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PANFLETOS GRADVA] Versando temas fundamentsis de disciplines diversas, «Panfletos Gradivas — designacio que pretende indiear 0 reduzido nimero, de paginas caracterisice dos volimes da coleccso—, propor: ‘loam 20 Ieitor sinteses actualizadas ou contnibulgBes inove- ‘doras, Nos casos, fraquontes, em quo os temas tratados estiverem ‘eontiios nos programas de ensino universitério e pré-univesité> fio visor muito. paricularmente. proporc felatos claros ¢ rigorosos dos fectos, form {gem nitida das quostbes floras (tanta ve de estudo adoptados). Incorporando @ utlizando ‘das. pesquisas mais rocentes, procurardo sony pensemento do leitorno sentido do uma interpretacSo erftica dos Escritos na sua malor parte por experientes professores, os «Pan- sero sempre agsinados por especialistas que signe o tema que tata, [A Franga antes da Revolueo No perlado que este livro descrave, os anos que decoreram tent a morte de Lufs XIV, em 1715, 0 inicio da Revolugso rem, 1789, 0 ancien régime aobraviveu a ume seri {assim parecer, que 0 século Xv! fol um perfodo firme decedéncia, duranto 0. qual a Revolucdo se foi tomanclo ead vez mais provével. Contudo, ¢ importante obser- Ver of reinedos de Lule XV @ do Luls XVI nas suas condigdes, Droprios, & ndo, simplesmente, como uma aberura 2 Revolugdo. ‘As realizagdes da Franca durante esse periodo — em questées intemecionals, na expaneso comercial, na vida intelectual e ats- {ica foram considerdveis. O Prof. Shennan observa essas rea- lizagBes, em conjunto com 2s amearas e diiculdades que a8 ‘companhavam, © dispbo-ce a an difcets que o historiador da Franga do ancien régime enfrer ‘como ayslar, 2 longo prazo, © paso-das forgss pollticas, 3 econémieas que cauearam a Revolugso, em relagso aos epi- ‘J. H. Shennan é professor de Histdria Europeis na Universidade “de Lancaster, gtodivo Sheiftar "ilo ovina inglés Prance Before the Revolution © 1985 4. Shomnan ‘Trader 4 Santos Tavares Revioto de text: Mantel Joaquin Vieira Composiso, impreita © aesbamente: Tipograjia Guerre, Vitek, ‘no me do Tonsro de 1985 Primcea sigh: 2000 exemplaes Resorvadas o& dieite por Gradiea —Publiages, Rua L de Maio, 18, 3° xq —Telet, 647299 1307 Lisbos Code ‘A Franga antes da Revolugio INTRODUCAO Este caderno ocupa-se especialmente dos anos que decorreram entre 1715 ¢ 1789, ou seja, desde a subida ao trono de Lufs XV até ao inicio da Revolueao Fran- cesa, Em face da maneira dramética por que este periodo termina, torna-se dificil aos historiadores falar do século XVIII se ligarem o seu trabalho, directa ou implicitamente, aos acontecimentos que se seguiram a 1789, Por outras palavras, existe sempre a tentacfo de interpretar a histéria da Franga do século XVII como uma preparagio para a Revolucio, Foi um acon- tecimento de tal modo marcante, que sempre parece constituir um ponto de paragem e recomeco natural, no s6 pata os historiadores, como também para aque- Jes que a viveram..A expresso ancien régime, «antizo regime», que utilizamos vulgarmente para descrever a organiza¢do do governo e da sociedade antes de 1789, foi cunhada na altura pelos homens que estavam em vias de estabelecer um novo tipo de regime. Esses homens otharam para tris, para 0 que exi dad culo XVIT em termos da sua prépria experiéncia # compreensivel que os historindores, a quem a visio do passado tora mais conscientes da importincia da Revolucio, sigam o seu exemplo e escrevam a histéria 1 do século XVIII de diante para trés, como sucedeu, do ponto de vista de 1789; mas devemos lembrar-nos de ‘que os homens ¢ as mutheres que viviam em Franca durante o reinado de Lufs XV (1715-74) e grande parte do do sew sucessor, Lufs XVI, nffo faziam a minima ldeia de que a Revolugao se aproximava e nfio tinham meios de compreender 0 que esse levantamento iria implicar, Tal como nés, eles viviam no presente ¢ nio tinham poderes para prever o futuro. Por isso, 0 his- toriador tem uma certa obrigacio de redigir a histéria de modo a reflectit a sua propria visio dos aconteci- Imentos, cireunstfincias e personalidades, sem os sujei- tar constantemente ao espelho deformador