You are on page 1of 20

Capítulo III

Educação Literária
3. Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição
Introdução e Conclusão (leitura obrigatória)

Escolher mais 2 capítulos, de entre os seguintes: I, IV, X e XIX

Apresentação geral
Conteúdos essenciais
1. Vida e obra de Camilo Castelo Branco
2. A estrutura da obra
3. A concentração temporal da ação
4. Caracterização das personagens
4.1. Sugestão biográfica: Simão e o narrador
4.2. Construção do herói romântico
4.3. Relações entre personagens
5. O amor-paixão
6. A obra como crónica da mudança social
7. Linguagem e estilo
7.1. O narrador
7.2. Os diálogos

Síntese de conteúdos

Exercícios resolvidos
Nota: Neste Capítulo III, ponto 3, o Programa indica para estudo três obras em alternativa: "A Abóbada" de
Alexandre Herculano, Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett e Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco.

Apresentamos neste capítulo a análise das três obras, embora os alunos apenas tenham
de estudar uma delas.
APRESENTAÇÃO GERAL
Tem sido dito - e o grande Miguel de Unamuno foi um dos primeiros a dizê-lo, e magnifica-
mente - que é Camilo um dos mais, senão o mais português dos nossos escritores, porque soube
impor um mundo real de "almas do purgatório": Para fins de emoção artística e, como diriam
ingleses, de self-pity, é isto uma comovedora verdade. Mas não a transcender seria cometer um
erro grave, um monstruoso pecado: o de deixar o próprio Camilo continuar, pelos séculos dos
séculos, a sofrer o purgatório da sua dolorosa vida, em lugar de ascender ele mesmo, como é da
posteridade, à serenidade irradiante das suas mais belas páginas, aquelas que escreveu tão
lembrado da vida que se esqueceu até da sua própria. E, perante essa grandeza última, de que só
raras vezes outros raros portugueses se aproximaram, é que nos cumpre reconhecidamente
curvar-nos. [ ... ]
SENA, Jorge de, "Em Louvor de Camilo" in Estrada Larga,
Porto: Porto Editora, s. d., pp. 248-252 (com supressões)

Pondo de lado controvérsias respeitantes à filiação literária de Camilo (realista?), é inegável que
estamos perante uma das mais emblemáticas obras da nossa literatura. Ler Amor de Perdição é
seguir o caminho do amor impossível que só podia, na sociedade oitocentista, conduzir à tragédia.

Como veremos, a figura do autor é indissociável do protagonista, Simão Botelho, daí o


cruzamento das duas biografias. E é precisamente pela apresentação da vida e obra de Camilo
Castelo Branco que iremos iniciar o estudo desta novela sentimental.

CONTEÚDOS ESSENCIAIS
1. Vida e obra de Camilo Castelo Branco

Nota: Todas as citações da obra Amor de Perdição seguem a edição da Coleção Educação Literária, da Porto Editora, 2016.

Nascido em Lisboa, a 16 de março de 1825, Camilo Castelo Branco era filho de um pequeno fidalgo
transmontano, Manuel Joaquim Botelho Castelo Branco, e de Jacinta Rosa, que morreu dois anos após o seu
nascimento, tendo Camilo sido enviado para casa de uma tia, em Vila Real. Em 1839, transitou para casa da
irmã, em Vilarinho de Samardã, onde recebeu lições do Padre António de Azevedo, irmão do seu cunhado. Com
o objetivo de se formar em Medicina continuou os estudos no Porto e em Coimbra, mas em vão. Também
chegou a ingressar no seminário, porém a sua vida foi um constante duelo entre a fé e a revolta.

Aos 16, em 1841, portanto, casa com Joaquina Pereira da França, uma aldeã de quem teve
uma filha. Volúvel nos amores, abandona-as um ano mais tarde, tendo estas morrido pouco depois,
para se envolver com Patrícia Emília, num amor louco, que implicou o rapto da jovem, a consequente
entrada na Cadeia da Relação do Porto e mais uma filha. Outras paixões se seguiram, como a freira
Isabel Cândida Mourão, mas a "mulher fatal" foi Ana Plácido, casada com o comerciante Pinheiro
Alves, que conhece no período de 1848-1850, quando vivia uma existência boémia e escandalosa no
Porto, fazendo parte do grupo dos "Leões" do Café Guichard. Pela primeira vez, a ideia do suicídio
ocorre-lhe, porque é incapaz de conciliar a paixão entre uma freira, uma costureira e Maria Brown,
que por ele se apaixonara perdidamente.
Para fugir à sua vida problemática, parte para Lisboa, onde leva uma existência desregrada, para
voltar para o Porto e considerar a entrada no sacerdócio, a fim de matar a sua paixão proibida.
Incapaz de fazer isso, rapta Ana Plácido, tornando-se ambos fugitivos procurados por crime de
adultério, pelo qual foram presos em 1860, na cadeia da Relação do Porto. Em 1861, depois de um
julgamento mediático, são absolvidos e vão viver para Lisboa, onde nasce o filho Jorge (28.06.1863),
tendo-se instalado um ano mais tarde em S. Miguel de Ceide, na casa que pertencera a Pinheiro
Alves, após a morte deste. Com o nascimento de mais um filho, Nuno, além de um suposto filho de
Pinheiro Alves (Manuel Plácido), Camilo vê-se obrigado a escrever a um ritmo febril, de modo a
conseguir enfrentar as crescentes dificuldades financeiras, que o levam a vender a sua biblioteca em
leilão, em 1883. Aliás, não podemos esquecer que Amor de Perdição (1862) foi escrito em 15 dias, tal
como Memórias do Cárcere, novela que retrata a vida dos dois amantes encarcerados, foi escrita em
quarenta dias.
Os anos finais da sua vida foram angustiantes, porque teve de enfrentar a cegueira progressiva
que o impedia de escrever, a loucura do filho Jorge e a vida ociosa de Nuno (raptou, aliás, uma
herdeira rica para tentar solucionar esta situação).
Em 1890, a tragédia atingiu o desenlace: na casa de Ceide, no dia 1 de junho, Camilo suicidou-se
com um revólver, deixando uma obra vasta e diversificada, da qual se destacam: Onde está a
felicidade? (1856); Mistérios de Lisboa (1858); Amor de Perdição (1862); A Queda dum Anjo (1866);
Eusébio Macário (1879); A Corja (1880).

