcionava também como recolhimento para senhoras da alta nobreza, normalmente viivas de militares, pertencia 4 Ordem de Avis e obedecia 4 regra de Sao Bento. © programa iconogréfico esta por conseguinte centrado nas figuras da Virgem, orago do templo, e de Sao Bento, em duas séries de telas de Bento Coelho, que se contam entre as melhores de toca a sua produgio. A primeira série, na parte superior das paredes da nave, € con. sagrada 4 Virgem (dez episdios, do Nascimento até 4 Morte), a segunda, na capela-mor e na parte inferior das paredes da nave, consta de treze histérias da vida de Sio Bento, A distribuigao dos episédios da vida da Virgem segue a ordem cronolégica, comegando com 0 Nascimento na parede poente, passando pelos muros norte € sul e terminando, de novo a poente, com a Morte da Virgem. J outrotanto nao acontece com a vida de Sio Bento, inspirada em parte nas gravuras de Aliprando Capriolo segundo Bernardino Passeri da Vita et miraculis beati patris Bene- dicti de Gregdrio Magno, publicada em Roma em 1579. Em sentido estrito, 0 primeiro episédio da vida de Sio Bento, 0 Nascimento de So Bento ¢ de Santa Excoldstica, encontra-se na parede norte da capela-mor? rio Magno, ¢ A histéria nao é mencionada por Gregé- ssume portanto um carécter puramente alegérico ou devocional. Na parede fun. deira da igreja, por baixo do Nascimento daVirgem, encontra-se a representacao de Sao Bento abandonando a casa dos pais, inicio do itinerario espiritual do santo e, por conseguinte, seu verdadeiro nascimento para“a religiao, Esta correspondéncia simbélica entre um episddio da vida da Virgem (na parte superior) e um episédio da vida Sao Bento (na parte inferior) acompanha toda a decoragao picté- rica. Assim, por excmplo, entre a Apresentagdo da Virgem no Templo e Sao Bento recebendo 0 hdbito ou entre a Visitagao € a Apresentagéo de Santo Amaro ¢ Sao Plécida a Sao Bento. [HA Ora se as cinco pinturas de So Bento dos lados poente norte seguem a sequéncia narrativa de Gregério Magno, jd 0 mesmo nio acontece com os quadros da parede sul. Isto explica-se, creio cu, tanto pela necessidade de continuar a estabelecer correspondéncias com a série mariana, como para criar, através da nave da igreja, novos eixos simbélicos ou narrativos com outros qua- dros da vida de Sao Bento que se encontram do outro lado. Por baixo da Adoragao dos Magos Un bo! compcsta: a obva de ane total do primero Barco portugues Struggle for Synthesis Sacred spaces Struggle for Synthesis Espagos sagrados Un bal compos 4 obra de ert total do prime Barroco portugues Fae Bento Coatna, Arunciacaa, (leo sobre tela. cerca de 607, Igecja da Ensarecto das Comennsdenes Fe Ais, Litho Foto PH, ‘Toe Annunciation, Bento Coeho, clon canvas, ©. 1697, church af Encamecao des Comendadaras 09 Aus, Lisbon Photo PHB: temos assim a Visico o Sdo Bento dy 121 Totila, uma adoragao também real, por certo, mas que, a ter-se seguido a cronologia de Sio Gregério, deveria aparucer noutro momento e nao aqui. Por outro lado, 0 quadro encontra-se em frente da Apresentagéo de Santo Amaro ¢ So Placido a Séo Bento (outra visita/adoracao, de certo modo), relacionada como se viu com 2 Hisitagdo, assim se crianlo como que um tramo de claro significado epifinico no trajecto da nave até ao altar-mor, que pode ter tide corresponden- tes na vida litirgica do templo. Curiosamente. a Morte de Sdo Brno, contada por Sio Gregorio © representada nas gravuras, nio foi