da Revo- lugéo Francesa, © historiador deverd igualmente, © porque tem a vantagem de saber o que ocorreu no final do século, tentar avaliar se a Revolucio foi cau- sada por problemas profundamente enraizados, ow resultou apenas de circunstincias que se verificaram pouco antes de 1789. Essa ser a questo final a abor- Gar neste caderno. Em primero lugar, contudo, deve- remos tentar compreender a natureza do antigo regime © depois fazer uma avaliagio das realizagdes france- sas durante esse periodo. © ANTIGO REGIME A.COROA, A coroa era o fulcto central do sistema, consti- tuindo a tinica fonte de autoridade politica do estado. Os reis franceses eram absolutistas, 0 que significa que nfo havia limites para o exercicio do seu poder por parte de outros individuos, grupos ow instituigdes do reino, Assim, nfo tinham de prestar contas aos seus stibditos do seu modo de governar. Isto no quer dizer, no entanto, que o seu poder fosse despético. Os pré: 5 prios Franceses faziam uma nitida distingfo entre abso- lutismo e despotismo, ¢ a diferenca decisiva encon- travaese na base em que o rei de Franca fundava a sua loutring, Esta base era dupla: 0 apoio da lei e de Deus. ‘A ordem de sucesso ao trono francés era orientada por um principio considerado to essencial para a sobrevivéncia do estado que era denominado lei fun- damental. Estiputava que o herdeiro do trono seria sempre o mais velho parente legitimo do sexo mas- cculino, na fina directa de ascendéncia do governante anterior. Deste modo, o rei era sempre a fonte legal de autotidade do reino ¢ era foreado a cumprir as suas leis com sinceridade. Um governante despético, por outro lado, nao se teria sentido obrigado a tolerar estas restrigdes & sua liberdade de acgdo, A lei fundamental da sucessiio foi o ponto de partida para a criagflo de uma forte tradicfo judicial no governo francés, cen- trada na coroa. Ao longo dos séculos, a estabilidade interna do pais foi assegurada através da autoridade do rei como juiz principal, responsével pela manuten- fo da lei ¢ da ordem e péla preservagao dos diversos direitos dos seus stibditos. A sua credibilidade como chefe politico da Franca estava inextricavelmente ligada a0 seu papel como garante de um regime justo. Inicial- ‘mente, 0 rei exercia a autoridade directamente atra- vés da sua grande corte, a curia regis, mas, com 0 pas- sar do tempo, tornou-se demasiado complicado para ue pudesse manter um controlo pessoal completo. Comecou entfo a trabalhar através do seu conselho, uma organizago que se foi tornando cada vez. mais complicada, & medida que o rei ia ficando mais depen- dente dos seus membros para obtenco de conselhos especializados. Delegou também a sua autoridade de juiz. numa hierarquia de tribunais, que compreendia, ‘20 mais alto nivel, os chamados tribunais soberanos, grandes instituigdes legais, como o Parlamento de Paris, que ouvia casos em apelo de tribunais menores. Como ° Veremos, esse corpos desempenharam um papel poli- tico importante durante o século XVII. Para obter maior apoio sua posigio, o rei de Franca acentuava 0 seu relacionamento especial com Deus. Durante a coroacao, o tei era ungido com feos ‘agrados e, sob o titulo de Sua Majestade muito crit, tornava-se’representante de Deus em Franga, gover nante por direito divino, Nessa qualidade, deveria pro- mover o respeito pelas virtudes cristis e pelos manda mentos divinos. Se 0 ndo fizesse, teria de responder perante Deus pela sua negligéncia, depois da morte. Numa época profundamente religiosa, esta hipdtese no podia ser considerada com leviandade, de modo que este apoio espiritual, embora aumentasse signifi- cativamente 0 poder ¢ o prestigio reais, reduzia ainda mais o riseo do despotismo real. Existem dois outros aspectos do telacionamento do monarca com os seus siibditos que também deve- ‘mos tomar em consideracio para podermos compreen- der perfeitamente a posic&o tinica da coroa durante 0 antigo regime, Em primeiro lugar, como 0 nobre mais importante do pais, o rei era 0 chefe natural da socie~ dade. Dava significado e coeréncia & hierarquia social estabelecida abaixo dele, um facto que ainda contri- bufa