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Meu buraco negro não se encontra com ninguém

Dedico este conto a Davi Chamusca, um viajante

Eu sou sofrimento, dor e abandono. As adagas do passado me


rasgam o peito dia-a-dia me fazendo lembrar da pessoa amada
e amável que fui. Mas o que houve com esse ser desprezível
que agora sou? Tenho pena de mim e de mim as pessoas se
afastam. Eu sou o ser abandonado por não saber quem é.
Perdi a muito tempo o poder de discernimento. Me disseram
que eu era feliz, mas não encontro uma lembrança sequer que
me ajude a resgatar esse sentimento. Minha família pouco a
pouco se escondeu, no início eram desculpas de viagens à
trabalho, muito compromisso na faculdade, mudança de
cidade. Todos, pouco a pouco, simplesmente já não existiam.
Seria como um ovo que retrocede à galinha. Eu voltei de
cabeça para a miséria que me tornou o que sou hoje. Meu pai
me ajuda sempre que pode, ele paga o aluguel do meu
quartinho. Um espaço um tanto vazio na minha opinião, só
tenho uma cama e minhas poucas roupas são guardadas em
desordem dentro de uma caixa de papelão. Meu pai é um ótimo
pai, mas o terrível destino o deixou paraplégico. Ele não
me liga, diz que cansou de conversas sem fundo de verdade.
Meu pai me fazia prometer tomar meus remédios e não beber
cachaça. Eu sempre jurava. Mentia. Ele não me liga mais.
Ninguém ligava mais, só uma tia meio destrambelhada que
passava pelo menos uma vez no mês para checar se eu ainda
estava vivo. Eu nunca sei quando estou vivo. Neste quarto,
deitado nesta cama, eu me afundo a cada noite, a cada
rivotril, a cada risperidona, a cada dose de pitu e vou me
tornando o que jurei nunca ser. Sou o pior pai do mundo.
Abandonei meu filho, abandonei minha mulher. Aonde estão
eles? Não consigo me lembrar. Alguns sussurram que eles
estão em Lençóis, mas eu duvido. Depois de tanto sofrimento
que eu causei, duvido que ainda tenham permanecido nas
mesmas cidades. Quatro anos que não vejo meu filho. Estaria
ele saudável? Feliz? Se lembraria de mim se me visse?
Talvez não, eu mesmo não lembro muito do rosto dele. Suas
feições foram se perdendo na minha memória doente. Mas que
dia é hoje? O peso da fome sobe até minha garganta, logo a
moça da comida traria uma quentinha. Ela tem um combinado
com meu pai de me trazer um almoço todos os dias. Eu já não
sei o que deveria ter feito hoje. Algum compromisso? Pego
uma cartela de rivotril e tomo um. Abro uma garrafa pet de
um litro e dou duas goladas, a velha e boa cachaça baiana.
Deixo minha cabeça cair no travesseiro e minha mente vagar.
Quem sou eu?, perguntaria meu eu do passado mas meu eu do
agora, aquele eu que nem sabe se existe , não se preocupa
em saber quem é. Ele se preocupa em afundar, apenas isso.
Deixar que todo sentimento, toda culpa seja sugada por essa
inércia. Não consigo mais trabalhar. Diziam que eu era um
grande eletricista, me lembro bem pouco desses dias. Mas
meu CREA me confirma que tenho o curso. Depois dizem que
fui um grande cabelereiro e disso eu tenho certeza por que
bem embaixo da minha cama tenho a máquina, as giletes e os
pentes dentro de uma caixa de madeira. Mas quem seria
cliente de mãos tão trêmulas? Eu sou uma perda. A memória
de uma sombra saudável que se perdeu na esquina da vida.
Mas como anda o tratamento?, perguntou minha ex-mulher anos
antes. O tratamento sempre me causava um enjoo enorme,
tontura e sono eterno, preferi então conciliar meu próprio
tratamento à base de álcool, não deu muito certo, mas
também não parei. Meu filho precisa de mim, eu preciso de
mim, mas não tendo a mim como posso me comprometer com ele.
