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A Revolugao de 1930: Uma Sugestao de Interpretagao Baseada na Nova Economia Institucional* * NEWTON PAULO BUENO™ ResuMO Este trabalho visa dar uma interpretacéo neo-institucionalista dos eventos que culminaram com a Re~ volugéo de 1930, a qual procura incorporar os insights das duas principais correntes em que a nova eco ‘nomia institucional tern se desenvolvido: @ economia dos custos de tronsacéo e @teoria da acéo coletiva. 0 argumento a ser desenvolvido & 0 de que a Repiiblica Velha néo foi derrubada nesse ano por razdes predominantemente econémices, como a coincidéncia desse episédio com inicio da grande depressao ‘mundial da década de 1930 tem em geral feito supor. A principal conclusdo do trabalho & que o conflto politico que culminou com a deposicao de Washington Luts e oscensdo de Getilio Vargas ao poder teve razées essenciolmente ligedas @ légica do a¢do coletiva, como sugerdo principalmente pelas obras de ‘Mancur Olson e seguidores. PALAVRAS-CHAVE Revolucdo de 1930, teoria da agdo coletva, nova economia institucional, dilemas de a¢do coletive, Brasil ABSTRACT This work seeks to give a neo-institutionalist interpretation of the events that culminated with the 1930 Revolution, which tries to incorporate the insights ofthe two main currents of the modern new institutional ‘economics: the transaction costs economics and the theory of collective action. The core ofthe argument Js that the Old Republic was nat overthrown on that year due economic reasons, as the coincidence of that episode with the beginning ofthe great world depression of the decade of 1930 has led some scholars ‘to suppose. The main conclusion of the work is that the politcal conflict that culminated with Washington Luis’ deposition and ascension of Getto Vargas to the power can be better explained by factors essentially linked to the collective action logic, as suggested mainly by Mancur Olson's works and followers, Ky Worps The 1930 Revolution, theory of collective action, new institutional economics, social dlemmas, Brazil JEL CLassiFicaTion N4e * © autor agradace 20 CNPa poo apoio franc sua atvidade de pesquisa, da qual este trabalho 6 frto. %* Profestor Doutor do Departamento de Economia e do Programa de Pét-Graduacio em Economia da Universidade Federal de Vigosa ~ MG. E-mai: npbueno@ul.br. End. para contato: Universidade Federal de \Vigosa, Departamento de Economia, Campus ~ Cap: 36570-000, Vicosa, MG. (Recebido em setambro de 2004. Acelto para publicaio am janeiro de 2006). EST. ECON, SAO PAULO, V. 37, N. 2, P, 435-455, ABRIL-JUNHO 2007 436 A Revolugao de 1930 INTRODUGAO Umma critica fregiiente 4 Nova Economia Institucional (NEI) diz respeito ao seu exces- sivo reducionismo metodolégico.’ Ao se propor explicar 0 surgimento ¢ a evolugao das instituigoes a partir do célculo econdmico individual, a teoria deixaria de incorporar, segundo essa visdo critica, aspectos fundamentais do processo que nao se relacionam diretamente com a esfera econdmica da vida € nem podem ser compreendidos apenas como resultado de negociagses entre individuos buscando reduzir custos de transagao. Procurar-se-4 demonstrar neste texto que a critica, embora pertinente, aplica-se apenas a versio “economia dos custos de transagio” da NET, associada as contribuigGes semi- nais de Douglass North Oliver Williamson. Mais recentemente, um novo desdobra- mento da NEI, inspirado nos trabalhos de Mancur Olson (1965, 2000), denominado genericamente de “teoria da ago coletiva”, tem mostrado que a criagao de instituigées muitas vezes implica mobilizar grupos de individuos, o que requer incluir a dimensio politica, além da econémica, ao estudo da evolusao das instituigées. Este trabalho visa dar uma interpretago neo-institucionalista dos eventos que cul- minaram com a Revolugio de 1930, a qual procura incorporar os insights das duas correntes referidas acima: a economia dos custos de transagio ¢ a teoria da agio coletiva. O argumento a ser desenvolvido é 0 de que a Repiiblica Velha nao foi der- rubada nesse ano por razées predominantemente econémicas, como a coincidéncia desse episédio com 0 inicio da grande depressio mundial da década de 1930 tem, em geral, feito supor. Argumentar-se-& que 0 conflito politico que culminou com a deposigio de Washington Luis ¢ a ascensio de Getilio Vargas a0 poder teve razies essencialmente ligadas & légica da ago coletiva, como sugerido principalmente pelas obras de Olson. A motivagio basica deste trabalho é que apesar de se tratar de um tema extensamente estudado pela historiografia, restam algumas questdes sobre a dindmica do processo de dissohuc2o da Repiblica Velha que, como se tentaré demonstrar, a teoria da agio coletiva pode ajudar a compreender melhor. Por exemplo: por que o tiltimo presidente da Reptiblica Velha, Washington Luis, ele proprio um paulista, teria agido de forma to contréria aos interesses dos cafeicultores paulistas, recusando-se a conceder erédito ow a desvalorizar a moeda quando os presos internacionais do café despencaram em 1929? Por que a resisténcia A revolugdo por Sao Paulo ~ um Estado que contava com uma policia estadual capaz de rivalizar com o exército federal ~ foi tio ténue? Por que 0 programa de valorizagio do café, que era considerado como um favorecimento injustificado aos interesses de S40 Paulo ante os outros Estados, foi fortalecido e ndo descontinuado pelo novo regime? 1 Ver, por exemple, Hodgson (1989), Est eco., Sho Pal, 37(2): 435-455, abr jun 2007 Newton Paulo Bueno 87 (© restante do texto esté dividido em trés partes. Na segdo 1 apresenta-se o referencial te6rico da andlise; na sesio 2. analisa-se © processo de dissolugao da Reptiblica Velha © a cmergéncia da conjuntura que propiciou a Revolugio de 1930. A tiltima segio conclui o trabalho. 1. A TEORIA NEO- VSTITUCIONALISTA E.A TEORIA DA AGAO COLETIVA A nova economia institucional em sua versio tradicional assume como unidade de anilise principal a transagio em si, Sua proposigéo fundamental é que € racional para individuos ou grupos de individuos construfrem instituigdes, isto , estabelecer pa- dr Jomportamento estaveis que tornem menos custoso realizar as transa que desejam. Diferentemente do que os primeiros economistas pensavam, os autores da NEI mostram que dificilmente pode-se esperar que a cooperagdo entre individuos ocorra espontaneamente, motivada apenas pelo interesse proprio. Em muitos casos pode ser interessante adotar comportamentos oportunisticos, isto é, romper acordos, desde que uma das partes jé tenha cumprido 0 combinado no acordo, ou mesmo ten- tar “pegar carona” esquivando-se de arcar com os custos implicitos nesses acordos. A conchusio é que se nao forem estabelecidos incentivos positivos capazes de induzir 0s individuos a cumprirem os acordos estabelecidos (ou penalidades suficientemente altas para seu descumprimento) c/ou se nao existirem mecanismos para garantir que a parte que eventualmente romper 0 acordado realmente seja punida, muitos em- preendimentos coletivos deixario de ser realizados. Este ¢ 0 caso dos paises menos desenvolvidos em que 0 funcionamento, em geral moroso, da justiga torna muito ele- vado 0 risco contratual em empreendimentos de longo prazo. Um exemplo clissico é dado