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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Programa de Pós-graduação em Estudos Urbanos e Regionais

Abordagem Sobre Cidades e Dinâmica Urbana


Prof. Dr. Alexsandro Ferreira Cardoso da Silva
2020.2
Profa Dra. Maria Dulce Picanço Bentes Sobrinha
A Cidade e os efeitos da Industria
O Século XIX
(transformações na Cidade e a Modernidade)
novecentos: uma época que reúne Grandes Esperanças (progresso,
modernidade, saúde e ciência, sufrágio, etc.) mas que trouxe consigo
Enormes Problemas Sociais (fome, pobreza, criminalidade,
desajuste social, desemprego).

As cidades foram o principal palco e jogaram um papel decisivo


nas transformações sociais, econômicas e culturais. Mais do que
palco: o Urbano será um personagem novo em termos de categoria
científica, envolvendo um grande número de pesquisas com o
objetivo de responder: “para onde vão as nossas cidades? Há
futuro?”
Alguns fatores são fundamentais para compreender o impacto da Revolução
Industrial nas cidades:
O Século XIX foi:

1. Um período de intensa urbanização, em uma velocidade nunca


vista. A imigração assume papel de destaque na urbanização da
América (norte e sul).

2. Culturalmente, movimentos artísticos, literários e arquitetônicos


apresentam a Modernidade [surge a classe média]

3. Algumas cidades passam a se destacar pela forte disseminação


de ideias e práticas econômicas, políticas estatais e novas
relações com o mercado [Londres, Paris, Nova York] –
influenciando as demais cidades no Mundo.
Alguns fatores são fundamentais para compreender o impacto da Revolução Industrial nas
cidades:

1. Engenharia e Projetos Urbanísticos tornam-se modus operandi da


Modernidade e exportam técnicas e tecnologias de transformação urbana
para vários países. [inovação técnica e urbanismo]

2. A terra urbana é entendida como fonte de lucro e especulação (Londres e


Paris, em primeiro lugar) [cidade mercadoria]

3. Nas Universidades, Economia, Engenharia, Sociologia, Geografia e Biologia


assumem a fronteira da inovação [sem a Religião, a Ciência ganha
autonomia]

4. A Cidade Industrial torna-se sinônimo de Progresso e Perdição: locus da


Modernidade [Progresso Material] e do inferno social do trabalhador.
10 bilhões

04 bilhões

01 bilhão

1500 1700 1750 1800 1900 1975 2000 2050

Crescimento da População Mundial: demorou 350 anos para alcançar


1 bilhão.
Entre 1 bilhão e 4 bilhões precisou de apenas 125 anos.
Fonte: UN Population Fund. [Acesse: http://www.bbc.co.uk/news/world-15391515 e calcule a população
exata do mundo quando você nasceu. No meu caso, 1975, eram 4,1 bilhão. Hoje, são 7 bilhões.]
Crescimento populacional explosivo
Migrações e Imigrações: aumento na circulação de pessoas dentro da
Europa e da Europa para América.

A explosão
populacional das
cidades europeias
no Século XIX
causou dois
fenômenos:
explosão da cidade
medieval (ainda
existente) e
migração em
massa ao Novo
Mundo.
Fluxo migratório e rotas de migração: a
Europa expande suas “fronteiras” culturais
pela exportação de trabalhadores. Ao lado,
as principais rotas, acima o fluxo aos Estados
Unidos.
Inglaterra no século XIX
Lembrando:

1. Os cercamentos
(sec. XVII ao XIX)
concentraram a
terra e iniciaram um
mercado fundiário
agrícola, com preço
dos alimentos
negociados em
mercados
internacionais.
2. Isso forçou uma
migração campo-
cidade sem
precedentes.
Lembrando:

1. A guerra com Napoleão (1803-1815) – forçando um Bloqueio Continental –


substituiu as importações inglesas por fabricação nacional. Isso foi um enorme
estímulo aos industriais que passaram a investir em tecnologia – motores à vapor.
2. A indústria têxtil ganhou a dianteira da tecnologia e do comércio mundial.
3. Para compensar, o governo inglês promulga (em 1815) as Corn Laws – taxação
pesada sobre a importação de cereais estrangeiros, aumentando o lucro dos
proprietários de terra.
4. O preço do pão sobe, a pobreza aumenta, e novas levas de migrantes correm para
Manchester e Londres.
5. Para absorver a mão de obra, várias obras viárias, urbanas e de ferrovias tomam
conta da Inglaterra a partir de 1830.
6. O Império Britânico torna-se a maior potência econômica entre 1840 e 1870, só
perdendo para os Estados Unidos já no final do século XIX
Os reis e rainha da Inglaterra (1760-1901)

Jorge III (1760-1820)


Jorge IV (1820-1830)
Guilherme IV (1830-1837) Vitória (1837-1901)
O Século XIX viu quatro monarcas ingleses. A última, Vitória, alcançou o auge e a glória do “Império que nunca
dormia”. Jorge III entregou um reino agrícola e Vitória desenvolveu um Império industrial presente na América, Ásia
e África.
A produção de carvão(1)
passou de 21 milhões de
toneladas em 1826 para 50 1

milhões em 1850. Entre


1830 e 1850 foram criadas
10 mil km de linhas férreas
na Grã Bretanha (2). Para
comemorar, o Palácio de
Cristal em 1851 (3).

2
Diz Eric Hobsbawn “ A produção de ferro havia atingido ali, mas em nenhum
outro lugar, a ordem da magnitude de milhões na década de 1830 (era de
2,5 milhões de toneladas em 1850). Por volta de 1870, a França, a Alemanha
e os Estados Unidos produzam cada um, entre 1 e 2 milhões de toneladas,
enquanto a Inglaterra, ainda a oficina do mudo, permanecia bem a frente
com 6. Berlim: milhões, ou seja, cerca de metade da produção mundial” (A
Era do Capital, 2009, p.75)

As cidades na Europa explodiram: Viena: de 400 mil em 1846 para 700 mil
em 1880. Berlim: de 378 mil em 1849 para 1 milhão em 1875. Paris: de 1
milhão para 1,9 milhão e Londres: 2,5 milhões para 3,9 milhões entre 1851
e 1881. (HOBSBAWN, 2009, p.321)
Londres Moradia dos pobres: cortiços e aluguel

Gustave Doré – London, a pilgrimage,


O impacto das obras – populares – de
Charles Dickens (1812-1870) Dickens não era apenas literário. Suas
Como poucos, narrou as cenas edições eram acompanhadas de
urbanas de Londres revelando os gravuras, permitindo ao leitor
modos de vida da população descobrir um pouco de como
marginal e empobrecida, as moravam e viviam os pobres em
ferrovias, a vida nos Londres e Paris. (ao lado, gravuras do
apartamentos, etc. Cf. Um Conto livro original de Oliver Twist.
de Duas Cidades ( 1859) e Oliver
Twist (1838)
Londres
As gravuras do século 18 e 19 são contundentes em
demonstrar o modo de vida da família que migrava do
campo à cidade, em períodos de forte fome e miséria.

