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Prof. Gabriel Castanho- Historie Medieval IL Texo- 34 Fly Copyright © Editions Flammarion, Pars, 2004 Copyright da traduede © 2006 by Editora Globo S.A. “ado on det resend. Neshuma parte det et pode seria co reprouride~em qualquer nei os farms, sj mene ou eet, Feacpi, gagio ete Tul original: La civilization féodale ~ De Fan mil la colonization de VAnsrique Preparapio: Beatrix de Freitet Moreira ‘Revisio: Vilquiria Delia Pozza e Maria Sylvia Corréa Indice remissvo: Luciano Marchioti Copa: Ettore Bottini sobre iluminuras de Les trs riches heures du Due de Berry (1410-16), dos irmios Limboung (Musée Condé, Chateau de Chantilly) ‘Dados Internacionais de Catalogacto na Publicagdo (cir) Vi ‘cs De Tacege cee Eales ee eee ee ce [tne Bact stro Mav Rede pie ames tr Go ae Sio Fela Cibo, 206, | Chilagio medina 2. Europa Hida medio 3. ade Medi Us Gf eqs Tl 06-063 co0.9401 Indice pre ngs stenin |. Cito meen Hitona 3404 Direitos de edigao em lingua portuguesa para o Brasil adquitidos por Editora Globo S. A. ‘Ae Jaguaré, 1485 ~ 05346-902 ~ Sto Paulo — SP \worvegloboivros.com.be CONSTITUIGAO DO SENHORIO E A RELAGAO DE DOMINIUM Uma vez que a vassalidade, restrita aos grupos dominantes, conceme apenas a uma falima proporgao dos homens (e menos aifidedas rnatteres), etaiao pode- rig constitaie a principal relagio social no sei do sistema Teudal. Esta deve ‘engajar 0 essencial da populagao e definir o quadro fundamental no qual se rea- lizam a produgdo e a reprodugdo social: assim, s6 pode tratar-se da relago entre ‘os senhores e os produtores que dependem deles (notar-se-4, aqui, que 0 termo “senhor" designa aquele que controla um senhorio, na relagio com sefis depen dentes, € ndio tem o mesmo sentido que na relacdo feudo-vassélica| de resto, Imente, como vattale de um dda esta relagdo entre senhores e dependentes o nome de daninium: (ou domi- 1a¢ao feudal), pois ela engaja — segundo os termos da época —, de um lado, Z \aquele que tem um senhorio recebeu-o, pera z G hor mais poderoso). Serdo seguidas, aqui, as andlises de Mlain Guerreau, que ? fam dominus (mestte, senhor) e, de outro, produtores postos em posigo de depen- déncia. Estes alt iat in alee te noathur goad (homea dotenion ou de “vilios” (villani, quer dizer, os habitantes do lugar, originalmente a villa) teri “vilio”, que de inicio nao € pejorativo, € sem dtivida o mais adequado, em primeiro lugar porque a nogiio moderna de So ee te nas concepgdes medievais. Nelas, os homens rurais néo eram definidos por 0s aldedos, seja qual for sua atividade (af inclufdos os artesos), e que indica -essencialmente residéncia local. Ele também nao designa um estatuto juridico & suas atividades (0 trabalho da terra), mas pelo termo “vilio”, que abrange todos, (livre/ndo-livre), questiio que parece relativamente secundéria. A base funda- ‘mental dessa relacdo social é antes de ordem espacial: ela designa todos os habi tantes de um senhorio, os vilaos (ou, 3€ quisermos, aldedos) que sofrem a domi- nagio do senhor do lugar. Além disso, assim como o laco vassélico, essa relagdo enuncia-se nos mesmos termos que a relagio do fiel com Deus (homoldonsinus). Perante o senhor feudal, os viléos estdo, entdo, na mesma posig#o que os homens diante de Deus, de modo que as duas relagdes se reforgam mutuamen- te, como em um jogo de espelhos. Antes de precisar a natureza da relagdo de dominium, & indispensavel definir 0 quadro espacial no qual ela se estabelece € que, pela razto jé dita, é aspecto decisivo. ye 128. Jaime Baschet O nascimento da aldeia e 0 encelulamento dos homens Seja resultante da vinculagio dos escravos aos mansos, seja telacionado aos detentores dos alédios, o habitat rural do fim da Alta Idade Média & disperso e instével. Ele consiste de construgées leves, cuja armagao é em madeira (e que deixam aos arquedlogos apenas tragos superficial ou inexistentes). Fora alguns edificios mais importantes, que exercem 0 papel de pontos fixos, estas frégeis, rmocadias sio periodicamente abendonadas. Se lembrarmos, aids, que a agricul- ” gig tura de entao é extensiva e parciclmente itinerante, podemos concluir que, ainda por volta de 900, as populac estéo imperfeitamen- (= te fixadas. Depois, em momentos diferentes segundo as regides (no essencial, 3 hha segunda metade do século x e no decorrer do século xt, mas por vezes mais tardiamente, como no Império), opera-se um amplo remanejamento da zona | rural, Ao lado da transformacao das terras em terrenos cultivavets e da conquis- ta de novos solos, deve-se mencionsr a reestruturagao dos patrimOnios eclesiés- ticos que, além do crescimento des doagdes piedosas de que eles se beneficiam fentdo, enseja uma intensa pritica de cessdes, vendas ou troca, 0 que permite 208 dominios da Igreja uma maior eoesdo espacial. Isso contribui — junto com outros fendmenos que afetam as teras laicas, como 0 declinio dos alédios, obri- fgados a se por na dependéncia de um poderoso — para uma fixagao mais clara do loteamento, bem como para uma estabilizagao da rede de caminhos. Mes essencial é, sem daivida, o reagrupemento dos homens (congregatio howainum) a fixagao do habitat rural, cada vez mais feito em pedre. O resultado é“onag | cimento da aldeia no Ocidente”, desde que se admita, seguindo bert Fosse) | que uma aldeia supde “um aprupamento