mais para a manutengo de um reino unido, Em segundo tugar, é extremamente importante compreen- der que os stibditos no tinham com o rei uma relacio de igualdade. Actualmente estamos habituados & dou- trina da igualdade dos cidadaos perante a fei, mas foi tum assunto apenas tratado seriamente em Franca nos fins do século XVIII. Tradicionalmente, o rei, como fonte de justica para o seu reino, garantia os direitos € privilésios separados de diversos grupos em corpo- aco, Porque esses grupos possuiam direitos diferen- tes, tratava-se de uma sociedade essencialmente em desi- gualdade, Contudo, isso nfo era de surpreender, visto ‘que ninguém pensava em termos de um estado-nagdo 10 ‘com 0 qual todos os cidaddos se identificassem. A tinica fonte de identidade nacional era a coroa, pelo que uma vez, mais se nota a sua importincia como agente de Unificagio, 0 factor comum necessirio a todos esses grupos diversos. A mais vasta divisio da sociedade Francesa, que ocultava um grande mimero de subdivi- ses, era o estado on ordem, e & dos trés estados do reind que nos vamos ocupar agora. (05 ESTADOS DO REINO © primeiro estado / © clero constituia 0 primeiro estado, Enquanto @ populago conservasse a sta aguda consciéncia da esco- tha entre a salvagio eterna © a condenagao na vida apés a morte, o prestigio do primeiro estado estava assegurado, pois s6 a Igreja proporcionava os meios de salvacio, Durante o século XVII surgiram ideias hostis a religiio organizada, propostas por escritores aderentes ao iluminismo francés, e por volta do final do século 4 havia, em alguns escaldes, sinais de davi- das quanto & missio da Tereja: as vocagées religiosas diminuiram © 0 mesmo sucedeu ao niimero de livros ¢ panfletos sobre assuntos religiosos. Além disso, a Tonga disputa entre os catélicos ascéticos franceses denominados jansenistas (do nome do bispo Jansen, cujas crencas religiosas defendiam) ¢ a Ordem de Jesus, ou Jesuitas, que desaprovavam a posicio teal6zica dos jansenistas e apoiavam o direito de o papa os condenar, perturbava e desacreditava cada vez mais a jgreja fran cesa, jd antes da morte de Luis XVI. Contudo, seria errado deduzir que a descrenca se havia espalhado por todo o pais. © cura, o padre da pardquia, continuava a ser uma figura-chave, no s6 como consetheiro esp ritual do seu rebanho, mas também, em termos pré uw ticos mais imediatos, como uma das figuras mais in- flventes da sua localidade, responsével pela ajuda aos doentes © aos necessitados. Ao mais alto nivel, 0 rei conservava a sua aura de direito divino, sob a’orien- Laglio espiritual do seu padre confessor, embora os clé- Figos jé mo dominassem a administracio real. N&o obstante, os cardeais, arcebispos e bispos continuavam 1 ser figuras priblias importantes e alguns deles, como © cardeal Fleury (1653-1743) ¢ Loméaie de Brienne (1727-54), desempenharam papéis muito importantes no governo da Franca do século XVIII. Embora os curas, por um lado, ¢ os cardeais, pelo outro, fizessem todos parte do primeiro estado, exis- tia entre eles um grande abismo social, Quase todos os bispos do século XVIII eram nobres de nascimento, ‘enquanto os padres das pardquias provinham de estra- tos menos prestigiosos, embora de modo algum empo- brecidos, da administragao piiblica e do comércio, Mas houve outras tensGes, para além das sociais, que pro- voearam disputas no seio do primeiro estado durante os séculos XVIT e XVII. Havia, em especial, uma prolongada querela constitucional quanto aos papéis desempenhados pelos bispos ¢ curas no governo da Tareja, Estes sitimos tinham uma visio democritica da questo, defendendo 0 seu direito de partithar a orientagio das dioceses com os bispos. Nas proximi- dades da Revolucdo, as suas exigéncias tornaram-se ‘menos reservadas, reflectindo o crescente divisionismo do pais. Este é um exempio do modo por que a exces- siva énfase dada a acontecimentos que precederam ime- diatamente 1789 pode obscurecer a importiincia de factos hist6ricos a mais longo prazo, Apesar das suas discordincias, os membros do pri- meiro estado tinham muitos privilésios ¢ dignidades em comum. Nao podiam ser julgados por