Então não me comprometo com mais ninguém. A mãe do meu
filho o tirou de mim quando ele tinha apenas sete anos de
idade, naquela semana eu tinha surtado de vez, espanquei a
desgraçada que queria me internar, ninguém me internaria,
jurei. Me arrependi dias depois. Perdi um filho, e a perda
de um filho é pior que a perda de um membro, porque um
membro é parte de um corpo e um filho é parte da vida. Eu
era culpado, disso tinha certeza. Mas tudo não era
permissão de Deus? Eu acreditei que tudo ia dar certo
quando vi o Espírito Santo, ele conversou comigo, ele se
apossou de mim. Eu estava na rua tarde da noite e um clarão
se irradiou a minha frente e mil vozes gritaram meu nome,
as vozes dos anjos, e eles me diziam que Deus tinha um
propósito na minha vida, que ficasse em paz, cai de joelho,
chorei, senti pancadas em todo meu corpo e vi que seria o
preço pelo meu pecado. Desmaiei. Acordei numa cama de
hospital um dia depois. O médico disse que eu tinha sido
atropelado, mas eu sabia que o encontro com Deus foi tão
forte que me causou aquilo. Agora eu entendia. Eu seria um
pai melhor, eu seria um marido melhor. Por sorte, eu não
havia fraturado nada. Aonde estava o telefone? Eu precisava
ligar para minha esposa. Ela se alegraria enormemente em
saber que aceitei Jesus como meu Salvador. Ninguém me
visitou. Nem mesmo minha tia destrambelhada. Uma semana
depois meu pai apareceu no hospital com a ajuda de uma tia
minha dizendo que a dona do quartinho tinha ligado para ele
preocupado porque eu não ia em casa a alguns dias. Meu pai
é um bom pai. Ele me aconselhou. Ele chorou e gritou
comigo. Ele levou uma bíblia e leu uns versículos. Foi
embora na mesma tarde e deixou comigo a bíblia que a muitos
anos não lia. Eu tive alta, não lembro quando, estava muito
dopado para lembrar até meu nome, sabia que tinha que ir
pra casa e beber o resto da garrafa de cachaça, depois
leria alguns versículos e arranjaria um celular para ligar
para meu filho. Eu ouvia vozes e sabia que isso não era
normal, mas meu psiquiatra me tranquilizava que se eu
tomasse os medicamentos direitinho tudo poderia se
estabilizar. Eu tomava os remédios. Nada mudava. Talvez
tenha até piorado. Eu não tenho amigos, nenhum sequer. Às
vezes encontro uma pessoa ou outra na rua, a gente troca
uma ideia, bebe, mas ninguém suporta muito tempo comigo.
Como dizia minha psicóloga, eu era uma pessoa instável.
Quantos vivem em mim? Já não sei. Nem me preocupo mais. Eu
quero é viver a vida, poder simplesmente ser. Às vezes me
pego pensando como posso ser, sendo que esse ser é coletivo
e o meu ser é marginalizado, reprimido e afastado da
sociedade? Não tenho vida, descobri isso a pouco tempo, eu
também não era uma vida. Meu corpo tinha órgãos que
funcionavam, sangue que corria nas veias, meu cérebro
funcionava na medida do possível, mas eu não tinha a
centelha de esperança que as pessoas têm. Eu não era, eu
des-era. Era um ser morto. Uma desordem natural
diagnosticada por médicos mundanos que não acreditavam no
propósito divino da minha vida. Eu era um ser escolhido.
Escolhido por Deus para uma missão. Meu transtorno fazia
parte de um plano de salvação. Na volta pra casa do
hospital encontrei um orelhão e liguei para a casa da mãe
da minha ex-mulher. Uma voz cansada atendeu. “Dona
Janira?”, perguntei. “Davi? Por que você está ligando?”