compacto de casas fixas,fimsxambém | (lu io territério em torno e, sobretuda, o apareci mas apenas ‘habitantes”. Por volta de 900, n&o existem aldeias conforme essa definigao, por volta de 1100, 0 essencial dos campos ocidentais € organizado \ dessa maneita. Entre os dois momentos, organizou-se o essencial da rede d habitagdes rurais que (com o acréscimo das novas aldeias implantadas ao long¢ dos séculos xt! e xii, nas zonas de colonizagio, e levando em conta 0 abandono de certos lugares) vai perdurar até 0 século xix, Evidentemente, se ndo é uma revolugao, como tentou dizer Robert Fossier, é, ao menos, uma mutagao consi- deravel, pois ela desenha a fisionomia dos campos por cerca de oito séculos. Longe de ser homogéneo, esse processo se realiza segundo cronologias modalidades muito variadas conforme as regides (¢ no interior de cada uma delas). Particularmente precoce na ltélia central, onde comeca antes de meados do século x por iniciativa dos senhores, ele enseja o reagrupamento do habitat A civeerzagko reupaL 129 ‘em aldeias elevadas, cerradamente postadas em torno do castelo senhorial e cer cadas de uma muralha fortificada, Isso nao quer dizer que essa op tenha uma causa essencialmente militar (ela é, antes, social e ideolégica), nem que a forge seja seu tinico vetor (ela é muitas vezes acompanhada de contratos relati- vamente favordveis aos produtores e de certas vantagens juridicas). Permanece © fato de que ela mostra o exemplo de um processo fortemente marcado pela vontade dos dominantes e, pot vezes, também pela intervengao da Igreja. Essas aldeias fortificadas ganham o name de castrum, de onde a expressio “incastella- mento", aplicada por@ierte TouberDa esta variante — a mais dirigida e a mais autoritéria — do reagripariento dos homens, que, no entanto, nao é tao geral como se acreditou a principio: se o castrum é seu elemento principal, 0 reagru pamento do habitat nao se faz. sempre em tomno de um castelo e pode tomar a forma de aldeias abertas, enquatto a maior parte dos castelos néo & constiufda com a Finalidade imediata de reagrupar a populagao e s6 adquire essa fung20 em um segundo momento, Em outras regides do Sul, meditertiineas ¢ puenaicas, \, as aldeias castrenses coexistem com as “aldeias eclesiais”, igualmente Tortifica: das, jflas centradas ém um edificio de culto; ao mestno tempo, convém subli- mhar que, se o reagrupamento do habitat é precoce, a estruturacao dos limites da comunidade e, sobretudo, da tertitorializagdo das zonas incultas pode ser retardada até 0 século xiv. Na Europa do Norte, reagrupamento dos homens comega mais tarde e pode-se notar nele um importante papel das comunidades ‘Naldeas em formagio. Ao menos, 0 reagrupamento das casas camponesas, com freqiiéncia no interior de uma muralha de madeira, parece ser af menos forca- do e mais voluntério, e a associacaio das habitacbes com um castela pode sc pro: duzit em um segundo tempo, depois de o reagrupamento ji estar realizado. Finalmente, nas zonas de colonizago, especialmente na Peninsula Ibética e no : i Leste da Alemanha, trata-se tanto de reagrupar um habitat antigo como de dar, “2” Y desde o inicio, a forma de aldeias densas a uma implantago nova. Em suas formas mais variadas, esse fendmeno pode ser definido como um processo de “encelulamento’, expressao forjada por flobert FoSsier)para desig- ¢ nar 0 reagrupainento dos homens no interior de entidade: localizadas, definidas por um centro —a aldeia, o castelo —, por uma delimitagao estruttr rada pela rede de lotes e de caminhos e pelos limites que definem sua extensdo. Retornaremes, na segunda parte (capitulo 11), ao encelulamento e, em parti cular, ao papel que a igreja e 0 cemitério tém nele. Mas o resultado &, desde logo, claro: dali em diante, os homens serdo “encelulados”, a um s6 tempo rea- grupados em aldeias mais estaveis e fixados no interior dessas unidades de base que’se chamam senhorios. O encelulamento supée, entio, a formagio de uma rede de senhorios que cobre, mais ou menos, todo o tervitério ocidental. “Por volta de 1100, todos os homens estio presos ras as aes senho- rios, dos quais cada eélula é 0 quadro normal de vida' (J O ence- yento da aldeia, a genera lulamento associa, portanto, virios processes: 0 nasc Hela, liao do senhorio, mas também 0 enquacramento paroquial (sobre o qual Gtomaremos na segunda parte; capitulo il). Embora sejam paralelos e contri buam para 0 mestno resultado, esses trés processos nao sfo estritamente sobre postos: as aldeias, o senhorio e a pardquia raramente coincidem, século x! um senhorio reagrupa geralmen aldeias, dominagao no interior de uma mesma aldeia. Além dos Co: ciam uma iistituigae clerical € um Tai i dos consoFtitalianos, que asso \ ciam, por vezes, uma dezena de senhores para um mesmo senhorio, oN cada ver com mais frcqdéncia que, no interior da aldeia, terras e direitos EN ‘fficos remetam a senhores distintos (a tal ponto que um mesmo aldeao pod! depender de varios senhores pur bens diferentes). © “encelulament nifica a formacao de uma rede uniforme de células homogéneas e univocas, 4 toda 8 dificuldade consist, entdo, em delimitar como se articulam os diferen- tes fendmenos mencionados. Pode-se, assim, ressaltar que 0 senhorio, que, de testo, é menos uma entidade territorial do que um poder especifico, setevela bas tante