“os trabalhadores parecem miseráveis. Suas moradias


são pouco melhores do que pocilgas, e por sua
aparência conclui-se que comem pior que porcos”
(William Cobbett,1821).
Extrema pobreza intraurbana

- William Cobbett chamou Londres (de 1820) de “great wen” (tumor que cresce, sem controle).

As gravuras, publicadas em jornais da época, retratam as favelas de Londres e o que se chamava à


época de “decaimento moral” da era vitoriana.

Enquanto isso, a Revolução Industrial implantava novo ciclo de acumulação do capital impactando as
cidades vizinhas.
Manchester
Disse Engels,

“Em toda a parte veem-se montes de lixo, detritos e sujeira. (...) Anda-se ao longo de um
caminho muito rústico à margem do rio, entre postes e varais de roupas, para se chegar a um
grupo caótico de pequenas cabines térreas de um único cômodo. A maioria delas tem chão de
terra, e o trabalho, a vida e o sono acontecem todos no mesmo recinto” (A Situação da Classe
Trabalhadora na Inglaterra).
A regulação urbana nos subúrbios era praticamente nula. As fábricas procuravam se estabelecer
perto de cursos de água e onde pudesse explorar ao máximo a terra, longe do olhar da burguesia que
passava a morar perto de parques e áreas livres. Em Manchester (ou Liverpool), havia uma
competição por novos terrenos para fábricas – nos espaços entre elas, nascia um novo cortiço de
trabalhadores.

Manchester, 1850. ao fundo centenas de


chaminés queimavam carvão. No
primeiro plano, as moradias.
Cortiços para trabalhadores na antiga Londres. Parte deles era construída pelo industrial, outra por especuladores.
Londres
Edifícios da Peabody – modelo de moradia de baixa renda para família de trabalhadores
(abaixo, em Spitalfields, Londres, 1864) – unidades pequenas, com banheiro coletivo.
Londres Gustave Doré – London, a pilgrimage,

As condições de vida dos


trabalhadores em 1872, Londres,
eram péssimas. Aqui, Gustave Doré
registra com tristeza como os velhos,
crianças e jovens passavam seus dias
nos espaços entre os cortiços e os
muros das fábricas.
Berlim

Em Berlim não era diferente de Londres e


Paris: a classe trabalhadora mal conseguia
comer. O aluguel ficava com a maior parte
do salário
[as máquinas reduziam o custo de
Produção, mas o salário crescia menos que
o lucro. Nisso sobra recursos para reinvestir
– em imóveis, por exemplo]
Berlim

Um cômodo de uma Mietskasern,


em Berlim no início do século XX
Berlim

Um cômodo de uma Mietskasern,


em Berlim no início do século XX
Demolir os muros medievais e abrir novos eixos viários de conexão com a região, passa a ser
uma imposição do período (com a tecnologia bélica, não fazia sentido a muralha como defesa)

Gustave Doré – London, a pilgrimage,

Londres, 1872 – as ruas


congestionadas de
carroças, pedestres e –
acima de tudo isso – o
trem .
Novidades técnicas e usos urbanos:
a mobilidade

De Gustave Doré – La Nouveau Paris – essa xilogravura mostra os primeiros ônibus em Paris.
E as primeiras reclamações dos usuários também.
Moradia em cortiços Lewis Mumford: em 1843, em uma
comunidade em Manchester com 7
mil moradores, havia apenas 33
privadas (A cidade na história).
Rua Little Collingwood (1900) foto de John Galt.
Família pobre em East End (1900)
foto de John Galton.
A situação da classe trabalhadora na Inglaterra
Inglaterra, 1842-1845

Friedrich Engels (1820-1895) aqui em foto aprox. 1840


• Vindo de Barmen (na antiga Renânia), Engels conclui o “ensino médio” em 1837. Seu
pai decide enviá-lo para Bremen – para estudar administração e negócios – onde
entrou em contato com a filosofia alemã, da época.

• Ao voltar, reside uma temporada em Berlim, onde presta o serviço militar, matricula-se
em disciplinas de filosofia – de discípulos de Hegel, impressiona-se pelo pensamento
libertário e republicano (esquerda hegeliana).

• Em 1842, o pai decide que está na hora de que seu sucessor se aproxime dos negócios;
o envia a um estágio em Manchester – uma das cidades com filiais da Ermen & Engels,
encontrando “material” sem fim para seus estudos sobre a formação operária, a
Economia Política inglesa e os movimentos sociais.

• Em 1844 retorna para Alemanha, mas faz uma parada em Paris onde reencontra Karl
Marx – dizem que conversaram sem parar por três dias, regados à cigarros, vinho e
café. Desse encontro, surgirá uma amizade que os levou até o fim da vida. Uma
primeira obra conjunta, em 1845, a Sagrada Família ou a crítica da Crítica critica.
Mergulha no debate socialista.
O jovem Engels, em 1837.
• Antes, ao retornar da Inglaterra, com vários cadernos de anotações, publica em maio
(Cf. HUNT, Tristam. Marx’s General: The Revolutionary life of de 1845 (o sucesso editorial) A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra. Esse
Friedrich Engels) livro colocará Engels na lista de autores modernos, por expor uma nova forma de
contar a história contemporânea.
• O “problema de pesquisa” de Engels é claro: na Introdução de 1845 ele comenta que
“a condição da classe trabalhadora é a base real e o ponto de partida de todos os
movimentos sociais trabalhistas” pois era a evidência de que, embora o progresso
técnico e o conforto nas casas da classe média tenham aumentado de forma visível,
as melhorias não alcançavam os próprios operários.
• O que gerava essa desigualdade? Quais condições básicas (de pobreza) eram
fundamentais para manter a injusta distribuição do bônus econômico?

• É um dos primeiros documentos que registra a Revolução Industrial como causa das
transformações sociais, ambientais, econômicas e políticas com amplo impacto das
cidades britânicas.

• Resume Engels: “o fruto mais importante dessa Revolução Industrial, porém, é o


proletário inglês. Já observamos que o proletariado nasce com a introdução das
máquinas. A veloz expansão da indústria determinou a demanda de mais braços; os
salários aumentaram e, em consequência, batalhões de trabalhadores das regiões
agrícolas emigraram para as cidades” (Engels, p.59)
• Entre 1845 Engels, após brigas sucessivas com seu pai,
vai para Bruxelas encontrar Marx.

• Entre 1845-1848 (até a eclosão da Revolução na França


e distúrbios na Prússia) dedica-se a organizar as bases
do movimento operário publicando artigos em jornais e
revistas, elevando a sua importância (junto com o
crescente “furacão” Marx) dentro das ligas socialistas.