“Quero ver meu filho, quero falar com meu filho. O Gabriel
está ai?” “Ninguém está aqui. Você está tomando seus
remédios?”, foi então que eu ouvi um grito bem lá no fundo,
eu poderia estar alucinando? Sim, mas eu jurava que era a
voz do meu filho. “Eu sei que ele está ai, Dona Janira,
deixe-me falar com ele.”, ela desligou o telefone. Eu teria
que vê-lo, mesmo que tivesse que andar todos aqueles
milhares de quilômetros que nos separavam. Cheguei em casa
coloquei um par de roupas numa sacola, bebi um gole da
cachaça com o último comprimido de risperidona. Um anjo
apareceu na minha porta e disse que me acompanharia,
ninguém podia vê-lo. Eu tinha quinze reais no bolso e foi
com esse dinheiro que cheguei em Santo Estevão, dali
pediria carona na BR para qualquer cidade adiante. O anjo
não falava, permanecia ao meu lado reluzindo um brilho
dourado que me deixava extremamente confortável. A estrada
se desenrolava à minha frente como um caminho para a
oportunidade, ela me encarava, cheia de vida e de solidão.
Então, depois de longas horas de espera embaixo de um sol
de rachar a alma, uma caminhoneira goiana me deu carona.
Contei a ela toda minha saga para ver meu filho. Ela logo
simpatizou comigo e fomos conversando a viagem toda sobre a
vida. Descobri que ela se sentia muito sozinha também e por
isso tinha escolhido aquela profissão. Desde então dava
carona aos pobres desprezados da estrada. Ela me deixou em
Itaberaba e dali partiu para o seu destino. A madrugada
estava fria e não se via um pé de gente. A luz oscilava no
postinho de gasolina adiante. Eu precisava de um trago. Meu
remédio tinha acabado e comecei a ficar nervoso. O ar
poroso entrava nas minhas narinas e ardia meus pulmões.
Andei alguns metros e achei um barzinho aberto do lado do
posto, peguei algumas moedas no bolso e paguei duas doses
da cachaça mais barata. Me dei conta da minha própria
miséria, sem emprego, sem família, sem amigos, perdido na
vastidão de uma estrada que poderia chegar a lugar nenhum,
perdido numa realidade fora da realidade real. Onde estava
o anjo? Algumas horas depois eu ainda estava sentado na
mesa do bar e o anjo veio com suas asas fechadas e um prato
de farofa de carne do sol em mão. Eu olhei agradecido e
devorei. O anjo nunca comia, seus pés descalços mal tocavam
o chão e suas mãos seguravam um charuto de fumo prata.
Quando encontrei outra carona o sol já tinha raiado a mais
de uma hora. Dessa vez quem sentava ao volante era um
velhinho com olhos muito acolhedores e ele não parou de
falar de plantação de feijão e milho. Todos seus filhos
trabalhavam na roça e ele estava muito orgulhoso disso. Eu
estava cansado e aproveitei para dormir. A cidade de
Lençóis se abriu sorridente para nós. Agradeci muito ao
velhinho e desci para as ruas de pedra onde encontraria meu
filho. Do homem são as preparações do coração, de Deus, a
resposta da boca. Bati na porta de madeira, as paredes
vermelhas descascavam e ninguém atendeu. Sentei na calçada
angustiado, o suor escorria pelo pescoço e comecei a
ofegar. Então me lembrei de uma antiga amiga que era dona
de uma agência de turismo e que poderia me ajudar a
encontrar minha família. Desci correndo e achei o
estabelecimento. Ventur Turismo. Entrei e Leide, minha
amiga, logo me reconheceu. Batemos um papo e fiquei sabendo
que Afra, minha ex, já não morava lá, mas a mãe dela tinha
se mudado a alguns anos e comprara uma casa em Campos do
São João. Eu comecei a chorar. As lágrimas dançando em
minhas bochechas vermelhas. Eu não tinha um tostão furado e
tinha chegado até ali em vão. Onde estava o anjo? Ele
apareceu, caminhou até nós e tocou a testa de Leide sem que
ela percebesse. “Davi, você é meu amigo a muitos anos, eu
vou te ajudar a chegar até Campos do São João.”, ela sorriu
e me entregou uma nota de vinte reais. Ela me explicou onde
Dona Janira estava morando e depois de me despedir e ouvir
um convite de retorno, eu parti para a rodoviária. Acabou
que a cidade não era longe e em apenas uma hora eu já
estava em Campos. Uma vertigem me tomou e eu pensei que não
conseguiria caminhar, estava com tanto medo que pedi a Deus
que me desse forças a não desistir. E com um coração
prestes a explodir eu fui de encontro ao meu filho. A casa
era uma construção nova, a pintura lilás dava uma leveza ao
ambiente. Toquei a campainha. Afra atendeu a porta. Ela não
poderia estar mais chateada. Olhei para aquela mulher que
uma vez me amou e senti arrependimento. Pena de mim mesmo.
