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Revista Portuguesa de

Gestão
Saúde
DIRETOR: MIGUEL SOUSA NEVES • SPGSAUDE@GMAIL.COM
PUBLICAÇÃO PERIÓDICA DIRIGIDA A PROFISSIONAIS DE SAÚDE
MARÇO 2017 • N.º 21

Gastos com o medicamento Pearls & pitfalls do sistema Emigração


em Portugal de saúde português Quanto custa
Inovação versus João F. Rodrigues um médico ao país?
sustentabilidade António Branco Nunes
Andreia Afonso de Matos A importância
e Alexandre Morais Nunes da Comissão de Proteção Gestão do conhecimento
contra Radiações no contexto em organizações de saúde
Estratégias e aprendizagens da qualidade do Centro Um conceito indispensável
na gestão da segurança Hospitalar do Porto para a gestão
do paciente Monteiro, A., Machado, C., Mesquita, F. em enfermagem
Filipa Breia da Fonseca e Nogueira, M. Paulo J. S. Costa
Índice

6 20
Gastos com o medicamento A importância da Comissão
em Portugal: inovação versus de Proteção contra Radiações
sustentabilidade no contexto da qualidade
do Centro Hospitalar do Porto
Monteiro, A., Machado, C., Mesquita, F.
e Nogueira, M.

12
26
Estratégias e aprendizagens na gestão
da segurança do paciente
Filipa Breia da Fonseca
GESTÃO DO CONHECIMENTO
EM ORGANIZAÇÕES DE SAÚDE
Um conceito indispensável

15 para a gestão em enfermagem


Paulo J. S. Costa

Pearls & pitfalls do sistema


de saúde português

45
João F. Rodrigues

Livros

18
EMIGRAÇÃO
Quanto custa um médico ao país?
António Branco Nunes

Revista Portuguesa de

Gestão
Saúde
Publicação periódica dirigida a profissionais de saúde • N.º 21 • março 2017

DIRETOR Miguel Sousa Neves COORDENAÇÃO Carla Vaz DESIGN E PRODUÇÃO Jornal Médico • www.jornalmedico.pt PROPRIEDADE Sociedade
Portuguesa de Gestão de Saúde • Avenida Cidade de Montgeron, 212 • 4490-402 Póvoa de Varzim • E-mail: spgsaude@gmail.com • Site: www.spgsaude.pt
DEPÓSITO LEGAL 239095/06 REGISTO ERC Exclusão de registo prevista no art.º 12, alínea a, do DR n.º 8/99, de 9 de Junho PERIODICIDADE Quadrimestral
PRÉ-IMPRESSÃO E IMPRESSÃO RPO TIRAGEM 2.500 exemplares
Estatuto Editorial

A
Revista Portuguesa de Na elaboração de conteúdos, os colabo-
Revista Portuguesa de Gestão & Saúde (RPGS) é radores da RPGS terão em conta os se-
Gestão um órgão de informação guintes pressupostos:
Saúde especializado que tem i) Os conhecimentos e os valores do
DIRETOR: MIGUEL SOUSA NEVES • INFO@SPGSAUDE.PT
PUBLICAÇÃO PERIÓDICA DIRIGIDA A PROFISSIONAIS DE SAÚDE
MARÇO 2017 • N.º 21 como objetivo primor- grande público refletem, de certo
dial divulgar artigos, estudos e casos modo, a maneira como a informação
na área da Gestão em Saúde. Destina- sobre a Gestão da Saúde é veiculada
-se a todos os profissionais que de- pelos órgãos de comunicação social;
senvolvem a sua actividade no setor ii) A gestão eficiente e eficaz do setor
da Saúde, desde médicos, enfermeiros, da Saúde obriga a uma intervenção
técnicos a diretores de serviço, ges- multidisciplinar, na qual os colabora-
tores, administradores hospitalares, dores da RPGS podem e devem desem-
Gastos com o medicamento em Portugal
Inovação versus
Pearls & pitfalls
do sistema de saúde português
Emigração:
Quanto custa um médico
membros de conselhos de administra- penhar um papel de relevo, através da
sustentabilidade ao país?

ção de unidades de saúde e a todos os


João F. Rodrigues

difusão de mensagens que influen-


Andreia Afonso de Matos António Branco Nunes
e Alexandre Morais Nunes A importância da Comissão de
Proteção contra Radiações no Gestão do conhecimento em
Estratégias e aprendizagens contexto da qualidade do Centro organizações de saúde: um
na gestão da segurança Hospitalar do Porto conceito indispensável para a

cidadãos interessados nesta temática.


do paciente

ciem comportamentos e atitudes;


Monteiro, A., Machado, C., Mesquita, F. gestão em enfermagem
Filipa Breia da Fonseca e Nogueira, M. Paulo J. S. Costa

A Revista Portuguesa de Gestão & Saú- iii) Os mass media constituem, não
de orienta-se por critérios de rigor e raro, o único meio de contacto en-
criatividade editorial, sem qualquer de- tre as fontes de informação e alguns
pendência de ordem ideológica, política grupos populacionais socialmente
e económica. marginalizados;
A Revista Portuguesa de Gestão & Saúde iv) O êxito da colaboração entre os co-
estabelece as suas opções editoriais sem laboradores da RPGS e as instituições
hierarquias prévias entre os diversos se- que desenvolvem trabalho na área da
tores de atividade. Gestão da Saúde depende, antes de
A Revista Portuguesa de Gestão & Saúde mais, da assunção, por parte de todos,
é responsável apenas perante os leitores, de que a mudança de comportamentos
numa relação rigorosa e transparente, e atitudes para a gestão eficiente e efi-
autónoma do poder político e indepen- caz da Saúde é uma batalha comum.
dente de poderes particulares. Todo o desempenho da Redação da
A Revista Portuguesa de Gestão & Saú- RPGS rege-se pela estrita observância da
de reconhece como seu único limite ética da informação e no cumprimento
o espaço privado dos cidadãos e tem da legislação em vigor, obedecendo des-
como limiar de existência a sua credibi- se modo a uma política de privacidade e
lidade pública. confidencialidade.
A RPGS adota como linha editorial a di- Através da Revista Portuguesa de Gestão
vulgação de conteúdos através de uma & Saúde, procurar-se-á ainda manter o
arrumação facilmente assimilável pe- leitor atualizado no que respeita a regu-
los leitores, reforçada pela atualidade e lamentos, normas, técnicas e ferramen-
continuidade lógica dos diferentes te- tas com impacto direto na gestão dos
mas abordados. serviços de saúde.
A produção de artigos, estudos e casos A RPGS estabelece as suas opções edi-
pautar-se-á por uma forte aplicabilidade toriais no estrito respeito por elevados
dos conceitos divulgados. padrões de isenção e rigor.

4 REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21


Mensagem

A
recente legislação sobre os
Centros de Responsabilida-
de Integrada(os) – CRI – veio
abrir uma pequena janela de
oportunidade para que alguns hospi-
tais e unidades locais de saúde possam
(re)lançar algumas áreas médicas espe-
cíficas, dando-lhes ferramentas para
uma melhor diferenciação e uma maior
adaptabilidade às realidades locais.
Apesar de alguma celeuma em relação
à mesma, eu acredito que este tipo de
legislação poderá permitir aos mais di-
nâmicos melhorar a eficácia e eficiência
de alguns serviços.
Por exemplo, o Centro Hospitalar do
Algarve poderá ter aqui uma mão esten-
dida do Ministro da Saúde... Miguel Sousa Neves
Presidente da Sociedade
Portuguesa de Gestão &
Saúde

REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21 5


Andreia Afonso
de Matos
Doutoranda em Administração
da Saúde – Universidade de Lisboa

