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Os Desafios Teológicos Atuais

IV Congresso Brasileiro de Reflexão Teológica: ABIBET


“Os Batistas, seus 400 anos e sua contribuição teológica para o mundo”
Dr. D. B. Riker, Ph.D.
Reitor e Professor de Teologia Sistemática no S. T. B. Equatorial

INTRODUÇÃO

Infeliz e des-graçadamente, os seguidores de Cristo passaram de perseguidos a


perseguidores. Com a proclamação do Édito de Milão, também conhecido como Édito
da Tolerância (13 de Junho de 313 A.D.)1, a liberdade alcançada foi utilizada para
acusações mútuas de heresias por parte das diversas facções cristãs. O reavivamento
pagão de Flavius Julianus, o “Apóstata” (331-363 A.D.), interrompeu o avanço do
Cristianismo apenas mitigadamente. Com Flavius Theodosius I (347-395 A.D.), os mais
diversos tipos de bruxarias, encantamentos, práticas divinatórias e paganismo, de forma
geral, foram proibidos. Assim, a fé Cristã se estabelece de fato e de direito2. Daí em
diante, igreja e Estado associam-se de diversas maneiras, com aquela chegando ao ponto
de “dominar” o próprio Estado sob a égide de Bonifácio VIII3.
No mundo medievo (c. 500-1500), o pluralismo religioso era desconhecido. A
igreja Católica Apostólica Romana reinava monoliticamente sobre o Ocidente. O
pedobatismo era a “certidão de nascimento” de todos os Europeus. Com a Reforma
Protestante no século XVI, esta hegemonia foi quebrada. Todavia, a estreita ligação
entre estado e religião permaneceu. Assim, os estados eram Católicos, Luteranos ou
Reformados (Calvinistas). Esta foi a conseqüência direta do princípio “cuius regio, eius
religio”4. A liberdade religiosa era algo impensável, pois a união igreja e Estado é

1 "Nós, Constantino [272-337 A.D] e Licínio [250-325 A.D], Imperadores, encontrando-nos em Milão
para conferenciar a respeito do bem e da segurança do império, decidimos que, entre tantas coisas
benéficas à comunidade, o culto divino deve ser a nossa primeira e principal preocupação. Pareceu-nos
justo que todos, os cristãos inclusive, gozem da liberdade de seguir o culto e a religião de sua preferência.
Assim Deus que mora no céu ser-nos-á propício a nós e a todos nossos súditos. Decretamos, portanto, que
não obstante a existência de anteriores instruções relativas aos cristãos, os que optarem pela religião de
Cristo sejam autorizados a abraçá-la sem estorvo ou empecilho, e que ninguém absolutamente os impeça
ou moleste...” Vide, http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%89dito_de_Mil%C3%A3o; acessado em
01/10/2009.
2 Vide, DI BERNADINO, Angelo, Ed. Dicionário Patrístico e de Antigüidades Cristãs. Petrópolis:
Editora Vozes, s.v. “Teodósio I”.
3 O Papa Bonifácio VIII, através da Bulla Unam Sanctam (1302 A.D.), asseverou que “ambas as espadas
estão debaixo do poder da igreja, a espiritual e a temporal; a espiritual é empunhada pela igreja através da
mão do clero; a secular é exercida pela igreja através da mão de sua milícia... e o poder espiritual tem o
direito de estabelecer e guiar o poder secular, e também de julgá-lo quando ele não agir de forma
correta... Conseqüentemente, qualquer que se opuser as duas espadas da igreja se opõe a lei de Deus”.
http://one-evil.org/people/people_13c_Boniface_VIII.htm; acessado em 02/10/2009.
4 “De quem a região, dele a religião”: princípio estabelecido no Tratado de Paz de Augsburgo (1555).
Através deste Tratado, os príncipes dos estados teriam a liberdade para impor suas convicções Católicas
ou Luteranas sobre seus súditos. Isto se deu como resultado da paz entre as forças Católicas de Carlos V e
a Liga Protestante Esmalcalda. Os Estados/Cidades Reformadas naturalmente acompanharam os mesmos
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naturalmente hostil a este tipo de liberdade5. Depois da Reforma, o pedobatismo
continuou a representar o vínculo entre o Estado e a religião, com cada um deles
retratando respectivamente a cidadania e a salvação.
De forma geral, na Europa do início do século XVII, todos os cidadãos tinham
que aderir aos ensinos da igreja oficial no respectivo estado que pertenciam. Na
Inglaterra não era diferente: por lei, a igreja Anglicana exigia que os membros
participassem nos cultos e seguissem as doutrinas elencadas nos 39 Artigos (The XXXIX
Articles, 1563). Aqueles que discordassem incorreriam em multas, açoites, prisões e, até
mesmo, morte. Um número cada vez maior de pessoas começou a achar que questões de
fé não eram da ingerência do Estado, e sim da competência pessoal do individuo.
Noutras palavras, gradativamente, começou-se a pensar que a igreja deveria ser uma
sociedade voluntária, sem os vínculos restritivos e coercivos do Estado. Destarte, alguns
ingleses resolveram partir para Amsterdam em 1607, na época uma cidade que permitia
um determinado grau de imunidade para questões de fé. O maior desejo destes
imigrantes era a liberdade religiosa e a prática do Cristianismo, de acordo com o que
eles entendiam ser princípios bíblicos. Sob a liderança de John Smyth (1554-1612)6 e
Thomas Helwys (1550-1616)7 este grupo de foragidos debatiam com Menonitas e entre
si, e dentro de dois anos acabaram por fundar uma nova igreja, através da negação da
validade do pedobatismo. Esta congregação foi formada pelo auto batismo de John
Smyth, seguido pelo batismo dos demais congregantes. Nascia, destarte, a primeira
igreja batista do mundo8; igreja esta formada segundo os seguintes princípios:
membresia voluntária baseada em profissão de fé em Cristo e no batismo de pessoas
regeneradas. Dois anos depois, Helwys retorna a Inglaterra, funda a primeira igreja
Batista em solo Inglês, e publica seu famoso tratado, Mystery of Iniquity. De forma
brevíssima, temos nestes três parágrafos o contexto geral de contraponto ao nascimento
do movimento Batista no mundo9.

pressupostos: o Concílio ou Governo das cidades impunham a religião sobre a população. Vide, HEAL,
Felicity. „Cuius Regio, Eius Religio? The Churches, Politics, and Religious Indentity, 1558-1600‟, em
Reformation in Britain and Ireland. Oxford: Oxford University Press, 2003, pp. 353-425.
5 Vide, BRETONES, Lauro. Roteiro dos Batistas. S. n.: Rio de Janeiro, 1948, p. 51.

6 Educado na Universidade de Cambridge, Bacharel e Mestre, ordenado na igreja Anglicana em 1594.


Inconformado com o que ele achava ser uma Reforma mirrada, Smyth deixa o Anglicanismo e se torna
“separatista” em 1606.
7 Estudou Direito em Gray‟s Inn, Londres, formando-se em advogado 1593. Enquanto que John Smyth
paulatinamente passa a simpatizar com princípios Menonitas (e.g., docetismo e sucessionismo); Helwys,
por outro lado, compõe em 1611 a primeira Confissão de Fé Batista da história: A Declaration of Faith of
English People Remaining in Amsterdam. Eventualmente, Smyth solicita membresia aos Menonitas,
enquanto que Helwys permanece Batista.
8 Curiosamente, nós, a princípio, não nos denominávamos “Batistas”, mas sim “irmãos”, “igrejas
batizadas”, ou, as vezes, “igrejas dos batizados”. Foi somente em meados dos anos 1650 que começamos
a nos autodenominar “Batistas”. HOWSON, Barry H. Erroneous and Schismatical Opinions: The
Question of Orthodoxy Regarding the Theology of Hanserd Knollys (c.1599-1691). Leiden: Brill, 2001, p.
36.
9 Embora os Batistas Reformados (ou Particulares ou Calvinistas) tenham se originado mais de duas
décadas após os Gerais (ou Arminianos), aqueles rapidamente ultrapassaram estes. Por volta de 1660,
havia cerca de 130 igrejas Baptistas Reformadas, e 110 Batistas Gerais. Meio século depois, os Batistas
Reformados eram mais que o dobro dos Batistas Arminianos. O censo de 1715 registrou 122
congregações com 18.800 Batistas Gerais, e 220 congregações com 40.520 Batistas Particulares. Os
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A contribuição mais importante que nós Batistas fizemos ao desenvolvimento da
teologia cristã foi eclesiológica: nossos pais advogaram uma nova concepção à igreja
visível. Através da leitura do Novo Testamento, os fundadores do movimento Batista
passaram a entender que membresia em congregações cristãs deveriam ocorrer sem
nenhum tipo de coerção por parte da autoridade civil, mas sim voluntariamente por
parte de pessoas regeneradas e capazes de articular tal regeneração através do batismo10.
É mister que se diga que nossos antepassados se viam no papel de continuadores
da Reforma, e não como criadores de uma nova igreja ex-nihilo. O Landmakismo, como
sua teoria sucessionista, foi influente no meio Batista de meados do século XIX em
diante, mas deve ser considerado uma anomalia recente, se levarmos em conta nossos
400 anos de história11. Como continuadores do processo de Reforma, os Batistas se
voltaram para o exame acurado do Novo Testamento, não encontrando nele apoio a
membresia não regenerada e corolário pedobatismo12.
Neste breve ensaio, eu gostaria de apresentar algumas contribuições e
características Batistas, sem, todavia, pretender ser exaustivo. De forma sucinta,
considerarei, nesta ordem, os seguintes pontos: (1) o relacionamento dos Batistas com o
Canon; (2) a questão da „liberdade religiosa‟; (3) o distintivo „competência da alma‟; (4)
a questão batismal; (5) nossa ênfase missionária; (6) o „evangelho social‟; e (7) nosso
modelo de „independência e cooperação‟.