mével, diferentemente da rigidez do quadeo psroquial (assim, a estabiidade SETS arcane Comba Coos Fegientes maangas dos s{tios castrenses). No mais, em certas regides, como a Franca de Oeste, o habitat permanece pay cialmente disperso, sem que isso contradiga a légica do encelulamento. E, enté Aue a igreja e quado paroquial exerrem um papel maior na formagao de “al deias dispersas’. A expresso sugere, de forma judiciosa, que o que faz a aldein ¢ pamento de suas casas do que a coesio da comunidade dos aldedios ao) No geral, os fenOmenos que contribuém para 0 encelulamento pliders-secGinbinar dle maneiras diversas, ore mais fitmes, ora mais ténues; mas @ fato de que eles se sobrepdem e se imbricam, sem coincidirem completamen- te, parece fazer parte da dinamica de conjunto do processo. ig Pode-se, entao, delimitar melhor as implizagées do debate sobre o “ano mil"? Para os defensores da mutagio, o que se passa no século que circunda esta data é nada menos que uma fase aguda do processo de encelulamento dos homens e de formagao do quadro senhorial. O que se nomeia mutago, ou mesmo revolugio, & um momento particularmente intenso de ancoragem da dominacao senborial, em relagao a multiplicagao dos castelos e dos mentes castrenses. Alguns procuraram identificar as reagdes suscitadas por essas transformagées, principalmente a “paz de Deus’, proclamagao langada pelos bispos e pelas assembléias conciliares a par- tir dos anos 975-90, que condena os “maus costumes” dos senhores laicos, exor- tando-os a respeitarem os clérigos e os pobres, chamando a restauracao da ordem pili € da paz. Assim, eles se apropriam de uma preacupacio abandonada pelo poder real e atraem 0 apoio popular, Entretanto, (Dominique Barthélen}) fez obser- var que este movimento nao é nem de origem popular nem anti-senhorial, pois a Tpreja denuncia a violencia da aristocracialaica na medida em que ela prépria€ sua vitima e, de fato, defende seus préprios senhorios em face de uma pressio arsto critica que ameaca incomodé-la, Em sua luta contra a nobreza, por vezes, ela faz apelo ao povo, afetado pelas mesmas causas, 0 que néo é isento de perigo e aris {ca transbordar seus préprios objetivos. Os movimentos da paz de Deus fazem, fe intervir grupos populares, mas seu objetivo fundamental ¢ a manutengo de tuma ordem senhorial que a Igreja pretende dominer. Os erticos das teses muta- Cionistas também enfatizaram que, nesse movimento, no se opera nenhuma _, mudanga de classe dominante. Seja antes, seja depois do ano mil, sfo sempre a ~ aristocracia e a Ipreja que dominam a sociedade, mas ambas conhecem uma vigo- rosa reorganizacao. Como dissemos, a partir de ento a dominagdo aristocratica * ancora-se localmente e torna-se mais eficaz gragas & remodelagem espacial dos ‘campos. Mas a questdo cronolégica levantada pelo debate sobre o “ano mil” per. + manece insoltivel: é evidente que o encelulamento nfo poderia ser reduzido aos 'paAlecénios préximos do ano mil; suas rafzes remontam a0 inicio do século 1X ¢ ele se of completa lentamente, até pleno séczilo xt A progressividade dos fendmenos e suas discrepancias, assim como a auséncia de uma cronologia uniforme na escala do f_Ocidente, impdem que se prevaleca essa dindmica plurissecular? Ou, entdo, seria possivel identificar, por volta de 980-1060, uma aceleragao do processo (castelani- zagiio, senhoralizacao, edificaco de igrejas, sem falar das transformagdes da ordem | eclesial, de que se falar no capitulo seguinte) em um ntimero significative de ' regives? A polemica sobre o eno mil espota-se e essas duas opgtes sto, talvez, ‘menos incompativeis do que parece. Enfim, o essencial consiste em reconhecer a é U natureza dos processos em andamento: quer se recorra a nogao de encelulamento, diversamente combinaveis — leva & formagao de um sistema dotado de uma.cae- Gi fae que € o quadro de um desenvolvimento de amplitude inédita. A relacéto de dominium ger sejam preferidoy outros Termos, a reconfiguracia sacioespacial — da qual o Yai jgreja e a pardquia, a aldeia e a comunidade sfo as facetas Hoje nao se cré mais, como queria a historiografia tradicional, que Bie 0s pro- dutores dependentes do senhor-feudal fossem servos. Uma das contribuigdes mais marcantes da obra de Georges D}by é a de ter mostrado que a servidio ae Ea ~~. SS 152 Jn Baschet perde sua clarea e ndo consegue mais dar conta das situagSes intermedisras ‘que se multiplicam. A servidao é, finalmente, a forma estabilizada de uma posi- ¢40 intermedidria entre a escravidao ¢ a liberdade: o servo nfo é mais uma pr priedade do senhor, assimilado ao gado, mas sua liberdade € marcada por imp tants limitagdes. Sea escravidao & um cativeiro definitive, o ritual de servida utilizado em cettas regides e durante o qual o servo traz uma corda no pescocd) parece indicar um cativeiro de que se € imperfeitamente resgatado pelo paga™ mento de uma obrigacao. Trés marcas principais exprimem a limitago da liber Rae dade do servo: 0 chewage-(ou captaciio), tributo pelo qual alguém se resgata do catveirara mainmorte, que significa aincapacidade & propriedade plena de um patrimdnio e que impde 0 confisco pelo senhor de parte da heranca transmiti- da pelo serv; e, enfim, o formariage, taxa paga quando do casamento ¢ que manifesta a limitagdo da liberdade matrimonial. Finalmente, seria necessért acrescentar a