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David Attenborough

O meu testemunho ao mundo

E-Mail

Neale Haynes/Contour by Getty Images

Já foi um viajante incansável, agora é feliz a ver chegar


a primavera ao jardim. Retrato de um homem que fez
milhares de quilómetros para nos ajudar a tentar salvar
o planeta. E que ainda não desistiu

texto Jessamy Calkin

Davos, janeiro de 2019. Não o habitat natural de sir


David Attenborough, mas ei-lo aqui, de fato e gravata,
falando a uma sala cheia de financeiros, CEO e líderes
mundiais. Mostra-lhes clipes de filmes, as consequências
das nossas ações sobre o mundo natural: um
orangotango agarrado ao único ramo de uma única
árvore no que costumava ser uma floresta tropical
verdejante; imagens horríveis de morsas enormes
caindo de falésias, sem encontrarem onde descansar,
por o recuo do gelo marinho ter empurrado centenas
delas para uma pequena praia. A audiência está
visivelmente comovida. Na fila da frente, Christine
Lagarde, então chefe do FMI, está em lágrimas.

No palco, com a sua voz pausada, calmante,


Attenborough explica como se chegou a isto, como
efetivamente destruímos os nossos recursos mais
cruciais e, mais importante, o que é possível fazer a esse
respeito, aquilo que eles — os que estão naquela sala,
gente de influência e poder e peso financeiro — podem
fazer. No dia seguinte, é entrevistado no palco pelo
duque de Cambridge, e há uma ovação de pé.

Um clipe deste evento aparece no novo filme “David


Attenborough: A Life on Our Planet” (“David
Attenborough: Uma Vida no Nosso Planeta”, Netflix),
que, juntamente com o livro que o acompanha (“Uma
Vida no Nosso Planeta”, Temas e Debates), é
efetivamente o último combate de Attenborough. Ele
chama-lhe “testemunho”.

Morsas enormes, encurraladas pelo degelo, caem de


falésias. Na fila da frente, Christine Lagarde, chefe do
FMI, está em lágrimas

E ele é na verdade uma testemunha única. David


Attenborough encontra-se na extraordinária posição de
ter visto mais do mundo natural do que provavelmente
qualquer outra pessoa, numa carreira que começou na
era do Holoceno — o período geológico de 12 mil anos
de estabilidade climática, quando a vida selvagem ainda
era profusa — numa altura em que o acesso a ela tinha
acabado de se tornar fácil, com as viagens
internacionais. Desde então, a população humana mais
do que duplicou, e o número de animais selvagens,
então prolíficos, reduziu-se a metade. E o planeta está
um grau mais quente — o que pode não parecer muito,
mas é uma velocidade de mudança que excede qualquer
outra nos últimos dez mil anos. Conforme Attenborough
notou no seu discurso em Davos: “Estamos numa nova
era geológica: o Antropoceno, a era dos humanos.”

“Precisamos de uma nova perspetiva — o que significa


tentar não retirar do mar e do solo mais do que a Terra
pode recuperar”, diz a voz familiar, ligeiramente abafada
pelos problemas técnicos de uma chamada no Zoom,
tornada mais grave com a idade, mas ainda assim
inconfundivelmente Attenborough. Ele fala a partir da
sua casa em Richmond, no Surrey, onde está retido há
meses — interrompendo a execução de vários projetos,
um sobre extinção para a BBC, e vários com a palavra
Planeta no título. “A Life on Our Planet” estava prestes a
estrear-se no Royal Albert Hall em abril, ia ser o maior
lançamento de um documentário na história do cinema
britânico, mas ficou tudo suspenso por causa do
confinamento. Como é que ele lidou com isso?

“Hesito em dizê-lo, pois tenho de ter consciência de que


não sou um jovem casal com uma criança pequena, pois
eles devem estar desesperados, mas tive muita sorte:
foi um tempo muito pacífico e vivo próximo do Richmond
Park, portanto há muito para me manter feliz. Vi a
primavera a abrir e a desenvolver-se mais depressa do
que tinha podido em décadas — e que alegria foi.”
“A minha filha Susan vive na mesma casa e olha pelas
coisas, e mantém tudo a andar. Tinha viagens
intercontinentais marcadas que foram canceladas,
portanto não andei por aí a a voar, mas tinha imensa
escrita a fazer.”

