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Oa Colegao Fronteiras Educacionais os resultados académicos dos estudantes ¢ os fatores associados a eles (cf. MIRANDA, 2006)". Ainda deve-se destacar a importancia de que as redes desen- volvam um processo de comunica¢4o com a comunidade da es- cola, tendo como foco o consumo de dados no processo de ava- liagao institucional, baseado na andlise dos dados do processo de avaliacao em larga escala e ancorado na avaliagao periddica do projeto politico-pedagégico da escola. E na formulagio e re- formulacao deste projeto que os dados da avaliacao sao introdu- zidos ¢ revela-se a reflexao que a escola realiza sobre eles, bem como suas demandas e os seus compromissos. Aspectos politicos implicados na avaliagao externa de es- colas “Regular”, no sentido amplo do termo, é vocagao de toda politica publica, entretanto, “regulacao” foi um termo construf- do no interior das pol{ticas publicas neoliberais, cuja aplicagao maior, no Brasil, foi obtida na gestao de Fernando Henrique Cardoso, para denotar uma mudanga na prépria agao do Estado, © qual nao deveria intervir no mercado, a nao ser como um “Estado avaliador” (cf. DIAS SOBRINHO, 2002b). As politicas regulatérias querem, em reas estratégicas, trans- ferir o poder de regulacao do Estado para o mercado, dentro de um processo amplo marcado por varias formas de produzir a pri- vatizagao do publico. Isso inclui tanto a instituigao da regulagao via mercado, como o seu complemento, a desregulacao do pui- blico via Estado, para permitir aquela agao de regulagao do mer- cado. Inclui, ainda, no caso da educagao, 0 conceito de qua- 12, As redes também podem fazer uso do Censo Escolar realizado anualmente pelo Inep, érgio do Ministério da Educacio. aliagao educacional turma do professor indicando a posicao do conjunto de seus alu- nos ao longo da escala. Com estes elementos o professor pode re- pensar sua atuacao em uma determinada sala de aula. Ou ainda, 0 professor do ano seguinte pode levar em conta estes dados no planejamento de sua agio. Abaixo, exemplificamos 0 proceso com dados de uma primeira série de uma escola de Ensino Fun- damental". 10. Dados obtidos no Ambito do Projeto Ger: . polo Campinas. 66 Colecao Frontciras Educacionais de abrangéncia. Nao se deve pedir & avaliagao de sistema que faga o papel dos outros niveis de avaliagao. Explicar 0 desempe- nho de uma escola implica ter alguma familiaridade ¢ proximi- dade com 0 seu dia a dia 0 que nao é possivel para os sistemas de avaliagio em larga escala realizados pela federagao ou pelos esta- dos, distantes da escola. Avice de redes igura 3: Relagdes entre os niveis de avaliagio ¢ a avaliagao institucional Uma negociacao ampla e responsavel com os que fazem a esco- [a da escola — em torno do seu projeto pedagégico ¢ das suas de- mandas, incluindo um sistema de monitoramento de qualidade ptiblico construido coletivamente — pode ser a maneira de fazer al- guma diferenga. Primeiro, porque a populacao atendida tem direi- to & melhor qualidade possivel oferecida pelo servigo puiblico; se- gundo, porque o exercicio de novas formas de participagao na ins- titui¢do constitui-se em um importante meio para desenvolver a _Aealiagao educacional or contrarregulacdo quando o servigo puiblico sofre a agao predatéria das polfticas puiblicas neoliberais e conservadoras. Neste esforgo, além da avaliagao institucional, seré neces- sdria a construgao de um conjunto de medigdes que permita acompanhar longitudinalmente 0 desempenho das criangas na rede de ensino’’. Tal sistema nao substituird a avaliagao regular do professor, mas deverd ser independente dela e faraulate de maneira a poder tragar linhas de comparacao entre as escolas de uma mesma rede de ensino, sem nenhum propésito de premia- ¢40 ou punicao, voltado exclusivamente para alimentar a refle- xo no interior do processo de avaliagao institucional das esco- las. Ha meios de se fazer isso com justica. Trata-se, portanto, de construir uma estratégia alternativa que recoloque os processos de medigao de desenvolvimento dos alunos em seu devido lugar — desgastados que foram pelas politicas neoliberais 