Professional Documents
Culture Documents
1 Cor 11
1 Cor 11
b. Instituição
11.23–26
Quando as igrejas celebram a Santa Comunhão, elas ouvem as palavras que Paulo
recebeu do Senhor e que ele passou adiante aos crentes. As palavras dessa passagem em
particular são a fórmula usada para a observância da Ceia do Senhor, isto é, usamos as
palavras que Paulo deu aos coríntios e não as palavras registradas pelos escritores dos
Evangelhos. A fraseologia nos relatos dos Evangelhos, e mesmo a sequência, difere da que
é dada por Paulo nesse capítulo. O comentário dos versículos seguintes (v. 23–26) discutirá
as diferenças entre os vários relatos.
23. Pois eu recebi do Senhor aquilo que eu também entreguei a vocês, que o Senhor
Jesus, na noite em que foi traído, tomou pão, 24. e quando tinha dado graças, ele o partiu
e disse: “Isto é meu corpo, que é para vocês. Façam isso em memória de mim”.
a. “Pois eu recebi do Senhor aquilo que eu também entreguei a vocês.” Quando Paulo
expressou sua perplexidade por não saber o que dizer aos coríntios (v. 22), ele não quis
dizer que havia ficado sem fala. Ao contrário, como pai da igreja coríntia ele ensina aos
seus membros a importância e a maneira apropriada de celebrar a Ceia do Senhor. Os
crentes precisam entender que quando eles comem o pão e bebem do copo do Senhor,
eles são hóspedes à sua mesa. Se os cristãos participam sem amar seus irmãos, os
membros da igreja, eles estão desonrando o próprio Senhor. Por essa razão, eles precisam
aprender as palavras ditas pelo Senhor quando instituiu sua Ceia.
Paulo disse que recebeu do Senhor a fórmula da Santa Ceia. Ele quer dizer que Jesus
comunicou essa fórmula na ocasião em que Paulo foi convertido ou durante uma visão
subsequente? Ambas são possíveis. Mas o Senhor Jesus também comunicou sua palavra
indiretamente a Paulo, como fez pela mediação de Ananias em Damasco (At 9.17). Assim,
Paulo pode querer dizer que alguns dos apóstolos lhe ensinaram as palavras da instituição
da Ceia do Senhor. Na verdade, Paulo passou 15 dias na companhia de Pedro (Gl 1.18). Nós
supomos que Paulo tenha recebido a informação por intermédio de outros apóstolos. Não
obstante, a revelação veio de Jesus, que é o Senhor dessa tradição e dirige pessoalmente
o desenvolvimento da igreja.
As palavras recebi e entreguei são termos técnicos que indicam os elos individuais na
corrente da tradição (em outra parte Paulo faz referência a passar adiante a revelação
divina [ver 15.3]. Um exemplo perfeito é a pregação de Paulo em Tessalônica, onde ele
transmitiu o Evangelho oralmente para os tessalonicenses. Eles, por sua vez, o passaram
para a frente por via oral a pessoas por toda a Macedônia e Acaia [1Ts 1.5,6–8]). As palavras
da instituição se originaram não de Paulo, mas de Jesus. Sendo assim, essas palavras são
divinas e devem ser honradas, guardadas e transmitidas. Paulo diz aqui que ele recebeu as
palavras da Ceia do Senhor por intermédio dos apóstolos e agora as passa adiante para os
coríntios. Ele espera que esses coríntios aceitem esse bem sagrado, a tradição que lhes foi
confiada, que devem por sua vez passar a outros.
b. “Que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído.” Temos plena certeza de que o
relato dos acontecimentos a respeito da traição e prisão de Jesus já era bem conhecido
pelos leitores. Acrescentando o nome Jesus ao título Senhor, Paulo dirige a atenção dos
leitores à vida terrena de Jesus e à experiência de humilhação que o Senhor sofreu. Mas
vemos o contraste: enquanto os adversários de Jesus estavam traçando os planos para
prendê-lo e matá-lo, o Senhor instituiu o sacramento da Santa Ceia.
Paulo descreve o ato de traição com um verbo grego no tempo imperfeito para indicar
uma ação que estava em progresso. Só Paulo dá essa informação como introdução às
próprias palavras que Jesus proferiu. Os evangelistas colocam a instituição no contexto
imediato da festa da Páscoa e no contexto mais amplo da iminente agonia no Getsêmane
e o subsequente sofrimento e morte no Calvário, assim colocando a Ceia do Senhor no
contexto da História. Mas Paulo revela que a comunhão também é o ato repetido de se
receber e entregar o sacramento até que o Senhor volte (v. 26).
c. “[Jesus] tomou pão, e quando tinha dado graças, ele o partiu.” No grego, vemos a
mesma fraseologia em Lucas 22.19. Os relatos de Mateus 26.26 e Marcos 14.22 são quase
idênticos na tradução, exceto por uma forma verbal diferente para dizer “deu graças”. E
as narrativas nos Evangelhos especificam que Jesus deu o pão a seus discípulos. Paulo,
contudo, omite esse detalhe; ele provavelmente quis fornecer um contexto geral aplicável
a cada pessoa que participa do pão.
As palavras da fórmula ecoam outras tradições ou outros acontecimentos. Por exemplo,
na alimentação das cinco mil pessoas, Jesus tomou o pão, elevou os olhos ao céu, deu
graças, e o partiu. Os pais judeus seguiam o mesmo ritual às refeições ou na festa da
Páscoa. Perto da conclusão da celebração da Páscoa, Jesus instituiu a Ceia do Senhor
quando ele tomou pão – uma referência ao seu próprio corpo que estava para ser sujeito
a sofrimento e morte.
d. “[Ele] disse: “Isto é meu corpo, que é para vocês. Façam isso em memória de mim.”
Os escritores dos Evangelhos também registram esse dito de Jesus; e podemos comparar
as palavras deles com as de Paulo:
Mt 26.26 Mc 14.22 Lc 22.19 1Co 11.24
“Neste ponto eu não vos louvo” [TEB]. Quando Paulo não elogia a igreja, mas fala com ela
com seriedade assustadora sobre esses males na ceia do Senhor, a igreja precisa ter
em mente que Paulo é uma pessoa amarrada em seu julgamento. Afinal, a “ceia do
Senhor” não é sua própria invenção e instituição, sobre cuja configuração ele
também possa decidir pessoalmente. Não, “porque eu de minha parte recebi do
Senhor o que também transmiti a vós” [tradução do autor].