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David Attenborough com um orangotango e a cria no


jardim zoológico de Londres, em 1982
mirror/Mirrorpix/Getty Images
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Os príncipes Carlos e Ana, no estúdio da BBC em 1958,


conhecem uma catatua que Attenborough trouxera de
uma das missões zoológicas Central Press/Getty Images
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O explorador britânico com a filha Susan, com quem


hoje vive, brincando com a catatua “Georgie”, capturada
na Papua-Nova Guiné PA Images via Getty Images

Não há sinais de que ele esteja a abrandar. Geriu as


restrições do confinamento gravando os comentários do
seu próximo projeto para a BBC, “A Perfect Planet” [“Um
Planeta Perfeito”], “sentado na minha sala de jantar,
com um microfone na mesa e edredons na parede para
combater a reverberação, e a pessoa que fazia a
gravação sentada no jardim à chuva, por baixo de um
guarda-chuva... E foi uma forma bastante simpática de
fazer as coisas, após um pequeno-almoço respeitável,
em vez de ter de entrar num carro e chegar a um estúdio
às 7 e 30 da manhã”.
As Cairngorms [uma cordilheira na Escócia] foram o
último lugar que visitou, no inverno passado, e não tem
saudades de voar. “Não de todo. Sinto embaraço em
dizer isto, pois uma data de gente tem passado tempos
muito, muito difíceis e sinto muita simpatia pelos jovens
que querem sair e ver o mundo e ir a festas, mas
chegando aos 80 e aos 90 somos mais contemplativos,
e ficamos felizes em estar na sombra a pensar na vida,
que é o que eu sobretudo tenho feito.”

E isto foi o que lhe ocorreu, o que sempre lhe ocorre, o


que nos tem vindo repetidamente a mostrar, há anos e
anos e anos: a natureza é o nosso maior aliado.
Tomemos conta da natureza, e a natureza tomará conta
de nós.

Não é demasiado tarde

“Atingimos um ponto de viragem” tornou-se um grito de


batalha, tão frequente ao longo da última década que
existe o perigo de fadiga do ponto de viragem. Mas basta
olhar para as notícias recentes — incêndios
descontrolados no Brasil, na Califórnia e no Oregon que
destruíram cidades e comunidades e criaram meio
milhão de deslocados; furacões e inundações repentinas
de força e frequência avassaladoras que ameaçam a
Costa do Golfo dos Estados Unidos. A floresta tropical
continua a ser cortada a um ritmo mais rápido do que
nunca — 3,8 milhões de hectares anualmente, o que
representa 15 mil milhões de árvores — e, como todos
sabemos, o planeta está a perder o seu gelo; desde que
os registos de satélite começaram em 1979, o gelo
marinho reduziu-se em 40%.

Só o mês passado, o World Wide Fund for Nature (WWF)


anunciou que as populações de vida selvagem caíram
dois terços em menos de cinco anos. E quando um painel
da ONU pediu a 455 especialistas que investigassem o
estado da terra, eles descobriram que um milhão de
espécies (de um total estimado em 8 milhões) estão em
risco de extinção — isto é, 100 vezes mais rápido do que
aconteceria no curso normal dos acontecimentos.

Attenborough diz que não é demasiado tarde para


mudar as coisas, ou no mínimo para as melhorar. A
ciência existe, a tecnologia está aí, a vontade política
devia estar, mas a dificuldade é fazer com que as
pessoas se importem. E é aí que entra David
Attenborough — ele faz as pessoas importarem-se.

Talvez seja a voz, a entoação poética, a maneira


gentilmente erudita, o peso do conhecimento — mas há
razões pelas quais ele se tornou o mais popular
apresentador televisivo do mundo. Confiamos nele.
Nunca lê os scripts de outra pessoas nem faz
publicidade; jamais o apanharemos a patrocinar filtros
de água ou a emprestar o seu nome a uma nova linha
de palhinhas de papel. Tinha de manter um certo nível
de imparcialidade quando estava ao serviço da BBC e foi
discreto em relação às alterações climáticas, até ter a
certeza absoluta da ciência.
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Com a Rainha Isabel II durante a entrega do prémio


Chatham House Prize, em 2019 EDDIE
MULHOLLAND/POOL/AFP via Getty Images

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Sir David Attenborough no jardim zoológico de Taronga,


em Sydney, na Austrália, em 2003 Daniel
Berehulak/Getty Images
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Com a então diretora do Fundo Monetário Internacional


Christine Lagarde em Washington, em abril 2019, meses
antes, em Davos, Lagarde tinha chorado com a
intervenção de Attenborough MANDEL NGAN/AFP via
Getty Images

“Havia muita gente no mundo ambientalista que


pressionava David a falar com mais força mais cedo”, diz
Colin Butfield do WWF, a quem se deveu a ideia de
Attenborough falar em Davos, “mas ele fez o que era
típico de David — ter a certeza absoluta de que
compreendia bem a ciência. Mergulhou completamente
nela antes de se dispor a dar a sua opinião”.

