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23 ¶ Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor

Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão;


24 e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo, que é dado por
vós; fazei isto em memória de mim.
25 Por semelhante modo, depois de haver ceado, tomou também o cálice,
dizendo: Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes
que o beberdes, em memória de mim.
26 Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice, anunciais
a morte do Senhor, até que ele venha.
1 Cor 11:23-26

b. Instituição
11.23–26
Quando as igrejas celebram a Santa Comunhão, elas ouvem as palavras que Paulo
recebeu do Senhor e que ele passou adiante aos crentes. As palavras dessa passagem em
particular são a fórmula usada para a observância da Ceia do Senhor, isto é, usamos as
palavras que Paulo deu aos coríntios e não as palavras registradas pelos escritores dos
Evangelhos. A fraseologia nos relatos dos Evangelhos, e mesmo a sequência, difere da que
é dada por Paulo nesse capítulo. O comentário dos versículos seguintes (v. 23–26) discutirá
as diferenças entre os vários relatos.
23. Pois eu recebi do Senhor aquilo que eu também entreguei a vocês, que o Senhor
Jesus, na noite em que foi traído, tomou pão, 24. e quando tinha dado graças, ele o partiu
e disse: “Isto é meu corpo, que é para vocês. Façam isso em memória de mim”.
a. “Pois eu recebi do Senhor aquilo que eu também entreguei a vocês.” Quando Paulo
expressou sua perplexidade por não saber o que dizer aos coríntios (v. 22), ele não quis
dizer que havia ficado sem fala. Ao contrário, como pai da igreja coríntia ele ensina aos
seus membros a importância e a maneira apropriada de celebrar a Ceia do Senhor. Os
crentes precisam entender que quando eles comem o pão e bebem do copo do Senhor,
eles são hóspedes à sua mesa. Se os cristãos participam sem amar seus irmãos, os
membros da igreja, eles estão desonrando o próprio Senhor. Por essa razão, eles precisam
aprender as palavras ditas pelo Senhor quando instituiu sua Ceia.
Paulo disse que recebeu do Senhor a fórmula da Santa Ceia. Ele quer dizer que Jesus
comunicou essa fórmula na ocasião em que Paulo foi convertido ou durante uma visão
subsequente? Ambas são possíveis. Mas o Senhor Jesus também comunicou sua palavra
indiretamente a Paulo, como fez pela mediação de Ananias em Damasco (At 9.17). Assim,
Paulo pode querer dizer que alguns dos apóstolos lhe ensinaram as palavras da instituição
da Ceia do Senhor. Na verdade, Paulo passou 15 dias na companhia de Pedro (Gl 1.18). Nós
supomos que Paulo tenha recebido a informação por intermédio de outros apóstolos. Não
obstante, a revelação veio de Jesus, que é o Senhor dessa tradição e dirige pessoalmente
o desenvolvimento da igreja.
As palavras recebi e entreguei são termos técnicos que indicam os elos individuais na
corrente da tradição (em outra parte Paulo faz referência a passar adiante a revelação
divina [ver 15.3]. Um exemplo perfeito é a pregação de Paulo em Tessalônica, onde ele
transmitiu o Evangelho oralmente para os tessalonicenses. Eles, por sua vez, o passaram
para a frente por via oral a pessoas por toda a Macedônia e Acaia [1Ts 1.5,6–8]). As palavras
da instituição se originaram não de Paulo, mas de Jesus. Sendo assim, essas palavras são
divinas e devem ser honradas, guardadas e transmitidas. Paulo diz aqui que ele recebeu as
palavras da Ceia do Senhor por intermédio dos apóstolos e agora as passa adiante para os
coríntios. Ele espera que esses coríntios aceitem esse bem sagrado, a tradição que lhes foi
confiada, que devem por sua vez passar a outros.
b. “Que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído.” Temos plena certeza de que o
relato dos acontecimentos a respeito da traição e prisão de Jesus já era bem conhecido
pelos leitores. Acrescentando o nome Jesus ao título Senhor, Paulo dirige a atenção dos
leitores à vida terrena de Jesus e à experiência de humilhação que o Senhor sofreu. Mas
vemos o contraste: enquanto os adversários de Jesus estavam traçando os planos para
prendê-lo e matá-lo, o Senhor instituiu o sacramento da Santa Ceia.
Paulo descreve o ato de traição com um verbo grego no tempo imperfeito para indicar
uma ação que estava em progresso. Só Paulo dá essa informação como introdução às
próprias palavras que Jesus proferiu. Os evangelistas colocam a instituição no contexto
imediato da festa da Páscoa e no contexto mais amplo da iminente agonia no Getsêmane
e o subsequente sofrimento e morte no Calvário, assim colocando a Ceia do Senhor no
contexto da História. Mas Paulo revela que a comunhão também é o ato repetido de se
receber e entregar o sacramento até que o Senhor volte (v. 26).
c. “[Jesus] tomou pão, e quando tinha dado graças, ele o partiu.” No grego, vemos a
mesma fraseologia em Lucas 22.19. Os relatos de Mateus 26.26 e Marcos 14.22 são quase
idênticos na tradução, exceto por uma forma verbal diferente para dizer “deu graças”. E
as narrativas nos Evangelhos especificam que Jesus deu o pão a seus discípulos. Paulo,
contudo, omite esse detalhe; ele provavelmente quis fornecer um contexto geral aplicável
a cada pessoa que participa do pão.
As palavras da fórmula ecoam outras tradições ou outros acontecimentos. Por exemplo,
na alimentação das cinco mil pessoas, Jesus tomou o pão, elevou os olhos ao céu, deu
graças, e o partiu. Os pais judeus seguiam o mesmo ritual às refeições ou na festa da
Páscoa. Perto da conclusão da celebração da Páscoa, Jesus instituiu a Ceia do Senhor
quando ele tomou pão – uma referência ao seu próprio corpo que estava para ser sujeito
a sofrimento e morte.
d. “[Ele] disse: “Isto é meu corpo, que é para vocês. Façam isso em memória de mim.”
Os escritores dos Evangelhos também registram esse dito de Jesus; e podemos comparar
as palavras deles com as de Paulo:
Mt 26.26 Mc 14.22 Lc 22.19 1Co 11.24