1 – OS BATISTAS E O CÂNON

Os Batistas compartilham o axiomático Sola Scriptura com os demais irmãos


Protestantes. Este princípio distingue-se por afirmar que o Canon bíblico é a maior e
única autoridade final para questões religiosas. O historiador americano Thomas
Treadwell Eaton (1845-1907)13 afirma que “o princípio fundamental dos Batistas é sua

Batistas Sabatários representaram sempre um grupo inexpressivo em termos de números. Havia apenas 5
congregações na Inglaterra e nenhuma no País de Gales no supra citado censo. WATTS, Michael. The
Dissenters: From the Reformation to the French Revolution. Oxford: Oxford University Press, 1978, pp.
160, 269-270. Os Batistas Arminianos e os Reformados tiveram vidas completamente separadas desde
suas origens, 1609 e c. 1633 respectivamente, até a formação da União Batista da Grã-Bretanha e Irlanda,
em 1891. PEREIRA, J. Reis. Breve História dos Batistas. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1972,
p. 80-81.
10 Cf. BRACKNEY, William H. Baptists in North America: an historical perpective. Baylor University,
Texas: Blackwell, 2006, p. 37.
11 De forma geral, os Batistas consideravam que as igrejas Congregacionais, Presbiterianas, e, até mesmo
a Anglicana, eram igrejas de Cristo, embora defectivas quanto a constituição de membresia. Por outro
lado, os Batistas Landmarkistas criam que a única igreja verdadeira era a Batista. NORMAN, R. Stanton.
More than Just a name: preserving our Baptist identity. Nashville: Broadman & Holman, 2001, p. 34.
12 A diferença fundamental entre os Reformadores do século 16 e os Batistas do século seguinte é que
aqueles mantiveram as igrejas-estado, com todos os cidadãos e suas famílias como membros; enquanto
que os Batistas fundaram congregações voluntárias, com membros regenerados devidamente batizados, e
organizados de forma desvinculada do Estado. O discurso Batista envolvia arrependimento e fé em
Cristo, seguidos pelo batismo e membresia, com rigorosa disciplina de seus membros. CHRISTIAN,
John. A History of the Baptists: Together with some account of their principles and practices. Nashville:
Sunday School Board, 1922, p. 103.
13 Eaton, Batista Reformado, estudou na Universidade de Union, Universidade de Madson, e
Universidade Lee and Washington. Posteriormente, trabalhou como pastor de diversas igrejas no Sul dos
EUA, foi professor na Universidade Union, editor de jornais, e escritor de diversos livros. Famoso leitor
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crença na suprema autoridade e absoluta suficiência das Sagradas Escrituras; e a
existência dos Batistas é o resultado lógico e prático da tentativa deles de aplicar este
princípio a todas as questões de fé e prática”14. Embora o Canon como um todo seja
nossa fonte de fé e prática, o Novo Testamento tem sido o canal pelo qual o Velho deve
ser interpretado, com este estritamente submetido aquele15. Concernente a este princípio
neo-testamentário, James Madison Pendleton (1811-1891)16 afirma que no momento em
que “os Batistas dizem que o Novo Testamento é a única lei para as instituições cristãs
eles se diferenciam—senão em teoria pelo menos em prática—da maioria dos
Protestantes, assim como dos Gregos Ortodoxos e Católicos Romanos”17. Ainda o
mesmo autor mantém que qualquer doutrina que não for encontrada ou sustentada pelo
Novo Testamento não pode ser considerada “Batista”18. Durante os acrimoniosos
debates entre os Batistas e seus opositores, uma questão pivotal foi justamente o uso do
Velho Testamento para justificar práticas como a utilização de óleo no batismo,
sacerdócio clerical, circuncisão como fundamento para pedobatismo, etc. O contra-
argumento Batista deu-se através da suposição de que a igreja Judaica (estatal) era
constituída de forma diferente da igreja neo-testamentária: enquanto que no Velho
Testamento todos os Judeus eram membros da igreja-Estado meramente por terem
nascidos Judeus, na Nova Aliança a constituição de membresia é voluntária e
consciente. Noutras palavras, enquanto que na igreja/Nação Israel, membresia era
determinada por privilégio étnico e por certos ritos, como circuncisão ao oitavo dia, leis
dietéticas, regras ceremoniais, etc; já no Israel de Cristo, a membresia é circunscrita
aqueles que têm fé no Messias, e se dispõem ao batismo como sinal de submissão ao
Senhor da igreja. Obviamente, este argumento não detrata de modo geral o uso do
Velho Testamento. O venerável Benjamin Keach (1640-1704)19 afirma que o Canon

voraz, Eaton foi incansável apologista da denominação Batista. Vide, http://www.geocities.com/


baptist_documents/eaton.t.t.baptist.leader.html; acessado em 17/09/2009.
14 EATON, T. T. Baptist Why and Why Not. Nashville: SEB, 1900, p. 45.

15 NORMAN, More than Just a name, pp. 164-165.

16 Ordenado pastor em 1833, esteve a frente da Igreja Batista de Bowling Green, Kentucky, por 20 anos,
e durante este tempo atacou a cultura escravagista sulista em que habitava, recebendo dura oposição até
mesmo de seu próprio filho que serviu no exército Confederado. Pendleton, Batista Reformado, foi
professor na Universidade Union e editor de jornais. Tal qual Eaton, Pendleton não poupou esforços à
causa Batista.
17 PENDLETON, J. M. Distinctive Baptist Principles. Philadelphia: ABPS, 1882, p. 11-13. Cf.
CARROLL, B. H. Baptists and Their Doctrines: Sermons on Distinctive Baptist Principles. Chicago: F.
H. Ravell Co., 1913, p. 11.
18 PENDLENTON, J. M. Three Reason Why I Am a Baptist; With a Fourth Reason Added on
Communion. Nashville: Graves, Marshall, and Rutland, 1856, p. 5-6. Cf. BROADUS, John. The Baptist:
An Historical and Theological Study of the Baptist Indentity. London: Grace Pub. Trust, 1986, pp. 14-15.
COOK, Henry. What Baptists Stand for. London: Kingsgate Press, 1947, pp. 18-19.
19 Batista Reformado, Keach escreveu mais de 40 livros, e pastoreou por 36 anos uma das mais famosas
igrejas batistas de todos os tempos: Horselydown em Londres. Esta igreja passou por expansão para poder
comportar mais de 1000 membros, algo extraordinário para os padrões do século XVII. Após a morte de
Keach, seu genro, Benjamin Stinton, pastoreou de 1704 até sua súbita morte em 1718. Segui-se o
pastoreio de 52 anos de John Gill; sucedido por 63 anos de pastorado de John Rippon; sucedido por
Charles Haddon Spurgen, que pastoreou a igreja por 38 anos. Vide, GEORGE, Timothy. “John Gill”, em
Baptist Theologians. Ed. Timothy George e David Dockery. Nashville: Broadman Press, 1990, p. 98.
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vetero-testamentário pode e deve ser usado para estabelecer princípios morais, como
nos mostra os Dez Mandamentos. Adicionalmente, os mesmos livros podem prover
instruções sobre como orar a Deus, cantar louvores ao Senhor, e como crescer na
piedade de forma geral. Contudo, doutrinas cristãs devem ser derivadas diretamente do
Novo Testamento: esta é a regra que os Batistas abraçaram e defenderam desde os seus
primórdios20.
Uma das conseqüências deste princípio neo-testamentário tem sido nossa
hesitação em aceitar Credos21. Abordaremos com maiores detalhes a questão credalista
e/ou confessional na seção infra, “liberdade da alma”. Por hora, vale reiterar que nossa
única regra de fé e prática não é qualquer Credo, Confissão ou Declaração Doutrinária,
mas sim o Novo Testamento canônico22.

2 – LIBERDADE RELIGIOSA

Liberdade e tolerância são princípios geralmente passíveis de discussões em


nossos dias. Entretanto, esta realidade era bem diferente séculos atrás. A citação
atribuída ao filósofo frances Voltaire, (“eu discordo do que você diz, mas defenderei até
a morte seu direito de dizê-lo”)23, teve uma longa história, cujo início deve-se aos
Batistas. Nunca é demais enfatizar que o conceito de liberdade de pensamento é
antecedido pelo conceito de liberdade religiosa. Por sinal, aquele está
irremediavelmente arraigado neste24. Nós, Batistas, temos a honra de ter sido os
primeiros advogados de liberdade religiosa para todos os cristãos, e, posteriormente,
para todos indistintamente25. Em 1606, John Smyth, “Pai dos Batistas”, compôs um
breve tratado para o grupo que ele pastoreava, cujo conteúdo reivindicava liberdade
religiosa para todos os cristãos: “O magistrado, a luz de suas prerrogativas, não deve se
meter com religião, ou com assuntos da consciência, a fim de forçar e obrigar os
homens a esta ou aquela forma de religião ou doutrina; mas sim deve deixar a religião
cristã livre, para a consciência de cada um, e deve se ocupar apenas com desobediências

20 KEACH, Benjamin. The Rector Rectified and Corrected, or, Infant-Baptism unlawful. London:
Printed and sold by John Haris, 1692, pp. 18, 20.
21 Um Credo é um resumo doutrinário.

22 BRETONES, Roteiro dos Batistas, p. 44.

23 Há um debate se de fato esta sentença teria sido dita por Voltaire (“Monsieur l‟abbé, je déteste ce que
vous éscriez, mais je donnerai ma vie pour que vous puissiez continuer à écrive”: “Monsieur l‟abbé, eu
detesto o que você escreve, mas eu daria a minha vida para que você pudesse continuar a escrever”).
Aparentemente foi Evelyn Beatrice Hall (1868-19??) que sumarizou o pensamento de Voltaire desta
forma. Vide, http://en.wikiquote.org/wiki/ Evelyn_Beatrice_Hall; http://www.classroomtools.com/
voltaire.htm; http://swampbubbles.com/who_said_i_disagree_with_what_you_say_but_i_will_ defend_
to_death_your_right_to_say_it; todos os sites acessados em 01/10/2009.
24 Cf., BRETONES, Roteiro dos Batistas, p. 39.

