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O proF: poor'> om De confederados a barbaros: a representagao da territorialidade e da fronteira indigenas nos séculos XVIII e XIX Denise Maldi* RESUMO: As concepgées setecentistas da territorialidade e da fronteira indigenas so analisadas inicialmente em sua relagdo com a idéia de “na- 40” presente no discurso colonial portugués ¢, posteriormente, nas situa- ges de independéncia e formagao dos Estados-nago. O artigo, constituido | >A no quadro do didlogo entre a Antropologia ¢ a Histéria, propde uma abor- | ?-~ dagem da territorialidade e da fronteira enquanto categorias culturais. PALAVRAS-CHAVE: Amazénia ocidental, séculos XVIII ¢ XIX, territorialidade, fronteira, povos indfgenas, terras baixas sul-americanas. Apresentaciio Este trabalho é um ensaio etnohistérico sobre a representagao euro- “ Péia da territorialidade e da fronteira indigenas nos séculos XVIII e XIX. Orientada por uma preocupagiio com 0 didlogo entre a Antro- Pologia e a Histéria, procurei construir uma abordagem da terri- Digitalizado com CamScanner Denise MALDI. De ConFEDERADOS A BARBAROS torialidade e da fronteira enquanto categorias culturais Que refletem historicidades proprias, discutindo o fundamento Conceitual da re. presentacdo a partir da sua formulacao na “historia cultural”. Esta fundamentagao implica uma ressonancia basica entre 0 objeto e a forma como € percebido, ja que tém de ser entendidos, em Primeiro lugar, a partir da representacio que a sociedade faz de si mesma e do outro, ou seja, como define a territorialidade e comoe com quem define as suas fronteiras. Tendo definido este escopo bisico, procurei analisar algumas situ- agdes que refletem a concepgio setencentista da territorialidade da fronteira indigenas, principalmente no oeste, rea limitrofe das duas Américas. Em larga medida, esta concepgao esté ancorada na visio de “nagdo” expressa no discurso do estadista Portugués, em que o lu- gar da diversidade pode ser definido a partir de.fendmenos extrema- mente diversos ¢ ca s entre si, Num terceiro momento, procurei analisar a mudanga da concepgiio da territorialidade ¢ da fronteira indfgenas a partir das situagdes de Independéncia, de formagiio dos Estados-nacio € OS reflexos dessa mudanga no discurso oficial, centralizando a atengio, mais uma vez, na regiio oeste. 1. O conceito de fronteira Ao criticar a divisio estabelecida entre as objetividades das estruturas (reconstrugdo de dados quantificdveis das “sociedades tais como ver- dadeiramente eram”) ¢ a subjetividade das representagoes, Roger Chartier (1991) chamou a atengao para o fato de que esta clivagem Permeou a histéria, a etnologiae a sociologia, opondo abordagens es- truturalistas a procedimentos fenomenol6gicos, as primeiras trabalhan- do grupos e relagdes e as tiltimas, valores ¢ comportamentos (:183). - 184- Digitalizado com CamScanner yr Asseu ver, a SU “consider perceP¢ forma de represen! RevIsTA DE ANTROPOLOGIA, SAo PAULO, USP, 1997, v. 40 n°2. peragdo desta dicotomia exige, em primeiro lugar, ar os esquemas geradores dos sistemas de classificagdo e de go como verdadeiras instituigdes sociais incorporando sob a tagdes coletivas as divisdes da organizacao social” e, ainda, “considerar as representagGes coletivas como as matrizes de pra- ticas construtoras do préprio mundo social”(Id., ibid). Ultrapassar esta tensfio epistémica implica, pois, no retorno a Durkheim, dotando a no- gio de representacao coletiva de um valor heurfstico fundamental. Ao formular a um carat nogao de categoria, Durkheim recusou-lhe tanto er empiricista quanto idealista, nao se aplicando a nenhum objetoem particular, mas a todo o real; sendo impessoal, geral ¢ in- dependente do sujeito: “Bxiste, na base dos nossos julgamentos, um certo mimero de nogoes essen que dominam toda a nossa vida intelectual: sio aquelas que 05 filésofos, desde Aristételes, chamam de categoria do entendimento: nogées de tempo, de espago, de género, causa, de, etc. Elas correspondem as pro Blas sfio como quadros rigidos que ¢! niio poder libertar-se delas sem se de: mos pensar objetos que no estejam ni numerdveis, etc. As outras nogdes sa cebemos que clas possam faltar a um época; aquelas nos parecem mal do espfrito. Oconstrutor de categorias € a sociedade q' conhecimentos de sucessivas geragoes, é categorias tio abrangentes que en conceitos. |As categorias nfo se con coletivas. Tanto as categorias quan! Construidas socialmente, pois am! Pectos especificos do real. Mas enquan| Mento e precursoras da razdo, as ¢ substancia, personalida- pricdades mais universais das coisas. sncerram o pensamento; este parece struir, pois no parece que possa~ 10 tempo ou espago, que nao sejam io contingentes e méveis, nds con- homem, a uma sociedade, a uma quase inseparéveis do funcionamento nor” A ‘Siio a ossatura da inteligéncia.” (Durkheim, 1983:213] ue, como depositaria dos a Gnica a poder construir , volvem todas as outras nogGes & ¥ fundem com as representagdes to as representagdes coletivas siio bas referem-se 20 todo e nao a as- to fundamentos do conheci- s atuam como pontos de ategoria’ - 185 - Digitalizado com CamScanner ‘DENIse MALDI. DE CONFEDERADOS A BARBAROS referéncia a partir dos quais as representages coletivas sig Cons. trufdas. As representagGes coletivas pertencem a cada Civilizagaio que, por sua vez, tem seu sistema organizado de conceitos que as Caracte- rizam (Durkheim e Mauss, 1969). , Roger Chartier, na esteira de Durkheim e Mauss, considerando as representag6es coletivas como “as matrizes de praticas construtoras do proprio mundo social” torna a nogao de representagGo imprescin- divel na historia cultural, na medida em que “centra a atengiio sobre if Ay as estratégias simbélicas que determinam posigoes e relagGes e que constréem, para cada classe, grupo ou meio, um ser percebido cons- trutivo da sua identidade”(1991: 184) e ainda, na medidaem que, como instrumento essencial da andlise cultural, implica o investimento “de uma pertinéncia operatéria num conceito central” no sentido de di- luir a opacidade do objeto (Chartier, 1991: 84). A categoria do espaco, pela sua universalidade e anterioridade hist6- rica, prové o fundamento basico da propria sociedade. Nesse caso, a concepcio de espago resulta da Tepresentagao que define os parametros de classificag&o conforme a idéia que a sociedade faz de si mesma. i A nogio de territério é uma Tepresentagao coletiva, uma ordenagiio rimeva do espaco. A transformaciio do espago (categoria) em terri- t6rio € um fendmeno de Tepresentacao através do qual os grupos hu- manos constréem sua relagdo coma materialidade, num ponto em que a natureza e a cultura se fundem. A nogdo de territério sem diivida é formada através do dado imediato da materialidade, mas esse é ape- nas um componente, ja que todas as demais Tepresentagdes sobre 0 territério so abstratas. Conceitualmente, nao se dissocia territério de territorialidade, como na proposta de Soja (1971:19) em que a territorialidade “é um fen6- meno de comportamento associado 4 organizago do espago em es- feras de influéncia ou em territérios nitidamente delimitados, que as- sumem caracteristicas distintas e podem ser considerados, pelo menos ~ 186 - Digitalizado com CamScanner rr REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SAo PauLo, USP, 1997, v. 40 n°2. A Souler Ac th pectouty te . wens ie he gubtedoes exdluers arte, como exclusivos de quem os ocupa e de quem os define”. essencia, esta proposta no é diferente da de Robert David Sack (1986:19)+ segundo a qual territorialidade pode ser definida como as as de controle exercidas por um grupo sobre uma determinada territorio. No seu limite, a territorialidade & “a inter-relago entre espago © sociedade”(:5). Enquanto parte do patrim6nio material e ideolégico que determi- naas relagoes da sociedade com seu espago, afranteira pode ser de- finida ao mesmo tempo como construgio ideolégica, cultural, polf- tica, e como O conjunto de fendmenos concretos identificdveis no campo das representagdes. Mesmo tas! concretude,a-fronteiza exprime nec ssariamente uma dimensio simbélica que ultrapassa © : és gabe spe loca 20 ena Aconcepgio de fronterra Sendo um dado cultural acionada A construgao que a sociedade faz lc uma forma eminentemente dialética, o Imdividuoconstréi sua localizagiio com relagio a um grupo € ade, tendo o espago como paradigma, de 1a ser determinado e vivido através do conjunto de relagdes institucionalmente estabelecidas