4vidas por pre- miar ¢ punir professores — ¢ os associe a um processo de avaliagao (institucional) destinado a levar em conta o desempenho do alu- no como parte de um conjunto mais amplo de informagées da realidade das escolas, favorecendo a reflexao ¢ a organizacao dos trabalhadores em cada uma delas. A avaliagio institucional, juntamente com um sistema de monitoramento de desempenho dos alunos, deve criar as condi- des necessdrias para mobilizar a comunidade local das escolas na construgao da sua qualidade e na melhoria de sua organiza- gio. E esta comunidade que pressionard os eventuais servidores ptiblicos lenientes a assumir 0 verdadeiro “espirito de servigo pui- blico” onde o atendimento indiferenciado é uma pedra funda- mental. E esta comunidade local que tem melhores condigoes 15. Um estudo com estas caracteristicas esta em desenvolvimento em cinco ci- dades brasileiras através de seis centros de pesquisa que se uniram para o desen- volvimento do Geres (Geracio Escolar 2005). Este estudo acompanha cerca de 25.000 alunos de 1* a 4* série do Ensino Fundamental ¢ durard 4 anos. 58 Colegao Fronteiras Educacionais nindo a apropriacgao do conhecimento, sem que a escola con- siga gerar maior equidade. Naimero de casos O grafico mostra uma comparacio entre 0 nivel socioeco- némico médio da escola” e a porcentagem de alunos reprovados de uma rede puiblica com 34 escolas. Nota-se que & medida que o nivel socioecondmico aumenta, diminui o nivel de reprovacao na rede, revelando, portanto, que as dreas de pobreza continuam sendo alvo da reprovagao, contrariando 0 objetivo das polfticas. 13. Medido pela técnica Abip @ Colecao Fronteiras Educacionais 3. As quest6es relativas 4 presenca na escola revelaram o seguinte: Item Faltas de professores as aulas Interrupgio de atividades | 68% 20% 5% escolares 4. Quanto aestar ou nao satisfeito com o salirio, 0 resultado foi o que segue: 5. Quanto a formacio continuada: Item Sim Nao Nio Participou de algum curso de formagio. 44,6% 44% Menosde20] 20240 | Mais de 40 Nio horas horas horas respondeu. Namero de horas de 15,7% 24,1% formasio continuada recebida Olhando para os resultados pode-se observar que o quadro de professores é experiente; a percepgao deles & de que nao se re- portam insuficiéncias de recursos pedagdgicos ou financeiros; ¢ alunos e professores esto em seus respectivos lugares endo ara Gal eae iccerecbes Eacestivas en 2e0 teobalbe A esi cao continuada estava presente. 60 Colecao Fronteiras Educacionais : Eni “ * - censo local realizado também a época’’. O grafico mostra a dis- perso entre as escolas desta rede quando comparadas consigo mes- mas, tendo como varidvel dependente um indice composto de resultados das escolas (FREITAS & MIRANDA, 2004). Tomando-se como referéncia a escola que figura, no gréfi- co, no cruzamento dos valores “1” todas as outras vao se afastan- do, o que significa uma eficiéncia menor (aumento da ineficién- cia de gestao e/ou de resultados). Das 34 escolas apenas 4 podem ser consideradas préximas do ponto de eficiéncia maxima. Outros dados também chamam a atengio. Comparando a média de alunos reprovados nesta mesma rede dois anos antes € um ano depois de processar os dados do grafico, vemos que esta realidade, apesar de atenuada, nao foi alterada de maneira subs- tancial, tendo se estagnado nos dois tiltimos anos, reconhecida- 14, Foram levados em consideragio os seguintes elementos: A experiéncia profis- sional levou em consideragio quantos anos o professor estudou; quantos anos o professor trabalha na escola, quantos anos o professor tem de experiéncia na do- céncia e quantas horas-aula o professor ministra por semana; a lideranga adminis- trativa considerou como foi elaborado o projeto politico-pedagégico, quantas veres 0 conselho se reuniti ¢ quantas horas de formagio continuada o professor aursou; 0 lima escolar levou em considerasio os procedimentos dos alunos den- tro da unidade escolar; se os recursos financeiros, o ntimero de professores, 0 pes- soal administrativo, o pessoal de apoio ¢ os recursos pedagdgicos sio suficientes; se ocorreu interrupgio nao plangjada das atividades na escola; se sistematica- mente