25 WATTS. Michael. The Dissenters, p. 3. Vide também, PORTER, J. W. The Baptist Debt to the World.
Louisville: Baptist Book Co., p. 52. “Os Batistas foram desde o começo, os firmes advogados da absoluta
liberdade—justa e verdadeira liberdade, igual e imparcial liberdade”. John Locke, Apud, JENKENS,
Charles. Baptist Doctrines. St. Luis: Chancy Barns, 1881, p. 46. Cf. O conceito “de liberdade religiosa [é]
a maior glória e a maior contribuição dos Batistas à humanidade”. BEZERRA, Benilton Carlos.
Interpretação Panorâmica dos Batistas. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1960, p. 48.
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civis, danos, e faltas de homens contra homens”26. Contudo, o grande marco, o grande
grito de liberdade, não só para Cristãos, mas para todos, foi dado em 1612 por Thomas
Helwys. Escrevendo ao rei Tiago I (1567-1625), Helwys afirma que “se o povo for
obediente e verdadeiramente sujeito [ao rei], obedecendo todas as leis humanas erigidas
pelo rei, nosso senhor o rei não pode requerer mais [que isto]: porque a religião dos
homens em relação a Deus, é entre Deus e os homens; o rei não responderá por isso,
nem pode o rei ser juiz entre Deus e o homem”. Continua Hewlys, “o rei é um homem
mortal, e não Deus, portanto ele não tem poder sobre a alma mortal dos seus cidadãos
para fazer leis e ordenanças para eles e para instaurar autoridades espirituais [bispos,
cortes eclesiásticas, etc] sobre eles”. Portanto, as pessoas devem ser livres para crer ou
deixar de crer no quer que seja, sem que o estado se interponha nesta questão. “Que
sejam hereges, Turcos, Judeus, ou o que quer que sejam, não cabe ao poder terreno
puni-los”27. Assim nascia a idéia de separação entre estado e igreja. Por esta razão,
Helwys foi preso e morreu no cárcere28.
Todavia, na Inglaterra do século 17, o melhor que se viu foi tolerância religiosa.
Coube ao preclaro Roger William (1603-1683), um homem que norteou a vida por
princípios Batistas, estabelecer em Providence, colônia americana, um governo
democrático com liberdade religiosa pela primeiríssima vez no curso da história da
humanidade29. Influenciado pelos escritos de Smyth e Hewlys, Williams defendia

26 SMYTH, John. Works of John Smyth. Editor W. T. Whitley. Cambridge: s.l., 1915, vol. 1, p. 267.

27 Eu fiz algumas interpolações na tradução supra, a fim de ajudar no entendimento. No original se lê: "If
the Kings people be obedient and true subjects, obeying all humane lawes made by the King, our Lord the
King can require no more: for men‟s religion to God is betwixt God and themselves; the King shall not
answer for it, neither may the King be judge between God and man". "The King is a mortal man, and not
God, therefore he hath no power over the mortal soul of his subjects to make lawes and ordinances for
them and to set spiritual Lords over them". "Let them be heretics, Turks, Jews, or whatsoever, it
appertains not to the earthly power to punish them”. HEWLYS, Thomas. A Short Declaration of the
Mystery of Iniquity. S.n.: S.l., 1612, p. 212.
28 Vide, WATTS, The Dissenters, p. 49. Nós, Batistas, por causa do separatismo inovador que
propúlhamos éramos odiados pelo governo e população em geral. Por exemplo, “Robert Shalder, um
Batista que foi encarcerado [em 1666] por causa de suas convicções, morreu pouco depois de ter sido
liberto e foi enterrado no cemitério da paróquia Anglicana local. Alguns moradores desenterraram o
corpo, colocaram em uma carroça e levaram até a porta da residência dos familiares, e lá deixaram o
cadáver”. WHITING, C. E. Studies in English Puritanism from the Restoration to the Revolution, 1660-
1688. London: Frank Cass & Co. Ltd., 1968, p. 144. Edward Wightman (1566-1612), ardoroso pastor
Batista, orador famoso e figura pública respeitada no meio londrino, foi queimado vivo por causa de suas
convicções Batistas. O Batista Sabatário, Fracis Bampfield (1615-1684), morreu na prisão depois de dez
anos de confinamento. Exemplos de sofrimentos pela causa Batista poderiam se multiplicados ad
nauseam. Vide, WATTS, The Dissenters, p. 254 et seqq. Vide também, HTTP://www.seventh-day-
baptist.org.au/library/books/bampfiel.htm; acessado em 22/09/2009. Henry Duster, formado na
Universidade de Cambridge, primeiro presidente da Harvard (1640-1654) em Massachussets, função que
desempenhou de forma brilhante, mas que depois de sua conversão a causa Batista de nada valeu, pois foi
perseguido e perdeu a presidência. PEREIRA, Breve História dos Batistas, p. 85.
29 Com grande aptidão lingüística, Williams estudou na Universidade de Cambridge (B.A. 1627),
tornando-se um mestre em Latin, Grego, Frances, Hebraico e Holandês. Há um debate insolúvel sobre
quem de fato plantou a primeira igreja Batista em solo americano: Roger Williams ou o Dr. John Clarke
(1609-1676). Existe falta de consenso sobre qual é a primeira igreja Batista das colônias americanas: se a
congregação de Providence com Williams, ou a de Newport com Clarke. BRACKNEY, William H.
Baptists in North America: an historical perpective. Baylor University, Texas: Blackwell, 2006, p. 23.
Aparentemente Clarke estudou teologia, medicina e línguas na Universidade de Leiden. Vide,
http://en.wikipedia.org/wiki/ Dr._John_Clarke, acessado em 28/09/2009.
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separação entre o Estado e a igreja, advogando total e irrestrita liberdade a todos, nos
seguintes termos: “Nenhum homem, ou grupo de homens, deve ser molestado pelos
poderes constituídos, por causa da religião, ou por qualquer opinião recebida ou
praticada sobre qualquer assunto desta natureza; devendo ser tido como grande
felicidade o fato de que nestas questões as pessoas devem ser livres para agir como lhes
convém”30.
A democracia, como política governamental, está relacionada à liberdade
religiosa. Note-se que os Batistas fizeram contribuição significativa ao mundo também
neste viés. O médico e pastor Batista John Clarke (1609-1676), foi o responsável pela
Primeira constituição que garantia o direito a liberdade religiosa. Além da liberdade
religiosa, a introdução da Carta de Fundação de Providence reza que “a forma de
governo estabelecido nas Plantações de Providence é a democrática; quer dizer, um
governo sustentado pelo livre e voluntário consentimento de todos ou da maioria dos
habitantes livres; o governo que esta organização política deve defender nesta ilha é
uma democracia ou governo popular”. Conseqüentemente, o mundo democrático tem
uma imensa dívida ao pensamento Batista31.
Na década que antecedeu a revolução das colônias americanas, Thomas
Jefferson (1743-1826)32, o principal autor da Declaração de Independência Americana,
costumava a freqüentar reuniões em uma igreja Batista próximo a sua residência.
Embora nunca tenha se declarado Batista, pois se dizia independente de qualquer
denominação, sua vida foi claramente pautada por princípios Batistas. Quando argüido
acerca do governo congregacional33, utilizado pelos Batistas, ele replicou “que aquela
forma de governo eclesiástico fortificou a sua convicção e muito o havia interessado, de
sorte que ele a considerava a única forma, em todo o mundo, de verdadeira democracia,

30 O original é ligeiramente mais contundente que minha tradução: “That no man, or company of men,
ought to be molested by the ruling powers, on account of their religion, or for any opinion received or
practiced in any matter of that nature; accounting it no small part of their happiness that they may therein
be left to their own liberty”. BROOK, Benjamin. The Lives of the Puritans. London: James Black, 1813,
Vol. III, p. 479.
31 BRETONES, Roteiro dos Batistas, p. 67.

32 Homem de grande talento, Jefferson foi horticulturalista, inventor, lingüista (Latin, Grego e Frances),
arquiteto, paleontologista, filósofo político, arqueologista, fundador da Universidade de Virgínia, etc.
Com carreira de ascensão meteórica, ele desempenhou, entre outros cargos, os seguintes: Governador do
Estado da Virgínia (1783-1784), Embaixador dos EUA para a França (1785-1789), 1º Secretário de
Estado dos EUA (1789-1793), Vice-Presidente dos EUA (1797-1801), e duas vezes Presidente dos EUA
(1801-1809). Vide, http://en.wikipedia.org/wiki/ Thomas_Jefferson, acessado em 30/09/2009.
33 Há três formas clássicas de política eclesiástica: episcopal, presbiterial, e congregacional. Na
episcopal, a autoridade eclesial reside na figura do bispo. Este modelo é o mais utilizado no mundo
cristão (Metodismo, Romanismo, Igrejas Ortodoxas do Leste, Luteranismo, Anglicanismo, etc). O
segundo tipo, presbiterial, o governo repousa sobre um grupo de presbíteros ou anciãos, que lideram a
igreja local (Conselho); assim como, podem fazer parte de um sínodo regional (Presbitério), e até mesmo,
nacional (Supremo Concílio). Exemplos de denominações presbiteriais seriam as Igrejas Reformadas
(Igreja da Escócia, Igreja Reformada da Suíça, Igrejas Presbiterianas, etc). No terceiro tipo,
congregacional, o assento de autoridade é exclusivamente local, com a assembléia local inteiramente
soberana ou autônoma. Exemplos deste tipo seriam as Igrejas Congregacionais na Inglaterra, Canadá,
Estados Unidos, etc; Igrejas Batistas, Igreja de Cristo, etc. O modelo congregacional tem sido muito
confundido com o modelo “democrático”. Embora de igual consecução, e portanto facilmente
confundíveis, na democracia o objetivo é maioria, mas no congregacionalismo o objetivo é a maior
concordância possível na busca da unidade.
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e chegara à conclusão de que tal sistema seria o melhor plano para o governo das
colônias americanas”. O modelo adotado pelos Batistas causou tal impressão em
Jefferson “que em 18 de Junho de 1779, à vista das iniqüidades praticadas em nome da
religião pelas hierarquias encarapitadas no poder secular34, ele deu entrada, na
Assembléia Geral do Estado da Virgínia, a um projeto de lei estabelecendo a liberdade
religiosa. O referido projeto punha ênfase especial no princípio basilar de separação
entre igreja e Estado. As diversas correntes religiosas ficaram flutuando, indecisas,
enquanto que os Batistas fizeram do projeto um bastião na conquista da sonhada
liberdade religiosa. Até 1785 o projeto se arrastou na Assembléia, engavetado pela
maioria reacionária. Em dezembro deste ano o projeto foi aprovado, e em janeiro de
1786, tornou-se lei em todo o Estado. Deste modo, a Virginia se tornou o primeiro
governo, no mundo, a estabelecer a completa separação entre as igrejas e o Estado... O
mundo deve, aos Estados Unidos, a aplicação, pela primeira vez, desse princípio,
enquanto que os Estados Unidos o devem aos Batistas, os lutadores conseqüentes e
irredutíveis pela liberdade de consciência e religião”35. Desta forma, o principio Batista
de liberdade religiosa foi incluído na Constituição Americana e, posteriormente,
espalhado pelo mundo.
Enfim, nós, Batistas, temos sido renhidos opositores de qualquer tipo de coerção
religiosa; assim também como temos feito oposição a mera “tolerância” religiosa, por
entender que este conceito ainda não representa o correto relacionamento que o ser
humano deve ter com Deus e o Estado36. Dotado da imagem de Deus, entendemos que o
ser humano não é apenas livre para relacionar-se com o Criador, mas também
competente para tal. A “competência” ou “liberdade” da alma como agente diante de
Deus e do próximo tem sido um outro distintivo marco Batista37.

