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3 Mapeamento do processo de projeto As seis fases de um projeto 1, Entusiasmo 2, Desilusao 3, Panico 4, Busca do culpado 5. Punic&o do inocente 6. Elogios a quem nas participou Cartaz na parede do Greater London Council Architects Department [Departamento de Arquitetura do Conselho da Grende Londres] (De acorde com Astragal, AJ, 22 de marco de 1978) — Agora as provas — disse o Rei - e depois a pena. = No! — disse a Rainha. — Primeiro a pena, depois as provas! — Que maluquice ~ gritou Alice, t80 alto que todos pularam ~ essa ideia de ter a pene primeira! Lewis Carroll, Alice através do espelho 3.1 Definicées de projetar Até aqui, neste livro, nao tentamos definir realmente o que € e o que nao é projetar. Examinamos a variedade e a comple- xidade do papel do projetista e vimos rapidamente como esse papel se desenvolveu com o tempo. Também examinamos um pouco da enorme variedade de tipos de projeto e discutimos em que dimensées variam. Buscar cedo demais uma definigao de projetar pode facilmente levar a uma visao restrita e estrei- ta. Para entender inteiramente a natureza do ato de projetar, é necessario buscar nao s6 as semelhan- gas entre as diversas situacdes em que se projeta, mas também reconhecer as diferencas bem reais. £ inevitével que cada um de nés aborde esse entendi- mento geral do ato de projetar partindo da nossa formacao especifica. Isso também fica muito visivel quando os autores buscam uma defini- Go abrangente de projetar. Que tipo de projetista daria a seguinte definicao de projeto: “Solucdo étima para asoma de necessidades verdadeiras de um con- junto especifico de circunstancias"? £ mais provavel que essa definicao seja ideia de um engenheiro ou de um. designer de interiores? Faz sentido falar de “solugdes étimas" ou “necessida- des verdadeiras” no caso do projeto de interiores? De fato, Matchett, que assim definiu projeto, tem formagao em enge- nharia (Matchett, 1968). Essa defini- go sugere pelo menos dois modos de variagao das situagdes em que se pro- jeta. O uso de “dtimo” indica que, para Matchett, é possivel mensurar o resul- tado do projeto em relagao a critérios de sucesso estabelecidos. Esse talvez seja © caso do projeto de uma maquina cuja producao pode ser quantificada segundo uma ou mais escalas de medigaéo, mas dificilmente se aplicaria a um projeto de cenografia ou de interiores. A definicao de Matchett também supde que todas as “necessidades verdadeiras” de uma circunstancia podem ser listadas. Entre- tanto, o mais frequente é que os proje- tistas nao tenham a minima certeza de todas as necessidades de uma situacio. Isso porque nem todos os problemas de um projeto dizem respeito a atividades 3 Mapeamento do processo de projeto 41 com o mesmo objetivo. Por exemplo, é muito mais facil definir as necessidades a serem satisfeitas numa sala de aula do que numa sala de estar doméstica. Alguns pronunciamentos sobre pro- jetos nos levariam a acreditar que essa diferenga ndo é mesmo muito impor- tante. Isso foi levado a extremos por Sydney Gregory (1966) no seu livro pio- neiro sobre metodologia do projeto: “O Pprocesso de projeto é o mesmo, quer se trate do projeto de uma nova refinaria de petréleo, quer seja a construcao de uma catedral, quer seja a redacdo da Divina Comédia de Dante”. Talvez realmente Gregory esteja nos dizendo que, ao projetar ou escrever, ele, pessoalmente, usava um processo semelhante, Embora isso possa ter dado certo com Sydney Gregory, é improva- vel que funcionasse com Dante, que, até onde sabemos, nao demonstrava interesse nenhum pela engenharia qui- mica! O mais provavel é que projetar envolva algumas habilidades tao gené- ricas que poderiamos dizer, com sensa- tez, que se aplicam a todos os tipos de prética, mas também parece provavel que algumas habilidades sao especifi- cas de certos tipos de projete. Também seria sensato indicar que 0 equilibrio de habilidades necess4rias para cada tipo de projetista é diferente. Sem diivida, todos os projetistas tém de ser criativos, e trataremos do pensamento criativo num capitulo mais adiante. Alguns projetistas, como 08 arquitetos, os designers de interiores os desenhistas industriais, precisam de uma nocdo visual bem desenvolvida e, em geral, t¢m de desenhar bem. Tra- 42 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM tamos do projeto com desenhos em outro capitulo. E provaével que outros projetistas mais proximos da engenha- ria precisem de habilidade maior com niimeros, e assim por diante. E claro que é possivel chegar a uma definicao de projeto que acomode tan- to as caracteristicas comuns quanto as distintas. Chris Jones (1970) chegou A definic&io de projeta que considerou “suprema”: “Iniciar mudangas nas coi- sas feitas pelo homem”. Provavelmente, todos os projetistas concordariam que isso se aplica ao que fazem, mas seraé mesmo uma defini- cao titil? Talvez seja genérica e abstrata demais para nos ajudar a entender o que € projetar. Precisamos mesmo de uma definicao simples de projetar ou deveri- amos aceitar que esse tema é complexo demais para se resumir em algo menor do que um livro? Talvez a resposta seja que nunca encontraremos uma defini- cao tinica e satisfatéria, mas que a busca pode ser muito mais importante do que a descoberta. Chris Jones (1966) j4 admi- tiu que essa busca é dificil na primeira descricdo que fez do que é projetar: “Rea- lizar um ato de fé complicadissimo". 3.2 Alguns mapeamentos do pracesso de projeto Muitos autores tentaram mapear o caminho do processo, do inicio ao fim. A ideia comum a todas esses “mapea- mentos” do processo de projeto € que ele se compée de uma sequéncia de ati- vidades distintas ¢ identificdveis que ocorrem numa ordem previsivel e com uma légica identificavel. A primeira vista, parece ser uma forma bastante sensata de analisar o processo de pro- jeto. Em termos ldgicos, parece que 0 projetista tem de fazer varias coisas em ordem para avancar dos primeiros estagios da abordagem do problema até os estagios finais, em que define a solugao. Infelizmente, come veremos, esses pressupostos sao bastante pre- cipitados. Na verdade, é bem possivel que a rainha de Lewis Carroll se tornas- se uma boa projetista com a sugestao aparentemente ridicula de que a pena deveria preceder as provas! No entanto, vamos examinar alguns desses mapeamentos para ver se sao iteis. O primeiro que examinaremos foi exposto no Architectural Practice and Management Handbook [Manual de admi- nistragdo e pratica arquiteténica] (1965), do RIBA, para ser usado por arquitetos. O manual nos diz que o processo de pro- jeto divide-se em quatro fases: 1* fase: assimilacéo Acdmulo e organizagao de informa- goes gerais e especificamente liga- das ao problema em maos. 2° fase: estudo geral Exame da natureza do problema. Investigacao de possiveis solugdes ou meios de solucao. 