pela sociedade. a Mesmo nos casos em que 0 territério enquanto um espago ancestral & original nfo se constitui num elemento atribuidor da identidade soci- al,asua perda—ou a sua auséncia — acaba por configurar critérios em t simesmos, reivindicados a partir, por exemplo, da memiéria coletiva. Portanto, na raiz da percep¢ao do territorio est4 a percepgiio do nés, Aconstrugiio basica da identidade coletiva e, por extensdo, a sede do estabelecimento da diferenga, 0 limite para construgiio da alteridade enquanto uma situagio antagnica por defini¢ao. Portanto, seo terri- \Srioga Tepresentagio coletiva fundamental da sociedade, a fonts ™€a representaciio coletiva fundamental para 0 estabelecimento a diferenga ou, em outras palavras, para a percepedo da alteridade. Area, 0 te rel sentido, di sua identidade a partir da da sua relagio com a totali tal forma que 0 territério p: - 187- Digitalizado com CamScanner 0S ‘Denise MALDI. De CONFEDERADOS 4 BARBAR¢ temente, um aspecto redutor para a compre. ensao da fronteira enquanto um fendmeno de Tepresentacio, Nesse sentido, gostaria de considerar a proposta de Claude Raffestin, geo- grafo de regides de fronteira, segundo a qual a fronteira “tem um sentido abstrato anterior a0 sentido concreto”, mas na sua concre- tude, “assume um sentido espacial elementar, conservando a fungao de interface que transforma a informagao em um bloco de tradugio sui generis” (Raffestin, 1986:179). ; , Formando uma interface identidade/alteridade, a fronteira é resul- tado, portanto, da imagem que a sociedade constréi sobre si mesmae sobre 0 outro. Sua elaboracao conceitual nao pode ser inteligivel fora dessa ressonancia basica, que é a projegaio, em outras sociedades, de ca- tegorias enraizadas nas suas representagdes. Nesse sentido, refletem, tanto do ponto de vista estrutural, quanto do ponto de vista fenomenol6gico, o X que Clifford Geertz chamou de ethos e visto de mundo: Nao hd, consequen' MO ethos de um povo é 0 tom, o candter e a qualidade de vida, seu estilo moral ¢ estético e sua disposigio; é a atitude subjacente em relagiio a ele mesmo ¢ ao mundo que a vida reflete. A visio de mundo é 0 quadro ‘oisas como so na realidade, 0 conceito que um povo tem da na- zae de si mesmo. Esse quadro contém suas idéias mais abrangentes sobre a ordem.” [1978:143-4] 2. Territorialidade e fronteira: a representagao setecentista Na Fepresentacao européia do territério e da fronteira indigenas no Perfodo colonial hé um aspecto absolutamente bdsico, que deriva da one da visio de mundo: o fato de que os espagos descobertos Le ee obri; garam 0 europeu, em primeiro lugar, a repen- Guill roee a concepedes eopoliticas. Conforme salientou pedes de Castillo (1988), a fronteira medieval européia ~ 188 - Digitalizado com CamScanner REVISTA DE ANTROPOLOGIA, Sko PauLo, USP, 1997, v, 40 n°2 se ke sn) ambito geografico medi ‘ pine . ada no am! geogl editerrdneo, ‘onde os rios eram rios ye coisas gigantescas ¢ omlde.as montanhas e a paisagem como um fam felativamente, familiares. Os homens mediterraneos senti- aisagem como uma medida de si mesmos. Em contraposigao nesta Europa mediterranea, a América encontrada era desmesurada, jmensa: rios que pareciam oceanos, arvores de altura inacreditavel. A diferenga de escala no mundo fisico foi um impacto, também porque abrigava uma humanidade distinta e desconhecida. Nao é por outra raza que 2 construgao da geografia da América se situaria numa re- ago dialética entre ficgoes, mitos € realidades, constituindo as imen- sas eografias imagindrias”. Para Catherine Ales e Michel Poyllau (1993), as geografias imagi- nérias construfdas em torno do “Eldorado” constitufram um elemen- to constante no pensamento ibérico para referendar o mito da terra ponto de formar uma estrutura auténoma com relacao nhecido e explorado, facilmente constatavél pela rique-, agiio iconografica e literdria, alimentando um ima; todo esta P prometida, a 20 espago CO zadasua represent gindrio que permanece até hoje. A “fabricagiio do modelo do relato do doconfuso de territérios, sonhos, realidades e mitos”(Giucci, 1992:216) explica a insergiio da ficgo na historia, dotando a conquista de uma realidade fantistica, de tal forma que a esperanga de riquezas fabulosas configurou o grande pano de fundo da expansio das fronteiras. x No imagindrio do colonizador, 0 {ndio era o habitante de um es- 4) Paco indefinivel, incompreensivel, flutuante e, sobretudo, nebulo- de mais nada, o de transfor- io plausivel, a partir dos maravilhoso, com 0 imbrica- 80. O projeto colonizador foi, antes Mar 0 espaco desconhecido em territori 6digos culturais europeus. ye se compreender a ressondincia ised apontam as raizes medievais da perce] lor, © atributo das florestas, corrobora desses codigos, alguns historia- pgdo de espago pelo colo- do amplamente na litera- ot we Digitalizado com CamScanner Denise MaLbI. De CONFEDERADOS 4 BARBAROS, tura, € “o mundo ilimitado” e, por conseguinte, a imensidao, o deva. neio. Essa imagem corresponde, em larga medida, a Amazénia, fa forma como foi percebida por viajantes e cronistas Setecentistas ¢ oitocentistas e, posteriormente, escritores do final do século XIX e inicio do século XX. Para os viajantes da floresta tropical, a Natureza € indomavel e, na sua magnificéncia, impenetravel. Claude Léyi- Strauss , em Tristes Tropiques (1955) afirmou que, visto de fora, a floresta amaz6nica parecia-lhe uma paisagem tomada por um Proble- ma patolégico. Mas vista de dentro, tudo mudava: a massa confusa se transformava num universo monumental, a m: i uma desordem terrestre e podia ser tomada por um novo mundo et4- rig. Ainda assim, essa paisagem “se recusava ao homem” em vez de langar-Ihe um desafio. A solidao que experimentou foi chamada por ele de “privilégio hist6rico” da América tropical: o de estar absoluta- mente vazia de homens. A associagao entre floresta e solidao é apontada por Jacques Le Goff (1983): “Charles Higounet redigiu o inventério ¢ 0 mapa das florestas da alta Idade Média, época que conheceu de 500 a 1200, mais ou menos, uma fase climdtica quente e, por conseguinte, um retorno ofensivo, da flo- Testa. Entre essas florestas européias, Higounet distingue a floresta das Ardenas, que desde 0 tempo dos Celtas era a floresta por exceléncia. Registra o aparecimento, ao lado do italiano, do castelhano [e do por- tugués] do termo “selva”, que continua o termo latino silva, e do ger- ico “wald”; do termo forestis ou foresta, que dard “forét” em fran- cés [“‘floresta” em portugués], “forst” em alemao e “forest” em inglés. A mais antiga atestagao conhecida do termo associa por outro lado a idéia de floresta a idéia de solidio.” [:47] _ Esta associagiio arquetfpica do patriménio imagindrio europeu con- figura, na andlise de Le Goff, um capitulo da hist6ria religiosa do Ocidente. A seu ver, 0 deserto auténtico ou imaginério desempenhou sm Papel importante nas grandes religides euroasidticas: judaismo, - 190 - Digitalizado com CamScanner yr REVISTA DE ANTROPOLOGIA, Sko PAULO, USP, 1997, v. 40 n°2. jslamnismo, cristianismo. Uma vez que os modelos culturais do ocidente edieval derivam primero da Biblia e, portanto, do oriente, € preciso considerar que 14 ° deserto €uma realidade ao mesmo tempo aa fico-historica e simb6lica. Como realidade simbélica, permitiu a jdealizago © eremitismo ocidental, em que se buscava a soliddo ea santidade. Posteriormente, o deserto oriental foi substitufdo pelo mar re os monges célticos e nérdicos, que teriam escrito “um grande capitulo de antropologia hist6rica do deserto maritimo, dos desertos do mar e do frio”(:45). Nao haveria, portanto, um deserto localiza- do: “A hist6ria do deserto, aqui e além, agora e logo, foi sempre feita de realidades espirituais e materiais misturadas entre si, um vaivém constante entre 0 geografico e 0 simbélico, o imaginario e 0 econé- mico, 0 social ¢ 0 ideolégico” (:46). O mesmo sucedeu 8 floresta: para Le Goff, tradigio judaica e oriental do deserto veio juntar-se a tra- digo céltica, ¢ também germanica e escandinava da floresta-deserto, um lugar de solidao. A solidao contrapunha-se ao que era habitado e cultivado (cidade-castelo-aldeia), uma vez que nao havia oposi¢ao cidade-campo no ocidente medieval. O “ideal desértico” permanece- ria ainda até o fim da Idade Média, emoldurando a figura do eremita. Finazzi-Agrd (1996), retomando Le Goff, chamou a atengao para 0 fato de que os portugueses nao puderam escapar desta perspectiva de um mundo selvatico e selvagem