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SEMINÁRIO PRESBITERIANO DO SUL

FLÁVIO CARDOSO DE PÁDUA

SERMÃO: A GRAÇA POR TRÁS DA DESGRAÇA


LUCAS 7:36-50

Campinas
2022
Uma certa dúvida me veio à mente enquanto eu meditava sobre alguns

versículos: existe alguma diferença entre ser e compreender quem sou? É possível

eu ser alguém e, ao mesmo tempo, não compreender que tipo de pessoa eu possa

ser?

Por meio de exemplos práticos, eu poderia afirmar que sim, pois várias vezes

me vi caindo em algum tipo de hipocrisia, sendo um tipo de pessoa que eu julgava

não ser de forma alguma. Mas desviando-me de exemplos práticos de um pecador

comum, olhando para a parábola do filho pródigo (parábola que não será estudada

nesta ocasião), podemos notar que essa distinção existe realmente. Se observarmos

bem, o filho mais velho era muito rico, graças ao seu pai, porém, ainda assim, não

compreendia a riqueza que possuía. Por isso, segue-se como está escrito: “25 Ora, o

filho mais velho estivera no campo; e, quando voltava, ao aproximar-se da casa, ouviu

a música e as danças. 26 Chamou um dos criados e perguntou-lhe que era aquilo. 27

E ele informou: Veio teu irmão, e teu pai mandou matar o novilho cevado, porque o

recuperou com saúde. 28 Ele se indignou e não queria entrar; saindo, porém, o pai,

procurava conciliá-lo. 29 Mas ele respondeu a seu pai: Há tantos anos que te sirvo

sem jamais transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito sequer para

alegrar-me com os meus amigos; 30 vindo, porém, esse teu filho, que desperdiçou os

teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado. 31 Então,

lhe respondeu o pai: Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o que é meu é teu.

(Lucas 15:25-31). Com essa passagem, fica bem claro que é possível uma pessoa

desconhecer quem ela é, verdadeiramente. Sendo assim, até que ponto isso pode ser

prejudicial em nossa vida? Vamos abrir a palavra de Deus em Lucas 7:36-50, e ver o

que ela tem a nos dizer sobre tudo isso.


Assim está escrito: “36 Convidou-o um dos fariseus para que fosse jantar

com ele. Jesus, entrando na casa do fariseu, tomou lugar à mesa. 37 E eis que uma

mulher da cidade, pecadora, sabendo que ele estava à mesa na casa do fariseu, levou

um vaso de alabastro com unguento; 38 e, estando por detrás, aos seus pés,

chorando, regava-os com suas lágrimas e os enxugava com os próprios cabelos; e

beijava-lhe os pés e os ungia com o unguento. 39 Ao ver isto, o fariseu que o convidara

disse consigo mesmo: Se este fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que

lhe tocou, porque é pecadora. 40 Dirigiu-se Jesus ao fariseu e lhe disse: Simão, uma

coisa tenho a dizer-te. Ele respondeu: Dize-a, Mestre. 41 Certo credor tinha dois

devedores: um lhe devia quinhentos denários, e o outro, cinquenta. 42 Não tendo

nenhum dos dois com que pagar, perdoou-lhes a ambos. Qual deles, portanto, o

amará mais? 43 Respondeu-lhe Simão: Suponho que aquele a quem mais perdoou.

Replicou-lhe: Julgaste bem. 44 E, voltando-se para a mulher, disse a Simão: Vês esta

mulher? Entrei em tua casa, e não me deste água para os pés; esta, porém, regou os

meus pés com lágrimas e os enxugou com os seus cabelos. 45 Não me deste ósculo;

ela, entretanto, desde que entrei não cessa de me beijar os pés. 46 Não me ungiste a

cabeça com óleo, mas esta, com bálsamo, ungiu os meus pés. 47 Por isso, te digo:

perdoados lhe são os seus muitos pecados, porque ela muito amou; mas aquele a

quem pouco se perdoa, pouco ama. 48 Então, disse à mulher: Perdoados são os teus

pecados. 49 Os que estavam com ele à mesa começaram a dizer entre si: Quem é

este que até perdoa pecados? 50 Mas Jesus disse à mulher: A tua fé te salvou; vai-te

em paz.” (Lucas 7:36-50).