por Olson (2000, p. 183-185), que mostra que o possuidor de capital idoso teré pouco incentivo para investir em projetos cujo tempo de maturagéo supere sua expe tativa de vida, a menos que ele possa ter certeza que as leis da sociedade em que vive efotivamente garantam que seus herdeiros receberio os rendimentos do investimento realizado. Caso contrério, serd racional, do ponto de vista do idoso, consumir inte gralmente a riqueza que acumulou durante a vida. Para 0 jovem, que possui o talento € a disposigao para conceber, implementar e gerenciar projetos de investimento, seré ento tanto mais caro obter os recursos para fazer esses investimentos quanto menos definidas forem as regras que garantem a propriedade do capital ¢ do fluxo de hucros futuros que ele pode gerar. Boa parte desses projetos capazes de elevar significativa- mente o grau de eficiéncia com que a economia opera, portanto, poderio deixar de ser realizados apenas por inseguranga em relagZo 4s regras que regulamentam o direito de s de Est, econ., So Paulo, 37(2): 435-455, abr. jun 2007 438 A Revolugao de 1930 propriedade, Esta seria a principal razio de hav de solider. das instituigdes nacionais ¢ crescimento econdmico. uma clevada correlagio entre grau 2 A nova economia institucional em sua versio tradicional considera que as institui- (Ges sio criadas para reduzir os custos de administrar o risco contratual envolvido nas transases. Esse risco ser tanto maior, em primeiro Ingar, quanto menor for a freqiiéncia com que as partes transacionam € quanto maior for a especificidade dos ativos que as partes envolvidas possuem.* A primeira razao ¢ dbvia. Se as partes desejam manter contato em uma base regular é mais provvel que evitem adotar comportamentos que possam parecer oportunisticos, ‘mas a segunda requer alguma claboragéo, Quando uma das partes tem de imobilizar um volume expressivo de capital para atender A demanda da outra, e se essa demanda for suficientemente especitica, isto é, ndo houver possibilidade de encontrar outros compradores, fica claro que a parte que incorreu nos sunk costs poderd ser pressionada pela outra a operar com prejuizo, com pregos préximos dos custos varidveis médios, Assim, se nao for possivel para a firma que deve fazer investimentos ativo-espect- ficos se garantir contra o comportamento oportunistico da firma compradora, ela simplesmente nao fard os investimentos correspondentes. Segundo a taxonomia de Williamson, quanto menor for a freqtiéncia das transagées, e quanto maior for o grau de especificidade dos ativos, mais claborada ter de ser a estrutura de salvaguardas dos agentes envolvidos nas transagées, estrutura esta que Williamson denomina de estrutura de governanga, Parte das salvaguardas necessdrias para realizar determinadas transagées ~ aquelas que envoh agio de elevadas somas de capital por longos perfodos de tempo — devem ser obrigatoriamente garantidas pelo ambiente institucional geral em que as transagdes se realizam. Douglass North explica por que esse ambiente pode ser t30 em a imobill 2B evidencemente problemitico definir grat de solide institucional, mas encontra-se dispontvel wma api gama de tabalhor recente tentando extabelecer citron menos subjetivos para esta fini, Para ese fim, tém-se construido indicadores para, entre outros: i) 0 grat de corrupsio governamental cde motosidade devido & burocratizagio exeessiva do aparclho de justiga; i) a presenga de capital social © ii) 0 grau de credibilidade politica, incluindo o grant de previsiblidade da politica econémica, Para {uma resenha abrangente acerca da bibliografia relevante, ver Aron (2000). 3. Williamson (1996) The mechanism of gorernance. New York: Oxford University Press. Os principals tipos de especificidade de ativos, que definem o grat de rigidez da relasso contratual, sto os seguintes ‘© cspecificidade locacional (site specificity) — ocorre quando as «lecis6es ex ante bascadas cm outros toss que ndo os de transagio determinam a construgio de plantas muito préximas uma das outras, praticamente impondo uma relagio fornecedor-usudtio entre elas; ‘+ especificidade em ativos fisicos (physical asee specificity) ~ manifestase quando uma ou as duas partes, contratantes faz investimentos em equipamentos de uso especifico para a transagio; ‘= especiicidade em capital humano (human capizal seificiy)~ surge como vonsegtieneia de processos Xe learning-by doing on de transferéncias de conhecimento entre firmas;, + cspecificidade em ativos vinculados 4 escala de produsio (dedicazed specificity) - acorre quando investimentos de naturcea geral s30 realizados com base no pressuposto de que uma quantidade significativa do produto fina seré vena para um consemidor particule Est eco., Sho Pal, 37(2): 435-455, abr jun 2007 Newton Paulo Bueno 439 distinto em paises diferentes: a evolusio histérica pode aprisionar paises em trajeté- rias que geram instituigdes que sio menos propicias ao desenvolvimento ao deixar de demarcar e garantir os direitos de propriedade.* Como ilustrado pela pardbola de Mancur Olson, onde nao hé seguranga sobre os fluxos futuros de renda provenientes da posse de capital, os investimentos tenderdo a ser menores do que nas sociedades onde as leis, os governos ¢ os valores ideolégicos ¢ culturais garantem a estabilidade das regras contratuais ao longo do tempo. A conclusio é que, para a teoria neo-institucional tradicional dos custos de transagio, solug6es cooperativas para os problemas sociais podem, em principio, ser obtidas se, na auséncia de mecanismos sociais que surgem espontaneamente em sociedades menos complexas, 0s individuos forem capazes de criar instituig6es que tornem o comportamento oportunistico menos vantajoso do que o comportamento cooperati- vo. Os neo-institucionalistas postulam que a construgio dessas instituigdes pode ser entendida como um complexo processo de negociagao entre as partes para alocar os custos das externalidades envolvidas. O desenvolvimento do sistema financeiro inglés no final do século XVIL, por exemplo, foi um efeito indireto do processo de negocia- ‘520, muitas vezes violento, que envolveu em um certo momento a decapitagéo do rei, entre a monarquia ¢ a burguesia inglesas, Para obter os recursos para as crescent exigéncias militares da época, o rei teve que ceder poder politico aos stiditos, inclusi- ve 0 dircito de preservar suas propriedades, mesmo que isso pudesse ferir, em certos momentos, as chamadas razées de Estado. A seguranga para a propriedade que esse processo conferiu foi um poderoso chamariz para o capital gerado em outras partes do mundo, principalmente para o capital holandés, que passou a afluir para a Inglaterra a partir desse perfodo e ir se consticuir em uma poderosa alavanca para a revolugio industrial cem anos depois.5 Parece plausivel que quando se trata das instituigdes gerais de uma sociedade 0 pro- cesso é muito mais lento ¢ incerto, podendo mesmo seguir trajetérias divergentes em paises que inicialmente nao sio tio diferentes entre si, do que quando a negociagio corre em niveis mais baixos de agregagdo e complexidade social. Mas o fato & que a premissa-chave da nova economia institucional é que as instituig6es resultam de ne- gociagdes que se baseiam em célculos de custos € beneficios e assim o