Paulo emprega as antigas e conhecidas fórmulas de seu passado judaico e
rabínico. “Recebido de…” e “transmitido a…”, assim se processava todo o ensino
entre os rabinos. E nisso havia uma verdade que tampouco o Paulo convertido
precisava deixar de lado. Quem não constrói sua própria visão religiosa do mundo,
quem tampouco encontra a divindade em compenetração subjetiva e mística, mas
1
Simon Kistemaker, 1 Coríntios, trans. Helen Hope Gordon Silva, 2a edição., Comentário do Novo Testamento (São
Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2014), 483–490.
quem crê no Deus vivo que conduz sua poderosa história de salvação através dos
tempos, esse precisa tomar conhecimento dos “grandes feitos de Deus” pela
“tradição”. Precisa “receber” essa tradição, e pode “transmiti-la” novamente a
outros. É por essa razão que nós, como cristãos, temos até hoje os “livros históricos”
do Antigo e Novo Testamentos, e por isso a Bíblia é, antes de tudo, um livro
narrativo. É verdade que em Gl 1:12 Paulo diz sobre a mensagem salvadora: “Eu não
o recebi de ninguém, e ninguém o ensinou a mim, mas foi o próprio Jesus Cristo que
o revelou para mim.” De forma alguma posso “aprender” que Jesus de fato é o filho
de Deus e meu Redentor. Isso precisa ser revelado a mim pelo Espírito Santo. Porém
os episódios históricos na vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus também não
foram comunicados a Paulo pelo próprio Jesus às portas de Damasco. Naquela hora
o Senhor falou somente algumas poucas palavras (cf. At 9:5s). Nessa questão Paulo
dependia das “tradições”. Por isso “recebeu” também o relato sobre a instituição da
santa ceia “a partir do Senhor”, que instituiu pessoalmente a ceia, mas ainda assim
através da corrente de testemunhas, assim como ele por sua vez o retransmitiu a
suas igrejas.259
23-25 “O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue” [TEB]. Sempre temos de nos lembrar
que a palavra “Senhor”, desgastada para nós, era um conceito poderoso e de
conteúdo significativo. Está agindo Aquele que era kyrios, “Senhor” em sentido
pleno.260 Ao mesmo tempo, porém, ele é mencionado com seu nome pessoal
“Jesus”. Por ter-se tornado ser humano ele tinha condições de entregar corpo e
sangue por um mundo perdido. Ele age “na noite em que ele foi entregue”. Paulo
está usando a mesma palavra “entregar, abandonar” empregada também em sua
poderosa afirmação de Rm 4:25; 8:32. Por isso também na presente passagem não
deve ter o intuito de salientar especialmente a traição de Judas. Essa noite não se
caracteriza basicamente por um detalhe assim, mas o que determina todo o
acontecimento é que agora o kyrios, o “Filho” foi “entregue” pelo próprio Pai, no
presente caso “entregue” ao juízo e por isso também ao mundo, ao diabo, ao
abandono por Deus. Isso nos revela que o Pai não suporta passivamente o
sofrimento e a morte do Filho, mas que nisso o amor sacrifical do Pai é tão
incompreensivelmente grande quanto o amor do Filho, que obedientemente se
deixa sacrificar.
O Senhor Jesus “tomou o pão e, depois de oração de graças, ele o partiu e disse:
Isto é meu corpo que é para vós” [tradução do autor]. Também agora, quando Jesus
vê toda a realidade de sua paixão e morte diante de si no “partir do pão”, ele
“agradece”. Não é lamento nem tampouco pesar pela despedida que preenchem
seu coração, e sim a gratidão. Seu corpo partido, afinal, é “o para vós”, como é dito
aqui com a mais lacônica reserva bíblica. Nesse breve e contido “para vós”
concentra-se tudo: todo o amor que se entrega pelos culpados e perdidos, e todo o
imenso ganho que resulta desse sacrifício, a eterna redenção dos perdidos. É por
isso que Jesus consegue agradecer; e por essa razão sua igreja pode celebrar esse
“partir do pão”, essa lembrança da entrega, paixão e morte como santa festa de
alegria.
Nada é dito sobre a distribuição do pão, sobre receber e comer. Os participantes
daquela ceia na última noite ficam completamente fora do foco. Unicamente o
próprio Senhor e sua ação e fala preenchem tudo. No entanto, o pão foi “partido”,
a fim de ser distribuído aos companheiros da ceia e comido por eles. Jesus não
protagonizou uma ação simbólica, a fim de expor aos discípulos uma verdade de
maneira figurada e compreensível, mas com o pão partido ele lhes deu seu corpo.
Não um corpo místico, uma substância transfigurada e sobrenatural, mas
justamente corpo terreno, partido por eles. Contudo, agora recebem
verdadeiramente esse corpo com todo seu sentido de salvação e o “comem”, ou
seja, acolhem-no para si com toda sua realidade.
Jesus não queria celebrar apenas essa uma ceia com seus discípulos e não queria
conceder seu amor apenas a esse pequeno grupo. Ele olhou para a igreja de todos
os tempos e por isso ordenou expressamente: “Fazei isto em memória de mim.”
Desse modo a ceia não se torna mera “celebração memorial”. O “recordar”
autêntico traz à presença. A igreja de fato tem necessidade de que toda a sua
perdição e toda a magnitude da ação redentora de seu Senhor sejam expostas
vivamente diante dela. Também o crente repetidamente começa a “esquecer” quem
ele é e o que o Senhor fez por ele. Ao receber, tomar e comer no pão o corpo partido
de seu Senhor, a igreja “recorda” toda a história da salvação de Deus em Cristo.
Porém esse “recordar” não consiste apenas de “pensamentos” e recordações, mas
de “fazer”, uma ação, um verdadeiro receber. De qualquer forma, o próprio Paulo
estava convicto da “participação” real no corpo do Senhor, como já constatamos em
1 Co 10:16.
“Do mesmo modo também o copo após a refeição” [tradução do autor]. “Do
mesmo modo” como com o pão, Jesus procedeu com o copo. Também o “tomou”,
proferiu sobre ele a oração de graças, e o ofereceu aos participantes na mesa, como
o pão. Fica explícito o quanto a “santa ceia” estava inserida na refeição toda e não
representava um ato fechado em si próprio, como entre nós. A partição e
distribuição do pão pelo dono da casa fazia parte do começo de uma refeição. Ela
prosseguia até o final, e somente agora, “após a refeição”, bem depois da
distribuição do pão, o copo é abençoado e oferecido.