importincia das corvéias, trabalho devido ao senhor, que nio s exclusivas dos servos, mas que, no cas0 destes, sao deixadas em maior gf@li ao arbiirio do senior, Este quadro devetia se tornar muito mais complicado para dar conta da diversidade regional e, sobretudo, pelo fato de que essas obrigacies pesam, por vezes, sobre camponeses livres. De resto, nfo € certo que a situacio material dos servos seja sempre mais dramética que a de seus vizinhos livres e' pode-se perguntar se o peso espectlice de sua condicZo nfo se refra sobretudo A mancha humilhante de uma servidio que dé lugar a mblkplas situagées de cexclusdo ou de diseriminagio. Mas o essencial 6 sublinhar que algervidBb é nas. uma forma de explorago dentre cutras. Se, por vezes, sefuindo'9 cami aberto por Georges Duby, tenharse talvez minimizado exokssivamente(6 se pend plese, sem vce, conle aualente que arava eden Wo ng dominant nem mapa Elen ocr do stems. mes ued suas chaves", manuseada dentre outras formas de exploragao, ora abandonada, ora retomada ompn jarthélemy}, Se a tendéncia do conjunto é sobretu- do de declinio, a fervideio pode, segundo as regides e as épocas, abranger @ gs retade dos aldedos bu desaparecer completamente. Pode-se admit que, na média, cla afete-entre 10% e 20% da populacao rural - ~~ preciso, entao, analisar a forme mais geral da dominagao feudal, aquela es que se instaura entre um senhor cos vile que, de manetrs complet ou par: cial, dependem dele. A relagao de dominium estabelecida entre eles manifesta- se por um feixe emaranhado e extracrdinariamente variado de obrigagSes, as quais € comum atribuir dupla origem. A primeia seria fundiéria e se assentaria A civiuizacko FeupaL 133 bre a posse eminente do solo, reivindicada pelo senhor. A segunda derivaria da disseminagao do poder politico e da captacdo, no nivel senhorial, das prerro- |gativas de autoridade publica, ou seja, essencialmente, o imperativo de defesa piltar, a manutengfo da paz e o exercicio da justica. Como este poder de ‘comando, de orjgerh real, € Womeado baaa, quis-se forjar a expressto “senhorio 'banal” (por oposicgo a um simples senhorio fundidrio), para expressar 0 fato de } que a descida do pader, antes dos soberanos ou condes, para as maos dos senho- res constitui uma pega-chave do novo poderio destes tiltimos (Georges Duby). GE Nias essa expresso, sem fundamento nos textos medievais, tem o inconvenien- te de sugerit que se poderia distinguir claramente, no poder do senhor, o que se refere a0 ha € 6 que € de origem findiria. Ora, a que earacteriza 0 al Sinica, 0 que! €, justamente, a fusto desses dois elementos em uma domina toma sem pertinéncia o cuidado de diferencid-los. GE senhor explora diretamente uma parte do solo claramente mais reduzida - ‘lo que no sistema dominial da Alta [dade Média, Se esta parte pode atingir um 160 ou a metade das terras cultivadas, muita vezes ela se restringe a menos de tun décimo e observa-se uma forte tendéncia dos senhores a se afastarem da ati-~ vidade produtiva em si, A maior parte dodge} €, entdo, constituida pelas tenén- g' cias (tenures: conjunta de paréelas dispersas em zonas distintas do terrtsrio} que ead@h0s cultivam individual e livremente, e que transmitem aos seus descen- iG Aentes. Mas eles tem, em relacao 20 senhor, um conjunto de obrigagies e deve: ss 2 the pagar maltiplas taxas, alguinas sendo “quérables” (cobradas no pr6prio local de produgao),’ outras (que implicam reconhecimento do lago de dependéncia) devendo ser levadas ao castelo, especialmente uma ou dues vezes por ano, em yy, me cerimonia rtualizada, incluindo gestos de submissto. Esse ritual €a forma visivel da relagao de dominagaio feudal, e como ele pde 0 senhor (ou seu repre 52 sentante) na presenca de seus dependentes, parece justlicar a abservagiio de sublinhando que @ sociedade medieval é fundada sobre uma “dependéncia “ayy Pessoal’, de modo que “todas as relagSes sociais aparecem como relagdes entre SS" pessoas’. Pode-se evocar, aqui, a ampla panéplia de taxas e deveres impostos pelos senhores, mas convém sublinhar que sua propria combinacao, segundo proporgdes ¢ modalidades especificas, e, ainda mais, seu caréter extraordinaria Se mente varidvel (inclusive entre lugares vizinhos, entre senhores de uma mesma aldeia ou entre dependentes de um mesmo senhor), :80 caracterfsticas principais do domsinium, Uma dessas taxas, tardiamente generalizada, chama-se “taille”, ¢ 7. “droits quérabes" s40 aqueles direitos que o senhor deve ir buscar (qui) junto aos seus - dependences. (N.T) 8. Tatha. (NT) € possivel, se se faz questao disso, atribuir-lhe uma origem no bar, pois preten de-se que cla seja cobrada em contrapartida da protegao dos aldedos. O senhor ‘ostaria de estipulé-ta como bem entendesse, rras os camponeses exigem dele 0 “abornement"? quer dizer, a fixacao nos limites estabelecidos pelo costume. E pre- ciso pagar também ao censo, que parece ser o arrendamento da terra e que con- siste em uma parte da colheita, entregue in natura (0 champrt). A porcentagem varia fortemente segundo os tipos de solo e as regides, EnfTe ui tergo € um quin- to, sem excluir taxas particularmente baixas ou outras excepcionalmente eleva- das. Mas existem também outras opgdes, como na Itilia, onde 0 conskate-tive- Jar! arrendamento de trinta anos renovivel, € rarticularmente vantajoso para