2. A Estrutura da obra

Amor de Perdição, cujo subtítulo é Memórias de uma família, aponta para dois níveis de
ação: por um lado, serão narrados os factos trágicos da personagem principal, Simão Botelho,
que podem ser resumidos na simbólica frase "Amou, perdeu-se e morreu amando"; por outro,
apresenta-se, em tons memorialísticos, a genealogia da família Botelho .

Foi precisamente a história do seu tio paterno que Camilo teve como missão contar, tal como
podemos ver a partir da Introdução, na qual a figura de Simão é fulcral em termos de
desenvolvimento narrativo:
Amou (1: parte) / Perdeu-se (2: parte) / Morreu amando (3.a parte). Assim, Amor de
Perdição possuí uma estrutura sequencial, em gradação crescente, sem pausas (pelo menos
significativas, como ocorre no capítulo VII, em que o narrador caracteriza a vida corrupta do
convento de Viseu) nem desvios, até ao ponto máximo do desenlace.       
Acompanhemos, então, o percurso deste amor trágico com evidentes laivos da tragédia de Shakespeare.    

Introdução  Apresentação de Simão Botelho, condenado ao degredo na índia

 Reflexões do narrador

 Diálogo com o leitor

Capítulo I  Apresentação da árvore genealógica da família Botelho

 Caracterização de Simão aos 15 anos: rebelde estudante em Coimbra

Capítulos II-III  Liberalismo de Simão, que o leva à cadeia, em Coimbra, e ida para Viseu ao fim de 6 meses
 Paixão por Teresa, filha de Tadeu de Albuquerque, de uma família rival da sua
 Mudança de comportamento de Simão, mais moderado e sereno
 Descoberta da relação por Tadeu de Albuquerque, que ameaça enclausurar a filha num
convento e promove a aproximação de Baltasar Coutinho, seu primo, que é recusado por
Teresa, que se confessa apaixonada por Simão
Capítulo IV  Imposição de Baltasar a Teresa, recusa desta e promessa de Tadeu de Albuquerque de enviar
a filha para um convento
 Escrita de uma missiva a Simão, na qual Teresa relata a sua situação
Capítulos V-IX  Visita de Simão à sua amada, durante a noite, interrompida por Baltasar, que prepara uma
emboscada ao seu adversário

 Fuga de Simão, apesar de ferido, com a ajuda de João da Cruz, que mata dois criados de
Baltasar

 Refúgio de Simão em casa do mestre ferrador, que deve a sua vida a Domingos Botelho, pai
de Simão, enquanto Teresa é enviada para o convento em Viseu

 Carinho de Mariana, filha de João da Cruz, a tratar de Simão; Mariana apaixona-se por ele

 Plano de Tadeu de transferir a sua filha para o convento de Monchique, no Porto, o que leva
Simão a preparar um plano para a resgatar

 Ajuda de Mariana, que se prontifica a fazer chegar uma carta de Simão a Teresa

Capítulo X  Ida de Simão ao convento de Viseu, onde se encontra com Baltasar, matando-o e
sendo depois preso

Capítulos XI-XX  Abandono de Simão pela sua família, passando a contar apenas com o auxílio de Mariana

 Condenação de Simão à forca, após sete meses de prisão, o que deixa Mariana desvairada,
passando a ser o seu pai o adjuvante na troca de correspondência entre os dois apaixonados

 Doença de Teresa, que anseia pela morte, apesar de Simão, com quem se corresponde
secretamente, através de Mariana, a incitar a não desistir

 Decisão de Tadeu em trazer a filha para Viseu quando sabe do seu estado de saúde frágil, mas
também porque toma conhecimento de que Simão será transferido para o Porto
 Recusa de Teresa em aceitar a vontade de seu pai

 Assassínio de João da Cruz pelo filho do almocreve que tinha matado há dez anos

 Condenação de Simão ao degredo na índia, por dez anos, sendo que Mariana tem intenções
de o acompanhar

 Súplica vã de Teresa para que Simão não aceite o degredo e cumpra o mesmo período na
cadeia

 Partida de Simão para a índia, na companhia de Mariana, no momento em que é informado


da morte de Teresa

Conclusão  Morte de Simão passados dez dias e suicídio de Mariana, que se atira ao mar, na companhia do
corpo do seu amado
3. A concentração temporal da ação
Apesar de a obra abarcar um período lato, quando é referida, no capítulo I, a árvore genealógica da família Botelho,
a intriga está bastante concentrada, visto que poucos anos decorrem entre a apresentação do jovem Simão, com 15
anos, estudante rebelde em Coimbra, e a sua prisão, com 18 anos, após ter assassinado Baltasar.