Mas não deveria me sentir culpado. Meu transtorno era o
culpado. Com muita insistência ela me deixou entrar. O anjo
me acompanhou e percebi Afra sorrir para ele. Olhei para
Gabriel e ele tinha crescido muito. Ele me abraçou meio
receoso e eu não tive palavras, apenas chorei e o olhar de
pena de Afra me fuzilou a todo momento. “Você fede a
álcool.”, disse ela. Eu tinha bebido, mas foi tão pouco.
Estava tão ansioso. Por que tinha bebido? Você me
perdoaria? “Davi, você só tem esta tarde para ficar com seu
filho porque eu estou indo pra casa e a viagem dura algumas
horas.”, ela foi bem direta em dizer que levaria o menino
para longe de mim outra vez e eu estava impotente. Sentei
com Gabriel na sala, olho no olho. Eu não sabia o que
dizer. As palavras estavam trancadas numa realidade
inalcançável. Eu não queria mais estar ali. Eu queria
fugir. Queria me esconder na minha garrafa de pitu e chorar
num canto escuro. Eu queria a solidão. Eu escolhia minhas
vozes. Anjo onde você estava? Mas Afra já o havia conduzido
para a cozinha e agora conversava com ele. “Pai.”, disse
Gabriel cauteloso. “Para de beber, pai, por que o senhor
não faz seu tratamento direito? A mamãe me contou tudo. O
senhor não precisa mais esconder as coisas de mim.”, ele
começou a chorar. “Filho, as coisas não são tão simples, eu
tento, eu luto, mas elas são mais fortes, elas gritam, me
jogam na rua, me fazem desaparecer por completo e aparecer
em outro lugar. Elas são as culpadas. Eu sou só uma
vítima.”, ele chorou ainda mais. Tentei abraçá-lo, queria
acalmá-lo de alguma forma, mas eu não sabia ser pai, não
sabia ser compreensível por que nunca tinha sido
compreendido. “Pai, eu não tô entendendo nada. Por que só
agora você veio me ver?” “Eu não estava bem meu filho, eu
estava fazendo tratamento, ainda estou.” “A mamãe disse que
você não faz o tratamento direito, que você bebe e isso
piora tudo.” “Sua mãe não entende de tudo, muito menos da
minha situação, eu estou desempregado, não tenho uma moeda
e lutei pedindo carona só pra te ver!” “Mas o senhor está
bêbado!” “É óbvio que não. Eu tomei um pouco porque estava
muito ansioso pra te ver. Eu te amo, filho.” “Promete que
não vai mais beber? Faz isso por mim.”, eu estava começando
a ficar estressado, toda essa conversa de parar de beber
quando a única coisa que me acalmava era o álcool estava me
deixando ansioso.“Prometo, filho.”, menti, simples e
descaradamente para fugir da discussão. Ele me abraçou,
parou de chorar e me puxou para jogar bola no quintal.
Jogamos bola, brincamos com o cachorro, catamos frutas. Foi
até agradável, mas eu já estava tremendo por um trago.
“Gabriel, vá assistir televisão que eu preciso conversar
com o seu pai.”, Gabriel passou por mim e eu me sentei com
Afra numa mesa no quintal. A primeira coisa que imaginei
foi ela sem roupa, depois pensei nela se abaixando e me
fazendo um oral e depois que ela começou a falar eu já
estava de pau duro. “Você sabe que você não pode mais ver
seu filho desse jeito, não é? A criança fica completamente
angustiada. Você deveria estar tomando seus remédios como o
médico prescreveu e pela sua situação você não está. Você
saiu de Feira de Santana até aqui não foi?” “Sim.” “Você
trouxe algum dinheiro?” “Não, viemos de carona.” “Como você
faz uma viagem dessas sem um centavo? Você precisa se
ajudar, Davi, colocar sua vida em ordem, não pode deixar
seu pai, suas tias preocupadas.” “Eu sei, eu sei, mas eu
precisava vim ver meu filho. Faz quatro anos, Afra!”