3 – COMPETÊNCIA DA ALMA

A força e peso das tradições contra as quais nós, Batistas, tivemos que lutar são
difíceis de exagerar. O argumento Batista em prol da liberdade da alma (competência da
alma) encontrava forte oposição no episcopado, no sacerdotalismo e no
sacramentalismo que muito cedo se estabeleceram na igreja, deturpando o Evangelho.
Os três conceitos estão entrelaçados.
De forma simples e resumida, o episcopado é a noção de que há classes
separadas (laicado e clero) e hierarquicamente diferentes (clero) dentro da igreja. O
Novo Testamento apresenta apenas dois cargos eclesiais, na figura do bispo (ou pastor
ou presbítero) e na figura do diácono. Com o passar do tempo e com o crescimento da
igreja, começou-se a hierarquizá-la. Como em algumas igrejas havia vários pastores,
surgiu a idéia da ascendência de um bispo sobre os pastores. Posteriormente, criou-se o
cargo de Arcebispo ou Patriarca, algo como um superintendente dos bispos.

34 Os Batistas na América colonial, por não serem membros da igreja do Estado, não podiam receber os
privilégios da cidadania, como por exemplo, exercer cargos no governo, ou direito a votar. Por outro lado,
e para piorar as coisas, nossos pais Batistas, assim como outros não conformistas, tinham que pagar
tributos para o governo que não os reconhecia como cidadãos. BURROUGHS, O Povo Batista, p. 107.
35 BRETONES, Roteiro dos Batistas, pp. 69-70.

36 Vide, JETER, J. B. Baptist Principles Reset, Consisting of a Series of Articles on Distinctive Baptist
Principles. Richmond: Religious Herald, 1902, p. 122.
37 NORMAN, More than just a name, p. 149.

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Paulatinamente, surge nas igrejas autocéfalas do Oriente a figura do Patriarca
representante de toda uma área ou país, e no Ocidente a figura do Papa.
O sacramentalismo estipula que cerimônias, atos ou ritos podem ser meios de
graça ao recipiente. Destarte, por exemplo, o batismo deixa de ser um ato de obediência,
e passa a ser visto como um meio de recebimento da salvação. Enquanto que no Novo
Testamento a graça ou favor de Deus é buscado de maneira subjetiva através do
arrependimento, oração, fé, confissão, leitura bíblica, dedicação ao serviço, piedade, et
cetera, o sacramentalismo objetifica esta graça. Corolário a esta deturpação, o
sacerdotalismo é o instrumento humano do sacramentalismo. Noutras palavras,
pressupondo-se que há meios especiais de graça, há que haver pessoas especiais para
ministrar estes meios. De forma grosseira poder-se-ia dizer que o sacramentalismo
representa a “mágica” (regeneração, transubstanciação), e o sacerdotalismo representa o
“mágico” (clero). Esta estrutura eclesial foi duramente atacada durante a Reforma
Protestante no século XVI38. Contudo, resquícios romanistas ficaram ainda por ser
removidos. Martinho Lutero (1483-1546) manteve um grau de literalidade em relação a
Ceia, crendo que a presença de Cristo estava “em, com, e sob” os elementos
(consubstanciação); assim como manteve o poder regenerativo do pedobatismo39.
Huldreich Zwingli (1484-1531) e a tradição Reformada memoralizaram a Ceia, mas
mantiveram o pedobatismo. Tanto Luteranos como Reformados mantiveram a igreja
atrelada ao Estado, e, desta maneira, era natural manter o batismo de infantes40. Os
Anabatistas recusaram participação em ambos: Estado e pedobatismo. Os Batistas
insistiram em participar da sociedade, e lutaram pela derrocada do episcopado, do
sacerdotalismo, do sacramentalismo, e do pedobatismo.
A competência (às vezes também chamada de “liberdade”) da alma é a
afirmação histórica dos Batistas que reivindicam o inalienável direito e responsabilidade
de cada indivíduo de interagir com Deus sem mediação clerical, sem intervenção de
autoridade civil, sem imposição de credos, confissões, declarações ou qualquer tipo de
intermediação Deus/homem41. Este princípio lastreia-se no fato que o ser humano

38 Por exemplo, os reformadores reduziram de 7 para 2 os Sacramentos. Por não encontrar fundamentos
bíblicos para 5 deles, a saber: “confirmação ou crisma”, “penitencia ou confissão”, “extrema unção ou
último sacramento”, “ordens sagradas”, e “matrimonio”, estes ritos foram abandonados pelos pais da
Reforma. Ficaram o “Batismo”, e a “Eucaristia ou Ceia do Senhor”. Vide, GRUDEM, Wayne. Teologia
Sistemática: Atual e Exaustiva. Trad. Norton Yamakami et al. São Paulo: Vida Nova, 1999, pp. 801-813.
39 SPINKS, Brian. Reformation and Modern Rituals and Theologies of Baptism: From Luther to
Contemporary Practice. Hunts, England: Ashgate Publishing Limited, 2006, pp. 153-154.
40 Estou omitindo nuances: por exemplo, João Calvino (1509-1564), enfatizava mais a presença
espiritual que Zwingli. Calvino achava que a presença espiritual dependia da ação coordenada da fé do
comungante, mais a ação do Espirito Santo. Enquanto que Zwingli entendia a Ceia como um mero
memorial, Calvino a via como um presente de Cristo (auto doação de Cristo) ao comungante, conferido
através do Espírito Santo. Este “presente” é dado a todos: a alguns para a condenação e a outros para
nutrição. Heinrich Bullinger (1504-1575), outro contribuinte da tradição Reformada, via os sacramentos
de forma ligeiramente mais autônoma que Calvino em sua ação sobre os comungantes. O fato é que a
tradição Reformada acabou sendo influenciada por pelo menos três teólogos: Zwingli, Calvino, e
Bullinger, com o pensamento de Zwingli acabando por permear toda a tradição. Vide, GERRISH, B. A.
Old Protestantism and the New: Essays on the Reformation Heritage. London: T & T Clark, 1982, pp.
106-130; e MULLER, Richard A. After Calvin: Studies in the Development of a Theological Tradition.
Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 34
41 Vide, SHURDEN, Walter B. The Baptist Indentity: Four Fragile Freedoms. Macon: Smyth & Helwys
Pub., 1993, p. 4.
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possui a Imago Dei, que Deus é pessoal, e que se comunica com Suas criaturas. A
competência da alma enfatiza o direito irrevogável de cada pessoa a aceitar ou rejeitar a
Deus. Destarte, o ser humano é responsável por seus atos diante do Criador e por seu
relacionamento com o mesmo42. “Cada alma humana é responsável diante de Deus pelo
desempenho de suas obrigações. Cada um precisa se arrepender por si mesmo, crer por
si mesmo, e obedecer por si mesmo”. Sendo isto uma realidade irrefutável, o
sacerdotalismo é falacioso e anômalo a fé cristã. O sacramentalismo, expresso através
do pedobatismo, rouba da criança a possibilidade e o “privilégio de pessoalmente
obedecer ao comando de Cristo”, e atende-lo responsável e livremente43. A alma livre e
competente de cada indivíduo deve buscá-Lo ou não, como direito sagrado de
consciência44.
Vimos até aqui uma combinação de três características Batistas que poderiam
facilmente nos levar aos mais aberrantes desvios doutrinários: autoridade das Escrituras
+ liberdade religiosa + competência da alma. Temos uma mistura potencialmente
explosiva para gerar todo tipo de heterodoxia. Todavia, no geral, nós temos nos mantido
ortodoxos45. Nossos pais compreenderam que o direito ao livre exame da Bíblia, a
liberdade religiosa, e a competência da alma não os dava a prerrogativa de indiferença
doutrinária. Isto pode ser facilmente provado pela publicação de Confissões de Fé 46, e
até mesmo—excepcionalmente—um Credo47. Assim que relativa liberdade religiosa