De maneira mais clara que no caso do pão Jesus profere aqui todo o significado
de salvação da dádiva: “Esse copo é a nova aliança em meu sangue.” A declaração
torna singularmente perceptível para nós que apesar de toda a realidade da dádiva
de modo algum se trata de quaisquer substâncias sagradas. De acordo com a própria
palavra de Jesus, não está no copo propriamente “o sangue”, e sim “a nova aliança”,
que por sua vez somente se concretiza “no sangue de Jesus”, por intermédio de seu
sangue. Quem recebe e bebe esse copo não recebe por meio dele uma matéria
celestial, mas participação na nova aliança. Deus a havia prometido através do
profeta Jeremias (Jr 31:31-34). Agora a institui e realiza em Jesus. Essa instituição,
porém, não é uma coisa simples, não uma mera declaração de propósitos. O perdão
prometido e necessário para essa nova aliança somente pode tornar-se realidade
pelo fato de que toda a carga de pecados é levada embora por aquele que é o
Cordeiro imaculado e santo de Deus (Jo 1:29). Em decorrência, a instituição dessa
aliança somente podia acontecer através do sangue e custou o alto preço da morte
maldita do Filho de Deus.
26 É disso que nos “lembra” toda celebração da ceia do Senhor. Por isso toda
celebração da santa ceia se torna expressamente uma proclamação da morte do
Senhor. “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice,
anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.” É importante que sintamos a
afirmativa central da frase com todo seu impacto. A “morte do Senhor” não é uma
obviedade. Nossos hinos de Natal enaltecem o milagre: “Ele se fez pequeno menino,
que a tudo sustém sozinho.” Contudo é muito mais inusitado que experimenta a
morte aquele que, na verdade, é o kyrios, o divino Senhor do universo. A morte e
tudo o que está relacionado com a morte encontram-se em tamanho contraste com
o Deus vivo que o sumo sacerdote da antiga aliança nem sequer podia participar das
exéquias de seus pais, para não entrar em contato com qualquer coisa que se chame
morte. Afinal, a morte é “o salário do pecado” (Rm 6:23). Morte e pecado, morte e
Satanás (Hb 2:14) têm a mais estreita relação entre si. E agora o verdadeiro Sumo
Sacerdote, o “Senhor”, o Filho do próprio Deus, o Santo e sem pecados, deve não
apenas tocar a morte, mas pessoalmente sofrer a morte! Isso é inconcebivelmente
terrível e não obstante representa, por isso, nosso resgate da merecida morte. Por
isso justamente o copo da alegria festiva deve recordar o inimaginável episódio, o
sangue derramado. Por outro lado o sangue derramado e a morte amarga se tornam
para nós uma alegria profundamente grata. Toda celebração da ceia do Senhor
unifica o que não pode ser unificado: a morte do Senhor e, por isso, maldição e
bênção, juízo e graça, extrema humilhação e máxima exaltação.
Em decorrência a celebração da ceia do Senhor é também “palavra da cruz”. E
essa palavra é proferida na celebração da ceia não apenas por mensageiros isolados,
não apenas pelo dirigente litúrgico da cerimônia, mas por todos os participantes por
meio de seu “fazer”, i. é, por seu comer e beber. “Anunciais a morte do Senhor”, diz
Paulo a todos os membros da igreja em Corinto.
Essa proclamação na celebração da ceia acontece “até que ele venha”. Isso não
visa somente constatar o óbvio, de que essa celebração termina com a vinda do
Senhor, e tampouco visa apenas exortar que até lá não seja deixada de lado. Pelo
contrário, o adendo deve apontar expressamente ao fato de que o “Senhor”, cuja
morte está sendo anunciada, é o Senhor vivo e vindouro. Novamente mostra-se o
elemento escatológico permanente de toda a fé e vida dos primeiros cristãos (cf. 1
Co 1:7 e o que ali foi exposto). Também na “ceia do Senhor” o olhar não está apenas
voltado para o passado, por mais que ela seja celebrada “em memória”. A ceia dirige
o olhar para frente, rumo ao dia do Senhor, quando Jesus há de celebrar de maneira
plena e consumadora o banquete festivo do reino com os seus, numa alegria inefável
e eterna.2
2
Werner de Boor, Comentário Esperança, Primeira Carta de Paulo aos Coríntios (Curitiba: Editora Evangélica
Esperança, 2004), 179–183.
“Neste ponto eu não vos louvo” [TEB]. Quando Paulo não elogia a igreja, mas fala com ela
com seriedade assustadora sobre esses males na ceia do Senhor, a igreja precisa ter
em mente que Paulo é uma pessoa amarrada em seu julgamento. Afinal, a “ceia do
Senhor” não é sua própria invenção e instituição, sobre cuja configuração ele
também possa decidir pessoalmente. Não, “porque eu de minha parte recebi do
Senhor o que também transmiti a vós” [tradução do autor].