imposta pela tradigao, e dotando a floresta de uma “dimensdo eremitica”, sede do homem ““nclassi- ficdvel”, vivendo num espago em que acaracterfstica principal era a inexisténcia de fronteiras demarcadas, foram incapazes de formular qualquer identificagdo territorial nativa diante do espaco misterioso que ficou sendo chamado “sertao” ou, mais remotamente, ‘mato”. A definigdo do “sertiio” vai ser a propria jndefinigiio abrindo a consci- éncia européia para um espago miiltiplo ¢ po ke. corte ~|, Naandlise da antropéloga Selma Cust6dia Sena (1986), “o sertao , simultaneamente, singular e plural, & ume é muitos, € geral € es- ent limorfo. -191- Digitalizado com CamScanner }AROS: g CONFEDERADOS A BARB: pi. De ConFe Denise Mat ico, éum lugar e um tempo, um modo de ser e um modo de viy, fi 7 x 2 er, Nea assado sempre presente, 0 fim do tempo, 0 que nao esté nunca onde aut ‘Assim —conclui — a categoria torna-se “potencialmente aplicg. vel a uma gama varidvel de contetidos simbélicos”. Mas a sua nogao, pelo peso histérico, pode ser considerada como “um Princfpio diretriz, subjacente do processo de constitui¢ao da nossa nacionalidade”, Escapando, portanto, aum cédigo estrutural nos moldes europeus, arepresentacao dos sertdes e de seus habitantes Iria se caracterizar pela auséncia — seja de limites, seja de fronteiras ou de outras formas de atribuigdo de plausabilidade 4 dimensao geografica —, 0 que, por um lado, abalaria o proprio conceito europeu de fronteira; por outro, iria ., se prestar de forma exemplar aos objetivos da colonizacao. ¥ A incapacidade de formulagées de identificagGes territoriais nativas por parte do colonizador nao implicou, por outro lado, necessariamen- te, a auséncia do reconhecimento de espagos nativos da alteridade colonizada, concebidos sempre a luz dos modelos europeus. x Eliane Sigwalt-Dumotier (1994) analisou as descriges de alguns cronistas, desde as mais remotas, como a carta de Caminha e um do- cumento de Américo Vespticio, até documentos mais tardios, esco- Ihidos em fungao da sua relevancia iconogrdfica, como os relatos dos franceses André Thevet (1558 e 1575) e Jean de Lery (1578); dos ale- > maes Hans Staden (1557) e Ulrich Schmidel (1567). As populagoes indigenas sao, de forma genérica, denominadas Tupi-Guarani. E in- teressante observar que nos relatos desses cronistas ja esta assinalado aldeias, mesmo mudando de lugar, guardavam um . En} outras palavras, nio passou despercebido 0 regis- ohnan a_i toponimia como uma das formas de marcar 0 territ6rio. ; Ha, entre os cronistas’a Percepgiio do que a autorachamou de ‘a sve earn a espago que ultrapassava os limites da ie ee po! Maes ae e areas de cay a muito bem marcados por © bida ssa distribuig&o muito remotamente foi perce Digitalizado com CamScanner REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SAo Pauto, USP, 1997, v. 40 n°2. t iJ com uma base cultural, que dependia de fatores extra-territoriais. Um oy dos principais desses fatores era a_construco da identidade e da alte- ro vidad uma vez que 0 espago era definido também em fungio da defi- niga jnimigo. Exatamente por essa razao, a fronteira indigena na pi visio do europeu quinhentista era uma fronteira defensiva, fortemente Vs b marcada — ressaltada nas iconografias pelas muralhas e paligadas. pela sua andlise, a visio da fronjeira indigena passa a mudar de for- maradical muito remotamente: a partir de 1534, coma instituigao das” editarias, um marco no sentido de que a defini¢do das fronteiras passa a ser administrativa e as fronteiras locais niio coinci- dem mais com esta idealizagao. E quando 0 massacre dos indios apa- rece como indissocidvel da fronteira porque sua expansiio se efetua sempre num espago ideologicamente considerado vazio, do ponto de vista demografico, econdmico ou juridico. _——<$<< | 3, Misses. como instituigdes de fronteira Nos séculos XVII XVIII, a associagao indio-fronteira adquire uma caracterfstica peculiar dentro da estratégia geopolitica portuguesa desenvolvida contra os jesuftas. Segundo Regina MLE. Gadelha (1996), no inicio do século XVII as redugées jesuiticas Guarani abrangiam extensos territérios compreendendo desde o Guair4 (campos do tio Paranapanema e afluentes limitrofes a capitania de Sao Vicente) até as regides do Tape (Rio Grande do Sul), etnémio atribuido aos Gua- tani. Ao norte da cidade de Assungao, @ agio jesuitica atingia a pro- Vincia do Itatim — outro etnémio atribufdo 20s Guarani -, vizinha do ma dos povos do Chaco. Pantanal do Mato Grosso do Sul, ¢ j4 proxi - As primeiras misses foram fundadas em 1610 entre os Guaran! 0 | Guaira e do Tape. Antes do fim do século XVII, os jesuitas haviam | ios do Guaird, Tape © Ttatim, sob capitanias her Sido obrii en rigados a abandonar os territort jl eae se para 0 sudeste em Pressiio dos bandeirantes paulistas. Moveram- Digitalizado com CamScanner Denise Mato. De CONFEDERADOS A BARBAROS territérios conhecidos pelo no oe ae Senta do Uruguaj, que hoje fazem parte do Uruguai e do Rio Grande do Sul. A Sudo. este, fundaram missdes em ambas as margens do Tio Parané e en- tre este e o rio Uruguai, nas atuais regides de Entrerios e Missiones na Argentina e no Paraguai. , As missées do Guaira foram destrufdas entre 1628 e 1629 Sob 0 comando de Antonio Raposo Tavares. O que restou foi definitivamente destrufdo em 1631 ¢ os indios missioneiros sobreviventes deixaram 5 territ6rio do Guaird migrando com destino ao Tape. Em 1632, os bandeirantes atacaram a provincia do Itatim, Em 1637, outra vez Antonio Raposo Tavares atacou as reducgdes do Tape. Se- guiram-se novos ataques (1638/1639) que obrigaram os jesuftas a conduzir os Guarani missionciros a atravessar 0 rio Uruguai. As re- dugées do Itatim foram reconstruf entre 1647 € 1648 sofre- ram um violento ataque paulista. ultima ¢ definitiva destruigiio do Ttatim tornaria este territ6rio exclusivamente indigena, ocupado pe- los Mbay4-Guaikuru e os Payagud, vindos do Chaco e que, por mui- tos anos, seriam irredutiveis. Esses povos, pela sua Posigio e pela sua resisténcia ao colonizador, formariam, eles mesmos, uma fronteira. 0 * historiador Uacury Ribeiro de Assis Bastos (1978) chegou a conside- rar aexisténcia da “terra mbaidnica” — de Mbay4-Guaikuru - como uma fronteira que bloqueou a expansio dos colonos de Assungio, ocasio- nando um recuo na prépria colonizagao. A recolonizaciio de parte das 4reas perdidas e a fundaciio de novas miss6es foi feita com os indios Guarani assumindo a fungao de “pre- Sididrios” isto é, “guardas da fronteira”. Sob essa condigao seriam fundadas na margem oriental do Uruguai as sete missdes que ficariam famosas como “Sete Povos das MissGes”, tornando-se, como afirma Gadelha (1996), “futuro centro de resisténcia ao Tratado de Madri”. Como “presidiarios da fronteira”, os indios Guarani foram amplamente Tequisitados entre o Periodo de 1637 até 1735 pelos governadores para - 194 - Digitalizado com CamScanner - 8 REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SAo PAULO, USP, 1997, v. 40 n°2. gs mais diversas atuagoes ne fronteira, desde o combate a grupos ini- gos até trabalhos de vigilancia, o que se constituiu num ae defi- itive NO sentido de acirrar a per ‘seguicao dos bandeirantes paulistas por outro Jado, a reconstituigao das misses guaraniticas do sul. com o firme propdsito de deter o avanco portugués, tornou os indios alvo da yjoléncia lusitana. A missdéo como “instituigdo de fronteira” foi uma caracteristica da colonizacao ibérica em muitas dreas. O apoio mtituo da “Cruz eda Coroa” na extensio das fronteiras das Américas e das Filipi- nas era facilitado por uma instituigdo de cunho peculiar: a do Padroado Real (Patronato) da Igreja do Ultramar, que se consti- tufa de uma série de direitos, privilégios e deveres concedidos pelo papado através de bulas ¢ breves. Segundo Arno Kern (1984), uma complexa teia de relagdes poli- ticas ligava as missdes ao Patronato: as relagdes administrativas relacionaram os Caciques aos Cabildos municipais € estes aos Governos provinciais do Paraguai edo Prata e, portanto, & audiéncia de Charcas, a0 Vice-Reinado do Peru ¢ A monarquia espanhola, Por outro lado, uma teia de relagdes religi- osas integrava os guaranis dos Trinta Povos ao Papado, pois cada mis- silo se transformou em uma doutrina (ou seja, uma Paréquia), a partir de 1655, e cada missiondrio em um Cura ou Péroco. Assim, as trinta pardquias missioneiras e seus curas estavam relacionados aos bispa- dos de Assungiio e Buenos Aires, as Arcebispos de Lima ¢ a Santa Fé. Os jesuftas, novos Iideres dos guaranis missioneiros estavam ligados inevitavelmente & Companhia de Jesus, 0U seja, aos seus superiores locais ¢ ao Padre Geral, em Roma. Mesmo estas autoridades religio- sas, quando instaladas em territ6rio americano, eram controladas pelo rei espanhol, através da instituigao do Real Patronato.” ' ndrios foi a sedentarizagao de “Por um lado, s A experiéncia primordial dos missiol to Ociedades que tinham na mobilidade um elemento cultural tradicio- Nal~a“redugio” foi uma resposta de ‘igivilizagéio” do espago selva- 8em. Por outro lado, o estabelecimento em regides fronteirigas foi uma - 195 - Digitalizado com CamScanner SS ADOS A BARBAROS Denise MALD!