processo pode, em principio, ser estudado com o instrumental da teoria econémica Uma critica interna & nova economia institucional formulada inicialmente por Olson (1965) desenvolvida mais recentemente por Hardin (1982) ¢ Bates (1995) é de que muitas vezes ¢ imposs{vel alcangar solugdes cooperativas por negociagio. Existem si- tuagdes, definidas como dilemas sociais, em que, por razdes associadas, por exemplo, 4 Ver, por exemplo, North (1994) 5 Ver a respeito North (1989) Est, econ., So Paulo, 37(2): 435-455, abr. jun 2007 440 A Revolugao de 1930 8 existéncia de externalidades, as sociedades so incapazes de alcangar configuragées cficientes no sentido paretiano, porque individuos ¢ firmas, agindo racionalmente, iro engajar-se excessivamente na produsio de bens que geram externalidades ne gativas ¢ deixarao de produzir bens ¢ servigos que geram externalidades positivas, esperando que outros 0 fagam por eles. Nessas condig6es, o assim chamado teorema de Coase deixaria de ser vélido nao apenas porque existem custos de transagio que impedem que as pessoas negociem de forma a alocar privadamente os custos impli dos pelas externalidades. A razo principal de por que as instituigées que garantiriam a eficiéncia social nao sio em geral adotadas é que essas instituigdes nZo inte a grupos de individuos capazes de se organizar politicamente para se beneficiar de comportamentos do tipo free rider e rent seeker. Em outras palavras, as negociagSes que 05 novos economistas institucionais supGem serem a fonte do processo de evolugio institucional se dio dentro de estruturas formadas na arena politica. Segundo a cléssica formulagio de Olson, as solugdes cooperativas mais importantes assumem a forma de bens piiblicos, definides como bens que apresentam duas pro- priedades: nao rivalidade, no sentido de que seu consumo por um grupo de individuos nao reduz sua disponibilidade para 0 consumo de outros, ¢ nfo excludabilidade, que significa que individuos ndo podem ser impedidos de usufruir o bem mesmo que nao contribuam para sua provisio.° Os bens piiblicos, assim, podem estar sujeitos A provisio insuficiente em grupos grandes, visto que, sabendo que agentes que nao podem ser excluidos de seu consumo, terdo incentivos para atuar como free-riders, seré uma estratégia racional do ponto de vista de cada individuo nfo contribuir para sua provisio. Posteriormente, Hardin (1982) demonstrou que esse problema pode estar presente, definindo o grupo como latente, mesmo em grupos pequenos se nao houver 'S grupos um subgrupo eficaz. Um subgrupo eficaz & aquele que tem incentivo para financiar 0 bem ptiblico, mesmo se os demais nao contribuirem, A existéncia de mais de um subgrupo eficaz no mesmo grupo, entretanto, pode gerar problemas de proviso porque cada um desses grupos esperar que o outro assuma o financiamento do bem puiblico. Para garantir a oferta de bens ptiblicos é preciso, entio, mobilizar incentivos seletivos, como a coergio direta, ou explorar a possibilidade de, sob certas circunstincias, ser vantajoso para atores sociais suficientemente grandes incorrer nos custos de gerar independentemente as externalidades positivas para o restante da sociedade.” A pri- meira possibilidade implica 0 uso de poder politico e, a segunda, a mobilizagio de interesses poderosos, isto ¢, inscrevem-se no Ambito da ago essencialmente politica, nao contemplada suficientemente pela teoria neo-institucionalista tradicional. Est eco., Sho Pal, 37(2): 435-455, abr jun 2007 Newton Paulo Bueno 41 Pode-se argumentar entdo que, para que os individuos se sintam motivados a parti- cipar de empreendimentos coletivos, dois tipos de obstéculos, de natureza distinta, precisam ser superados: os custos transagio € os possiveis dilemas de agio coletiva envolvidos. Apesar de se tratar de problemas de ago coletiva teoricamente distintos, © fato de ocorrerem muitas vezes simultaneamente em situagSes de interagdo social sugere que uma teoria plenamente convincente sobre as relagdes entre instituigées © economia deva necessariamente incluir os dois niveis de andlise: 0 essencialmente econédmico ¢ 0 politico. Em um dos textos mais famosos na evolusao do pensamento neo-institucionalista, Coase (1960) criou um exemplo, o qual daria origem ao jé me cionado Teorema de Coase, que podemos utilizar para dar um tiltimo esclarecimento, sobre este ponto fundamental do nosso argumento tedrico, antes de confronté-lo com a evidéncia empftica sobre o perfodo que estamos analisando. © exemplo & o seguinte: suponha que uma estrada de ferro construfda em um vale povoado por pequenos fazendeiros possa escolher entre varios nfveis de operagio, Se aumentar 0 fluxo didrio de trens, ela prejudicaré os habitantes do vale gerando ex- ternalidades como barulho, poluigio, maior mtimero de atropelamentos de pessoas ¢ animais, ¢ assim por diante. A proposigao seminal de Coase foi a de que, na auséncia de custos de transagio, a ferrovia ird operar eficientemente do ponto de vista social independentemente dos direitos de propriedade existentes. Se esses direitos favorecem, 0s fazendeiros, eles poderao cobrar dos proprietérios da ferrovia pelas externalidades impostas. Como a ferrovia iguala a receita que a utilizagdo do prdximo trem trard com 0 custo de colocar este trem em operagio (i, ¢. a ferrovia opera eficientemente do ponto de vista microeconémico), haveré menos viagens de trens porque os custos (marginais) incluirzo a compensagzo paga aos fazendciros. Mas, ¢ se os direitos de propriedade favorecerem a ferrovia? Neste caso, ser4 do interesse dos fazendeiros pagar A ferrovia para reduzir o mimero de trens em operagio, fazendo com que a ferrovia tenha de levar em conta como custo a perda de receita que teria se colocasse mais trens em operagio, © que Coase demonstrou, em suma, foi que independentemente das instituigdes (no caso da estrutura dos direitos de propriedade) o resultado em termos de produgio de bens e servigos ser o mesmo, se nao existirem custos de transagio: a ferrovia teré incentivos para reduzir o mimero de trens em operagio para um nivel socialmente eficiente. E claro que nem Coase ¢ nem qualquer dos autores neo-institucionalistas jamais acreditou que esse resultado se produzisse espontaneamente. Os fatos de que 0s agen- tes sio incapazes de prever com exatiddo as conseqiiéncias de suas ages ~ decidem em condigées de racionalidade limitada ~ e de que sé cumprem acordos voluntérios quando for do seu interesse — isto ¢ sdo oportunistas ~ implicam que sempre existirio custos de transagio, Os individuos criam instituigdes ~ isto é, restrigdes formais ¢ in- Est, econ., So Paulo, 37(2): 435-455, abr. jun 2007 482 A Revolugio de 1930 formais propositais ao comportamento humano — para reduzir a margem de incerteza envolvida nas interagdes sociais, isto é, para minimizar custos de transagio, A palavra-chave da interpretasao neo-institucionalista, assim, é negociagio. Nao em um ambiente abstrato como © mundo sem custos de transago, mas em ambientes socioecondmicos especificos, nos quais esses custos podem variar enormemente ¢ assim produzir resultados muito distintos do ponto de vista econdmico. A alocagio dos custos de transagio nas sociedades, entretanto, nao é um dado da na- tureza. Ela depende da forma como se distribui