os campaneses, ou como meagdo, reparti¢ao pela metade quando o senhor forne- ‘ce sementes e parelhas de animais, colugdo esta que comhecetd grande sucesso no fin da Idade Média, A evolucdo mais importante do censo € sua progressiva transformagii, a partir do inicio do século Xit, em uma renda paga em dinheiro, ‘6 que niio ocorre sem dificuldade, na medida em que o senhor se esforga por impor sua prépria estimativa da contrapartida monetéria, que raramente € do -gosto dos produtores. E preciso acrescentar, ainda, o direito de hospedagem (abrigar e sustentar 0 senhor e sua corte um certo niimero de dias par ano} "presentes” e eet reer senhor exige em certas ocasides, tas etcetera Tcsentdi ue pagsado iumfeatamerts/om. um celebragao familiar, mas que tendem a ser convertidos em uma soma paga anual- tmerite. Outros elementos concorrem, igualmente, para a dominago dos senho- res, que mandam construir o moinho da aldeta, mas também o lagar ¢ 0 forno,e, sobretudo a partir do século Xil, obrigam os habitantes a utlizé-los, em toca de / pesadas taxas, como por exemplo um décimo das grdos trazidos (é por isso que o S moleiro é visto como um homem do senhor e deixado 4 margem da comunidade alded). Enfimn, os direitos de mutacao (‘lads et vertes"™), e, para os senhores podem cobri-los, os peddgios sobre as mercadorias, na passagem de rios ou cettos pontos dos caminhos, ou, ainda, no momento da venda no mercado local, oferecem um rendimento razoével e, por veres. considerdvel, Um outro aspecto fundamental do poder do senhor € a possibilidade Me exercer ele proprio a justi¢a, que se torna ainca mais efetiva visto que a justic# ‘do conde se enfraquecee se revela incapaz de realizar sua tarefa, Também nisso. 9. No francés antigo, abortement, da verbo abortr,signticaestabetecer as frontiras ov marcos (Gomes) de um campo, esses tertnos caram em desuso, em beneficio de bornage e borne. Dat 0 sentido, no contesto, de resting a um limite. (N.T] 10, Do italiana livello: for, eenso. (N.T.) 11 Los: terme do direco feudal que indica o consentimento da senor para uma transago, imp cand 0 respec oepocne _as cronologias regionais so muito varidveis: em certos casos, como no Maconnais ¢ na Catalunha, os “plaids” (tibunais) dos condes deixam de se reunir desde 1030-40-e-os tribunais senhoriais tomam rapidamente seu lugar; em outros luga- res, especialment® mais a0 horle, a justiga condal resiste até o fim do século XI, ‘ou mesmo até meados do século xil, € somente entdo que as cortes castelis estendem suas prerrogativas. Além disso, nem todos os senhores tém as mesmas competéncias judicidrias, A justica senhorial aprecia os delitos mais diversos cometidos na aldeia, mas ela é, antes de tudo, uma justica fundisria: ela impde mutta ou_o confiscade um bem para numerosas infragdes, por exemplo, em caso de no pagamento de uma taxa, de alteracdo de um limite de terras ou de contravengdo das regras de utilizagio das matas, Além do caréter bastante ren- tavel dessa justiga, vé-se a grande vantagem que 0 senhor pode tirar dela, sendo cle em geral juiz e parte, para reforgar sua dominago sobre os dependentes, ‘Nisso, e em muitas outras ocasiées, ele é secundado por seus servidores, os fagentes que supervisionam as colheitas'e as corvéias, inspecionam as florestas e aplicam as decisées de justia, ¢ ainda mais pelo pschoste, responsivel pela manutengao do senhorio, recompensado por uma parcela e por uma parte das taxas ¢ das multas judiciérias, o que o incita a ser particularmente exigente e, cexplica que ele atraia sobre sua pessoa grande parte-da animosidade aldea. O se nhor e seu preboste devem, em principio, respeitar os costumes locais, mas, pelo menos até o século xu, eles julgam sem que se tenha direito de apelar, Enfim, certos senhores encampam uma competéncia total, que pode chegar até a condenacio & morte (direito de alta justiga). Mesmo-se-ela é pouco utilizada, a forca, instalada na proximidade do castelo, € seguramente um simbolo do poder senhatial, pa 2 imprimie no espinto dar dependentes um Tespeite-glaeial As comvéias, trabalho devido nas terras do senor e, por vezes, também ati vidade doméstica no castelo e nas dreas de criagdo de animais, acabam sendo 0 emblema do sistema senhorial. Entretanto, € sobretudo no sistema dominial mansos deviam, geralmente, prestat servigo trés dias por semana a fim de explo- ira terras da reserva do senhor. Por outro lado, no sistema senhorial, em que a parte explorada diretamente pelos senhores restringe-se consideravelmente, as corvéias so reduzidas na mesma proporgiio. Mesmo se a disparidade predomi- na, uma situagdo corrente a partir do século xil consiste em corvéias limitadas ‘a trés dias por ano, em outros lugares, a quatro ou seis, com eventual acréscimo de um dia por més. Além disso, a tendéncia é, também aqui, no sentido do paga- mento anual de uma taxa em dinheito que substitui a obrigagio das corvéias, Mesmo se considerarmos as corvéias de carroga (transporte de diversos griios, feno, vinho ou outros raga Tee mansmminerndhotns tificagdes do castelo ou na aliment 1 guardas e dos cavalos, ou, ainda, a obrigagdo de participar das operagées militares, tradicional para todos os homens livres, inclusive os camponeses, podemos concluir que as corvéias dei- xaram de set um aspecto central da pungdo exercida pelos dominantes