Attenborough contradiz levemente. “Ando a falar disto


há 30 anos”, exclama, “e ninguém reparou! Se olhar
para trás, verá que desde o final dos anos 70 não houve
uma única série minha onde não acabasse por falar do
que devíamos fazer para cuidar do planeta, quais eram
os riscos.”

Agora, o seu novo livro, em coautoria com o cineasta e


autor de ciência Jonnie Hughes, que trabalha com ele há
anos e também correalizou o filme, junta isso tudo. É
uma homenagem sucinta à ciência, combinada com a
notável história pessoal da Attenborough, olhando o
mundo através de capítulos da sua vida. É, conforme ele
diz, “a história de como fizemos o nosso maior erro e
como — se agirmos agora — podemos corrigir”.

E existem muitos exemplos de governos a avançar com


sucesso para a sustentabilidade: a Islândia, o Paraguai
e a Albânia já produzem toda a sua eletricidade sem usar
combustíveis fósseis; e quem sabia que Marrocos tem o
maior parque solar do mundo, fornecendo 40% das suas
necessidades? Ou que a Costa Rica já repôs metade da
floresta tropical que tinha cortado nos anos 70? E há
esperança para a vida selvagem: ao longo da vida de
Attenborough, os gorilas de montanha fizeram um
grande regresso na África Oriental; e os avistamentos
de baleias azuis, caçadas até só restar 1% da sua
população antes de esse tipo de caça ser banido em
1986, excederam todas as expectativas.

Tem pelo menos 20 espécies batizadas com o seu nome,


e mais graus honorários em universidades britânicas do
que qualquer outra pessoa
Sentiu nostalgia ao percorrer os arquivos e ver o mundo
como costumava ser? “Do que tenho nostalgia — se
posso torcer a palavra um pouco — é de coisas que
nunca vi. Quando lemos livros sobre viagens em África
há um século, compreendemos como o continente
empobreceu — havia manadas de milhares de animais,
animais como quaggas (metade zebra, metade
antílope); histórias de linhas ferroviárias que eram
construídas entre hordas de leões. A vida selvagem
pululava, e os oceanos eram muito ricos. A riqueza do
mundo natural no século XIX era extremamente
munificente, e tudo isso desapareceu.”

“Pululava” e “munificente” — falar com Attenborough


leva-nos diretamente para os seus belos comentários,
escritos com cuidado. “Bem, escrevo narrações há muito
tempo, 50 ou 60 anos — e na verdade, aprendi que
menos palavras é melhor. Tenho muito trabalho a
escrevê-los.” George Fenton, que compôs a música para
muitas das suas séries, tratava as suas palavras como a
personagem principal num drama, construindo a música
em torno das inflexões da voz dele.

A voz mudou com os anos, certamente. O tom baixou e


tornou-se mais roufenho, mas não perdeu nada do seu
entusiasmo, esteja ele a admirar as proezas dançarinas
da zagaia-castanheta ou o polvo que consegue andar em
terra. E ele é capaz de gozar consigo mesmo. Foi na sua
voz distintiva que narrou um vídeo de Adele durante
uma entrevista na Radio 1 da BBC. Também fez um
documentário com Björk sobre a intersecção entre
natureza e música. Tem pelo menos 20 espécies
batizadas com o seu nome, e mais graus honorários em
universidades britânicas do que qualquer outra pessoa,
bem como inumeráveis prémios. Quando entrou no
Instagram recentemente, quebrou o recorde ao atingir
um milhão de seguidores em pouco mais de quatro
horas.

Marinheiro na televisão

David Attenborough nasceu em 1926 em Islesworth, o


segundo de três irmãos — e agora o único sobrevivente.
O mais velho, o produtor e ator sir Richard
Attenborough, morreu há seis anos, e o mais novo, John,
em 2012.

David teve uma bolsa para estudar ciências naturais em


Cambridge em 1945. A seguir serviu na marinha, antes
de entrar para a televisão como produtor, em 1952.
Tornou-se apresentador quase por acidente,
substituindo um outro, um guarda de jardim zoológico
chamado Jack Lester, que adoecera. Attenborough e um
operador de câmara foram enviados numa expedição
para descobrir criaturas raras e trazê-las para serem
exibidas na televisão, sendo depois enviadas para o zoo
de Londres.