Tomem, comam; Tomem,

isto é o meu corpo.isto é o meu corpo.Isto é o meu corpoIsto é o meu corpo


oferecido porque é dado por
vocês; façam istovocês; façam isto
em memória deem memória de
mim. mim
Nós vemos que os relatos de Mateus e Marcos são quase idênticos, como o são os de
Lucas e Paulo. A diferença entre Mateus e Marcos é a adição do imperativo comam na
narrativa de Mateus. De semelhante modo, Lucas tem o verbo dado, que Paulo omite.
Lucas e Paulo não registram as ordens tomem e comam no início do dito de Jesus;
inversamente, só Lucas e Paulo apresentam a ordem de Jesus: “façam isso em memória de
mim”. Todos os quatro escritores têm as palavras isto é o meu corpo em comum.
Desde a época da Reforma, os teólogos têm discutido a interpretação das palavras isto
é meu corpo. Um comentário não é o lugar para apresentar uma longa dissertação
teológica. Mas farei algumas observações. O pedaço de pão que Jesus segurava na mão
não se tornou seu corpo físico; o pão permaneceu pão. Era um símbolo que representava
a realidade de seu corpo. Assim como a pomba que desceu sobre Jesus na ocasião de seu
batismo representa o Espírito Santo, o pão representa o corpo de Cristo.
Jesus disse a seus discípulos: “Este é meu corpo, que é para vocês”. Na véspera de sua
morte, ele falou profeticamente sobre seu corpo físico que seria pregado a uma cruz como
expiação pelo pecado. Seu corpo seria entregue por todas as pessoas que cressem em
Cristo e que na comunhão participam do pão. Jesus indicou que ele morreria em lugar
delas (comparar com Rm 5.7–8).
O que diremos sobre o corpo exaltado e visível do Cristo que ascendeu? O pão que o
crente come é um sinal daquele corpo glorificado que está agora no céu. Por meio do
Espírito Santo, participantes do pão são reunidos pela fé em uma comunhão com Cristo e
sentem a sagrada presença e o poder dele.
A ordem “façam isso em memória de mim” pode ser entendida tanto num sentido
objetivo como subjetivo. Objetivamente, refere-se à nossa prece a Deus para que ele
graciosamente se lembre do Messias e faça com que seu reino venha no seu aparecimento.
Subjetivamente, significa que nós, como participantes da mesa do Senhor, nos lembramos
de sua morte na cruz. Dessas duas interpretações, a segunda parece mais relevante no
contexto. Dentro da igreja coríntia, as pessoas não observaram a Ceia do Senhor
apropriadamente (v. 20–21). Elas precisavam se lembrar da morte de Jesus e refletir sobre
as implicações dela para elas. Por isso, Paulo repete as palavras de Jesus como lembrete
aos coríntios de que a Ceia do Senhor é um ato de lembrança.
Ao comer o pão e beber do copo, Paulo diz, proclamamos a morte do Senhor (v. 26).
Devemos fazer isso repetidamente, como a ordem de Jesus indica, para lembrar sua morte.
Mas há muito mais na Ceia do Senhor do que uma lembrança de sua morte. Também
trazemos à mente a obra redentora de Cristo, sua ressurreição e ascensão, sua promessa
de estar com seu povo sempre, e sua volta um dia.
Considerações práticas em 11.23–24
Qual é o sentido da Ceia do Senhor quando um cristão participa dos elementos santos?
Eu me lembro da primeira vez em que me foi dado o privilégio de participar. Durante
semanas eu vinha aguardando a celebração da Ceia do Senhor, mas essa expectativa foi
contida quando eu comi e bebi com os outros adoradores. Eu havia esperado um influxo
sobrenatural de poder divino, mas nada de miraculoso aconteceu durante aquele culto.
Pensei sobre a morte de Cristo na cruz do Calvário, na remissão do pecado e na presença
do Senhor. Em certo sentido, aquela primeira experiência para mim foi sóbria e destituída
de magia.
Com o passar do tempo, eu amadureci espiritualmente e comecei a sentir a presença
de Cristo nos cultos de Santa Ceia. Como anfitrião, ele me convidava a ser seu hóspede à
mesa. Como o Mediador do novo pacto que Deus fizera, ele me considerou parceiro do
pacto. Como Cordeiro de Deus morto no Gólgota, ele me limpou de meus pecados. Como
meu irmão e amigo, ele me mostrou como viver para Deus e expressar-lhe minha gratidão.
Como fonte de felicidade, ele me encheu não de tristeza e pesar por sua morte, mas de
alegria e regozijo por sua presença.
Qual é o significado da Ceia do Senhor? É uma ocasião para refletir, alegrar-se e
agradecer. À medida que sentimos a presença espiritual do Senhor à mesa, nós, com a
igreja de todas as eras e todos os lugares, oramos: Maranata: “Vem, ó Senhor” (16.22; ver
também Ap 22.20).
25. Do mesmo modo, também tomando o copo depois de cear, ele disse: “Este copo
é a nova aliança em meu sangue; façam isso todas as vezes que o beberem em memória
de mim”.
a. Variações. A fraseologia desse versículo é quase idêntica àquela do relato de Lucas.
No texto grego dos três Evangelhos Sinóticos, só Lucas tem a expressão do mesmo modo,
e só ele omite o verbo tomar (22.20; comparar com Mt 26.27; Mc 14.23). Para efeito de
clareza, a palavra tomando precisa ser acrescentada no versículo 25.
Mateus escreve que Jesus toma o copo e ordena a seus discípulos: “Bebam dele, todos”
(26.27). Marcos tem uma sentença declarativa que afirma: “E todos beberam dele”
(14:23). Mas Lucas registra o comentário de Jesus: “Este é o cálice da nova aliança no meu
sangue, derramado em favor de vocês” (Lc 22.20b). Paulo relata a primeira parte da
sentença de Lucas, mas não a segunda. E de todas as narrativas da Última Ceia, só essa de
Paulo tem as palavras: “Façam isso todas as vezes que o beberem, em memória de mim”.
Mas ao contrário, os três evangelistas sinóticos mostram equilíbrio com respeito aos
beneficiários do pão e do cálice quando escrevem: “derramado em favor de muitos/vocês”
(Mateus e Marcos/Lucas).
Tanto Mateus como Marcos escrevem: “meu sangue, o sangue da aliança”. Mas Lucas
recorda as palavras de Jesus como sendo “a nova aliança em meu sangue”. Jesus disse
“nova aliança” em cumprimento da profecia de Jeremias (Jr 31.31) e Lucas registrou o
adjetivo nova? Tanto Mateus quanto Marcos eliminaram esse adjetivo? Não obstante a
questão a respeito de variações, os relatos de Lucas e Paulo mostram semelhanças
notáveis no vocabulário.
b. Sentido. “Do mesmo modo, também tomando o copo depois de cear, ele disse.”
Paulo usa a expressão da mesma maneira para fazer paralelo com o mínimo de palavras
do tomar o pão e tomar o cálice. A conjunção também afirma que Jesus adotou o mesmo
procedimento com o copo que havia adotado com o pão. Quando Paulo escreve “depois
de cear”, ele dá a entender que depois que o pão foi distribuído e comido, o copo teve de
ser enchido pela terceira vez, conforme o costume. Então foi passado para os discípulos.
Numa refeição pascal judaica, os participantes bebiam, com intervalos, de quatro copos
(ver o comentário sobre 10.16). Quando Jesus tomou o copo, era o terceiro copo,
conhecido como “o copo da bênção”. Nesse momento ele instituiu a segunda parte da Ceia
do Senhor. Inversamente, o participar do pão e do copo na igreja coríntia pode ter sido
separado por algum intervalo, em vista da frase depois de cear (v. 25).
“Este copo é a nova aliança em meu sangue.” Segundo Paulo e Lucas, Jesus não diz que
o líquido que está no copo é seu sangue, e assim ele deixa de compor um paralelo direto
com suas palavras isto é meu corpo. Embora Mateus e Marcos contrabalancem os termos
corpo e sangue em seus Evangelhos, no relato de Lucas e Paulo o paralelo não acontece
porque a expressão nova aliança é central. Essa expressão dá à palavra sangue um sentido
espiritual mais profundo. O copo representa a nova aliança que Jesus ratifica com seu
sangue. Quando Moisés confirmou o primeiro pacto no Monte Sinai, ele aspergiu sangue
sobre o povo e disse: “Este é o sangue da aliança que o Senhor fez com vocês” (Êx 24.8;
ver também Zc 9.11). Sangue animal foi aspergido para o primeiro pacto. O sangue de
Cristo, para o novo pacto.
O que é um pacto? “A palavra ‘pacto’ ou ‘aliança’ aponta para um dispositivo unilateral
feito por Deus em favor do homem, e não deve ser entendida em termos de um acordo
mútuo feito entre dois partidos de posição igual.” Deus instituiu o primeiro pacto nos dias
de Moisés (Êx 24.4b-8); ele deu aos israelitas promessas que ele cumpriu; como parte deles
nas obrigações do pacto, aos israelitas foi pedido que obedecessem à lei de Deus, o que
eles não fizeram. Ao estabelecer um novo pacto com seu povo, Deus tornou obsoleto o
antigo pacto (Hb 8.13). Ele ratificou esse novo pacto com o sangue de Cristo, derramado
de uma vez para sempre (Hb 9.26; 10.10). Deus nomeou Jesus como mediador desse pacto
(Hb 7.22; 8.6), e Jesus cumpriu-o entregando seu corpo e seu sangue. Resumidamente, na
palavra pacto está o paralelo implícito do corpo de Jesus, que foi morto em benefício de
seu povo e do sangue aspergido de Jesus que confirma esse novo pacto com eles
(comparar com Rm 3.25).
Todo crente que bebe do copo à mesa do Senhor é um membro do pacto que Cristo
ratificou em seu sangue. Isso também é verdadeiro com relação ao ato de comer do pão.
Todos aqueles que participam desse único pão estão demonstrando que participam do
corpo de Cristo (10.17). Juntos eles formam uma comunidade pactual.
c. Comando. “Façam isso sempre que o beberem, em memória de mim.” Pela segunda
vez, Jesus emite uma ordem para obedecerem ao sacramento da Comunhão. Mas ele é
mais específico ao dar essa ordem. Ele instrui seu povo a celebrar e, sempre que o fizerem,
a se lembrarem dele em relação com seu sangue derramado pela remissão do pecado.
Nos tempos do Antigo Testamento, os israelitas receberam a ordem de observar a
Páscoa no 14º dia do mês hebraico de Nisan. Por contraste, Jesus manda que seu povo
coma o pão e beba do copo regularmente, mas ele se abstém de dar a seus seguidores
uma agenda fixa. Algumas igrejas celebram a Comunhão a cada três meses, outras a
celebram mensalmente, e ainda outras, semanalmente. Embora a Ceia do Senhor seja
observada em muitas igrejas na quinta-feira santa ou na sexta da semana santa, as
celebrações não estão limitadas a tempos determinados. Em vez disso, Jesus diz: “Sempre
que observarem a Ceia do Senhor, vocês precisam se lembrar de que eu me ofereci em
favor de vocês”.
26. Pois todas as vezes que comerem o pão e beberem deste copo, vocês proclamam
a morte do Senhor até que ele venha.
a. “Pois todas as vezes que comerem o pão e beberem deste copo.” De todos os
escritores do Novo Testamento que recordam as palavras da instituição da Ceia do Senhor,
só Paulo tem a ordem de Jesus: “Façam isso sempre que o beberem, em memória de mim”.
Paulo acrescenta seu próprio sumário e discernimento a respeito da Ceia do Senhor. Com
a conjunção pois, ele resume a fórmula de Jesus. Ele repete a expressão todas as vezes e a
liga tanto ao comer do pão como ao beber do copo. Essas duas ações devem sempre ser
elementos equivalentes deste sacramento. Nas festas de fraternidade coríntias e nos
cultos, ocorriam irregularidades que Paulo agora busca corrigir.
b. “Vocês proclamam a morte do Senhor.” Paulo ensina que todos aqueles que comem
o pão e bebem do copo simbolicamente proclamam a morte de Jesus. Pela sua morte,
Jesus os fez participantes da nova aliança que Deus estabeleceu com seu povo e da qual
Cristo é o Mediador. Paulo os faz lembrar dos benefícios espirituais que advirão do
sacrifício de Jesus sobre a cruz, e eles, pela participação do pão e do copo, reconhecem
unidade um com o outro em Cristo.
Quando a igreja celebra a Ceia do Senhor no ambiente de um culto, os ministros da
Palavra devem proclamar o significado da morte de Cristo. Sempre que eles expõem a
Palavra verbalmente, os adoradores proclamam-na silenciosamente participando dos
elementos sacramentais.
c. “Até que ele venha.” Os membros da igreja proclamam tanto a morte de Jesus como
sua volta. Eles aguardam com ansiedade o dia em que Cristo voltará, e eles estarão para
sempre com o Senhor. Na igreja da segunda metade do século 1°, os crentes celebravam
a Comunhão e depois oravam: Maranata (Vem, ó Senhor).
Os cristãos não podem reprimir seu desejo de estar com Jesus; precisam proclamar sua
morte, sua ressurreição e sua volta. Em semelhante veia de inspiração, o profeta Isaías
observa sua incapacidade para reprimir este desejo.
Por amor de Sião não me calarei,
Por amor de Jerusalém não me aquietarei,
até que saia a sua justiça como um resplendor,
e a sua salvação como uma tocha acesa.
(Is 62.1)1