42 NORMAN, More than a name, pp. 35-36.

43 JENKENS, Charles. Baptist Doctrines. St. Luis: Chancy Barns, 1881, p. 272.

44 GEORGE, Timothy. “Introduction”, em Timothy and Denise George, Eds. John A. Broadus: Baptist
Confessions, Covenants, and Catechisms. Nashville: Broaman & Holman, 1996, p. 3.
45 Minha afirmação lida com a regra, não com exceção: obviamente tem havido desvios em nosso seio.
Por exemplo, no século 18, os Batistas Reformados foram infectados por hiper-Calvinismo, e os Batistas
Gerais por Unitarianismo. HOWSON, Erroneous and Schismatical Opinions, p. 133.
46 Por exemplo, A Short Confession of Faith in Twenty Articles by John Smyth (1609); The London
Confession (1644, 1646); The Second London Confession (1677, 1689); The Philadelphia Confession
(1742); The New Hampshire Confession (1833); The Baptist Faith and Message (1925, 1963, 2000);
Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira (1986). É bom frisar que mesmo os Batistas
Gerais—para não mencionar os Reformados—receberam influencia da célebre Confissão de Fé de
Westminster (1646). A Segunda Confissão Londrina (Second London Confession) é essencialmente a
adaptação da Declaração de Savoy (The Savoy Declaration of Faith and Order, 1658) às minúcias
Batistas, e a Savoy é simplesmente a Confissão de Westminster com eclesiologia congregacional. Vide,
HULSE, Errol. Our Baptist Heritage: Issues Facing Reformed Baptists Today. (The International
Fellowship of Reformed Baptists.) Leeds: 1993, pp, 5-19.
47 O Credo Ortodoxo Batista (1679). Qual a diferença entre um Credo e uma Confisssão ou Declaração
de Fé? Tanto o Credo como a Declaração são sumários doutrinários. O Credo tem uma matiz mais forte, a
Confissão tende a ser menos restritiva. O Credo diz o que você tem que crer, a Confissão ou Declaração
diz simplesmente o que você crê; um Credo geralmente é usado como paradigma doutrinário de
uniformização, uma Confissão geralmente é usada para suscitar resposta voluntária de seus membros. O
Credo geralmente exclui, a Declaração inclui. O Credo Ortodoxo Batista afirma que o Credo Apostólico,
Niceno e Atanasico devem ser recebidos e aceitos por derivarem das Escrituras. [An Orthodox Creed, or
a Protestant Confession of Faith, Being an Essay to Unite and Confirm All True Protestants in the
Fundamental Articles of the Christian Religion] Artigo 38: “Os três Credos (dos Apóstolos, de Nicéia, e
de Atanásio) devem ser inteiramente recebidos and cridos. Porque nós cremos que eles podem ser
provados através da correta autoridade da Sagrada Escritura, e são necessários de serem entendidos por
todos os Cristãos; assim como os Cristão precisam ser ensinados através deles [dos Credos], de acordo
com a analogia da Fé, registrada nas Santas Escrituras, sobre as quais os Credos estão fundamentados...
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nos foi concedida durante a “gloriosa revolução” de 168948, os Batistas Reformados
publicaram a mais famosa Confissão de Fé de nossa história, com o objetivo de
demonstrar ao mundo a concordância que tinham “com as doutrinas Protestantes ... em
todos os artigos fundamentais da religião Cristã”49. Antes disto, os Batistas Arminianos
haviam publicado uma Declaração (Standard Confession, 1660), na qual tanto a
liberdade do indivíduo, quanto a responsabilidade doutrinária são mantidas lado a
lado50. Noutras palavras, liberdade religiosa deve assegurar a responsabilidade de cada
congregação em relação a sua doutrina e disciplina, de acordo com a verdade divina.
Decerto, o conceito de sacerdócio de cada crente não implica em, “eu sou um sacerdote,
eu posso crer da forma como eu quiser”. Ao contrário, o sacerdócio de cada indivíduo
implica em responsabilidade coletiva e amorosa que diz: “como sacerdote dentro de
uma comunidade de crentes, eu preciso estar alerta para que nós não nos separemos uns
dos outros, muito menos nos apartemos da „fé que foi de uma vez por todas entregue
aos santos‟” (Judas 3).
Obviamente, embora tenhamos nos mantido dentro da ortodoxia, nós nunca
fomos monolíticos. Sempre houve e haverá Batistas de diversas matizes. “Entre os
Batistas há calvinistas em suas várias gradações, há arminianos, há bartinanos, há
milenistas, há fundamentalistas e até modernistas”51. Enfim, embora nunca tenhamos
sido—no geral—credalistas, nós sempre temos nos visto como parte da igreja

Minha livre tradução do original, que na sua integridade diz: “The three creeds (Nicene Creed,
Athanasius‟s Creed, and the Apostles Creed, as they are commonly called) ought thoroughly to be
received and believed. For we believe they may be proved by most undoubted authority of Holy Scripture
and are necessary to be understood of all Christians; and to be instructed in the knowledge of them by the
ministers of Christ, according to the analogy of faith, recorded in sacred Scriptures, upon which these
creeds are grounded and catechetically opened and expounded in all Christian families, for the edification
of young and old which might be a means to prevent heresy in doctrine and practice these creeds
containing all things in a brief manner that are necessary to be known, fundamentally, in order to our
salvation; to which end they may be considered and better understood of all men, we have printed them
under their several titles as followed: …”
48 Retirou a ameaça de um rei cripto-católico (Tiago II), e estabeleceu um casal Protestante (William II e
Mary) no trono. Vide, http://www.bbc.co.uk/history/british/ civil_war_revolution/glorious_ revolution_01
.shtml; acessado em 02/10/2009.
49 Prefácio, “To the Judicious and Impartial Reader”, em Second London Confession (1689). Quando
Charles Spurgeon assumiu o pastorado em Londres, ele mandou re-imprimir esta, que é a mais
importantes declaração de fé dos Batistas Reformados, e adotou-a como a base doutrinária de sua igreja.
CLARKE, Paul. Our Baptist Heritage: Issues Facing Reformed Baptists Today. (The International
Fellowship of Reformed Baptists.) Leeds: 1993, p. 1. Esta mesma Confissão foi adotada nas Colônias
Americanas, e perdurou por anos a fio como fundamento doutrinário de grande parte das igrejas Batistas
nos EUA. Vide, NETTLES, Thomas. Baptist Theologians. Ed. Timothy George and David Dockery. pp.
145, 149.
50 “É a vontade e mente de Deus (nos tempos do Evangelho) que todos os homens tenham a total
liberdade de suas consciências em questões religiosas, ou adoração, sem a menor opressão, ou
perseguição”. Por outro lado, e com a mesma força, A igreja verdadeira deve “rejeitar todos os hereges”
juntamente com outros que ensinam “doutrinas contrárias (de Cristo) que eles tenham aprendido”. ["that
it is the will and mind of God (in these Gospel times) that all men should have the free liberty of their
own consciences in matters of Religion, or Worship, without the least oppression, or persecution." The
true church should "reject all Hereticks" along with any others who teach "contrary to the Doctrine (of
Christ) which they have learned".] Artigos XXIV, e XVII, The Standard Confession (1660).
51 BEZERRA, Interpretação Panorâmica dos Batistas, p. 19. Cf. CHRISTIAN, A History of the Baptist,
p. 4.
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Universal. Daí, sermos trinitários e concordamos com a ortodoxia cristã tradicional. Um
momento célebre em nossa história se deu em 1905, quando da primeira reunião da
Aliança Batista Mundial, em Londres. O octogenário e mui respeitado Alexander
MacLaren (1826-1910)52, presidindo a reunião, pediu que os Batistas do mundo inteiro
se indentificasem, livre e espontaneamente, com a ortodoxia cristã de todas as eras.
Estas foram as palavras de MacLaren: “Eu gostaria que não houvesse qualquer mal
entendido...quanto a nossa posição em relação a continuidade com a igreja histórica. E
eu gostaria que o primeiro ato deste Congresso fosse o audível e unanimo
reconhecimento de nossa fé. Então eu sugiro que, com vosso consentimento, seria algo
impressionante e correto, e seria uma forma de dirimir muito mal entendido e fazer calar
a boca de muitos caluniadores—se nós aqui e agora, diante do mundo, não por coerção
ou disciplina, mas como simples reconhecimento de nossa posição e nossa crença, que
nós nos levantássemos, e seguindo o vosso Presidente, recitássemos o Credo
Apostólico”53. Os Batistas dos vários continentes se levantaram e de bom grado fizeram
conforme solicitado. Noutras palavras, quando nós Batistas dizemos que não somos
credalistas, isso não implica que não sejamos historicamente ortodoxos.

4 – CREDOBATISMO POR IMERSÃO

Nós, Batistas, consideramos que o batismo cristão é uma ordenança estritamente


reservada a regenerados, propriamente administrada por imersão, e como ato simbólico
sem valor sacramental de tipo algum. O ato do batismo representa o que Cristo fez por
nós [i.é., em nosso favor] em sua morte, sepultamento, e ressurreição. O ato representa
também a obra de Cristo em nós [i.é., o novo nascimento], que nos capacita a morrer
para as concupiscências da carne e ressuscitar para uma nova vida. Submeter-se ao rito
batismal é um ato de obediência ao senhorio de Cristo. É interessante frisar que o
credobatismo, no pensamento Batista, está intimamente ligado a questão da
competência da alma. O grande historiador Batista Henry Wheeler Robinson (1872-
1945)54 assevera que “o batismo do crente encontra sua autoridade espiritual na

52 Batista Reformado, MacLaren foi educado nas Universidades de Glasglow e Londres, onde ganhou
prêmios por proficiência em Hebraico e Grego, recebeu doutorados das Universidades de Edinburgh e
Glasglow, pastoreu Portland Chapel Baptist Church por 12 anos, e Union Chapel Baptist Church por 44
anos. Ele escreveu mais de 30 livros, foi duas vezes presidente da União Batista da Grã-Bretanha. Vide,
http://www.logos.com/products/details/4464; e http://www.ccel.org/m/maclaren/; ambos acessados em
10/10/2009.
53 As palavras de Maclaren no original são: “I should like that there be no misunderstanding… as to
where we stand in the continuity of the historic Church. And I should like the first act of this Congress to
be the audible and unanimous acknowledgment of our Faith. So I have suggested that, given your
consent, it would be an impressive and a right thing, and would clear way a good many
misunderstandings and stop the mouth of a good deal of slander—if we here and now, in the face of the
world, not as a piece of coercion or discipline, but as a simple acknowledgment of where we stand and
what we believe, would rise to our feet and, following the lead of your President, would repeat the
Apostle‟s Creed”. Shurden, The Baptist Identity. p. 15.
54 Educado nas Universidades de Marburg, Alemanha; Oxford, Inglaterra; Edinburgh, Escócia; e
Strasburgh, Fraça. Dentre os 18 livros que escreveu, acham-se: The religious ideas of the Old Testament
(London: Duckworth, 1913); The Christian doctrine of man (2nd, Edinburgh: T. & T. Clark, 1913);
Baptist Principles (London: Kingsgate Press, 1925); The cross of Jeremiah (London: SCM, 1925); The
cross of the servant: a study in Deutero-Isaiah (London: SCM, 1926); The life and faith of the Baptists
(London: Methuen, 1927); Baptists in Britain (London: Baptist Union, 1937); The Old Testament, its
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aceitação consciente da autoridade de Cristo, na submissão pessoal a esta autoridade, e
um compromisso individual a esta autoridade”55. Desta forma, vê-se que o credobatismo
está conecto a experiência pessoal do crente como ser capaz (competente) diante de
Deus.
É-nos quase impossível imaginar o peso que o pedobatismo tinha por ser uma
tradição de aproximadamente 1.500 anos, dado o pressuposto de regeneração ex opere
operato56, cujos resquícios se vê já em Justino, o Mártir (c.100-160), que assevera por
volta do ano 160 A. D. que os candidatos ao batismo “são levados por nós a um lugar
onde haja água, e são regenerados daquela mesma maneira pela qual nós fomos
regenerados. Porque são lavados no nome de Deus Pai e Senhor do Universo, e no do
nosso Senhor Jesus Cristo, e no do Espírito Santo”57. Em grande medida, pode-se dizer
que por volta do século IV o pedobatismo estava firmemente entronizado na igreja.
Algumas pessoas e grupos no curso da idade média questionaram a prática, sem,
todavia, grande sucesso. Os Anabatistas restauraram o credobatismo por volta de
152558. Nossos pais Batistas receberam influencia destes precursores, e também
contribuíram com as igrejas de todo mundo através da imersão.
Nós experimentos desenvolvimento doutrinário, tal qual a maioria das
denominações. Por exemplo, durante os primeiros trinta anos de nossa existência, nós
não utilizávamos imersão como modus aplicanti de batismo, e sim afusão e/ou aspersão.
Foi por volta de 1640 que os Batistas Reformados estabeleceram a imersão como
conditio sine qua non: “Richard Blunt [????-????] convenceu-se que o batismo
„necessariamente deve ser através da imersão do corpo na água, imitando sepultamento
e ressurreição‟”59. Ademais, durante o período formativo de nossa denominação, havia
grandes Batistas, como John Bunyan (1628-1688), que defendiam e praticavam
“comunhão de membresia aberta”; ou seja, que aceitavam como membros tanto pedo
como credobatistas60. No entanto, por volta de 1680, a esmagadora maioria dos Batistas
esposava comumhão fechada e credobatismo imersionista como critérios a membresia61.
Durante a luta pelo avanço da Reforma, Keach questiona os hesitantes da seguinte

making and meaning (New York: Abingdon Press, 1937); Suffering human and divine (London: SCM,
1940); etc.
55 ROBINSON, Baptist Principles, 4ª Ed. Londres: Kingsgate Press, 1966, p. 23.