- De CONFEDER’ politica deliberada, uma vez que Os missionérig, ‘os e mais eficazes do que 0 custo de uma gr rnigao” (Boxer, 1978:92-6). ir de 1618, os portugueses comecaram SeUSataguey as missOes Guarani, nao buscavam apenas indios: indiretamente, = ses assaltos desgastavam 0 dominio espanhol € este também erg um objetivo deliberado. A situagao das missoes on lugares estratégicos cumpria a fungao de “estado-tempao”, isto €, de barrar caminho ds freas de metais preciosos (Haubert, no preficio de Gadelha, 1980), Apés sucessivos ataques, os jesuitas acabaram se convencendo que tinham de armar os fndios. Para isso, foi necessario tornar os indiog vassalos do rei, conforme analisa Arno Kern: S Cray intengao 8° ‘ande “menos oneros dispendiosa “guat Quando, a parti “A situagdo fronteiriga das missbes ¢ a sua situago de zona atacada pelas bandeiras escravagistas, assim como idade de escravismo devido 20s encomendeiros espanhiis levaram os jesuftas a imaginarem uma situa Drs | gfionova que poderia criar um espago novo de liberdade. A teia de relayées pollticas viu-se assim acrescida de um novo elemento, ous direta dos Guarani ao rei espanhol, na medida em que eram guardites da fronteira ameagada pelo expansionismo luso-brasileiro.” (Kern, 1984] Acxperiéncia guaranitica seria estendida a outros complexos mis- siondrios. E 0 caso de Mojos (Moxos) e Chiquitos, que formam os mais importantes complexos jesufticos ndo Guarani. A provincia de chiquitos era formada por um conglomerado de missdes localizadas dentro de uma vasta regizio que ia da latitude de 16° a 18° ao sul € da longitude de 60° a 64° a oeste, limitada ao sul pelo gran Chaco, So norte pelas colinas do Guaporé, a oeste pelo rio San Miguel, aflu- BAe a €aleste pela cadeia de montanhas conhecida com? aaa = esta Fegido, o planalto chiquitano, esté integrad te cain’ gis ae © dela fluem alguns dos seus principais ee tintos, que forse AMbEM chamado Negro, Ali viviam poves’™ + que foram encontrados muito remotamente pelos explorade ~ 196. Digitalizado com CamScanner REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SAo Pauto, USP, 1997, v. 40 n°2. 105) quando buscavam os territérios fabulosos, os grandes rei cheios de metals preciosos do imaginario espanhol do sécul VL AS missoes de Chiquitos foram fundadas a partir de ail lo ‘VI. “a as proximas de afluentes da margem direita do rio Para; a ee tre eles 0 Tacuvaca & 0 San Rafael. aa 0 complexo missionario jesuitico conhecido como a Provincia de Mojos ocupava uma area que corresponde hoje aproximadamente ao Departamento de Beni na Bolivia, uma vasta planicie tropical circunda- da por terras altas e florestas. A ocidente, limita-se com o rio Beni; ao sul, cadeias de montanhas fazem 0 limite com Santa Cruz; a leste, limi- ta-se com as terras altas de Chiquitos ¢ ao norte, com 0 rio Guaporé chamado Itenes pelos espanhéis. Desde a fundagao da primeira misstio, em 1682, até a expulsao dos inacianos, em 1767, a Provincia de Mojos, dotada de um sistema econdmico ¢ juridico peculiar, constituiu um or- ganismo préprio que, embora estivesse inserido na ordem colonial atra- vés do regime fiscal (pagamento de tributos) e, portanto, prestando-se aos objetivos da metrépole, manteve-se soberana. Aquestaio da soberani ia relativa das misses deve ser entendidaa partir da sua situagio de fronteira: conforme analisa Daniel J. Santamaria (1986), as missdes formavam verdadeiras “zonas de articulagao” que, embora sem um controle direto por parte dos Estados coloniais, fica- ram — de formas distintas — integradas 20 sistema mercantilista global. Além disso, 0 pagamento do tributo e a yassalagem eram nao sé ele- mentos integradores como também relativizadores da soberania. Mojos abrigava povos distintos, sendo a maioria formada por indi- das complexas. As missoes os Aruak, cujas culturas foram considera miss 86 seriam conhecidas pelos portugueses em 1723, quando foi feita a primeira entrada pelo rio Mamoré. A partir de entio, Mojos daria a erizada por uma ge0- tonica para a ocupagiio do extremo oeste, caract F re Politica centrada na defesa € na estratégia e, sobretuco, em agoes Contra as missées, visando retirar OS “jndios espanhdis”. Acapitania -197- te ges Digitalizado com CamScanner ENISB Matt De CONFEDERADOS A BARBAROS criada em 1748, teve sua capital ~ Vila Bela da Santfssima Trindade — estabelecida as margens do tio Guaporé, local considerado ideal para os objetivos desta geopolitica. Em Mojos os fndios também foram armados, Com 0 propésito es. pecifico de deter o avango portugués. Logo apés a entrada da primeira expedigio portuguesa, Mojos ficou em estado de alerta e os indiog obtiveram licenga para usar armas européias. Na segunda metade do século XVIII, formaram a maior parte do efetivo contra os portugue- ses, que em diferentes ocasides atacaram e saquearam algumas mis- sdes, Para os portugueses, Mojos era um obstaculo a sua hegemonia wea partir de uma construgao imagindria, um local muito mais amea- cador e poderoso de que a realidade. Exatamente por esta razio, de Mato Grosso, nee exile ana dispenderiam um esforgo herctileo para a edificagao de fortificagdes v® monumentais, como o Real Forte Principe da Beira, 4s margens do ~-436°Guaporé, cujos baluartes sao verdadeiros icones desta concep¢ao de aod? ,guarda da fronteira. yet” Estendendo a sua xenofobia aos indios, os lusitanos foram impla- cAveis na destruicgdo dessas missdes. A situagao de defesa das missdes yo” © espanholas imposta pelo projeto ibérico contribuiu para cristalizar ainda pees mais a imagem do indio como guarda natural da fronteira. Desta for- dg ark hha, no idedrio do conquistador portugués, os “confederados” ¢ as “nagdes” indigenas — termos amplamente empregados na crénica ofi- cial — deveriam ser mobilizadas para este fim. o ea 4. Nagées indigenas e soberania Se Ye Nacrénica oficial lusitana e mesmo nos relatos dos viajantes do sé- culo XVIII, dificilmente aparece a palavra “tribo” para designar as so" = ciedades indigenas, Sio chamadas nogoes e, em alguns casos, confe- x derados, Mas existia uma nitida diferenga entre as “nagoes” barbaras 5. Mui n- €mansas. Muito provavelmente, na sua esséncia, trata-se de uma co! ~ 198 - Digitalizado com CamScanner REVISTA Dt 9 'A DE ANTROPOLOGIA, Sio Pauto, USP, 1997, v. 40.n cultura Osh es de , 7 coma animalidade. iomem selvagem” nao é o simp ples héspede da Yor floresta, mas 0 seu senhor, porque exerce 0 seu dominio sobre citi : — selvagem. Muitas vezes ele € 0 “guia” que exibe a sua capacidade ea sua autoridade sobre o meio, provando a sua humanidade. A floresta contrapde-se 4 sociedade organizada, mas nio é a sua negaciio. Ao que parece, em larga medida, esta representagiio manteve-se n século XVIII. O “barbaro” é o povo de “”natureza ma”, no sentido de que se recusa a aceitar a conquista ¢ a catequese, e esta dicotomia seria amplamente utilizada para estabelecer a politica oficial com re: lagfio a diferentes povos. Entretanto, 0 fato de que os estadistas portugueses se referissem aos fndios como “nagdes” nao refletia um consenso. Conforme ana- lisou o naturalista setecentista Alexandre Rodrigues Ferreira, num texto datado de 1788: “Pela palavra nagiio de forma alguma se deve entender 0 mesmo que na Europa, © europeu que Ié ou ouve dizer que tal rio € habitado por lantas ou tantas nagde: ‘enganar-se-4 ao pensar que algumas delas € 0 exemplo (0 que eu nio digo) como a alemi, a francesa, a portuguesa, etc, Nao & nem sequer aquela parte de habitantes que cabe na menor provincia de qualquer destes reinos. . . Chamam de nagdes de indios uma sociedade to pequena ¢ insig- nificante em ntimero de individuos que as vezes nao ultrapassam mals 5 D deg oe mirar que algumas to pequenas le 300, 400 e 600 almas. E para fue os maioresreinos ' hfe Corporagdes ocupem As vezes espagos maiore: : ql i i tie dak i aoe ico repartir as familias em pequenas a ‘uropa. Assim, lhes & preciso rep: it aodo de vive Ax randes b, “in bos para pod bsistir segundo 0 se Para poderem subsist g sisténcia por que néo tratam da la- o met; x bs » (Ferreira, 1971:93] a vendo nos indios uma zou-a como propicia Corporagdes niio podem achar a sub: Voura, do comércio e da criagiio de gado- Por outro lado, Alexandre Rodrigues Ferreira’ Nalureza diversa do branco ¢ do negro, caracter! - 199 - Digitalizado com CamScanner a —ee~—~— CONFEDERADOS A BARBAROS F oie POW, ne ema ps Wrony Fone, ‘ h, j ; Ne G SB unl sy *Aadegas ok Tavern. a Aguerra. Entendia que as chefias eram fluidas, mas podiam eme, ‘ AF git citcuns tancialmente nas situagdes de guerra que faziam surgir 0 esprit de Corps: Ecclesiae be ; “Quando se rata de uma guerra ofensiva ou defensiva,entio todos cg reconltecem que sio membros de um s6 corpo, o qual necessita de un s6 cabega, D-the lugar dechefe ao que mais valor tem e de mais eqn | rigncia for.” (Ferreira, 1971:100] Face a um mundo pluralista formado pelos povos niio ultramar, Espanha e Portugal tentavam compreender es| jordend-lo. Nesse sentido, é interessante considerar a andl Morse (1988) sobre a face ibérica do Novo Mundo, Asi ~ tade do século XVI, a Espanha encarava um programa Ss | belecido com muito mais clareza do que outros povos R nha instituigdes legitimadas para cumpri-los, que se ajustavam 4 Visio tomista. Pela viso tomista, os seres humanos deveriam ser encarados dentro de uma perspectiva ao mesmo tempo crist e “natural” significava que os pagaos eram capazes de associagoes politi Trata-se da mesma argumentagao utilizada por Joseph polshpnttf1973) para analisar a ética do século de Ouro: a partir da teori: ‘= bre o Estado baseada no direito natural, os Estados pagios siio con- siderados tio Tegitiinos como os cristos. Essa conclusio teria repre- sentado algo de evidenté entre os tedlo; os espanhdis, quando se chegou a afirmar que “entre os pagaos ha principes e senhores le- galmente estabelecidos” porque a esfera civil era considerada inde- Pendente da fé crista.. Cloyee E ainda a visdo tomista do direito natural que explica a base parao conceito de nacionalidade, conforme aponta Julius Evola: “A Idade Média conheceu nacionalidades, nao nacionalismos. A naci- onalidade 6 um dado Natural, que circunscreve um certo nimero de Qualidades ¢lementares comuns, de qualidades que se mantém tanto na . quanto na Participagaio hierdrquica, a que elas no se “peem de maneira alguma.” [Evola, 1989:438}] Cristaos do te Mundo e ise de Richard eu Ver, na me- nacional esta- europeus e ti- 0 que ~ 200 - Digitalizado com CamScanner REVISTA DE ANTROPOLOGIA, Sko PauLo, USP, 1997, v. 40 n°2, Nesse sentido, poderia ser mantida, desde que circunscrita as “qua- idades comuns”, dentre elas, Ocristianismoea vassalagem. recusa a catequese Seria O fator primordial para qualificar a natu- za das “nagoes”, reconhecido 0 fato da existéncia das associagdes oliticas entre povos nao cristdos. Essa mentalidade explica a admis- sio da chamada “guerra justa” na colonizagio lusitana. Em termos culturais, a “guerra, justa” ee preencher 0 que a historiadora Silva Dias (1982:210) chamou de “vacuo doutrinario”, com o direito de evan- Jizagdo: a humanidade e a legitimidade da presenga ultramarina dos portugueses nao sofriam abalo na sua consciéncia de cristios porque as justificati morais, de religiao e de civilizagao se alinhavam com 0s objetivos econdmicos ¢ politicos que impeliram a agaio coloniza- dora, A propria Igreja admitia a servidio, mas delimitava o licitoe o ilfcito em escravidio, ¢ af residia a “originalidade da ética colonial”: s6 se reconheciam duas fontes legais de servidio — a “guerra justa” e ocontrato de compra 7s wyamentO Avtee Mais uma vez, iS rafzes medievais estio presentes. Francisco de_ Solano (198: MaLLLatengdo para o fato de que a “guerra jus- ta"s6 pode ser compreendida a partir da mentalidade medieval que norteou a conquista americana: um triplo exercicio de obtengao de terras, expansiio do cristianismo e de promogées sociais e econdmi- cas. Sob este ponto de vista, a conquista foi uma cruzada, uma guerra Santa, cujo espirito proselitista, expansionista e militarista se trasladou 4 América, A cruzada é substitufda pela evangelizagao como um di- teito © um dever dos cristios. Trata-se, em esséncia, da conciliagaio do ethos conquistador com o cristianismo. ee as de confederado estava associada a idéia eae al a seberen para designar lagos formados em ian e tra i a a dica ead re propésitos militares ou econdmicos. re u ir nce ‘colonizadores foram capazes de ver entre os are a ten- 4 criagdo de “federagdes tribais”, uma interpretagiio ibérica jianga, - 201 - Digitalizado com CamScanner s Denise MALDI. Di CONFEDERADOS A BARBAROS sobre a reuniao de aldeias distintas, como foi, por exemplo, o pr6. io territorio do Tape, onde foram fundadas as missdes homénimas poo? 1984). Mais remotamente, no século XVI, os franceseg alia. eae aos “Tamoios”, unidos em confederagao Para enfrentar og \ portugueses que, por sua vez, procuraram cooptar aliancas de oy. | tros grupos, sempre com fins bélicos. , ; Todos esses fatores configuram a atitude coletiva do colonizador com relagao a fronteira ¢ a territorialidade indigenas durante 0 século XVII. Diante de um espaco indefinido e indefinfvel, que abrigava uma humanidade igualmente sem pardmetros, a agdo colonizadora partiu da sua negagao para empreender o expansionismo. Os primeiros mo- mentos do expansionismo, contudo, jé esbarram na presenga fisica do indio que, na sua concretude, opde-se as fronteiras idealizadas a mobilidade constante decorrente do enfrentamento com os espanhdis. Na atitude real e concreta das forgas de defesa dos espanhéis ou no bloqueio de alguns grandes rios, 0 portugués delineou a Tepresenta- ¢4o indigena de guerreiro, de guardiao, que se tornaria recorrente durante um longo periodo e que se cristalizaria numa imagem politica de “nagiio”, de “confederado” que seriam “mansas” ou “barbaras” ‘ conforme sua disponibilidade para o Projeto colonizador, a coopera- ¢do na guerra contra os espanhdis e a catequese. Mas antes de tudo, a disponibilidade para a vassalagem ao rei, caracterizada pela possibili- dade de unir todos esses Povos sob a fidelidade ao rei. O extremo oeste € um locus Privilegiado para a andlise desses fe- nomenos, conforme se veré a seguir. \ ats v » s “Confederados”: de gentios a vassalos a He Brande rio como € o Paraguai, de clima temperado, saudavel, tado nog aX’ £ £282, bordado de largas campos ¢ altas serranias, cor- Hor tantos rios, amplas bafas, grandes lagos, e com alta ¢ densa ~ 202 - Biba Digitalizado com CamScanner ro avant yvAava vay Tin qe” Prey Gate els de bate ven, e oe a REvistA DE ANTROPOLbGIA, Sko PAULO, USP, 1997, v, owe Gives Acabavs —icawts cam ; i ned es inpere Ao muta “sy (A Ma, indica assaz que devia Bonvidar fuitas mages americanas para Crepe habitarem. Porém, logo depois da descoberta deste novo e opulenio 8S Sse mntinente, as incursdes dos paullistas e dos espanhéis, preadendo Searpando muitas das numerosas tribos que nele viviam. parece que W228 ds oe Parte do estadista lusitano, da existéncia de povos definidos, com perfis Ptéprios, que ora serio “nagées”, ora “confederados”, por outro, 0 o relacionamento — se stabelecimento do parametro para direcionar ; Amigos de Portugal, tratados com deferéncia, se inimigos, persegul- los. Assim, Ricardo Franco de Almeida e Serra fala dos “naturais se- Thores da América”, 0 que reflete uma modernidade surpreendente Para um, discurso setecentista: a rainha Mariana, instrui 0 capitao-ge- - 203 - ~~ Digitalizado com CamScanner s Denise MALDI. De CONFEDERADOS A BARBARO: neral D. Antonio Rolim de Moura, ° ta a goverar a capitanig de Mato Grosso, para gue ndo tenha a ind ClemEncia com og Payagud, considerados “amigos” dos espan ois. O rio Paraguai foi um marco na conformagao da fronteira colonial, Oseu afluente rio Jauru foi uma das referéncias para oTratado de Madr (1750), e este fator é fundamental para a compreensao do processo de ocupagio ao longo das terras banhadas por ele, seus afluentes e triby. tarios. E também o fator determinante para se compreender a politica oficial portuguesa com relagao aos indios, definida basicamente a partir de dois eixos: o papel que os povos indigenas poderiam desempenhar enquanto guardas naturais da fronteira lusitana e as relagGes (reais ou imaginrias) que estabeleciam com os espanhdis, sobretudo mediadas | pelos “maiores inimigos” de Portugal: os jesuitas. As instrugdes da Rainha sao extremamente significativas para esta- belecer a dicotomia\natureza bownatureza ma: , Natural bon } Naha patureza mi y Rare tN “Pelo que toca aos indios das nagdes mansas, que se acham dispersos —y servindo aos moradores a titulo de administragao, escolhereis sitios nas Gvtuss mesmas terras onde foram tirados, nas quais possam se conservar aldeia- Jo a dos, tirando-os aos chamados Administradores; ¢ pedircis ao Provin- “A“yynxeut cial da Companhia de Jesus, vos mande missiondrios para Ihes admi- ‘ nistrarem a doutrina do Sacramento. Igualmente Ihe pedireis paraa administragio de qualquer aldeia ou nagiio que novamente se descu- bra, no consentindo que se dissipem os {ndios ou se tirem das suas naturalidades ou se Thes faga dano ou violéncia alguma; antes se pali- quem todos os meios de suavidade e industria para os civilizar ¢ dou- trinar em tudo como o pede a piedade crista.” 