3° fase: desenvolvimento Desenvolvimento e refinamento de uma ou mais solucdes possiveis iso- ladas durante a 2* fase. 4° fase: comunicagao ‘A comunicagao de uma ou mais solugdes aos que esto dentro ou fora da equipe do projeto. Uma leitura mais detalhada do manual do RIBA, porém, revela que essas quatro fases nao sao necessaria- mente sequenciais, embora possa pare- cer légico que o desenvolvimento geral do projeto avance da 1" até a 4° fase. No entanto, para ver como isso funciona na pratica, temos de examinar a tran- sicao entre as fases. Na verdade, para o projetista é bem dificil saber que informagées recolher na 1" fase, antes de comecar a inves- tigagdo do problema na 2* fase. Com a adocao de métodos sistematicos de projetar na formacao do projetista, entrou na moda pedir aos alunos que preparem relatérios de acompanha- mento dos projetos. Com frequéncia, esses relatorios contém muitas infor- magoes laboriosamente _recolhidas no inicio do projeto. Como leitor regu- lar desses relatérios, acostumei-me a verificar essas informagées para ver se tiveram impacto sobre o projeto. Na verdade, os alunos costumam ser incapazes de indicar o efeito concreto que grande parte dos dados coletados tem sobre as solugdes. Aqui, um dos perigos é que, como recolher informa- des é bem menos exigente em termos mentais do que resolver problemas, @ sempre tentador adiar a transi¢ao da 1* para a 2* fase. £ improvavel que projetistas profissionais sucumbam a essa tentacio, ja que precisam ganhar a vida; entre alunos, porém, isso é comum, ¢ esse mapeamento sé costu- ma servir para encorajar a procrastina- do improdutiva! £ raro que o desenvolvimento detalhado de solugdes (3° fase) leve 3 Mapeamento do processo de projeto 43 suavemente a uma tinica conclusao inevitavel. Na verdade, esse trabalho costuma revelar os pontos fracos no entendimento do problema e na com- preensao, pelo projetista, de todas as informagées pertinentes. Em outras palavras, é necessario voltar as ativida- des da 2° fase! A experiéncia comum a todos os projetistas, de que apenas quando mos- tram as possiveis solucdes (4" fase) aos clientes é que estes percebem que des- creveram mal o problema (1° fase), da o que pensar. Poderiamos continuar analisando © Mapeamento dessa maneira, mas a ligdo geral seria a mesma. Embora pare- ga légico que as atividades aqui listadas deveriam realizar-se na ordem mostra- da no mapeamento, a realidade é mui- to mais confusa, O que o mapeamento faz é nos dizer que os projetistas tém de reunir informagées sobre o proble- ma, estud4-lo, imaginar uma solucéo e desenhé-la, embora nao necessaria- mente nessa ordem. Aqui, o manual do RIBA € muito sincero ao declarar que, provavelmente, havera saltos impre- visiveis entre as quatro fases. O que ele nao diz é com que frequéncia nem de que modo acontecem esses saltos (Fig. 3.1). Se passarmos as paginas do manual do RIBA, encontraremos outro mapeamento em escala muito maior. A primeira vista, em razo do imenso detalhamento, esse “Plano de Traba- lho”, como € chamado, parece muito mais promissor. O plano de trabalho compde-se de 12 estdgios descritos come uma linha de agao Logica: 44 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM Primérdios Viabilidade Linhas gerais da proposta Projeto esquematico Projeto detalhado Informagdées sobre a produgao Quantidade de materiais Propostas de orgamento Planejamento do projeto Operacées no local Término Reavaliagao ge xRSC ra tmoneD O manual também apresenta de for- ma reveladora, uma versao simplificada no que ele descreve como: “terminolo- gia comum”: A-B Programa de necessidades C-D Esbogos E-H_ Desenhos executivos J-M_ Operagdes no local Com base nisso, podemos ver o plano de trabalho como realmente é: uma descri¢io nao do processo, mas dos produtos do processo. Ele nao nos diz como o arquiteto trabalha, mas o que tem de ser produzido em termos de relatérios de viabilidade, desenhos basicos e desenhos para a producao. Além disso, o plano também detalha os servicos oferecidos pelo arquiteto em termos de obter aprovagdo dos érgaos de planejamento urbano e supervisio- nar aobra. Assimilagio Os arquitetos costumavam receber os seus honorarios de acordo com um sistema padronizado de valores e for- mas de pagamento que fazia parte das Condiges de Contratacao de Arquite- tos. Atualmente, os honorarios depen- dem da negociacdo entre arquitetos ¢ clientes, e tanto a faixa da remunera- sao quanto a forma de pagamente sao muito varidveis. No entanto, o caso é que a elaboracao de um projeto arqui- tetonico pode durar muito tempo, com frequéncia varios anos, e assim, os arquitetos, para se manter solventes, precisam receber antes do fim do ser- vigo. Com isso, o plano de trabalho do RIBA era usado, historicamente, para combinar em quais estagios do traba- Iho haveria pagamentos parcelados. Portanto, o plano de trabalho também pode ser considerado parte de uma transagdo comercial; ele informa aos clientes 0 que receberdo e descreve 0 que os arquitetos tém de fazer. Nao nos diz, necessariamente, como isso ¢ feito. © plano de trabalho também des- «reve o que os outros membros da equipe do projeto (supervisor de or¢a- mento, engenheiros etc.) farao e como se relacionarao com o arquiteto, sendo este claramente retratado como geren- te e lider da equipe. Isso revela ainda mais que o plano de trabalho faz parte do exercicio da propaganda da classe dos arquitetos para assegurar-lhes um Estudo geral Desenvolvimento Comunicagéo. 4 Fig. 3.41 Mapeamento do pracesso de projeto de acordo com 0 plano de trabalho do RIBA papel de lideranga na equipe multidis- ciplinar que projeta a edificagdo, Mais uma vez, hoje esse nao é mais o ponto de vista geral sobre o papel do arquite- to! Nada disso deve ser entendido como eritica ao plano de trabalho do RIBA, que provavelmente cumpre as suas fungées de maneira adequada, mas, no final, é provavel que ele nos ensine mais sobre a histria do papel da enti- dade do que sobre a natureza do pro- cesso de projeto na arquitetura. Dois académicos, Tom Markus (1969b) e Tom Maver (1970), preduziram mapeamentos bem mais elaborados do processo de projeto na arquitetura (Fig. 3.2). Eles defendiam que o quadro completo do método de projetar exi- ge tanto uma “sequéncia de decisdes” quanto um “processo de projeto” ou “morfologia’, e sugerem que precisa- mos passar pela sequéncia de anilise, sintese, avaliacao e decisao do processo. de projeto (est4gios 2, 3, 4e 5 do manual do RIBA) em niveis cada vez mais deta- Thados. Como os conceitos de anilise, sintese e avaliacdo aparecem com fre- Linhas Gerais Da Proposta 3 Mapeamento do proceso de projeto 45 quénciana literatura sobre metodologia de projeto, vale a pena apresentar algu- mas definicdes em linhas gerais antes de examinar esses mapeamentos com. mais detalhes. Aanilise envolve a investigacio das telagdes na busca de algum padrao nas informagées disponiveis e a classifica- sao dos objetivos. A analise é 0 ordena- mento e a estruturacéo do problema. A sintese, por sua vez, caracteriza-se pela tentativa de avancar e criar uma resposta ao problema = a geracao de solugGes. A avaliacao envolve a critica das solugdes sugeridas em relacao aos objetivos identificados na fase de ané- lise. Para ver como essas trés funcdes de andlise, sintese e avaliacao se rela- cionam na pratica, podemos examinar Os pensamentos de um enxadrista que decide a préxima jogada. O procedi- mento sugere que o nosso jogador deve analisar primeiro a posicao atual no tabuleiro, estudando todas as relagdes entre as pecas: as que estao ameacadas como, e quais casas desocupadas con- tinuam sem defesa, A tarefa seguinte ‘Anélise Sintese Projeto Detalhado Avaliacio Fig. 3.2 O mapeamento do processo de projeto de Markus/Maver 46 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM seria esclarecer os objetivos. & ébvio que o objetivo final do jago, em lon- gO prazo, é vencer, mas nesse estagio especifico as prioridades entre ataque € defesa e entre ganho imediato ou pos- terior tém de ser decididas. O estagio de sintese seria sugerir uma jogada, que pode surgir como ideia completa ou em partes, tal como mover uma peca especifica, ocupar uma determinada casa ou ameacar certa peca, @ assim por diante. Essa ideia, entao, precisa ser avaliada em rela¢do aos objetivos antes de decidir se aquela jogada especifica sera feita ou nao. Para voltar ao mapeamento de Markus/Maver, j4 vimos que os mape- amentos do processo de projeta preci- sam permitir oretorno a uma atividade precedente. Ao ser examinada, a pri- meira jogada pensada pelo nosso enxa- drista pode mostrar-se imprudente ou até perigosa, e 0 mesmo acontece nos projetos. Isso explica a linha que retor- na da avaliagao a sintese na sequéncia de decisées de Markus/Maver, que, em termos simples, exige que o projetis- ta tenha outra ideia, j4 que a anterior mostrou-se inadequada. A presenca desse