56 A suposição que o rito, per se, executa a obra, independente da fé do participante. Este princípio foi
universalmente negado pelos Reformadores. Vide, MULLER, Richard A. Dictionary of Latin and Greek
Theological Terms: Drawn Principally from the Protestant Scholastic Theology. Carlisle: Paternoster
Press, 1985, s.v. “ex opere operato”.
57 Apologia, Secção 79, apud BURROUGHS, P. E. O Povo Batista. Porto: Imprensa Portugal-Brasil,
1948, p. 22.
58 Vide, GEORGE, Theology of the Reformers, pp. 254-256.

59 “Richard Brunt had become „convinced of baptism yt also it ought to be by dipping ye body into ye
water, resembling burial and riseing again, Col. II:12; and Rom. VI:4‟”. WHITSITT, William. A Question
in Baptist History. London: Bibliobazaar, s.d., p. 86.
60 Vide, BUNYAN, John. Differences in Judgment about Water-Baptist, No Bar to Communion. London:
s.n., 1673.
61 POE, Harry L. “John Bunyan”, em Baptist Theologians. Ed. Timothy George e David Dockery.
Nashville: Broadman Press, 1990, pp. 41-42.
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maneira: “porque os nossos irmãos não se voltam [de uma vez por todas] a grande
instituição e perfeita regra da igreja primitiva?” Deveria a igreja ficar satisfeita com a
luz inicial da Reforma, e não atentar a maior luz que Deus tem dado, em relação ao
[batismo] e outras verdades? Por que insistem alguns em manter a tradição anticristã
estatal? “A igreja não aparecerá em sua glória primitiva, até que este lixo [pedobatismo]
seja removido; que nada mais é do que colocar uma pedra babilônica como fundamento
para Sião”62.
De forma geral, todos os eruditos Batistas reivindicam que o credobatismo por
imersão nada mais é que o retorno a prática original do Novo Testamento. Este modelo
reza que apenas pessoas capazes de profissão de fé podem receber o batismo. Este rito
marca o ingresso do batizando a membresia da igreja, e aos privilégios e
responsabilidade da citada membresia63. Conseqüentemente, bebes “irresponsáveis são
incapazes de participar conscientemente na vida da igreja…É literalmente impossível
para eles a membresia na mesma”64. Pendlenton afirma que o modelo neo-testamentário
de igreja é uma fraternidade, onde os membros estão espiritualmente vivos. No caso
pedobatista, tem-se membros mortos, o que causa uma reversão na seqüência que Cristo
estabeleceu, a saber: primeiro o membro precisa conhecer a Cristo, só depois, então,
deve ser-lhe dado acesso a membresia da igreja e às suas ordenanças65.
A constituição de membresia deve ser pessoal, individual, e voluntaria. Ninguém
“nasce na igreja”; ao contrário, somente os que depositam sua fé em Cristo devem fazer
parte da eclesia. Obviamente, alguns professam Cristo falsamente, e a igreja deve tentar,
até onde for possível, se certificar que seus membros são de fato regenerados. Isto leva
diretamente ao modelo congregacional de governo eclesiástico, e se relaciona ao
“sacerdócio de todos os crentes”: somente os cristãos de cada comunidade local podem
tomar decisões em relação a vida da dita comunidade, e todos eles têm a
responsabilidade de ministrar um ao outro em amor. Por último, tudo isto se enquadra
no ideal Batista de “igrejas livres” em “estados livres”.
Uma importante conseqüência do credobatismo é a pureza da igreja. O
pedobatismo, como por exemplo nas igrejas Anglicanas e Católicas, gera muitos
membros descompromissados com a causa cristã. A prova disto é que onde quer que o
pedobatismo impere, “os limites entre a igreja e o mundo acabam sendo obliterados.
Todo tipo de infidelidade, corrupção, e blasfêmia do povo tem acontecido dentro da

62 Minha tradução/adaptação/interpoloção das palavras de Keach: “why will not our brethren keep to the
great institution and exact rule of the primitive church?” Should the church be satisfied “with that light
which the church had in respect of this and other Gospel-truths at the beginning of the Reformation, since
God hath brought forth greater …[light] in our days?” What is more, “why should a tradition of the
antichristian state be so zealously defended? The church will never certainly appear in its primitive glory,
till this rubbish be remov‟d; which is nothing less than to take a stone of Babylon and lay it in Sion for a
foundation”. KEACH, Benjamin, Gold Refin’d; Or, Baptism in its Primitive Purity. Proving Baptism in
Water an Holy Institution of Jesus Christ, and to continue in the Church to the End of the World. London:
Printed for the Author, and are to be sold by Nathaniel Couch, at the sign of the Bell in the Poultry, 1689,
pp, iv-v. O mesmo autor apela por Reforma em muitos outros trechos de suas obras. Vide, por exemplo,
Light Broke Forth in Wales, expelling darkness, or, The Englishman's love to the antient Britains being
an answer to a book, iutituled Children's baptism from Heaven, published in the Welsh tongue by Mr.
James Owen. London: Printed and sold by William Marshall at the Bible in Newgate-street, 1696, p. 310.
63 NORMAN, More than just a name, p. 116.

64 CARROLL, Baptists and Their Doctrines, pp. 10-11.

65 PENDLETON, Distinctive Baptist Principles, pp. 11-13.

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igreja”. Como conseqüência, as igrejas que praticam pedobatismo acabam por não
praticar a disciplina, ou se a praticam, a fazem apenas contra aqueles que questionam
sua autoridade66.

5 – MISSÕES

A memorável divisa de Johann Gerhard Onken, “cada Batista um missionário”,


muito bem retrata nosso espírito. Nós temos nos caracterizado como um povo
missionário67. É possível que o ardor missionário seja o nosso maior distintivo. Talvez,
nosso histórico zelo missionário tenha sido nossa maior contribuição ao mundo. Desde
os nossos primórdios, nossos líderes têm estado envoltos com evangelismo, e nossos
missionários são elencados entre os maiores de todas as épocas. Thomas Helwys, um
dos Pais de nossa denominação, voltou para Inglaterra em 1612, a fim de contribuir na
evangelização de seus compatriotas, mesmo que isso envolvesse perseguição e morte.
Apesar da intensa perseguição e agruras, cerca de quatro décadas mais tarde já havia
uma centena de igrejas Batistas Gerais em solo inglês. Hanserd Knollys (1598-1691)68,
“patriarca” dos Batistas Reformados, foi inveterado evangelista, fazendo viagens
missionárias a Ipswich em 1649, ao País de Gales no início dos anos de 1650s, e a
Cornwall em 165569. Em 1660, já havia cerca de 130 igrejas Batistas Reformadas na
Inglaterra70.
Com certeza, nos faltaria espaço neste breve ensaio para falar dos esforços
evangelísticos do encarcerado John Bunyan, ou do Príncipe dos pregadores, Charles
Haddon Spurgeon (1834-1892). Deixemos as circunscrições nacionais, e lancemos
nossos olhos a nível mundial.
A expressão “missões mundiais” está relacionada aos esforços de se evangelizar
povos que entraram em contato com os europeus pós-descobrimentos marítimos na era
moderna. Em meio a muitos erros e acertos, em meio a imposição cultural ocidental, em
meio até mesmo de carnificina em um suposto nome de Cristo, as missões cristãs
acabaram por propagar e disseminar o evangelho onde Jesus era um completo
desconhecido. Milhões vieram a crer em Cristo, mapas de estados foram pela primeira
vez produzidos, indústrias e escolas foram abertas, línguas receberam forma escrita. As
origens da pioneira Junta de Missões Mundiais deram-se em 1784, quando foi proposto
em Nottingham, Inglaterra, que houvesse “um pacto mensal de oração, em favor do
anúncio do evangelho para as mais distantes partes do globo habitável”71. Quando esta

66 GRAMBRELL, J. B. Baptist Principles Reset, Consisting of a Series of Articles on Distinctive Baptist


Principles. Richmond: Religion Herald, 1902, p. 32.
67 Para a doutrina Batista de “missões”, vide, PORTER, J. W. The Baptist Debt to the World. Lousville:
Baptist Book Co., S.d., pp. 179-185.
68 Grande erudito, Hanserd Knollys escreveu vários livros, como por exemplo, Exposition of the Whole
Book of Revelation (1689); assim como escreveu várias gramáticas das importantes línguas relacionadas
ao estudo da teologia: Grammaticae Graecae compendium (1664); Grammaticae Latinae compendium
(1664); Grammaticae Latianae, Graecae, & Hebraicae (1665); Linguae Hebricae delineatio (1664),
Rhetoricae adumbratio (1663); Radoces simplicium vocum (1664); Radices Hebraicae omnes (1664).
HOWSON, Erroneous and Schismatical Opinions, 67.
69 HOWSON, Erroneous and Schismatical Opinions, pp. 67-68, 135.