o poder politico em cada momento. Dada essa distribuigi0, a mudanga institucional pode ser um proceso muito mais ar- bitrério e violento do que faz supor a anslise neo-institucionalista classica. Para grupos grandes, como sio as sociedades humanas organizadas, freqiientemente os resultados sociais mais desejéveis nio so passiveis de serem alcangados porque nao so racionais do ponto de vista do individuo, E, se nao interessa a nenhum grupo de individuos politicamente influentes arcar com os custos da transigio politica de uma sociedade autoritéria para uma mais democritica, ow a transicZo nao se realiza ou podem ocorrer mudangas abruptas e violentas para outras formas despéticas de governo. Assim, a teoria da ago coletiva, embora possa ter comegado a se desenvolver de forma relativamente independente das obras pioneiras da NEI, parece ser um complemento indispens4vel para que esta possa continuar a explorar temas como o desenvolvimento econdmico de forma ainda mais convincente do que fazem os textos clissicos da eco- nomia dos custos de transagio, Nas palavras de um dos mais importantes economistas institucionais contemporancos:* “Using the bloodless language of the neo-institurionalism, Coase was right: the choice of institutions depends upon the structure of transaction costs, Bur it is the state that determines the allocation of these costs. The costs of agreement among the multitude of farms are lower, for exam- ple, if vote-sceking politicians help them to organize in opposition to the railway [no exemplo acima}. Once politicians are scen as determining the magnitude and distributions of these transaction costs, then a di- _fferent vocabulary becomes relevant: that of political science. And the problem itself acquires a different coloration. It is no longer one of the (pure economics, The new institutionalism thus stands as an important addition to the development literature. However, it will achieve its full promise only when it becomes a part of a broader field, the field of poi tical economy.” 8 Bates (1995, op. cit, p. 47) Est eco., Sho Pal, 37(2): 435-455, abr jun 2007 Newton Paulo Bueno 43 2. A ECONOMIA POLITICA DO CAFE: UMA ANALISE NEO-INSTITUCIO- NALISTA DO PERIODO DA REPUBLICA VELHA 2.1 Interpretagies Consensuais Sobre o Periodo ¢ Natureca da Presente Gontribuigao A Repiiblica Velha ¢ um dos perfodos mais competentemente estudados pela his- toriografia econémica brasileira, cujos textos cléssicos so de amplo conhecimento, mesmo do piiblico nao especializado no tema. Assim, nfo parece necessério resumir em detalhe essas interpretagies, antes de reler suas contribuigdes 4 luz do referencial tedrico proposto na seso anterior, mas apenas sublinhar algumas conclusGes consen- suais dessa literatura sobre os fatos mais marcantes do periodo, a saber: 1) As trés primeiras operagées valorizadoras ~ 1906, 1917 ¢ 1921 ~ ¢ o programa de valorizacdo permanente, em seus primeiros anos, foram politicas bem-sucedidas em termos de sustentagio dos pregos do café, embora haja divergéncias sobre o efeito dessas politicas no longo prazo A principal fonte de divergéncia sobre as operages valorizadoras diz respeito a0 grau de eficiéncia alocativa dessas operagées em termos de fatores de produgio ¢, portanto, de seus efeitos sobre a taxa de crescimento econdmico de longo prazo. Delfim Netto (1973), por exemplo, considera que principalmente a valorizagio per- manente tenha tido efeitos negativos sobre o crescimento de longo prazo, ao enviar sinais errados para os produtores, os quais induziram a retengio na cafeicultura de fatores produtivos, que poderiam ser empregados mais eficientemente na indiistria, Para Fritsch (1988), esta visio deixa de considerar o fato fundamental, identificado primeiramente por Dean (1971) ¢ depois incorporado consensualmente pela lite- ratura posterior, de que a cafeicultura era altamente complementar a indiistria, de modo que a valorizasao, ao proteger a primeira, afetava favoravelmente também a segunda, A valorizagio como politica geral, portanto, mesmo a valorizagio perma- nente paulista, foi uma medida correta, influenciando beneficamente o crescimento econdmico de longo prazo, 2) O fracasso da valorizagdo permanente foi um fator importante para explicar a Revolugio de 1930, embora as razGes desse fracasso sejam controversas. Esta questo esté diretamente relacionada com a anterior, mas inclui uma dimen- so que nio esté explicita naquela ¢ que ¢ titil assinalar nesta etapa do argumen- to, Villela e Suzigan (1973), por exemplo, atribuem a crise da cafeicultura em 1929, que cria 0 contexto econémico para o embate politico que culmina com a Est, econ., So Paulo, 37(2): 435-455, abr. jun 2007 444 A Revolugao de 1930 revolugio de 1930, & superprodugio induzida endogenamente pelas operagées de valorizagio, Neste sentido, pode-se dizer que esta visio se identifica, neste ponto, de Delfim Netto sobre os efeitos negativos de longo prazo da politica de valorizagao. Fritsch (1988) novamente se opde a essa idéia, considerando que mais do que efeitos endégenos ¢ de certo modo inevitéveis, a ruptura do mercado de café deveu-se a mudangas nas condigoes de crédito internacional para financiar © prosseguimento da defesa, bem como a decisdes inadequadas de politica econd- mica. Tais decisoes tiveram, por um lado, um fundamento tedrico erréneo: a tese de que as exportagbes de café eram eldsticas € que, portanto, a queda de pregos que decorreria da suspensio da valorizagio aumentaria as reccitas cambiais. Mas, por outro lado, tém uma explicagZo na esfera da politica, da qual partilharemos no restante do trabalho: a ruptura da alianga politica entre Sio Paulo ¢ Minas Gerais que havia avalizado as operages de valorizagio anteriores. com a tes 3) A Revolugio de 1930 nao foi um embate entre interesses agrérios e industriais € nem mesmo fruto de uma discérdia incontornével sobre a orientagio da politica econémica governamental, mas um conflito entre fragbes da classe dominante pelo controle politico do Estado. © debate sobre se a Revolugio de 1930 teria sido um momento de ruptura histérica tese defendida principalmente por autores de orientagio marxista como Werneck Sodré ou nacionalista como Celso Furtado — ou de continuidade — no sentido de que nio teria havido realmente uma mudanga nas classes dominantes do Pais, mas um rearranjo na distribuigo de poder entre as elites politicas — esté hoje superado na historiografia.” No exatamente porque uma dessas interpretagées tenha vencido a discussio, mas porque o préprio debate se revelou esgotado a partir de um certo ponto. A principal razao, pensamos, é que tanto a ruptura quanto a continuidade pressupdem que haja um embate anterior de interesses em que ou os grupos poli- ticos interessados na manutengao do staru quo ow os grupos que defendem algum tipo de ruptura da ordem existente saem vencedores. Mas, como vimos, est4 hé tempos bem estabelecido na historiografia que ndo havia choque de interesses, mas complementaridade econémica entre o setor agrério ¢ 0 setor industrial no Brasil. (Dean, 1971), Villela ¢ Suzigan (1973), Franco (1983) ¢ Fritsch (1989), além disso, mostraram que a prépria politica econdmica do perfodo nao pode vista acriticamente como refletindo apenas os interesses da agricultura, Em texto clissico, este enfatizando especificamente a questio politica, Paula Beiguelman (1967) mostrou também que alm de complementaridade econémica nao havia um antagonismo politico on ideolégico fundamental entre os setores, € que, assim, Revolugio de 1930 nao pode ser interpretada como um embate entre burguesia ou latifiindio, como queriam os autores marxistas. 