retorne no dia- grama, porém, provoca outra pergunta. Por que é o Unico retorno? O desenvol- vimento de uma solugao nao pode indi- car que é preciso mais andlise? Mesmo ne jogo de xadrez, uma proposta de jogada pode revelar um problema novo e sugerir que a percepcio original do estado do jago estava incompleta e que mais analise é necessaria. Isso acon- tece com frequéncia ainda maior ao projetar, quando o problema nao esta inteiramente descrito, como no tabulei- ro de xadrez. Isso foi admitido ha muito tempo por John Page (1963), que avisou Conference on Design Methods [Con- feréncia sobre Métodos de Projetar] de 1962, em Manchester: Ao projetar, na maioria das situagdes praticas, depois que produzimos isso, descobrimos aquilo e fizemos a sintese, percebemos que esquecemos de analisar outra coisa aqui, e temos de dar a volta toda e produzir uma sintese modificada, © assim por diante Portanto, somos levados 4 conelu- sao inevitavel de que, na verdade, 0 nosso mapeamento deveria ter uma linha de retorno de cada fungdo a todas as funcGes precedentes. No entanto, esse mapeamento tem mais um pro- blema (Fig. 3.3). Ele indica, outra vez de forma aparentemente légica, que o pro- jetista parte do geral para o particular, das “linhas gerais da proposta” para 0 “detalhamento do projeto”. O estudo concreto da maneira como os projetis- tas trabalham revela que isso ¢ bem menos claro do que parece. Em ter- mos convencionais, 0 mapeamento de Markus/Maver do processo de projeto Fig. 3.3 Mapeamento generalizado do proceso de projeto dos arquitetos indica que os primeiros estagios tratam da organizacio geral e da disposigao dos espacos, e os poste- riores, da selecao dos materiais usados na construgao e do detalhamento da sua juncdo. Na verdade, acontece que esse é outro exemplo de algo que pare- ce légico num estudo superficial, mas que, na realidade, é mais confuso. Isso foi bem explicado pelo famoso arquite- to americano Robert Venturi: Temos uma regra que diz que, as vezes, é 0 rabo que abana © cachorro, ou seja, é 0 detalhe que determina 0 geral. Nao vamos necessariamente do geral para o particu- lar e, com bastante frequéncia, fazemos © detalhamento no principio, em bos parte para servir de base. (Lawson, 19946). £ por essa razo que Venturi fica tao descontente com a tendéncia cada vez maior, nos Estados Unidos, de separaro projeto conceitual do desenvolvimento do projeto, com a indicagao até de arqui- tetos diferentes para os dois estagios. 0 ‘uso no Reino Unido do sistema de “pro- jetar e construir” causou problemas semelhantes. Pelo menos uma arquite- ta bem-sucedida e muito admirada, Eva Jiricna, revelou que o seu processo de projeto é, em boa parte, uma questéo de comegar com o que outros, conven- cionalmente, considerariam detalhe. Ela gosta de comegar escolhendo mate- riais e desenhando detalhes em tama- nho natural da sua juncao: No nosso esctitério, costumamos come- ser com detalhes em tamanho natural [-] por exemplo, se temos alguma ideia do que vemos criar com jungoes diferen- tes, podemos criar um esquema que sera bom porque determinados materiais 56 3 Mapeamento do processo de projeto 47 ‘s@ juntam confortavelmente de uma certs manaira. (Lawson, 19946). £ claro que, se funciona bem para uma arquiteta tao elogiada, temos de levar esse processo a sério. Portan- to, © problema do mapeamento de Markus/Maver é apenas o que signifi- ca “linhas gerais” e o que se quer dizer com “detalhe”. A experiéncia indica que isso varia n4o sé entre projetistas como também entre projetos. Uma decisao que talvez pareca fundamental no ini- cio de um determinado projeto pode ser, em outro, questao de detalhe que ficaré para o final. Ainda que a prépria estratégia de projetar nao seja conduzi- da pelos detalhes, como no caso de Eva Jiricna, parece pouco realista supor que © processo de projeto tenha de levarem conta, inevitavelmente, niveis crescen- tes de detalhamento. Do jeito que esta, o mapeamento nao mostra mais uma rota firme atra- vés do processo inteiro (Fig. 3.4). Ele mais parece um daqueles caéticos jogos de salo em que os jogadores correm de Fig. 3.4 Representagdo gréfica mais honesta do processo de projeto 48 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM um cémodo a outro da casa sé para des- cobrir para onde terao de ir em seguida; ajuda tanto o projetista a orientar-se no processo quanto um diagrama de como andar mostrado a uma crianga de em um ano. Saber que o projeto consiste de andlise, sintese ¢ avaliagao ligadas em um ciclo iterativo nao capacita nin- guém a projetar, assim como conhecer os movimentos do nado de peito nao impede que alguém se afogue na pis- cina, Cada um tera de entender como aquile funciona por conta propria. 3.3 Esses mapeamentos sao exatos? Poderiamos continuar examinando os mapeamentos do processo de projeto, ja que um nimero consideravel deles foi desenvolvido. Mapeamentos do processo de projeto semelhantes aos ja discutidos foram propostos para a engenharia (Asimow, 1962; Rosenstein; Rathbone; Schneerer, 1964), o desenho industrial (Archer, 1969) e até o plane- jamento urbano (Levin, 1966). Esses mapeamentos bastante abstratos de campos tao variados mostram um grau consideravel de concordancia, indican- do que talvez Sydney Gregory estivesse certo o tempo todo: pode ser que o pro- cesso de projeto seja o mesmo em todos os campos. Mas, infelizmente, nenhum. dos autores aqui citados mostra provas de que os projetistas realmente seguem os seus mapeamentos, razio pela qual precisamos ter cautela. Assim, esses mapeamentos ten- dem a ser, ao mesmo tempo, tedricos & normativos. Parecem derivar mais do pensamento sobre o ato de projetar do que da observacéo experimental; tipi- camente, sao légicos e sistematicos. Ha riscos nessa abordagem, jé que quem. escreve sobre metodologia do projeto nao sdo necessariamente os melhores projetistas. Parece sensato supor que 0 mais provavel é que os melhores proje- tistas dediquem 0 seu tempo a projetar, e nao a escrever sobre metodologia, Se isso for verdade, seria bem mais inte- ressante saber como os melhores pro- jetistas realmente trabalham do que saber 0 que um metodologista do pro- jeto acha que deveriam fazer! Aqui, o fator compensador € que muitos auto- res académicos também se dedicam a ensinar a projetar e, portanto, tm mui- tos anos de experiéncia na observacio dos alunos, No entanto, isso também leva a perguntar se os alunos néo pro- jetam de forma diferente dos profissio- nais experientes. 3.4 Alguns estudos empiricos Todas essas perguntas indicam que so necessdrias provas concretas em vez de apenas pensamento légico, Nos ultimos anos, comecamos realmente a estudar o ato de projetar de forma mais organizada e cientifica. Foram e continuam a ser feitos estudos em que os projetistas sao investigados, e, a partir dessas pesquisas, aprendemos aos poucos algumas das sutilezas de como realmente se pratica o projetar. A seguir, examinaremos alguns des- ses trabalhos, mas antes é necessdria uma palavra de cautela. Sabidamente, realizar trabalhos empiricos sobre 0 Processo de projeto é dificil. Por defi- nigdo, esse processo acontece dentro da cabega. E verdade que podemos ver projetistas desenhando enquanto pen- sam, mas nem sempre os desenhos revelam todo o processo de pensamen- to. Nem sempre os préprios projetistas esto acostumados a analisar e expli- citar esse processo de pensamento. HG muitas técnicas experimentais que podemos usar para superar esses pro- blemas, mas é provavel que todos os experimentos sobre a natureza do pro- cesso de projeto tenham alguma falha. No entanto, quando se junta todo esse trabalho, surge aos poucos um quadro geral da maneira como pensam os pro- jetistas. 