Toda a ação concorre sem desvios para o final como podemos ver pelo esquema que se segue:

Capítulo I
 Genealogia da família Botelho (período de 40 anos)
 Explicação do ódio entre as famílias

Capítulo l-XX
 Rebeldia e subsequente prisão de Simão
 Paixão proibida por Teresa
 Morte do seu antagonista
 Prisão e condenação ao degredo
(período entre 1801-1807)

Conclusão .
 Partida de Simão para a índia
 Morte de Teresa
 Morte de Simão
 Suicídio de Mariana
              (10 dias)

4. Caracterização das personagens

4.1. Sugestão biográfica: Simão e o narrador

A partir da observação da árvore genealógica de Camilo que a seguir se apresenta, é possível comprovar
que a história da sua família é o pretexto ideal para a ficção, tendo em conta, porém, que as personagens·
referenciais (históricas) foram em certos casos adulteradas pela imaginação do escritor, a saber:

 o pai de Simão é de origem plebeia;

 Simão cometeu vários crimes e não se emendou;

 Manuel foi desertor encoberto pelo pai;

 Teresa, Baltasar, João da Cruz e Mariana são produto da imaginação.


A partir da leitura da Introdução, são estabelecidas as relações de semelhança entre o herói
romântico e o próprio Camilo, pois este está encarcerado no mesmo local onde o seu tio esteve,
havendo coincidência nos motivos também: um amor proibido. No caso de Simão, o seu amor por
Teresa tinha como oponente o pai da jovem, sendo que o motivo para tal era o ódio que afastava os
Albuquerque e os Botelho bem ao gosto da tragédia Romeu e Julieta; já no caso de Camilo o seu
amor por uma mulher casada, Ana Plácido, levou a que fugissem juntos e fossem, por isso,
acusados do crime de adultério, o que os levou à cadeia, embora também pudessem ter sido
degredados.
Para além da correlação ao nível dos amores contrariados, há, igualmente, a nível familiar, uma
evidente ligação entre os dois: Camilo perdeu a mãe aos dois anos, e Simão foi abandonado pela
família depois deter matado Baltasar Coutinho (sendo esta parte ficção).
INTRODUÇÃO Explicação
Folheando os livros de antigos assentamentos1, no cartório das cadeias da > do título: obra ficcional,
Relação do Porto, li, no das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a folhas baseada em factos reais;
232, o seguinte: ) do subtítulo: sugestão
de relato memorialístico
Simão António Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e
e familiar verídico.
estudante na Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e
assistente na ocasião de sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos,  Desejo de conferir
filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo veracidade aos factos
Branco; estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba narrados, através do
preta, vestido com jaqueta2 de baetão3 azul, colete de fustão 4 pintado e calça recurso a documentos
de pano pedrês5. E fiz este assento, que assinei - Filipe Moreira Dias. oficiais.

 Caracterização de
À margem esquerda deste assento está escrito: Simão:
Foi para a Índia em 17 de março de 1807.
} Direta:"estatura
Não seria fiar demasiadamente na sensibilidade do leitor, se cuido que o ordinária, cara redonda,
degredo6 de um moço de dezoito anos lhe há de fazer dó. olhos castanhos, cabelo e
barba preta";
Dezoito anos! O arrebol7 dourado e escarlate da manhã da vida! As
louçanias8 do coração que ainda não sonha em frutos, e todo se embalsama ) Indireta: apaixonado,
vítima do amor e do
no perfume das flores! Dezoito anos! O amor daquela idade! A passagem do
destino, sofredor,
seio da família, dos braços da mãe, dos beijos das irmãs para as carícias mais
imaturo - colhe a
doces da virgem, que se lhe abre ao lado como flor da mesma sazão 9 e dos
simpatia do narrador.
mesmos aromas, e à mesma hora da vida! Dezoito anos! .. E degredado da
pátria, do amor e da família! Nunca mais o céu de Portugal, nem liberdade,  Discurso emotivo,
nem irmãos, nem mãe, nem reabilitação, nem dignidade, nem um amigo! ... É pautado por enumerações
triste! exclamativas reveladoras
O leitor decerto se compungia 10: e a leitora, se lhe dissessem em menos de da vida desgraçada do
uma linha a história daqueles dezoito anos, choraria! herói.
Amou, perdeu-se, e morreu amando.
 Frase-chave "Amou,
É a história. E história assim poderá ouvi-la a olhos enxutos a mulher, a
perdeu-se, e morreu
criatura mais bem formada das branduras da piedade, a que por vezes traz amando": sintetiza o
consigo do céu um reflexo da divina misericórdia; essa, a minha leitora, a percurso biográfico de
carinhosa amiga de todos os infelizes, não choraria se lhe dissessem que o Simão e revela a unidade
pobre moço perdera honra, reabilitação, pátria, liberdade, irmãs, mãe, vida, de ação, sem desvios
tudo, por amor da primeira mulher que o despertou do seu dormir de narrativos,
inocentes desejos?! precipitando-se para o
Chorava, chorava! Assim eu lhe soubesse dizer o doloroso sobressalto que desenlace.
me causaram aquelas linhas, de propósito procuradas, e lidas com amargura e
 Reações que o
respeito e, ao mesmo tempo, ódio. Ódio, sim ... A tempo verão se é perdoável
narrador
o ódio, ou se antes me não fora melhor abrir mão desde já de uma história
espera do público-leitor:
que me pode acarear11 enojos12 dos frios julga dores do coração, e das identificação com a
sentenças que eu aqui lavrar contra a falsa virtude de homens, feitos história narrada,
bárbaros, em nome de sua honra. partilhando da mesma
dor, amargura e respeito
1. assentamentos: registos; 2. jaqueta: casaco curto; 3. baetão: tecido de lã do narra dor.
grossa; 4. fustão: tecido encordoado; 5. pedrês: sarapintado de preto e branco;
6. degredo: exílio, pena de des- terro imposta por certos crimes; 7. arrebol: cor
 Análise do narrador:
de fogo que às vezes o horizonte toma ao nascer e pôr do Sol; princípio (fig.):
heterodiegético, mas
8. louçanias: alegrias; 9. sazão: estação do ano; época; 10. compungia: afligia,
sensível à história narrada
enternecia; 11. acarear: atrair; 12. enojos: repulsas. e estabelecendo uma relação
com o leitor convocado para
com ele partilhar emoções.