• Por esse motivo, os dois recebem uma encomenda em


1847 – redigir o Manifesto no II Congresso da Liga de
Comunistas – o quer viria a ser conhecido como o
Manifesto do Partido Comunista.

• Marx e Engels trabalham juntos para formar um


Engels e Marx escrevem juntos o
Manifesto em 1847.
compêndio crítico sobre a Filosofia Alemã – publicado
em 1847 com o título A Miséria da Filosofia.
Cf. Eric Hobsbawm. Como mudar o Mundo.
• Entre 1850 e 1869 Engels assume, em
Manchester, a direção da Ermen e Engels.
Venderá sua parte em 1869 livrando-se do
“cativeiro egípcio”.

• A manutenção dessa renda (e sua enorme


capacidade de gerência, ampliando a fortuna
deixada pelo seu pai) será fundamental para
sustentar suas atividades “noturnas”, assim
como o amigo Marx, um caótico
administrador de suas próprias contas.

• Após a venda da empresa, muda-se de vez


para Londres e viverá até 1895 quando
falecerá com câncer no esófago.

• Quando Marx morre em 1883, Engels terá


pouco mais de uma década para fazer algo
que o amigo nunca conseguiu: coletar,
Uma das filiais da Ermen & Engels organizar e publicar cartas, artigos, arquivos e
sua maior contribuição: os volumes II e III dO
Capital.
O contexto
Lista de narradores (ou comentaristas) dos impactos da Revolução Industrial nas cidades inglesas e
Francesas

• P. Gaskell, A População trabalhadora das Manufaturas da Inglaterra (1833)


• De Villeneuve-Bargemont, Tratado de Economia Política Cristã ou pesquisa sobre o
Pauperismo (1834)
• A. de Tocqueville, Memória sobre o pauperismo (1835)
• Villermé, Quadro do estado físico e moral dos operários das manufaturas de algodão, lã
e seda (1840)
• Buret, A miséria das classes trabalhadoras na França e na Inglaterra (1840)
Etc.
Entre 1830 e 1850, vários estudos, relatórios, artigos, manifestos, trataram a Questão
Social da classe trabalhadora, seja pela reforma social, pelo filantropia, cuidados morais
ou religiosos, ou pela dimensão política. Havia um consenso: a pobreza urbana era uma
nova realidade que alcançava não mais pequenos grupos, mas sim quase metade das
cidades.
Para Engels, há sérias razões para atribuir isso – não ao acaso ou ao pecado – na conta da Revolução
Industrial:

- O controle do corpo, das necessidades, do acesso à comida, etc. passava pelo


trabalho FABRIL, no campo da PRODUÇÃO DE MERCADORIAS – surge o “mercado
de trabalho industrial”;
- A QUESTÃO SOCIAL (a pobreza, a violência, a morte, a forme urbana) está
intimamente ligada a um novo padrão social marcado pelo ISOLAMENTO
INDIVIDUAL, DESCONTINUIDADE DA COESÃO FAMILIAR e RISCOS (ambientais,
sociais, saúde, etc.) CONJUNTOS – é a propriedade dos meios de produção que
garante a uma única classe o monopólio da geração de emprego e renda.
- O PROLETÁRIO – esse novo sujeito social – ganha relevância não como massa
passiva, mas um caldeirão de possibilidades revolucionárias por lutar pela sua
liberdade POLÍTICA – SOCIAL – ECONÔMICA.

Esses temas irão levar Engels – na sua vida – a acreditar na Potência do Proletariado como classe
inovadora e progressista.
Breve nota

• A Liberdade Política e a Liberdade Civil foram traduzidas, cada um a seu termo, em Leis Políticas e Leis
Civis. O que isso significa? O debate filosófico (que pode ser visto nos escritos de Alexis de Tocqueville e F.
Engels) é entender se o que resume a Liberdade é a inviolabilidade da esfera privada (incluindo a
empresa) ou é a Liberdade Positiva – aquela que garante acesso de todos aos mesmos direitos. O Direito
será, então, um campo de Liberdades Negativas (o limite do que não fazer) e Positivas (o ponto de partida
do que fazer).

• De modo mais claro: para o pensamento burguês (ilustrado, diga-se): o pobre teria o Direito ao Voto
(Liberdade Política) mas não poderia requerer Direitos ao Capital pois este é Privado (ausência de
Liberdade Civil), se a propriedade é parte do Capital logo a Propriedade e o Capital são sagrados, e
negativados ao alcance dos Direitos – esfera imanente do Código Civil, não da Política.

• Nasce uma esfera POLÍTICA – a disputa do poder político, sem olhar as condições de vida material. E uma
esfera CIVIL - reino da razão prática, econômica, das coisas e da propriedade. Ora, como são esferas
autônomas, dizem, seria possível conduzir as decisões políticas desde que estas não entrassem no domínio
da vida privada. (em 1833 Tocqueville narra o impacto da supressão da Lei dos Pobres: para comer deve-
se trabalhar – o Estado (político) não pode ajudar o individuo (civil). [Cf. Domenico Losurdo, A
Fenomenologia do Poder: Marx, Engels, Tocqueville. In Lua Nova, n. 38, dec.1996]
A obra será dividida em 10 capítulos e mais uma conclusão psicossocial do
Burguês.

No primeiro capítulo – quem é esse novo personagem, o proletário industrial


inglês. A centralização da produção na fábrica (processo capitalista que envolve
a produção de mercadorias para consumo de grandes massas)
No segundo capítulo – as grandes cidades – sua visão (antecipando leitura
ecológica do espaço urbano) toca em temas centrais à sociologia urbana de 50
anos depois: segregação, questão ambiental, pobreza e divisão social do espaço
Terceiro Capítulo – a concorrência. Os operários, submetidos a mesma lógica da
fábrica e da produção, irão lutar entre si pelo emprego – isso gera um efeito
cumulativo que empurra os salários para baixo: exercito industrial de reserva.
Quarto capítulo ao décimo capítulo – monografias de Engels sobre o perfil
social desse operário (resultados, imigrantes, movimentos operários, mineiro,
agrícola – uma tipologia do trabalhador industrial e suas relações campo-
cidade.
Na última parte – um insight de Engels sobre a nova burguesia industrial – o
burguês pode construir para si uma imagem (ele pode se autoderminar como
sujeito social).
• Manchester tornou-se o “coração” da indústria
têxtil, a partir de 1830: quase 70% dos homens
e mulheres da cidade estavam empregados no
ramo têxtil. Era um entreposto comercial,
financeiro, drenando da região novos negócios
e muito dinheiro.