“Neste ponto eu não vos louvo” [TEB]. Quando Paulo não elogia a igreja, mas fala com ela
com seriedade assustadora sobre esses males na ceia do Senhor, a igreja precisa ter
em mente que Paulo é uma pessoa amarrada em seu julgamento. Afinal, a “ceia do
Senhor” não é sua própria invenção e instituição, sobre cuja configuração ele
também possa decidir pessoalmente. Não, “porque eu de minha parte recebi do
Senhor o que também transmiti a vós” [tradução do autor].
Paulo emprega as antigas e conhecidas fórmulas de seu passado judaico e
rabínico. “Recebido de…” e “transmitido a…”, assim se processava todo o ensino
entre os rabinos. E nisso havia uma verdade que tampouco o Paulo convertido
precisava deixar de lado. Quem não constrói sua própria visão religiosa do mundo,
quem tampouco encontra a divindade em compenetração subjetiva e mística, mas

1
Simon Kistemaker, 1 Coríntios, trans. Helen Hope Gordon Silva, 2a edição., Comentário do Novo Testamento (São
Paulo, SP: Editora Cultura Cristã, 2014), 483–490.
quem crê no Deus vivo que conduz sua poderosa história de salvação através dos
tempos, esse precisa tomar conhecimento dos “grandes feitos de Deus” pela
“tradição”. Precisa “receber” essa tradição, e pode “transmiti-la” novamente a
outros. É por essa razão que nós, como cristãos, temos até hoje os “livros históricos”
do Antigo e Novo Testamentos, e por isso a Bíblia é, antes de tudo, um livro
narrativo. É verdade que em Gl 1:12 Paulo diz sobre a mensagem salvadora: “Eu não
o recebi de ninguém, e ninguém o ensinou a mim, mas foi o próprio Jesus Cristo que
o revelou para mim.” De forma alguma posso “aprender” que Jesus de fato é o filho
de Deus e meu Redentor. Isso precisa ser revelado a mim pelo Espírito Santo. Porém
os episódios históricos na vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus também não
foram comunicados a Paulo pelo próprio Jesus às portas de Damasco. Naquela hora
o Senhor falou somente algumas poucas palavras (cf. At 9:5s). Nessa questão Paulo
dependia das “tradições”. Por isso “recebeu” também o relato sobre a instituição da
santa ceia “a partir do Senhor”, que instituiu pessoalmente a ceia, mas ainda assim
através da corrente de testemunhas, assim como ele por sua vez o retransmitiu a
suas igrejas.259
23-25 “O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue” [TEB]. Sempre temos de nos lembrar
que a palavra “Senhor”, desgastada para nós, era um conceito poderoso e de
conteúdo significativo. Está agindo Aquele que era kyrios, “Senhor” em sentido
pleno.260 Ao mesmo tempo, porém, ele é mencionado com seu nome pessoal
“Jesus”. Por ter-se tornado ser humano ele tinha condições de entregar corpo e
sangue por um mundo perdido. Ele age “na noite em que ele foi entregue”. Paulo
está usando a mesma palavra “entregar, abandonar” empregada também em sua
poderosa afirmação de Rm 4:25; 8:32. Por isso também na presente passagem não
deve ter o intuito de salientar especialmente a traição de Judas. Essa noite não se
caracteriza basicamente por um detalhe assim, mas o que determina todo o
acontecimento é que agora o kyrios, o “Filho” foi “entregue” pelo próprio Pai, no
presente caso “entregue” ao juízo e por isso também ao mundo, ao diabo, ao
abandono por Deus. Isso nos revela que o Pai não suporta passivamente o
sofrimento e a morte do Filho, mas que nisso o amor sacrifical do Pai é tão
incompreensivelmente grande quanto o amor do Filho, que obedientemente se
deixa sacrificar.
O Senhor Jesus “tomou o pão e, depois de oração de graças, ele o partiu e disse:
Isto é meu corpo que é para vós” [tradução do autor]. Também agora, quando Jesus
vê toda a realidade de sua paixão e morte diante de si no “partir do pão”, ele
“agradece”. Não é lamento nem tampouco pesar pela despedida que preenchem
seu coração, e sim a gratidão. Seu corpo partido, afinal, é “o para vós”, como é dito
aqui com a mais lacônica reserva bíblica. Nesse breve e contido “para vós”
concentra-se tudo: todo o amor que se entrega pelos culpados e perdidos, e todo o
imenso ganho que resulta desse sacrifício, a eterna redenção dos perdidos. É por
isso que Jesus consegue agradecer; e por essa razão sua igreja pode celebrar esse
“partir do pão”, essa lembrança da entrega, paixão e morte como santa festa de
alegria.
Nada é dito sobre a distribuição do pão, sobre receber e comer. Os participantes
daquela ceia na última noite ficam completamente fora do foco. Unicamente o
próprio Senhor e sua ação e fala preenchem tudo. No entanto, o pão foi “partido”,
a fim de ser distribuído aos companheiros da ceia e comido por eles. Jesus não
protagonizou uma ação simbólica, a fim de expor aos discípulos uma verdade de
maneira figurada e compreensível, mas com o pão partido ele lhes deu seu corpo.
Não um corpo místico, uma substância transfigurada e sobrenatural, mas
justamente corpo terreno, partido por eles. Contudo, agora recebem
verdadeiramente esse corpo com todo seu sentido de salvação e o “comem”, ou
seja, acolhem-no para si com toda sua realidade.
Jesus não queria celebrar apenas essa uma ceia com seus discípulos e não queria
conceder seu amor apenas a esse pequeno grupo. Ele olhou para a igreja de todos
os tempos e por isso ordenou expressamente: “Fazei isto em memória de mim.”
Desse modo a ceia não se torna mera “celebração memorial”. O “recordar”
autêntico traz à presença. A igreja de fato tem necessidade de que toda a sua
perdição e toda a magnitude da ação redentora de seu Senhor sejam expostas
vivamente diante dela. Também o crente repetidamente começa a “esquecer” quem
ele é e o que o Senhor fez por ele. Ao receber, tomar e comer no pão o corpo partido
de seu Senhor, a igreja “recorda” toda a história da salvação de Deus em Cristo.
Porém esse “recordar” não consiste apenas de “pensamentos” e recordações, mas
de “fazer”, uma ação, um verdadeiro receber. De qualquer forma, o próprio Paulo
estava convicto da “participação” real no corpo do Senhor, como já constatamos em
1 Co 10:16.
“Do mesmo modo também o copo após a refeição” [tradução do autor]. “Do
mesmo modo” como com o pão, Jesus procedeu com o copo. Também o “tomou”,
proferiu sobre ele a oração de graças, e o ofereceu aos participantes na mesa, como
o pão. Fica explícito o quanto a “santa ceia” estava inserida na refeição toda e não
representava um ato fechado em si próprio, como entre nós. A partição e
distribuição do pão pelo dono da casa fazia parte do começo de uma refeição. Ela
prosseguia até o final, e somente agora, “após a refeição”, bem depois da
distribuição do pão, o copo é abençoado e oferecido.
De maneira mais clara que no caso do pão Jesus profere aqui todo o significado
de salvação da dádiva: “Esse copo é a nova aliança em meu sangue.” A declaração
torna singularmente perceptível para nós que apesar de toda a realidade da dádiva
de modo algum se trata de quaisquer substâncias sagradas. De acordo com a própria
palavra de Jesus, não está no copo propriamente “o sangue”, e sim “a nova aliança”,
que por sua vez somente se concretiza “no sangue de Jesus”, por intermédio de seu
sangue. Quem recebe e bebe esse copo não recebe por meio dele uma matéria
celestial, mas participação na nova aliança. Deus a havia prometido através do
profeta Jeremias (Jr 31:31-34). Agora a institui e realiza em Jesus. Essa instituição,
porém, não é uma coisa simples, não uma mera declaração de propósitos. O perdão
prometido e necessário para essa nova aliança somente pode tornar-se realidade
pelo fato de que toda a carga de pecados é levada embora por aquele que é o
Cordeiro imaculado e santo de Deus (Jo 1:29). Em decorrência, a instituição dessa
aliança somente podia acontecer através do sangue e custou o alto preço da morte
maldita do Filho de Deus.
26 É disso que nos “lembra” toda celebração da ceia do Senhor. Por isso toda
celebração da santa ceia se torna expressamente uma proclamação da morte do
Senhor. “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice,
anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.” É importante que sintamos a
afirmativa central da frase com todo seu impacto. A “morte do Senhor” não é uma
obviedade. Nossos hinos de Natal enaltecem o milagre: “Ele se fez pequeno menino,
que a tudo sustém sozinho.” Contudo é muito mais inusitado que experimenta a
morte aquele que, na verdade, é o kyrios, o divino Senhor do universo. A morte e
tudo o que está relacionado com a morte encontram-se em tamanho contraste com
o Deus vivo que o sumo sacerdote da antiga aliança nem sequer podia participar das
exéquias de seus pais, para não entrar em contato com qualquer coisa que se chame
morte. Afinal, a morte é “o salário do pecado” (Rm 6:23). Morte e pecado, morte e
Satanás (Hb 2:14) têm a mais estreita relação entre si. E agora o verdadeiro Sumo
Sacerdote, o “Senhor”, o Filho do próprio Deus, o Santo e sem pecados, deve não
apenas tocar a morte, mas pessoalmente sofrer a morte! Isso é inconcebivelmente
terrível e não obstante representa, por isso, nosso resgate da merecida morte. Por
isso justamente o copo da alegria festiva deve recordar o inimaginável episódio, o
sangue derramado. Por outro lado o sangue derramado e a morte amarga se tornam
para nós uma alegria profundamente grata. Toda celebração da ceia do Senhor
unifica o que não pode ser unificado: a morte do Senhor e, por isso, maldição e
bênção, juízo e graça, extrema humilhação e máxima exaltação.
Em decorrência a celebração da ceia do Senhor é também “palavra da cruz”. E
essa palavra é proferida na celebração da ceia não apenas por mensageiros isolados,
não apenas pelo dirigente litúrgico da cerimônia, mas por todos os participantes por
meio de seu “fazer”, i. é, por seu comer e beber. “Anunciais a morte do Senhor”, diz
Paulo a todos os membros da igreja em Corinto.
Essa proclamação na celebração da ceia acontece “até que ele venha”. Isso não
visa somente constatar o óbvio, de que essa celebração termina com a vinda do
Senhor, e tampouco visa apenas exortar que até lá não seja deixada de lado. Pelo
contrário, o adendo deve apontar expressamente ao fato de que o “Senhor”, cuja
morte está sendo anunciada, é o Senhor vivo e vindouro. Novamente mostra-se o
elemento escatológico permanente de toda a fé e vida dos primeiros cristãos (cf. 1
Co 1:7 e o que ali foi exposto). Também na “ceia do Senhor” o olhar não está apenas
voltado para o passado, por mais que ela seja celebrada “em memória”. A ceia dirige
o olhar para frente, rumo ao dia do Senhor, quando Jesus há de celebrar de maneira
plena e consumadora o banquete festivo do reino com os seus, numa alegria inefável
e eterna.2