4.2. Construção do herói romântico

Simão é o protótipo do herói romântico transgressor das regras sociais e desejoso de liberdade.
Nascido em Lisboa na freguesia da Ajuda, em 1784, tem um génio bravo e rebelde, características
herdadas da sua mãe, a par da beleza, como podemos ler no capítulo I, o que o levou a estar preso
durante seis meses, em Coimbra, pela defesa dos ideais revolucionários franceses.

Contudo, este ímpeto social acalmou quando, em Viseu, conheceu Teresa de Albuquerque, o que
levou à sua regeneração, embora não definitiva, como os acontecimentos futuros provaram. Assim,
quando percebe que tem de lidar com a feroz oposição de Tadeu de Albuquerque, volta a revelar toda
a sua veia sanguinária, enfrentando os seus adversários, nomeadamente o pretendente da sua
amada, Baltasar Coutinho, que acaba por matar. No entanto, também encontramos dualidade em
Simão, pois não deixa de revelar o seu espírito nobre quando João da Cruz, pai de Mariana,
apaixonada por Simão, mata de forma cruel um empregado de Baltasar (cap. VI) ou quando toma
conhecimento do espancamento de uma mendiga pelo hortelão do convento (cap. IX).
Enquanto está em casa de João da Cruz, Simão transforma-se em poeta, sendo a carta que escreve
a Teresa, no capítulo X, a prova disso - é o herói romântico.

Considero- te perdida, Teresa. O sol de amanhã pode ser que eu o não veja. Tudo, em volta de mim,
tem uma cor de morte. Parece que o frio da minha sepultura me está passando o sangue e os ossos.

Não posso ser o que tu querias que eu fosse. A minha paixão não se conforma com a desgraça.
Eras a minha vida: tinha a certeza de que as contrariedades me não privavam de ti. Só o receio de
perder-te me mata. O que me resta do passado é a coragem de ir buscar uma morte digna de mim e
de ti. Se tens força para uma agonia lenta, eu não posso viver com ela. [...]
Lembra-te de mim. Vive para explicares ao mundo, com a tua lealdade a uma sombra, a razão por
que me atraíste a um abismo. Escutarás com glória a voz do mundo, dizendo que eras digna de mim.
À hora em que leres esta carta...
(pp. 110-111)

Para mostrar a sua verticalidade, embora tenha a hipótese de fugir ou de mentir ao juiz, nega ter
matado Baltasar em legítima defesa. Também revela a sua coragem ao recusar a ajuda monetária da
mãe, que lhe tinha escrito uma carta na qual mencionava o seu nascimento em circunstâncias difíceis
(cap. XI).
A sua força é inabalável, mesmo quando é condenado à forca, após sete meses de cadeia, afirmando
que “A forca é a única festa do povo!" (cap. XII). É, então, transferido para a cadeia do Porto, onde alude
ao seu destino trágico em cartas dirigidas a Teresa, para além de escrever as suas reflexões.
Elogiado pelo corregedor Mourão Mosqueira, Simão vê a sua pena alterar-se para o degredo na
índia, durante dez anos. Mais tarde, contudo, pode optar por cumprir dez anos na cadeia, perto de
Teresa, ou a liberdade relativa do degredo. O seu génio volta a revelar-se e recusa ir para Vila Real, pelo
que no dia 10 de março de 1807 recebe ordem de embarcar, numa altura em que o estado de saúde de
Teresa se agrava.
Quando embarca, no dia 17, Simão ainda avista Teresa no mirante do Convento, no entanto, esta
morre logo. Já no barco, lê uma carta muito especial de Teresa que continha os projetos iniciais dos
dois amantes.
Doente, morre no dia 27 e o seu corpo é atirado ao mar.