3.5 Um estudo em laboratério com alunos de projeto Ha alguns anos, interessei-me pela questiio geral do estilo cognitivo no pro- cesso de projeto e de como era adquiri- do. Como aluno de arquitetura e depois de psicologia, comecei a sentir que os meus colegas tinham alguns modos de pensar iguais aos meus, mas que os arquitetos pareciam pensar de forma visivelmente diferente dos psicélogos. Ento, duas questdes muito especit cas evolufram a partir desse interesse geral. Essas diferencas seriam reais ou no, e, caso fossem reais, refletiriam a natureza diferente das pessoas que se 3 Mapeamento do processo de projeto 49 tornavam arquitetos ou psicélogos, ou a natureza diferente do seu trabalho? Assim, uma série de situacdes experimentais foi criada para que os participantes resolvessem problemas semelhantes a projetos em condicoes de laboratério, sem nenhuma outra dis- tragao (Lawson, 1972), Naturalmente, era fundamental que nenhum conhe- cimento técnico especializado fosse necessario para resolver os problemas, de modo a evitar que os arquitetos par- ticipantes tivessem vantagem sobre os outros, Numa experiéncia, os indivi- duos tinham de completar um projeto usando varios blocos de madeira colo- ridos ¢ modulares. Eles recebiam mais blocos do que seria realmente neces- sario, e 0 problema exigia compor um arranjo em uma Unica camada de trés médulos por quatro. A face vertical dos blocos era colorida de vermelho e azul e, em cada exercicio, pedia-se ao parti- cipante que a parede externa do arran- jo final tivesse o maximo possivel de vermelho ou azul (Fig. 3.5). A tarefa ficava mais complexa com a introdugao de regras “ocultas” rela- tivas as relagdes entre alguns blocos. Isso fazia com que algumas combina- ges de blacos fossem permitidas e outras, nao. Essas regras eram muda- das a cada problema, e os participantes sabiam que algumas regras estavam em vigéncia, mas nao sabiam quais. Assim, na realidade, esse problema abstrato é uma situagao de projeto bas- tante simplificada, na qual uma solugao fisica tridimensional tem de cumprir certos abjetivos de desempenho decla- rados e, ao mesmo tempo, obedecer a 50 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM uma estrutura relacional que, a princi- pio, nao é totalmente explicitada. Para nao intimidar os participantes, eles foram deixados asés para resolver os problemas, com um computador que pro- punha cada problema e lhes dizia, quan- do perguntavam, se a solucdo proposta era ou no uma combinacao permitida. Além. disso, sem que os participantes soubessem, 0 computador era capaz de registrar e analisar a sua estratégia de solucao de problemas. A principio, foram usados dois grupos de participantes, um de alunos do tiltimo ano de arquitetura, outro de alunos de pés-graduagao em ciéncias (Lawson, 1979b), Os dois grupos mostraram estraté- gias bem constantes e espantosamente diferentes. Embora o problema seja sim- ples quando comparado a problemas de projeto mais reais, ainda ha mais de seis mil respostas possiveis. Claramen- te, a tarefa imediata dos participantes era reduzir esse ntimero e buscar uma boa solucao. Os cientistas adotaram a técnica de experimentar uma série de projetos que usavam o maximo possi- vel de diferentes blocos e combinacées de blocos, eda forma mais rapida possi- vel. Dessa maneira, tentaram maximi- zar as informac6es disponiveis sobre as combinagdes permitidas. Se conseguis- sem descobrir a regra que comanda- va quais combinagdes de blocos eram permitidas, poderiam entao buscar um arranjo que otimizasse a cor exigida na parte externa do projeto. Os arqui- tetos, ao contrario, escolheram os blo- cos de modo a obter o perimetro da cor correta, Se essa combinagao nao fosse aceitavel, substituiam-na pela proxima Fig. 3.5 Experiéncia de laboratério para investigar 0 processo de projeto combinagao de blocos mais favordvel, e assim por diante, até descobrir uma solugdo aceitavel. A diferenga essencial entre as duas estratégias é que, enquanto os cientis- tas concentravam a aten¢ao em enten- der as regras subjacentes, os arquitetos ficaram obcecados pela obtengo do resultado desejado. Portanto, podemos descrever a estratégia dos cientistas come concentrada no problema e a dos arquitetoscomoconcentradanasolugao. Com isso, tinhamos o comeco de uma resposta a nossa primeira pergunta. Parecia mesmo que 0 estilo cognitivo de arquitetos ¢ cientistas era sempre diferente. Para abordar a segunda per- gunta, foi necess4ria outra rodada de experiéncias. Nela, os participantes eram alunos no final do curso secunda- rio, pouco antes de irem para a univer- sidade, e alunos universitarios no inicio do primeiro ano de arquitetura. Os dois grupos foram bem menos bons na solu- Go de todos os problemas, e nenhum deles mostrou alguma estratégia cons- tante em comum. Assim, parecia que a Tesposta da segunda pergunta seria que @ a experiéncia educacional dos Tespectivos cursos de graduagdo que faz os alunos de ciéncia e de arquitetu- ra pensarem do jeito como pensam, e nao algum estilo cognitive inerente. OQ comportamento dos grupos de arquitetos e de cientistas parece sen- sato quando comparado ao estilo edu- cacional dos seus respectivos cursos. Os arquitetos aprendem com uma série de estudos de projetos e recebem criti- cas as solugdes encontradas, e nao ao método utilizado. Ninguém lhes pede que entendam problemas nem que ana- lisem soluc6es. Assim como no mundo Profissional real, a solucdo é tudo, eo processo ndo é examinado! Em compa- Tagao, os cientistas recebem aprendi- zado teérico. Aprendem que a ciéncia avanga por meio de um método que é explicitado ¢ pode ser reproduzido por outros. Os psicélogos, especificamente, em razao da natureza bastante “flexi- vel” da sua ciéncia, aprendem a ter mui- tissimo cuidado com a metodologia. No entanto, essa explicacao talvez Seja simples demais. Embora o desem- penho geral nao fosse melhor, ambos 0s grupos de alunos de projeto mos- traram habilidade maior que a de seus colegas na hora de formar as solugdes tridimensionais. Parece que tinham maior capacidade espacial e que esta- vam mais interessados em simplesmen- te brincar com os blocos. Sera possivel que os respectivos sistemas educacio- nais da ciéncia e da arquitetura sim- plesmente reforgam o interesse pelo abstrato ou pelo concreto? Essas expe- riéncias nao nos permitem responder a 3 Mapeamento do precessode projeto $1 essa pergunta. No entanto, também sao muito limitadas na capacidade de servir de modelo do processo real de projetar, de modo que, para avancar mais, preci- samos recorrer a estudos mais realistas. Os resultados dessa experiéncia também questionam ainda mais a divi- sao entre andlise e sintese vista nos mapeamentos do processo de projeto no inicio deste capitulo. O que esses dados deixam claro é que os alunos mais expe- rientes do tltimo ano de arquitetura usaram de forma constante uma estra- tégia de andlise por meio da sintese. Eles aprenderam mais sobre o problema com as tentativas de criar solugdes, e nao com © estudo deliberado e separado do problema propriamente dito. 3.6 Algumas experiéncias mais realistas Numa experiéncia um pouco mais rea- lista, pediu-se a projetistas experien- tes que reprojetassem um banheiro para casas teoricamente construidas (Eastman, 1970). Aqui, os participantes podiam desenhar e conversar sobre o que faziam, e todos esses dados foram registrados e analisados. A partir des- ses relatorios, Eastman mostrou que os projetistas estudaram o problema por meio de uma série de tentativas de criar solugdes. Nesses relatérios nao ‘ha nenhuma divisao significativa entre andlise e sintese, mas sim um apren- dizado simulténeo sobre a natureza do problema e a variedade de solugdes Possiveis. Os projetistas receberam o Projeto de um banheiro existente jun- 52 €OMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM to com possiveis criticas dos clientes sobre o aparente desperdicio de espa- go. Assim, certas partes do problema, como a necessidade de reorganizar as pecas do banheiro para dar mais sen- sagio de espaco