houve falta por parte dos professores; se houve ocorréncia de roubos ¢ de- predagées; ¢ ainda se considerou a ocorréncia de violéncia contra alunos, profes- sores ¢ funciondrios, além da frequéncia de rotatividade dos professores na esco- la; 0 estilo pedagégico levou em consideracio 0 uso do livro Sidécico; se. akan tem acesso a internet; como os alunos utilizam os computadores; se 0 professor utiliza: fitas de video educativas, jornais e revistas informativas; como o profes- sor faz uso da biblioteca na escola no que concere a utilizagao de livros de con- sulta, livros de leitura ¢ atividade com alunos; um indice composto de resultados por escola; um Indicador de nivel socioeconimico. lealiagao educacional 49 presentantes dos varios segmentos, tanto da administragao piiblica como dos profissionais da escola, incluindo pais de alunos. Cabe a este conselho acompanhar a formulagio dos conceitos que orientarao a avaliagao (ver exemplo no anexo 1) e a operacionalizagio do pro- cesso de avaliagao (FREITAS; SORDI; MALAVASI; FREITAS, 2004). Uma das primeiras atividades deste conselho, de; is de definidos os principios norteadores da avaliacao, ¢ delegar a uma equipe técnica a elaboragao de uma matriz de referéncia para a produgao da avaliacao a ser conduzida na rede. O exemplo abai- xo mostra parte do que pode ser uma matri Competéncias ~ | Descritores~ NI Ni DI. Associar a quantidade de objetos & sua representagio numérica. diferentes leituras de um numero. D2. Identificar nuimeros naturais de até dois algarismos. 9. ‘Comentirios para os claboradores de itens — N1 Propor situages em que o aluno codifique ¢ decodifique quantidades, ao relacionar {grupos de objetos aos seus respectivos riimeros. Nivel facil: realizar contagem simples de bjceoe dispoetts de focnes linea." Nivel intermedisrio: realizar contagem simples de objetos dispostos de forma aleatéria ¢ contagem seletiva de objetos dispostos de forma seriada. Nivel dificil: realizar contagem scle ‘objetos dispostos alcatoriamente. ade Propor situagées que solicitem do aluno a associacio da grafia a0 nome do mimero. Nivel f algarismo. Nivel intermedisei cxatas. Nivel dificil: identificar outros mimeros de dois algarismos. identificar mimeros de um »: identificar dezenas =xemplo de uma competéncia esperada, retirada da matriz de referéncia Ge- res, para a primeira série da escola fundamental (Projeto Geres, 2004). 4 Colecao Fronteiras Educacionais que escrever ele também? Dar mais trabalho, entu- char a gente de trabalho € exploracio... (Professor de quinta série, depoimento dado em 2003). Eu faco 0 que dé, nao me estresso, no me desgasto nao. Na escola ou vocé cumpre as formalidades da burocracia ou vocé ensina. Nao t6 nem af que o alu- no aprendeu, se deixou de aprender, sei lé. Nao é meu filho. E é tudo um bando de louco, burros, nao querem aprender. Me pagam muito pouco pra cui- dar de filho dos outros. Fago 0 que posso, fago 0 que me pagam. Se me pagam pouco, ensino pouco. Se me pagam justo, ensino o justo (Professora efetiva de séries iniciais, depoimento dado em 2003). Estes depoimentos nao sao representativos do que esta rede de ensino pensa, é natural. E nao precisam ser. Entretanto, en- quanto houver professores pensando assim, 0 poder ptiblico nao pode cruzar os bragos & espera de que haja uma “conscientiza- a0” espontanea no servigo ptiblico, pois cada um destes profis- sionais tem sob sua responsab dade dezenas de criangas. O po- der puiblico esta obrigado a “regular” para criar as condigées ins- titucionais que alterem este quadro e nao pode apenas confiar no voluntarismo ou na boa vontade. Este é um problema que as po- liticas participativas precisam enfrentar: como lidar com uma parcela do servigo puiblico que nao se engaja na luta pela melho- ria de suas condigoes de trabalho, nao se sensibiliza pelo aumen- to da qualidade dos servigos oferecidos aos alunos e nem se en- volve com praticas participativas que maximizem sua prépria or- ganizagio. Nas falas daqueles profissionais nao hd referéncias as lutas nas quais tivessem participado para alterar a realidade ali descrita € sequer um relato de suas lutas para obter