Paulo emprega as antigas e conhecidas fórmulas de seu passado judaico e
rabínico. “Recebido de…” e “transmitido a…”, assim se processava todo o ensino
entre os rabinos. E nisso havia uma verdade que tampouco o Paulo convertido
precisava deixar de lado. Quem não constrói sua própria visão religiosa do mundo,
quem tampouco encontra a divindade em compenetração subjetiva e mística, mas
quem crê no Deus vivo que conduz sua poderosa história de salvação através dos
tempos, esse precisa tomar conhecimento dos “grandes feitos de Deus” pela
“tradição”. Precisa “receber” essa tradição, e pode “transmiti-la” novamente a
outros. É por essa razão que nós, como cristãos, temos até hoje os “livros históricos”
do Antigo e Novo Testamentos, e por isso a Bíblia é, antes de tudo, um livro
narrativo. É verdade que em Gl 1:12 Paulo diz sobre a mensagem salvadora: “Eu não
o recebi de ninguém, e ninguém o ensinou a mim, mas foi o próprio Jesus Cristo que
o revelou para mim.” De forma alguma posso “aprender” que Jesus de fato é o filho
de Deus e meu Redentor. Isso precisa ser revelado a mim pelo Espírito Santo. Porém
os episódios históricos na vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus também não
foram comunicados a Paulo pelo próprio Jesus às portas de Damasco. Naquela hora
o Senhor falou somente algumas poucas palavras (cf. At 9:5s). Nessa questão Paulo
dependia das “tradições”. Por isso “recebeu” também o relato sobre a instituição da
santa ceia “a partir do Senhor”, que instituiu pessoalmente a ceia, mas ainda assim
através da corrente de testemunhas, assim como ele por sua vez o retransmitiu a
suas igrejas.259
23-25 “O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue” [TEB]. Sempre temos de nos lembrar
que a palavra “Senhor”, desgastada para nós, era um conceito poderoso e de
conteúdo significativo. Está agindo Aquele que era kyrios, “Senhor” em sentido
pleno.260 Ao mesmo tempo, porém, ele é mencionado com seu nome pessoal
“Jesus”. Por ter-se tornado ser humano ele tinha condições de entregar corpo e
sangue por um mundo perdido. Ele age “na noite em que ele foi entregue”. Paulo
está usando a mesma palavra “entregar, abandonar” empregada também em sua
poderosa afirmação de Rm 4:25; 8:32. Por isso também na presente passagem não
deve ter o intuito de salientar especialmente a traição de Judas. Essa noite não se
caracteriza basicamente por um detalhe assim, mas o que determina todo o
acontecimento é que agora o kyrios, o “Filho” foi “entregue” pelo próprio Pai, no
presente caso “entregue” ao juízo e por isso também ao mundo, ao diabo, ao
abandono por Deus. Isso nos revela que o Pai não suporta passivamente o
sofrimento e a morte do Filho, mas que nisso o amor sacrifical do Pai é tão
incompreensivelmente grande quanto o amor do Filho, que obedientemente se
deixa sacrificar.
O Senhor Jesus “tomou o pão e, depois de oração de graças, ele o partiu e disse:
Isto é meu corpo que é para vós” [tradução do autor]. Também agora, quando Jesus
vê toda a realidade de sua paixão e morte diante de si no “partir do pão”, ele
“agradece”. Não é lamento nem tampouco pesar pela despedida que preenchem
seu coração, e sim a gratidão. Seu corpo partido, afinal, é “o para vós”, como é dito
aqui com a mais lacônica reserva bíblica. Nesse breve e contido “para vós”
concentra-se tudo: todo o amor que se entrega pelos culpados e perdidos, e todo o
imenso ganho que resulta desse sacrifício, a eterna redenção dos perdidos. É por
isso que Jesus consegue agradecer; e por essa razão sua igreja pode celebrar esse
“partir do pão”, essa lembrança da entrega, paixão e morte como santa festa de
alegria.
Nada é dito sobre a distribuição do pão, sobre receber e comer. Os participantes
daquela ceia na última noite ficam completamente fora do foco. Unicamente o
próprio Senhor e sua ação e fala preenchem tudo. No entanto, o pão foi “partido”,
a fim de ser distribuído aos companheiros da ceia e comido por eles. Jesus não
protagonizou uma ação simbólica, a fim de expor aos discípulos uma verdade de
maneira figurada e compreensível, mas com o pão partido ele lhes deu seu corpo.
Não um corpo místico, uma substância transfigurada e sobrenatural, mas
justamente corpo terreno, partido por eles. Contudo, agora recebem
verdadeiramente esse corpo com todo seu sentido de salvação e o “comem”, ou
seja, acolhem-no para si com toda sua realidade.
Jesus não queria celebrar apenas essa uma ceia com seus discípulos e não queria
conceder seu amor apenas a esse pequeno grupo. Ele olhou para a igreja de todos
os tempos e por isso ordenou expressamente: “Fazei isto em memória de mim.”
Desse modo a ceia não se torna mera “celebração memorial”. O “recordar”
autêntico traz à presença. A igreja de fato tem necessidade de que toda a sua
perdição e toda a magnitude da ação redentora de seu Senhor sejam expostas
vivamente diante dela. Também o crente repetidamente começa a “esquecer” quem
ele é e o que o Senhor fez por ele. Ao receber, tomar e comer no pão o corpo partido
de seu Senhor, a igreja “recorda” toda a história da salvação de Deus em Cristo.
Porém esse “recordar” não consiste apenas de “pensamentos” e recordações, mas
de “fazer”, uma ação, um verdadeiro receber. De qualquer forma, o próprio Paulo
estava convicto da “participação” real no corpo do Senhor, como já constatamos em
1 Co 10:16.
“Do mesmo modo também o copo após a refeição” [tradução do autor]. “Do
mesmo modo” como com o pão, Jesus procedeu com o copo. Também o “tomou”,
proferiu sobre ele a oração de graças, e o ofereceu aos participantes na mesa, como
o pão. Fica explícito o quanto a “santa ceia” estava inserida na refeição toda e não
representava um ato fechado em si próprio, como entre nós. A partição e
distribuição do pão pelo dono da casa fazia parte do começo de uma refeição. Ela
prosseguia até o final, e somente agora, “após a refeição”, bem depois da
distribuição do pão, o copo é abençoado e oferecido.
De maneira mais clara que no caso do pão Jesus profere aqui todo o significado
de salvação da dádiva: “Esse copo é a nova aliança em meu sangue.” A declaração
torna singularmente perceptível para nós que apesar de toda a realidade da dádiva
de modo algum se trata de quaisquer substâncias sagradas. De acordo com a própria
palavra de Jesus, não está no copo propriamente “o sangue”, e sim “a nova aliança”,
que por sua vez somente se concretiza “no sangue de Jesus”, por intermédio de seu
sangue. Quem recebe e bebe esse copo não recebe por meio dele uma matéria
celestial, mas participação na nova aliança. Deus a havia prometido através do
profeta Jeremias (Jr 31:31-34). Agora a institui e realiza em Jesus. Essa instituição,
porém, não é uma coisa simples, não uma mera declaração de propósitos. O perdão
prometido e necessário para essa nova aliança somente pode tornar-se realidade
pelo fato de que toda a carga de pecados é levada embora por aquele que é o
Cordeiro imaculado e santo de Deus (Jo 1:29). Em decorrência, a instituição dessa
aliança somente podia acontecer através do sangue e custou o alto preço da morte
maldita do Filho de Deus.