Em suma, podemos concluir que Simão é uma personagem modelada, pois evidencia diferentes
comportamentos ao longo da novela, principalmente depois de ter conhecido a salvação através do
amor por Teresa que o tornou mais calmo, mais ponderado, mais sereno, mesmo que não tenha
abandonado as suas firmes convicções. Sendo poeta, como provam as cartas românticas que escreveu
à sua amada, não deixa de ser lúcido e fiel aos seus princípios, que o levam a abraçar a liberdade
relativa do degredo à clausura da prisão em Vila Real. Os seus ímpetos mais latentes foram mitigados
pelo amor, mas continuou a latejar dentro de Simão uma rebeldia que só encontra fim na morte, o que
aproxima ainda mais este herói de Camilo, já que os percursos biográficos de ambos são similares.

4.3 – RELAÇÃO ENTRE AS PERSONAGENS

Num primeiro momento, é importante atentarmos no triângulo amoroso desta novela.

Simão
Apaixonado por Teresa
Fiel aos seus princípios

Teresa Mariana
 apaixonada por  apaixonada por
Simão
 Corajosa perante Simão
o seu pai  Cúmplice dos
dois amante

Para além deste triângulo, convém analisar as relações que se estabelecem entre estas personagens e as restantes:

Família Botelho Família Albuquerque Outras personagens


Domingos Oponente da relação Tadeu de Oponente da relação Mariana Apaixonada por    Simão,
Botelho Albuquerque
entre o seu filho e entre a sua filha e mesmo sabendo que não é
Teresa, visto que o pai Simão, visto que o pai correspondida, sacrifica o seu
desta é seu inimigo. deste é seu inimigo. amor-próprio ao partir com ele
para o degredo, anulando, com
a morte de Simão, a sua vida.
Jovem (15 anos), rica
Maternal e preocupada
herdeira e bonita, revela Protetor de Simão, por dívida
com o filho, é incapaz Teresa
uma força de carácter de gratidão para com o pai
D. Rita de se opor à decisão do João da Cruz
excecional para a época, dele, Domingos Botelho.
Preciosa marido. Albuquerque
quando de opõe às
decisões do pai

Indiferentes ao irmão,
sendo que apenas Rita Convencido e egotista, Intermediária entre
Baltasar
Irmãos de (tia que acolheu Camilo não se conforma com o Mendiga os dois amantes.
Coutinho
Simão após a morte da mãe) facto de a prima o
se preocupa com ter preterido.

Simão.
Sensível à coragem
Corregedor de Simão, comuta-lhe a pena
para o degredo, em vez da
forca.

Pelo apoio prestado a Simão, iremos agora atentar nas personagens João da Cruz e na sua filha Mariana.

João da Cruz Mariana


 Embora seja uma personagem ficcionada, é a mais  Com 24 anos, bonita (até mais do que Teresa), Mariana
verosímil da novela representa a jovem popular, inculta e supersticiosa, que
 Homem do povo e ferrador de profissão, oscila é derrotada por um amor não correspondido
entre a gratidão para com o pai de Simão e a  Exemplo de abnegação e sofrimento, a apaixonada de
crueldade com que mata um dos homens de Simão vive do e para o amor, que encara como única
Baltasar Coutinho razão de viver
 Aconselha-se a leitura dos capítulos IV, V, VI, VIII,  Ainda que obediente ao seu pai, recusa firmemente
X, XV e XVII, para completar a sua caracterização outros pretendentes
 Para ela, o amor é visto como algo sagrado, ainda que
Simão apenas sinta um amor fraterno por ela
 Desprendida dos bens terrenos, não hesita em
abandonar tudo depois da morte de seu pai, para
acompanhar Simão no degredo

5. O amor-paixão

Nesta obra, Camilo aborda a temática dos "mártires do amor" associando-lhes a ideia do Destino e
da Morte. Para uma melhor compreensão da ideologia amorosa de Amor de Perdição, o texto seguinte
afigura-se como esclarecedor:

A fórmula "mártires do amor"; que figura já nos "infernos dos namorados" quatrocentistas e
que Camilo redes cobre, tem nesta novela passional um alcance mais do que metafórico. Trata-
se, afinal, de promover o amor à categoria do sagrado, do incomensurável com a razão e com as
normas mais correntes (tendência cujas raízes se documentam já na simbologia sexual dos ritos
primitivos e que certas novelas arturianas, nomeadamente a de Tristão e Isolda, elevaram mais
tarde ao plano das relações psíquicas). [ ... ]
O sofrimento, o remorso, a expiação cruciante do pecado de fruir na Terra a glória de um
amor ultraterreno é que resgata (mais do que isso: é que assinala) as almas deveras eleitas - e não
o pacato cumprimento das normas do Decálogo ou do código civil. Camilo esmera-se em recortar,
sobre o fundo da sua própria impossibilidade necessária, ou até mesmo essencial, o trágico
frémito de um amor em regra ilegal, por vezes sacrílego... [...]
Nas condições do gosto nacional da época, salientemos sobretudo as qualidades positivas dos
melhores espécimes desta novela, sobretudo o Amor de Perdição: uma grandeza trágica de
paixões e situações; uma narração densa e rápida das ações decisivas; caracteres psicológicos
secundários inteiramente subordinados às necessidades de dignificação do conflito central, mas
por vezes realistas e enérgicos, sobretudo quando extraídos do meio popular (João da Cruz,
Mariana, por exemplo); diálogo geralmente eivado de retórica sentimental, mas por vezes de uma
nobreza trágica nas personagens principais, e extraordinariamente vivo, colorido, incisivo nos
tipos populares.
SARAIVA, António José e LOPES, Oscar, in História da Literatura Portuguesa,
12: ed., Porto: Porto Editora, 1982, pp.851-852 (com supressões)

o excerto do capítulo X que se segue é bem revelador desse pulsar amoroso intenso que, agrilhoado às
normas sociais, torna Simão e Teresa em duas almas penadas que só encontrarão a paz para lá da terra.