2
Werner de Boor, Comentário Esperança, Primeira Carta de Paulo aos Coríntios (Curitiba: Editora Evangélica
Esperança, 2004), 179–183.
“Neste ponto eu não vos louvo” [TEB]. Quando Paulo não elogia a igreja, mas fala com ela
com seriedade assustadora sobre esses males na ceia do Senhor, a igreja precisa ter
em mente que Paulo é uma pessoa amarrada em seu julgamento. Afinal, a “ceia do
Senhor” não é sua própria invenção e instituição, sobre cuja configuração ele
também possa decidir pessoalmente. Não, “porque eu de minha parte recebi do
Senhor o que também transmiti a vós” [tradução do autor].
Paulo emprega as antigas e conhecidas fórmulas de seu passado judaico e
rabínico. “Recebido de…” e “transmitido a…”, assim se processava todo o ensino
entre os rabinos. E nisso havia uma verdade que tampouco o Paulo convertido
precisava deixar de lado. Quem não constrói sua própria visão religiosa do mundo,
quem tampouco encontra a divindade em compenetração subjetiva e mística, mas
quem crê no Deus vivo que conduz sua poderosa história de salvação através dos
tempos, esse precisa tomar conhecimento dos “grandes feitos de Deus” pela
“tradição”. Precisa “receber” essa tradição, e pode “transmiti-la” novamente a
outros. É por essa razão que nós, como cristãos, temos até hoje os “livros históricos”
do Antigo e Novo Testamentos, e por isso a Bíblia é, antes de tudo, um livro
narrativo. É verdade que em Gl 1:12 Paulo diz sobre a mensagem salvadora: “Eu não
o recebi de ninguém, e ninguém o ensinou a mim, mas foi o próprio Jesus Cristo que
o revelou para mim.” De forma alguma posso “aprender” que Jesus de fato é o filho
de Deus e meu Redentor. Isso precisa ser revelado a mim pelo Espírito Santo. Porém
os episódios históricos na vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus também não
foram comunicados a Paulo pelo próprio Jesus às portas de Damasco. Naquela hora
o Senhor falou somente algumas poucas palavras (cf. At 9:5s). Nessa questão Paulo
dependia das “tradições”. Por isso “recebeu” também o relato sobre a instituição da
santa ceia “a partir do Senhor”, que instituiu pessoalmente a ceia, mas ainda assim
através da corrente de testemunhas, assim como ele por sua vez o retransmitiu a
suas igrejas.259
23-25 “O Senhor Jesus, na noite em que foi entregue” [TEB]. Sempre temos de nos lembrar
que a palavra “Senhor”, desgastada para nós, era um conceito poderoso e de
conteúdo significativo. Está agindo Aquele que era kyrios, “Senhor” em sentido
pleno.260 Ao mesmo tempo, porém, ele é mencionado com seu nome pessoal
“Jesus”. Por ter-se tornado ser humano ele tinha condições de entregar corpo e
sangue por um mundo perdido. Ele age “na noite em que ele foi entregue”. Paulo
está usando a mesma palavra “entregar, abandonar” empregada também em sua
poderosa afirmação de Rm 4:25; 8:32. Por isso também na presente passagem não
deve ter o intuito de salientar especialmente a traição de Judas. Essa noite não se
caracteriza basicamente por um detalhe assim, mas o que determina todo o
acontecimento é que agora o kyrios, o “Filho” foi “entregue” pelo próprio Pai, no
presente caso “entregue” ao juízo e por isso também ao mundo, ao diabo, ao
abandono por Deus. Isso nos revela que o Pai não suporta passivamente o
sofrimento e a morte do Filho, mas que nisso o amor sacrifical do Pai é tão
incompreensivelmente grande quanto o amor do Filho, que obedientemente se
deixa sacrificar.
O Senhor Jesus “tomou o pão e, depois de oração de graças, ele o partiu e disse:
Isto é meu corpo que é para vós” [tradução do autor]. Também agora, quando Jesus
vê toda a realidade de sua paixão e morte diante de si no “partir do pão”, ele
“agradece”. Não é lamento nem tampouco pesar pela despedida que preenchem
seu coração, e sim a gratidão. Seu corpo partido, afinal, é “o para vós”, como é dito
aqui com a mais lacônica reserva bíblica. Nesse breve e contido “para vós”
concentra-se tudo: todo o amor que se entrega pelos culpados e perdidos, e todo o
imenso ganho que resulta desse sacrifício, a eterna redenção dos perdidos. É por
isso que Jesus consegue agradecer; e por essa razão sua igreja pode celebrar esse
“partir do pão”, essa lembrança da entrega, paixão e morte como santa festa de
alegria.
Nada é dito sobre a distribuição do pão, sobre receber e comer. Os participantes
daquela ceia na última noite ficam completamente fora do foco. Unicamente o
próprio Senhor e sua ação e fala preenchem tudo. No entanto, o pão foi “partido”,
a fim de ser distribuído aos companheiros da ceia e comido por eles. Jesus não
protagonizou uma ação simbólica, a fim de expor aos discípulos uma verdade de
maneira figurada e compreensível, mas com o pão partido ele lhes deu seu corpo.
Não um corpo místico, uma substância transfigurada e sobrenatural, mas
justamente corpo terreno, partido por eles. Contudo, agora recebem
verdadeiramente esse corpo com todo seu sentido de salvação e o “comem”, ou
seja, acolhem-no para si com toda sua realidade.
Jesus não queria celebrar apenas essa uma ceia com seus discípulos e não queria
conceder seu amor apenas a esse pequeno grupo. Ele olhou para a igreja de todos
os tempos e por isso ordenou expressamente: “Fazei isto em memória de mim.”
Desse modo a ceia não se torna mera “celebração memorial”. O “recordar”
autêntico traz à presença. A igreja de fato tem necessidade de que toda a sua
perdição e toda a magnitude da ação redentora de seu Senhor sejam expostas
vivamente diante dela. Também o crente repetidamente começa a “esquecer” quem
ele é e o que o Senhor fez por ele. Ao receber, tomar e comer no pão o corpo partido
de seu Senhor, a igreja “recorda” toda a história da salvação de Deus em Cristo.
Porém esse “recordar” não consiste apenas de “pensamentos” e recordações, mas
de “fazer”, uma ação, um verdadeiro receber. De qualquer forma, o próprio Paulo
estava convicto da “participação” real no corpo do Senhor, como já constatamos em
1 Co 10:16.
“Do mesmo modo também o copo após a refeição” [tradução do autor]. “Do
mesmo modo” como com o pão, Jesus procedeu com o copo. Também o “tomou”,
proferiu sobre ele a oração de graças, e o ofereceu aos participantes na mesa, como
o pão. Fica explícito o quanto a “santa ceia” estava inserida na refeição toda e não
representava um ato fechado em si próprio, como entre nós. A partição e
distribuição do pão pelo dono da casa fazia parte do começo de uma refeição. Ela
prosseguia até o final, e somente agora, “após a refeição”, bem depois da
distribuição do pão, o copo é abençoado e oferecido.
De maneira mais clara que no caso do pão Jesus profere aqui todo o significado
de salvação da dádiva: “Esse copo é a nova aliança em meu sangue.” A declaração
torna singularmente perceptível para nós que apesar de toda a realidade da dádiva
de modo algum se trata de quaisquer substâncias sagradas. De acordo com a própria
palavra de Jesus, não está no copo propriamente “o sangue”, e sim “a nova aliança”,
que por sua vez somente se concretiza “no sangue de Jesus”, por intermédio de seu
sangue. Quem recebe e bebe esse copo não recebe por meio dele uma matéria
celestial, mas participação na nova aliança. Deus a havia prometido através do
profeta Jeremias (Jr 31:31-34). Agora a institui e realiza em Jesus. Essa instituição,
porém, não é uma coisa simples, não uma mera declaração de propósitos. O perdão
prometido e necessário para essa nova aliança somente pode tornar-se realidade
pelo fato de que toda a carga de pecados é levada embora por aquele que é o
Cordeiro imaculado e santo de Deus (Jo 1:29). Em decorrência, a instituição dessa
aliança somente podia acontecer através do sangue e custou o alto preço da morte
maldita do Filho de Deus.
26 É disso que nos “lembra” toda celebração da ceia do Senhor. Por isso toda
celebração da santa ceia se torna expressamente uma proclamação da morte do
Senhor. “Porque, todas as vezes que comerdes este pão e beberdes o cálice,
anunciais a morte do Senhor, até que ele venha.” É importante que sintamos a
afirmativa central da frase com todo seu impacto. A “morte do Senhor” não é uma
obviedade. Nossos hinos de Natal enaltecem o milagre: “Ele se fez pequeno menino,
que a tudo sustém sozinho.” Contudo é muito mais inusitado que experimenta a
morte aquele que, na verdade, é o kyrios, o divino Senhor do universo. A morte e
tudo o que está relacionado com a morte encontram-se em tamanho contraste com
o Deus vivo que o sumo sacerdote da antiga aliança nem sequer podia participar das
exéquias de seus pais, para não entrar em contato com qualquer coisa que se chame
morte. Afinal, a morte é “o salário do pecado” (Rm 6:23). Morte e pecado, morte e
Satanás (Hb 2:14) têm a mais estreita relação entre si. E agora o verdadeiro Sumo
Sacerdote, o “Senhor”, o Filho do próprio Deus, o Santo e sem pecados, deve não
apenas tocar a morte, mas pessoalmente sofrer a morte! Isso é inconcebivelmente
terrível e não obstante representa, por isso, nosso resgate da merecida morte. Por
isso justamente o copo da alegria festiva deve recordar o inimaginável episódio, o
sangue derramado. Por outro lado o sangue derramado e a morte amarga se tornam
para nós uma alegria profundamente grata. Toda celebração da ceia do Senhor
unifica o que não pode ser unificado: a morte do Senhor e, por isso, maldição e
bênção, juízo e graça, extrema humilhação e máxima exaltação.
Em decorrência a celebração da ceia do Senhor é também “palavra da cruz”. E
essa palavra é proferida na celebração da ceia não apenas por mensageiros isolados,
não apenas pelo dirigente litúrgico da cerimônia, mas por todos os participantes por
meio de seu “fazer”, i. é, por seu comer e beber. “Anunciais a morte do Senhor”, diz
Paulo a todos os membros da igreja em Corinto.
Essa proclamação na celebração da ceia acontece “até que ele venha”. Isso não
visa somente constatar o óbvio, de que essa celebração termina com a vinda do
Senhor, e tampouco visa apenas exortar que até lá não seja deixada de lado. Pelo
contrário, o adendo deve apontar expressamente ao fato de que o “Senhor”, cuja
morte está sendo anunciada, é o Senhor vivo e vindouro. Novamente mostra-se o
elemento escatológico permanente de toda a fé e vida dos primeiros cristãos (cf. 1
Co 1:7 e o que ali foi exposto). Também na “ceia do Senhor” o olhar não está apenas
voltado para o passado, por mais que ela seja celebrada “em memória”. A ceia dirige
o olhar para frente, rumo ao dia do Senhor, quando Jesus há de celebrar de maneira
plena e consumadora o banquete festivo do reino com os seus, numa alegria inefável
e eterna.3