26 É disso que nos “lembra” toda celebração da ceia do Senhor. Por isso toda
celebração da santa ceia se torna expressamente uma proclamação da morte do
Senhor. “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice,
anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.” É importante que sintamos a
afirmativa central da frase com todo seu impacto. A “morte do Senhor” não é uma
obviedade. Nossos hinos de Natal enaltecem o milagre: “Ele se fez pequeno menino,
que a tudo sustém sozinho.” Contudo é muito mais inusitado que experimenta a
morte aquele que, na verdade, é o kyrios, o divino Senhor do universo. A morte e
tudo o que está relacionado com a morte encontram-se em tamanho contraste com
o Deus vivo que o sumo sacerdote da antiga aliança nem sequer podia participar das
exéquias de seus pais, para não entrar em contato com qualquer coisa que se chame
morte. Afinal, a morte é “o salário do pecado” (Rm 6:23). Morte e pecado, morte e
Satanás (Hb 2:14) têm a mais estreita relação entre si. E agora o verdadeiro Sumo
Sacerdote, o “Senhor”, o Filho do próprio Deus, o Santo e sem pecados, deve não
apenas tocar a morte, mas pessoalmente sofrer a morte! Isso é inconcebivelmente
terrível e não obstante representa, por isso, nosso resgate da merecida morte. Por
isso justamente o copo da alegria festiva deve recordar o inimaginável episódio, o
sangue derramado. Por outro lado o sangue derramado e a morte amarga se tornam
para nós uma alegria profundamente grata. Toda celebração da ceia do Senhor
unifica o que não pode ser unificado: a morte do Senhor e, por isso, maldição e
bênção, juízo e graça, extrema humilhação e máxima exaltação.
Em decorrência a celebração da ceia do Senhor é também “palavra da cruz”. E
essa palavra é proferida na celebração da ceia não apenas por mensageiros isolados,
não apenas pelo dirigente litúrgico da cerimônia, mas por todos os participantes por
meio de seu “fazer”, i. é, por seu comer e beber. “Anunciais a morte do Senhor”, diz
Paulo a todos os membros da igreja em Corinto.
Essa proclamação na celebração da ceia acontece “até que ele venha”. Isso não
visa somente constatar o óbvio, de que essa celebração termina com a vinda do
Senhor, e tampouco visa apenas exortar que até lá não seja deixada de lado. Pelo
contrário, o adendo deve apontar expressamente ao fato de que o “Senhor”, cuja
morte está sendo anunciada, é o Senhor vivo e vindouro. Novamente mostra-se o
elemento escatológico permanente de toda a fé e vida dos primeiros cristãos (cf. 1
Co 1:7 e o que ali foi exposto). Também na “ceia do Senhor” o olhar não está apenas
voltado para o passado, por mais que ela seja celebrada “em memória”. A ceia dirige
o olhar para frente, rumo ao dia do Senhor, quando Jesus há de celebrar de maneira
plena e consumadora o banquete festivo do reino com os seus, numa alegria inefável
e eterna.3
3
Werner de Boor, Comentário Esperança, Primeira Carta de Paulo aos Coríntios (Curitiba: Editora Evangélica
Esperança, 2004), 179–183.
estavam participando. A atitude deles não era compatível com a celebração da Ceia do
Senhor. Agindo dessa forma eles estavam desprezando a Igreja de Deus.
O que estava acontecendo nessa festa? Vejamos os seis pontos apresentados por Paulo
que apontam a deturpação da Festa do Amor.
a) Eles se ajuntavam para pior. Paulo escreve: “Nisto, porém, que vos prescrevo, não
vos louvo, porquanto vos ajuntais não para melhor, e sim para pior” (11.17). O culto deles
não estava centrado em Deus nem era sensível ao próximo. Tudo girava em torno deles
mesmos, de tal maneira que quando eles iam para a igreja, eles não adoravam a Deus nem
serviam ao próximo. Assim, ao voltarem para casa, voltavam em estado pior. Eles
cultuavam a si mesmos. Eles buscavam a satisfação do próprio eu. Então Paulo os exorta:
Vocês estão se reunindo para pior. Leon Morris diz que “em vez da comunhão ser um ato
eminentemente edificante, estava tendo um efeito dilacerante”.
b) Eles se reuniam, mas não havia harmonia no meio deles. Paulo diz: “Porque, antes
de tudo, estou informado haver divisões entre vós quando vos reunis na igreja; e eu, em
parte, o creio” (11.18). Havia divisões, partidos, e cismas entre eles.
A palavra grega para “divisões” é schismata, a mesma palavra que Paulo empregou em
(1.10), acerca das dissensões que tinham cindido a igreja em facções. Essas se
intrometeram na mais santa das práticas de culto. Eles estavam dentro da igreja, mas não
tinham uma só alma. Os ricos estavam de um lado e os pobres do outro. Os crentes de
Corinto valorizavam as pessoas pela grife da roupa que usavam, pelo título que as pessoas
tinham e pela posição que as pessoas ocupavam na sociedade. O status social das pessoas
dividia a igreja. Eles não tinham uma só alma, um só coração, um só sentimento, e um só
propósito. Havia ajuntamento, mas não comunhão.
c) Eles participavam dos elementos da Ceia, mas não era a Ceia que eles celebravam.
Paulo afirma: “Quando, pois, vos reunis no mesmo lugar, não é a ceia do Senhor que
comeis” (11.20). Paulo está combatendo o perigo do ritualismo. Você pode assentar-se
para celebrar a Ceia, comer o pão e beber o vinho e, ainda assim, não ter usufruído as
bênçãos da comunhão da Mesa do Senhor. Por quê? Porque a motivação pode estar
errada.
Os crentes de Corinto seguiam um ritual, mas o coração deles estava afastado do
propósito divino. Eles tinham o ritual, mas não a essência representada pelo ritual. Deus
está mais interessado na sinceridade do coração do que em rituais. Nós devemos celebrar
a Páscoa com os asmos da sinceridade. Se participarmos do culto, assentando-nos ao redor
da mesa do Senhor, não refletirmos sobre o significado da Ceia e ainda desprezarmos
nossos irmãos, então, esse ritual é desprovido de qualquer valor. Deus não se impressiona
com rituais pomposos, Ele quer a verdade no íntimo. O cerimonialismo é um grande perigo.