• Ninguém sabia lidar com aquela escala: tudo


era demasiadamente grande e complexo. As
antigas funções da Prefeitura (tomar conta do
urbano) não conseguiam operar nessa
intensidade – a cidade simplesmente estourava
em novos bairros todos os anos. Manchester
também era a terra dos radicais: onde os
proprietários eram mais duros, e os
trabalhadores fabris mais organizados.
• Em 1830 eram 60 mil teares mecânicos e 240 mil teares manuais (em 1837 havia
ainda 50 mil desempregados!). A fome nos campos da Irlanda empurrou (também
para os EUA) uma onda de migrações – só em Manchester chegaram 41 mil em pouco
menos de dois anos.
“O centro principal dessa indústria é o Lancashire,
onde, aliás, ela começou – revolucionando
completamente o condado, transformando esse
pântano sombrio e mal cultivado numa região
animada e laboriosa: decuplicou, em oitenta anos,
sua população e fez brotar do solo, como por um
passe de mágica, cidades gigantescas como
Liverpool e Manchester, que juntas têm 700 mil
habitantes, e cidades secundárias como Bolton (60
mil habitantes), Rochdale (75 mil habitantes),
Oldham (50 mil habitantes), Preston (60 mil
habitantes), Ashton e Stalybridge (40 mil
habitantes) e uma miríade de outros centros
industriais” (Engels, p.51)
• Em 1819 ocorreu o famoso Massacre de
Peterloo . Pequenos grupos de operários se
reuniam, após o turno de trabalho, para tentar
pressionar os patrões por aumento de salário
– insuficiente para sustentar as famílias.
• Os proprietários foram ao Juiz para proibir
qualquer reunião pública e prender, se for o
caso, quem se reunir para discutir aumento de
salários. Alegavam que a influência francesa
(dos socialistas) era uma praga que começava
com o salário e, depois, iriam exigir o sufrágio
universal.
• Em 16 de agosto, aproveitando uma festa
local, os grupos mais organizados defenderam
em praça pública uma proposta de eleição
direta e aumento de salários: a Política foi
destacada para prender os líderes da reunião:
11 mortos e 100 feridos. Inicia-se uma forte
repressão aos movimentos trabalhistas.
A Carta do Povo (1838) a Associação dos Trabalhadores de Londres – presidido por William Lovett,
lança uma Carta aberta conclamando os trabalhadores a defenderem o voto operário (ou seja, permitir
que trabalhadores votassem e pudessem ser votados). 1,2 milhões de assinaturas para entregar ao
Parlamento britânico que, em 1839, rechaçou a ideia completamente. Surge o cartismo, movimento
defendendo que o Parlamento aceite a carta (as assinaturas). Que dizia:

1. Estender a todos os HOMENS (não previa mulheres) de mais de 21 anos, independente da sua
condição financeira ou social, a escolha dos representantes no Parlamento.
2. A Não exigência de PROPRIEDADE para votar ou ser votado. Só proprietários acima de tal valor
poderiam ser considerados eleitores (a “ideia” dos lordes quando criaram essa regra estava baseada
no princípio de que quem não tem propriedade, não sabe dar valor ou respeito...)
3. TROCA DE PODER – o governo poderia manter-se indefinidamente no Poder, desde que tivesse
maioria – isso dificultava as chances de alteração de poder dentro do Parlamento.
4. REPRESENTAÇÃO IGUALITÁRIA – antes, o Bairro (o distrito eleitoral) tinha um “dono” – é um pouco
o que ainda existe nos EUA – não é a maioria dos votos que conta mas sim o peso eleitoral (um
determinado bairro podia ter menos votos que outro, mas o seu “dono” determinava de dois a três
representantes.
5. PAGAMENTO AOS MEMBROS – antes, o Parlamentar não recebia pagamento pela sua participação:
mas como é que o trabalhador conseguiria ser Parlamentar e sustentar sua família?
6. VOTAÇÃO SECRETA – um funcionário de fábrica, ao votar, mostrava a todos em quem votou. Se o seu
patrão fosse candidato...
O Movimento Cartista ganhou cada vez mais
força. Várias tentativas de implementar os seis
pontos foram apresentadas ao Parlamento,
sem sucesso. Greves começaram a aparecer
associada ao Cartismo. Em 1842 mais 3
milhões de assinaturas foram coletadas -
novas greves, havia forte desemprego (esse
foi o período que Engels visitou Manchester).
O Governo reagiu e prendeu vários líderes
sindicais. Logo, alguns candidatos ao
Parlamento perceberam que estar junto aos
cartistas poderia render votos e pegaram
“carona” no movimento.
Em 1848, enquanto na França ocorria a
Revolução, novo pedido de 6 milhões de
assinaturas – o Parlamento não aceitou pela
terceira vez.
Só em 1867, os trabalhadores puderam ver a
reforma eleitoral ampliar sua participação. Em
1872 o voto tornou-se secreto e apenas em
1911 o pagamento aos parlamentares passou
a ocorrer. O maior impacto, contudo, foi o
nascimento do Partido Trabalhista inglês
(Labour Party) entre 1895 e 1900.
Rua à época e como ainda é hoje
(1845)

Linha férrea

Mapa de Manchester,
edição alemã de 1845
(alterada pelas cores)
Centro de Manchester, hoje. Em
vermelho os antigos limites da cidade
em 1844.
A História de Manchester começa ainda na ocupação romana. Mas ao receber as primeiras fábricas de
tecidos, seu crescimento multiplica por 10 em quarenta anos.

Linhas de trem em operação na Inglaterra


Cena urbana em
Manchester, ao
fundo as fábricas de
tecidos descritas por
Engels. Trabalho o
ano todo era uma
novidade para
migrantes que
afluíam em massa
fugindo da fome no
campo.
Fonte: Biblioteca
Britânica (1862)
Não foi apenas Engels
que escreveu sobre
Manchester e as
cidades industriais.
Thomas Carlyle,
Benjamim Disraeli,
Elizabeth Gaskell
(Mary Barton e
Cranford, 1853) e
Charles Dickens (com
sua Coketown em
Tempos Difíceis).
1840'S view of mills in Ancoats,
Manchester (Manchester Public
Lib.)
Sucessivas
melhorias
foram
introduzidas,
ao final do
século XIX, em
Manchester
para
regularizar a
situação
urbana. Ao
lado antigas
Workhouses.
“A situação da classe trabalhadora, isto é, a situação da
imensa maioria do povo inglês, coloca o problema: o que
farão esses milhões de despossuídos que consomem hoje
o que ganharam ontem, cujas invenções e trabalho
fizeram a grandeza da Inglaterra, que a cada dia se
tornaram mais conscientes de sua força e exigem cada vez
mais energicamente a participação nas vantagens que
proporcionam às instituições sociais?” (Engels, p.60)
Fábrica de tecidos em Chicago, EUA, maio de
1866. o modelo britânico foi exportado para
todo o mundo (crianças a partir de seis anos já
podiam trabalhar nas fábricas – ganhavam
metade de uma mulher e esta 2/3 de um
homem.
“Na medida em que a indústria e o comércio se
desenvolvem nas grandes cidades do modo mais
completo, é exatamente nelas que emergem, de
forma mais nítida e clara, as consequências de um
tal desenvolvimento sobre o proletariado. Nas
grandes cidades, a centralização da propriedade
atingiu o mais alto grau; nelas, os costumes e as
condições dos “bons e velhos tempos” foram
radicalmente destruídos” (Engels, p. 65)
Engels destaca a divisão social e espacial de Manchester:
áreas de “má fama” e áreas de presença burguesa. Isso é
cômodo para a burguesia que pode andar “ a cidade”
sem esbarrar nas favelas.