Problemas com respeito à Ceia do Senhor (11.17–34)


Há quatro grandes verdades que vamos destacar nesta exposição:
Em primeiro lugar, as repreensões do apóstolo Paulo à igreja (11.17–22). O apóstolo
Paulo acabara de fazer um elogio à igreja de Corinto (11.2). Agora, porém, traz uma séria
exortação: “Nisto, porém, que vos prescrevo, não vos louvo, porquanto vos ajuntais não
para melhor, e sim para pior” (11.17).
O que estava acontecendo? Mais uma vez divisão na igreja de Corinto. As divisões na
igreja haviam chegado a proporções alarmantes. Além do culto à personalidade em torno
de alguns líderes (1.12), agora Paulo mostra que os crentes estavam indo à igreja e
voltando para casa piores (11.17). O culto na igreja estava desembocando em certo
esnobismo perverso e odioso por parte dos ricos. Eles estavam desprezando os pobres. Os
ricos estavam desprezando a Igreja de Deus e envergonhando os pobres. “Porque, ao
comerdes, cada um toma, antecipadamente, a sua própria ceia; e há quem tenha fome, ao
passo que há também quem se embriague” (11.21).
A Ceia era precedida pela Festa do Amor, a festa do Ágape. A Bíblia fala dessa festa em
Judas 12. No dia em que a Ceia do Senhor era celebrada servia-se uma refeição completa.
Os crentes comiam, bebiam, repartiam, se confraternizavam e depois, num clima de
comunhão, celebravam a Ceia do Senhor. Essa foi uma prática da igreja apostólica que se
perdeu na História.
A Festa do Ágape era não apenas um tempo de comunhão, mas, também, e sobretudo,
um ato de amor aos membros mais pobres da igreja. Era uma oportunidade para os
cristãos ricos repartirem um pouco de seus bens materiais com os pobres. Uma vez que
todos traziam de casa alguma coisa para comer e faziam uma espécie de ajunta-prato, os
pobres poderiam participar de uma boa refeição pelo menos uma vez na semana. Depois
desse banquete, então, eles celebravam a Ceia.
Em segundo lugar, a deturpação da Festa do Amor (11.17–22,33,34). Na igreja de
Corinto, durante a Festa do Amor, os ricos se isolavam e comiam à vontade as finas iguarias
dos próprios banquetes que traziam de casa, e bebiam a ponto de se embriagarem. Do
outro lado, porém, ficavam os pobres, que não tinham condições de trazer alimentos de
casa e passavam fome. Depois de toda essa atitude odiosa de preconceito e desamor, eles
se reuniam e celebravam a Ceia do Senhor. É nesse contexto que Paulo os reprova,
dizendo-lhes que estavam se reunindo para pior. Essa não é a Ceia do Senhor que eles