Após a queda da humanidade, o homem, por si só, fica impossibilitado de

reconhecer e compreender toda a sua natureza pecaminosa, como fica explícito no

episódio de Abel e Caim. Caim, mesmo após o assassinato de seu irmão, conversa
com Deus como se ele não fosse um assassino, mas sim, um homem inocente: “Disse

o Senhor a Caim: Onde está Abel, teu irmão? Ele respondeu: Não sei; acaso, sou eu

tutor de meu irmão?” (Gênesis 4:9). Não é certo afirmarmos que Caim havia se

esquecido de seu ato, mas podemos compreender que ele seguiu sua vida como se

aquele episódio nunca tivesse ocorrido. Mas por qual motivo? Porque toda a

humanidade, e não somente Caim, está morta espiritualmente (Efésios 2:1), e mesmo

sendo pecadores miseráveis, não conseguimos compreender esse fato. Assim sendo,

uma pessoa nunca poderá se converter por si mesmo, pois o caminho que ela segue,

rumo ao inferno, parece-lhe bom aos seus olhos, então não pode ver a real

necessidade da conversão de seu caminho.

Na passagem de Lucas, podemos notar quatro personagens: Jesus; Simão,

o fariseu; a mulher, tida por pecadora e os que estavam à mesa de Simão. Simão, o

fariseu, anfitrião do banquete, se sentia superior em relação a algumas pessoas,

porque não conseguia reconhecer quem ele próprio era de verdade. Até aqui tudo

acontece de forma normal (normal em relação a esse mundo pecaminoso), pois vimos

que o homem não consegue reconhecer aquilo que ele é de verdade. Mas olhando

para a mulher, vemos algo diferente. E o quê é? O fato de que ela reconhecia quem

ela era realmente. Mas como ela conseguiu reconhecer aquilo que é impossível aos

homens? Devido à graça de Deus, que permite a dissipação da cegueira sobre si

mesmo. Portanto, hoje, gostaria de propor um tema: A graça por trás da desgraça.

É olhando para a desgraça com atenção, e entendendo os malefícios que

ela carrega, que tomamos uma postura diferente, semelhantes à postura da mulher

desse texto. Por isso, gostaria de destacar alguns pontos sobre a graça que

recebemos após uma auto-análise de nosso estado.


Em primeiro lugar, a graça de Deus, que em muito supera a nossa desgraça,

faz com que o nosso coração seja plenamente atraído por Jesus. Nos versículos 36-

37, podemos observar que Jesus não recusa o convite de jantar na casa desse fariseu.

Jesus tinha um propósito com tudo isso: converter corações para a honra e glória de

Deus. Chegando até a casa de Simão, Jesus se senta à mesa, porém, muito provável

que tenha sido da maneira oriental (sentados sobre as panturrilhas, e não da maneira

ocidental (sentado sobre o quadril). Nisso, Lucas relata que certa mulher, pecadora

(poderia ter cometido algo que a estigmatizou), chega até onde Jesus estava. Não era

incomum pessoas entrarem sem serem convidadas nas casas onde ocorriam as

ceias. Essa gente se sentava no chão, encostada na parede, e até mesmo conversava

com alguns dos convidados que estavam à mesa. E o motivo dessa mulher entrar

nessa casa é o fato de que ela estava totalmente atraída por Jesus. Provavelmente

pelo fato de ela ter sido tocada por alguma mensagem de Cristo, outrora, ou por algum

feito ou mensagem contadas por terceiros que tomaram conta de seu coração.