“as piores casas na parte mais feia da cidade; quase


sempre, uma longa fila de construções de tijolos, de um
ou dois andares, eventualmente com porões habitados e
em geral dispostas de maneira irregular” (Engels, p.70)
“Aqui vivem os mais pobres entre os pobres, os trabalhadores mais mal pagos, todos misturados com ladrões,
escroques e vítimas da prostituição. A maior parte deles são irlandeses, ou seus descendentes, e aqueles que
ainda não submergiram completamente no turbilhão da degradação moral que os rodeia a cada dia mais se
aproximam dela, perdendo a força para resistir aos influxos aviltantes da miséria, da sujeira e do ambiente
malsão.” (Engels, p. 71)

Manchester, 1880. um quarto para trabalhadores irlandeses no


bairro de má fama Ancoats (1870)
Gangue de Ancoats. Desde 1860 há
relatos de grupos de criminosos que
formam uma “família” – códigos de
conduta, honra, ligações do porto, etc.
fazem roubos, assassinatos, extorsões e
comandam uma rede de “batedores de
carteira” em Manchester.

Logo luta de gangues (como ocorrerá nos


EUA) será frequente nos bairros mais
violentos.

Em 1890 forte repressão policial invade


esses bairros, prende os líderes e dispersa
as gangues. Muitos vão migrar para os EUA
estabelecendo outras facções. [Fonte:
http://www.bbc.co.uk/manchester/conten
t/articles/2008/10/20/201008_scuttlers_i
nterview_feature.shtml]
“Na realidade, isso é assustador. Os pobres estão em toda
parte. Por toda parte, a indigência avança e insere-se, com
toda a sua monstruosidade, no coração de uma grande e
florescente cidade. Nos milhares de becos e vielas de uma
populosa metrópole sempre haverá – dói dizê-lo – muita
miséria que fere o olhar e muita que nunca será vista.”(
Times (1843), citado por Engels, p.75)

Ao lado, desempregados esperam algum serviço nas ruas


de Londres...
“Os irlandeses também introduziram na Inglaterra o costume,
antes desconhecido, de andar descalço. Hoje, em todas as
cidades industriais, veem- -se muitíssimas pessoas, sobretudo
mulheres e crianças, andando descalças e pouco a pouco esse
hábito vai se difundindo entre os ingleses pobres.” (Engels,
“E essa escala não se compõe de categorias fixas, que nos permitiriam
dizer que esta fração da classe operária vive bem, aquela mal, enquanto as
coisas permanecem como estão; ao contrário: se, no conjunto, alguns
setores específicos gozam de vantagens sobre outros, a situação dos
operários no interior de cada segmento é tão instável que qualquer
trabalhador pode ter de percorrer todos os degraus da escala, do modesto
conforto à privação extrema, com o risco da morte pela fome – de resto,
quase todos os operários ingleses têm algo a dizer sobre notáveis
mudanças do acaso.” (Engels, p. 116)

O que há de atual e ultrapassado no relato de Engels?


A Inglaterra (e os demais países) tomaram alguma decisão? Melhoraram?
Que fizeram?
1. O Estado passou a regular a oferta de serviços públicos – água, saneamento, saúde, trens, bondes,
moradia, etc.
2. O Urbanismo foi chamado, enquanto prática e “ciência”, para apresentar propostas de melhoramentos
urbanos;
3. Leis trabalhistas, na virada do século XX, garantiram direito à greve, 10 horas de trabalho, melhor relação
de contratos, segurança no fim da vida (previdência), aumento real de salários, proibição de trabalho
infantil, etc.
4. Expansão de parte da população inglesa (e europeia) para outros países (como EUA e América Latina.
5. Legalização dos sindicatos (que passaram a ser mais reformistas que revolucionários)
6. A academia passou a estudar os Pobres – Sociologia Urbana; o Planejamento Urbano surge como
disciplina acadêmica e propositiva (o Urbanismo);
7. E alguns grupos “utópicos” propuseram soluções alternativas.
8. No campo socialista, a luta revolucionária irá cada vez mais acirrar a diferença entre a Social-Democracia
e o Partido Comunista, levando – em 1917 – ao epicentro da Rússia.
Mapa da pobreza urbana
de Charles Booth (East
End), 1900

Quanto mais escuro, pior.


A partir de 1884, depois da
Comissão Real para Moradia das
Classes Trabalhadoras, algumas
companhias de promoção
habitacional começam a construir
blocos de apartamentos, relocando
moradores e cortiços.

No mapa, vemos alguns desses


prédios sobrepostos ao mapa de
Booth

(Fonte: socialhousinghistory.uk)
Exemplo de casa operária em Bradford (ING), no século XIX -

Plan of back-to-back houses in Dracup Road, Great Horton.


Birmingham, quadra de cômodos para alugar – este com fundos livres.
Peabody Housing
(1906)
Construções Peabody

Antigo cortiço demolido


Legislação Social e Habitacional para Londres e arredores no século XIX

• Comissão Real para a Moradia da Classe Trabalhadora (1885)


• Lei da Educação de 1870 (protegia as crianças contra moradias insalubres,
também)
• Lei da Saúde Pública de 1875 (regulava o saneamento básico – na prática,
reduziu drasticamente o Cólera em Londres por meio da instalação de rede de
água potável e esgotamento sanitário com dinheiro público)
• Lei para Moradia de Artesão e Operários (1868)
• Lei de Cômodos de Aluguel (1851)

No início do século XX

• Lei de Habitação e Urbanismo (1900-1909)


Enquanto isso, no outro lado da pirâmide social...
A burguesia e seus símbolos de status
Londres, 1872: a função dos Parques.

Gustave Doré – London, a pilgrimage,

Dois mundos que estabeleciam


regras de convivência baseadas na
origem social – ordem social
burguesa.
Como nos livros de Jane Austen, a família pequeno-
burguesa é colocada como exemplo de um novo
modelo de classe social a ser invejada e a velha
aristocracia rural condenada.
As casas de campo são a alternativa para fugir da cidade. Os subúrbios são primeiramente
dominados pelos ricos, que fugiam dos centros sujos e caóticos.
Fora das cidades...