melhores condig6es de trabalho. Apenas constatam as dificuldades ¢ justificam suas condutas a partir da existéncia dos proprios problemas. Em al- guns casos, é quase uma torcida para que os problemas nao se- valiagao educacional se-mercado, mas mesmo neste caso, a regulagao feita pelo Estado nao é contraposta ao mercado, pois a criagao e manutengao do mercado dependem do Estado (cf. AFONSO, 1998: 160). Importante notar que o termo “regulacao” esté relacionado & agao de privatizagao do Estado no ambito das polfticas neoli- berais. Ao privatizar, o Estado se desresponsabiliza por uma gama de servicos ¢ transfere 0 controle para mecanismos de “re- gulagao do mercado”. Porém, este controle visa a retirar do Esta- do uma eventual capacidade de intervengao sobre tais servigos, deixando que sejam afetados apenas pelas leis de mercado. E neste sentido que reafirmamos, que 0 conceito de regulagao nao pode ser discutido em abstrato, sem levar em contaa natureza da politica publica que o abriga, sob pena de analisarmos a forma e nao o contetido. Aceitando entrar neste debate, assumimos que ja resolve- mos ou decidimos deixar de lado outro, anterior, sobre as possi- bilidades ou nao de se induzir mudangas dentro das “institui- des” produzidas por uma dada sociedade (instituig6es estas cria- das a seu mando). Essa questao ¢ importante porque, a partir desta decisao, todas as forgas politicas que se dispdem a disputar eganhar o governo tém a expectativa de poder pér em pratica al- gum tipo de indugio de mudangas, ou “regulago”. Fica em aberto a forma de fazé-lo, o que sofre alteragao em fungao da na- tureza de cada polftica ptiblica em particular. Os variados espagos dos sistemas de ensino sao disputados por propostas politicas, por diversas concepgdes educativas e, por que nao reconhecer, também pela inércia da rotina didria. Daf nao se poder discutir conceitos como o de “regulaga4o” sem antes se estabelecer de qual politica publica estamos falando. Uma am- pliagdo inadequada do conceito de regulacao implicaria conside- rar como regulagao indevida até mesmo a agao do Estado para, por exemplo, fazer cumprir direitos arduamente conquistados nas Colegao Fronteiras Educacionais Proficiéncia em Matematica no final do ano Comparando as tiltimas linhas das duas tabelas a linha dos Totais de alunos em cada nivel, podemos ter uma visio da mobi- lidade deles durante 0 ano: Nivel 6_ | Total 0 197 Este resultado pode ser visto para cada classe também, com- parando-se as tabelas acima. Nao é demais enfatizar que tais resultados devem ser para consulta de cada professor ou da prépria escola, ¢ nao para se criar ranqueamentos de desempenho entre professores ou entre esco- las, e muito menos para serem usados com a finalidade de com- Avaliagao educacional 63 A questo salarial que motivava a insatisfagio apontada foi re- solvida no ano seguinte (2004), colocando os professores da rede entre os que tém saldrios mais elevados entre os municipios br: leiros, o que jd se encontrava 4 época em negociagao. Entretanto, as condigées de remunera¢io nao eram mas, mesmo antes desta alteracao salarial, ja que havia possibilidade de participagao em projetos remunerados que acresciam até 12 horas a mais em ga- nhos. Com as alteragdes, cerca de 40% das horas pagas ao profes- sor foram reservadas para preparacio de aulas ¢ qualificagao. Nem por isso os resultados de reprovagao em 2004 modificaram-se. Um estudo qualitativo realizado por Oliveira (2005) colheu dezenas de depoimentos nesta mesma rede de ensino entre 2000 ¢ 2004. Nao € possivel sequer um resumo destes dados aqui. Entretanto, destacamos algumas falas: Eu duvido muito que os problemas das escolas vio acabar com esses professores se reunindo para con- versar, montar livrinho, fazer propaganda [para 0 governo]. [...] Tem professora aqui que nao quer dar aula, quer fazer curso... no hordrio da aula, é 16- gico, porque professor para enrolar est sozinho, a Secretaria ainda dé incentivo... [...] E para melhorar a sala de aula? Nao é, é s6 interesse pessoal (Vi- ce-diretora efetiva, depoimento dado em 2003). Olha, muda o governo ¢ cada um vem querer deixar suas marcas, mas