Alexandre
Morais Nunes
Doutor em Administração
da Saúde – Universidade de Lisboa

Gastos com medicamentos em Portugal

Inovação versus
sustentabilidade
RESUMO da inovação aplicada ao setor do medi- se estar na vanguarda de um mercado
A inovação no setor do medicamento é camento, verificam-se benefícios para os competitivo, ou seja, na primeira linha
conhecida como a capacidade de melho- utentes, que dispõem, de um maior aces- da inovação (Milan, Panizzon, & Toni,
rar os farmacos já existentes, ou de gerar so a medicamentos inovadores, compar- 2014; Porter, 1990). É assim, com a apos-
outros a partir da investigação científica. ticipados pelo SNS. Para além disso, a ta em processos inovadores, que ocorre o
Quer de uma forma ou de outra, tem por despesa com o medicamento baixou, desenvolvimento e se ganha vantagem
objetivo melhorar o estado de saúde da sem que esta redução correspondesse a face à ameaça da concorrência (Hong,
população através da cura ou do controlo uma redução do consumo. Em conclusão McCann & Oxley, 2012). No entanto, a
de uma determinada patologia/doença. e respondendo à pergunta de partida, inovação pode ocorrer em vários níveis,
Os processos de inovação terapêutica pode referir-se que os gastos com o me- entre os quais a OCDE destaca: a ino-
funcionam como motores de desenvol- dicamento foram reduzidos, sendo que vação nos processos; nos produtos; no
vimento, mas são também uma fonte de para tal contribuíram: os compromissos marketing e no modelo organizacional
aumento de custos. Portugal, sendo um de sustentabilidade acordados com a in- (OECD, 2005).
país que tem implementado um sistema dústria farmacêutica (IF), o aumento da Entre os vários estímulos que as organi-
de saúde predominantemente público, o quota de genéricos, a dispensa através zações enfrentam, encontram-se, neste
Serviço Nacional de Saúde (SNS), suporta dos meios eletrónicos e ainda o efeito âmbito, a necessidade de mudança, com
elevados custos com o setor do medica- dissuasor da luta contra a fraude. a criação e modificação de produtos ou
mento. Para garantir a continuidade do serviços, a adaptação às novas tecnolo-
acesso a medicamentos inovadores, sem 1. INTRODUÇÃO gias, ou a melhoria das já existentes (Da-
comprometer a sustentabilidade do sis- A inovação, de uma forma global, está manpour, et al., 2011). De acordo com a
tema foi implementado na política de na base das mudanças ocorridas nas teoria desenvolvida por Schumpeter em
saúde um conjunto de medidas que pri- organizações, empresas e sociedade. As 1934, na base da inovação encontra-se
mam pela contenção da despesa, através transformações que deram origem ao a necessidade de crescimento de uma
de um combate mais eficiente e cons- mundo moderno foram fruto de proces- empresa para fazer face aos novos de-
ciente contra a fraude e o desperdício. sos inovadores, que contribuiram decisi- senvolvimentos e à concorrência. Só
Neste artigo, através do método da revi- vamente para a melhoria das condições uma empresa que inova poderá crescer,
são da literatura e de uma análise esta- vida em sociedade e para o progresso da gerando lucro e prosperando num mer-
tística do consumo e dos custos com fár- administração dos serviços públicos (Bi- cado dinâmico e altamente competitivo
macos, pretende-se responder à seguinte lhim, Guimarães, & Junior, 2013). (McCraw, 2007; Schumpeter, 1934).
questão: “A nova política do medicamen- Os processos de inovação envolvem ati- A inovação no setor da saúde permitiu
to e os compromissos de promoção da vidades que implicam uma mudança na ganhos no perfil de saúde da população.
sustentabilidade geraram os efeitos de- cadeia de valor. São as influências exter- Como grandes exemplos podemos referir
sejados na redução da despesa, não com- nas que fomentam o desenvolvimento a redução da taxa de mortalidade infantil
prometendo o acesso?”. Como resultado de novos produtos, com o objetivo de e o aumento da esperança média de vida

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da população à nascença (Ministério da O acesso a medicamentos inovadores
Saúde, 2015). Na base deste progresso, tem sido promovido em Portugal. No
esteve a inovação nos processos de ges- entanto, os custos acrescidos com estes
tão, a inovação dos canais de informação Os processos de medicamentos e os gastos já existentes
e a inovação tecnológica no diagnóstico inovação terapêutica com a comparticipação dos restantes
e no tratamento. A Organização Mundial fármacos poderiam pôr em risco a sus-
de Saúde destaca o êxito da inovação funcionam como tentabilidade do setor. Deste modo, fo-
tecnológica, referindo que “a capacidade motores de ram tomadas posições firmes na política
tecnológica disponível para entender,
desenvolvimento, de saúde para evitar esta rutura. Entre
prevenir, diagnosticar e tratar a doença as várias medidas, estabeleceu-se um
foi transformada numa progressão qua- mas são também uma acordo com a IF e promoveram-se nor-
se exponencial” (WHO, 2013, p.44). fonte de aumento mas para garantir um uso racional, sem
A inovação está presente no setor da IF desperdícios.
desde o início do seu desenvolvimento.
de custos. Portugal,
A inovação do medicamento implica sendo um país que 2. INOVAÇÃO DO PRODUTO:
quase sempre a criação de um novo pro- tem implementado O SETOR DO MEDICAMENTO
duto a partir de um pré-existente ou o O setor do medicamento surge quase
desenvolvimento de uma nova fórmula
um sistema de saúde sempre associado aos processos de ino-
a partir da investigação científica. Todos predominantemente vação de produto, devido ao grande in-
estes processos envolvem investimento, público, o SNS, suporta vestimento da IF no desenvolvimento de
tempo e risco, pois nem sempre o medi- novos produtos (Lamata, Gálvez, Barros,
camento desenvolvido é aprovado para
elevados custos com o & Caro, 2015).
comercialização (Achilladelis & Antona- setor do medicamento A aposta neste tipo de inovação é uma
kis, 2001). forma de as empresas se tornarem mais
A aposta na investigação e nos ensaios competitivas e crescerem no seio de um
clínicos, em Portugal, tem vindo a cres- mercado interno e externo concorrente
cer nos últimos anos, demonstrando a e cada vez mais competitivo (Calantone,
necessidade e o interesse nacional em et al., 2010). A inovação de produtos está
criar novos fármacos e melhorar as mo- alinhada com o desenvolvimento tecno-
léculas existentes (Gulbenkian, 2014). lógico e resulta igualmente da investiga-

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ção e do aprimoramento de técnicas e cialização do mesmo, que no caso da Eu-
processos de produção (OCDE, 2005). ropa é feito à Agência Europeia de Medi-
A IF gera valor ao inovar, mas com mui- camentos. Há casos em que se realizam
to investimento e risco. Os fármacos são
sujeitos a processos de investigação, tes-
O acesso a estudos “pós-comercialização”, com o
objetivo de recolher dados adicionais
tados e ensaiados, sendo que só depois medicamentos dos benefícios do fármaco, ou dos efeitos
de passadas várias fases são testados em inovadores tem secundários a longo prazo, não previstos
animais e humanos. inicialmente.
O processo de desenvolvimento de no-
sido promovido No mundo do medicamento são realiza-
vos medicamentos desenvolve-se numa em Portugal. No dos milhares de ensaios clínicos (Parexel,
primeira fase em laboratório e em estu- entanto, os custos 2005). Estes ensaios custam milhões de
dos com animais. Este é o período em euros à IF e por vezes podem mesmo não
que decorre a descoberta e os testes pré-
acrescidos com gerar qualquer lucro (DiMasi, Hansen
-clínicos. Em seguida, inicia-se um novo estes medicamentos & Grabowski, 2003). Assim, está claro o
período, o dos ensaios clínicos, onde, por
e os gastos já risco que a IF corre, ao tentar desenvol-
testes controlados, se pretende avaliar a ver ou melhorar um produto. Podemos
segurança e a eficácia do fármaco. Este existentes com a mesmo falar do risco de inovação, já que
período decorre, por norma, em três fa- comparticipação decorre de uma tentativa frustrada de
ses:
dos restantes gerar valor.
- Fase I, com a duração de 1-2 anos, que O elevado investimento na inovação do
tem como objetivos a determinação da fármacos poderiam medicamento tem de ser coberto, pelo
dosagem e da segurança. Por norma a pôr em risco a que os lucros têm efetivamente que
amostra é de 20 a 100 pessoas; compensar os custos de desenvolvimen-
- Fase II, com duração aproximada de
sustentabilidade do to. Daqui resulta o elevado valor de mer-
2 anos, que tem por objetivos avaliar a setor. Deste modo, cado dos medicamentos inovadores (Bar-
eficácia e investigar os efeitos secundá- foram tomadas ros, 2013). Contudo, este facto causa um
rios dos medicamentos. É aplicada a uma problema para as contas públicas de um
amostra que varia entre os 100 e os 500
posições firmes na sistema de saúde como o português, que
indivíduos. política de saúde para tem na sua base um SNS, que compar-
- Fase III, com o objetivo de confirmar a evitar esta rutura ticipa, em grande parte, a despesa com
eficácia e monitorizar reações adversas, medicamentos.
tem habitualmente a duração de um pe- A despesa pública com o medicamento
ríodo mínimo de três anos e é aplicada a atingiu um ritmo de crescimento que
mais de 1.000 indivíduos, podendo atin- apontava para a rutura e insustentabi-
gir até 5.000 (Spilker, 2006). lidade do sistema. O desenvolvimento
Após passar nas várias fases, a empresa da IF com medicamentos inovadores, o
que desenvolve um novo produto tem aumento da longevidade da população
de pedir uma autorização para a comer- e o crescimento da doença crónica, são