“O primeiro passo para tornar mais leve o


FARDO DO HOMEM BRANCO é ensinar as
virtudes da limpeza. O Sabonete Pears é um
potente fator no clareamento dos cantos
escuros da terra à medida que a civilização
[INGLESA] avança...” (1899)

Imperialismo e higiene: é preciso educar as


massas!
Enfim, a burguesia precisava fazer algo. Mas o quê? Fugir? Ir ao campo?
Construir novas cidades?

John Storer (em Our Cities: their present position and requeirements, 1870)
escreveu:

“Pode-se por em dúvida se, entre outras artes que ainda estão por ser
descobertas, ou pelo menos aperfeiçoadas, entre as ciências quase não
investigadas que ainda vão tomar forma, elaboradas ou em teoria, não
deveríamos incluir a arte e a ciência da vida urbana...” (citado por L.
Mumford).

A burguesia inventa o Urbanismo.


Londres – avanços normativos, sociais e de infraestrutura.
• Apenas em 1889 o Parlamento cria o London County e o seu London County Council – aumentando
o status administrativo da Londres metropolitana. Na sequencia, eram eleitos os distritos (com seus
conselheiros administrativos). – O Conselho de Londres possuía a atribuição de prestar serviços
urbanos (água, sistema viário, esgotos, etc.).

• Em 1884 é montada uma Comissão Real para o Problema da Moradia – definindo os parâmetros
mínimos de edificação para famílias trabalhadoras.

• Em 1885 os trabalhos da Comissão tornam-se a Lei para Moradia das Classes Trabalhadoras.

• Em 1875 surge a Lei de Saúde Pública – que definirá o padrão de tratamento das “doenças sociais”,
isto é, aquelas com capacidade de epidemias. [obrigava o proprietário a garantir a oferta de água potável
para todos os usos e moradores da casa, assim como obrigava a construção a ter recuos e janelas de ventilação.
Quem fiscalizava – e multava – era a Local Government Board (uma espécie de agência reguladora) que também
se obrigava a implantar (sem atrasos) sistemas de drenagem , abastecimento e esgotamento sanitário). Aos
poucos, a taxa de mortalidade cai de 23,1/1000 em 1866 para 17/1000 em 1889.]

• Em 1900 começam as construções de moradias populares na periferia da Grande Londres.


As intervenções em Londres foram menos espetaculares do que em Paris. A definição de
novas áreas – controladas pelo Metropolitan Board of Works – dependiam da extensão das
Londres redes de infraestrutura. O sistema de concessões de terras (por até 99 anos) também evitava
a excessiva construção. Abaixo as diversas zonas administrativas, antes da unificação em
1855 – surgia a Grande Londres.
Desde o século XVIII, copiando os franceses, os parques públicos se tornam atrativos à
burguesia, que fugia do trânsito e tumulto do centro. Em Londres, os Marylebone Gardens são
um dos primeiros parques (com cobrança de entrada) que ganham enorme repercussão na
Europa. Por um xelim você poderia desfrutar de um mini-boulevard francês.
Em outro sentido, as últimas e velhas muralhas (que ainda cercavam
Muros algumas cidades europeias) começam a cair. A tecnologia militar (a
artilharia pesada) as torna obsoletas. O centro “explode”.
Muralhas
Castelos: os últimos suspiros
da Cidade Medieval
A Demolição das Muralhas

A referência do “centro compacto” como


exemplo de um bom urbanismo, possui longa
referência ao modelo europeu – diverso,
animado e próximo. Parte dessas
características históricas deve-se ao medo de
ser invadido.

Figura. Núcleo urbano principal e as muralhas até o


século XVII.
Fonte: Benevolo, História da Cidade
De grande portão protetor da cidade medieval, Karlstor torna-se um ponto turístico em
Munique, coberto de prédios do século XVIII. Em algumas portas, ainda é possível ver a
construção do século XIII.
Notar o Paseo del Prado e o Paseo de la Castellana:
boulevards sobre as antigas muralhas defensoras. Foi
Carlos III (1716-1788) que remodelou a periferia de
Madrid e construiu palácios (“inspirado” por Luís XIV)
e deu novos usos às muralhas medievais.

Barcelona aguardaria um pouco mais na ensanche de


Cerdá (ver mais à frente)

Muralhas cercam Madrid, Zaragoza e Barcelona no


início do século XIX
Talvez as mais famosa das reconstruções de muralhas seja o Ringstrasse, de Viena. O que fazer com
uma velha muralha que não serve mais?

Centro de Viena por volta do século XVI. Século XIX, a queda das muralhas e a
Observar a grande muralha afastada da ocupação definitiva do centro. Notar que o
“periferia” onde os trabalhadores residiam talude de 250 metros após as muralhas
(anel externo) (vazio desde o século X) é ocupado por
praças, ruas, residências e prédios públicos.
A Modernidade possui em
Viena não apenas um
cenário, mas um ator
fundamental. Entre 1890 e
1910 Viena disputou com
Paris o centro cultural
europeu.

O Rei Francisco José


(reconstruiu o centro de
Viena entre 1858-1888):
palco à nascente burguesia
comercial e industrial.

Viena (Austria) é um luxo de


modernidade. Poetas, Dramaturgos,
Músicos: as ruas estão repletas de
novidades. (imagem da Ringstrasse,
1890), desenho de W. Gause de
Gartenlaube.
Rei Franciso José: “Eu Posso”, disse
ao ordenar o Projeto que iria abrir
Viena para o século XIX (1850-80)
[museus, Universidade, prefeitura,
etc.]
Ao lado, o zoneamento e o
controle rígido determinou uma
zona burguesa – cafés, boulevards,
teatros e prédios públicos. Os
pobres? O mais distante possível...
Seu projeto para a nova Ringstrass atualiza Viena para o transporte motorizado –
boulevards, e ferroviário (estação) margeados por uma arquitetura espetacular.