representada na igreja da \carnacio. Logicamente, ela deveria aparecer na parede poente, por baixo da Morte da Virg im. Em seu lugar vé-se no centanto uma hist6ria secundaria da lenda de Si Bento, Duos snonjas recebendo depois |de mortas 0 absolvicéo de Sao Bento, que Gregorio Magno, note sc, coloca antes de | dois episddios da parede sul _Esta redistribuigio dos episédios cria novos significados, mais apropriados i realidade do convento. O quadro das Duas monjas recebendo a absolvigso relaciona-se directamente com A gitia comunhdo de Séo Bento da capela-mor, em frente ao Noscimento Je Sao Bento ¢ de Santa Escoldstica. Em ambos nos aparece o patriarca no acto de celebrar a Eucar tia, assim se sublinhando a importincia do sacramento, num discurso que parece directamente dirigido as utentes do convento, nomeadamente atrav’s da pin- tura das Duas monjos O programa completa-se, ou completava-se, com a imensa dnunciagao de Bento Coe ‘Anunciac&0, escultura gm tana, Iho ~a primeira Anunciagdo verdadciramente barroca da pifihiFi portuguesa ~ actualmente no coro share ot grea tomato ae Comendabaras do. alto da igreja, mas que se encontrava primitivamente na parte superior da parede poente (Fig. 8) Sepok de 1784 E para fazer jogo com esta tela, como que num reflexo especular, que a belissima Anusciagao em talha do altar-mor mostra 0 anjo 4 dicional dos dois actores protagonistas (Fig, 9). Fota do autor The Anauncation. carved woos reita ca Virgem a esquerda, numa inversio da disposigio tra Sculpture high aan church of "0 das Comrendadetras Ge Avs, after 1733, Photo by author 313 Un bal cemposo: a obra de arte total do pimere Garoco portugues Struggle for Synthesis Sacred spaces E nesta constante tensio entre diversidade plastica ¢ busca de um sentido unitario que a arte por- tuguesa dos finais do século Xvi manifesta o seu cardcter verdadeiramente barroco. Rica, com- plexa e de interpretacio dificil e errética, a “obra de arte total” dos séculos XVit e XVIlt constitui sem diivida a mais significativa e caracterizada contribuicio portuguesa ao patriménio artistico do Ocidente Notas ' Filippo Baldinucci, Feo del Coraliere Gio. Lorenzo Bernino [) 682), 1948, p. 140, 2 Ver teving La So do volume 1 Bermint ond the Unity of the Visual Arce, Nova Torque © Londves, 1980, particularmente a introdk {p. 6-15), ¢ Giovanni Caren 1992, 39, pp. 6-23. » Cyrille W. ML geiros que estiver3o em Portugal", 1803, cépia manuserita conservada na Fundagio Calouste Gulbenkian, Biblioteca-Arquivo Luss Reis Santos, .p. “0 Fernando Coreeia de Lacerda, Carea Patan! sobre a fabrics, dadcagam. ¢consagrasam da Templo, Lisboa, 1676, pp. 250-254 Yer os diferentes estudos revnidos por Merbert L. Kessler © Mariane Shreve Simpson, coord, Pctovial Naraive sn Aniguty andthe “Le vertige du mélange. Architecture, sculpture, peinturc”, Les Cabrers du Musée national d'art moderne, chado, “Collecc3o de Memorias, relativas is vidas dos Pintores, Escultores, Architectos Portuguezes; e as dos Eseran Malle Ags, vol 16 de Statics che Hitry of Are Washicton, National Gallery of Art, 1985; , entre outros, Marilyn Aronberg Lavin, The Place of Narrative: Murol Decoration im Itahon Churches 431-1600, Chicago, 1990; Peter J. Holiday, coord., Narrative and Event in Ancient Act, Cambridge, 1993; Lew Andrews, Siny and Space m Renautanee Art, Cambridge, 1995; Herbert Kessler, Seuicsm Pesoral Narrative, Londees, 1998. Sobre cicls icanogriticos