Ao anoitecer, Simão, como se estivesse sozinho, escreveu uma longa carta,  Sugestão da forte
da qual extratamos os seguintes períodos: carga dramática da missiva
"Considero-te perdida, Teresa. O sol de amanhã pode ser que eu o não que Simão escreve a Teresa a
veja. Tudo, em volta de mim, tem uma cor de morte. Parece que o frio da partir da leitura da primeira
minha sepultura me está passando o sangue e os ossos. frase e reiterada através de
expressões como "Parece que
Não posso ser o que tu querias que eu fosse. A minha paixão não se o frio da minha sepultura me
conforma com a desgraça. Eras a minha vida: tinha a certeza de que as está passando o sangue e os
contrariedades me não privavam de ti. Só o receio de perder-te me mata. O ossos."
que me resta do passado é a coragem de ir buscar uma morte digna de mim e
 Desejo de vingança de
de ti. Se tens força para uma agonia lenta, eu não posso com ela.
Simão, que se sobrepõe ao
Poderia viver com a paixão infeliz; mas este rancor sem vingança é um sentimento amoroso
inferno. Não hei de dar barata a vida, não. Ficarás sem mim, Teresa; mas não - o herói romântico é incapaz
haverá aí um infame que te persiga depois da minha morte. Tenho ciúmes de de viver sabendo que o
todas as tuas horas. Hás de pensar com muita saudade no teu esposo do Céu, infame que ultrajou Teresa
e nunca tirarás de mim os olhos da tua alma para veres ao pé de ti o miserável está vivo.
que nos matou a realidade de tantas esperanças formosas.  Crença num amor
Tu verás esta carta quando eu estiver num outro mundo, esperando as para além deste mundo,
capaz de transcender o físico
orações das tuas lágrimas. As orações! Admiro-me desta faísca de fé que me
para atingir o espiritual e
alumia nas minhas trevas!.. Tu deras-me com o amor a religião, Teresa. Ainda
eterno.
creio; não se apaga a luz que é tua; mas
a providência divina desamparou-me.

Lembra-te de mim. Vive para explicares ao mundo, com a tua lealdade a


uma sombra, a razão por que me atraíste a um abismo. Escutarás com glória a
voz do mundo, dizendo que eras digna de mim.

À hora em que leres esta carta..."

Assim, podemos concluir que:

 o amor-paixão se concretiza na morte dos amantes, que enfrentam a violência repressiva das leis
familiares e religiosas;
 o amor é elevado a um patamar sagrado, em que há a redenção pelo sofrimento e a expiação dos
pecados;
 o amor transpõe barreiras físicas, instituindo-se para além da morte;
 o Destino domina estas personagens, incapazes de concretizarem os seus destinos individuais.

O amor que une Simão a Teresa leva a que os dois jovens se comportem de forma transgressora,
desafiando os limites sociais e familiares impostos. No entanto, é impossível escapar ao Destino implacável
que se debate sobre estas personagens e que, simultaneamente, eleva este amor à dimensão espiritual
6. A obra como crónica da mudança social
Atente-se agora num excerto do capítulo IV, que é revelador da transgressão social que esta novela anuncia.

 Construção do retrato de
O coração de Teresa estava mentindo. Vão lá pedir sinceridade ao coração!
Teresa enquanto jovem:
Para finos entendedores, o diálogo do anterior capítulo definiu > Perspicaz, pois percebe a
a filha de Tadeu de Albuquerque mulher varonil, tem força de carácter, orgulho hipocrisia social, que potencia a
fortalecido pelo amor, despego das vulgares apreensões, se são apreensões a renúncia mentira, o engano, a falsidade;
que uma filha faz do seu alvedrio às imprevidentes e caprichosas vontades de seu pai.
> Determinada em seguir o seu
[ ... ] Teresa adivinha que a lealdade tropeça a cada passo na estrada real da vida, e que
coração, o que a leva a opor-se a
os melhores fins se atingem por atalhos onde não cabem a franqueza e a sinceridade.
seu pai, pois prefere morrer a
Estes ardis são raros na idade inexperta de Teresa; mas a mulher do romance quase
casar com O seu primo;
nunca é trivial, e esta, de que rezam os meus apontamentos, era distintíssima. A mim
me basta, para crer em sua distinção, a celebridade que ela veio a ganhar à conta da > Com grande autodomínio, visto
desgraça. que não chora quando o pai a
amaldiçoa;
Da carta que ela escreveu a Simão Botelho, contando as cenas descritas, a crítica
deduz que a menina de Viseu contemporizava com o pai, pondo a mira no futuro, sem > insubmissa e desafiadora da lei
passar pelo dissabor do convento, nem romper com o velho em manifesta paterna.
desobediência. Na narrativa que fez ao académico omitiu ela as ameaças do primo
Baltasar, cláusula que, a ser transmitida, arrebataria de Coimbra o moço, em quem
sobejavam brios e bravura para mantê-los.