surpreendentemente copiosa que 0 senhor oferece aos aldetios que realizam a corvéia) e concentram, muitas vezes, a animosidade dos dependentes, que niio param de reclamar sua limitagdo e sta monetarizacao: elas so julgadas ainda mais humilhantes uma vez que contrastam com a ampla autonomia que carac- teriza a atividade camponesa e aldea. E assim que as corvéias se tomam sfmbolo que exerce um papel no sentido de mascarar e dessiar a atencdo para um aspec- to completamente secundério da dominagio eee) Inversamente, oF mecanismos que asseguram os melhores ren’ Zos senhores s40, | geral, os menos contestados. Aqueles que jé foram assinalados, € preciso acres- centar o endividamento de_numerosos aldedos (devido a diversas razées, como ‘© montante dos pagamentos em dinheiro ou a insuficiéncia das reservas de grao) ‘que duplica o lago de dependéncia. Pade-se, ali, observar como 0 controle dos cestoques cerealfferos dava uma vantagem importante para os senhores, reforca- da pelo fato de que estes fixam as datas nas quais os pagamentos em prata devem ser feitos: os camponeses devem, assim, vender seus.produtos logo apés acolheita, no momento em que os precos estio mais baixos. Se os senhores os ‘compram para revender em seguida com grande lucro, como se levantou a hipé- tese, ou nao, parece que 0 pagamento em dinheito das obrigagdes nao tem ape nas vantagens para os dependentes, A partir do século xitt, ele acentua 0 endi- vidamento destes e aumenta a discrepancia, em favor dos senhores, no que diz respeito a0 controle dos estoques cerealiferos. f forem somadas todas as exigéncias senhoriais, a dostunagas mostra-Se Das- svante pesada. No entanto, ser4 preciso, exh decorréncia disso, reproduzir 0 este- 6tipo do cayiponés medieval esmagado pela rapacidade brutal dos senhores Freduzido a misérté, sem direite-¢ sem éniciativa? Sem negar 0 poderio exorbitan! te dos senhores, deve-se certainente daf'maior atengao as nuangas ¢ reparar a diversidade das situagdes atestadas no coe mina Pura minoria dos ids, 0 jugo €, muitas vezes, esmagador, e muitas familias livres dispoem ape- Sor ara (Gees quatro ou cinco hectares, levando em conta as taxas a serem pages) ¢ tém como tinica preocupagdo assegurar a sta 136. Jerome Bacher A civiureacao revoan 137 yo ee x Mas ost aldeagh podem estar em uma situacio mais vantajosa, desde que digponham de lina superficie um pouco superior de boas terras (oito ou nove hectares nao seo-excepcionats}, Cajos rendimentos aumentam, desde que eles tambénvenham conseguido resgatar suas obrigagbes, que baixam em decorréncia da desvalorizago monetéiia. Eles liberam, entio, um excedente aque € vendido no mercado local, gragas 20 qual eles podem comprar ferramen- tas para melhorar o trabalho da terta, alimentos que Thes assegurem um regirne mais equilibrado, tecidos e diversos objetos que melhorem sua condigao de ‘ida. Enfim, sobretudo no século xil, quase sempre aparece na aldeia uma elite de alguns tral s (os melioresvillani) que, dispondo das pareelas mais ‘produtivas € mais bem agrupadas, assim como de animais de trabalho fortes, se elevam acima do vulgo, a tal ponto que recorrem ao trabalho dos aldesas mais desprovidos pata explorar suas terras. Entao, entre os séculos Xt e xt, produz- se uma forte diferenciagao interna no seio das aldeias. Isso significa que, se 0 quadro senhorial beneficia inicialmente os senhores, ele também permite que ‘os dominados, ao menos alguns dentre eles, se aproveitem de uma melhoria sensivel de sua situagio. Também aqui, € preciso evitar tanto a legenda negra como a legenda rosa, Admitir-se-d, au mesmo tempo —e € isso, sem divida, que faz a forca do sistema feudal —, que a dominacdo senhorial & extremameni- fe pesada, devido & ampla gama de prerrogativas que ela concentra nas maos dos re) @ que ela concede aos dependemtes uma consideravel margem de anobra e de iniciativa, que Thes permite também aproveitar, em certe medida, dd desenvolvimento da-zona rural. Uma vez passadas os sobressaltos da instala- sobrevivencia. Ps go. do quadro senhorial, ¢ até meados do século xi, pelo menos, a manutengao aig no scio dos senhorios beneficia, em proporgbes varié- ; Riaininantes como os dominados. ° chee Ep mente rompido nos s€culos xi € Ntggpr.revotas ygfect sempre fragil. Ele é urdido por infinitos conflitos@jgon- ¢ tamentos permanentes ¢ resisténcias veladas, principalmente porque os alde se esforgam em fixar os pagamentos de obrigacdes, a0 passo qué a ae das cobrangas é um aspecto caracteristico de uma dominagao da qual se d cia de bom grado o cardter arbitrério. Na segunda metade do século xii e dus ego sella piv esate toto seen ear sel aacsve nenaAS queens else montante do resgate das corvéias ajuntam-se 0s efeitos da desvalorizagao moe téria, que leva os senhores a exigir um “sobrecenso’, abuso considerado inaceité® vel pelo Gamponéses. Os conflitos para os direitos de uso do saltus também sao acirrados, pois 05 senhores se esforcam por controlar mais estritamente as flores- tas, estabelecendo neles zonas reservadas & caca e outras destinadas & renovacao ‘da mata, regulamentando o corte de certas espécies, impondo multas para todas as infragoes cometidas e procurando taxa o: direitos de explorago e de pasta jumeiros ¢ afirmam . enquanto os camponeses defendem seus direitos costumeiros ¢ al moe 2 um, em