2. ma: B interessante salientar a determinagiio da manutengao da natu- ralidade, Esta determinagio esta presente também nas Instrugoes dadas a Francisco Xavier de Mendonga Furtado — irmao do Mat- aués de Pombal ~ por Diogo de Mendonca Corte Real, também Teferentes a uma drea de f; i ° Tonteira (Pard), datadas de 31 de ma! de 1751 (Mendonca, 1986): “eo ( PI Digitalizado com CamScanner REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SAo PauLo, USP, 1997, v. 40 n°2. “tse deve) sendo possivel, aldear alguns ou a maior parte di i osnas suas prOprias terras, e 0 executareis praticando este eae ae todaa suavidade e seguranga, € dareis & custa da minha Fazenda. Real gos indios que forem para outra aldeia (onde houver etossidsd a visticos necessdrios como também algumas drogas que Ihe eer os instrumentos necessdrios para a cultura e lavoura da terra e al, ue: mas sementes dos frutos que mais naturalmente se puderem prolate nelas”. No mesmo documento, a preocupacio com as “nagdes mansas”: ¢ também cuidareis quais sio as nagées dos mesmos fndios d6- ceis ¢ capazes de receberem 0 ensino, a sua inclinago, o génio domi- nante de cada uma das ditas nagdes para, de tudo me informardes [...]”. Totalmente diversas so as recomendagies relativas aos Guaikuru e aos Payagud, povos que falavam linguas semelhantes e que, iveram uma agio definitiva no sentido de bloquear o rio Paraguai. Vi fhos qua\ Ra- inhase referiu a eles como “barbs A suacondigiio de Kbarbaro’) nto se devia, contudo, somente 2 recus Acolonizagiio ou a sus colaboravam com 0: as era, sobretudo, funda das polfticas dos grupos indigenas da fronteira. Conforme explicito , nas “Ordens” que Luiz de Albuquerque Pereira de Melo e Caceres (4° Capitio-General da capitania de Mato Grosso) passou a Ricardo Fran- co, datadas de 9 de maio de 1775 (Mendonga, 1986): nao entendera V.M. de modo caso de o quererem insultar entio os deve expulsar e destruir “Com estes fndios [Payagua ¢ Guaikuru} algum, senio em tom pacifico, menos nO como de ordinario costumam, porque 4 Fs vagarosamente, e como eles reputam de certo modo aliados dos ditos espanhdis, se a forga de alguns mimos ¢ agazalhos achar VM. que os poderemos incitar ao nosso partido, me avise que ogo Ihe enviaret para semelhante fim os géneros que pedir, mas 6 sempre preciso a maior cautela, e desconfianga com semelhante gente para que nao ae V.M, com as barbaridades que Ihes so naturais, ficando advertido, Ihe tepito, para nfio fazer mao baixa sobre eles, se! ideragao, no caso m consi 5 sej 1ém de que assim se verifique, ¢ lembro-Ihe para provar desejo que - 205 - Digitalizado com CamScanner Denise MaLol. DE COoNFEDERADOS A BARBAROS de nos fazer mal, que ainda no dia 2 de maio corrente, tiveram 20 ca- noas destes fndios a ousadia de subirem o rio Paraguai até junto do marco do Jauru onde aprisionaram algumas Pessoas ¢ mataram 16 na fazenda de Domingos da Silva, a quem também deixaram morto, ¢ um seu filho, ¢ € certo que destas hostilidades saber V.M. 0 grande ndmero de exemplos que tem acontecido, nao sé a respeito das mogdes de povoado, mas das mesmas rogas vizinhas a Cuiabé, onde tm feito muitas mortes, sem embargo de serem paragens que distarao 200 le. guas de suas verdadeiras terras”. | O bloqueio ao rio Paraguai, particularmente as chamadas “mon- goes”, foi tenazmante mantido pelos Payagud. O contato entre a Te- giéio de Mato Grosso e Sao Paulo era fluvial, através das chamadas “mongoes”. Entre 1719-1724 foi usado o seguinte trajeto: a partir de Porto feliz (SP), passando pelo rio Miranda, 0 rio Paraguai e deste para orio Cuiaba. A partir de 1725, 0 roteiro mongoeiro sofreu alteragao, passando do rio Tieté para o Taquari, Paraguai e Sio Lourengo. Logo foi registrado 0 primeiro ataque as mongGes, pelos Payagua, em 1725. Orei foi informado deste ataque por um documento que transmitia a “ferocidade” dos indios. Resultou numa Ordem Régia autorizando a guerra contra eles, que seriam implacavelmente perseguidos, Em 1743 aconteceu a grande batalha que praticamente os exterminou, quando morreram mais de 600 pessoas. Apés essa guerra, comegaram entéo \,2 capitular, e parte do grupo passou a viver em Assungio. yg Sérgio Buarque de Holanda (1986) descreve magistralmente 0 en- § \ frentamento entre os Payagud, os Guaikuru e as mongGes. Os portu- Bueses, conforme os documentos apontados pelo historiador, estavam ! Convictos de que os espanhdis armavam os fndios. ane Albuquerque Pereira de Melo e Caceres, a despeito ace ica We aceartne rst os Co mune as ila Bela Santfssima Trindade, com o ee ard ‘ie delas conan ee a0 rei de Portugal. Apés negociann ame guiu Teeeber para Por Ricardo Franco de Almeida e err, raed Um jantar, com toda a fidalguia, o entéio “principa - 206 - j — Digitalizado com CamScanner REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SAo PauLo, USP, 1997, v. 40 n°2. aur. Segundo acr6nica de Bardo de Mel, 7 Guaiku " 7 iM lelgaco (1952: 291), chegaram vilaBela 17 indios e uma “preta crioula de Cuiaba’, ame que vivia “prisioneira” deles ha muitos anos. Vit6ria seria a intérprete: “Foram recebidos com grande pompa, indo 0 governador ao encontro deles, com grande concurso de nobreza e povo. Jantaram no palicio, servindo de intérprete a preta Vitori ° Aidados “principais” a Vila Bela foi considerada um fato de imen- saimportancia na fronteira: Ricardo Franco notificou, a respeito, que oepisédio havia significado o reconhecimento da vassalagem a Co- roa portuguesa por parte dos indios (Almeida e Serra, 1858:179). ‘A vassalagem implicava, por um lado, a manutengao dos indios nas suas “naturalidades”, isto é, no fato de que detinham territ6rios pr6- prios, conforme intimeras determinagées reais. Por outro, pela propria representagiio da vassalagem, na idéia de que passariam a dever fide- lidade ao rei. Nesse sentido, 0 juiz ordindrio de Cuiabé, pedia ao rei, numa carta datada de 14 de novembro de 1749, que os indios fossem mantidos em seus territérios e tornados seus vassalos: m de V.M. para que nunca sejam ‘as nas mesmas com 0 espiritual mais dificil, que é a inteligén- federados.”* alos seria interessante para a poderiam “manifestar Os pre- ua entranhas”(Jd.Ibid.). Mas contemplados: os indios, uma 1 direcionados para ataques “amparados da protegiio ¢ vassalagen tirados de suas patrias, freqiientando~ pio da vida, para assim se conseguir 0 cia das embaragadas Iinguas desses con! | A transformagiio dos indios em vass Corte também porque os novos vassalos Closos tesouros que oculta a terra em S| Nio apenas interesses econdmicos seriam | fe organizados e treinados, poderiam se Deenlibg |e ee ee para fazer a rado D. Luiz | 8entio junto com alguns brancos escreveu o mag) a | lascarenhas ao rei em 22 de agosto de 17443, sugerindo ainda que | | | | Os Melhores, nesse sentido, eram os Boror. - 207 - Digitalizado com CamScanner & ‘DENISE MALpI. De CONFEDERADOS A BARBAROS \ Efetivamente, os Bororo seriam considerados os melhores « reiros” da fronteira, utilizados pelo primeiro Capitiio-G pitania de Mato Grosso, D. Antonio Rolim de Mow guerra aos espanhdis: Suey. neral daca. Ta, para fazer “Os soldados pedestres desta capitania sao [...] bastardos (por isto cd na América se entende filho de branco com fndio) mulatos,catibooas (isto é, filho de preto e indio), e estes, ordinariamente, siio 0 que me- Ihor provam, ¢ também se admite algum {ndio puro, principalmente Bororo, pela habilidade que tém de serem bons