3
Werner de Boor, Comentário Esperança, Primeira Carta de Paulo aos Coríntios (Curitiba: Editora Evangélica
Esperança, 2004), 179–183.
estavam participando. A atitude deles não era compatível com a celebração da Ceia do
Senhor. Agindo dessa forma eles estavam desprezando a Igreja de Deus.
O que estava acontecendo nessa festa? Vejamos os seis pontos apresentados por Paulo
que apontam a deturpação da Festa do Amor.
a) Eles se ajuntavam para pior. Paulo escreve: “Nisto, porém, que vos prescrevo, não
vos louvo, porquanto vos ajuntais não para melhor, e sim para pior” (11.17). O culto deles
não estava centrado em Deus nem era sensível ao próximo. Tudo girava em torno deles
mesmos, de tal maneira que quando eles iam para a igreja, eles não adoravam a Deus nem
serviam ao próximo. Assim, ao voltarem para casa, voltavam em estado pior. Eles
cultuavam a si mesmos. Eles buscavam a satisfação do próprio eu. Então Paulo os exorta:
Vocês estão se reunindo para pior. Leon Morris diz que “em vez da comunhão ser um ato
eminentemente edificante, estava tendo um efeito dilacerante”.
b) Eles se reuniam, mas não havia harmonia no meio deles. Paulo diz: “Porque, antes
de tudo, estou informado haver divisões entre vós quando vos reunis na igreja; e eu, em
parte, o creio” (11.18). Havia divisões, partidos, e cismas entre eles.
A palavra grega para “divisões” é schismata, a mesma palavra que Paulo empregou em
(1.10), acerca das dissensões que tinham cindido a igreja em facções. Essas se
intrometeram na mais santa das práticas de culto. Eles estavam dentro da igreja, mas não
tinham uma só alma. Os ricos estavam de um lado e os pobres do outro. Os crentes de
Corinto valorizavam as pessoas pela grife da roupa que usavam, pelo título que as pessoas
tinham e pela posição que as pessoas ocupavam na sociedade. O status social das pessoas
dividia a igreja. Eles não tinham uma só alma, um só coração, um só sentimento, e um só
propósito. Havia ajuntamento, mas não comunhão.
c) Eles participavam dos elementos da Ceia, mas não era a Ceia que eles celebravam.
Paulo afirma: “Quando, pois, vos reunis no mesmo lugar, não é a ceia do Senhor que
comeis” (11.20). Paulo está combatendo o perigo do ritualismo. Você pode assentar-se
para celebrar a Ceia, comer o pão e beber o vinho e, ainda assim, não ter usufruído as
bênçãos da comunhão da Mesa do Senhor. Por quê? Porque a motivação pode estar
errada.
Os crentes de Corinto seguiam um ritual, mas o coração deles estava afastado do
propósito divino. Eles tinham o ritual, mas não a essência representada pelo ritual. Deus
está mais interessado na sinceridade do coração do que em rituais. Nós devemos celebrar
a Páscoa com os asmos da sinceridade. Se participarmos do culto, assentando-nos ao redor
da mesa do Senhor, não refletirmos sobre o significado da Ceia e ainda desprezarmos
nossos irmãos, então, esse ritual é desprovido de qualquer valor. Deus não se impressiona
com rituais pomposos, Ele quer a verdade no íntimo. O cerimonialismo é um grande perigo.
Deus não se impressiona com os nossos ritos e cerimônias. Ele vê o coração do adorador.
d) Eles eram esnobes e orgulhosos (11.21). Os ricos, de um lado, comiam os melhores
churrascos e bebiam os melhores vinhos até a embriaguez enquanto os pobres ficavam do
outro lado passando fome. De um lado estavam os pobres com fome e do outro estavam
os ricos bêbados. Depois dessa feira de vaidades, os ricos ainda tinham a petulância de
dizer: “Agora nós vamos celebrar a Ceia do Senhor”. Agindo assim, feriam a comunhão,
humilhavam os irmãos pobres e desonravam a Deus. É importante ressaltar que a atitude
egoísta dessas pessoas estava em flagrante contraste com a oferta altruísta e sacrificial de
Cristo que deu Sua vida para o resgate dos pecadores. A Ceia que eles celebravam
apontava para a oferta sacrificial de Cristo e eles a celebravam com gestos de egoísmo e
não de amor altruísta.163
e) Eles se entregavam a excessos dentro da igreja (11.21). Eles bebiam a ponto de
chegar à embriaguez na Festa do Amor, antes da celebração da Ceia. Os ricos deixavam os
pobres passando fome, enquanto comiam, empanturravam-se e embebedavam-se num
claro sinal de excesso e falta de domínio próprio. Paulo diz que a atitude deles estava
errada. Eles estavam se reunindo para pecar. Tanto a glutonaria quanto a bebedeira são
obras da carne e não fruto do Espírito (Gl 5.19–21).
f) Eles desprezavam a Igreja de Deus e envergonhavam os pobres (11.22). A deturpação
da Festa do Amor na Igreja primitiva acabou abolindo-a completamente. Eles desprezavam
a santidade de Deus, a santidade da igreja e o amor ao próximo.
Em terceiro lugar, o significado da Ceia do Senhor (11.23–26). A Ceia do Senhor está
centralizada na morte expiatória de Cristo e no Seu sacrifício vicário. A cruz de Cristo e não
o egoísmo humano está no centro dessa celebração. O sangue de Cristo é o selo da nova
aliança. Por meio dele Deus perdoa os nossos pecados e nos salva da ira vindoura.
A Ceia do Senhor é uma proclamação dramatizada de quatro verdades essenciais da fé
cristã. Não podemos nos assentar à mesa sem olhar para o sacrifício de Cristo. Warren
Wiersbe destaca quatro pontos que Paulo ensinou sobre a Ceia e que devemos ainda hoje
observar sempre que nos reunirmos ao redor da mesa do Senhor: devemos olhar para trás,
para a frente, para dentro e ao redor.
a) Devemos olhar para trás. Quando você participa da Ceia, você deve olhar para trás,
para a cruz de Cristo (11.26). Todas as vezes que comemos o pão e bebemos o cálice,
anunciamos a morte do Senhor. Quando Jesus pegou o pão e o partiu, Ele disse: “Este pão
é o meu corpo, que é partido por amor de vós. Tomai e comei, fazei isto em memória de
mim”. Jesus está ordenando que a igreja se lembre não dos Seus milagres, mas da Sua
morte. Devemos olhar para trás e nos lembrar por que Cristo morreu, como Cristo morreu,
por quem Cristo morreu. Cristo é o centro da Ceia. A Ceia é uma pregação dramatizada do
calvário.
b) Devemos olhar para a frente. Quando participa da Ceia, você não olha somente para
trás, mas também para a frente. Paulo diz: “Porque, todas as vezes que comerdes este pão
e beberdes o cálice, anunciais a morte do Senhor, até que ele venha” (11.26). A Ceia nos
aponta para a segunda vinda de Cristo. A eucaristia aponta para a parousia. Há um clima
de expectativa em toda celebração da Ceia do Senhor (Lc 22.16,18). A segunda vinda de
Cristo é a grande esperança do cristão num mundo onde o mal tem feito tantos estragos.
Atrás, aponta para a sua morte; à frente, aponta para a sua volta. William MacDonald,
citando Godett, afirma: “A Ceia do Senhor é o elo entre Suas duas vindas, o monumento
de uma, a garantia de outra”.
c) Devemos olhar para dentro. Quando você celebra a Ceia, não somente olha para trás
e para a frente, mas também olha para dentro. Paulo exorta: “Examine-se, pois, o homem
a si mesmo” (11.28). Você não olha para o seu irmão. Você não é o juiz do seu irmão. Em
vez de examinar e julgar a vida alheia; volte as baterias para você mesmo, examine-se a si
mesmo e julgue-se a si mesmo. Investigue o seu coração. Analise a sua vida. É digno
observar que Paulo diz: Examine-se o homem a si mesmo e coma. Paulo não diz: Examine-
se o homem e deixe de comer. Você não deve fugir da Ceia por causa do pecado, mas fugir
do pecado por causa da Ceia. A Ceia é um instrumento de restauração. A Ceia é um tempo
de cura, de reconciliação e restauração. A Ceia é o momento em que devemos aguçar os
sentidos da nossa alma para examinar-nos e nos voltarmos para o Senhor. Na Ceia
devemos correr do pecado para Deus e não de Deus para o pecado. A ordem de Paulo é:
Examine-se e coma!
d) Devemos olhar ao redor. Quando você participa da Ceia, você olha para trás, para a
cruz; você olha para a frente, para a segunda vinda de Cristo; você olha para dentro, para
um auto-exame e você também olha ao redor (11.33,34). O apóstolo Paulo escreve:
“Assim, pois, irmãos meus, quando vos reunis para comer, esperai uns pelos outros. Se
alguém tem fome, coma em casa, a fim de não vos reunirdes para juízo. Quanto às demais
cousas, eu as ordenarei quando for ter convosco” (11.33,34). Paulo está orientando os
crentes a esperarem uns pelos outros para uma comunhão verdadeira na Festa do Amor.
Na igreja de Corinto era costume os crentes trazerem suas iguarias de casa e comerem
fartamente sem esperar uns pelos outros. Quando os menos favorecidos chegavam só
encontravam as sobras. Havia até alguns pobres que passavam fome. O que Paulo nos
ensina? Não temos essa prática da Festa do Amor atualmente, mas temos o princípio.
Quando você se reunir para a Ceia, olhe ao seu redor, para seu irmão que está perto de
você. Tem alguém faltando à igreja? Por que este ou aquele irmão ou irmã não está aqui
assentado perto de nós?
A Ceia é um momento de comunhão. Somos um só pão. É isso o que Paulo deseja que
a igreja entenda sobre a Ceia. Devemos procurar o Senhor e também os nossos irmãos.
Devemos encontrar-nos com o Senhor e também com os nossos irmãos. Na Ceia os céus e
a terra se tocam.
Em quarto lugar, os perigos em relação à Ceia do Senhor (11.27–32). Paulo alista alguns
perigos com respeito à Ceia do Senhor.
a) Participar da Ceia do Senhor indignamente. Paulo escreve: “Por isso, aquele que
comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do
Senhor” (11.27). O que é participar da Ceia do Senhor dignamente?
João Calvino diz que participar da Ceia de forma digna é ter consciência da nossa própria
indignidade. Quando temos consciência da nossa indignidade, mas ao mesmo tempo
reconhecemos que por meio de Cristo somos habilitados a nos assentarmos à mesa, então
participaremos da Ceia dignamente. A nossa dignidade é a consciência da nossa
indignidade.
Leon Morris afirma que há um sentido em que todos têm de participar indignamente,
pois ninguém jamais pode ser digno da bondade de Cristo para conosco. Mas em outro
sentido podemos vir dignamente, isto é, com fé, e com a devida realização de tudo que é
pertinente a tão solene rito. Negligenciar nisto é vir indignamente no sentido aqui
censurado. Participar da Ceia indignamente é assentar-se à mesa de forma leviana e
irrefletida.
Precisamos discernir o que Cristo fez na cruz por nós. Precisamos compreender o Seu
sacrifício vicário. Participar da Ceia irrefletidamente ou participar da Ceia hospedando
pecado no coração, sem a devida disposição de arrependimento é fazê-lo de forma
indigna. É tornar-se réu do corpo e do sangue de Jesus.
Ser réu do corpo e do sangue de Cristo Jesus é um pecado gravíssimo. Você só tem dois
lados para estar em relação ao sangue. Você está debaixo dos benefícios do sangue ou está
do lado daqueles que levaram Jesus para a cruz e o mataram. Você é assassino de Cristo
ou é beneficiário do sangue de Cristo. Participar indignamente da Ceia e ser réu do corpo
e do sangue de Cristo; é estar na mesma posição de Anás, Caifás, Pilatos e os soldados
romanos que pregaram Jesus na cruz. Assim, só existem duas possibilidades: Você está
debaixo dos benefícios do sangue de Cristo ou é réu do corpo e do sangue do Senhor. O
apóstolo Paulo está dizendo que quem participa da Ceia indignamente se torna culpado
de derramar o sangue de Cristo; isto é, coloca-se não do lado dos que estão participando
dos benefícios da Sua paixão, mas do lado dos que foram culpados por Sua crucificação.
b) Participar da Ceia do Senhor sem discernimento. O apóstolo Paulo escreve:
“Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e assim coma do pão, e beba do cálice; pois quem
come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si. Eis a razão por que há entre
vós muitos fracos e doentes e não poucos os que dormem” (11.28–30). Discernir o quê?
Discernir o corpo! Que corpo? Paulo está falando de dois corpos aqui. O primeiro corpo é
o corpo físico de Cristo. É o corpo que foi moído e traspassado na cruz. Contudo, há outro
corpo que precisa ser discernido. É o corpo místico de Cristo. Qual é o corpo místico de
Cristo? A Igreja!
Quando você vem para a Ceia, mas, despreza o seu irmão, fazendo acepção de pessoas,
ou nutrindo mágoa em seu coração, você está participando da Ceia sem discernir o corpo.
E se você participa da Ceia sem discernir o corpo, você está participando de forma indigna.
O resultado é que um pecado espiritual produz conseqüências físicas: “Eis a razão por que
há entre vós muitos fracos e doentes e não poucos que dormem” (11.30). Essas são as
doenças hamartiagênicas, ou seja, doenças produzidas pelo pecado.
A igreja de Corinto, em virtude de pecados não tratados, tinha pessoas fracas, doentes
e algumas que já haviam morrido. Leon Morris nessa mesma linha de pensamento diz que
males espirituais podem ter resultados físicos. A razão da má saúde e mesmo da morte de
alguns crentes de Corinto tem atrás de si uma atitude errada para com esse ofício
sumamente solene.
A igreja de Corinto não estava cumprindo o mandamento de amar uns aos outros.
Portanto, ela não estava discernindo o corpo. A conseqüência da falta de discernimento
do corpo levou a igreja a comer e beber juízo para si: fraqueza, doenças e morte (11.30).
c) Participar da Ceia do Senhor sem autojulgamento. Paulo alerta: “Porque, se nos
julgássemos a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando julgados, somos
disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo” (11.31,32). Não
podemos ser frouxos com nós mesmos. Se nós participarmos da Ceia do Senhor com
pecados não confessados sobre nós; não teremos, então, discernido o corpo que foi
partido para que esse pecado fosse perdoado.
Não podemos ser condescendentes com os nossos próprios erros. Precisamos
enfrentar a nós mesmos. Quando você vier para a Ceia, não trate a si mesmo com
condescendência. Julgue a si mesmo. Enfrente os seus pecados com rigor. Porque se você
não julgar a si mesmo, vai ser condenado com o mundo.
A celebração da Ceia é um momento de autoconfronto. O auto-engano é um grande
perigo. A igreja de Laodicéia olhou no espelho e disse: Estou rica e abastada. A igreja de
Sardes disse: Eu estou viva! Mas, Jesus disse à primeira igreja que ela era pobre e miserável
e a segunda que ela estava morta. Paulo é enfático: Julgue a si mesmo, examine a si mesmo
para que você não seja julgado e condenado com o mundo. Matthew Henry diz que as
ordenanças de Cristo podem nos fazer melhores, ou nos farão piores; se elas não nos
quebrantarem e nos amolecerem; nos tornarão mais endurecidos.
Quando você julga a si mesmo, é disciplinado por Deus e a disciplina de Deus traz
salvação, cura, e vida. Todavia, quando não julgamos a nós mesmos, nos tornamos auto-
indulgentes, e o juízo torna-se inevitável. O juízo de Deus para o crente não é a perda da
salvação nem a condenação eterna, mas a disciplina.
Na vida do crente, fraqueza, doença e morte podem ser disciplina de Deus para nos
afastar de pecados mais terríveis e de conseqüências mais danosas. A disciplina de Deus
visa a sempre nos fazer voltar para Ele e nos livrar da condenação do mundo.4