Reparem que a mulher, com fama de pecadora, não querendo se justificar, mas

aceitando essa fama, corre para Cristo, porque um pecador que reconhece seu

pecado, é totalmente atraído por aquele que tem o poder para curá-lo.

Em segundo lugar, a graça de Deus, que em muito transcende a nossa

condição, faz com que o nosso coração seja completamente apaixonado por Jesus

(versículos 37-46). Graças a maneira como Jesus se sentava, a mulher teve fácil

acesso aos seus pés. Estar aos pés de alguém demonstra respeito, reverência e

humilhação. Seu choro, águas do coração, como dizia Lutero, era tamanho que foi

capaz de lavar os pés do Mestre. Ela se humilha ainda mais, quando usa o seus

cabelos, a coroa de qualquer mulher, como um pano para limpar as lágrimas e a

sujeira que estavam presentes nos pés de Jesus. Não satisfeita, ela utiliza o seu
perfume (o melhor, provavelmente) para ungir os pés do Senhor! Mas Simão, vendo

essa cena maravilhosa, em vez de se envergonhar por não ter feito o mínimo por

Cristo, dúvida que Jesus seja de fato um profeta, afinal, uma pecadora estava o

tocando! Jesus, sabendo o que se passava no pensamento de cada um, em especial

no de Simão, propõe-lhe uma parábola. Um homem perdoa uma dívida alta e uma

baixa, de ambos devedores que não tinham com que o pagar. E lança uma pergunta

para Simão: qual desses dois devedores amará mais o perdoador da dívida? Simão,

sem pensar muito, descobre que é aquele a quem muito foi perdoado, e Jesus

confirma. Essa mulher, havia derramado o seu melhor para Cristo, pois reconheceu o

tamanho de sua dívida, reconhecia quem ela era. Simão não! Por isso, ele oferece o

básico a Cristo, para não dizer que não ofereceu nada. Portanto, um pecador que

reconhece seu pecado, é totalmente apaixonado e devoto por aquele que o amou

ainda mais.

E em terceiro e último lugar, a graça de Deus, que em muito ultrapassa a

nossa impureza, faz com que o nosso coração seja completamente acalmado por

Jesus (versículos 47-50). Agora, a mulher que era ignorada pela grande maioria,

recebe a atenção do Senhor Jesus Cristo. Ela havia reconhecido seus muitos pecados

e sua grande imundícia, mas Jesus reconhece o seu quebrantamento e lhe dirige

palavras de alívio: perdoados são os seus muitos pecados! Enquanto ela recebe alívio

da parte do Mestre, os convidados começam a questionar a autoridade de Cristo.

Quem perdoa pecados é Deus (ou seja, Cristo é Deus)! Quão dura e impossível de

digerir é essa verdade! Essa verdade só é aceita se o Pai, por meio do Filho e do

Espírito, se revelar ao coração do pecador. E essa mulher recebeu dessa revelação.

Então, Jesus sem se desviar dessa mulher, derrama sua última fala ao coração dela:

a tua fé te salvou, vai-te em paz. Essa mulher já havia se quebrantado outrora, como
já vimos acima, mas agora é a primeira vez, em que a Palavra nos mostra, que ela

recebe essa afirmação diretamente de Cristo. Ela agora poderia descansar

plenamente nessa afirmação (vai-te em paz), pois essa paz não é uma paz qualquer,

é a paz que excede todo entendimento (Filipenses 4:7), pois um pecador que

reconhece seu pecado, recebe a perdão e a paz de ninguém menos do que o Príncipe

da paz!

A graça de Deus, que atravessa a barreira de nossa desgraça, traz ao

coração do homem, ferramentas para servir a Deus de maneira genuína e eficaz, e

essas ferramentas são: atração, amor e devoção e calmaria.