eu acho que nunca para privilegiar os professores, nao é possivel. Eu acumulo com 0 Estado, nao da para ficar nesta lenga-lenga de ficar conversando, é s6 exploracao nesta prefeitura. Ago- ra me inventaram aquelas duas horas que a gente tem que ficar discutindo 0 que fazer com aluno que nao aprende direito, que nao Ie. [...] Publicaram no Diario Oficial que agora todo mundo vai fazer 0 projeto politico-pedagdgico. Essa ¢ boa, 0 projeto da escola que sempre foi escrito pela orientadora pe- dagégica ¢ pela diretora, agora os professores vio ter Acaliagao educacional ce) jam resolvidos, permitindo que sua posi¢ao continue justificada, autorizando solugoes individualistas. Consequéncias para a avaliacgao institucional e de sala de aula Como antecipamos no inicio deste capitulo, a avaliagao em larga escala de redes de ensino precisa ser articulada com a avalia- ¢4o institucional e de sala de aula. No Brasil, nao é raro encon- trarmos a tendéncia de se querer fazer da avaliacao de sistemas um instrumento de avaliagao da sala de aula ¢ da escola. A Prova Brasil caminha nesta direcao ao disponibilizar um site com os re- sultados da avaliacao de cada escola no pais. A partir de uma me- dida pontual, passa-se a avaliar a escola toda. A outra forma que se tem tentado usar é enviar & escola os resultados da avaliagao com o objetivo de que seja examinada pelos profissionais de cada escola ¢ alternativas sejam elaboradas com a finalidade de melhorar as praticas de ensino e aprendiza- gem. As dificuldades que o Saeb encontra para realizar esta tarefa sao conhecidas. Os dados nao sao “reconhecidos” pelas escolas e seu uso fica muito limitado. Nossa opiniao é que a avaliagao de sistema é um instrumen- to importante para monitoragao das politicas puiblicas e seus re- sultados devem ser encaminhados, como subsidio, a escola para que, dentro de um processo de avaliacao institucional, ela possa con- sumir estes dados, validd-los e encontrar formas de melhoria. A ava- liagdo institucional fard a mediacao e dard, entao, subsidios para aavaliagao de sala de aula, conduzida pelo professor. Entretanto, sem se criar este mecanismo de mediacao, 0 simples envio ou disponibilizacao de dados em um site nao terd um mecanismo seguro de reflexao sobre os mesmos. Os dados podem até ter le- gitimidade técnica, mas lhes faltard legitimidade politica. Os trés niveis de avaliagao (sistema, escola e sala de aula) de- vem estar trabalhando articuladamente e segundo suas dreas Awaliagao educacional 53 plementagao salarial do professor. O controle social sobre o pro- fessor deve ser uma responsabilidade do coletivo da escola, no proceso de avaliagio institucional. Cabe & avaliacao institucio- nal realizar esta mediagao e & avaliacao de redes cabe conferi-la. Operando em universo menor, 0 dos municfpios, os proces- sos de aplicagao dos: testes ficam mais controlados, diminuindo o “erro de aplicagao”"'. A interpretagao dos dados também se bene- ficia do envolvimento dos profissionais da rede que esto nas esco- las, melhorando a compreensao dos problemas identificados. E claro que técnicas mais sofisticadas (MIRANDA, 2006; RODRIGUES, 2005) podem ser utilizadas & medida que os municipios vao ganhando experiéncia e conhecimento deste processo. Hi técnicas que podem ser utilizadas, como a Andlise por Envoltéria de Dados (em inglés DEA — Data Envelopment Analysis), com 0 objetivo de se obter uma visio global do desen- volvimento das escolas e encontrar uma “fronteira” sem que se imponha de fora para dentro um padrao de desempenho tinico, mas seja criado a partir das proprias diferencas existentes entre as escolas de um dado sistema (ver RODRIGUES, 2005). Praticas bem-sucedidas em algumas escolas podem ser localizadas e so- cializadas entre elas, sem propésito de competicao. Paralelamente a elaboragao dos instrumentos de avaliagao, o Conselho Gestor deve liderar um processo de identificagao de possiveis dreas que deverao ser objeto de actimulo de dados, os quais podem facilitar a construgao de indicadores de desenvolvi- mento da rede no futuro. Por ser trabalhoso e custoso, este pro- cesso nao deve ser colocado como pré-requisito para a realizacao da avaliagao, devendo ser construido aos poucos (ver exemplo no anexo 2). Tais dados permitirio, progressivamente, que se exercitem, com apoio de pessoal especializado, as ligagdes entre 11. Erro de aplicagdo é 0 nome que se dé para os imprevistos ¢ equivocos co- metidos durante os procedimentos de aplicagio dos testes em campo. 