Otto Wagner (1841-


1918). Como poucos,
incorporou o “novo
estilo” de Viena na
segunda metade do XIX.
Poder e ousadia na
ocupação da Ringstrass
Metro Karlsplatz, de O. Wagner (1841-1918) Habitação Coletiva, Majolikahaus.
A arquitetura “civil” – prédios de moradia, metrôs ou estações de correio –
passam a receber atenção de arquitetos famosos – a era de Palácios agora
convivia com a Sociedade Moderna – acima, novos meios de transporte e
moradia coletiva.
No século XVIII, Londres se refez após o Grande Incêndio de 1666. Código de Obras
(Building Act) e oferta via mercado foram determinantes de um tecido urbano
organizado pelo padrão fundiário – e não pelos Grandes Planos, como na França.
Acima, Spitalfields e casas geminadas (aprox. 1760).
Duke Street, sec. XVIII - favela

Duke Street, hoje


A Empresas Modelos de Habitação (privadas) criam uma nova oferta aos pobres: construção
de novas residências – fora dos cortiços – com pagamento semanal de aluguel a preços
“justos”. Em contrapartida o Governo auxilia no entorno, infraestrutura e parques. Esse
modelo fez, até o século XIX, 11% do parque residencial londrino, a maioria para
trabalhadores do setor de serviços e indústria. (abaixo, blocos de apartamentos populares)
Caminhos do urbanismo, planejamento e gestão de cidades

Londres

Saneamento, metrô e parques públicos: combate aos excessos da urbanização

O Metropolitan Board of Works (MBW): criado em 1855 com a função de melhorar a


infraestruturaUrbana: saneamento, abertura de vias e demolição de prédios insalubres. Joseph Bazalgette
foi o engenheiro chefe. Permaneceu até 1889.
hoje

Albert and Victoria


Emabarkment, 1887.
aterro/atracadouro ao lado do
Tâmisa, criou um boulevard e
passeio público.
Palácio de Buckingham Victoria Embankment
Torre de Londres
Caminhos do urbanismo, planejamento e gestão de cidades

Barcelona
1859 – Ildefonso Cerdà
“Plano de Expansão para Barcelona” e “Teoria Geral da Urbanização”
Cerdá queria proporcionar higiene, salubridade para todos. Sem distinções. Ao
contrário de Haussmann, seu plano incluía moradia para as diversas classes sociais.
Sua Expansão – fora dos limites da cidade velha, criava opções em grelha (com
quadras arestadas pátio interno), com galerias entre as quadras para permitir melhor
circulação e ventilação.
Caminhos do urbanismo, planejamento e gestão de cidades

Nova York – Central Park

Frederick Law Olmsted


Cada pedra, árvore e lago é projeto de Olmsted e Vaux em 1856.

Antes só havia arbustos, areia, migrantes pobres e ex-escravos (estes últimos foram desalojados).
Olmsted e Vaux, Central Park, Nova York, 1860

Ponte Gapstow. Parece uma ponte antiga,


mas foi construída para dar um ar
romântico...
Nova York

Na cidade de Nova York – nos diz Lewis Mumford – o índice de mortalidade infantil, em 1810, era de 120 a 145
por mil nascidos vivos. Em 1850 subiu para 180; para 220 em 1860 e 240 em 1870.

Fotos de Jacob Riis em seu incrível estudo How the Other Half Lives: Studies among the
Tenements of New York (1890).
Nova York
Exemplo de um “Model Tenements” ou cortiços modelos construídos pelo empreiteiro Alfred Tredway
White em 1870 em diante.

Home and Tower Buildings, Brooklyn, the first model tenements in Greater New York,
construída entre 1876–79 por Alfred T. White.
Eram populares à época, feiras e
exposições das inovações
habitacionais. Ao lado um modelo de
moradia social antes e depois da
intervenção (notar a extrema
densidade nos dois casos)

Fonte: R W DeForest, The Tenement House


Problem (NY, 1903) In. Richard Dennis, p.75.
Nova York

A reação.
• Em 1901 a cidade de Nova York aprova a Tenement
House Act – disciplina as construções, altura dos
edifícios, obriga ventilação e iluminação natural,
etc.

• Mas a cidade crescia em altura cada vez mais. Em


1916 outra lei (Zonning Resolution) impõe controle
rígido de usos e segregação de áreas comuns em
alguns bairros. Depois, em 1961, novo zoneamento
tenta salvar Nova York de um colapso de serviços –
entregando parte das obras ao empreiteiro Robert
Moses.
Mapa de anexo da Lei de Zoneamento de Nova York (1961): com 240 páginas, dezenas de
tabelas, mapas, fórmulas, tentava diminuir a densidade na cidade por meio da verticalização.

Teve forte influência nos Planos Diretores do Brasil nos anos 70 e 80.
Cf. em http://www.nyc.gov/html/dcp/html/zone/zonehis.shtml)
Paris,

Cidade espetacular
Os mapas a seguir são parte dos famosos “oito mapas” publicados em 1705, de Nicolas de
Ferr, publicado no “Traité de la police”.
Ocupação romana (sec. II)
Paris, sec. XIII. Em vermelho Notre-Dame.
Paris, sec. XVIII. Em vermelho Notre-Dame.
BASTILHA
FORTERESSE DU
TEMPLE

NOTRE-DAME

LOUVRE

TULHERIAS

Paris, século XVII. Notar as muralhas e a Ilha da Cidade, no meio do Sena, com a Notre-Dame no
canto superior direito. Nos dizeres (canto esquerdo): “essa cidade é um outro mundo... Onde
todas as coisas abundam” (Plan Mérian, 1615)
Grande Paris: no século XVIII, há uma fragmentação e dispersão urbana com a criação de
casas (palácios) de campo. Em verde, Versailles nova residência de Luís XIV,
Versailles, em pintura do século XVIII – parece uma cidade, mas é a casa de campo da realeza.
Esse luxo (700 quartos) irá incomodar, e muito, os pobres franceses. Em 1789 a festa terminou...

França,1848
Contexto: A Revolução Francesa havia operado significativas mudanças Políticas. Contudo, socialmente a
tendência do início do século XIX era a pouca mobilidade social, associada a um quadro persistente de
pobreza no campo e pressão por empregos nas cidades.

• Política: Em 1830 Carlos X renuncia (caiu por excesso de apego ao velho modo absolutista de governar),
pressionado pela burguesia que queria Luís Felipe como governante.

Sai Carlos entra


Felipe (1830-1848)
Quadro Revoluções de Julho de Nicholas-Edward Gabé (1814–1865)
• Em 1848 novamente uma crise de abate na França, em especial em Paris. A
pobreza, a fome no campo, a falta de investimentos e a pouca reação do
governo burguês levou um sentimento de revolta nos trabalhadores. Os
socialistas já estavam organizados, em sindicatos e grupos de trabalhadores, e
iniciaram uma revolta no dia 22 de fevereiro. 500 mortos em 24 horas,
fuzilados pela Guarda Nacional.
• A repercussão foi instantânea: Luís Felipe renuncia. Burgueses liberais,
socialistas e republicanos afastam os monarquistas e planejam um Governo
Civil com reformas sociais. Um governo provisório foi montado, mas duraria
pouco: em abril de 1848 os burgueses se aliam aos latifundiários – Partido
da Ordem e elegem uma maioria parlamentar conservadora.