Ele ri quando recorda a simplicidade desses tempos,


antes de surgir o conceito de saúde e segurança. “A
primeira viagem que fiz foi em 1954, quando a televisão
era uma organização minúscula em Alexandra Palace, e
lembro-me de ir ter com o homem responsável pela
administração do meu departamento e dizer: ‘Vou três
meses para a Indonésia.’ ‘Ah, sim’, disse ele. ‘O que vai
ser?’ E eu disse: ‘Vamos procurar aves-do-paraíso e
umas coisas chamadas dragões Komodo. Uns seis
programas de meia hora. No Natal estamos de volta.’ E
partimos — tivemos uma experiência maravilhosa e
fizemos aqueles programas bastante maus.”

Foi “Zoo Quest” (“Busca Zoológica”), seguido por várias


outras séries de sofisticação crescente. Em 1965,
tornou-se controller da BBC2, e a seguir diretor de
programas da BBC (onde encomendou séries chave
como “Civilização”, “A Ascensão do Homem” e “Monty
Python’s Flying Circus”). Especulava-se que lhe iam
oferecer o lugar de diretor-geral em 1972. Em vez disso,
decidiu dedicar o seu tempo inteiro a fazer programas
sobre o mundo natural. “Life on Earth” (“A Vida na
Terra”) foi a sua primeira série ambiciosa e pioneira.
Incluía o famoso encontro no Ruanda entre um jovem
Attenborough a rir e um gorila da montanha chamado
“Poppy” sentado em cima dele. “Há tantos mais agora
do que quando eu os filmei pela primeira vez nos anos
70. De vez em quando, vemos uma coisa assim e o
nosso pequeno coração diz, bem, pelo menos fizemos
alguma coisa.”
Pandemia Attenborough não dá sinais de que esteja a
abrandar. Geriu as restrições do confinamento gravando
os comentários do seu próximo projeto para a BBC, “A
Perfect Planet” John Stillwell/PA Images via Getty
Images

A sua equipa foi a 39 países, filmou 650 espécies e


cobriu 2.4 milhões de quilómetros para “Life on Earth”.
A série teve um estimado meio milhão de espectadores
e foi, diz, a melhor época da sua vida. Seguiram-se
muitas séries premiadas e programas únicos, incluindo
“The Life of Birds” (“A Vida dos Pássaros”), “Blue Planet”
(“Planeta Azul”) e “Frozen Planet” (“Planeta Gelado”). A
sua última série, “Our Planet” (“O Nosso Planeta”),
lançada na Netflix o ano passado (e agora disponível
gratuitamente no YouTube) foi descarregada 700
milhões de vezes em todo o mundo. Ele também
contribuiu recentemente para outro filme, dirigido
especificamente a instituições financeiras — “Our Planet:
Too Big to Fail” (“O Nosso Planeta: Demasiado Grande
Para Falhar”), uma colaboração entre a Netflix e o WWF.

O filme “A Life on Our Planet” (que se estreou em 550


cinemas no Reino Unido — um número enorme para um
documentário — antes de ficar disponível na Netflix) tem
de invulgar o facto de Attenborough surgir em pessoa,
filmado em close-up, falando diretamente para a câmara
de uma forma quase confessional; é comovente e
intenso. O filme teve financiamento privado, de
doadores do WWF, “e isso foi bastante importante para
nós”, diz o correalizador, Alastair Fotherhill, um
colaborador de há muito, “pois queríamos dar ao David
controlo editorial total, e com uma estação televisiva,
inevitavelmente, perde-se isso. Ele esteve muito
envolvido pessoalmente no filme, e aparece um lado seu
que normalmente não vemos — sendo um inglês
clássico, formal, neste filme revela-se bastante
emocional, o que acho que ninguém viu antes”.

Attenborough vive com a filha, Susan, uma ex-


professora. A mulher Jane morreu em 1997, após sofrer
uma hemorragia cerebral quando ele estava a filmar na
Nova Zelândia. Nunca voltou a casar. O seu filho é
Robert Attenborough, professor de antropologia
biológica na Universidade de Cambridge.

Vive com simplicidade, na casa que tem há anos; sem


telemóvel nem e-mail, usa o correio, e às vezes um
computador. Há seis anos, uma operação ao joelho
permitiu-lhe continuar a trabalhar. Mas não faz
exercício. E não come carne. “Há muito tempo que não
como carne. Simplesmente desapareceu — não consigo
explicar. Não foi um sacrifício nem nada. Por alguma
razão, deixei de a comer há décadas.” Talvez tenha sido
a revelação, mencionada no livro, de que mais de 60%
dos mamíferos no mundo são criados para alimentação,
e consumimos 60 mil milhões de galinhas por ano — a
maioria delas alimentadas com ração à base de soja
oriunda de solo desflorestado.