cade_ um fquc essas terras sio commncna (bens comunitérios). Em res os aspectos da dominaco senha existe separa Taos ente-domsinerie> Saas ao forterente agravads pela cescente necessidade de gy “dee dos aristocratas, pois se estima que, especialmente em virtude da desvalor: sagio monetéria, os gastos necessérios para manter su posicao, militar ¢ socal, dlobram ao longo do século xi Evoca-se con: freqiéncia uma tendéneia de baixa dds tas de cobranga de rendimentos, a qual, uma ver atingido certo patamar, proce peridleas reagBes senhoriais a fim de rstaurar uma pressio scbre os diminuindo, De fato, a “tenda senhoral” est& em perma- Frente recomposigao, de modo que a evolucio desfavordvel de certos rending fos tende a ser compensada por novas formas de puncao, 0 que pode levar dima reativagdo da serviddo; mas os aldesos, habituados a se beneficiar de uma relativirmelhora de sua condigao, nao podem senao lutar vigorosamente contr todo questionamento dos costumes que The: s8o Favordveis J [Nao pocemosterminareste breve aparhado das relagées entce dominantes dominates sem sublinhar a emergéncia de formas de auto-organizacto da populagoalded. Sua oigens e suas modaidades diferem foemente segundo Eoieylbes As conlrarias de adeia, que desde o séeulo x1 reduplicam 0 quad parol, so muitas vezes sua primeira expresso. Associogdes de devordo c de Fda ita que cimentam a unidade dos aldedos, elas assumem as obrigasdes dh caridade para com os pobres, aseguram os enterros dos mais desprovidos ¢ por vetes, adquirem terra que elas mesmas exploram. Em viras regides, 6S ponuiidade aldea que constrie assegura a manutencHo da igreja, de man Sronena embora em acordo com 0 péroco. Assumindo esta funcdo, as conf vias alless do século xin, que também organizam o banquete anual da comuni ade e 30 dotadas de poder econdmico importante, acabam exercendo um las contribuem para a crstalizagio de uma verdadet 1 seio da aldeia. A comunidade €, entdo, dotada de século xi, ela resine-se em assembléia decisées importantes e elege por um ano ja" &vivar,sobretudo, até 0 sécu- odo produtores que vinha papel de primeiro plano. ta orgenizago comunal n uma personalidade moral: a partir do (parlamentum, vicinium) para tomar as seus representantes. Esta “democracia na alde To xitt, antes de se esgotar quando o papel da assembleia declina em proveit papel de seus representantes, ou mesma de um canselho formado pelos mem bros mais influentes da comunidade (Monique Bows As aldetas eral dotados, nos secilos XITe vit, de cartas de que fam as respectvas obrigagdes do senbor ede seus dependents: Dadas a sua especificidade e a sua precocidade, elas nfo podem ser tidas como simples rranquia lecalques sarge urbana. Raras na Inglaterra e substituidas hho Império por “declaragiies deMlreitos” (Weistum), que muitas vezes visam Jseparar os direitos que diferentes senhores exercem em uma mesma aldeia, as fcartas de franquia so numerosas na Franca, na Itélia ¢ nos reinos hispanicos, Jonde os fueros sao particularmente precoces. A diversidade das situages impe- deo estabelecimento de um quadro homogéneo delas. Segundo 0 caso, elas satis- fazer, em maior ou menor grau, as reivindicagdes dos aldedos (supressio de certas obrigagdes, monetarizagao de outros pagamentos de taxas ¢ definigao de tum montante fixo), mas também dao lugar a medidas desejadas pelos senhores, isso quando no visam regular conflitos entre senhores diferentes. Mais‘do que consideraras cartas de franquia conquistas arrancadas pelos vilios, é preciso ver nelas um compromisso resultante de uma relagio negociada (pode-se mesmo, por vezes, observar que a carta de uma mesma aldeia é periodicamente reescri: ta ou modificada em um ritmo répido, da ordem de uma dezena de anos; Benoit Cursente). De fato, se os senhores facilmente dio consentimento para as cat- tas, mesmo se elas fortalecem as comunidades aldeas, é, sem divida, porque eles véem nelas o meio de assentar sua dominagio e mesma de fazer da comu- nidade alded a garantia de suas prerrogativas. E nesse espfrito que as cartas de franquia tatificam 0 abandono de certas exigencias senhoriais, asseguram 0 uso dos bens comunais reivindicado pelos dependentes ¢, por vezes, transferem mesmo 0 recebimento de algumas obrigagdes e 0 exercicio de uma competéti- cia judiciéria para a comunidade. Esta dispde, entao, de um orgamento préprio especialmente, para a manuteneao dos caminhos, da igreja ou de outras cons- trugGes) de um tribunal autdnomo, mas que, em géral, julpa apenas litigios agririos e permanece percialmente controlado pelo senhor, o qual pode se reser- -gebimento de uma parte das multas. $25 camponeses, portanto, esto longe de sofrer passivamente a domina- \ sao senhoral €a aldeia sabe ofganizar-se independestermente da caste e.da, iapela. No-entanto, nao se poderia, em decorréncia disso, idcalizar a democra- 4 ‘cia alded. Suas assembléias excluem as mulheres e as cartas de franquia expr ‘mem, em larga medida, 03 interesses da elite camponesa (os maiores em opo- sigao aos minores), com a qual os senhores compreendem que & necessirio compor. Em muitos casos, as cartas de franquia sao os instrumentos de uma consolidacao do poder senhorial. Mas, sejam quais forem os limites, a auto- organizagao das Comunidades aldeds, a um sé tempo unidas como coletivida- des e atravessadas por