70 WATTS, The Dissenters, p. 160.

71 BURLINGHAM, A. H. Baptist Doctrines. St. Luis: Chancy, 1881, p. 322.


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proposta foi passada ainda não se fazia idéia das implicações desta oração e do
consectário nascimento porvir da Sociedade Missionária Batista Inglesa. Tanto isto é
verdade que o mais importante diálogo de missões modernas se deu três anos depois em
uma outra reunião da mesma Associação. Com a chama missionária ardendo no peito,
William Carey72 perguntou aos presentes: “Têm as igrejas de Cristo feito tudo que é
necessário fazer em favor das nações pagãs?” A famosa resposta de repreensão do
Revd. John Ryland ilustra o quão pouco se entendia de missões na época: “Jovem,
sente-se; quando Deus se agradar em converter o mundo pagão, Ele fará sem a sua ajuda
ou a minha”73. A repreensão de Ryland serviu apenas para fazer Carey mais resoluto em
sua determinação de espalhar o Evangelho a longínquos rincões. Em 30 de Maio de
1792, Carey prega na reunião associacional o famosíssimo e eletrizante sermão
missionário “Espere grandes coisas de Deus; tente grandes coisas para Deus”74. Como
resultado deste sermão nasceu no dia 24 de Outubro de 1792 a Sociedade Missionária
Batista Inglesa para a propagação do Evangelho entre os não-Cristãos75. O próprio
Carey se voluntariou para ser o primeiro missionário da Sociedade Batista, embarcando
para Índia no dia 13 de Junho de 1793. Este evento marca o momento inicial das
missões mundiais, e, corretamente, imortaliza Carey como Pai das Missões Modernas 76.
Este gigante foi, sem dúvida alguma, um dos maiores missionários que o mundo
conheceu. Auto-didata por excelência, ele compôs gramáticas, dicionários e traduziu
porções da Bíblia para um número de línguas que deixaria qualquer tradutor
boquiaberto: Sanscrito, Hindu, Brijbbassa, Mahratta, Bengali, Oryia, Telinga, Karnata,
Maldivian, Buarajattee, Bulooshe, Pushtoo, Punjabi, Kashmeer, Assam, Burman, Pali,
Tamul, Cingalese, Armenia, Malay, Hindostani, e Pérsio. “Em seis destas línguas a
Bíblia inteira foi traduzida e circulada; o Novo Testamento traduzido em 23 línguas,
além de vários dialetos nos quais porções das Escrituras foram impressos. Em trinta
anos, Carey e seus colaboradores fizeram a Palavra de Deus acessível a um terço do
mundo”77. O que dizer de outros guerreiros, como Andrew Fuller (1724-1806)78 e

72 Para biografias de Carey, vide, MAYERS, John Brawn. William Carey: The Shoemaker who became
the Father and Founder of Modern Missions. London: S. W. Partridge, 1891; SMITH, George. The life
of William Carey, D.D.; shoemaker and missionary, professor of Sanskrit, Bengali, and Marathi in the
College of Fort William, Calcutta. London: J. Murray, 1885.
73 O diálogo original transcorreu assim: Carey perguntou, “Have the churches of Christ done all they
ought to have done for the heathen nations?”. Ryland então o repreende, “Young man, sit down; when
God pleases to convert the heathen world, he will do it without your help or mine either”. Citado em
BURLINGHAM, Baptist Doctrines, p. 323.
74 “Expect great things from God; attempt great things for God”, Isaías 54:2-3. BURLINGHAM, Baptist
Doctrines, p, 323.
75 BURLINGHAM, Baptist Doctrines, p, 324.

76 BEZERRA, Intepretação Panorâmica dos Batistas, p. 56.

77 CHRISTIAN, A History of the Baptists, p. 353.

78 Aparentemente Andrew Fuller foi quem inventou o termo hiper-Calvinismo. HOWSON, Erroneous
and Schismatical Opinions, pp. 158, 170. O pensamento Reformado corretamente entendido não inibe a
evangelismo. Quando os Batistas Particulares caíram no hipercalvinismo, Andrew Fuller, um calvinista
convicto, foi responsável pela restauração do equilíbrio sadio entre a soberania de Deus e
responsabilidade humana. Seu famosíssimo discurso, O Evangelho Digno de Toda Aceitação, (The
Gospel worthy of all acceptation, 1785) tem sido considerado um marco histórico na vida dos Batistas. A
primeira Sociedade Missionária do planeta foi fundada pelos esforços de Fuller e Carey. É devido a estes
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Adoniran Judson (1788-1850)79, cujos exemplos deixaram indeléveis marcas nos
compêndios missionários?
A Europa foi impactada pela vida do missionário alemão Johann Gerhard Onken
(1800-1884), considerado o “Pai dos Batistas Europeus”. Onken, inicialmente Luterano,
chegou ele mesmo a convicção Batista Reformada através de estudos bíblicos. A igreja
Batista de Hamburgo, cuja fundação envolveu Onken, é a mais antiga congregação
Batista da Alemanha (1834). Este homem, cujo moto era Jeder Baptist ein Missionar
(“cada Batista um missionário”) encarnou este lema, realizando campanhas
evangelísticas na França, Letônia, Dinamarca, Hungria, Prússia, Suíça, Grã-Bretanha,
Noruega, Holanda, Lituânia, et cetera. Ele mesmo plantou mais de 280 igrejas, além de
1222 pontos de pregações. Na Escandinávia e nos Países Eslavos ele estabeleceu mais
de170 novas igrejas. Onken também ajudou a escrever a Confissão de Fé Batista Alemã
(1847), a fundar o primeiro jornal Batista da Europa (1848), e o Seminário Batista em
Hamburgo (1880). Por mais de meio século, este incansável missionário laborou na
Europa, deixando um rastro Batista inapagável naquele continente80.
A chegada dos Batistas no Brasil dá-se no final da guerra civil americana. Vários
colonos buscaram no nosso país um lugar para reiniciar suas vidas, depois da derrota
para as forças do norte. Insatisfeitos com a intromissão dos nortistas81, e humilhados
pela perda da guerra de Secessão, vários imigrantes mudaram-se para o Brasil,
principalmente para a região de São Paulo, mas também para Santarém, no Pará. A
primeira igreja Batista em nosso solo foi fundada em Santa Bárbara em 10 de setembro
de 1871. Embora esta igreja fosse voltada aos imigrantes, foi para ela que se dirigiu
inicialmente o primeiro casal missionário a terra brasilis, William e Ann Bagby. Lá
chegando, um abençoado triunvirato missionário acabou por ser formado: o ex-padre
Antonio Teixeira de Albuqueque, e um novo casal missionário Zachary e Kate Taylor,
se juntam ao casal Bagby para estudar estratégias de ganhar o Brasil para Cristo. Assim,
em 15 de outubro de 1882, a Primeira Igreja Batista da Bahia foi fundada, com o
estabelecimento—ipso facto—de um trabalho voltado aos nacionais. Tivemos a honra
ainda de receber em solo pátrio, gigantes como o Judeu Salomão Ginsburg e o Sueco
Eurico Alfredo Nelson, ambos amparados pela Junta de Richmond. Em 1907 foi
organizada a Convenção Batista Brasileira, com imediata iniciativa missionária, através
da criação da Junta de Missões Estrangeiras e Junta de Missões Nacionais,

dois gigantes Batistas a honra de ter acordado o mundo para a obra de evangelização global. No século
seguinte, o evangelismo mundial ganhou um ímpeto tremendo na América do Norte. O epicentro de
missões mundiais teve seu nascedouro em 1814 com a fundação da “Convenção Geral da Denominação
Batista nos Estados Unidos da América para Missões Estrangeiras”. Em 1845 surge a “Convenção Batista
do Sul dos Estados Unidos”, e através desta a obra missionária mundial avança de forma colossal.
BEZERRA. Interpretação Panorâmica dos Batistas, pp. 59, 60, 61.
79 Inicialmente um Congregacional, Judson começou a estudar cuidadosamente a questão da validade de
seu pedobatismo quando em rota para a Índia (1812). Quando mais considerou a questão, mais
convenceu-se da posição Batista, vindo a ser imerso por William Ward, amigo de Carey, em 1813. Outro
gigante foi Luther Rice, também ex-Congregacional, foi o elo de ligação dos missionários da Índia com
as igrejas Batistas Americanas. PEREIRA, Breve História dos Batistas, pp. 88-89. Andrew Fuller o
antecedeu, fazendo papel similar entre os missionários Ingleses e as igrejas Batistas da Inglaterra.
80 Vide, PEREIRA. Breve História dos Batistas, pp. 108-109. Vide também, http://en.wikipedia.org/
wiki/Johann_Gerhard_Oncken, acessado em 03/10/2009.
81 Carpetbaggers: homens de negócios que viam na Reconstrução do Sul uma oportunidade de
enriquecer.
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comprovando assim nosso espírito missionário Batista. Nós Batistas fomos no passado,
somos agora, e, mantidas nossas tradições, sempre seremos missionários82.
Não é mera coincidência que o maior evangelista de todos os tempos é um
Batista. Ninguém, em toda a história da raça humana, pregou para tantos como Billy
Graham (1918--). Este Batista pregou pessoalmente para mais de 110 milhões de
pessoas em mais de 80 países do globo, e através da mídia para um número incalculável
de indivíduos ao redor da terra. Somente em termos de audiência acumulada em rádio e
televisão, estima-se um número superior a 2,2 bilhões83.

6 – O EVANGELHO SOCIAL

No final do século XIX e início do século seguinte, o “evangelho social” causou


uma revolução na maneira pela qual os esforços missionários passaram a ser encarados.
Este movimento tentou aplicar a fé cristã às condições sociais dos desfavorecidos, em
um esforço para corrigir a situação miserável em que viviam os trabalhadores nas áreas
industrializadas. Os fundamentos desta corrente teológica foram o estabelecimento do
Reino de Deus e Sua justiça84. O mais importante articulador do movimento foi o
Batista Liberal Walter Rauchenbusch (1861-1918)85, considerado o Pai do evangelho
social86. Rauschenbush teve um impacto tremendo na maneira de enxergar a salvação,
que na época enfatizava por demais a alma em detrimento do corpo. Este Batista frisou
que o estabelecimento do Reino de Deus envolvia a salvação holística do homem, fato
este que deveria alterar sua vida aqui e agora. Corolário a isto, nós cristãos, argüia ele,
precisamos lutar contra as estruturas que causam e mantêm os operários em situação de
penúria87.
Um teológo de imensa criatividade, os esforços literários de Raushenbush
impactaram figuras como Martin Luther King (direitos civis) e Gustavo Gustavo
Gutierrez (teologia da libertação). Em 1919, a Convenção Batista do Norte o nomeou de
“a mais potente personalidade dos Estados Unidos no reavivamento da idéia do Reino
de Deus”88.