9 Ver, por exemplo, Martins (1980); para um resumo acetea desse debate, ver Borges (1998) Est eco., Sho Pal, 37(2): 435-455, abr jun 2007 Newton Paulo Bueno 45 4) A despeito do mencionado no tépico anterior, a Revolugio de 1930 foi um ponto de mudanga de trajetéria em nossa histéria, em que o Pais adentra uma era de urbanizagao e industrializagio. O fato de nao parecer mais relevante insistir na discussio sobre se a Revolugio de 1930 foi um momento de ruptura ou continuidade nao significa postular que nao tenha havido uma mudanga de trajetéria fundamental no perfodo. A Revolugio marca o fim da hegemonia da burguesia cafeeira ¢ o inicio de um perfodo de gran- des mudangas na ago do Estado, que se torna mais centralizado, intervencionista ¢ orientado para a industrializagao. Esta forma da asio estatal, entretanto, néo resultou da vitéria de um projeto de qualquer das fragdes da classe dominante ‘ou, muito menos, da classe média ou ainda do operariado, mas de um rearranjo da equagio politica em uma situaso de vazio de poder. A expressio clissica de Francisco Weffort de “Estado de Compromisso” reflete um processo em que a so- lugio dessa equagio emerge, no sentido de nao ser possivel identificé-la claramente com estratégias definidas ex-ante por qualquer dos grupos politicos ¢ econémicos envolvidos. Nas palavras de Boris Fausto (1976, p. 113): “Vitoriosa a revolugito, abre-se uma espécie de vazio de poder, por forga do colapso politico da burguesia do café ¢ da incapacidade das demais foagies de classe para assumi-lo, em cardter exclusivo. O Estado de com- promisso é a resposta para esta situago. Embora os limites da agio do Estado sejam ampliados para além da consciéncia ¢ das intengdes de seus agentes, sob 0 impacto da crise econdmica, 0 novo governo representa mais uma transagao no interior das classes dominantes, tito bem expressa na intocabilidade sagrada das relagies sociais no campo. Mas 0 reajuste, obtide apds um doloroso processo de gestagéo... significa uma guinada importante no process histévico brasileiro. A mudanca das relacées entre o poder estatal e a classe operdria é a condigao do populis- ‘mo; a perda do comando politic pelo centro dominante, associnda i nova {forma de Estado, possibilita, a longo prazo, o desenvolvimento industrial, ‘no marco do compromiss; as Forgas Armadas tornam.se um fator deci- sivo como sustentdculo de um Estado que ganha maior autonomia, em relagiio ao conjunto da sociedade.” © objetivo deste trabalho ser4, partilhando dos pontos de consenso explicitados, sugerir que o principal fator explicativo para a Revolugio de 1930 foi a recusa do pre- sidente Washington Luis de apoiar a politica de valorizagio do café no momento em. que cla mais se fazia necesséria, o que lhe retirou o apoio politico ¢ militar do Estado de Sio Paulo. A explicagio que se dard é que a intransigéncia do presidente em apoiar Est, econ., So Paulo, 37(2): 435-455, abr. jun 2007 446 A Revolugao de 1930 Sio Paulo nao se deveu a fatores idiossineréticos da personalidade presidencial ¢ nem a um compromisso obstinado com a estabilizagio econdmica, mas a uma avaliagio racional, embora insuficientemente informada, sobre a conjuntura econdmica ¢ po- litica do perfodo, Argumentar-se-& que a valorizagio nao foi defendida na época por um problema de agdo coletiva, em que o bem puiblico que ela representava deixou de ser produzido por agentes racionais com interesses econémicos nao necessariamente inconsistentes colocados em uma situagio de dilema social. Argumentar-se-d, em suma, que embora os fatores econdmicos obviamente tenham sido importantes, a Revolugdo de 1930 ocorreu principalmente por razdes politicas. 2.2 As Operagies Valorizadoras como uma Estratégia para Redugio de Especificidade de Ativos Embora se procure dar neste texto uma explicagao predominantemente politica do proceso que culminou com a revolugio de 1930, é evidentemente impossivel com- preendé-lo sem referéncia a0 contexto econémico em que ele se dé; isto &, é necessério estudar 0 processo como o de ascensio ¢ queda da economia politica do café.!” © mercado de café no Brasil na época da Reptiblica Velha, para iniciar a discussio, era no inicio do século XX altamente desequilibrado em favor das casas de exportagio predominantemente estrangeiras, que respondiam por mais de 70% das exportagoes brasileiras de café feitas a partir do porto de Santos. Essas casas de exportagio ti- nham, jé nesta época, integrado as fungies de comercializagao, conduzindo ao desa- parecimento dos ensacadores ¢ & diminuigo da importincia das casas comissérias. A estratégia de verticalizagio permitiu a esses grupos estrangeiros ampliar sua margem de lucro ao lidarem individualmente com fazendeitos freqiientemente sem condigées financeiras de arcar com os custos de armazenagem do produto. (Fausto, 1989, p. 213). Os exportadores assim tiravam partido dos perfodos de safras pequenas ¢ pregos clevados reduzindo seus estoques ¢ os recompunham, a pregos reduzidos, nos perfodos de grandes safras. (Delfim Netto, 1973, p. 77). Entretanto, a0 mesmo tempo que pri- vilegiava os interesses dos exportadores, esse mecanismo evitava flutuagSes excessivas nos pregos do café recebidos pelos produtores enquanto as disparidades entre oferta ¢ demanda nao fossem muito grandes. Nao foi o que aconteceu na safra de 1906/7. As floradas da safta indicaram que ela passaria de 20 milhdes de sacas para um consumo mundial ¢ estoque jé existente de 16 milhdes ¢ 10 milhoes de sacas, respectivamente (Delfim Netto, 1973, p. 78). A estimativa era que, nessas condigdes, o prego do café 10 Os dados mais imporrantes sobre a evolugio da economia brasileira no periodo, utilizados extensiva mente pelas demais obras clissieas sobre a Rep6blica Velha, encontram se principalmente em Villea ¢ Suzigan (1973), Est eco., Sho Pal, 37(2): 435-455, abr jun 2007 Newton Paulo Bueno “7 nos Estados Unidos, que jé estava em um nivel que s6 cobria o custeio da fazenda, caisse de 8 cents por libra-peso para 3 ou 4 cents,!! A possibilidade de intervensio valorizadora no mercado de café sempre esteve em pauta, mas apenas em fevereiro de 1906, no Convénio de Taubaté, ela foi seriamente considerada, Nao é necessério entrar em detalhes aqui sobre as particularidades das negociagdes que se seguiram até agosto de 1906 quando o governo de Sao Paulo iniciow as compras de café ¢ das cliusulas do plano valorizador.!? Cumpre apenas relembrar o seguinte: a operasdo valorizadora era justificada teoricamente com base em duas hipéteses sobre as condigGes da procura ¢ da oferta do café. A primeira era que a demanda pelo produto era relativamente ineléstica, © que aumentaria as receitas de exportagio se 0 plano funcionasse, isto & se os pregos pudessem ser sustentados acima do nivel que vigoraria em condigdes de mercado livre. A segunda hipétese & que, por caracteristicas préprias do ciclo produtivo do café, grandes safras seriam inevitavelmente seguidas por duas ou trés pequenas colheitas,"* o que permitiria ven- der os excedentes acumulados durante 0 perfodo da agio valorizadora."