Mas não é esta ainda a carta que surpreendeu Simão Botelho. [...]
Ao romper da alva dum domingo de junho de 1803, foi Teresa chamada para ir com seu
pai à primeira missa da igreja paroquial. [...]

- Vais hoje dar a mão de esposa a teu primo Baltasar, minha filha.
[...] Não te consultei outra vez sobre este casamento, por temer que a reflexão fizesse
mal ao zelo de boa filha com que tu vais abraçar teu pai, e agradecer-lhe a prudência
com que ele respeitou o teu génio, velando sempre a hora de te encontrar digna do seu
amor.
Teresa não desfitou os olhos do pai; mas tão abstraída estava que escassamente lhe
ouviu as primeiras palavras, e nada das últimas.
 Teresa é rebelde na
- Não me respondes, Teresa?! - Tornou Tadeu, tomando-lhe cariciosamente as mãos. forma como não segue o caminho
- Que hei de eu responder-lhe, meu pai? - Balbuciou ela. [...] que seu pai
- E não será mais certo odiá-lo eu sempre!? Eu agora mesmo o abomino como nunca para si traçou, o que seria
pensei que se pudesse abominar! Meu pai... - Continuou ela, chorando, com as mãos expectável na época, e está
erguidas - mate-me; mas não me force a casar com meu primo! É escusada a violência, confiante na sua crença de casar
porque eu não caso... por amor - sinal da mudança dos
Tadeu mudou de aspeto, e disse irado: tempos e das convenções sociais
- Hás de casar! Quero que cases! Quero!... Quando não, amaldiçoada serás para da época.
sempre, Teresa! Morrerás num convento! Esta casa irá para teu primo! Nenhum infame
há de aqui pôr um pé nas alcatifas de meus avós. Se és uma alma vil, não me
pertences, não és minha filha, não podes herdar apelidos honrosos, que foram pela
primeira vez insultados pelo pai desse miserável que tu amas! Maldita sejas!
Entra nesse quarto, e espera que daí te arranquem para outro, onde não verás um
raio de sol.
Teresa ergueu-se sem lágrimas, e entrou serenamente no seu quarto. Tadeu de
Albuquerque foi encontrar seu sobrinho, e disse-lhe:
- Não te posso dar minha filha, porque já não tenho filha. A miserável, a quem dei
este nome, perdeu-se para nós e para ela. [...]

"
A partir da leitura do capítulo IV na sua globalidade, é possível elencar alguns dos aspetos
que tornam esta obra uma crónica anunciadora da mudança social não só ao nível do
matrimónio. Desta forma:

 apresenta-se uma sociedade em transformação, na qual ecoam os ideais da Revolução


Francesa, de que Simão Botelho se apresenta como defensor;

 critica-se uma sociedade retrógrada e feita de desigualdades, a começar pela insignificância


social da mulher;

 denuncia-se uma sociedade repressora em diferentes quadrantes - social (através da


discriminação de géneros, como já referido); jurídico (com a corrupção da justiça, manietada pelos
poderosos, como quando Domingos Botelho intervém junto de um corregedor de forma a obter o
perdão para o seu filho Manuel, que tinha desertado do exército); religioso (com a tirania dos
conventos); familiar (através dos casamentos por conveniência e da autoridade paterna, que era
inquestionável);

• apontam-se as contradições entre o ser e o parecer, com a vida dissoluta que reinava nos
conventos;

 valoriza-se o papel do homem enquanto indivíduo, que pugna pelos ideais da liberdade, da
dignidade e da honra.

Não podemos deixar de referir que Camilo era particularmente sensível a estes aspetos, pois
também ele foi vítima de uma sociedade opressora, que limita a liberdade de ações dos indivíduos,
impedindo-os de atingirem a felicidade. Há, efetivamente, nesta obra um carácter revolucionário,
com a insubordinação de Teresa, que não aceita casar com quem seu pai lhe impõe. Desta forma, a
Revolução Francesa é trazida para dentro da família.

Tal como Simão e Teresa se opuseram à força dominante, tendo pagado com a própria vida o
preço dessa ousadia, também Camilo e Ana Plácido foram condenados socialmente e perseguidos
pelo seu direito à diferença, pelo seu amor-paixão que esbarrava nos muros das estruturas
familiares e dos códigos de conduta humana da época.