rastejadores, 0 que é de srande utilidade nestas deligéncias. Andam sempre descalgos de pé ¢ Perna, 0 seu Gnico vestido é um jaleco, ¢ uma das bombachas. As ar- mas que usam sdo uma espingarda sem baioneta ¢ uma faca de mato,” {Carta de Rolim de Moura a D. José 1, 25 de dezembro de 1757. Rolim de Moura, 1983, v. 3] Luiz de Albuquerque Pereira de Melo e Caceres, anos depois, teve a idéia — que evidentemente nao se concretizou —de organizar os Bororo num “exército”, 4 maneira dos “sipaios” India, conforme relatou 0 Bariio de Melgaco (1952:207). O modelo do. sipaios era o engajamento dos hindus por meio de métodos europeus no exército britanico. A conquista do indio ea sua transformagio em vassalo fez com que 0s lusitanos vissem nos povos indigenas da margem esquerda do Guaporé “stiditos e tributdrios do tei de Castela” — e vice-versa. Em decorréncia desta concepgio, os ibéricos, por um lado, estimularam a permanéncia dos fndios nas suas “naturalidades”, isto é, nas suas pr6- Prias terras com a intengiio de aumentar o mimero de stiditos; por ou- fo, acirraram a tensio na fronteira , uma vez que estimularam o trasla- do de grupos inteiros, coma intengiio de esvaziar o territ6rio inimigo. O indio como “guardiio da fronteira” é, sem dtivida, a mais signifi- Cativa representagio do indio na mentalidade setecentista. Foi uma Tepresentacéio engendrada dentro do expansionismo, construfda a partir de elementos que refletiam os ideais de conquista, povoamento ¢ de- fesae, Sobretudo, a xenofobia ibérica, caracterizando um estado per ~ 208 - Digitalizado com CamScanner REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SA » Sk Pauto, USP. » : 1997, v.40 »V. 40 n°2. ente de guerra. Ao lado da “guerra justa”, so elem jevais norteando a conduta do conquistador. lentos de raizes on larga medida, o século XVIII foi marcado pela . jjizagao em que os indios eram, por si mesmos, paratine de 03 de Fo final do século XVIII e inicio do século XIX omedel ago & manuten¢ao da fronteira, com notével ie = ns seu anacronismo, enquanto as novas nagdes aim do os processos de independéncia. , a oitocentista nao se seduz pela visio romantica das “na- Ja visdio romantica da natureza, mas se deixa tomar pelo real ¢ as novas idéias de desenvolvimento, Es- também concepgoes sobre 0 indio ¢ as suas re- amento. de form: cumbir a0 consolidan Acronic goes” nem pel descompasso entre 0 tas idéias envolviam lagdes com O territério. A representagao basea pelas idéias raciais ¢, posteriormente, no est equivocadas ir piradas em Darwin, a concep¢ ricana era avessa ao progress Noséculo XIX 1 jo os vas a na “natureza” dos povos é substituida cio das interpretagdes fio de que a raga ame- io alos do rei que buscam ouro. A fron- teira permanece um ideal de liberdade © riqueza, mas as exploragdes econémicas baseadas no extrativismo (borracha € poaia) definiriam 0 enfrentamento baseado na ocupagiio € no uso das riquezas naturais. As sociedades indigenas, da possibilidade de grandes aliadas em potencial (08 novos vassalos) no projeto de edificagao da fronteira colonial, pas- sam a ser implacavelmente julgadas como obstaculo ao progresso- 6.A definic&io da barbarie: 4 transformacao da visa0 | daterritorialidade rrit6rio indigen® passam @ ser A partir do Estado, as concepg6es 4°77 yssao pass asercentrada €minentemente uma questo juridica- A discussa0 ve vertenciment0 No direito, na idéia de uso, de poss de ocupagse ~ 209 - Digitalizado com CamScanner DENISE MALDI. Dé CoNFEDERADOS A BARBAROS Todos os c6digos para a construgao da idéia de territ6rio ¢ territorialidade esto baseados na ocupagiio € no direito, Sao COdigos, portanto, definidos a partir do Estado estabelecendo, Por um lado, ’ territ6rio como sujeito do Estado — isto €, considerando que o Esta. do é formado por uma combinagao de povos em que o territério é um elemento constitutivo do préprio Estado, que se outorga o direito de definir, guardare defender territérios. No discurso oficial do século XIX sobre a questiio indigena, a vie sfo do espago é ainda de imensidao, no sentido de que o indio € por exceléncia “errante” e “némade”. O nomadismo sempre foi visto como caracteristico da barbarie, e oposto ao sedentarismo, Condi¢ao indis- pensdvel para a civilizagao. A politica indigenista oitocentista reflete claramente esta ideologia do espago reducionista, concentrado. Como expressa 0 documento seguinte: “A experiéncia tem mostrado, dizem Tocqueville e Charveloix (sic), que é uma falta fazer penetrar as luzes da civilizagdo entre os indios, deixando os seus costumes vagabundos. E uma verdade incontestével do que tiveram prova os Jesuftas do Brasil e do Canadé e os puritanos da Nova Inglaterra: uns ¢ outros nada fizeram de durdvel. Eles nao compreendem que para civilizar um povo € preciso primeiro que ele se fixe num ponto, 0 que nao se pode fazer sem cultivar a terra, e que Portanto era preciso fazer que os indios fossem cultivadores e aban- donassem os costumes némades.” [Relatério da Repartigdio de Policia, Provincia de Mato Grosso ~ 29/4/1876]* Embora este seja um documento mais tardio, da tiltima metade do sé- culo XIX, reflete a idéia recorrente de que a barbarie sé'seria vencida pela Colonizacdo. Num documento datado de 4 de outubro de 1872, relat6rio enderegado a Diretoria Geral dos Indios da Provincia de Mato Grosso (Arquivo Pablico de Mato Grosso), a barbirie foi assim classificada: 1—Os que nao se furtam ao exame ¢ A observagiio; 2—Os que vivem ainda no estado de quase primitiva independéncia, mas que, ndo obstante, mais oy menos relacionam-se com os civilizados: -210- j Digitalizado com CamScanner REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SAo PAULO, USP, 1997, v. 40 n°2. de qualquer coi 3.-Os que fogem di iq ntato com a gente di i rentes 40S classificago reflete a propria concepcao de barbarie que se defi- nia pel2 oposig¢ao acivilizago e pela recusa 4 mudanga. Este iio aspect é fundamental numa regiao cuja representagao mais signifi- cativa era @ esperanga do progresso. A partir das atividades extra- tivistas € do enfrentamento com os indios, redundando em situagdes e, o Bardo de Batovy, num discurso proferido no dia de tensao € mort 1 de outubro de 18845, justificativa medidas rigidas: “Paz-se preciso indcclinavelmente por um paradeiro a0 mal proveni- ente dos {ndios pois nio é possfvel continuar a empregar contra eles os meios paliativos de que até o presente se tem usado [...] a menos que se olhe com indiferenga o futuro da Provincia ¢ a sorte de tanta gente laboriosa ¢ til, sujeita entretanto aos instintos ferozes & sanguindrios de selvagens inacesstveis aos beneficios da civilizagio.” Nesse processo, 0 que esta sendo gestado e configurado nao sao apenas OS territérios indigenas que comegam a ser delineados a partir de situagSes conflitivas, mas © proprio espago do Estado em expan- sfio, Nos novos Estados da América hispanica, 0 idedrio a respeito do fndio é semelhante, como na “politica relativa aos barbaros” formula- dano inicio do século XIX pelo colombiano Pedro Fermin de Vargas, citado por Benedict Anderson (1989:22): essiio hispanizar 0s nos- deze sua indiferengaem relagao 208 Jevam a crer que prove de uma ie se distancia das suas sem extintos, pela mis- ‘yres de impostos ¢ OU- lade privada da terra.” “Para expandir a nossa agricultura seria ne sos indios. Sua preguiga, sua estupic empreendimentos humanos normal raga degenerada que se deteriora & medida qu origens... seria muito desejével que os indios fos: cigenagiio. com os brancos, sendo declarados li tros encargos, e sendo-Ihes atribuida a propried A idéia da territorialidade pressupunha basin Magio de indios em lavradores, N40 necessariamem te a transfor- Jetividades, -2il- Digitalizado com CamScanner Denise Matpi. De CoNFEDERADOS A BARBAROS- mas familias, que deveriam receber Pequenas Porgdes de terras, Ch vilizar significava necessariamente reduzir espacos e im dissolugao das coletividades. : Manuela Cameiro da Cunha (1992), analisando a politica in, no século XX, observou que para se caracterizar 0 século todo, pode-se dizer que a questo indfgena deixou de ser €ssencial. mente uma questao de mao-de-obra para se tornar uma uestio de terras. Essa mudanga decorre do fato de que os indios tornam-se cada vez menos essenciais como mao-de-obrae cada vez m ma de terras, de tal forma que o debate pas terminio dos bravios ou da sua civilizagio. A partir do momento em que o termo “fronteira” é Apropriado pelo discurso oficial no aparelho do