Nós estudamos a Palavra de Deus e reconhecemos que o homem é pecador

e miserável, e que não pode reconhecer isso por si mesmo. Mas olhando para a nossa

vida, será que temos reconhecido quem nós somos? Muitas vezes somos capazes de

nos humilhar na presença de Deus, mas basta alguém nos apontar o dedo para a

correção que nós nos tornamos o segundo Jesus, totalmente sem pecado. Se nós

aceitamos quem somos, sabemos que não merecemos nada mais do que o inferno, e

tudo o que vier para nós, que não seja isso, é lucro! Mas como saber se reconheço

verdadeiramente quem sou?

Em primeiro lugar, questione o seu coração se você tem sido atraído por

Jesus. Muitos de nós vamos a igreja, frequentamos escolas dominicais, e muitas

outras atividades da igreja. Mas pode ser que nenhuma dessas atividades seja por

que somos atraídos por Cristo, mas sim, pelo dinheiro, status, amizades, etc. Somente

um coração sincero sobre sua condição vai mostrar a sua real intenção. A mulher do

texto foi capaz de entrar numa casa cheia de pessoas que a condenavam como

pecadora para encontrar a Cristo, pois ela reconheceu quem era e precisava de ajuda,

e nós, tendo o conforto de nosso quarto, deixamos de buscá-lo com o mesmo fervor
dessa mulher. Essa falta de atração, indica que não necessitamos de perdão e

relacionamento com Cristo, e isso é um erro que nenhum ser humano deveria

cometer.

Em segundo lugar, questione o seu coração se você tem sido

verdadeiramente apaixonado por Jesus. Aquela mulher deu a Cristo tudo o que ela

tinha de melhor, sua reputação, seu dinheiro e seu coração. Nós temos amado a Cristo

dessa maneira? O que nós temos de melhor, temos oferecido a Cristo, ou temos

oferecido a nós mesmos? O nosso tempo, dinheiro, reputação, têm servido para os

nossos propósitos egoístas, ou tem servido para demonstrar o nosso amor ao próprio

Senhor Jesus Cristo? Quantas vezes nós temos feito de tudo para nós e nada para

Deus. Se temos ainda servido a nós mesmos com mais amor e devoção do que a

Deus, é provável que não reconhecemos o nosso pecado, pois, caso contrário,

estaríamos repudiando quem somos e glorificando quem Ele é.

Em terceiro e último lugar, questione o seu coração se você realmente tem

repousado sobre a paz de Jesus Cristo. Quando nós não reconhecemos a graça de

Cristo, nós podemos fazer de tudo pela igreja, e até mesmo aparentarmos sermos

verdadeiros filhos de Deus, mas isso tudo será como peça de troca com Deus. Se

você e eu temos tido medo de nos perder, após cometermos algum deslize, é porque

ainda temos a ideia errada de quem somos e as nossas obras não serão para a

glorificação de Deus, mas sim como se elas mesmas pudessem nos salvar. Se o

nosso coração não descansa na salvação dada por Cristo, ainda não fomos

aperfeiçoados no amor de Deus (1 João 4:18).

Portanto, se você e eu, nessa manhã, nos vemos distantes de Cristo, sem

verdadeiro amor e devoção para com Ele e ainda tememos por nossa condição eterna,

clame a Ele e obedeça o que que disse o profeta Isaías: “Buscai o Senhor enquanto
se pode achar, invocai-o enquanto está perto.” (Isaías 55:6). Essa mulher não agiu

daquela maneira, como vemos no texto, por maneira própria, ela agiu assim porque

foi alcançada pela misericórdia do Senhor. E nessa manhã, a misericórdia do Senhor

tem se renovado sobre todos nós, pois estamos vivos, ouvindo a Palavra de Deus e

podemos clamar a Ele por socorro. Por isso, aquele que ainda não reconhece

verdadeiramente a desgraça de seu pecado, clame a Cristo para que isso lhe seja

revelado, e a graça de Deus percorrerá sobre sua vida! E aqueles que se sentem no

estado em que a mulher se encontrava, clame a Deus, para que Ele os mantenha

firmes, para que os vossos pés vacilantes não venham lhes derrubar. Que Deus

tenha misericórdia de todos nós.

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