Deus não se impressiona com os nossos ritos e cerimônias. Ele vê o coração do adorador.
d) Eles eram esnobes e orgulhosos (11.21). Os ricos, de um lado, comiam os melhores
churrascos e bebiam os melhores vinhos até a embriaguez enquanto os pobres ficavam do
outro lado passando fome. De um lado estavam os pobres com fome e do outro estavam
os ricos bêbados. Depois dessa feira de vaidades, os ricos ainda tinham a petulância de
dizer: “Agora nós vamos celebrar a Ceia do Senhor”. Agindo assim, feriam a comunhão,
humilhavam os irmãos pobres e desonravam a Deus. É importante ressaltar que a atitude
egoísta dessas pessoas estava em flagrante contraste com a oferta altruísta e sacrificial de
Cristo que deu Sua vida para o resgate dos pecadores. A Ceia que eles celebravam
apontava para a oferta sacrificial de Cristo e eles a celebravam com gestos de egoísmo e
não de amor altruísta.163
e) Eles se entregavam a excessos dentro da igreja (11.21). Eles bebiam a ponto de
chegar à embriaguez na Festa do Amor, antes da celebração da Ceia. Os ricos deixavam os
pobres passando fome, enquanto comiam, empanturravam-se e embebedavam-se num
claro sinal de excesso e falta de domínio próprio. Paulo diz que a atitude deles estava
errada. Eles estavam se reunindo para pecar. Tanto a glutonaria quanto a bebedeira são
obras da carne e não fruto do Espírito (Gl 5.19–21).
f) Eles desprezavam a Igreja de Deus e envergonhavam os pobres (11.22). A deturpação
da Festa do Amor na Igreja primitiva acabou abolindo-a completamente. Eles desprezavam
a santidade de Deus, a santidade da igreja e o amor ao próximo.
Em terceiro lugar, o significado da Ceia do Senhor (11.23–26). A Ceia do Senhor está
centralizada na morte expiatória de Cristo e no Seu sacrifício vicário. A cruz de Cristo e não
o egoísmo humano está no centro dessa celebração. O sangue de Cristo é o selo da nova
aliança. Por meio dele Deus perdoa os nossos pecados e nos salva da ira vindoura.
A Ceia do Senhor é uma proclamação dramatizada de quatro verdades essenciais da fé
cristã. Não podemos nos assentar à mesa sem olhar para o sacrifício de Cristo. Warren
Wiersbe destaca quatro pontos que Paulo ensinou sobre a Ceia e que devemos ainda hoje
observar sempre que nos reunirmos ao redor da mesa do Senhor: devemos olhar para trás,
para a frente, para dentro e ao redor.
a) Devemos olhar para trás. Quando você participa da Ceia, você deve olhar para trás,
para a cruz de Cristo (11.26). Todas as vezes que comemos o pão e bebemos o cálice,
anunciamos a morte do Senhor. Quando Jesus pegou o pão e o partiu, Ele disse: “Este pão
é o meu corpo, que é partido por amor de vós. Tomai e comei, fazei isto em memória de
mim”. Jesus está ordenando que a igreja se lembre não dos Seus milagres, mas da Sua
morte. Devemos olhar para trás e nos lembrar por que Cristo morreu, como Cristo morreu,
por quem Cristo morreu. Cristo é o centro da Ceia. A Ceia é uma pregação dramatizada do
calvário.
b) Devemos olhar para a frente. Quando participa da Ceia, você não olha somente para
trás, mas também para a frente. Paulo diz: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão
e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (11.26). A Ceia nos
aponta para a segunda vinda de Cristo. A eucaristia aponta para a parousia. Há um clima
de expectativa em toda celebração da Ceia do Senhor (Lc 22.16,18). A segunda vinda de
Cristo é a grande esperança do cristão num mundo onde o mal tem feito tantos estragos.
Atrás, aponta para a sua morte; à frente, aponta para a sua volta. William MacDonald,
citando Godett, afirma: “A Ceia do Senhor é o elo entre Suas duas vindas, o monumento
de uma, a garantia de outra”.
c) Devemos olhar para dentro. Quando você celebra a Ceia, não somente olha para trás
e para a frente, mas também olha para dentro. Paulo exorta: “Examine-se, pois, o homem
a si mesmo” (11.28). Você não olha para o seu irmão. Você não é o juiz do seu irmão. Em
vez de examinar e julgar a vida alheia; volte as baterias para você mesmo, examine-se a si
mesmo e julgue-se a si mesmo. Investigue o seu coração. Analise a sua vida. É digno
observar que Paulo diz: Examine-se o homem a si mesmo e coma. Paulo não diz: Examine-
se o homem e deixe de comer. Você não deve fugir da Ceia por causa do pecado, mas fugir
do pecado por causa da Ceia. A Ceia é um instrumento de restauração. A Ceia é um tempo
de cura, de reconciliação e restauração. A Ceia é o momento em que devemos aguçar os
sentidos da nossa alma para examinar-nos e nos voltarmos para o Senhor. Na Ceia
devemos correr do pecado para Deus e não de Deus para o pecado. A ordem de Paulo é:
Examine-se e coma!
d) Devemos olhar ao redor. Quando você participa da Ceia, você olha para trás, para a
cruz; você olha para a frente, para a segunda vinda de Cristo; você olha para dentro, para
um auto-exame e você também olha ao redor (11.33,34). O apóstolo Paulo escreve:
“Assim, pois, irmãos meus, quando vos reunis para comer, esperai uns pelos outros. Se
alguém tem fome, coma em casa, a fim de não vos reunirdes para juízo. Quanto às demais
cousas, eu as ordenarei quando for ter convosco” (11.33,34). Paulo está orientando os
crentes a esperarem uns pelos outros para uma comunhão verdadeira na Festa do Amor.
Na igreja de Corinto era costume os crentes trazerem suas iguarias de casa e comerem
fartamente sem esperar uns pelos outros. Quando os menos favorecidos chegavam só
encontravam as sobras. Havia até alguns pobres que passavam fome. O que Paulo nos
ensina? Não temos essa prática da Festa do Amor atualmente, mas temos o princípio.