11:23 A fim de demonstrar o contraste entre a conduta deles e o verdadeiro significado


da ceia do Senhor, o apóstolo volta à instituição original da ceia. Mostra que não era uma
refeição ou banquete comunitário, mas um sacramento solene do Senhor. Paulo recebeu
conhecimento acerca desse assunto diretamente do Senhor e menciona o fato para
mostrar que qualquer violação constituiria um ato de desobediência. O apóstolo ensina,
portanto, aquilo que recebeu por revelação.
Em primeiro lugar, menciona como o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou
o pão. A tradução literal é “enquanto estava sendo traído”. Enquanto o plano sórdido para
entregá-lo se desenrolava, o Senhor Jesus se reuniu com seus discípulos no cenáculo e
tomou o pão.
O fato de Jesus ter instituído a ceia à noite não significa que ela deva ser celebrada
somente no final do dia. Enquanto nós começamos a contar o dia a partir do nascer do sol,
no calendário judaico da época o pôr do sol indicava o início de um novo dia. Convém
observar, ainda, que há uma diferença entre os exemplos apostólicos e os preceitos
apostólicos. Não temos a obrigação de fazer tudo o que os apóstolos fizeram, mas, sem
dúvida, devemos cumprir tudo o que ensinaram.
11:24 O Senhor Jesus tomou o pão e, antes de tudo, deu graças por ele. Uma vez que o
pão representava seu corpo, na verdade Jesus agradeceu a Deus por lhe ter dado um corpo
humano a fim de que ele pudesse vir e morrer pelos pecados do mundo.
Ao declarar “Isto é o meu corpo”, o Salvador quis dizer que o pão se torna, de fato, seu
corpo? O dogma católico da transubstanciação assevera que o pão e o vinho são
transformados literalmente em corpo e sangue de Cristo. A doutrina luterana da
consubstanciação ensina que o verdadeiro corpo e sangue de Cristo se encontram
presentes nos elementos da ceia, com eles e sob eles.
Em resposta a esses pontos de vista, deve ser suficiente lembrar que, quando o Senhor
Jesus instituiu o memorial da ceia, seu corpo ainda não havia sido entregue e seu sangue
ainda não havia sido derramado. Quando Jesus afirmou “Isto é o meu corpo”, quis dizer:

4
Hernandes Dias Lopes, 1Coríntios: Como Resolver Conflitos na Igreja, 1a edição., Comentários Expositivos Hagnos
(São Paulo: Hagnos, 2008), 210–220.
“Isto simboliza o meu corpo” ou “Isto é uma imagem do meu corpo dado por vós”. Comer
o pão é lembrar Cristo em sua morte expiatória por nós. A expressão “em memória de
mim”, usada pelo Senhor, é de tom inexprimivelmente terno.
11:25 Por semelhante modo, depois de haver ceado, o Senhor Jesus, tomou também
o cálice, dizendo: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue; fazei isto, todas as vezes
que o beberdes, em memória de mim”. A ceia do Senhor foi instituída logo depois da
refeição pascal. Por isso, lemos que Jesus tomou o cálice depois de haver ceado. Ao fazê-
lo, declarou que o cálice era a nova aliança no seu sangue. Trata-se de uma referência à
aliança que Deus prometeu à nação de Israel em Jeremias 31:31–34. É uma promessa
incondicional segundo a qual Deus concordou em usar de misericórdia para com eles e não
se lembrar de seus pecados e iniquidades. Os termos da nova aliança também são descritos
em Hebreus 8:10–12. A aliança continua a vigorar, mas a incredulidade de Israel como
nação a impede de desfrutá-la. Todos os que creem no Senhor Jesus recebem os benefícios
prometidos. Quando o povo de Israel se voltar para o Senhor, também desfrutará as
bênçãos da nova aliança, um acontecimento que ocorrerá no reino milenar de Cristo na
terra. A nova aliança foi ratificada pelo sangue de Cristo. Daí ele descrever o cálice como
nova aliança no seu sangue. O alicerce da nova aliança foi lançado pela cruz.
11:26 O versículo 26 trata da frequência com que a ceia do Senhor deve ser realizada.
Porque, todas as vezes que comerdes […] e beberdes. Não encontramos aqui nenhuma
regra legalista, tampouco uma data específica. De acordo com Atos 20:7, o costume dos
discípulos era reunir-se no primeiro dia da semana para lembrar o Senhor. A expressão até
que ele venha deixa claro que essa prática não foi instituída apenas para a igreja primitiva.
Como Godet ressalta com bastante propriedade, a ceia do Senhor é “o elo que liga suas
duas vindas como monumento da primeira e penhor da segunda”.
Em todas essas instruções acerca da ceia do Senhor, chama atenção a ausência de
qualquer referência a ministros ou sacerdotes oficiantes. Trata-se de um simples culto
memorial a ser observado por todo o povo de Deus. Os santos se reúnem simplesmente
como cristãos-sacerdotes para proclamar, desse modo, a morte do Senhor, até que ele
venha.
11:27 Depois de abordar a origem e o propósito da ceia do Senhor, o apóstolo focaliza
agora as consequências de participar da ceia indevidamente. Quem comer o pão ou beber
o cálice do Senhor, indignamente, será réu do corpo e do sangue do Senhor. Nenhum de
nós é digno de participar dessa ceia solene. Nesse sentido, todos nós somos indignos da
misericórdia ou bondade do Senhor para conosco. Aqui, porém, o apóstolo não fala de
nossa indignidade pessoal. Uma vez purificados pelo sangue de Cristo, podemos
aproximar-nos de Deus com toda a dignidade de seu Filho amado. Nessa passagem, Paulo
trata da conduta vergonhosa que caracterizava as reuniões dos coríntios para celebrar a
ceia do Senhor. Eles eram culpados de participar da ceia com um comportamento
descuidado e irreverente. Quem age desse modo se torna réu do corpo e do sangue do
Senhor.
11:28 Não devemos aproximar-nos da mesa do Senhor sob julgamento. É preciso
confessar e abandonar o pecado, fazer reparação, pedir perdão àqueles que ofendemos.
Em termos gerais, devemos certificar-nos de que o estado de nossa alma é apropriado.
11:29 Comer e beber sem discernir o corpo do Senhor é trazer juízo para si. Devemos
estar cientes de que o corpo do Senhor foi entregue a fim de que nossos pecados
pudessem ser eliminados. Se continuarmos a viver em pecado e, ao mesmo tempo,
participarmos da ceia do Senhor, estaremos vivendo em falsidade. F. G. Patterson escreve:
“Quando participamos da ceia do Senhor sem julgar o pecado em nós, não discernimos o
corpo do Senhor que foi partido a fim de dar cabo do pecado”.
11:30 Como resultado da falta de julgamento próprio, alguns dos membros da igreja de
Corinto sofreram o julgamento disciplinador de Deus. Muitos estavam fracos e doentes e
não poucos dormiam. Em outras palavras, alguns foram acometidos por males físicos e
outros foram levados para o lar celeste. Uma vez que não julgaram o pecado em sua vida,
o Senhor teve de tomar medidas disciplinares.
11:31 Em contrapartida, se julgarmos a nós mesmos, não precisaremos ser
disciplinados.
11:32 Deus nos trata como seus filhos. Ama-nos demais para permitir que continuemos
pecando. Mais que depressa, sentimos o cajado do pastor em nosso pescoço puxando-nos
de volta para o Senhor. Alguém disse que “alguns santos podem ser dignos (em Cristo) de
ir para o céu, mas não são dignos de permanecer na terra como testemunhas”.
11:33 Quando os cristãos se reúnem para o ágape, ou refeição de comunhão, devem
esperar uns pelos outros, e não se portar de modo egoísta, sem nenhuma consideração
por seus irmãos. “Esperai uns pelos outros” contrasta com “cada um toma,
antecipadamente, a sua própria ceia” no versículo 21.
11:34 Se alguém tem fome, coma em casa. É importante observar que, por ser
associado à mesa do Senhor, o ágape não devia ser considerado uma refeição comum.
Quem desconsiderasse seu caráter sagrado se reuniria para juízo.
Quanto às demais coisas, eu as ordenarei quando for ter convosco. Sem dúvida, os
coríntios haviam mencionado outras questões secundárias em sua carta ao apóstolo. Paulo
lhes garante que tratará delas pessoalmente quando visitá-los.5