Estado, passa a designar a expansio da sociedade nacional ¢ a integracio territorial, Exprime entio um fendmeno global da sociedade quire uma dimensiio imbélica que ultrapassa 0 seu aspecto concreto ¢ localizado, Ne entido, é preciso apontar uma diferenga primordial na Pereepgio do espaco social como paradigma: no discurso do Estado comega a perder a sua referéncia tradicional de suporte coletivo do contetido estatico de relagées soci- ais méveis, para ser considerado como produto social no interior do discurso sociolégico. Isto é fundamental, porque o Estado nao é a expressiio de uma realidade espacial preexistente, mas uma criagio histérica que implicou novas configuragées da realidade espacial, de- finidas através de fronteiras, Sendo 0 préprio Estado em €xpansdo uma representacao simbélica e ideolégica, os Conceitos de territorialidade e fronteira esto relacionados basicamente ao uso e Ocupagao da terrae, nesse sentido, a condiga0 de barbirie e nomadismo é 0 Principal indicativo de que os indios nao tém Henhum sentido de temitorialidade e fronteira, sendo seu espacoo “nebu- oso” 0 “indefinido” Caracteristico do inicio dacolonizacio. Entretanto, vimos ue essa indefinigao se prestava aos objetivos da colonizagioe do ©xpansionismo, uma vez que os estadistas portugue- Plicaya a digenista Como um +212- Digitalizado com CamScanner Ruvista DE ANTROPOLOGIA, SAo PAULO, USP, 1997, v. 40 n°2. foram capazes de formular intimerz is representagdes da fronteira eS eivorialidade indigena dentro dos inter s do projeto coloniza- ba a umtodo. Damesma forma, vimos que os cronistas quinhen- gor seiscentistas e setecentistas mencionam a existéncia de frontei- a arametros para a territorialidade, usualmente ligados a guerra. fe en situagdo nao é diversa, nesse sentido, no século XIX. Em- aa representagao oficial do Estado fosse ada inexisténcia da terri- torialidade eda fronteira em conseqiiéncia do nomadismo, esta nao é a percepea0, Por exemplo, dos primeiros etndlogos do final do sécu- Jo XIX inicio do século XX. Se retomarmos OS viajantes classicos, veremos que Karl von den Steinen (1942) ja havia observado critérios de definigao de territorialidade no alto Xingu, como, por exemplo, a manuten- gio dos top6nimos que correspondiam, via de regra, 4s deno- minagdes dos grupos locais. Max Schmidt, que visitou o Xingu em 1901, considerou que as al- deias xinguanas eram constituidas “a partir de um principio territorial” que,nasua interpretagdo, seria o elemento “mais forte no processo de cristalizagéo de uma comunidade juridica das tribos do alto Xingu” e ainda, “uma das forgas sociais que influem na comunidade de aldeia”. Schmidt interessou-se pelo que chamou de “aspectos juridicos” dos grupos alto-xinguanos, analisando as relagGes estabelecidas entre os Povos do rio Culisevo, um dos formadores do Xingu. O rio, por oca- siéo da sua visita, abrigava povos distintos que 0 consideravam de transito livre, mas estabeleciam limites quanto aos seus afluentes, que formavam, assim, fronteiras demarcadas, reconhecidas e soberanas, ae nko era facultado o transito livre. E interessante salientar que © final ae representante tipico do pesquisador germano do Docurande lo XIX, interessou-se pelo fendmeno aa territorialidade, analogias européias — como a idéia de “comunidade juri- dica* 5 Para explicar a interagdio xinguana. - 213 - Digitalizado com CamScanner Denise MALpI. DE CONFEDERADOS A BARBAROS E ainda mais instigante observar que, mesmo sem citar o etndlogo Patrick Menget (1993) faz uma observagio sim: do afirma que a gesto das relagdes hostis com os grupo: cos supée um territério comum aos xinguanos, zona em am circular livremente. De fato, afirma, “cada comunidade Possui um territério tradicional cujos limites sao conhecidos de todos e que compreende floresta, rios e lagos, savanas e areas inundaveis, Este territério € pontilhado de aldeias histéricas, lugares nominados (...)», Os direitos de usufruto sio “negocidveis”, como o direito de pesca ou de uso de outro territério, através de “pagamento” muitas vezes de valor simbélico. O alto Xingu possui “limites visiveis e conheci- dos de todas as comunidades”. A corroboragio, de parte das conclusdes de Schmidt por um etné- logo de formagio estruturalista, anos depois, demonstra que a inca- pacidade do reconhecimento da territorialidade e da fronteira indi- genas no século XIX nio foi apenas uma decorréncia do desconhecimento de critérios culturais que nao encontravam ressonancia nos moldes europeus, mas uma incapacidade eminentemente politica, que refle- te uma ideologia de enfrentamento centralizada na questio territorial. Ou seja: a idéia aprioristica de que os indios so incapazes de elabo- rar critérios sobre 0 territério e reconhecer limites como a condi¢ao essencial para o Estado estabelecer seus préprios critérios e legislar sobre os territ6rios indigenas. Nesse sentido, o projeto de construgdo do Estado implicou também numa antinomia com relagdo a diversidade, em moldes completamen- te distintos do projeto colonizador, em que a naturalidade cedeu lu- gar a nacionalidade e o ethnos cedeu lugar ao demos, conforme apon- tou Julius Evola (1989). Isso significa a superagao da diversidade no interior da ideologia do Estado e a homogeneizagio das diferengas étnicas em favor da unidade juridica e da cidadania. « No século XVIII nao sé foi possfvel como necessdria a formulag40 de critérios sobre a territorialidade e a fronteira indfgenas, a partir ce ‘Schmidt, ilar quan. S Periférj. que podi. -214- Digitalizado com CamScanner REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SAo Pauto, USP, 1997, v, 49 + SSP, 1997, v. 40 n°2, ema de representagdes que nao opunha necessariamente a ocu; espacgo ao projeto colonizador, dando lugar a diversidade = da necessidade do povoamento. E esta a questo bisica sue muda radicalmente no século XIX, quando 0 projeto de eemareaey to stado © de unidade femitouel passam a nao permitir a diversidade, en que OS confederados e as “nagGes”, possiveis vassalos que deveri- amviver em terras préprias, passam & condigdo de barbaros, impossi- yeis de civilizar porque teimavam em viver em terras préprias. sist go do virtude Nota da comissio editorial: Agradecemos aos consultores da Revista de Antropologia os pareceres e sugestoes referentes a este artigo. Suas recomendagdes foram, na medida do posstvel, incorporadas ao texto pela orientadora de Denise Maldi, Profa. Aracy Lopes da Silva. Notas Denise Maldi, Professora da Universidade Federal do Mato Grosso, Mes- tre pela Universidade de Brasilia e doutoranda em Antropologia Social/ Universidade de Sao Paulo, falecida precocemente em 1996. Com a pu- blicagio deste seu trabalho, redemos-lhe nossa homenagem ¢ registramos a profunda saudade de seus colegas ¢ professores da USP. 1 Conforme esclarece o mesmo Arno Kern (1982), “Trinta Povos” designa as missdes e n’io povoados especificos. E uma designagao genérica para as povoagdes dos Guarani “cristfos”, da mesma forma que “miss6es". 2 Nucleo de Documentagdo e Informagio Historica Regional (NDIHR) da Universidade Federal de Mato Grosso. Mf. 63, Doc. 630 NDIHR/UFMT. Mf. 50, Doc. 431. Arquivo Piblico de Mato Grosso. Discursos dos Presidentes de Provincia — Arquivo Pablico de Mato Grosso -215- Digitalizado com CamScanner Denise Bibliografia ALES, C. ¢ POUYLLAU, M. 1993 “La conquéte de inutile. Les geographies imaginaires de VBldorado”, L’Homme, n° 122-124. 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(1558) 1978 As singularidades da Franca Antértica, Belo HorizontelSio Paul, Itatiaia/Edusp. ABSTRACT: 18th and 19th centuries conceptions of indigenous South American territoriality and borderlands are analysed firstly in relation to the idea of “nation” Present in the Portuguese colonial discourse. Secondly, thes e conceptions are examined in the contexte of Independence and Nation-State formation processes in Western Amazonia. The paper is Produced in the theoretical framework provided by the dialogue between Anthropology and History and Proposes approaching those notions of territoriality and bo, rderlands as cultural categories. - 220- Digitalizado com CamScanner REVISTA DE ANTROPOLOGIA, SAo PAULO, USP, 1997, v. 40 n°2 1; Western Amazonia, 18th and 19th centuries, territoriality, egy WORD: key ¥ indigenous peoples, lowland South America. forderiand/rontier Aceito para publicagao em agosto de 1997. -221- Digitalizado com CamScanner

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