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METODOLOGIA DA PESQUISA EXEGÉTICA

QUESTIONÁRIO

Nome: Flávio Cardoso de Pádua Data: 27/10/2022

1. Descreva os seguintes passos da metodologia exegética.


a) Delimitação do texto

“Outra das qualidades do texto é sua delimitação. Em linguagem mais coloquial,


dizemos que um texto precisa ter ‘começo, meio e fim’. A ciência bíblica utiliza um termo
técnico para designar uma unidade literária que preenche tais requisitos: perícope.
Várias perícopes formam um texto mais complexo, e assim por diante, até compor um
livro.
Nenhum texto é uma entidade isolada, mas se insere no amplo contexto do
processo da comunicação linguística. Um processo carregado de deturpações, a saber,
o autor percebe a realidade de modo parcial e, para traduzir e transmitir tal percepção
parcial da realidade, está condicionado à língua que fala, à cultura em que vive, aos
meios materiais (pinturas rupestres, escrita, rádio, jornal etc.) e simbólicos da
comunicação. Por fim, todo texto é construído sobre um sistema sígnico determinado.
Autor e leitor devem ter um sistema sígnico comum, para que o processo comunicativo
aconteça. No caso da Bíblia, é mister levar em consideração as distâncias entre autor e
leitor: tempo, espaço, cultura, língua etc.” (SILVA, 2000, p. 24).

b) Segmentação do texto
“Uma vez delimitada a perícope sobre a qual iremos trabalhar, precisamos
estudá-la sob o aspecto frasal, isto é, avaliar cada frase, oração e unidade expressiva
que compõem o texto e explicitar como estas mesmas frases, orações e unidades
expressivas estão articuladas entre si e dão ao texto fluência e significação — pois o
texto só significa alguma coisa a correlação destes seus elementos. Para tanto,
precisamos reescrever o texto e subdividi-lo em linhas, como se estivéssemos
escrevendo uma poesia. W. Stenger nos oferece uma boa explicação deste novo
procedimento:
‘Quando se faz isto (a segmentação do texto), dever-se-ia começar uma
nova linha não só depois de cada frase completa, mas também depois de cada
frase secundária. A regra aqui é que cada frase, principal ou secundária que
seja, tenha um só verbo. Também as unidades expressivas que desenvolvem
uma função em si completa, como os vocativos, os apostos e os elementos
individuais em elencos e enumerações — a menos que não sejam ligados com
outros para constituir um par, uma tríade etc. — devem ser escritos cada um em
uma linha. Ao contrário, não há necessidade de nova linha quando se trata de
construções subordinadas com o infinito, pois elas não constituem unidades
expressivas em si relativamente autônomas. Na prática, deve-se proceder de tal
modo que, conservando a numeração em versículos, estas frases principais,
estas frases secundárias e estas unidades expressivas sejam separadas entre
si e escritas uma depois da outra como as linhas de uma poesia; cada linha deve
ser indicada com a, b, c etc. até o final do versículo. Quando as frases se
entrelaçam uma na outra, isto é, quando uma frase ou uma unidade expressiva
é interrompida por outra para ser retomada de novo mais adiante, pode-se
indicar o fenômeno acrescentando pequenos números às letras (a1, a2, a3 etc.)’.

Cada linha resultante desse trabalho recebe o nome de ‘segmento’. Segmentar


o texto, portanto, significa reescrevê-lo da forma apenas exposta. Como podemos
facilmente deduzir, quanto maior for nosso domínio da gramática — da nossa própria
língua e, se for o caso, das línguas bíblicas —, tanto maior será nossa aptidão para
operar tal procedimento” (SILVA, 2000, p. 85).

c) Estruturação do texto
“A análise da estrutura literária busca uma estrutura fruto das relações existentes
entre palavras e entre frases. Em outras palavras, a análise da estrutura literária
preocupa-se com a organização e o sistema do texto ‘para encontrar seu conteúdo e
significado’.
Embora a análise da estrutura literária realmente comece com o que é manifesto
na superfície do texto, tende a buscar o conteúdo e a mensagem imanentes e profundos,
o que a leva a superar os limites impostos pelo aspecto formal com que o texto se
apresenta. Em outras palavras, a análise da estrutura literária não se limita ao aspecto
formal do texto, mas, partindo da unidade e do sistema de relações do conjunto total,
busca explicitar o conteúdo que o texto quer transmitir. Pois só podemos atingir o
conteúdo de um texto por meio do próprio texto, que nos oferece inúmeras
possibilidades de leitura em seus vocábulos, frases, repetições, figuras literárias,
palavras-gancho, inclusões, quiasmos etc.
É imprescindível estar atento ao fato de que cada texto possui seu próprio
sistema de relações, o que obriga o exegeta a respeitar o texto e deixar que este o
conduza. O número de estruturas, bem como os critérios que as definem, varia de texto
para texto, de acordo com o estilo e a competência do autor / redator. Não caiamos no
erro de transpor mecanicamente os resultados da análise de um texto para outro. Tal
expediente, em vez de abrir o texto, violenta-o, pois lhe impõe uma estrutura alheia”
(SILVA, 2000, p. 94-97).