* Ambas as hipdteses para beneficiarem os produtores nacionais requeriam reduzir a dependéncia dos exportadores para comercializar 0 produto, Como mencionado acima, o poder financeiro das casas exportadoras ante os produtores desorganizados fazia com que a demanda de curto prazo fosse, de fato, bastante eléstica, pois os exportadores geral- mente recompunham seus estoques nos periodos de grandes safras ¢ utilizavam-nos para realizar lucros nos periodos de pequenas safras sem repassé-los aos produtores. Nos termos da teoria neo-institucionalista, a clevada especificidade de ativos dedi- cados dos produtores de café tornava-os presa ficil dos compradores, pois no havia como arcar com os custos de estocagem do café e nem meios alternativos de escoar 0 produto, Assim, pode-se considerar que a primeira operagio valorizadora (bem como as demais) foi uma tentativa de reduzir 0 grau de especificidade dos ativos dos cafei- cultores, de modo a aumentar seu poder de fixar pregos ante os exportadores. 11 A queda esperada de presos era tio grande que nio interessava nem mesmo aos exportadores ¢ impor: tadores americanos que poderiam aproveitar para recompor estoques em termos vantajosos. Este € 0 motivo de parte importante dos recursos (cerca de 2/3 do total) para o Financiamento das aquisiges de café previstas no Convénio de Taubaté terem vindo dos importadotes americanos no bojo do chamado plano Sicicken, (Delfim Netto, 1973, p. 87). E importante observar que esses agentes nio acetaram pparticipar do financiamento da operagao em razio de uma visio macroeconémica de longo prazo mais {nformad, mas porque, como estava garantido contratualmente uim prego miaimo do café de 7 centavos por libra-peso, scndo lies creditado auomaticamente as quedas abaixo desse nivel, eatava-se de uma, ‘excelente oportunidade de fecompor estoque a precos aviltados sem riscos excessivos, 12 Para uma descrigio miniciosa das csusulae do plano valorizador ver Delfim Nesto ep. it p. 84). 13, Bacha (1992, p. 31), 14 Supunha-se também que a oferta de café por outros paises era altsmente inelistica, o que mais tarde squivoco, Nas palavras de Roberto Simonsen, falando a uma piatéia briténics em. 1920, *..O tempo tem provad que as plantagses da Asia e Africa nao podem ser grandemente deienslvidas, deride a doencas e ousras condicies desfavordeis ¢ que as plantayées da Colémibia e América Censral sao limitadae pela pequena quantidade de terras apropriadas para a cultura do café pov ontrascircunctincias ccomimicas. Em nenlnom pais estrangera se pode cultinaro café com carter tt industrial como no Brasil” (citado por Bacha, op. ef, p. 46-47). Est, econ., So Paulo, 37(2): 435-455, abr. jun 2007 448 A Revolugao de 1930 Os resultados da primeira operagdo valorizadora comesaram a aparecer em 1909 € os pregos do café se mantiveram em alta até 1912, Mas os produtores de café se benefi- ciaram pouco dessa alta. © problema desde o inicio era que a operagio valorizadora podia ser considerada um bem puiblico do qual os produtores de Minas Gerais ¢ Sao Paulo nio poderiam, em tese, ser excluidos. Nao é de admirar que nessas condigées -sses Estados ¢ 0 proprio Governo Federal, que obviamente nao desejava se compro- meter com uma operagdo aparentemente to arriscada, s6 aceitassem colaborar com 0 financiamento do plano ¢ mesmo assim muito parcialmente, por exemplo cobrando a taxa de trés francos por saca exportada instituida pelo Convénio de Taubaté, apés a concessio de varias outras vantagens por parte de Sio Paulo, Nessas condigées, 0 financiamento da operaso teve de ser feito na maior parte por bancos ¢ importadores internacionais; as casas exportadoras participaram pouco ¢ tardiamente do esquema de financiamento.!$ Para obter esses financiamentos, imimeras concessdes tiveram de ser feitas, de modo que 0s principais beneficiérios foram os banqueiros, exportadores ¢ importadores de café ¢ no os produtores ¢ nem o governo do Estado de So Paulo, que executou sozinho 0 plano, Os luctos da operagéo foram tio significativos que permitiram que virias empre- sas exportadoras estrangeiras se tornassem proprietarias de fazendas de café aproveitan- do-se das dificuldades financeiras de muitos fazendeiros, (Fausto, 1989, p. 225), Em 1917, uma nova grande safra ocorreu simultaneamente ao declinio da deman- da provocado pela Primeira Guerra Mundial, mas o sucesso da primeira operagio valorizadora fez com que, desta vez, a Unio agisse répido, concedendo um grande empréstimo ao Estado de Sio Paulo para a aquisigio de café. Sobre esse empréstimo nao incidiam juros, mas 0 governo do Estado obrigava-se a dividir com a Uniao os eventuais lucros da operagio. (Fausto, 1989, p. 229). Os resultados foram extrema- mente favoraveis porque, além da aquisi¢ao dos estoques excedentes, ocorreram fortes geadas em meados de 1918 ¢ o comércio internacional se restabeleceu com o fim da guerra, Como na primeira valorizagio, entretanto, os principais beneficidrios da ele- vagdo de pregos do café a partir de meados de 1919 nio foram os produtores, mas 0 governo de S40 Paulo ¢ a Unido. Na terceira valorizagio iniciada em 1921, a resposta do governo federal & queda de pregos ocorrida em 1920 foi ainda mais répida: sem maiores discusses, a recém-cria- da Carteira de Redesconto emitin o dinheiro necessério ¢ 4,5 milhdes de sacas de café foram adquiridas. Os pregos recuperaram-se ainda em 1921 e mantiveram-se em niveis clevados até 1923. A reagio 4 nova grande safra de 1923/1924, a quarta valorizacio, foi quase automética, mas de natureza diferente das anteriores, visto que a partir de 15 Cerca de 2/3 de todos os recursos necessérios 3 aperasio foram fornecidlos pelos importadores ami canos de eaié Est eco., Sho Pal, 37(2): 435-455, abr jun 2007 Newton Paulo Bueno “9 agora o governo federal assumia o compromisso de defesa permanente do café. A forma de intervengao também mudou. Em vez de comprar os estoques excedente governo construiu armazéns reguladores em entroncamentos ferrovisrios estratégicos € represou a safra no interior. Em razéo de sua eficiéncia, essa forma de intervengio irritou profundamente os importadores, pois a construgio de capacidade de arma- zenagem, embora implicasse um custo, reduzia 0 seu poder de Iucrar por meio da manipulagio de estoques. A grande elevagio dos pregos do café no primeiro semestre de 1924 reflete, pelo menos em parte, a constatagZo de que o poder de impor pregos por parte dos operadores de mercado (exportadores € importadores) havia diminuido. Ao reconhecerem que a retengio da safra no interior provocaria uma clevagio per- manente de pregos, eles passaram a agir pré-ciclicamente, aumentando seus estoques quando os presos estavam aumentando. (Delfim Netto, 1973, p. 112). Ou seja, a0 construir os armazéns reguladores, o Brasil, por assim dizer, logrou internalizar, pelo ‘menos temporariamente, uma parte dos canais de distribuigio do café. Ao fazer isso, como destacado pela teoria da firma de Williamson, reduziu o poder de barganha dos compradores, 0 qual derivava fuundamentalmente do elevado geau de