e luxo, foram expos- tas com bastante clareza. No entanto, ‘os projetistas descobriram muito mais sobre o problema ao avaliar de forma critica as suas préprias solugces. Um dos relatérios de Eastman mostra como um projetista identificou o problema de separar o vaso sanitaério do chuveiro por razGes de privacidade. Mais tarde, isso passa a fazer parte de uma exigén- cia muito mais sutil quando ele decidiu que o cliente nfo gostaria de um dos seus projetos que parece esconder o vaso sanitario deliberadamente; o vasa deveria ficar em um lugar reservado, mas nao escondido. Essa exigéncia sutil nao foi pensada em termos abstratos e afirmada antes da sintese, mas desco- berta em consequéncia da manipula- cao das solugdes. Com uma ebordagem semelhante, Akin pediu a arquitetos que projetas- sem edificagdes mais complexas do que o banheiro de Eastman. Ele observou € registrou os comentarios dos partici- pantes numa série de relatérios (Akin, 1986). Na verdade, ele resolveu, especi- ficamente, “desagregar” o processo de projeto, ou decompé-lo em suas partes constitutivas. Mesmo com esse ataque intervencionista ao problema, Akin nao conseguiu identificar andlise e sintese como componentes significativamen- te isolados do processo de projeto. Na verdade, ele descobriu que os seus pro- jetistas geravam novas metas e redefi- niam restricdes o tempo todo. Portanto, para Akin, a andlise faz parte de todas as fases do projeto e a sintese comeca ‘bem no inicio do processo. 3.7 Entrevistas com projetistas Até aqui, examinamos o resultado de experiéncias em que se pede a pro- jetistas que trabalhem em condigoes experimentais. Na verdade, essas con- dicées nunca reproduzem 0 verdadeiro estidio de projeto, e a pesquisa alter- nativa com entrevistas sabre o método permite aos projetistas descrever como trabalham em condicdes normais. £ claro que esse método de pesquisa também tem falhas, ja que depende de 0s projetistas dizerem mesmo a verda- de! Embora seja bastante improvavel que mintam deliberadamente, ainda assim a memoria tem os seus truques, e os projetistas podem se convencer, em retrospecto, de que o processo foi mais légico e eficiente do que de fato foi, Uma das vantagens das entrevistas € que as vezes conseguimos convencer excelentes projetistas a permitir que os entrevistemos, enquanto, infelizmente, muitas experiéncias de laboratério sao realizadas com alunos, de acesso mais facil para os pesquisadores! 3.8 O gerador primério Ha alguns anos, Jane Darke, assistente de pesquisa e colega minha, entrevis- tou alguns arquitetos britanicos famo- sos acerca de suas intengSes quando Projetavam habitacdes publicas per- tencentes a gavernos locais. Os arqui- tetos discutiram primeizo a sua opiniao sobre a habitagao em gerale como viam 0s problemas de projetar moradias, e depois a histéria de um conjunto habi- tacional especifico de Londres. O proje- to de moradias nessas condicdes 6 um problema extremamente complexo. A série de controles legislativos e¢ econd- micos, as necessidades sociais sutis e as exigéncias dos terrenos de Londres interagem para gerar uma situacao altamente restritiva. Diante de toda essa complexidade, Darke mostra que ‘0S arquitetos tendem a apegar-se a uma ideia relativamente simples logo no inicio do processo de projeto (Darke, 1978). Essa ideia - ou gerador primario, ‘como diz Darke - pode ser a criagao de uma rua com casas geminadas, deixar © maximo possfvel de espaco aberto, @ assim por diante. Por exemplo, um arquiteto descreveu como “supusemos que um terraco seria a melhor maneira de resolver |...] e 0 exercicio todo, for- malmente falando, foi achar um jei- to de fazer um terrago continuo, para usar 0 espaco da maneira mais eficien- te |..". Assim, uma ideia muito sim- ples 6 usada para reduzir a variedade de solugGes possiveis, e o projetista, entao, consegue construir e analisar rapidamente um esquema. Mais uma vez, vemos aqui essa relacdo muito 3 Mapeamento do proceso de projeto 53 intima e talvez inseparavel entre and- lise e sintese. Darke, no entanto, usou os indicios obtidos empiricamente para propor um novo tipo de mapeamento, que tinha algum paralelo com uma proposta mais tedrica (Hillier; Musgro- ve; O'Sullivan, 1972), Em vez de anélise- sintese, o mapeamento de Darke mos- tra gerador-conjetura-andlise (Fig. 3.6). Em linguagem simples, decida primeiro o aspecto do problema que acha impor- tante, desenvolva um projeto rudimen- tar com base nisso e, depois, examine-o para ver o que mais é possivel descobrir sobre 0 problema. Outros indicios que sustentam a ideia do gerador primario foram reco- Thidos mais recentemente com a obser- wagao experimental e a andlise de desenhos produzidos por projetistas (Rowe, 1987). Aoexpor com detalhes um desses estudos de caso, Rowe descreve a andlise de uma série de desenhos de projeto e percebe linhas de raciocinio baseadas numa ideia sintética e alta- mente formativa sobre o projeto, e nao na anélise do problema: “Envolvendo © uso aprioristico de um principio ou modelo organizador para conduzir o processo de tomada de decisées”. As vezes, essas primeiras ideias, geradores primdrios ou principios organizadores tém uma_ influéncia que se estende por todo o processo de projeto e é perceptivel na solugéo. No entanto, as vezes também acontece que Fig. 3.6 Conjetura Anailise = Mapeamento de processo de projeto de Jane Darke 54 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM os projetistas obtém aos poucos um entendimento suficientemente bom do problema para rejeitar as ideis iniciais com as quais obtiveram o conhecimen- to, Ainda assim, pode ser surpreenden- temente dificil conseguir essa rejeicao. Rowe (1987) registra a “tenacidade com que os projetistas se agarram a ideias e temas importantes no projeto diante de dificuldades que, as vezes, podem parecer insuperéveis”. Com frequéncia, essas mesmas ideias criam dificulda- des que podem ser técnicas ou orga- nizacionais, e parece estranho que, diante disso, nao sejam rejeitadas mais prontamente. No entanto, as ancoras iniciais podem ser reconfortantes, e, quando o projetista consegue superar as dificuldades e as ideias originais eram boas, é bem provavel que reco- nhegamos nisso um ato de grande cria- tividade. Por exemplo, o famoso projeto de Jorn Utzon para a Sydney Opera Hou- se era baseado em ideias geométricas que s6 puderam concretizar-se depois que foram superados problemas técni- cos considerdveis, tanto na estrutura quanto no revestimento. Infelizmente, nao somos todos tao criativos quanto Utzon, e costuma acontecer que os alu- nos de projeto criem mais problemas do que conseguem resolver ao escolher geradores primdrios inadequados ou pouco praticos. Voltaremos a essas ideias numa secio mais adiante, mas, antes de dei- xarmos o trabalho de Darke, valea pena observar outros indicios que ela apre- senta com poucos comentarios, mas que questionam ainda mais 0 valor dos mapeamentos do processo de projeto. Um des arquitetos entrevistados foi explicito a respeito do seu método para obter um programa de necessidades parao projeto (estagios A e B do manual do RIBA): © programa surge, essencialmente, numa telag3o constante entre o que é possivel na arquitetura e © que queremos fazer, e tudo o que fazemas modifica a nossa ideia do que é possivel. |... nao se pode come- gar com © programa e (depois) projetar, & preciso comesar projetando e progra- mando ao mesmo tempo, porque as duas atividades s30 completamente interliga- das, (Darke, 1978). Isso também deve soar bem verda- deiro para todo arquiteto que ja proje- tou para comités de clientes. Descobri que uma das maneiras mais eéficazes de tornar visiveis as necessidades dis- crepantes dos grupos em edificagdes multitiso, como hospitais, é apresen- tar um esboco de projeto ao comité de clientes. Parece que os clientes acham mais facil transmitir os seus desejos ao reagir a uma proposta de projeto e cri- ticé-la do que se tentarem redigir espe- cificagdes de desempenho abrangentes e abstratas. Essa discussao simplificou demais a realidade ao sugerir, implicitamente, que os geradores primirios sao sempre encontrados no singular. Na verdade, como ressalta Rowe, é a conciliagdo © a resolucéo de duas ou mais dessas ideias que caracteriza os protocolos de projeto, No entanto, devemos deixar para outro capitulo o restante da dis- cussao dessa complicagao e da rejeicao ou resolucdo de geradores priméarios. 