7. Linguagem e estilo

7.1. o narrador

Partindo do título e do subtítulo da obra, podemos distinguir duas dimensões - a memorialista e


a ficcional -, o que nos leva a nova distinção, desta feita do narrador enquanto autor e do narrador
enquanto porta-voz da ficção.

o narrador-autor evidencia-se nos seguintes momentos:

 na Introdução: "Folheando os livros de antigos assentamentos, no cartório das


cadeias da Relação do Porto, li, no das entradas dos presos ... ";

 nas linhas finais da Conclusão, quando identifica Manuel Botelho como seu pai: 'A
última pessoa falecida, há vinte e seis anos, foi Manuel Botelho, pai do autor deste
livro."
Quanto ao narrador da ficção, as suas marcas estão presentes quando:
 Narra com evidente comoção a história dos amores trágicos: "Dezoito anos! ... E degredado da
pátria, do amor e da família! Nunca mais o céu de Portugal, nem liberdade, nem irmãos, nem mãe,
nem reabilitação, nem dignidade, nem um amigo! ... É triste!" (Introdução);

 se comove com as ações das personagens ou quando as elogia: "Para finos entendedores, o
diálogo do,." anterior capítulo definiu a filha de Tadeu de Albuquerque" (Cap. IV);

 tece comentários pessoais: "O coração de Teresa estava mentindo. Vão lá pedir sinceridade ao
coração!" (Cap. IV); "O que tu sofrias, nobre coração de mulher pura! Se o que fazes por esse moço é
gratidão ao homem que salvou a vida de teu pai, que rara virtude a tua!" (Cap. IX);

 interpela o narratário, isto é, o leitor, com intenção de suscitar a sua reflexão: "O leitor decerto
se compungia; e a leitora, se lhe dissessem em menos de uma linha a história daqueles dezoito anos,
choraria!" (Introdução).

Este narrador, ora mero relator, ora observador crítico, ao optar pelo processo da caracterização
indireta das personagens como tipo de caracterização dominante, intercala a focalização externa
com a interna, predominando a primeira enquanto se assume como narrador das memórias da
família, que dá lugar à segunda, à medida que a intriga avança. Neste sentido, facilmente se
compreende o porquê de Simão e Mariana irem surgindo de forma mais simpática aos leitores,
através de um efeito claro de verosimilhança.

7.2. Os diálogos

Nota-se a preocupação de Camilo em conseguir o efeito de verosimilhança através dos diálogos que
marcam os momentos quer de tensão, quer de paixão, quer ainda de sofrimento amoroso.
Os diálogos são também instrumentos únicos de descodificação das características específicas de
determinado grupo social, nomeadamente da nobreza/burguesia (com um registo cuidado) e do
povo (com a sua linguagem coloquial e familiar).

Vejamos, pois, como essas marcas se concretizam no excerto do capítulo X que se segue:

Tadeu enxugou as lágrimas, e deu alguns passos a saudar  Diálogo marcado por forte tensão dramática e
a filha, que não ergueu do chão os olhos. que:
- Teresa ... - disse o velho. > acentua as características românticas de
- Aqui estou, senhor - respondeu a filha, sem o encarar. Teresa;
>reforça a sua rebeldia e inconformismo face à
- Ainda é tempo - tornou Albuquerque. vontade de seu pai e face às convenções
- Tempo de quê? sociais da sua época;
- Tempo de seres boa filha. > reitera os contornos trágicos deste amor.
- Não me acusa a consciência fie o não ser.  Salientam-se:
- Ainda mais?!. .. Queres ir para tua casa, e esquecer o > as frases curtas e incisivas, que refletem a
maldito que nos faz a todos desgraçados? tensão vivida entre pai e filha;
- Não, meu pai. O meu destino é o convento. Esquecê-lo
nem por morte. Serei filha desobediente, mas mentirosa é > o uso de reticências a sugerir a pausa no
que nunca. discurso, para reflexão, provando o
Teresa, circunvagando os olhos, viu Baltasar, e confronto de ideologias antagónicas;
estremeceu, exclamando:
-Nem aqui! > as frases exclamativas de Tadeu ou as de
- Fala comigo, prima Teresa? - disse Baltasar, risonho. Teresa, mostrando estas a exasperação da
jovem perante a presença de Baltasar;
- Consigo falo! Nem aqui me deixa a sua odiosa presença?
[... ] > o recurso a um registo cuidado, adequado à
posição social das personagens, marcando a
distância geracional.
SÍNTESE DE CONTEÚDOS

Prisãona
Prisão de Simão, decadeia
Camilo, na cadeia de Relação do Porto, pela sua relação adúltera com Ana Plácido
de Relação Orfandade precoce
do Porto por ter de Camilo
                                         morto o seu adversário
Abandono de Simão pela
                                          sua família
vs.

Sugestão
biográfica: Simão e o
narrador

Simão, personagem
modelada e protótipo do
herói romântico, é o reflexo
AMOR DE PERDIÇÃO da vida conturbada, polémica
e infeliz do autor, Camilo

Simão e Teresa: amor correspondido, físico e intenso


Simão e Mariana: amor não correspondido, fraternal da parte de
Simão e intenso da parte de Mariana, que não aguenta viver sem
o seu amor, suicidando-se
Relação
entre as
personagens

Simão Botelho: o percurso do herói romântico


 Estatuto nobre
 Rebelde e impulsivo
 Apaixonado e movido pelo amor que o une a Teresa (e ao mesmo tempo o afasta dela)
 Moderado, calmo, tranquilo, ainda que não perca a veia sanguinária que pulsa dentro de si
 Rebelde e desafiador das convenções sociais e morais
 Ansioso pela liberdade

A obra como crónica da mudança social

 Crítica ao ser VS. parecer


 Denúncia dos privilégios das classes superiores
 Condenação dos casamentos por conveniência
 Oposição a uma sociedade repressiva e retrógrada
 Defesa da liberdade individual e da valorização dos ideais nobres

You might also like