clivagens internas, é um processo notavel, que age tam: bém a favor dos dominados. Entre os resultados mais considerdveis pode-se reter uma melhor organizacao do trabalho camponés (por exemplo, a designa ao em rodizio de um pastor “comunal” para vigiat os animais de todos os 140 frome Baschet aldedos; por vezes, o estabelecimento e a vigilancia de uma rede de irriga¢o), ‘a reivindicagao dos bens comunais e de sua gestdo (caminhos, riachos ¢ zonas tultas), e a defesa dos direitos coletivos, particularmente a livre pastagem nas terras em que a colheita acaba de ser realizada. Finalmente, essa organiza- io reforga a consciéneia comunitéria, que se manifesta notedamente pelas procissdes, nas quais se exibe a ordem alded, e pelos rituais apropriados, como a plantagao das éryores de maio ou a eleigao anual de um rei da juventude na seqiiéncia de uma prova, tal como um combate de galos ou uma caga ao pis- saro.'? Nessas praticas e representagdes, exprimem-se, ao mesmo tempo, uma busca da unidade comunitéria (a consciéncia de formar uma entidade espect- fica) e 0 reconhecimento das diferencas e das hierarquias internas que carac- terizam essa coletividade. Uma dominagio total? Salvo exceco, os serihores vez, menos na atividade produtiva em rial permanece Targemente exterior a0 ndicleo da atividade produtiva (0 cultivo das tertas), ela & exercida ainda mais vigorosamente acima e abaixo desta. ‘Acima, porque — e af-esté o papel do encelulamento — os dominantes orde- nam o pr6prio quadro da vida sociale da atividade procltiva através do reagru- pamento do habitat, o estabelecimento de senhorios ¢ da quadro paroquial, € mesmo, de certa maneia, através do reforgo da comunidade aldea. Abaixo, pelo feixe de obrigacdes e pagamentos que compoem a “renda senhorial, inclusive 1s vantagens tiradas do endividamento e do controle diferenciado dos estoques cerealfferos, Exercendo-se quer antetiormente quer posteriormente, a domina- ¢40 senhorial enquadra fortemente a atividade produtiva, embora esta sejalivre- mente realizada pelos dependentes, no quadro da comunidade alded. Do mesmo modo, mesmo se os habitantes de uma mesma aldeia podem depender de virios senhores diferentes, para direitos ¢ terras diferentes, o dominivm agar rece como uma forma de dominagao “total’, no sentido de que ele concentra, nas mios de um ou varios senhores, um poder localizado, 6 verdade, mas em geral considerdvel, associando miéltiplos aspectos que nés considerarfamos — se eles nao se encontrassem estreitamente imbricados — militares, econdmi- we; ndo deve ser confun: 12, Jogo ritual que consiste em capturare, eventualmente, ecapitar a ave; nd ido com a capa com auxiio de passars, em geralofaledo. (NT) Avciviuieagae feupan HT cos, polticos e judiciérios. Quer se atribua ou nio a esses poderes uma dupla origem, fundigya e ligada ao bam, o importante & sublinhar que eles se combi- os homens (0 comando mi rd jastiga ni aiéncla de quilgier { cutra autoridade efican), Entre esses dois aspectos a imbricaczo € tal que no +. mais nenhum sentido em querer dissoctels ou distal fie utilizamos para descrever a formacao dessa Fasao perde seu significado. Assi, ‘© poder senhorial sobre a terra no € uma propriedade, no sentido que damos a io se fazer passar por tais quanda.as revolucdes vierém desintegrar o sistema feudal. Como mostrac€idward Thompsoh, em um artigo célebre sobre a econo- mia moral do Antigo Regime, "o Conceito central da tradigfio feudal nao era o de propriedade, mas o de obrigagoes reciprocas”. Vé-se isso muito bem, pois o Iideds We pe os ao aw arate RIS ME CLeNIE e entretanto, pagar 0 censo ou champart a0 senhor; inversamente, este reivindica ‘uma forma de posse da terra, que justifica © pagamento do arrendamento, mas no pode dispor dela como bem entender, Na Idade Média, a relagdo com a terra se expressa de modo diferente em relagio ao nosso sistema Funda’ nos conceltos de propriedade (e de Tocasio). O senhor é aquele que “possui a terra’, jode exibir um titulo de propricdade, mas parque ele € dominagao sobre os. dependentes. De certo modo, trata-se de um sistema circular: o dominante exerce o poder porque possui a terra, sui a terra porque ele pode demonstrar que exerce nela o poder como 0 faz®erry Anderso}, que 0 poder do senhor consiste em “um amalgama de propriedade Soberafia’, pois é preciso sublinhar imediatamente que essas. duas nogées perdem, entdo, os seus signifi e total; a segunda, por se confundir com formas privadas de dominagao. E melhor admitir, entdo, que o dominium é “uma dominagdo Gnica sobre os homens (plena) e de soberania {de Estado) nao tém equivalentes na realidade medie- dos: a primeira, por nao ser plena val. Enfim, a fusao da dominagao sobre os homens e da dominagao sobre as tertas supde uma condigéo indispensével: o_wincula dos homens camatersa E justamente essa tendéncia de fixagao dos homens ao seu lugar de vida (e 0 controle de sua capacidade de circulagao) que assegura o encelulamento, em relacao ao qual se percebe, uma vez mais, quanto ele é um aspeeto decisivo da dominagao feudal. Seré, entio, indispensavel retornar a este aspecto na segunda parte, a fim de ver em qu Iago dos hoi , que se pode, damentais do sistema feudal 1uais meios 6 assegurado 0 desde j6, considerar um dos tragos fun-

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