82 Vide, PEREIRA, Breve História dos Batistas. pp. 93-101.

83 Vide, http://www.prayerfoundation.org/books/book_review_heroes_billy_graham.htm; http://en.


wikipedia.org/wiki/Billy_Graham; http://www.wheaton.edu/bgc/archives/bio.html; os três sites
acessados em 03/10/2009.
84 MCKIM, Donald. Westminster Dictionary of Theological Terms. Louiville: Westmister Press, 1996,
s.v. “Social Gospel”.
85 Rauschenbush estudou teologia e ciências econômicas na Universidade de Berlin, relações industriais
na Inglaterra, e teologia na Universidade de Rochester nos Estados Unidos. Ele foi pastor por onze anos
na “igreja dos Imigrantes Alemães” em Nova Iorque, e professor de História da igreja na Universidade de
Rochester. Escreveu vários livros, como por exemplo, Christianity and the Social Crisis, 1907; For God
and the People: Prayers of the Social Awakening, 1910; Unto me, 1912; Christianizing the Social Order,
1912; Dare we be Christian? 1914; Social Principles of Jesus, 1916; Theology of the Social Gospel,
1917; The Righteousness of the Kingdom, 1999.
86 Vide, http://www.reformedreader.org/rauschenbusch.htm, acessado em 29/09/2009.

87 Vide, http://people.bu.edu/wwildman/bce/rauschenbusch.htm, acessado em 29/09/2009.

88 Vide, http://spider.georgetowncollege.edu/htallant/courses/his338/students/kpotter/ conclusions.htm,


acessado em 29/09/2009.
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Um outro grande lutador por direitos sociais foi o supra citado Pastor Batista
Martin Luther King (1929-1968)89. Através de campanhas não-violentas contra o
racismo, e contra a pobreza, ele veio a se tornar celebridade nacional. Entre 1957 e
1968, King viajou mais de 9,6 milhões de kilometros falando em mais de 2.500
campanhas a favor de iguais direitos aos negros e mulheres, escreveu cinco livros, e
inúmeros artigos. Sua fama muito irritou segregacionistas do Sul dos EUA, que
acabaram por assiná-lo. King é a personalidade mais jovem da história a receber o
Premio Nobel da Paz (1964)90.
O aparecimento da Teologia da Libertação na segunda metade do século 20
reforçou os aspectos temporais (sócio-economicos) enfatizados pelo Evangelho Social.
“Evangelismo” passou a ser entendido por estas teologias Liberais como mudança nas
estruturas injustas que fomentavam a opressão dos menos favorecidos. Os evangélicos
conservadores, Batistas em particular, tiveram uma tendência inicial a rejeitar muitas
das reivindicações dos proponentes destes movimentos, e continuaram a frisar o novo
nascimento espiritual. Todavia, tem havido uma aproximação tanto da parte dos
Liberais, onde se vê um retorno ao evangelismo de conversão; quanto dos evangélicos
conservadores, onde se vê um esforço no campo social. Daí tem surgido as chamadas
“missões holísticas” que são entendidas como promotoras da salvação da alma e do
corpo. A Junta de Richmond coloca isto nestes termos: “A tarefa de missões suprema e
imperativamente é fazer discípulos, batizá-los, e ensiná-los a guardar tudo que Cristo
comandou. Isto inclui o mundo todo—cada criatura—cada geração. A tarefa de missões
é também ministrar compassivamente àqueles que estão com fome, sede, destituídos,
sem roupa, enfermos, aprisionados, et cetera”91.

7 – INDEPENDÊNCIA E COOPERAÇÃO

Nós, Batistas, embora enfatizemos o caráter independente de cada congregação,


de modo algum negamos a cooperação denominacional. Tanto isto é fato que a história
testifica de nossos esforços cooperativos desde nossa genesis. Um exemplo de
cooperação seria as reuniões dos Batistas Arminianos, entre 1626 e 1630, para debater
diferenças e concordâncias em relação aos menonitas holandeses. “Enquanto que os
menonitas condenavam fazer juramento, o exercício da função de magistrado e a guerra,
os Batistas nada disso recusavam”. Em um outro exemplo de cooperação, os Batistas
Particulares se reuniram em 1644 para fazer conhecido suas doutrinas Reformadas
publicando uma Confissão de Fé, “a primeira na história a prescrever imersão singular
como forma de batismo”92.
Foram os Batistas Reformados que tiveram a idéia de criar Associações ou
Convenções de igrejas, mas os Batista Arminianos foram os primeiros a implementar
tais Associações. O marco inicial do conceito associacional foi a Confissão de Fé de

89 King cursou Bacharel em Sociologia, pelo Morehouse College; fez outro bacharelado (teologia) no
Seminário Teológico Crozer, e um doutorado em Teologia Sistemática pela Universidade de Boston.
90 Vide, http://nobelprize.org/nobel_prizes/peace/laureates/1964/king-bio.html, acessado em 03/10/2009.

91 O original lê: “The task of missions supremely and imperatively is to make disciples, to baptize them,
and to teach them to observe all that Christ commanded. It includes all the world—every creature—every
generation. The task of missions is also to minister compassionately to those who are hungry, thirsty,
strangers, lack clothing, sick, imprisoned, and so forth”. CRAWLEY, Global Missions, pp. 283, 286.
92 BEZERRA, Interpretação Panorâmica dos Batistas, p. 22.

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1644. O Artigo XLVII carrega a idéia em forma embrionária: “Embora cada
congregação em particular seja distinta e [constitua] muitos corpos, cada qual uma
cidade entrelaçada e compacta em si mesmo, entretanto todas as igrejas devem andar
por uma única Regra, e de todas as formas convenientes para obter o conselho e a ajuda
uma das outras em todos os assuntos eclesiásticos necessários, como membros de um
único corpo na fé comum sob Cristo sua única Cabeça”93. A figura do “Mensageiro” é a
que melhor ilustra o espírito associativo dos Batistas. “Os Mensageiros eram indicados
pelas Convenções. O trabalho deles era plantar novas igrejas e confirmar as que já
existiam; ordenar pastores, e visitar igrejas para as aconselhar e orientar no que fosse
necessário; além de preparar relatórios à Convenção sobre o trabalho que eles
desenvolviam”94. As Associações locais se reuniam quando necessário, mas havia
também uma reunião anual chamada Assembléia Geral. Esta Assembléia era “composta
de representantes das várias Associações, e de igrejas que escolhessem mandar
representantes; que poderia ser o pastor ou membros das igrejas”95.
Nossos diversos modelos associacionais se tornaram menos compromissados
com as respectivas denominações Batistas, e mais preocupados com a igreja local. Isto
representa uma ameaça a integridade das diversas matizes Batistas. Em termos macro,
ainda ostentamos a Aliança Batista Mundial representando a maior família Protestante
do planeta, grupo formado por 216 Convenções Batistas dos vários países, com uma
comunidade de 105 milhões de pessoas, sem contar com Convenção Batista do Sul, que
não faz parte da Aliança96.

CONCLUSÃO

Muito mais poderia ser dito a respeito de nossas contribuições ao longo destes
400 anos. Por exemplo, a luta pelo estabelecimento de cântico congregacional de hinos,
no contexto Puritano que só permitia o cântico dos Salmos. O fato é que nós Batistas
temos uma gloriosa história de lutas e grandes conquistas. Se terminássemos este ensaio
considerando os sete pontos de forma prospectiva, poderíamos dizer o seguinte: (1) O
modelo hermenêutico que escolhemos—estrita subserviência do Antigo ao Novo
Testamento—poderia servir de guia a inúmeras igrejas neo-pentecostais que hoje
distorcem o culto cristão com os mais diversos tipos de adições Judaizantes. (2) Nosso
maior trunfo, “liberdade religiosa”, está sendo cerceado por Estados secularistas (hostis

93 No original se lê o seguinte: “And although the particular congregations be distinct and several Bodies,
every one a compact and knit Citie in it self; yet are they all to walk by one and the same Rule, and by all
meanes convenient to have the counsell and help one of another in all needfull affaires of the Church, as
members of one body in the common faith under Christ their onely head”.
94 CHRISTIAN, A History of the Baptists, p. 314.

95 CHRISTIAN, A History of the Baptists, p. 316.

96 Vide, http://www.bwanet.org/default.aspx?pid=5, acessado em 01/10/2009. “A Aliança Batista


Mundial estende-se sobre toda parte do mundo, e existe a fim de mostrar mais completamente a unidade
essencial do povo Batista no Senhor Jesus Cristo; para despertar inspiração à fraternidade e promover o
espírito de companheirismo, serviço e cooperação entre seus membros. Mas esta Aliança não pode de
modo algum interferir na independência das igrejas ou assumir funções administrativas de organização já
existentes”. Encyclopedia of Southern Baptists, Vol. 1, p. 128.
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a religião), a tal ponto que hoje precisamos do apoio de outras denominações
evangélicas a fim de manter esta liberdade. A reboque, (3) nossa “competência” é
também questionada pelo Estado, que se considera mais “competente” que o seus
cidadãos, e, portanto, apto a nos ensinar a ser “politicamente corretos”. Obviamente,
vigilância de nossa parte faz-se necessário! (4) O credobatismo imersionista acabou, no
geral, por triunfar. A grande maioria de novas denominações o utiliza, e em muitas
igrejas pedobatistas (por exemplo, Anglicanismo), já se assistem as duas maneiras de
batizar; e em outros rincões questiona-se a validade do rito infante dado sua total
falência (Europa inteira pedobatizada e hoje paganizada). (5) Nossa ênfase missionária
continua forte, e precisa ser mantida: esta é, a meu ver, nossa principal característica!
(6) O “evangelho social” nos acordou para missões holísticas, fazendo-os obreiros
melhores e mais completos—tanto a alma como o corpo precisam de “salvação”! Por
último, (7) atravessamos um momento delicado em nossa história devido ao excessivo
individualismo e isolacionismo que padecemos: o congregacionalimo é naturalmente
tendencioso a primeira das duas características que nos marca, “independência e
cooperação”. Há grande necessidade de enfatizar a “cooperação” se desejarmos um
próspero futuro como Batistas.

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