O filme e o livro atingem o máximo de brutalidade


quando ele descreve o que poderá estar reservado para
alguém que nasça hoje, ao nosso ritmo atual de
progresso. Mas acrescenta: “Acredito que as coisas
estão a mudar, e são os jovens que estão mais vigorosos
e assertivos neste momento — jovens que vão ficar mais
velhos e tomar ação direta, e o facto de estarem tão
cheios de energia e preocupados como estão é uma
excelente notícia.”

Não tem senão coisas boas a dizer de Greta Thunberg,


com quem passou algum tempo o ano passado. “Acho
que ela é absolutamente extraordinária, e é muito
realista acerca dos assuntos; é muito modesta e a
primeira a dizer que devemos ouvir a ciência — não me
ouçam a mim, não sou cientista, mas apesar disso é o
meu futuro. E diz isto com um tal poder, e com tal
clareza que é uma voz muito poderosa, e essa voz vai
durar e ressoar muito para além da minha, pois ela tem
menos 75 anos.”

Vive com simplicidade, na casa que tem há anos; sem


telemóvel nem e-mail, usa o correio, e às vezes um
computador. Não faz exercício. E não come carne

Quer que os protestos sejam ouvidos, mas é


ambivalente em relação ao Extinction Rebellion. “A
questão é se eles não afastam as pessoas ao
perturbarem as vidas. Acho que é importante as pessoas
fazerem com que as suas vozes sejam escutadas, sem
dúvida, mas acho que desobedecer à lei pode ter um
efeito prejudicial.”

Attenborough é um homem modesto, e esquiva-se a


qualquer tentativa de analisar o seu próprio legado. “As
pessoas vão-me recordar pelos filmes, e quem faz os
filmes é a câmara e o realizador e equipas muito, muito
grandes. Eu tive uma experiência simplesmente
fenomenal. Os meus sucessores não vão ter a mesma
sorte, porque o material não vai estar lá.”

Ele não precisa de fazer isto. Podia facilmente reformar-


se, diz, “mas tive uma sorte inacreditável e sentir-me-ia
culpado se reconhecesse os problemas e decidisse
ignorá-los”. Numa carreira tão longa, com tantos
momentos memoráveis, qual foi o mais feliz? “Ir a África
pela primeira vez, em 1960, foi inesquecível; e ir à
floresta tropical da América do Sul, ou nadar num recife
de coral pela primeira vez, ou ver aves-do-paraíso —
tudo isso foram revelações. As pessoas dizem que não
nos habituamos a coisas assim, mas habituamo-nos. Há
uma frescura quando se vai a um desses lugares pela
primeira vez, e é irrepetível.”

Ainda encontra coisas que o surpreendam no mundo


natural? “Bem, com certeza que estou a descobrir mais
coisas novas o tempo todo, pois esse é o prazer da
história natural. Ninguém jamais saberá tudo o que há
para saber sobre história natural, e certamente há coisas
sobre as quais leio agora que são novas para mim. Mas
ultimamente, tem sido sobretudo reviver memórias e
conhecimento que tive na minha adolescência — voltar
a ver coisas, por ter tempo. Em vez de andar a correr
por aí em aviões, tive tempo para ver os amentos a
saírem nos salgueiros.”

Pergunto-lhe se há por aí algo que ainda gostasse de


ver. “Oh, imensas coisas.” Pensa um momento. “Há
algumas espécies de aves-do-paraíso que não vi”, diz.
“Já não vou poder ver, porque isso implicaria caminhar
durante dias e dias em vegetação muito espessa, o que
já não consigo fazer, mas gostava de as ter visto.”
Entusiasma-se com o tema, e a voz assume um timbre
diferente, com poesia e desejo. “Há uma espécie nova
que foi descoberta há poucos anos, e acontece ser uma
família de pássaros, o que — de uma forma divertida,
tonta, irracional — está cheio de drama e excitação e
romance e uma coisa e outra, e eu adoro isso.”

“Mas quando envelhecemos tornamo-nos mais estoicos.


Estou perfeitamente feliz sentado no meu jardim a ver a
primavera. Quando temos 94 anos, ficar no jardim a ver
a primavera é uma coisa muito simpática para fazer.”

Artigo publicado no “Saturday Telegraph”

Tradução Luís M. Faria

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