tribunais seculares, convocados para o servigo militar, forgados @ aboletar tropas reais ou a contribuir monetariamente 2 para o seu sustento, Gozavam de uma série de isen- ‘¢bes fiscais, incluindo a libertagdo do imposto directo ipal, a tailla*Gozavam igualmente de distingdes sociais, tanto cofectiva como individualmente: todos os padres podiam ser reconhecidos imediatamente pela sua tinica comprida e pela tonsura; os bispos tinham itinda 9 béculo ea mitra, os cardeais 0 seu chapéu vermetho, Finalmente, a importéncia do primeiro estado na ida ptibiica francesa era reconhecida pelo seu direito fazer reunibes periédicas em que, além de fazer doa- Ges para contribuir para as necessidades financeiras do rei —uma valiosa alterativa a0 pagamento regu- lar de impostos —, velava pelos interesses ¢ privilégios dos seus membros e pela vida religiosa do pais. Assim, odia intervir ¢ dar a conhecer ao rei as suas opinides jcerca das dreas politicas sensiveis em que estivessem fem causa importantes aspectos religosos: os direitos da igreja gélica, a sobrevivéncia do jansenismo e do pro- testantismo em Franea, No século XVIII, a ordem privilegiada do pri- meiro estado possuia algo como um décimo das terras do reino, Os seus membros ocupavam um lugar impor- tante a todos os niveis da sociedade, desde a humilde paréquia rural até & prépria corte; e, politicamente, a posigdo do primeiro estado reflectia 0 poder da re ziffo em Franga e justificava o titulo reat de Sua Majes- tade muito cristé, 0 segundo estado ‘A nobreza francesa constitufa 0 segundo estado & seu relacionamento com a monarquia dé-nos a chave * Imposto de derrama. (N, do 7.) 13 pura compreender a estabilidade e a sobrevivencia do ‘antigo regime, Em troca dos seus servigos 8 coroa, ori- inalmente de tipo militar, mas posteriormente ‘alar- ‘gados por forma a incluirem uma série de responsa- bilidades.administrativas,, 0 rei concedia & nobreza vastos direitos e privilégios que garantiam a sua proe- ‘minéncia social, econémica e politica, ‘Como dentro do primeiro estado, havia grandes divisdes sociais entre os membros do segundo estado. Num dos extremos encontravam-se 05 principes de sangue real, os membros da familia do préprio rei, que estayam rodeados pelos nobres da corte, composta pelas principais familias ministeriais e antigas familias hnobres, que frequentemente desempenhavam fungdes honorificas na casa real ow na de qualquer dos prin- cipes, No outro encontravam-se os nobres provincianos ‘empobrecidos, que se viam forgados a trabalhar pes- soalmente nas suas terras. Nao obstante, apesar dessas enormes diferengas de posigio e fortuna, a todos os membros da nobreza eram concedidos os mesmos pri- vilégios fundamentais. Alguns eram honorificos, como 0 direito de usar uma espada em piblico, de ostentar uma cota de armas, de ter precedéncia em certas ceri- ménias publicas, Outros eram juridicos: o direito de 6 seus casos serem levados a um alto tribunal, de fica~ rem isentos de castigos corporais, de serem decapitados ‘em vez de, enforcados, no caso de serem condenados 4 pena capital. Outros ainda eram financeiros: liber- tagio da taille e do imposto do sal, e, embora, durante © século XVII, a nobreza perdesse a sua imunidade total de pagar impostos directos, erathe invariavel mente atribuido um nivel de tributago inferior a0 normal. No entanto, 0 bem mais precioso para 0 se- gundo estado era a sua ctenea na superioridade moral da nobreza: as virtudes da generosidade, da honra e da coragem eram consideradas como as mais caracte- risticas de um verdadeiro nobre. 