Quando você se reunir para a Ceia, olhe ao seu redor, para seu irmão que está perto de
você. Tem alguém faltando à igreja? Por que este ou aquele irmão ou irmã não está aqui
assentado perto de nós?
A Ceia é um momento de comunhão. Somos um só pão. É isso o que Paulo deseja que
a igreja entenda sobre a Ceia. Devemos procurar o Senhor e também os nossos irmãos.
Devemos encontrar-nos com o Senhor e também com os nossos irmãos. Na Ceia os céus e
a terra se tocam.
Em quarto lugar, os perigos em relação à Ceia do Senhor (11.27–32). Paulo alista alguns
perigos com respeito à Ceia do Senhor.
a) Participar da Ceia do Senhor indignamente. Paulo escreve: “Por isso, aquele que
comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do
Senhor” (11.27). O que é participar da Ceia do Senhor dignamente?
João Calvino diz que participar da Ceia de forma digna é ter consciência da nossa própria
indignidade. Quando temos consciência da nossa indignidade, mas ao mesmo tempo
reconhecemos que por meio de Cristo somos habilitados a nos assentarmos à mesa, então
participaremos da Ceia dignamente. A nossa dignidade é a consciência da nossa
indignidade.
Leon Morris afirma que há um sentido em que todos têm de participar indignamente,
pois ninguém jamais pode ser digno da bondade de Cristo para conosco. Mas em outro
sentido podemos vir dignamente, isto é, com fé, e com a devida realização de tudo que é
pertinente a tão solene rito. Negligenciar nisto é vir indignamente no sentido aqui
censurado. Participar da Ceia indignamente é assentar-se à mesa de forma leviana e
irrefletida.
Precisamos discernir o que Cristo fez na cruz por nós. Precisamos compreender o Seu
sacrifício vicário. Participar da Ceia irrefletidamente ou participar da Ceia hospedando
pecado no coração, sem a devida disposição de arrependimento é fazê-lo de forma
indigna. É tornar-se réu do corpo e do sangue de Jesus.
Ser réu do corpo e do sangue de Cristo Jesus é um pecado gravíssimo. Você só tem dois
lados para estar em relação ao sangue. Você está debaixo dos benefícios do sangue ou está
do lado daqueles que levaram Jesus para a cruz e o mataram. Você é assassino de Cristo
ou é beneficiário do sangue de Cristo. Participar indignamente da Ceia e ser réu do corpo
e do sangue de Cristo; é estar na mesma posição de Anás, Caifás, Pilatos e os soldados
romanos que pregaram Jesus na cruz. Assim, só existem duas possibilidades: Você está
debaixo dos benefícios do sangue de Cristo ou é réu do corpo e do sangue do Senhor. O
apóstolo Paulo está dizendo que quem participa da Ceia indignamente se torna culpado
de derramar o sangue de Cristo; isto é, coloca-se não do lado dos que estão participando
dos benefícios da Sua paixão, mas do lado dos que foram culpados por Sua crucificação.
b) Participar da Ceia do Senhor sem discernimento. O apóstolo Paulo escreve:
“Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma do pão, e beba do cálice; pois quem
come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. Eis a razão por que há entre
vós muitos fracos e doentes e não poucos os que dormem” (11.28–30). Discernir o quê?
Discernir o corpo! Que corpo? Paulo está falando de dois corpos aqui. O primeiro corpo é
o corpo físico de Cristo. É o corpo que foi moído e traspassado na cruz. Contudo, há outro
corpo que precisa ser discernido. É o corpo místico de Cristo. Qual é o corpo místico de
Cristo? A Igreja!
Quando você vem para a Ceia, mas, despreza o seu irmão, fazendo acepção de pessoas,
ou nutrindo mágoa em seu coração, você está participando da Ceia sem discernir o corpo.
E se você participa da Ceia sem discernir o corpo, você está participando de forma indigna.
O resultado é que um pecado espiritual produz conseqüências físicas: “Eis a razão por que
há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem” (11.30). Essas são as
doenças hamartiagênicas, ou seja, doenças produzidas pelo pecado.
A igreja de Corinto, em virtude de pecados não tratados, tinha pessoas fracas, doentes
e algumas que já haviam morrido. Leon Morris nessa mesma linha de pensamento diz que
males espirituais podem ter resultados físicos. A razão da má saúde e mesmo da morte de
alguns crentes de Corinto tem atrás de si uma atitude errada para com esse ofício
sumamente solene.
A igreja de Corinto não estava cumprindo o mandamento de amar uns aos outros.
Portanto, ela não estava discernindo o corpo. A conseqüência da falta de discernimento
do corpo levou a igreja a comer e beber juízo para si: fraqueza, doenças e morte (11.30).
c) Participar da Ceia do Senhor sem autojulgamento. Paulo alerta: “Porque, se nos
julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando julgados, somos
disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo” (11.31,32). Não
podemos ser frouxos com nós mesmos. Se nós participarmos da Ceia do Senhor com
pecados não confessados sobre nós; não teremos, então, discernido o corpo que foi
partido para que esse pecado fosse perdoado.
Não podemos ser condescendentes com os nossos próprios erros. Precisamos
enfrentar a nós mesmos. Quando você vier para a Ceia, não trate a si mesmo com
condescendência. Julgue a si mesmo. Enfrente os seus pecados com rigor. Porque se você
não julgar a si mesmo, vai ser condenado com o mundo.
A celebração da Ceia é um momento de autoconfronto. O auto-engano é um grande
perigo. A igreja de Laodicéia olhou no espelho e disse: Estou rica e abastada. A igreja de
Sardes disse: Eu estou viva! Mas, Jesus disse à primeira igreja que ela era pobre e miserável
e a segunda que ela estava morta. Paulo é enfático: Julgue a si mesmo, examine a si mesmo
para que você não seja julgado e condenado com o mundo. Matthew Henry diz que as
ordenanças de Cristo podem nos fazer melhores, ou nos farão piores; se elas não nos
quebrantarem e nos amolecerem; nos tornarão mais endurecidos.
Quando você julga a si mesmo, é disciplinado por Deus e a disciplina de Deus traz
salvação, cura, e vida. Todavia, quando não julgamos a nós mesmos, nos tornamos auto-
indulgentes, e o juízo torna-se inevitável. O juízo de Deus para o crente não é a perda da
salvação nem a condenação eterna, mas a disciplina.