56 Colegao Fronteiras Educacionais lutas sociais, entre eles o direito ao acesso do conhecimento histo- ricamente acumulado através dos processos escolares. Grosso modo, no Brasil, podemos dizer que temos uma dis- puta entre duas grandes politicas puiblicas: as chamadas neolibe- rais € as que chamarfamos democraticas e participativas. Ainda que esta caracteristica nao seja suficiente para esgotar as diferen- gas dessas politicas, para os nossos propésitos é a que mais nos interessa. Isto porque, nas politicas neoliberais, a mudanga é vis- ta como parte de agées gerenciais administradas desde um “cen- tro pensante”, técnico (cf. QUAGLIATO, 2003), enquanto que a tendéncia das politicas participativas é gerar envolvimento da “ponta” do sistema. E é nos momentos em que 0 servico ptiblico éadministrado por polfticas participativas que se abre a possibi- lidade para incrementar tanto a qualidade do servigo ptiblico como a organizacao dos seus trabalhadores, de forma a criar con- dig6es para a contrarregulacao. Pode-se estudar a tematica da indugao das mudangas como se estivéssemos descrevendo a realidade dos sistemas puiblicos de ensino como um observador externo privilegiado. Mas nao é esta a nossa perspectiva. Queremos examinar o dilema desde dentro da contradicao. Daf a importancia de resolvermos a pri- meira instancia deste debate (se ¢ possivel ou se vale a pena ten- tarmos disputar os espagos institucionais para produzir mudan- as —e, portanto, de alguma forma, “regular”, no sentido amplo do termo). Se o posicionamento nesta questao apontar para a ir- relevancia da luta institucional, entao nao ha nada mais a ser ito. Outras estratégias teriam de ser postas em pratica. Mas, ad- mitida a importancia da luta por dentro das instituigdes, isso im- plica induzir algum tipo de mudanga (com algum grau de “regu- lagao”) como pano de fundo para todas as politicas ptiblicas — ainda que gostemos mais de umas que de outras. 50 Colecao Fronteiras Educacionais A construgao da matriz pode ser feita de forma independen- te da rede avaliada, ou pode ser feita a partir da realidade das sa- las de aula de uma determinada rede, verificando 0 que os pro- fessores de fato ensinam no dia a dia e com que nivel de desem- penho. Isso nao afasta a responsabilidade do poder puiblico de garantir as criangas um determinado nfvel de qualidade de ensi- no. Trata-se de uma construgio conjunta. Preferimos esta forma de elaboracao pelo grande ganho po- Iftico que representa. Por este caminho, a matriz passa a repre- sentar um acordo sobre 0 que achamos que um determinado nf- vel de ensino deve ensinar. Os professores descrevem 0 que ensi- nam e com que nivel de desempenho; e disponibilizam exem- plos de avaliacao que desenvolvem em sala de aula, 0 que é siste- matizado por uma equipe interna a rede com a finalidade de en- contrar as tendéncias mais gerais. Este material é submetido a profissionais que estudam o ensino dos varios contetidos a se- rem avaliados ¢ assessoram a definicao dos contetidos e niveis de desempenho necessérios. Esta versio, j4 com a colabora- do de assessores externos rede, é devolvida a0 conjunto dos pro- fessores para novas contribuig6es com o objetivo de fixar uma matriz final. Esta é a parte de legitimagio politica mais impor- tante. E um processo negociado ¢ essencial para o futuro apro- veitamento dos resultados da avalia¢ao na rede. Uma segunda etapa diz respeito ao desenvolvimento dos testes que os alunos deverao responder. Sao produzidos itens de avaliagao em fungao das matrizes de referéncia acordada, com a participagao dos préprios professores e especialistas da rede. Aqui a tecnologia mais recorrente ¢ atual éa TRI, Teoria da Res- posta ao Item (ANDRADE; TAVARES; VALLE, 2000). Uma das contribuigées significativas da TRI esté na possibi- lidade