portwaueses ver diversortrabalhos meus: ext Pintora « Poe no Epocs Barros (Lishos, 1994), em De Sendo das Imagens (Lisboa, 1996), € também "Pintara © composigto de lugar: un ciclo jesuitico ma Bahia do Pare Antinio Vieira", Oceonos, 1997, 30:3), pp. 218-230; 0 extudo & a eeconsttuisio de wn del comporto dos comegos do século xsi foram por mim tentados em “Tova pulchra et amica mea, Simbolisma © narragio num programa imaculista de Anténio de Oliveira Bernardes”, Azolejo, 3-4 (no prelo). * Inicio Barbosa Machado, Historia Critico-Chronolagca da Instieuicam da Festa, Procssam, a Officis do Corpo Sancssuno de Crsto na Venerovel Socramenta do Eucharistia, Lishos, 1759, p. 146. * Sobre a reconstituigio da copels ¢ 0 seu programs ver Moura Sobral, Pintura ¢ Poesia na Epaca Barraca, 1994, pp. 57-73, e, do mesmo. autor, “Da mentira da pintura, A Restavrasio, Lisboa, Madrid c alguns santos”, em Pedro Cardim, coord,, 4 Hiicéra: entre Memério « Jnvengao, Lisboa (no prelo). * Barbosa Machado, Historia Crxzo-Chronalogica, 1759, p. 146. ” Os grotesoos foram pintados pelos Ferreira de Araijo (pai ¢ filho) © por Joio da Mota (Vitor Serrio, "A Pintura de Brutesco do Século xvi! em Portugal e as suas Repercussées no Brasil”, setas do H Congresa do Barroco no Broil Arqucectra e Ares Plésticas. Ouro Preto, 25 a 29 de serembro de 1989, Borroco, 1990-1992, 15, p. 127) ' Emmanuele Pereira, Breve Risreito della Vica © Minace dS, Gonsalvo d’Amaranta Borsoghese dell Ordine de! Predicator,, Roma, 1672 “Teresa Leonor M. Vale,"A Capela de Sio Gongalo de Amarante da [greja do antigo Convento de Sio Domingos de Benfica (Lisboa) © 4 importacio de escultura italiana o séulo Xvi", I Congreso Internacional do Barro, Porto, 1991, val. 1, p. S41 ™ foo Antunes. Argitecte. 1643-5712, Manuela Birg, plan. ¢ coord. Lisboa, Igreja de Santa Engrscia-PanteSo Nacional, 1988, p. 40, "Hausa dos Movcron Conrentos¢ Casas Reigiosas de Lisboa, Lisboa, 1972, vo. It p. 168. Hinéria dos Mostcios, 1972, p. 168. "5D, Rodrigo da Cunha, Primera Porte da Historse Eccleststca dos Areebvips de Braga, E dos Santos, EVarocns lates, que flerecerdo neste Arce Biypodo, Brags, 1634, vol. 1, 1635, vo. © Frei Bartolomeu dos Martires, Cotecrimo ov Douerina Crit ¢ Peiticas Espartuans 1564}, Fitima, 15.° ed., 1962, pp. 96-97, } Correia de Lacerda, Corta Pastor, 1676, p. 249. ' Sobre umn ciclo, anterior de uma dezena de anos ao de S, Roque, na capela mor da igreja do antigo colegio dos Jesuitas de Salvador ds Baia, actual catedrat, baseado ma s sands semana dos Exerefcos, ver, ji citada, Moura Sobral, "Pintura ¢ composigia de lugar um cielo jesvitico na Bahia do Padre Ant6nio Vieirs”, 1997, '? Segundo comunicagso de Vitor Serrio, » documentasie foi descoberts por Filipe Santos, © Esta interpretagio fol apresentada no meu texto" AnunciagSo na pintura portuguesa da Contra-Keforma: doutrina, sradigio © agu ddeza”, publicado primeiro no catilogo da Exposigio A Pintura Maneirsta em Portugal. Arze no Tempo de Cames, Lishoa, 1995, e retomade depois em Do Sentide das Imagens, 1996, pp. 119-130. ata Struggle for Synthesis Espagos sagrados Un bet compost a obra do arte tte! do prema Barraco potuguss ® thacéria dos Mosteiros, 1972, p. 434 1988, p. 74 ® Exe quadeo tom sido erroncamente atvibuide a JerBniino da Silva ¢ inttulado a Morte daVirgem. Na realidade, ele representa 6 nae on Antunes. Arya

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