Na vida do crente, fraqueza, doença e morte podem ser disciplina de Deus para nos
afastar de pecados mais terríveis e de conseqüências mais danosas. A disciplina de Deus
visa a sempre nos fazer voltar para Ele e nos livrar da condenação do mundo.4
4
Hernandes Dias Lopes, 1Coríntios: Como Resolver Conflitos na Igreja, 1a edição., Comentários Expositivos Hagnos
(São Paulo: Hagnos, 2008), 210–220.
“Isto simboliza o meu corpo” ou “Isto é uma imagem do meu corpo dado por vós”. Comer
o pão é lembrar Cristo em sua morte expiatória por nós. A expressão “em memória de
mim”, usada pelo Senhor, é de tom inexprimivelmente terno.
11:25 Por semelhante modo, depois de haver ceado, o Senhor Jesus, tomou também
o cálice, dizendo: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes
que o beberdes, em memória de mim”. A ceia do Senhor foi instituída logo depois da
refeição pascal. Por isso, lemos que Jesus tomou o cálice depois de haver ceado. Ao fazê-
lo, declarou que o cálice era a nova aliança no seu sangue. Trata-se de uma referência à
aliança que Deus prometeu à nação de Israel em Jeremias 31:31–34. É uma promessa
incondicional segundo a qual Deus concordou em usar de misericórdia para com eles e não
se lembrar de seus pecados e iniquidades. Os termos da nova aliança também são descritos
em Hebreus 8:10–12. A aliança continua a vigorar, mas a incredulidade de Israel como
nação a impede de desfrutá-la. Todos os que creem no Senhor Jesus recebem os benefícios
prometidos. Quando o povo de Israel se voltar para o Senhor, também desfrutará as
bênçãos da nova aliança, um acontecimento que ocorrerá no reino milenar de Cristo na
terra. A nova aliança foi ratificada pelo sangue de Cristo. Daí ele descrever o cálice como
nova aliança no seu sangue. O alicerce da nova aliança foi lançado pela cruz.
11:26 O versículo 26 trata da frequência com que a ceia do Senhor deve ser realizada.
Porque, todas as vezes que comerdes […] e beberdes. Não encontramos aqui nenhuma
regra legalista, tampouco uma data específica. De acordo com Atos 20:7, o costume dos
discípulos era reunir-se no primeiro dia da semana para lembrar o Senhor. A expressão até
que ele venha deixa claro que essa prática não foi instituída apenas para a igreja primitiva.
Como Godet ressalta com bastante propriedade, a ceia do Senhor é “o elo que liga suas
duas vindas como monumento da primeira e penhor da segunda”.
Em todas essas instruções acerca da ceia do Senhor, chama atenção a ausência de
qualquer referência a ministros ou sacerdotes oficiantes. Trata-se de um simples culto
memorial a ser observado por todo o povo de Deus. Os santos se reúnem simplesmente
como cristãos-sacerdotes para proclamar, desse modo, a morte do Senhor, até que ele
venha.
11:27 Depois de abordar a origem e o propósito da ceia do Senhor, o apóstolo focaliza
agora as consequências de participar da ceia indevidamente. Quem comer o pão ou beber
o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Nenhum de
nós é digno de participar dessa ceia solene. Nesse sentido, todos nós somos indignos da
misericórdia ou bondade do Senhor para conosco. Aqui, porém, o apóstolo não fala de
nossa indignidade pessoal. Uma vez purificados pelo sangue de Cristo, podemos
aproximar-nos de Deus com toda a dignidade de seu Filho amado. Nessa passagem, Paulo
trata da conduta vergonhosa que caracterizava as reuniões dos coríntios para celebrar a
ceia do Senhor. Eles eram culpados de participar da ceia com um comportamento
descuidado e irreverente. Quem age desse modo se torna réu do corpo e do sangue do
Senhor.
11:28 Não devemos aproximar-nos da mesa do Senhor sob julgamento. É preciso
confessar e abandonar o pecado, fazer reparação, pedir perdão àqueles que ofendemos.
Em termos gerais, devemos certificar-nos de que o estado de nossa alma é apropriado.
11:29 Comer e beber sem discernir o corpo do Senhor é trazer juízo para si. Devemos
estar cientes de que o corpo do Senhor foi entregue a fim de que nossos pecados
pudessem ser eliminados. Se continuarmos a viver em pecado e, ao mesmo tempo,
participarmos da ceia do Senhor, estaremos vivendo em falsidade. F. G. Patterson escreve:
“Quando participamos da ceia do Senhor sem julgar o pecado em nós, não discernimos o
corpo do Senhor que foi partido a fim de dar cabo do pecado”.
11:30 Como resultado da falta de julgamento próprio, alguns dos membros da igreja de
Corinto sofreram o julgamento disciplinador de Deus. Muitos estavam fracos e doentes e
não poucos dormiam. Em outras palavras, alguns foram acometidos por males físicos e
outros foram levados para o lar celeste. Uma vez que não julgaram o pecado em sua vida,
o Senhor teve de tomar medidas disciplinares.
11:31 Em contrapartida, se julgarmos a nós mesmos, não precisaremos ser
disciplinados.
11:32 Deus nos trata como seus filhos. Ama-nos demais para permitir que continuemos
pecando. Mais que depressa, sentimos o cajado do pastor em nosso pescoço puxando-nos
de volta para o Senhor. Alguém disse que “alguns santos podem ser dignos (em Cristo) de
ir para o céu, mas não são dignos de permanecer na terra como testemunhas”.
11:33 Quando os cristãos se reúnem para o ágape, ou refeição de comunhão, devem
esperar uns pelos outros, e não se portar de modo egoísta, sem nenhuma consideração
por seus irmãos. “Esperai uns pelos outros” contrasta com “cada um toma,
antecipadamente, a sua própria ceia” no versículo 21.
11:34 Se alguém tem fome, coma em casa. É importante observar que, por ser
associado à mesa do Senhor, o ágape não devia ser considerado uma refeição comum.
Quem desconsiderasse seu caráter sagrado se reuniria para juízo.
Quanto às demais coisas, eu as ordenarei quando for ter convosco. Sem dúvida, os
coríntios haviam mencionado outras questões secundárias em sua carta ao apóstolo. Paulo
lhes garante que tratará delas pessoalmente quando visitá-los.5