1“ Como se adquiria esta invejavel posigo de no- broza’? As tinicas vias possiveis eram através do nasci- mento ou através da yontade do rei, Um nobre de hascimento transmitia hereditariamente, de um modo ‘aulomatico, a nobreza aos seus filhos. A nobteza, con- tudo, s6 era transmitida por linha masculina, pelo que os filhos de uma mulher nobre casada com um plebew no adquiriam estado de nobreza. Quanto ao enobre- cimento feito pelo rei, podia tomar uma de trés for- mas, A troco de uma importancia em dinheiro, o rei, poderia tornar nobre um plebeu rico. Luis XIV tommou Glara a sua opinido de que, especialmente em tempos de necessidades militares, a ajuda financeira ao estado ‘merecia uma tal recompensa. Contudo, este nfo era um meio muito vulgar de adquirir nobreza, © © mesmo sucedia com segundo método de enobrecimento, a entrada para‘ Ordem de Séo Luis em paga de noté- veis servigos militares, sistema este estabelecido em 1750 por Luis XV. A via mais vulgar para 0 enobreci- mento era através da posse de certos cargos, processo fa que devemos dedicar alguma atengio, Determinados cargos administrativos, judiciais © financeiros. concediam imediata nobreza’hereditéria - aos seus detentores, enquanto outros cargos conce- diam nobreza pessoal que se torava hereditéria se fossem conservados pela familia a0 longo de varias sgeracGes. importante notar que muitos destes cargos podiam ser comprados ¢, posteriormente, como qual- quer outra forma de propriedade, poderiam ser legados a0 herdeiro do detentor do cargo. Caicula-se que, 56 no século XVIII, 30.000 a 50000 pessoas tivessem adquirido o estado de nobreza desta maneira, uma grande proporgdo do enorme total dos membros do segundo estado, que é provavel que tenha atingido 400.000 pessoas em 1789, Isto reveia um facto signi- ficativo em relag&o A nobreza francesa, o de, apesar de constituir um corpo separado e legalmente distinto 1 dontro do estado, niio ser inacessivel a quem possuisse fortuna e ambigdes sociais. Tradicionalmente, os ple- bous com aspiragbes & nobreza que tivessem feito for- luna no comérecio, aberto caminho através da hierar quia legal ow municipal, ou servido na casa de um nobre importante, eram recompensados com a aquisi- io de um cargo enobrecedor. Subsequentemente, 05 seus filhos ou netos poderiam contrair casamento com ‘membros de familias nobres mais antigns, especial- mente quando estas necessitavam do apoio financeiro que os reeém-chegados.poderiam proporcionar-thes, ‘Assim, a venda do cargo, ou venalidade, era um método clectivo de impedir o desenvolvimento de perigosas {ensoes sociais, Era também um meio de recrutar para © servigo do governo funcionérios que eram profissi nalmente treinados para o seu trabalho e, finalmente, era um método que trazia dinheiro muito necessério para o tesouro real. Existia um reverso da medalha, no entanto. A ve- nalidade encontrava oposigo dentro do segundo es- tado por parte dos nobres de antiga linhagem, que achavam dificil aceitar que as qualidades da nobreza pudessem ser compatadas, e por parte dos detentores de recursos limitados, que nfo podiam competir com 0s novos nobres, especialmente quando se tratava de comprar comissBes no exército, Havia quem conside- rasse a carreira militar a tinica profissio propria para tum nobre. Contudo, enquanto o antigo regime sobre vivesse, essas friogdes podiam ser absorvidas. Afinal, 44 nobreza estava a set constantemente renovada, Jé ‘observaimos a elevada proporeiio de novos nobres recrutados durante 0 século XVII e pode-se dizer mais ou menos 0 mesmo em relago a um perfodo anterior, Foi possivel determinar a. ancestralidade de ais de 150 dos generais de Luis XIV, e verificamos que um em cada quatro desses oficiais de alla patente pertencia a familias que apenas tinham adquitido no- 6 breza nos séculos XVI ou XVII. A venda de cargos {ambém limitava a fiberdade de acco do governo, porque 05 funcionérios detentores dos seus cargos néo podiam ser afastados; e a venalidade afectava cargos de grande importincia politica, como os do secretério de estado e dos juizes prineipais do pais, além de uma vasta gama de postos menores ao servigo do rei. Embora seja certo que & mais facil resistir efectiva- mente 3s politicas reais mal avisadas ou opressivas través de um grupo de funciondrios independentes, (© mesmo pode suveder as reformas necessérias. Nem havia qualquer garantia de que aqueles que compra- vam o cargo, ot 03 seus herdeiros, fossem eficientes no desempenho das suas responsabitidades. A mais séria objecgdo & venda do cargo, contudo, ‘era 0 facto de desencorajar os comerciantes empreen- dedores de contribuirem para o bem-

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