3.9 Em resumo Este capitulo examinou 0 processo de projeto como sequéncia de atividades e achou a ideia bem pouco convincen- te. Sem divida, é sensato afirmar que, para que o projeto ocorra, varias coi- sas tém de acontecer, Em geral, é pre- ciso haver um resumo do problema, o projetista tem de estudar e entender as exigéncias, produzir uma ou mais solu- Ges, testé-las em relacdo a critérios explicitos ou implicitos e transmitir 0 Pprojeto a clientes e construtores. No entanto, a ideia de que essas atividades ocorrem nessa ordem, ou mesmo de que sao eventos separados e identifica- veis, parece muito questionavel. O mais provavel é que projetar seja um proces- so no qual problema e solugdo surgem juntos. Muitas vezes, o problema pode do ser totalmente compreendido sem alguma solucao aceitavel para ilustra- Jo, Na verdade, os clientes costumam achar mais facil descrever o problema teferindo-se a solucdes existentes e conhecidas. Tudo isso é muito confuso, ‘mas, assim mesmo, é uma das muitas caracteristicas dos projetos cujo estudo tao desafiador e interessante. A nossa tentativa final de mapear o ‘Processo de projets mostra essa nego- 3 Mapeamento de proceso de projeto 55 ciagio entre problema e solugio, um ‘como reflexo do outro (Fig. 3.7). Sem divida, as atividades de andlise, sinte- se e avaliacdo esto envolvidas nessa negociacéo, mas © mapeamento nao indica pontos de partida e de chegada nem a diregao do fluxo de uma ativida- de a outra. No entanto, nao se deve ler esse mapa de forma demasiado literal, j@ que o mais provavel é que todo dia- grama visualmente compreensivel simplifique demais um processo men- tal claramente muito complexo. Na préxima seco deste livro, exa- minamos a natureza dos problemas de projeto e das suas solucdes para com- preender melhor por que os projetistas pensam do jeite que pensam. O processo de projeto visto como negociagéo entre problema e solucdo por meio das trés atividades de andlise, sintese e avaliagio 4 Os componentes dos problemas de projeto Perecia que no minuto seguinte descobririam uma solugao. Mas, para ambos, era claro que o fim ainda estava muito, muito longe, e que 2 parte mais dificil e complicads apenas comecava. Anton Tchekhov, A dama do cachorrinho E um antigo axioma meu que as pequenas coisas sao infinitamente mais importantes, Sir Arthur Conan Doyle, As aventuras de Sherlock Halmes 4.1 Acima e abaixo do problema Tradicionalmente, os projetistas sao menos identificados pelo tipo de problema que enfrentam do que pelo tipo de solugao que produzem. Assim, os desenhistas industriais tém esse nome por criar produtos para lojas ¢ indiistrias, enquanto se espera que designers de interiores criem espagos internos. £ claro que a realidade nao é assim to rigida, Muitos projetistas interessam-se por outros campos, alguns de maneira bastan- te regular, mas a maioria tende a nao ser to versatil quan- to alguns autores que escrevem sobre metodologia de proje- to parecem pensar. J4 vimos que, até certo ponto, isso resulta da variedade de tecnologias de que o projetista entende. Por exemplo, os arquitetos precisam entender, entre muitas outras coisas, as propriedades estruturais e os problemas de jungio relativos 4 madeira. Assim, parece provavel que a maioria dos arquitetos poderia tornar-se projetista de méveis e criar uma 40 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM cadeira de madeira, embora os projeti tas de méveis costumem afirmar que reconhecem as cadeiras projetadas por arquitetos. Isso porque a maioria des arquitetos esté acostumada a manejar a madeira numa escala e num contex- to diferentes e, portanto, jd desenvol- veu uma “linguagem da madeira” com um sotaque arquitet6nico perceptivel. As cargas suportadas e os métodos de construgao de edificagdes sio bem diferentes dos encontrados no mobi- lidrio. Embora a madeira possa resol- ver ambos os problemas, hd muitos outros materiais, cada um deles com a sua tecnologia, que geralmente nao sao comuns 4 arquitetura e ao projeto de méveis, Embora ambas sejam possi- veis, nao é comum ver cadeiras de tijolo nem edificagdes de polipropileno! Os varios campos em que se proje- ta também sao considerados diferen- tes em termos da dificuldade inerente aos problemas que se apresentam., E facil supor que tamanho representa complexidade. Esse argumento insi- nua que a arquitetura tem de ser mais complexa que o desenho industrial, ja que as edificagdes sfo maiores que os produtos. Sem diivida, é possivel ver os campos do projeto tridimensional como uma érvore, com o planejamento urbano na raiz e 0 tronco comegando a dividir-se em desenho urbano, arquite- tura e design de interiores, até os ramos finos do desenho industrial, mas isso realmente quer dizer que o planeja- mento urbano é mais dificil que o dese- nho industrial? (Fig, 4.1). £ claro que dificuldade é uma ques- tao subjetiva. Muitas vezes, o que um acha dificil 6 facil para outro; logo, devemos examinar a natureza exata desses varios tipos de problema para saber mais. £ ébvio que as solucdes do planejamento urbano tém escala muito maior que as solugées arquiteténicas, mas os problemas urbanisticos seriam, de certa forma, maiores e mais com- plexos que os arquitetGnicos? A res- posta a essa pergunta term de ser “nao necessariamente”. Aqui, o que real- mente importa é até onde o projetista tem de irna hierarquia. Por exemplo, a0 projetar uma casa comum, é improva- vel que o arquiteto se preocupe muito com consideragdes detalhadas sobre métodos de abrir e fechar a porta dos armérios. Talvez seja preciso pensar um pouco sobre o tipo de janela, se Desenho industrial Tp Projeta de interiores Arquitetura WY Planejamento urbana Fig. Uma “arvore” com trés campos do projeto tridimensional 4 Os componentes dos problemas de projeto 41 basculante, de correr ou pivotante, mas nem isso costuma ser fundamental. No entanto, o projetista de um barco ou de trailer pequeno talvez precise pensar com muito cuidado nessas questées. Até o modo como se abre a porta de um armario pode ter importancia fun- damental no pouco espaco disponivel. Portanto, parte da definicao de um pro- blema de projeto é o nivel de detalha- mento que exige atengdo, O que pode parecer detalhe para um arquiteto tal- vez seja fundamental para o desenhis- ta industrial ¢ 0 designer de interiores, ¢ assim por diante. 