de se elaborar escalas de desenvolvimento dos alunos (ver p. ex. POLI, 2007). Tais escalas permitem um mapeamento da ‘aliagao educacional Durante os dez ultimos anos ou mais, estivemos criticando as politicas neoliberais ¢ seus efeitos. Foi um trabalho notavel se examinado em perspectiva. Neste mesmo tempo, as polfticas de- mocraticas e participativas ocuparam espacos em varios lugares (municipios, estados, federac4o). Os resultados destas politicas permanecem ainda como tema de avaliagao. E compreensfvel que tivéssemos investido na critica do neoliberalismo, mas uma vez tendo avangado nesta, faz-se necessdrio que nos debrucemos sobre os resultados das politicas que a ela se contrapdem. Tal ob- jetivo nao pode ser realizado através de um esforco pessoal isola- do, mas é temitica para grupos de pesquisa e esforcos coletivos sistematicos para o qual deve ser convocada a comunidade cien- tifica compromissada com as politicas ptiblicas progressistas. Nosso objetivo, aqui, é tio somente provocar este debate. Contra as politicas neoliberais tém pesado, com razao, acu- sages de autoritarismo na condugao de sua implementagao, ao que se contrapéem as polfticas progressistas com suas formas de gesto participativas. A questao que necessitard ser examinada no futuro préximo é se estas polfticas participativas e democrati- cas conseguiram mudangas significativas na qualidade dos servi- gos educacionais prestados aos alunos, bem como na organiza- gio dos trabalhadores da educagao, e em fungao de que hé uma eventual limitagao pratica de suas intengdes. Com o passar do tempo, mais e mais dados procedentes de gest6es progressistas estao & disposigao para anilise. Em algumas redes ptiblicas de ensino administradas por politicas participativas, avolumam-se as queixas no sentido de que os investimentos em condigées de trabalho e em qualificagao do professor tém dificuldades para espelha- rem-se na melhoria do atendimento aos alunos, medido pelas taxas de reprovacio, evasio e desempenho cognitivo. H4 in- dicios de que o nivel socioeconémico ainda continua defi- CE RO Peorcuue dcr kel Pee ®) Avaliacao de redes de ensino: a @ responsabilidade do poder publico A avaliacao em larga escala, do tipo Saeb, é um instrumento de acompanhamento global de redes de ensino com 0 objetivo de tragar séries histéricas do desempenho dos sistemas, que per- mitam verificar tendéncias ao longo do tempo, com a finalidade de reorientar politicas ptiblicas. Quando conduzidas com meto- dologia adequada podem trazer importantes informagées sobre o desempenho dos alunos, dados sobre os professores, condic6es de trabalho e funcionamento das escolas de uma rede. No Brasil, ela é predominantemente praticada no nfvel da fe- deragao e dos estados. Criou-se, além deste objetivo, a ilusao de que avaliagoes de larga escala possam avaliar também a escola e os pro- fessores — os outros dois niveis de avaliagao vistos anteriormente. Em um pais em que s6 se implanta com continuidade aqui- lo que é fruto de politica de Estado (e nao de governo), nao se pode dispensar os processos de avaliagao feitos no ambito do po- der ptiblico. Muito menos podemos colaborar para sua desres- ponsabilizagao quanto a avaliacao. Entretanto, é legftimo dis- cordar da forma como alguns governos querem conduzir os pro- cessos avaliativos. Avaliagées de redes de ensino seriam mais eficazes se plane- jadas e conduzidas no nivel dos munic{pios pelos conselhos mu- nicipais de educacao. A unidade deve ser o municipio e nao a fe- deracao ou o Estado. Isso nao impede estes tiltimos de conduzi- rem suas avaliag6es de escala, mas nao com 0 propésito de avali- ar uma escola ou suas salas de aula. Os conselhos deveriam regu- lar os processos de avaliagao das redes de educagao bdsica, estru- turando uma politica de avaliacao global para o municipio. 6S Colecao Fronteiras Educacionais parase erguer como um coletivo que faga com que as forcas vivas do servigo ptiblico pensem sobre si, sobre a ética de suas condu- tas, sobre a responsabilidade na dentincia da falta de condigdes de trabalho e sobre a responsabilidade do bom uso das condi- Ges de trabalho quando elas sao atendidas. E esta mesma comu- nidade que também poderd pressionar o proprio poder publico a investir nas condigdes de funcionamento da escola e em seus profissionais. 