especificidade de ativos da economia brasileira (0 desinteresse de Arthur Bernardes com o programa de valorizagio permanente pode ser explicado, pelo menos em parte, pelo fato de que, sendo mineiro e sabendo que So Paulo assumiria o financiamento do programa de qualquer modo, desvencilhan- do-se dessas obrigagGes poderia contemplar mais generosamente sua prépria base regional, sem pressionar excessivamente a inflagio, que estava se acelerando no perio- do, Assim, em novembro 1924, a defesa do café passou exclusivamente para 0 Estado de Sao Paulo, O fato de a expectativa do presidente, de que So Paulo se agiientaria sozinho, ter se confirmado ¢ a valorizagio permanente ter funcionado nessas bases ser importante para convencer Washington Luis de que néo precisaria socorrer os cafeicultores paulistas em 1929, mas antes examinemos rapidamente como funcionava © esquema de valorizagao permanente. Diferentemente das operagées valorizadoras anteriores, o governo no assumia o com- promisso de adquirir café. Os produtores passaram a receber adiantamentos sobre 0 café depositado nos estoques reguladores no Banco do Estado de Sio Paulo, contro- lado pelo Instituto Paulista do Café, criado em 1924; nessas condiges, os produto passaram, como detentores do estoque, a assumir os riscos € os eventuais beneficios da operasio. Ao Instituto caberia regular a liberagio dos armazéns para Santos, subs- tituindo a pritica anterior de regulagdo arbitréria pelos préprios produtores, 0 que fez. com extrema competéncia. (Bacha, p. 48). Mesmo a excepcional safra de 1927 foi financiada sem maiores problemas, em termos muito favordveis aos produtores, 0 mesmo acontecendo com a safra de 1928. Est, econ., So Paulo, 37(2): 435-455, abr. jun 2007 450 A Revolugao de 1930 Pela primeira vez na histéria, que registrava que grandes safras eram invariavelmente seguidas por pequenas safras, por motivos que nao cabe discutir aqui, uma grande e repetir em 1929. Esperava-se que, nessas circunstincias, 0 governo federal aumentasse seu compromisso com o financiamento do plano de defesa perma- nente. Mesmo tendo a defesa do café passado a ser regional, © governo federal nio se desinteressou pelo programa, que se destinava afinal a proteger a principal fonte de riquezas do Pais, mas havia se estabelecido uma divisio de tarefas: 0 Estado de Sao Paulo responsabilizava-se pelo financiamento e o governo federal pela supervisio da operasio valorizadora, incluindo a implementasio € © gerenciamento de politicas ¢ medidas para a protegio da renda da cafeicultura, (Fausto, 1989, p. 241). A criagio da Caixa de Estabilizagdo em 1926, nos moldes da Caixa de Conversio, para evitar que a taxa de cimbio se valorizasse com a elevagio dos pregos do café produzida pela defesa permanente, é um exemplo dessa complementaridade entre a agio do governo federal e do Estado de Sio Paulo. safra anunciava- De maneira surpreendente, entretanto, o presidente Washington Luis mudou sua pos- tura em relagio A defesa dos presos do café exatamente quando o auxilio do governo federal era mais necessirio: liberou as exportagées de café, mesmo tendo sempre acei- tado a tese de que a demanda de café era altamente inelistica, recusou-se a aumentar as emissdes de dinheiro para elevar a oferta de crédito aos cafeicultores ¢ negou-se a atender seus pedidos de moratéria de execugao de hipotecas sobre fazendas. A litera- tura sobre o perfodo nao esclarece suficientemente sobre por que © presidente teria dado essa guinada, (Fausto, 1978, p. 417). Delfim Netto (1973, p. 178) vé a liberagio de exportagées como um ato de desespero para gerar divisas suficientes para evitar a desvalorizagio cambial; Fritsch (1990, p. 65), como refletindo (em parte) uma idée {fixe do presidente a respeito dos beneficios da preservagio do padrio-ouro, ¢ Bates (1997), como resultado da frustragio do presidente em equilibrar as contas externas sem aumentar 0 custo de vida para as populagdes urbanas. O argumento do presente trabalho € que, mais do que puro desespero, conservadoris- ‘mo ou inépcia, houve uma razio objetiva para a mudanga de politica governamental: a tentativa de vencer a resisténcia da oposigfo & candidatura de Jiilio Prestes.!° O sucesso de So Paulo em executar o plano de defesa permanente nos anos anteriores aparentemente convencen o presidente de que os paulistas constitufam um subgrupo cficaz, isto é, que 0 Estado de Sio Paulo continuaria financiando o bem piiblico mes- mo sem a contribuigdo dos demais beneficidrios. Comprometer- na conjuntura politica da época, seria, portanto, desnecessério e poderia inviabilizar ¢ com Sao Paulo, 16 Observe-se, entretanto, que a adesio de Washingron Luis a uma politica monetiria ortodoxa podia ser considerada como uma postura jusificdvel teoricamente nesse periodo pré-keynesiano (em termos tedricos). A eritica devastadora de Keynes ao retorno da Inglaterra 20 padrio-ouro apés a I Guerra Mondial, por exemplo, ainda teria de esperar por um ambiente intelectual e eeonémico mais propicio para prevalecer como sabedoria convencional. Est eco., Sho Pal, 37(2): 435-455, abr jun 2007 Newton Paulo Bueno 451 a ascensio de outro paulista & presidéncia. Liberar as exportagbes, por outro lado, atendia aos interesses dos cafeicultores mineiros, que nao dispunham de armazéns reguladores e nem contavam com instituig6es de financiamento como os produtores de Sio Paulo; assim, seu interesse era escoar sua produgio o mais répido possivel, aproveitando os pregos altos garantidos pelo programa de defesa permanente. Evitar a desvalorizasao da moeda, deixando de fazer as emissGes que os paulistas pediam, por sua vez, era uma forma de contemplar os interesses de outros Estados, print palmente do Rio Grande do Sul, cuja economia voltava-se para o mercado interno ¢ que concentrava parcela importante das tropas do Exército, cujo poder aquisitivo era afetado diretamente pela desvalorizagio da taxa de cimbio, (Bates, 1997). Nao é de surpreender, assim, que a politica financeira de Washington Luis fosse expressamente defendida por Vargas na plataforma da Alianga Liberal. © Partido Democritico pau- lista, por outro lado, mantinha uma posigdo diibia: atacava a politica de valorizagao, ‘mas apenas por raz6es politicas, visto ndo propor, de fato, qualquer alternativa de programa econémico, A politica presidencial se orientava, em suma, pelo objetivo politico de cleger seu sucessor, ¢ a oposigio, pelo objetivo, também exchisivamente politico, de impedir que isso acontecesse. A nenhuma das duas correntes em choque ocorria que a defesa do café agora, dada a magnitude da crise econémica, demandava um compromisso entre os Estados ¢ 0 Governo Federal a respeito do financiamento ¢ da regulagio econémica do plano. Supunha-se tacitamente, em outras palavras, que houvesse uma dissociagio entre o nivel do politico € o nivel do econdmico, de modo que o embate politico poderia ser travado sem afetar seriamente o funcionamento global da econo- mia. Essa suposigio técita expressava-se, segundo Martins (1982, p. 685) por meio de dois fendmenos: “O primeivo diz respeito & liberdade com que se mover os atores no dm- bito do politico ¢ que transparece ao nivel de sew vistvel ‘volunzarisma? = assim como da ilusio que tém desse mesmo voluntarismo, nao