2. Explique:
a) Gênero literário aplicado ao estudo da Bíblia
A Bíblia é um trabalho literário e necessita de uma abordagem literária quanto
sua interpretação. Essa abordagem traz a ideia de que a literatura expressa a verdade
de sua própria maneira. Segundo Ryken, textos literários são “escritas criativas”, e não
todo tipo de texto escrito.
A Bíblia é um livro de textos mistos: textos literários e não-literários (expositivos).
Algumas partes do texto sagrado são mais literários do que outros. A abordagem literária
é uma extensão lógica do método histórico-gramatical, pois ambos os métodos se
baseiam que o início do estudo bíblico se dá pelo sentido literal (de acordo com o
contexto histórico).
Se observarmos, o próprio Jesus muitas vezes contava histórias em vez de
descrever um fato com ideias abstratas. A literatura atrai a imaginação do leitor, pois
tem o objetivo de ilustrar as experiências humanas. Então, graças a essas experiências,
pode-se imaginar como se deu uma determinada cena. A parábola do bom samaritano,
por sua vez, é considerada uma narrativa (tríplice repartição, conflito, suspense,
comparações, etc.). E como toda narrativa bem elaborada, essa possui unidade,
coerência e ênfase. Porém, além da parábola ser considerada literária, o seu efeito
sobre o leitor também o é, pois, a história insere todo leitor dentro de sua trama. Por
isso, a literatura é afetiva e não distante.
Além da narrativa, outro gênero literário muito encontrado na Bíblia é a poesia.
Se nos atentarmos para o salmo 23, por exemplo, poderemos perceber que a unidade
desse texto está em seus versos, que seguem o mesmo estilo gramatical (frases que
se complementam). Esse estilo é conhecido como paralelismo. A unidade do texto é
anunciada pelo tema dominante: o relacionamento entre o Pastor e a ovelha. O salmista
detalha em metáforas como esse pastor cuida de seu rebanho. Por se tratar de
experiências, e não ideias abstratas, vemos como esse texto também é concreto.
Mesmo que a providência divina esteja em foco, seu termo não é mencionado uma única
vez.
A literatura sempre irá exigir interpretação por parte dos leitores. Em relação às
narrativas, Ryken afirma que quanto mais concreta e complexa for uma história, mais
aberta será sua interpretação. A poesia, por sua vez, também é de difícil compreensão,
em muitos casos, devido a suas metáforas e símiles. Além disso, tanto as narrativas,
quanto as poesias, nunca irão compartilhar de apenas uma resposta correta. Essa é
uma grande desvantagem quanto à abordagem literária, porém, sua vantagem está em
sua fácil recordação na mente do leitor, prendendo toda a sua atenção.
Nas palavras de Ryken, os elementos artísticos da literatura são: padrão, tema,
unidade, coerência, equilíbrio, contraste, simetria, repetição, variação e progressão
unificada. Em narrativas as formas serão de uma maneira, nos poemas, de outra. A
forma artística tem o objetivo de intensificar o impacto daquilo que foi dito. Para o autor,
a abordagem literária é sensível à beleza da Bíblia, que é indiscutivelmente um talento
artístico. Por isso, o leitor precisa estar preparado para reconhecer e desfrutar dessa
arte.
Os gêneros, de acordo com o autor, são: literário (história, poesia e drama) e
expositivo (crônicas históricas, tratados teológicos e genealogias). As cartas, sermões
e discursos variam de gênero individualmente. Como cada gênero carrega seus traços
característicos, o leitor precisa compreendê-lo para não cair em interpretações
errôneas. Na Bíblia encontramos os gêneros literários, expositivos e mistos. Porém, em
todos os livros serão encontrados traços literários (narrativa, poesia, provérbios, sátiras,
escrita visionária, etc.). Até mesmo nas partes mais teológicas, nas cartas, os autores
bíblicos lançaram mão de linguagem poética. (RYKEN, 2017, p. 9-30).