4 Colegao Froneiras Educacionais As polfticas de avaliagao centralizadas se esquecem que nao basta o dado do desempenho do aluno ou do professor coletado em um teste ou questionério e seus fatores associados. E. preciso que o dado seja “reconhecido” como “pertencendo” a escola. Medir propicia um dado, mas medir nao é avaliar. Avaliar é pen- sar sobre o dado com vistas ao futuro. Isso implica a existéncia de um processo interno de reflexdo nas escolas — que chamamos de avaliagao institucional em capitulo anterior. Aavaliagao tem também um lado politico — nao é uma pega so- mente técnica. Como toda avaliagao, se constituida sem legitimidade politica, teré dificuldade para ser aceita, comprometendo o uso de seus resultados. Daf acharmos que o nivel municipal seja 0 local onde melhor se possa combinar a legitimidade técnica com a politica. De fato, durante os tiltimos cinco anos assessoramos varios municipios nesta tentativa. Os principais problemas encontra- dos para seguir esta estratégia dizem respeito a falta de tecnolo- gia existente no interior das redes de ensino, desqualificadas pela politica local que nao privilegia a continuidade das agdes e nem sempre a escolha dos melhores profissionais para ocupar cargos estratégicos; e, no campo politico, a acao predatéria de grupos politicos que reagem de forma conservadora as mudangas (de di- reita e de esquerda) e impedem 0 estabelecimento de um proces- so de construgao local de sistemas de avaliagao". Planejando a avaliagao no nivel municipal, torna-se mais vidvel o envolvimento de professores e speculate das secretari- as e das escolas na prépria montagem do sistema de avaliagao. Alguns elementos da avaliagao de redes Entre os principais passos deste processo, destacamos a consti- tuigao de um conselho gestor da avaliagao da rede composto por re- 8.0 Inep, érgio do MEC, poderia jogar um papel distintivo no apoio aos mu- nicipios. lwaliagao educacional 59 O que nos surpreende ao ouvirmos os relatos dos gestores é adifigaldade Ue a excolasinimutzarseudetorgee poe mebodade condigées de trabalho, de maneira a ter como horizonte o repas- se desta melhoria para a formacao dos alunos. A apresentagao destes dados nao tem a finalidade de demonstrar que os esforcos foram em vao. Mas tema finalidade de alertar para o fato de que as administragées progressistas nao podem conviver com tais resultados sob pena de vermos forta- lecidas as teses privatistas ¢ neoliberais. Examinando esta mesma rede de ensino com técnicas mais apuradas (Andlise por Envoltéria de Dados — DEA), pode-se ob- ter um quadro mais preciso. No estudo, foram levados em consideragao elementos das escolas dessa rede que se encontravam disponiveis a partir de um ~Avaliagao educacional 61 mente os anos de maior investimento nas condigées de trabalho da rede. lia anual de reprovagio na rede |_2001 | 2002_[__2003_| 2004 _| 17.6% Fonte: Dados oficiais da Secretaria de Educagao em questo Pode-se questionar estes dados dizendo que sao apenas me- digdes do desenvolvimento cognitivo do aluno e nao de seu de- senvolvimento global, mas quem defenderia que o desenvolvi- mento cognitivo nao devesse caminhar junto com o global? No ano em que coletamos os dados (2003) que motivaram os graficos acima, realizamos um levantamento sobre a opiniao dos professores desta rede em alguns aspectos relativos as condi- ges de trabalho. Sessenta e trés por cento (63%) dos professores participaram do estudo. Os resultados foram os seguintes: 1. 68% dos professores estavam na rede hd mais de 10 anos e 11% na faixa de 6 a 9 anos, totalizando 79% com uma experién- cia superior a 10 anos de cas: 2. As quest6es relativas a condigées de trabalho obtiveram as seguintes respostas: Nao Sim, ¢ foi Nao grave espondeu Insuficiéncia de recursos 35% 46% 7 cdagdgicos Insuficiéncia de recursos 34% 46% 4% financeiros Falta de professores na 36% 37% 20' % rede Rotatividade de 61% 26% 4% rofessores na rede 9%

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