4.2 O comeco eo fim do problema Entdo, como chegar ao término de um problema de projeto? Nao sera possi- vel continuar se envolvendo, indefini- damente, com mais e mais detalhes? £ isso mesmo: o processo de projeto ‘nao tem um fim natural. Nao ha como decidir, sem sombra de dtvida, quan- do um problema de projeto foi resolvi- do. Os projetistas simplesmente param de projetar quando ficam sem tempo ‘ou quando, na sua avaliacao, nao vale 2 pena explorar a questao ainda mais, Nos projetos, assim como na arte, uma das habilidades é saber quando parar Infelizmente, parece que nao ha subs- ‘tituto real para a experiéncia no desen- volvimento dessa capacidade de avalia- ‘$40. Isso traz dificuldades consideraveis mao SG para os estudantes, mas também para os profissionais. Como nao ha um Sm real do problema de projeto, é muito dificil decidir quanto tempo prever para a sua solugao. Em termos gerais, pare- ce que, quanto mais perto se chega de terminar um projeto, com mais exati- dao se consegue estimar quanto traba- Iho resta a fazer. Como vimos na seco anterior, aprendemos sobre os proble- mas de projeto principalmente quando tentamos resolvé-los. Portanto, pode haver muito esforgo antes que o proje- tista saiba realmente até que ponto um problema é dificil. Raramente a primei- ra impressdo é confidvel, nesse caso. Parece que os alunos de projeto tém um otimismo incorrigivel quando estimam a dificuldade dos problemas e o tempo necessério para chegar a uma solucio aceitavel. Em consequéncia, € comum que nao consigam chegar ao nivel de detalhamento exigido pelos professo- res, £ muito facil olhar superficialmente um novo problema de projeto e, a0 nao ver nenhuma grande dificuldade, ima- ginar que nao ha urgéncia. $6 depois, talvez quando for tarde demais, sur- jam as dificuldades em decorréncia de algum esforco. Uma das caracteristicas essenciais dos problemas de projeto é que, muitas vezes, eles nao sao visiveis, mas tem de ‘ser encontrados. Ao contrdrio das pala- vras cruzadas, dos jogos de raciocinio e dos problemas matematicos, nem a meta nem o obstdculo para atingi-la sao expressos com clareza. Na verdade, a expressao inicial dos problemas de pro- jeto costuma ser bem enganosa. Embo- ra tipicamente os problemas sejam expressos sem muita clareza, também € verdade que os projetistas nunca se satisfazem com a apresentacdo do 62 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM problema. Com a fabula da maganeta, Eberhard (1970) ilustrou de forma diver- tida esse habito, as vezes, irritante dos projetistas. Ele insinua que os proje- tistas tem duas maneiras de recuar na hierarquia dos problemas: pela escala- dae pela regressao. Diante da tarefa de projetar uma maganeta nova para a porta do escrit6- rio do cliente, o projetista de Eberhard imagina que talvez “devamos nos perguntar se a macaneta é a melhor maneira de abrir e fechar a porta”. Logo, © projetista questiona se o escritério precisa mesmo de porta, se deveria mesmo ter quatro paredes, e assim por diante. Como conta Eberhard com base na experiéncia, essa linha de argumen- tacdo pode levar ao redesenho da enti- dade da qual fazem parte o cliente e o escritério - e, no final das contas, ques- tiona-se até o préprio sistema politico que permite que essa entidade exista. Essa escalada leva 4 definicéo cada vez mais ampla do problema. Como a ima- gem residual que fica depois que fita- mos uma luz forte, o problema parece seguir o nosso olhar. ‘Também podemos reagir ao proble- ma de projeto do modo que Eberhard chama de regressao, Um aluno meu cuja tarefa era projetar um prédio novo para a biblioteca decidiu que precisava estudar os varios métodos de empres- tare armazenar livros. Como professor, concordei que isso parecia sensato, mas na aula seguinte, descobri que parecia que ele se preparava para se formar em biblioteconomia, ¢ nao em arquitetura. Até certo ponto, essa linha de regressio é encorajada por alguns mapeamentos do processo de projeto examinados no Cap. 3. Na pratica, esse comportamento é apenas o resultado légico da ideia de que a analise precede asintese ea cole- ta de dados, a analise. Como vimos, ao projetar, é dificil saber quais problemas sdo pertinentes e quais informacées serdo tteis antes que se tente obter uma solugio. Muitas vezes, a escalada e a regres- sao andam juntas. Assim, o meu aluno de arquitetura que estuda biblioteco- nomia também pode convencer-se de que um prédio novo para a biblioteca central nao é a resposta. Ele pode argu- mentar que o problema € projetar um novo sistema para tornar os livros mais disponfveis criando filiais da biblioteca, bibliotecas ambulantes ou, talvez, atéo uso de novos métodos de transmissao de dados pela televisao. Embora essa ampliagao continua do problema possa ser usada para evitar a questo e adiar o dia cruel de realmen- te engalfinhar-se com o projeto, ainda assim ela é uma reagao cautelosa e sen- sata a problemas malformulados. Nos projetos, como na medicina, a agdo sé € necessdria quando a situagado atual é um tanto insatisfatéria; mas o que é melhor, tratar os sintomas ou procurar acausa? 4.3 Projetar para consertar Certa vez, um cliente me pediu que pro- jetasse uma ampliagio da sua casa, O pedido inicial era bastante vago, com varias ideias de acrescentar um quarto ou escritério. Era dificil entender o ver- 4 Os componentes dos problemas de projeto 63 dadeiro propésito da ampliacdo, porque a casa ja era bastante grande para que todos os membros da familia tivessem 0s seus quartos e ainda sobrasse um, que poderia ser usado como escritério. Havia pouco espaco livre no terreno e a ampliacdo teria de ocupar o espaco valioso do jardim ou envolver grandes despesas para construir em cima da garagem eremover um espléndidotelha- do em duas aguas. Parecia que qualquer ampliagao estava fadada a criar novos problemas e, provavelmente, nao seria um investimento que valesse a pena. O pensamento do cliente ainda nao estava claro e, numa reuniao, a ideia de conse- guir acomodar os avés foi discutida ao som da misica bastante alta vinda do Quarto de um dos filhos adolescentes. ‘Aos poucos, descobriu-se que essa era averdadeira fonte do problema. Na ver- dade, a casa ja era mesmo bem grande, mas nao suficientemente bem dividida em termos aciisticos. nto, o problema passou a ser um isolamento aciistico melhor, mas isso nao é facil de conse- guir nas construcdes domésticas tradi- ‘cionais existentes. A principio, sugeri -— de brincadeira -a real solucdo: comprem. fones de ouvido para os filhos! Assim, 20 tratar a causa do problema em vez de consertar os sintomas, cliente preser- ‘you o jardim e o dinheiro. Infelizmente, ‘perdi os meus honordrios, mas ganhei ‘um cliente muito grato e que tornou-se ‘meu amigo. Essa é uma visio bem pou- ‘0 glamorosa dos problemas de projeto. A imagem piblica estereotipada do ato de projetar mostra a criacao de objetos Su ambientes novos, originais e sem concessdes. A realidade é que projetar é, fre- quentemente, como um servico de reparos, Parte do problema é corrigir algo que, de certa forma, deu errado, Criar um estilo interno novo para uma empresa comercial, reajustar o interior de uma loja, ampliar uma casa, plantar arvores para formar um cinturao prote- tor ou escolher uma drea para renova- a0 habitacional sao todos projetos que, em campos variados, reagem a situa- Ges insatisfatérias existentes. Por essa tazdo, muitos autores referem-se ao projeto como um tipo de “conserte”. O projetista é visto como se, de certa for- ma, tentasse melhorar ou consertar o que esté errado. Voltaremos mais adian- te a essa nocao do projeto como “con- serto” e examinaremos rapidamente o argumento de que projetar tecnologias para consertar sintomas apenas torna mais firme a causa daqueles sintomas. Por exemplo, projetar barreiras sonoras para filtrar o barulho da rua pode enfra- quecer a luta por um meio de transpor- te mais silencioso e que gaste menos energia do que o motor de combustdo interna. Porém, o tema central deste capitulo é que uma parte significativa dos problemas de projeto costuma ter relag&io com o que ja existe. Assim, a definigéo desse problema é uma ques- tao de decidir exatamente quanto do que jé existe pode ser questionado. Os problemas de projeto nado tém frontei- ras ébvias nem naturais, mas parecem organizar-se de forma mais ou menos hierérquica. Raramente se consegue discernir com precisdéo em que ponto acima do problema declarado é preciso come¢ar e em que ponto abaixo dele se 64 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM deve parar. Descobrir criativamente 0 alcance do problema é uma das habili- dades mais importantes do projetista, e no Cap. 12 examinaremos algumas técnicas de identificacao de problemas. 