porque le soja irreal, mas porgue se circunscreve ao dmbito do politico ¢ estd fundado apenas na impunidade social que retiram de suas formas de dominagio. O segundo fendmeno € justamente o da falta de liberdade dessas mesmas classes dominantes no plano econémico, uma vez que as grandes opgves jd esto delimitadas pela propria situagito de dependéncia estrutural, que néo resulta de wma vontade politica externa, mas de wma configuragio historica precisa.” A explicagio para o comportamento aparentemente ilgico de Washington Luis é que, na verdade, cle agiu racionalmente, mas sob pressupostos errdneos. Ble, ao que tudo indica, nao avaliou bem a dimensao da retragao da demanda externa de café, assim Est, econ., So Paulo, 37(2): 435-455, abr. jun 2007 452 A Revolugao de 1930 como superestimou sua capacidade de obter apoio politico a seu candidato fazendo concessdes econémicas & oposigio. Ao nao socorrer a oligarquia paulista, a tinica coisa que de fato conseguiu foi perder o apoio politico ¢ militar que permitiria viabilizar a posse de tilio Prestes. A conclusdo é que, como percebido por Delfim Netto a partir de outra perspectiva, 0 programa de defesa permanente do café fracassou principal- mente porque nele, diferentemente dos anteriores que foram executados por agentes de mercado interessados em maximizar lucros, o problema econdmico esteve sujeito aos interesses politicos.” RESUMO E CONCLUSAO Mostror ¢ no texto que as operagdes valorizadoras podem ser consideradas como um bem piiblico, no sentido proposto pela moderna teoria das finangas priblicas, devido ao fato de estas apresentarem, ao menos parcialmente, as caracterfsticas requeridas de nao rivalidade e no exchudabilidade. Segundo a cléssica formulagio de Olson, os bens publicos podem estar sujeitos & provisio insuficiente em grupos grandes, visto que, sabendo que agentes que ndo podem ser excluidos de seu consumo terio incen- tivos para atuar como free-riders, seré uma estratégia racional do ponto de vista de cada individuo ndo contribuir para sua provisio. Posteriormente, Hardin demonstrou que esse problema pode estar presente, definindo o grupo como latente, mesmo em grupos pequenos, se ndo houver nesses grupos um subgrupo eficaz. Um subgrupo cficaz. ¢ aquele que tem incentivo para financiar o bem priblico, mesmo se os demais no contribuirem. A existéncia de mais de um subgrupo eficaz no mesmo grupo, en- tretanto, pode gerar problemas de provisio porque cada um desses grupos esperar que 0 outro assuma o financiamento do bem puiblico. Desde a implantagio do primeiro programa de valorizagao em 1906, ficou claro que © Estado de Sio Paulo era 0 subgrupo eficaz na coalizao que se formou entre os trés principais Estados produtores na cidade paulista de Taubaté, A ele coube o financia- mento da aquisigfo dos estoques, tendo Minas Gerais se concentrado a partir de entio em controlar © aparato do governo federal em alternancia com os politicos paulistas. Foi demonstrado ao longo do texto que as operages valorizadoras foram uma forma engenhosamente concebida ¢ implementada de reduzir os custos de transagio deriva- dos do elevado grau de especificidade de ativos que a especializago da economia na cafeicultura implicava. A opsao pela implementasio de programas de valorizagio pelo Brasil correspondeu, entdo, & decisio de verticalizasio de firmas sujeitas & especifici- dade de ativos, como proposto pela teoria de Williamson, 17 Citado por Bacha (1992, p. 49). Est eco., Sho Pal, 37(2): 435-455, abr jun 2007 Newton Paulo Bueno 453 Jé foi suficientemente enfatizado na literatura que as operagies de valorizagio seriam, insustentaveis no longo prazo porque impediam que os sinais de superprodusio fos- sem recebidos pelos produtores. Mas 0 fato é que nio parece razodvel que, embora importante, a causa determinante da queda da Reptiblica Velha tenha sido a incapa- cidade de continuar defendendo os pregos do café; como se evidenciou depois, havia ainda muito espago durante a era Vargas para politicas de sustentagio de prego do café, embora provavelmente isso no pudesse ser feito mais apenas em nivel estadual. Isto &, parecia haver, em principio, espago para o desenvolvimento de instituigdes que pudessem manter a situagio econdmica sob controle. Por que entio o regime caiu tio fragorosamente? Por que, em primeiro lugar, o presidente Washington Luis adotou politicas téo diver- sas das necessérias para evitar a ruina econdmica dos cafeicultores? A hipétese deste trabalho é que, sabendo que a burguesia do café era um grupo eficaz, 0 que era ver- dade, ¢ supondo que cla teria os recursos ¢ as condigées para sustentar os pregos do café sozinha, o que ndo era, abandonou 0 programa de valorizagio & sua prépria sorte. ‘Com base nessa suposigao errénea, tentou desvincular-se dos interesses dos cafeicul- tores, de modo a aplainar o caminho para seu candidato Jilio Prestes, outro paulista, rompendo 0 acordo nao escrito da assim chamada politica do “café com leite”. Para isso adotou politicas advogadas pela oposigio, como constava do prdprio programa da Alianga Liberal, ¢ contrérias aos interesses da oligarquia paulista. Assim, recusou-se a desvalorizar a moeda, deixou de prover auxilio financeiro para evitar a execugdo de hi- potecas sobre os fazendeiros de café ¢ ndo concedeu mais crédito ao Instituto do Cat do Estado de Sao Paulo. O resultado foi a queda dramética da receita de exportagdes em moeda estrangeira, nao compensada pelo aumento fisico de exportagdes. A natural indignagio dos cafeicultores com a politica econdmica foi provavelmente uma das razdes pelas quais, apesar de no apoiar explicitamente a revolugio, a oli- garquia paulista néo resistiu militarmente com sua forga armada estadual, embora estivesse claro que seria apeada do poder. A segunda razio é que, ao que tudo indica, antevia que seus interesses econdmicos nao poderiam mais ser preservados sem 0 auxilio do governo federal, auxilio este que Vargas sempre deixou claro que daria. Nos sete anos que se seguiram, mas principalmente depois de 1933, 0 governo federal comprou € queimou 70 milhdes de sacas de café, desvalorizou progressivamente 0 cimbio e socorreu os cafeicultores com empréstimos sempre que necessitio. A conclusio tentativa a que chegamos neste trabalho, evidentemente sujeita & refutagio por pesquisa de fontes primérias, é que a Revoluso de 1930 assemelhow-se ao arrom- bamento de uma porta aberta porque, com a excegio dbvia do grupo de Washington Luis, a ninguém interessava se opor a cla, Mesmo o presidente deposto parece ter agido de uma perspectiva racional embora mal informada sobre a situagio. Em varios Est, econ., So Paulo, 37(2): 435-455, abr. jun 2007 454 A Revolugao de 1930 outros momentos posteriores da vida politica nacional, a suposigio de que a politica ¢ a economia cram esferas independentes parece ter sido feita implicitamente pelos po- Iiticos, como, por exemplo, nos eventos draméticos de meados da década de 1950. BIBLIOGRAFIA ‘Aron, J. Growth and institutions: a review of the evidence, The World Bank Research Observer, v. 15, n. 1, February 2000. Bacha, B. Politica brasileira do café: uma avaliag3o centendria, In: Martins, Marcellino; Johnston, E., 150 anos de café. 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