A FESTA MAL INTERPRETADA


1 Coríntios 11:17-22
O mundo antigo era em muitos sentidos muito mais sociável que o nosso. Era um
costume comum que grupos de pessoas se reunissem para comer juntos. Havia, em
particular, uma festa chamada eranos na qual cada um dos participantes levava sua própria
comida, juntava-se tudo e se fazia uma festa em comum. A Igreja primitiva tinha um
costume; tratava-se de uma festa chamada Ágape ou Festa de Amor. Todos os cristãos
concorriam a ela, levando o que podiam, e quando se juntava todo o contribuído, sentavam-
se e tinham uma comida em comum. Era um belo costume, e é uma lástima que se perdeu.
Era uma maneira de produzir e alimentar a verdadeira comunhão cristã. Mas na Igreja de
Corinto as coisas não tinham ido muito bem com a Festa de Amor. Na Igreja havia ricos e
pobres; alguns podiam levar muito, e havia escravos que com muita dificuldade podiam
colaborar com algo. Em realidade para muitos escravos pobres, a Festa de Amor deve ter
5
William MacDonald, Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento, 2a edição. (São Paulo: Mundo Cristão, 2011),
512–513.
sido a única comida decente que tinham em toda a semana. Mas em Corinto se perdeu a arte
de compartilhar. Os ricos não compartilhavam seu mantimentos mas sim os comiam em
pequenos grupos exclusivos, apurando-se para não ter que compartilhar, enquanto que os
pobres virtualmente não tinham nada. O resultado era que a comida pela qual as diferenças
sociais entre os membros da Igreja deviam ter desaparecido só servia para aumentar e
agravar essas mesmas diferenças. O que teria que ter sido uma comunidade tinha degenerado
em uma série de camarilhas com consciência de classe. Paulo reprova tudo isto sem vacilar
e sem piedade.
(1) Bem pode ser que os distintos grupos estivessem formados por gente que
sustentavam diferentes opiniões. Um grande erudito disse: ''Ter zelo religioso, sem
converter-se em um sectário religioso, é uma grande prova de verdadeira devoção." Se
pensarmos diferente de outro, com o tempo poderemos chegar a compreendê-lo e até
simpatizar com ele se nos mantemos em comunhão com ele e conversamos; mas se nos
fechamos e formamos nosso pequeno grupo enquanto essa pessoa permanece em seu
pequeno grupo não haverá esperança alguma de chegar a um mútuo entendimento
(2) A Igreja primitiva era o único lugar em todo mundo antigo em que as barreiras que
o dividiam tinham caído. O mundo antigo estava dividido rigidamente: havia os homens
livres e os escravos, havia os gregos e os bárbaros — os que não falavam grego; havia os
judeus e os gentios; havia os cidadãos romanos e as raças inferiores fora da lei; havia os
cultos e os ignorantes. A Igreja era o único lugar em que todos os homens podiam reunir-
se.
Um grande historiador da Igreja escreveu a respeito destas congregações cristãs
primitivas:
"Dentro de seus próprios limites haviam resolvido quase de passagem os
problemas sociais que desbaratavam a Roma e que ainda desconcertam a Europa.
Tinham elevado a mulher ao lugar que lhe correspondia, restaurado a dignidade
do trabalho, abolido a mendicidade, e tirado o aguilhão da escravidão. O segredo
da revolução era que na Ceia do Senhor se esqueceu o egoísmo racial e de classe
e se achou uma nova base para a sociedade no amor da imagem visível de Deus
nos homens por aqueles que Cristo tinha morrido."
Uma igreja em que existem distinções sociais e de classe não é uma verdadeira igreja.
A verdadeira igreja é um corpo de homens e mulheres unidos entre si devido ao fato de
estarem unidos a Cristo. Até a palavra que se utiliza para descrever o sacramento é sugestiva.
Nós a chamamos a Ceia do Senhor; mas a palavra ceia ou jantar pode conduzir a conclusões
errôneas. Geralmente para nós o jantar não é a refeição principal do dia. Em grego a palavra
é deipnon. Para os gregos o café da manhã era uma refeição em que tudo o que se consumia
era um pequeno pedaço de pão molhado em vinho, o almoço se comia em qualquer parte,
até na rua ou em uma praça; o deipnon era a principal refeição do dia, em que as pessoas se
sentavam sem pressa e em que não só satisfaziam seu apetite, mas também passavam um
longo momento juntos. A mesma palavra demonstra que a refeição cristã deveria ser uma
refeição em que as pessoas passassem um longo tempo juntos.
(3) Uma igreja não é verdadeira se esqueceu a arte de compartilhar. Quando as pessoas
desejam manter as coisas só para si mesmas ou para seu próprio círculo nem sequer
estão começando a ser cristãos. O verdadeiro cristão não pode suportar ter muito
enquanto outros têm pouco; encontra seu maior privilégio não em guardar zelosamente
suas prerrogativas, mas em renunciar a elas.
A CEIA DO SENHOR
1 Coríntios 11:23-34
Não há em todo o Novo Testamento outra passagem de maior interesse que esta. Por
um lado nos dá o aval para o mais sagrado ato de adoração na Igreja, o sacramento da Ceia
do Senhor e, pelo outro, como a Carta aos Coríntios é anterior a Marcos, o mais primitivo
dos evangelhos, é em realidade o primeiro relato escrito que temos de palavras que Jesus
pôde ter pronunciado.
O sacramento nunca pode significar o mesmo para todas as pessoas. Não precisamos
compreendê-lo totalmente para recebermos o seu benefício. Como alguém disse: "Não
precisamos compreender a química do pão para digeri-lo e ser alimentados por ele." Mas
apesar de tudo faremos bem em tentar ao menos compreender algo do que Jesus quis dizer
quando falou do pão e do vinho da maneira em que o fez. "Isto é meu corpo", disse sobre o
pão. Um só fato nos impede de tomar isto com um cru literalismo. É que quando Jesus disse
isto, ainda estava no corpo, e não havia nada tão claro quanto ao momento em que disse
essas palavras sua corpo e o pão eram coisas totalmente distintas. Tampouco quis dizer
simplesmente: "Isto representa meu corpo." Num sentido isto é certo. O pão partido do
sacramento representa o corpo de Cristo, mas significa muito mais; para aquele que toma
em suas mãos e o leva à sua boca com fé, amor e ardente devoção, é um meio não só de
recordar, mas também de estar em contato vivo com Jesus Cristo. Para um estranho, para
um não crente, para alguém que escarnece não significa nada; para alguém que ama a Cristo
é o caminho à sua presença. A declaração de Jesus, “Este cálice é a nova aliança no meu
sangue”, pode ser traduzido. "Esta taça é o novo pacto e custou o meu sangue."
A proposição grega em significa usualmente em, mas pode significar e regularmente
significa a custo de ou pelo preço de, especialmente quando traduz a preposição hebraica
be. Uma aliança é uma relação estabelecida entre duas pessoas. Havia uma velha aliança
entre Deus e o homem, uma velha relação. Estava baseada na lei. Por meio dessa relação
Deus escolheu o povo de Israel e se aproximou dele, convertendo-se em um sentido muito
especial em seu Deus; mas havia uma condição e esta consistia em que, para sua relação ser
duradoura, o povo de Israel devia guardar a lei de Deus (ver Êxodo 24:1-8). A continuidade
da aliança dependia de que se guardasse a lei. Mas com Jesus o homem encontra-se perante
uma nova relação, que não depende da lei, mas sim do amor. Não depende da habilidade
que o homem tenha em guardar a lei — visto que ninguém pode fazê-lo — mas na graça
livre do amor de Deus que se oferece a todos os homens. Isto muda toda a relação de Deus
com o homem. Sob a velha aliança o homem não podia fazer mais que temer a Deus, pois
se encontrava sempre em falta, já que não podia guardar a lei perfeitamente; sob a nova
aliança o homem se aproxima de Deus como um filho a seu pai e não como um criminoso
perante um juiz. E — seja qual for a forma em que olhemos as coisas — custou a vida de
Jesus fazer com que esta nova relação fosse possível. "O sangue é a vida" diz a lei
(Deuteronômio 12:23): custou a vida de Jesus — seu sangre, como diria um judeu — fazer
com que esta relação fosse possível. De modo que o vinho escarlate do sacramento significa
a própria vida e sangue de Cristo sem a qual a nova aliança, a nova relação do homem com
Deus jamais teria sido possível.
Esta passagem continua falando a respeito de "comer e beber este pão e este vinho
indignamente".
O que significa isto?
A indignidade consistia no fato de que o homem que o fazia "não discernia o corpo do
Senhor". Isto pode significar duas coisas, e ambas são reais e importantes; em realidade
ambas são tão reais e importantes que é muito provável que a frase se refira às duas.
(1) Pode significar que aquele que come e bebe indignamente não se dá conta do que
representam e significam os símbolos sagrados. Pode referir-se também a que não percebe
o grandioso significado do que está fazendo nem aprecia a santidade do que realiza. Pode
ser que se refira ao que come e bebe sem reverência, sem perceber o amor que estes símbolos
representam, nem a obrigação que recai sobre ele.
(2) Mas há outro significado possível. A frase o corpo de Cristo várias vezes representa
a Igreja; isto acontece, como veremos, no capítulo 12. Paulo acabava de reprovar àqueles
que com suas divisões e distinções de classe dividiam a Igreja; de modo que isto pode
significar que o homem que come e bebe indignamente é aquele que nunca se deu conta de
que toda a Igreja é o corpo de Cristo, e que se encontra em discórdia com seu irmão, que
olhe a seu próximo com desprezo, e que, por qualquer outra razão, não é um com seus
irmãos. O ritual da Igreja Escocesa para o sacramento convida à mesa àqueles que se
encontram em uma relação de "amor e caridade" para com seu próximo. Todo homem em
cujo coração haja ódio, amargura e desprezo contra seu irmão come e bebe indignamente se
chegar com esse espírito à mesa de nosso Senhor. De modo que comer e beber indignamente
é fazê-lo sem sentido de reverência e sem perceber a grandeza do que estamos fazendo, e
fazê-lo quando estamos em discórdia com o irmão pelo qual Cristo morreu, como morreu
por nós.
Paulo continua dizendo que as desgraças que têm caído sobre a Igreja de Corinto pode
ser que tenham sua origem nada mais que no fato de que se aproximam da sacramento
estando divididos entre si; mas estas desgraças não foram enviadas para destruí-los, mas
para discipliná-los e trazê-los novamente ao caminho correto.
Devemos ter bem claro um fato. A frase que proíbe que o homem coma e beba
indignamente não deixa fora o pecador que é consciente de sê-lo.
Um ancião pastor das altas montanhas escocesas ao ver que uma anciã duvidava antes
de receber a taça, a alcançou, dizendo: "Toma-a mulher, é para pecadores; é para ti."
Se a Mesa de Cristo fosse só para gente perfeita ninguém jamais se poderia aproximar
dela Nunca está fechada para o pecador penitente. Para o homem que ama a Deus e a
seu próximo o caminho está sempre aberto, e seus pecados, embora sejam como
escarlate ficarão brancos como a neve.

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