4.4 O problema multidimensional Os problemas de projeto costumam ser multidimensionais ¢ altamente intera- tivos. £ rarissimo que a coisa projeta- da tenha alguma parte que sirva a um tinico propésito. Dizem que 0 arquiteto americano Philip Johnson observou que ha quem ache as cadeiras bonitas por serem confortaveis, enquanto outros acham as cadeiras confortaveis por serem bonitas. Sem divida, ninguém pode negar a importancia dos aspec- tos visual e ergondmico no projeto de cadeiras. As pernas de uma cadeira empilhavel constituem um problema ainda mais multidimensional. A geo- metria e a construcao das pernas des- sas cadeiras tém de oferecer estabili- dade e sustentacao, permitir o encaixe quando empilhadas e ser favoraveis a intencdo visual do projetista para a cadeira como um todo. £ improvavel que o projetista de uma cadeira dessas seja bem-sucedido se pensar separa- damente nos problemas de estabilida- de, sustentacao, empilhamento ¢ linha visual, ja que todos tm de ser satisfei- tos pelo mesmo elemento da solugao. Na verdade, o projetista também preci- sa ter consciéncia de outros problemas mais gerais, como custo, limitagdes da fabricagéo, disponibilidade de matéria- prima e durabilidade do acabamento e das juncées. Ao projetar, é necessario frequen- temente imaginar uma solugio inte- jgrada para toda uma aglomeracao de \exigéncias. Vimos, no Cap. 2, como a ‘roda de carroga em forma de prato de George Sturt foi uma dessas respostas integradas a exigéncias estruturais, mec4nicas e até legais. Nas edificagées, a janela 6 um exemplo excelente de outro componente inevitavelmente multidimensional (Fig. 4.2). Além de deixar entrar o sol e a luz do dia e per- mitir a ventilacao natural, também se costuma exigir da janela que permita a visdo da paisagem mantendo a pri- vacidade. Como interrup¢ao da parede externa, a janela apresenta problemas de estabilidade estrutural, perda de calor e transmissao de ruidos, e, por- tanto, comprovadamente, € um dos elementos mais complexos da edifi- cacao, Pode-se usar a ciéncia moder- na para estudar cada um dos muitos problemas do projeto de janelas, com ramos pertinentes da fisica, da psico- fisica e da psicologia. Essa realmente € uma série complexa de conceitos para por diante de um arquiteto. A maioria dos cursos de arquitetura tenta ensinar a maior parte desse material cientifico. No entanto, talvez os métodos da cién- cia sejam surpreendentemente intiteis para o projetista. Em geral, as técnicas modernas da ciéncia da edificacdo sé ofereceram métodos para prever como é se a solugao de um projeto vai fun- cionar. Elas séo simples ferramentas de avaliag&o e nao ajudam em nada a sintese. Transferidores de iluminagao 4 Oscomponentes dos problemas de projeto 65 natural e¢ cdlculos de perda de calor ou ganho solar nao dizem ao arqui- teto como projetar a janela, apenas como avaliar o desempenho da janela J4 projetada. 4.5 Subotimizacao Chris Jones (1970) sintetiza o modo como John Page, professor de ciéncia da edificacao, propde que os projetis- tas adotem, em situagdes como essa, © que ele chama de estratégia cumu- lativa para projetar. Ela envolve o esta- belecimento de objetivos cuidadosa- ‘FISICA sicorisica mente definidos e critérios de sucesso do desempenho da janela em todas as dimensées que identificamos. A estra- tégia de Page exige, entao, que o pro- jetista retina vérias subsolucgdes para cada critério e depois descarte as que nao satisfizerem a todos os critérios. Portanto, o projetista de janelas produ- ziria uma sucessio de projetos, alguns com a intengao de obter uma boa vista, outros de evitar o ganho solar ou obter boa iluminacao natural etc. Afirma-se que essa estratégia pretende aumentar © tempo gasto na anélise e na sintese e reduzir o tempo gasto com a sintese de solugdes ruins. Fig. 4.2 Parte da série Privacidade complexa de questdes: envolvidas no projato- PSICOLOGIA de uma janela 66 COMO ARQUITETOS E DESIGNERS PENSAM f interessante que essa estraté- gia, sugerida por um cientista, lembra ‘9 comportamento dos alunos de cién- cias na experiéncia descrita no capitulo anterior. No entanto, essa abordagem nao parece nascer do entendimen- to claro da verdadeira natureza dos problemas de projeto. Por serem tao multidimensionais, eles também sao altamente interativos. Aumentar a janela pode deixar entrar mais luz e propiciar uma vista melhor, mas tam- bém resultard em mais perda de calor,e pode criar problemas maiores de priva- cidade. A prépria interligacao de todos esses fatores é que constitui a esséncia dos problemas de projeto, e nao os fato- res isolados propriamente ditos. Nesse aspecto, projetar é como resolver pala- wras cruzadas. Mude as letras de uma palavra e varias outras palavras terdo de ser alteradas, exigindo ainda mais mudangas. Mude a forma de prato da roda de carroga de George Sturt e talvez ela nao suporte a carga e as forcas late- rais, a menos que o Angulo de conver- géncia e a montagem do eixo também sejam alterados. Depois disso, talvez a carroga nao caiba mais no sulco das estradas, a menos que © comprimen- to do eixo e o formato do corpo sejam mudados. Como vimos, a roda de car- roca resultou de muitos anos de experi- @ncia, e nao da anilise teGrica. 4.6 A solucdo integrada Até o surgimento da moderna ciéncia da edificagao, era assim que as jane- las eram projetadas. Talvez o melhor periodo do projeto de janelas na Ingla- terra tenha sido o século XVIII. A pro- poredo vertical das janelas georgianas, posicionadas perto da borda externa da parede e com intradorsos ampliados ou escalonados, permite penetracéo e distribuigdo excelentes da luz natural (Fig. 4.3). A janela do tipo guilhotina era razoavelmente resistente 4s intempé- ries e permitia configuracées de venti- lag&o muito mais flexiveis que a janela de duas folhas que a substituiria. A pro- porcdo entre janelae parede macica, tio fundamental até o fim do Renascimen- to, funcionava bem em termos estrutu- rais, permitia uma iluminacao homo- genea e a privacidade dos que estavam dentro de casa. £ claro que, acima de tudo, a janela georgiana integrava-se a uma linguagem arquiteténica soberba, Assim, parece improvavel que o arqui- teto do século XVIII se angustiasse com a falta de conhecimentos sobre a cién- cia da edificacio. Portanto, o bom projeto costuma ser uma resposta integrada a toda uma série de questdes, Se houvesse uma caracteristica tinica que pudesse ser usada para identificar os bons proje- tistas, seria a capacidade de integrar e combinar, Um bom projeto é quase como um holograma: a imagem intei- ra esté em cada fragmento. Em geral, nao é possivel dizer qual parte do problema se resolve com qual parte da solugdo. Elas simplesmente nao se correspondem dessa maneira. No entanto, se pretendem abando- nar as solucées tradicionais ou verna- culares, os projetistas modernes nao podem se dar ao luxo de permanecer 4 Os componentes dos problemas de projeto tao ignorantes da estrutura dos proble- mas quanto o arquiteto do Renascimen- to ou George Sturt. Como explicaram Chermayeff e Alexander (1963): Ha projetistas demais que nao percebem a existéencia de novos problemas que real- mente requerem novas abordagens, caso 9 padrao dos problemas pudesse ser vis- to como é e nao simplesmente como uma questéo banal (de uma solugao prévia), bem 2 mo nos manuais ou revistas ali na esquina Esse “padrio do problema” compée- -se de todas as interacdes entre uma exigéncia e outra que restringem o que © projetista pode fazer. Novamente, para Chermayeff ¢ Alexander (1963): todo problema tem uma estrutura prépria. © bom projete depende da capacidade do projetista de agir de acordo com essa estrutura, € no de correr arbitrariamente contra ala. Podemos observar algumas regras gerais sobre a natureza desse padrio de restricdes no projeto e vamos dis- tuti-las em outro capitulo. Entretanto, antes precisamos examinar com mais atencdo o modo como o desempenho dos projetos pode ser medido de acordo com critérios de sucesso. a7

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