8 REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21


exemplos claros que contribuíram para jetivo de conter a despesa pública, sem gatória, salvo raras exceções, o que hoje
o sucessivo aumento da despesa em far- pôr em risco a sustentabilidade do siste- em dia já se tornou uma realidade. Esta
mácia (Barros, 2013; Campos, 2008). Para ma ou o acesso dos cidadãos ao medica- foi uma medida transversal, que permi-
além da prevenção da doença, promoção mento, foram aplicadas diversas medi- tiu a realização das anteriores com um
da saúde e reforço da literacia da popu- das, entre 2011 e 2015, entre as quais se maior sucesso;
lação, pouco mais se poderia fazer para destacam: • A desmaterialização da receita médica
reduzir os consumos e os custos com • O estabelecimento de um acordo com a (receita sem papel), no alinhamento da
medicamentos (Lamata, Gálvez, Barros, IF, com o objetivo de reduzir os encargos medida anterior, voltando a gerar uma ar-
& Caro, 2015). Desta forma, a política de do SNS, limitando a despesa do Estado. ticulação das tecnologias de informação e
saúde enveredou numa outra perspetiva: Em 2015, por exemplo, foi fixado o valor comunicação, com a sustentabilidade no
a da sustentabilidade e diminuição de máximo de 2.000 M€; setor da saúde. Desta forma, num proces-
custos, através de medidas que envol- • Evitar o desperdício, garantindo uma so sem papel impresso, o utente pode le-
vem a redução de desperdícios e a me- gestão eficiente no consumo do medica- vantar a sua receita com um SMS alusivo
lhoria da regulação do mercado do me- mento, com um controlo na prescrição e ao número do pedido e com a apresenta-
dicamento (Ministério da Saúde, 2015). na dispensa; ção do cartão do cidadão;
• O aumento da quota de genéricos, em
3. MEDIDAS DE SUSTENTABILIDADE número e valor, com o objetivo de pro-
IMPLEMENTADAS NO SETOR DO mover medicamentos com menos cus-
MEDICAMENTO tos, mas com os mesmos efeitos;
As medidas políticas de promoção da • A transposição de diretivas comuni-
sustentabilidade, de forma transversal
Em Portugal, tárias que eliminavam as barreiras à
aos vários governos, tiveram sempre por apesar da inovação entrada de novos genéricos, por vezes
base a máxima de garantir acesso aos
terapêutica e do bloqueados juridicamente. A título de
medicamentos a todos os cidadãos, não exemplo, em 2011, eram 800 os medi-
privando qualquer utente desse direi- aumento do consumo camentos que tinham suspensa a au-
to (Campos, 2008; Ministério da Saúde, de medicamentos, torização para introdução no mercado
2015).
A política do medicamento teve a in-
foi conseguido um nacional;
• A determinação do preço do primeiro
fluência do Memorando de Entendimen- controlo e uma genérico em 50% do preço do medica-
to (assinado entre o Governo de Portu- redução de custos mento de referência;
gal e o Fundo Monetário Internacional, • A prescrição pela Denominação Co-
o Banco Central Europeu e a Comissão
para o SNS. Para mum Internacional da substancia ativa
Europeia) sobre as condicionalidades da tal contribuíram os (DCI) e não pela marca. Para além desta
política económica, que preconizava as compromissos de denominação, as receitas medicas con-
seguintes medidas estruturais: tam também com a dosagem, apresenta-
3.54 - Rever a fixação de preço do primei-
sustentabilidade ção, forma farmacêutica e posologia;
ro genérico introduzido no mercado; assinados com • Revisão dos preços dos medicamentos,
3.56 - Tornar obrigatória a prescrição a IF e uma nova em função de países de referência (Espa-
eletrónica de medicamentos e meios de nha, Eslováquia e França);
diagnóstico; visão da política do • Promoção de incentivos às farmácias
3.57 - Estabelecer um sistema de moni- medicamento para dispensa de medicamentos genéri-
torização da prescrição e diagnóstico de cos, através do pagamento de uma recom-
cada médico, com informação regular pensa de acordo com a poupança gerada
sobre o processo; • O combate à fraude no medicamento, para o Estado e para os doentes (Portaria
3.58 - Introduzir medidas de incentivos através da criação de um grupo de traba- n.º 18-A/2015, de 2 de fevereiro);
aos médicos que prescrevam genéricos e lho de luta contra a fraude, que em arti- • Garantia de equidade no acesso às te-
medicamentos de marca menos dispen- culação com os Ministérios da Saúde e da rapêuticas efetivas da Hepatite C (Despa-
diosos (regulamentação ou orientações Justiça, identifica e analisa casos suspei- cho n.º 1824-B/2015, de 18 de fevereiro);
para os médicos); tos em todas as fases do processo, desde • Criação e implementação do novo Sis-
3.64 - Estabelecer o enquadramento le- a prescrição à dispensa; tema Nacional de Avaliação de Tecnolo-
gislativo e administrativo para um sis- • A implementação da prescrição eletró- gias de Saúde (SiNATS);
tema centralizado de aprovisionamento nica, aliando as tecnologias de informa- • Publicação de diversas normas de
para a compra de produtos médicos no ção e comunicação ao propósito de um orientação clínica (NOC)1, tendo algumas
âmbito do SNS (Portugal, 2011, p.14). maior controlo do mercado. O objetivo delas sido integradas na Prescrição Ele-
No seguimento desta linha e com o ob- foi tornar a prescrição eletrónica obri- trónica Médica.

REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21 9


Quadro 1: Encargos do SNS e dos utentes com medicamentos em ambulatório (em milhões de euros)

  2011 2012 2013 2014 2015

Encargos SNS 1325,99 1173,08 1160,22 1170,35 1182, 18

Encargos Utentes 798,57 682,57 689,48 702,69 709,76

Embalagens 139,85 140,02 149,09 153,02 154,96

Fonte: Infarmed (2016)

4. EFEITOS DAS MEDIDAS DE uma poupança real de 88,81 M€, ou regista-se um aumento de 13,17 mi-
SUSTENTABILIDADE NA DESPESA seja, de aproximadamente 12% da des- lhões de embalagens dispensadas, o
COM MEDICAMENTO NO SNS pesa inicial. Por seu lado, o encargo do que evidencia a eficiência económica
A implementação das medidas desen- SNS com a comparticipação do medi- das medidas de controlo da despesa no
volvidas, entre 2011 e 2015, geraram, camento dispensado em ambulatório, medicamento. Neste sentido, são apre-
num curto prazo, uma redução de 496 passou de mais de 1,326 M€ para 1,182 sentados no quadro alguns valores so-
milhões de euros. O Quadro 1 apresen- M€, o que representou uma redução bre o medicamento.
ta os principais resultados da poupança na ordem dos 144,81 M€, equivalente Através de uma atenta leitura do quadro,
efetiva para os utentes e para o Estado a 10,9%. verifica-se a variação positiva, em cada
(Serviço Nacional de Saúde). No entanto, repare-se que as reduções ano, no aumento do consumo. Regista-
Os utentes dispensavam um total de nos gastos não são acompanhadas de -se também uma redução gradual do
798,57 M€ em 2011, valor que foi redu- uma quebra no consumo. Pelo contrá- custo para o utente, que passou de um
zido para 709,76 M€, o que significou rio, para o mesmo período de tempo valor médio de 5,71 € embalagem, em
2011, para 4,58 € em 2015. No mesmo
sentido evoluiu a poupança da compar-
ticipação do SNS por embalagem, que
passou de 9,48 € para 7,63 €. Com estes
valores pode referir-se que, com a imple-
mentação de medidas de promoção de
eficiência e controlo na prescrição e dis-
pensa de medicamentos, se conseguiu
uma poupança efetiva de 1,13 €/emba-
lagem para o utente e de 1,85 € para os
cofres públicos.
O atual Governo, no sentido de dar con-
tinuidade à política do medicamento, de-
finiu no seu Programa do Governo:
- A promoção da utilização racional e
segura do medicamento reforçada com
o desenvolvimento de um Programa Na-
cional para a literacia e autocuidados;
- A promoção de uma política sustentá-
vel na área do medicamento de modo a
conciliar o rigor orçamental com o aces-
so à inovação terapêutica, através de:
a) Revisão dos mecanismos de dispensa
e comparticipação de medicamentos dos
doentes crónicos em ambulatório;
b) Promoção do aumento da quota do
mercado de medicamentos genéricos,
tendo em conta a margem para a baixa
de preço que subsiste;
c) Promoção da investigação e da pro-
dução nacional no setor medicamento
(Portugal, 2015).