Golpe na base popular, faz a burguesia


ocupar o Poder. Paris, abril de 1848.
França,1848
• Em junho, desesperados,
socialistas e líderes de
trabalhadores conclamam o povo
a erguer novas barricadas e lutar
pela manutenção da revolta de
Fevereiro. Cavaignac, ministro
da Guerra, recebe ordens de
atacar os “desordeiros”

• Resultado: em quatro dias,


1500 mortos, 12 mil
presos, 4 mil deportados
para Argélia.
França,1848

• Pacificados, novas eleições para escolher o presidente da


República (Segunda República), com Cavaignac como
candidato da situação. Por fora, surge o sobrinho de
Napoleão – Luís Napoleão Bonaparte – carregando no
sobrenome famoso, ele vence as eleições com 5,5 milhões
de votos!

• Lembrando do tio, Luís Bonaparte dá um golpe em si


mesmo e se torna Imperador em 1851, vira o Napoleão
III. Será Napoleão III fundamental nas transformações
urbanas em Paris, executadas por Haussmann, (1853-
1870).
Bem, o que tudo isso tem a ver com a Cidade? O que representou:

Diz David Harvey (Paris, capital da modernidade, pg. 123-124):

“O que foi esmagado nas barricadas de junho foi essa busca pela república
social, assim como as esperanças para a versão burguesa [desta] foram contidas
pelo golpe de Estado em dezembro de 1851. Constatou-se que o Segundo
Império buscava um terceiro tipo de modernidade, que misturava autoritarismo
e um incômodo respeito pela propriedade privada e pelo mercado, ao passo que
tentava periodicamente cultivar sua base populista”

“O resultado foi uma crise de representação. A Revolução de 1848 foi, assim, o


fator fundamental na separação de maneiras radicalmente distintas de
representar a cidade. Isso valia não apenas para a diferença entre Haussmann
[ver adiante] e seus predecessores (...)”
Comuna de Paris, 1871

Em outro sentido, surge a crítica Política e Econômica revolucionária - (ex. Engels e Marx) associada às
revoluções – cidade enquanto espaço político da nascente classe operária. Os trabalhadores em seus
subempregos seriam a materialização da própria luta de classes e a cidade refletiria tal luta nos seus
espaços residenciais e de trabalho (Cf. a Comuna de 1871).

Trabalhadores, e parte da Guarda


Nacional, tomam as ruas de Paris e
erguem barricadas: por 40 dias, o
povo tomou o poder.

Foram 30 mil mortos.


A Paris de Haussmann, impacto nas políticas de
urbanização
Georges-Eugène Haussmann: torna-se um
paradigma na gestão urbana, transformando
Paris em um “canteiro de obras” – seu
exemplo vai animar governantes do mundo
inteiro a demolir suas “velhas cidades” e
construir novos centros.

Aqui, provavelmente, analisando algum


projeto de lei para aprovação de projetos
urbanos.
Os mais pobres, artistas fracassados,
migrantes.

Falidos, ou famílias de trabalhadores com


alguma especialização (barbeiro, sapateiro)

Novos Burgueses, talvez comerciantes ou


donos de uma pequena fábrica.

Nova Classe Média ou velhos aristocratas


empobrecidos

Aqui mora o zelador, a cozinha, os serviços

Esse mix social, para Haussmann, era pura


desordem e fonte de péssimas influências
Imagens da velha Paris (1840-1850), por Marville.
Imagens da velha Paris (1840-1850), por Marville.
Tudo começa com a eleição do sobrinho de Napoleão, Luís Bonaparte em 1848. Seu plano, a
partir de 1850, consistia em rasgar a velha Paris medieval ligando o Louvre até o Hotel de Ville
(pela rua Rivoli), criando um novo parque o Bois de Boulogne.

Arco do triunfo
Bois de Boulogne

Louvre

Torre Eiffel
Praça da
Bastilha
Ile de La Cité
Ille de la cité

Antes

Em preto, vias abertas e em cinza novos bairros


Em amarelo, o Centro em vermelho a periferia.
A ideia é expulsar os cortiços do centro, zonear
com códigos de obras as quadras, estabelecer um
Depois gabarito e ampliar a calha viária.
Realizações Haussmann:

1- Demolição de milhares de imóveis no centro de Paris, expulsando a população


pobre e trabalhadores de baixa qualificação (incluindo parte da pequena
burguesia empobrecida) e jogando-os na periferia.
2 – Criação de 145 km de boulevards, arejando velhos espaços (como o Le Halles)
e conectando os Parques com o centro.
3 – Ligação com as estações de trem e facilitando a passagem da Rive Gauche para
Rive Droite (ou seja, ligando as fábricas com as ruas comerciais, os depósitos com
as lojas de departamento);
4 – Criação de um monopólio de transporte coletivo – ônibus – a Companhia Geral
de ônibus de Paris, em 1855, passando de 36 milhões de passageiros para 110
milhões em cinco anos!
5 –Destruição de becos e travessas, substituição de paralelepípedos por
macadame com asfalto – assim, evita-se as barricadas de 1848.
6- Sistemas de iluminação pública à gás, e investimento em Saneamento Básico e
água potável.
Como Prefeito do Sena, e a pedido de Luis Bonaparte,
Haussmann empreende a mais incisiva reforma urbana das
grandes capitais europeias. Os motivos justificados eram:

1. Segurança e Higiene – destruir os cortiços, vilas,


construções do século XVII permitiria a entrada de mais
luz, ar e facilitaria a entrada da Guarda Nacional pelas
ruas (na prática o objetivo era evitar revoluções como a
de 1831 e 1848).
2. Abrir espaços para novos edifícios públicos (que possuiu
o efeito de aumentar o preço dos imóveis e expandir a
mancha urbana de Paris à periferia, afastando os
trabalhadores do centro).
3. Reorganizar os Departamentos (Arrondissements) para
catalogar os imóveis e terrenos existentes em Paris (na
prática permitiu dobrar o número de Departamentos de
12 para 24, criando novos bairros).
4. Novos códigos de obras – disciplinar as construções
garantindo estética adequada nos grandes Boulevards (as
Ordennances mantinham o rigor do classicismo
arquitetônico, controlava a densidade (mantida baixa em
alguns eixos) e a altura dos prédios).
5. Inovações financeiras: operações urbanas.
Imagem da “velha Paris”

Place Saint-André-des-Arts. c. 1865. © Charles Marville Marville/Musée Carnavalet/Roger-Viollet/The Image


Works. (in. http://www.newyorker.com/culture/culture-desk/paris-reborn-and-destroyed)
Os ricos passaram a se concentrar Os pobres passaram a se
por aqui concentrar
por aqui
Bois de
Boulogne
A imagem da Paris moderna decorre dessas intervenções:
Custou 1 bilhão de francos – parte dos recursos foi captado por investidores (especuladores,
construtores) na compra antecipada de terrenos ou de outorga de novas áreas para exploração.
Títulos eram emitidos, e o próprio Barão ficou rico com as obras. Foi deposto, por Decreto, do
cargo em 1870.

Bouis de Boulogne
(projeto de Alphand), 1857.
Próxima aula:

A Cidade e a Sociedade.

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