b) A diferença entre contexto histórico e contexto vivencial


“Por Sitz im Leben, portanto, não se entende o ambiente histórico, político, social
ou econômico no qual o texto foi composto, e sim uma situação padrão ou regular que
motiva o surgimento dos Gêneros Literários. Não se trata de um evento histórico isolado,
e sim de uma atividade generalizada e exercida em circunstâncias típicas, uma
experiência partilhada e, a princípio, repetível. Por exemplo, as festas litúrgicas, a
pregação missionária, o restabelecimento da saúde, a derrota em uma guerra. Por isso,
a datação, os eventos históricos e os personagens reais a que se refere o texto têm
importância secundária.
Uma boa explicação sobre a diferença entre acontecimento histórico e Sitz im
Leben é apresentada por D. Arenhoevel39, a partir do seguinte exemplo: um acidente
entre dois motociclistas oferece material para três tipos diferentes de discurso: a
descrição acalorada feita por um transeunte a seus amigos, o boletim de ocorrência
escrito por um policial e o sermão de um padre sobre a fugacidade da vida humana. O
Sitz im Leben não é o acidente, mas a situação na qual se fará uma descrição do
acidente. A conversa entre amigos apresentará detalhes e expressões totalmente
diferentes dos detalhes e das expressões presentes no boletim policial e no sermão.
Mesmo desconhecendo o fato e a identidade dos que o descrevem, apenas analisando
as três versões, somos capazes de reconstruir o contexto em que cada uma delas foi
utilizada, bem como as prováveis intenções de seus autores.
Com os textos bíblicos acontece o mesmo. Independente das circunstâncias
históricas em que algo acontece, cada um dos momentos da vida da comunidade ou de
seus membros gera formas de articular e de exprimir os sentimentos, ou maneiras de
sintetizar e de divulgar propostas para a superação de crises e dificuldades. Isso
acontece porque os Gêneros Literários têm a finalidade de cumprir uma função na vida
da comunidade da qual brotam, de conduzir a comunidade e os seus membros a uma
tomada de consciência ou a uma opção, de produzir um efeito” (SILVA, 2000, p. 230-
231).

3. Crítica textual
a) Explique sobre qual é a principal distinção que observamos entre o aparato
crítico do AT (BHS) e do NT (NA/UBS) na apresentação das leituras variantes.
“Comparadas à Bíblia Hebraica Stuttgartensia, as edições críticas do Novo
Testamento revelam-se mais simples. Não há, por exemplo, as messarot (plural de
massorah), e nem um sistema tão complexo de acentos e pausas. Além disso, é grande
o número de manuscritos (códices e fragmentos), todos indicados por uma letra, um
número ou uma abreviação, simbologia essa que vem decodificada em tabelas que
arrolam todo este material e informam-nos acerca do número, do tipo (papiro, códice,
fragmento; uncial [maiúsculo] ou minúsculo), da data e do conteúdo de cada manuscrito.
Consultando as tabelas e os apêndices, pode- se decifrar os símbolos e as abreviaturas
usadas e, assim, avaliar em quais manuscritos se encontram as diferentes lições.
Cada livro desses é uma verdadeira enciclopédia sobre o texto bíblico. A fíihlia
Hebraica Stuttgartensia (BHS) possui “prolegomena” em alemão, inglês, francês,
espanhol e latim, mas a lista completa dos sinais e dos manuscritos utilizados possui
sua explicação somente em latim! Quanto ao Novo Testamento, a 4a edição do VBS
Greek New Testament possui introdução apenas em inglês, enquanto a 27a edição do
Novum Testamentum Graece, em inglês e alemão” (SILVA, 2000, p.43-44).

4. No texto de Gênesis 4.1, há uma anotação textual na expressão a ‫ָה‬


ָָֽ ‫ אֶ ת־יהְ ו‬a. A
nota diz Cp 4, 1 a–a 𝔊 διὰ τοῦ θεοῦ. Seguindo os passos da análise textual,
responda:
a) Traduza a expressão do texto (hebraico) e o da nota (grego)
‫ָה‬
ָָֽ ‫ת־יהו‬
ְ ֶ‫א‬: et-adonai (Yaweh) – com o Senhor (com Jeová);
διὰ τοῦ θεοῦ: por intermédio de Deus

b) Explique a leitura da nota.


A nota a-a, que está no rodapé da BHS, indica uma leitura variante que está
contida na Septuaginta (tradução do Antigo Testamento do hebraico para o grego
koiné).

c) Quais critérios internos e externos podem ser aplicados para avaliar a melhor
leitura?
Seguindo o critério externo, podemos aplicar a regra de seguir o manuscrito mais
antigo (mais confiável), visto que a Septuaginta é uma tradução posterior aos escritos
hebraicos.
Seguindo o critério interno, podemos aplicar a regra da lição mais difícil, que no
caso é preferível à mais fácil (lectio difficilior). Como no hebraico a leitura é mais
complexa, deve ser a escolha preferível.

d) Qual a diferença que isso faz no entendimento do texto?


A maior diferença é que o texto da LXX fecha a interpretação quando dá a sua
própria interpretação ao texto hebraico (por intermédio de Deus).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
RYKEN, Leland. Para ler a Bíblia como literatura. São Paulo: Cultura Cristã, 2017, p.
9-30.

SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas,
2000.

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