“Quatro anos que você poderia ter se tratado, poderia estar
estabilizado e não viajando como um mendigo, com as roupas
todas sujas e um bafo de cachaça horrível! Você acha que
isso faz bem pra saúde mental do seu filho?” “E a minha
saúde mental, Afra?” “Você teve suas inúmeras
oportunidades, todos nós te ajudamos mas, você nunca quis,
sempre parava o tratamento ou começava a beber igual um
louco, eu preciso proteger meu filho, eu preciso proteger
meu casamento.” “Eu não sabia que você tinha se casado.” “E
é por isso que se você não se tratar e tentar vir aqui de
novo e procurar onde eu estou morando eu vou entrar na
justiça e você não vai poder mais ver seu filho. Eu estou
com todos seus relatórios médicos.”, nessa hora Gabriel
veio chorando. “Não faz isso, mãe, ele prometeu parar de
beber, ele prometeu que melhoraria, por mim.”, um calor me
subiu à cabeça e meu coração disparou, senti as lágrimas
subirem e não lutei para contê-las. Que tipo de pai era eu
que não conseguia ser pai? O anjo então saiu pela porta e
se recostou na parede fumando seu charuto. Calado. “Eu vou
melhorar, Afra, você vai ver, eu vou vir aqui de carro e
levar Gabriel para passear, eu sei q vou melhorar, eu tive
uma visão do Espírito Santo, ele vai me ajudar, não vê esse
anjo aqui? Ele também me ajudou.”, ela revirou os olhos
para mim, mas sorriu para o anjo. “Ele é realmente um anjo
de pessoa e se não fosse por ele eu duvido muito que você
tivesse conseguido chegar aqui. Gabriel adorou ele, não foi
filho? Mas é como eu disse. E eu não volto minha palavra
atrás.” Ninguém me queria ali. Eu conseguia sentir a
vibração da casa gritar: vá embora! Se manda daqui, seu
doente! Imprestável. Mal amado. Afra me avisou que estava
na hora de ir e eu concordei. Me despedi de Gabriel com o
coração na mão e sabendo que não o veria tão cedo. Cai na
rua outra vez e agora a angústia me dominava. Eu estava
fedendo, morrendo de fome e sede. E como todo bom e velho
andarilho eu andei no acostamento sob o sol ardente por
horas até achar uma alma bondosa para me dar carona. O anjo
me saudou com um último beijo de despedida e nós nos
separamos em Itaberaba. Encarei a vastidão da estrada e
sorri. Sorri aquele sorriso triste e contemplativo. Algo em
mim tinha mudado, mas muita coisa permaneceria eterna nesse
ciclo infernal. Eu nunca teria paz. Minha mente não
deixaria. Eu nunca seria normal. Meus padrões não me
permitiam. Eu nunca poderia deixar de não ser. Tudo o que
eu era eram fragmentos. Cacos de frustração, de
desapontamentos. Eu me culpava continuamente. A estrada já
não cruzava meus desejos e minha permanência nessa
realidade seria infinita. Não havia nada que eu pudesse
fazer. Meus remédios poderiam me manter sob controle por um
tempo, mas eu era uma bomba relógio. Ninguém poderia me
ajudar. A entrega seria a resposta? Quem estenderia a mão
para um pobre coitado condenado? Deus já não ouvia minhas
preces e os anjos já não me acompanhavam. Eu estava só. E
neste caminho quem não tem ninguém morre de fome. Só me
restavam minhas velhas amigas vozes ecoando no fundo da
mente. Elas ditavam meu ser. Elas me conduziam para dentro
e para fora. E agora me conduziam para o todo. Para o
contorno de mais um fim doloroso. Agora todos os meus
demônios voltavam à mim. Cumprimentando uns aos outros como
velhos e pobres amigos de guerra.

fim

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