10 REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21


Quadro 2: Análise de valores sobre medicamentos, por embalagem

2011 2012 2013 2014 2015

Nº de Embalagens (milhões) 139,85 140,02 149,09 153,02 154,96

Δ Anual do consumo - +0,12% +6,48% +2,64% +1,27%

Preço médio por embalagem para o SNS (euros) 9,48 8,38 7,78 7,65 7,63

Δ Anual do preço médio por embalagem


- -11,64% -7,11% -1,72% -0,26%
para o SNS

Preço médio por embalagem para o utente (euros) 5,71 4,87 4,62 4,59 4,58

Δ Anual do preço médio por embalagem


- -14,63% -5,13% -0,7% -0,21%
para o SNS

Fonte: Infarmed (2016)

5. CONCLUSÃO tos. O exemplo abordado neste texto dicamentos inovadores, promovendo


Como resposta à pergunta de partida ilustra esta realidade. o acesso a quem deles necessita e, em
e focando o setor da saúde, em par- Em Portugal, apesar da inovação te- simultâneo, controlar os custos com o
ticular, pode entender-se que o au- rapêutica e do aumento do consumo medicamento para o utente e para o
mento de custos decorrente da ino- de medicamentos, foi conseguido um erário público.
vação tecnológica, quando alinhado controlo e uma redução de custos para Apesar dos resultados positivos, a políti-
estrategicamente com as medidas o SNS. Para tal contribuíram os com- ca de saúde não deve estagnar este cami-
promotoras de sustentabilidade, forte promissos de sustentabilidade assina- nho. Deste modo, o atual executivo es-
regulação e planeamento em saúde, dos com a IF e uma nova visão da po- tabeleceu como meta no seu Programa
pode produzir efeitos positivos no au- lítica do medicamento. Graças a estes do Governo, a promoção de uma política
mento da oferta e na redução de cus- processos foi possível introduzir me- sustentável na área do medicamento.

NOTAS
1. O Infarmed e a DGS elaboraram um conjunto de Normas de Orientação Clínica direcionadas para o setor do medicamento. A adoção destas normas permitiu ao SNS:
- Obter ganhos com base na evidência científica;
- Promover boas práticas clínicas;
- Ganhos de eficiência com redução de custos;
- Aumento da qualidade (Ministério da Saúde, 2015).

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21 11


Filipa Breia
da Fonseca
Investigadora em Gestão de Saúde
Nova School of Business and
Economics – Faculdade de
Economia e Gestão da Universidade
Nova de Lisboa

Estratégias e
aprendizagens na gestão
da segurança do paciente

A segurança do paciente tem sido um atividade de risco. Risco para os doentes quicos são sempre diretos e na primeira
assunto de muita pesquisa, debate e in- que podem sair lesados pelo comprome- linha (Fragata, 2011).
teresse na área da saúde. Nesse sentido, timento da sua segurança, e risco para O relatório do Institute of Medicine (2000)
tem vindo a tornar-se uma preocupação os profissionais de saúde (médicos, en- – To Err is Human – lançou o tema da se-
não só dos prestadores de cuidados de fermeiros e técnicos) que exercem uma gurança na Medicina, ao revelar que en-
saúde, como também dos doentes, dos profissão potencialmente perigosa. Tudo tre 44 mil e 98 mil pacientes poderiam
gestores e da sociedade em geral. isto porque a medicina tem no seu cen- morrer por ano nos EUA, em consequên-
A prática da medicina é ela própria uma tro o doente, cujos danos físicos ou psí- cia de erros no sistema de saúde (IOM,

12 REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21


2000). Para além disso, o documento do Apesar de alguns eventos que compro- por exemplo, desenvolveu um docu-
IOM focou que tal acontecia, não por metem a segurança do paciente não po- mento estratégico “seven steps of patient
responsabilidade direta dos profissio- derem ser eliminados na sua totalidade, safety”, onde são definidos sete passos
nais de saúde, mas sim pelo contexto os seus danos podem tentar ser redu- que as organizações de sistemas de saú-
sistemático-organizacional em que estes zidos, sendo o objetivo final conseguir de deveriam adotar, no sentido de me-
trabalham. Assume-se assim que este é zero dano para o paciente. lhorar a segurança do doente. Cada um
um problema de gestão e que, como tal, A reação mais comum quando a segu- destes passos, fornece uma checklist que
parte da solução tem que ser procurada rança do paciente fica comprometida ou ajuda a planear as atividades e a medir
na melhoria da mesma. quando uma falha ocorre é, em primei- o desempenho e a efetividade das ações
No início deste século foram também ro lugar, culpar alguém. Falha e culpa adotadas para promover a segurança dos
criadas várias agências de segurança do andam virtualmente inseparáveis em doentes, constando o seu conteúdo das
paciente (Reino Unido, Canadá, Austrá- grande parte das organizações. Na saú- seguintes fases:
lia, Dinamarca) e estabelecida em 2004, de não é exceção. Todos aprendemos em 1 – Estabelecer um ambiente de segu-
sob a égide da Organização Mundial crianças que admitir uma falha significa rança através da criação de uma cultura
de Saúde, a World Alliance for Patient assumir a culpa de algo. Talvez seja por aberta e justa;
Safety. Esta aliança estabeleceu sete essa linha de pensamento, que tão pou- 2 – Liderança forte e apoio das equipas
programas independentes: soluções, in- cas organizações assumem uma cultura de saúde em torno da segurança dos
vestigação, notificação, aprendizagem, de segurança, onde a gratificação de se doentes;
taxonomia, doentes e estandardização, aprender com a falha não consegue ser 3 – Integrar as atividades de gestão do
bem como a higiene das mãos e a cirur- totalmente realizada. risco desde a identificação das causas
gia segura, que já salvaram muitas vidas Diferentes colaboradores que tenho vin- até à definição das ações corretivas e ou
(Berwick et al., 2006). do a entrevistar na área da saúde admi- preventivas;
Quando se fala em segurança do pa- tem que, muitas das vezes, não sabem 4 – Promover a notificação dos eventos
ciente ficamos com a ideia de estarmos como responder construtivamente ao adversos ou near misses, assegurando
perante um conceito bem delimitado e fracasso. Quando se pergunta direta- que os profissionais de saúde podem
fácil de analisar. No entanto, a realidade mente a médicos e enfermeiros porque facilmente, e sem receios persecutórios,
apresenta algumas particularidades que pode o paciente ficar sujeito a situações reportar os incidentes;
tornam difícil a sua abordagem devido, de insegurança, as razões apresentadas 5 – Envolver e comunicar com os doen-
essencialmente, à complexidade das or- são diversas. Por outro lado, os profissio- tes e com a sociedade em geral. Desen-
ganizações de saúde. O que obviamente nais de saúde admitem também o facto volver formas para comunicar e auscul-
cria dificuldades para a atuação da ges- de que se os colaboradores não forem tar os doentes acerca da problemática
tão, e para melhorar a gestão torna-se responsabilizados, o que poderá assegu- dos eventos adversos;
necessário saber com precisão que con- rar que irão tentar fazer o seu melhor no 6 – Aprender e partilhar experiências.
ceitos são relevantes. trabalho que estão a realizar? Encorajar os profissionais de saúde a
A National Patient Safety Foundation Treino e formação, melhoria do flu- analisar a raiz dos problemas e as cau-
(2004) começou por definir segurança xo de trabalho e uma adequada gestão sas que estão subjacentes, no sentido
do paciente como a forma de evitar, pre- de recursos humanos, são alguns dos de aprender como e porquê o incidente
venir e melhorar os eventos adversos ou principais vetores citados que levam os ocorreu. A difusão da informação acer-
prejuízos que surgem nos processos de profissionais a conseguir executar os ca das causas dos incidentes é funda-
tratamento dos pacientes. A segurança processos de gestão e tratamento do mental para diminuir ou evitar episó-
não reside numa só pessoa, num plano paciente com consistência. Quando isso dios recorrentes;
ou num departamento, ela emerge das não acontece, a falta de atenção, os des- 7 – Implementar soluções, para prevenir
interações dos componentes de um de- vios, os problemas de comunicação, a a ocorrência de situações que possam
terminado sistema. Para a Direção-Geral falta de confirmação de procedimentos, provocar danos nos doentes, através de
da Saúde (DGS) em Portugal (2011), a o processamento e a má interpretação mudanças nas práticas, nos processos e
segurança do paciente é conotada com da informação são usualmente as causas na estrutura da organização, sempre que
a redução do risco de danos desneces- mais mencionadas, quando os processos tal se verifique necessário.
sários relacionados com os cuidados de não correm como o desejado. Atul Gawande, um cirurgião de Har-
saúde, para um mínimo aceitável. Este Sabemos que em grande parte das situa- vard, defendeu com o seu best-seller
mínimo aceitável refere-se à noção cole- ções as causas podem ser identificadas e “The Checklist Manifesto” (2011), que as
tiva em face do conhecimento atual, re- as soluções desenvolvidas. Porém, exis- checklists seriam também uma boa so-
cursos disponíveis e contexto em que os tem organizações e profissionais que to- lução para ajudar a melhorar a seguran-
cuidados foram prestados, por oposição mam iniciativas para encontrar soluções ça do paciente e muitos dos problemas
ao risco do não tratamento ou de outro em relação à segurança do paciente. em saúde. Também Pronovost (médico
tratamento alternativo. A National Patient Safety Agency (2004), no Johns Hopkins University School of

REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21 13


Medicine) e Vohr no livro “Safe patients, Outra das recomendações é criar e gerar dos. Contudo, aparentemente eventos
Smart Hospitals” (2011), apresentaram sistemas de alerta quando o sistema re- simples estão muito mais suscetíveis de
uma série de exemplos práticos de como conhece um perigo, como quando por convergir em muitos fatores que contri-
os profissionais de saúde (juniores e se- exemplo se administram erradamente buem para que estas ocorram.
niores), lidam diariamente e resolvem os as doses de medicação. Para que haja Em suma, conclui-se que a segurança é
problemas de segurança. Mais recente- um maior comprometimento das orga- um princípio fundamental nos cuidados
mente Sastry e Penn no seu livro “Fail nizações com a segurança, os acidentes de saúde que são prestados aos pacientes.
Better” (2014), apresentam modelos e graves (a morte de um doente) devem ser A sua prática exige um complexo sistema
soluções a por em prática no combate ao sempre investigados no sentido de averi- de sinergias, envolvendo um conjunto de
erro e à segurança do paciente. guar as suas causas. A avaliação poderá ações exigentes e de melhoria contínua
Hoje em dia, as iniciativas em torno da ser feita por uma entidade externa que em diversas áreas, isto é, medicação, diag-
segurança do doente consistem mais em possa conduzir a uma investigação inde- nostico e tratamento, sistemas e equipa-
iniciativas organizacionais e numa abor- pendente do processo. mentos e informação e comunicação en-
dagem de sistemas devidamente enqua- tre os profissionais de saúde.
dradas numa cultura local de segurança, Para isso será necessário perceber que
do que em esforços centrados em agen- tipos de erros são mais frequentes e as
tes diretos de prestação. Para além disso, suas causas, com o propósito de explorar
o papel das equipas e das organizações, mecanismos de prevenção, de deteção, de
na produção de melhores níveis de segu-
Estudos demonstram resposta e de recuperação do erro. O estu-
rança é hoje fundamental. que quanto maior for do dos processos de gestão permitirá as-
Mas como melhorar a segurança do
a eficácia do sistema sim saber o momento da sua ocorrência.
paciente na prática? Muitos estudos Nesse sentido, à semelhança das orga-
demonstram e defendem que quanto de notificação, ou nizações de alta fiabilidade, as medidas
maior for a eficácia do sistema de notifi- seja, quanto mais reativas que respondem a um qualquer
cação, ou seja, quanto mais situações se
situações se relatarem acidente reportado ou detetado devem
relatarem e se analisarem, maior é a pro- ser utilizadas como modo de aprendi-
babilidade de existir uma maior seguran- e se analisarem, maior zagem e não usadas como um pretexto
ça do paciente evitando assim as falhas é a probabilidade para punir um qualquer responsável ou
(National Patient Safety Agency, 2004). tomador momentâneo da culpa.
Existem muitas formas pelas quais re-
de existir uma As medidas de aprendizagem deverão re-
portar os erros podem levar a uma apren- maior segurança do desenhar os processos, de forma a torná-
dizagem e melhoria da segurança do pa- paciente -los mais seguros e consistentes aos erros
ciente. A primeira proposta é aprender dos profissionais de saúde, que sendo co-
com a experiência, isto é, um sistema de laboradores de primeira linha e humanos
notificação de erros deve produzir algo Para além disso poderão ser também terão sempre a tendência de errar.
visível e respostas úteis para justificar os usados resultados de investigações pas- Finalmente apresentam-se algumas re-
recursos despendidos e estimular a pró- sadas e de análise de dados para formu- comendações para melhorar a gestão no
pria notificação. A função mais impor- lar e divulgar recomendações de altera- que diz respeito à redução de erros na
tante será usar os resultados da análise ções dos processos. A Joint Commission prestação de cuidados de saúde: (i) me-
de dados para depois formular e dissemi- on Accreditation of Healthcare (2000), lhoria do fluxo de trabalho, ou seja tare-
nar recomendações para executar altera- já usa esta função com um número re- fas programadas e orientadas; (ii) melhor
ções no sistema. Tudo isto poderá gerar duzido de notificação de incidentes. O adaptação da gestão dos recursos huma-
recomendações de boas práticas para os objetivo é produzir recomendações de nos; (iii) existência de uma cultura de de-
colaboradores seguirem. segurança dos próprios dados recolhi- teção e correção de erros e falhas.

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14 REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21


João F. Rodrigues
Pós-graduado em Gestão
e Economia da Saúde
Médico Oftalmologista - Hospital
de Setúbal

Pearls & pitfalls


do sistema de saúde
português
INTRODUÇÃO valores dos mesmo associados aos atos como a “multiplicação dos peixes” apli-
A Saúde em Portugal pode melhorar que realiza com maior frequência na sua cada à iliteracia para a saúde, que pode
através do criticismo, transparência e da prática pública/privada. No fundo, o lóbi ser melhorada... Em benefício do cliente
inovação aplicados à gestão do quotidia- começa nos próprios médicos e está bem da saúde daquele setor.
no dos serviços. Este artigo de opinião enraizado quase desde a fundação do
procura, através de um brainstorming Serviço Nacional de Saúde (SNS). A ADSE QUANDO NASCE
aleatório, abordar algumas “pérolas e ar- Outra questão associada à prestação de NÃO É PARA TODOS
madilhas” enraizadas no sistema de saú- cuidados de saúde pelas instituições par- Qual é a lógica subjacente aos contra-
de português. ticulares de saúde é a falta de transpa- tos individuais de trabalho em funções
rência quanto aos valores dos cuidados públicas celebrados no SNS, que na úl-
HOSPITAIS PRIVADOS: a prestar, raramente totalmente discri- tima década representarão não mais de
PACK OPACO minados. É habitual a “cascata” da co- 20.000 a 30.000 contratações de profis-
O core business dos hospitais privados brança, por exemplo, num episódio de sionais de saúde (médicos, enfermeiros,
são os cuidados de saúde preferencial- urgência, começar por um médico gene- assistentes operacionais, etc.), de não
mente prestados a beneficiários de segu- ralista, que garante a assistência “indife- terem direito a serem voluntariamente
ros de saúde e de subsistemas da saúde. renciada” 24/24 horas da entidade, que beneficiários da ADSE, quando estão dia-
Recorrer aos mesmos como cliente parti- referencia para um médico especialista riamente expostos, entre outras, a doen-
cular é a garantia de aumento imprevis- nem sempre imediatamente presente, ças infecto-contagiosas, em comparação
to da despesa pessoal out-of-the-pocket. mas on demand, logo mais caro e au- com outros funcionários públicos, por
Será lícito este tipo de hospital cobrar 50 mentando os custos (dupla faturação), exemplo em funções administrativas,
euros por uma oximetria de pulso? Por que vai aumentando a complexidade que entram para os quadros e estão su-
que razão isto acontece? Tem essencial- da assistência prestada, solicita exames jeitos a baixo risco de contraírem doen-
mente a ver com preços dos “K” defini- complementares de diagnósticos muita ças? O desconto para este subsistema é
dos pelas tabelas da Ordem dos Médicos vezes dispensáveis pela clínica, até à fa- voluntário, mas a inclusão involuntária
(OM), que em várias especialidades são tura final. e não equitativa. E as “baixas” por in-
completamente desajustados e anacró- O mesmo se aplica a intervenções cirúr- capacidade um verdadeiro calvário no
nicos à maior ou menor complexidade gicas: o pacote de prestação de cuidados funcionamento interno das instituições
dos procedimentos realizados. Se a OM raramente está fechado e é em muitos públicas e o nas despesas do erário pú-
solicitar a um determinado colégio de es- casos uma incógnita para os clientes da blico. Prevê-se, com a brevidade legislati-
pecialidade que os “K” sejam revistos, o saúde menos assertivos e informados va habitual no nosso país, uma abertura
que acontece é que cada médico de uma dos cuidados peri e pós-operatórios. De- a novos beneficiários que sendo tardia
eventual comissão tenderá a defender os nomino este fenómeno da saúde privada se saúda.

REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21 15


O BURNOUT DOS MÉDICOS traduzindo ganhos agregados em QALY AS ASSIMETRIAS REGIONAIS
A OM realizou recentemente um estudo e DALY. As dietas estão na moda, a for- E INTER-REGIONAIS NO ACESSO
sobre burnout (exaustão física e men- mação universitária nesta área em alta. À INOVAÇÃO
tal) na classe médica. As conclusões Ou seja, existe uma elevada oferta e uma No serviço hospitalar no qual exerço a
são óbvias, mas em termos executivos baixa procura destes profissionais... pelo minha atividade profissional, o acesso
o que resulta deste inquérito? Sessões SNS. A par da contratação destes profis- à inovação é bastante abrangente. Os
de esclarecimento na sede da OM para sionais a nível hospitalar, no mínimo um utentes beneficiam dos últimos avanços
os interessados e frequentadas princi- por cada serviço de Medicina/Cirurgia, de- científicos na área da Oftalmologia e es-
palmente por médicos sem burnout ou veria ser criada uma linha SOS nutrição tão muito satisfeitos. Alguns utentes de
reformados... O inquérito de natureza associada aos cuidados primários, plas- outros hospitais na proximidade – até
retrospectiva realizado foi anónimo e mando o bom exemplo das consultas de 25 km – surgem como episódios de ur-
perdeu-se assim uma boa oportunidade cessação tabágica disseminada pela rede gência ou em consulta externa, com a
para identificar casos “no ativo” ou com de cuidados do SNS, que funciona de for- recente opção de escolha proporcionada
elevado risco de recidiva e planear uma ma eficaz a tempo e horas. E o que é bem pelo Ministério da Saúde.
intervenção atempada. Por responder fi- feito, deve ser replicado. Presentemente na minha consulta,
cam então questões como: Quem cuida surgiu um utente proveniente de uma
da saúde psíquica dos médicos? Existi- PAY-PER-VIEW NOS SERVIÇOS aldeia no concelho de Odemira, geogra-
rá algum plano de intervenção na for- DE SAÚDE ficamente mais próximo de Beja e do
ja para a criação de gabinetes de apoio A cobrança imediata e prévia aos actos Algarve, via consulta de Oftalmologia
psicológico aos médicos e outros profis- em saúde é realizada de forma direta nos do Hospital do Litoral Alentejano, apa-
sionais de saúde? Espera-se que sim, em serviços privados de saúde. Percebe-se rentemente o hospital da área; neste
prole de uma melhor saúde mental dos porquê, tendo em mente o seu modelo não se realizam tratamentos LASER (ou
prestadores que se deseja. de negócio: evitar cobranças posteriores o aparelho estaria avariado) e cirurgia
difíceis ou impossíveis. O que pode colo- vítreo-retiniana de que o doente pode-
PSICÓLOGOS: car questões deontológicas na prestação rá necessitar. O insight do doente não
UM PARA TODOS E TODOS POR MAIS de assistência urgente/emergente. Por lhe permite perceber com objetividade
O contingente de psicólogos presentes outro lado, existem situações abusivas porque tem que ser tratado no Hospital
nas instituições do SNS público é escas- como a cobrança prévia de exames com- de Setúbal, necessita de efetuar deslo-
so e presta a assistência possível à po- plementares de diagnóstico e terapêuti- cações de 400 Km, ida e volta, para as
pulação, que dificilmente pode suportar ca (ECDT). Não são estes, por definição, quais solicitou transporte às custas do
do seu bolso os cuidados em regime pri- complementares à avaliação clínica? Cento Hospitalar de Setúbal/SNS. Ne-
vado. É só fazer as contas a uma sessão No SNS, a cobrança de taxas modera- cessitarei no mínimo de seis desloca-
por semana, ao preço de 45 euros/hora, doras de consultas ou exames comple- ções do doente nos próximos três me-
durante um ano: 3 a 4 salários mínimos mentares é mais flexível e socialmente ses para tratá-lo devidamente, correndo
anuais. Há falta de psicólogos formados “amiga”; quando o utente não tem pos- o risco de o follow-up vir a ser interrom-
em Portugal? Não. Haverá dificuldade na sibilidade de pagar no momento, a dívi- pido, com perda de eficácia dos trata-
contratação de mais psicólogos? Sim. En- da fica registada em sistema sendo co- mentos. Este é um exemplo da dificul-
tão, por que não estabelecer protocolos brada numa próxima visita ou por nota dade de acesso à inovação tecnológica e
com gabinetes de Psicologia na comuni- de cobrança para o utente/domicilio. A das assimetrias de dotação dos serviços
dade? Interessados não faltarão do lado inovação positiva neste setor tem vindo clínicos com custos diretos e indiretos
dos psicólogos clínicos e os custos das a melhorar não só a receita como a com- adicionais para o SNS.
parcerias seriam seguramente inferiores preensão por parte dos utentes sobre a
à contratação direta pelo SNS. clássica definição do SNS como “tenden- FACULDADE DE MEDICINA
cialmente gratuita” e do cliché “a saúde PRIVADA NA CAPITAL
OS NUTRICIONISTAS não tem preço, mas custos”. Esta questão poderá revelar-se uma ver-
E AS DOENÇAS CRÓNICAS No consultório privado, de uma maneira dadeira caixa de Pandora. O que achará
As doenças crónicas responsáveis por ele- geral, o paciente só paga no final do ato da ideia a Associação Nacional de Estu-
vados custos diretos e indiretos são outro e, se insatisfeito ou se o prestador assim dantes de Medicina (ANEM)? A resposta
flagelo na população portuguesa. A má o entender, poderá não pagar o serviço. é previsível. No entanto, numa socieda-
ou incorreta alimentação é um factor mo- É o denominado pay-per-satisfaction. de de economia liberal, o direito à livre
dificável em muitas delas, como a diabe- Neste caso, a relação médico-doente não iniciativa privada está consagrado na
tes mellitus, hipertensão arterial, a obesi- pode ser mais direta e transparente, de- Constituição. Assim como a livre circula-
dade e a doença renal crónica, permitindo vendo este tipo de prestação de serviço ção de cidadãos na comunidade europeia
uma intervenção com ganhos óbvios na resistir à “fagocitose” dos grandes grupos tem possibilitado a formação em Medici-
despesa pública a médio e longo prazo, económicos da saúde. na, em variados países, à descendência

16 REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21


que muitos estudos de Saúde Pública e
ações de higienização de mérito têm sido
levadas a cabo nas instituições de saúde
do SNS por parte da enfermagem. O pro-
blema reside na educação geral da popu-
lação, com início na primeira infância.
Quebrar o difícil ciclo da pobreza em Por-
tugal passa por uma melhor educação de
base, com ganhos indiretos garantidos
em saúde no futuro.

A INDÚSTRIA FARMACÊUTICA:
ASSÉDIO E A FALTA DE COMPLIANCE
A regulamentação da presença de repre-
sentantes da indústria farmacêutica nos
serviços clínicos do SNS e seu cumpri-
mento deveria ser alvo de maior atenção
pelas entidades competentes. O assédio,
de diferente natureza, é constante e nem
sempre a compliance é respeitada.
A informação veiculada por estes agen-
tes é naturalmente enviesada, tendo
em consideração a vertente comercial
do seu modelo de negócio. Os denomi-
nados estudos de não inferioridade são
o ex-libris do marketing enganoso. Sem
de quem pode suportar financeiramente entrada para o quadro da função pública entrar em detalhes técnicos, aquele
formação académica no exterior, de ou- provoca adicionalmente o efeito Limpet: tipo de estudo procura induzir a ideia
tra forma impossível por insuficiência mesmo com ferramentas adequadas não de que determinados medicamentos,
interna de requisitos académicos. Com a é fácil removê-las e os sindicatos têm mesmo de classes farmacológicas to-
implementação deste tipo de faculdades sempre a última palavra a dizer. Não talmente distintas, são igualmente
privadas em Portugal, sempre aumen- conheço outra situação com um efeito eficazes e com os meus perfis de segu-
ta o consumo interno das famílias que de classe tão pernicioso, com bloqueio rança. Trata-se de um método óbvio de
o possam suportar e será uma lufada de quem quer efetivamente trabalhar e cartelização.
de ar fresco para as fileiras da cátedra a encontra-se desempregado ou tem de O pricing dos medicamentos exemplifi-
recrutar. A qualidade de formação e as emigrar. Excluindo, porventura, a ques- ca de forma evidente este fenómeno: no
saídas profissionais da “fornada” será o tão da não exclusividade dos médicos a caso da Oftalmologia, existe um dispo-
menos preocupante, uma vez que o risco tempo parcial no setor público, que não sitivo médico de tratamento do edema
poderá não diferir da situação existente fica aquém. macular que consiste num implante de
atualmente nas instituições do SNS pelo A gestão de recursos humanos nas insti- dexametasona, cujo custo por injeção
desequilíbrio conhecido da balança en- tuições do SNS caracterizam-se pelo hu- intravítrea (IIV) para o SNS é de 950 Eu-
tre formandos e formadores. A ideia é no manismo, inclusão e tolerância, proprie- ros e o seu efeito dura 4 a 6 meses. Um
mínimo excitante e no máximo preocu- dades adversas a uma melhor eficácia e laboratório concorrente, desenvolveu
pante; no meio-termo estará a virtude. eficiência de processos. Neste particular, outro implante com um corticosteroide
torna-se difícil mimetizar o modus ope- diferente para IIV, no caso acetonido de
A ENFERMAGEM E AS SINERGIAS randi e modelo de sucesso dos serviços fluocinolona, cuja acção terapêutica pro-
NÃO RENOVÁVEIS privados de saúde. longa-se, teoricamente, por 36 meses.
E todos os serviços de Oftalmologia Qual o preço para o SNS por IIV deste
nos quais trabalhei, o pessoal de en- HIGIENE NA LAVAGEM DAS MÃOS: segundo implante? Aproximadamente
fermagem – lato sensu – tem um perfil FATOR MODIFICÁVEL? 6.000 euros...
comum: desmotivação; incapacidades Muito se apregoa sobre a necessidade Os pseudo-custos da inovação farmaco-
psico-motoras variadas; e problemas psi- de reduzir as taxas de infecções noso- lógica não deveriam ser suportados pelos
quiátricos relacionados com o facto da comiais em Portugal, substancialmente orçamentos de estado para a saúde, mas
atividade dos profissionais de saúde não mais elevadas que na maioria dos paí- sim pelos laboratórios de I&D que lutam
ser considerada de desgaste rápido. A ses da Comunidade Europeia. É certo de forma ávida pelo mercado.

REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21 17


António Branco Nunes
Interno do 4º ano de Medicina Geral
e Familiar

Emigração

Quanto custa
um médico ao país?
RESUMO incluindo burnout1, uma situação preva- aumentou ao longo dos anos; no total,
A insatisfação do médico com as suas lente (estudo efetuado pela Ordem dos 53% dos inquiridos do primeiro ano de
condições de trabalho pode gerar-lhe Médicos concluiu que 41% dos médicos internato colocou a hipótese de emigrar,
problemas de saúde, contribuir para o que responderam a inquérito – 20% dos contra 74% dos inquiridos a frequentar
absentismo, levar a uma menor eficácia inscritos na Secção Regional do Centro o último ano (média de 65% para a tota-
no tratamento dos seus doentes. Pode da Ordem dos Médicos – apresentava si- lidade), 20% referiu que teria escolhido
levar ao burnout. A insatisfação levará à nais de exaustão emocional).2 outro curso, caso pudesse voltar atrás.
procura de alternativas: a emigração, na As razões apontadas pelos inquiridos
esperança de encontrar melhores con- INSATISFAÇÃO: como justificação para ponderar a emi-
dições de trabalho, será uma delas. No CONSEQUÊNCIAS A MÉDIO PRAZO gração, foram de ordem financeira (41%),
entanto, a emigração de profissionais Um estudo divulgado em março de 2015 de falta de oportunidades de trabalho
especializados tem um custo: o custo da na Acta Médica Portuguesa1 revelava que (31%), de falta de emprego (10%).1
educação de um jovem, a que se associa 65% dos médicos recém-formados em
o custo da formação de um médico e o Portugal ponderava emigrar. Este estudo INSATISFAÇÃO:
da sua especialização. Este, uma vez in- baseou-se num inquérito colocado em CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS
tegrado no país de escolha, pode recusar plataforma informática e aplicado entre Em 2014, 1.122 médicos pediram cre-
o regresso. O país perde alguns dos seus maio e agosto de 2014. A este inquérito denciais à Ordem dos Médicos para se
melhores profissionais, não receberá as responderam 804 médicos internos das apresentarem em instituições estran-
remessas daqueles que já não queiram diversas especialidades médicas (corres- geiras (incluindo graduações e estágios).
regressar, perde parte do seu potencial pondendo a 12,25% da totalidade de in- Destes, emigraram 394. Em 2015, emi-
de regeneração geracional e, em última ternos). Da amostra, 77% das respostas graram 475 médicos.3,4
instância, perde parte da sua genética. foram dadas por médicos nos primeiros
três anos da especialidade. Como resul- EMIGRAÇÃO:
INSATISFAÇÃO: tados, 90% dos internos revelaram estar CONSEQUÊNCIAS
CONSEQUÊNCIAS IMEDIATAS satisfeitos com a especialidade escolhi- ECONÓMICAS DIRETAS
A satisfação do médico com a profissão da, 85% com a profissão, 86% com o seu De acordo com um estudo de 2013 do
melhora a qualidade dos cuidados pres- local de trabalho. No entanto, em res- Centre of Economics and Business Re-
tados e, consequentemente, a saúde dos posta à perceção do panorama da prática search para a seguradora Liverpool Victo-
doentes alvo desses cuidados; melho- médica em Portugal, a maioria dos mé- ria, no Reino Unido, o custo de criar um
ra também a satisfação dos utentes.1 A dicos considerou haver uma deteriora- filho até aos 21 anos ronda os 283 mil
insatisfação do médico está associada ção dessa prática, não havendo nenhum euros. Outro estudo, efetuado em Espa-
a uma maior probabilidade deste vir a considerar a existência de melhoria. nha pela organização de consumidores
a ter problemas de saúde, de faltar ao Feita uma análise por ano de internato, CEACCU revela que cada jovem custou
trabalho, de ter problemas psicológicos, a progressão dessa perceção negativa em média entre 98 e 310 mil euros (aos

18 REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21


18 anos). Um estudo português, da Uni- pudessem estar a trabalhar, eventual-
versidade de Coimbra, de 2008, aponta mente integrados. A médio prazo, estes
para gastos por parte de pais portugue- médicos, integrados em países que os
ses de classe média, na ordem dos 236 acolhem com melhores condições estru-
a 678 euros por mês com cada filho (até turais e económicas, poderão criar laços
aos 25 anos) – custo médio de 137.100 € e família e não regressar. Perde o país um
por cada jovem de 25 anos (2008).5 Es- grupo de jovens enérgicos, dinâmicos,
tima-se que a formação de um médico passíveis de ainda criar família e de re-
custe até 400.000 € (incluindo os anos novar gerações. Sentimentos do passado
de internato da especialidade: uma vez de que os emigrantes sempre regressam,
que aqui o médico, apesar de tutelado, já injetando no país parte das suas econo-
está a trabalhar. O valor real será diverso, mias, ajudando a sua recuperação, não
necessitando, para se ser exato, da pro- se aplicam com a mesma intensidade, já
dutividade total do médico em formação, que não tem sido essa a escolha dos que
variável com o indivíduo, com o forma- têm partido.8
dor, com a especialidade).6
Assim, considerando apenas o custo INSATISFAÇÃO MÉDICA E EMIGRAÇÃO:
económico direto (e assumindo que os CONCLUSÃO
custos não se alteraram desde 2008 – os A saída do país de 869 médicos, consi-
custos poderão não ter aumentado sig- derando apenas os anos de 2014 e 2015
nificativamente desde o primeiro ano (até 22 de junho de 2016 tinham emigra-
da atual crise, mas terão diminuído as do mais 1849), corresponde a uma perda
receitas das famílias – segundo o INE, de cerca de 466.739.900 € investidos de
a taxa de poupança das famílias foi ne- acordo com a estimativa referida acima
gativa no primeiro trimestre de 20167), a (média superior a 233 milhões de euros
saída de um médico especialista do país por ano). Estamos a referi-nos a cida-
corresponderá a uma perda estimada de dãos produtivos, em idade de constituir
537.100 € (não entrando em linha de con- família, e – muitos – sem interesse em
ta com a evolução de preços e de receitas regressar (e, por isso de investir as suas essa carência relativa lhes traz poupanças
desde 2008 e excluindo a produtividade poupanças no país). Tal, só nos deve fazer passíveis de serem aplicadas nas melho-
do médico durante o período de interna- repensar se compensa ou não melhorar res condições oferecidas. Afinal, a satisfa-
to na especialidade). as condições de trabalho e a remunera- ção do médico com a profissão melhora a
ção destes médicos, se compensa ou não qualidade dos cuidados prestados e, con-
EMIGRAÇÃO: reduzir o número de vagas no curso de sequentemente, a saúde dos doentes alvo
CONSEQUÊNCIAS medicina e em que medida esta compen- desses cuidados: uma bola de neve que
ECONÓMICAS INDIRETAS sação deve ser feita. Os países que rece- funciona negativamente onde estes se
Custos indiretos, não menos importan- bem gratuitamente os mais de 500.000 € sentem compelidos a sair, positivamente
tes, poderão decorrer do sentimento de correspondentes a cada médico chegado onde se sentem compelidos a ficar.
perda (por parte do próprio, de familiares já concluíram que é preferível não formar Ficam essencialmente os números, es-
e amigos), de alterações no funciona- médicos em excesso, já que estes os pro- quecendo potenciais tragédias pessoais
mento de serviços onde os médicos já curam já formados e especializados, e que e familiares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(ENDNOTES)
1. Martins MJ, Laíns I, Brochado B, Oliveira-Santos M, Teixeira PP, Brandão M, Cerqueira RJ et al, Satisfação com a Especialidade entre os Internos da Formação Específica em Portugal,
Acta Med Port 2015 Mar-Apr;28(2):209-221
2. Marôco J, Marôco AL, Leite E, Bastos C, Vazão MJ, Campos J, Burnout em Profissionais da Saúde Portugueses: Uma Análise a Nível Nacional, Acta Med Port 2016 Jan;29(1):24-30
3. CIESIUL (Observatório da Emigração; Centro de Investigação e Estudos de Sociologia; Instituto Universitário de Lisboa), Lisboa, Emigração subiu: 475 médicos foram trabalhar para
fora no ano passado, Observatório de Emigração, 2016-02-01, [disponível em http://observatorioemigracao.pt/np4/4900.html, visitado em 2016-10-11]
4. Nogueira R, “Não é razoável formar médicos para o desemprego”, Tempo Medicina Online, no 32º Encontro Nacional da Medicina Geral e Familiar, 2015/03/27
5. Silva B, Quanto pesa um filho no orçamento familiar? Saldo Positivo, CGD, 21 julho 2015, [disponível em http://saldopositivo.cgd.pt/quanto-pesa-um-filho-orcamento-familiar/,
consultado em 2016-10-10]
6. EXPRESSO, 65% dos novos médicos pensam emigrar, Expresso, 2015/06/06, pp 25
7. INE, Contas Nacionais Trimestrais por Setor Institucional, 1º Trimestre de 2016, 24 junho 2016, [disponível em
https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=249945700&DESTAQUESmodo=2, visitado em 2016-12-28]
8. CIESIUL (Observatório da Emigração; Centro de Investigação e Estudos de Sociologia; Instituto Universitário de Lisboa), Lisboa, Nova geração de emigrantes já não pensa em regres-
sar, Observatório de Emigração, 2012-08-30, [disponível em http://observatorioemigracao.pt/np4/3221.html, visitado em 2016-10-11]
9. SIC Notícias, Desde o início do ano já emigraram 184 médicos à procura de melhores salários, 2016-06-22, [disponível em http://sicnoticias.sapo.pt/pais/2016-06-22-Desde-o-inicio-
-do-ano-ja-emigraram-184-medicos-a-procura-de-melhores-salarios, visitado em 2016-10-11]

REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21 19


Monteiro, A., Machado,
C., Mesquita, F.
e Nogueira, M.
Técnicos de Radiologia do Centro
Hospitalar do Porto

A importância da Comissão
de Proteção contra Radiações
no contexto da qualidade
do Centro Hospitalar do Porto
RESUMO avaliação das exposições dos doentes a fomentou uma necessidade de criar nor-
Os meios complementares de diagnós- procedimentos específicos com radiação mas e mecanismos de avaliação e con-
tico e terapêutica transformaram-se tem contribuído para reforçar a sensibi- trolo da qualidade nos serviços de saúde.
em ferramentas essenciais para todos lização dos profissionais para os valores (Despacho n.º 5613/2015, de 27 de Maio;
os ramos e especialidades da Medicina. de dose e os seus efeitos. o Despacho n.º 5739/2015, de 29 de
Devido às suas propriedades únicas, a A implementação dos procedimentos da Maio). Na última década os meios com-
radiação ionizante apresenta múltiplas Comissão permite assegurar um melhor plementares de diagnóstico e terapêutica
aplicações terapêuticas. Contudo, pode acompanhamento dos doentes em risco, transformaram-se em ferramentas indis-
também originar potenciais danos para uma maior acuidade na monitorização pensáveis para todas as especialidades da
os utilizadores e para os pacientes. A das doses e uma otimização de protocolos. Medicina. Segundo Mahesh (2011), o re-
quantificação da dose de radiação nos pa- curso a procedimentos radiológicos para
cientes e o tempo de exposição dos proce- 1. INTRODUÇÃO diagnóstico e terapêutica têm determina-
dimentos são uma preocupação crescente A Estratégia Nacional para a Qualidade do um aumento da dose de radiação nos
dos utilizadores. Este trabalho tem como na Saúde 2015-2020 visa assegurar que pacientes, tornando-se numa preocupa-
objetivo apresentar a importância da as funções de governação, coordenação ção constante dos utilizadores.
Comissão de Proteção contra Radiações e ação local, centradas no doente, estão As autoridades internacionais, como o
(CPCR) no contexto da qualidade do Cen- devidamente alinhadas pela mesma re- Comité Científico das Nações Unidas
tro Hospitalar do Porto (CHP). ferência, com respeito pelas dimensões para os Efeitos das Radiações Atómicas,
A CPCR detém múltiplas atividades, es- da efetividade, eficiência, acesso, segu- a Comissão Internacional de Proteção
tando, atualmente, as suas sinergias rança, equidade, adequação, oportunida- Radiológica (ICRP) e a Agência Interna-
direcionadas para a normalização do de, continuidade e respeito pelo cidadão. cional de Energia Atómica (AIEA), reco-
registo de dose no processo clínico dos A pesquisa da qualidade nos serviços de mendam o registo e análise periódica da
pacientes e para a notificação, pelos Téc- saúde deixou de ser um ato isolado e tor- dose de radiação como um fator essen-
nicos de Radiologia, dos eventos radio- nou-se hoje um dado adquirido e categó- cial da proteção radiológica (Heilmaier,
lógicos contemplados nas normas pré- rico. A sociedade está cada vez mais exi- 2017). Tal como Zygmont (2017) compro-
-estabelecidas pela Comissão. gente, no que se refere à qualidade dos va, referindo vários estudos, é primordial
A atribuição à CPCR da competência serviços prestados, fundamentalmente uma ferramenta de notificação de dose,
de identificação, acompanhamento e nas instituições públicas. Esta exigência que informe o utilizador  quando os va-

20 REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21


lores de dose excedem um limiar previa- adversos, considerados nas normas pré- logia”, cujo objetivo foi definir a nomen-
mente definido. -estabelecidas pela Comissão. clatura vigente, bem como esclarecer os
O Centro Hospitalar do Porto, em 2006, parâmetros dos equipamentos utilizados
criou a CPCR com o objetivo de assegu- Quadro legal sobre a proteção e os procedimentos operativos envolvi-
rar o desenvolvimento e implementação radiológica vigente em Portugal dos nesta área. Por outro lado, a este pro-
de políticas e procedimentos de prote- A nível mundial, a radiação ionizante é pósito será importante referir a Portaria
ção contra radiações ionizantes, assim utilizada para geração de imagens de pa- n.º 1106/2009, de 24 de setembro, que
como, garantir a existência de um fórum cientes, intervindo na realização de mais aprovou o regulamento do controlo me-
institucional de consulta, comunicação de 10 milhões de procedimentos na área trológico dos Instrumentos de Medição
e disseminação de informação em ma- da radiologia de diagnóstico, tal como de Radiações Ionizantes. Esta portaria
téria de radiação. Perante um relatório mencionado por Holmberg, Malone et pretendeu regulamentar o controlo me-
de uma dose elevada anormal, quer nos al. (2010). Segundo Johnson (2015), nos trológico dos dispositivos complemen-
profissionais, quer nos pacientes, a CPCR Estados Unidos da América (EUA), o va- tares associados, de forma a registar os
desencadeia um processo de averiguação lor médio de exposição da sua população resultados das medições, permitindo as-
do evento e uma monitorização e acom- à radiação ionizante, com fins médicos, sim o acompanhamento técnico do con-
panhamento do mesmo. Este trabalho trolo metrológico.
tem como objetivo apresentar a impor- Tendo por referência estes dois diplo-
tância da CPCR no contexto do CHP. mas, pode-se dizer que o quadro legal
da proteção radiológica estabelece duas
2. MÉTODOS áreas distintas, a saber: a área do licen-
Este trabalho fundamenta-se numa revi- O papel da Comissão ciamento das unidades de saúde e a área
são da literatura especializada, no qual se de Proteção contra legal da proteção radiológica, sendo este
consultaram as diretivas internacionais e último focado neste trabalho.
artigos de referência na área investigada, Radiações (CPCR) No que respeita à área legal da proteção
e nos procedimentos da CPCR no CHP. é essencial em radiológica deve ser destacado:
A CPCR nasceu em 2006 através da co-
qualquer organismo O Decreto-Lei n.º 167/2002, de 18 de Julho,
laboração de uma equipa multidiscipli- alterado pelo Decreto-Lei n.º 165/2002, de
nar constituída por técnicos e médicos que realize 17 de julho, que veio estabelecer o re-
de Radiologia e de Medicina Nuclear e procedimentos com gime jurídico relativo ao licenciamento
de uma assessoria em física médica. A
sua origem centrou-se na necessidade
radiação ionizante. das unidades prestadoras de serviço nas
áreas de proteção radiológica. Este diplo-
de fomentar uma reflexão incessante, A CPCR garante a ma legal transpôs para a ordem jurídica
sistemática e atenta sobre as questões monitorização dos interna as disposições relativas às maté-
relacionadas com a proteção radiológica. rias de dosimetria e formação determi-
Esta comissão intenta, ao longo do ano
procedimentos nadas pela Diretiva n.º 96/29/EURATOM,
de 2017, coordenar a monitorizar o re- radiológicos do Conselho de 13 de maio de 1996. Esta
gisto de dose no processo clínico dos realizados diretiva fixou as normas de base de se-
pacientes, bem como, organizar e imple- gurança relativas à proteção sanitária
mentar o plano de formação no âmbito da população e dos trabalhadores con-
da proteção radiológica. aumentou cerca de sete vezes no perío- tra os perigos resultantes das radiações
Atenta ao aumento e complexidade dos do compreendido entre 1980 e 2006. De ionizantes (não se aplicando às unida-
procedimentos de radiologia de inter- acordo com o relatório Dose Datamed, de des que prestam serviços de saúde, mas
venção, que por vezes implicam tempos 2 de abril de 2012, a dose média anual antes às entidades que controlam essa
de exposição superiores a uma hora, a em Portugal encontrava-se a meio da ta- atividade, daí a relevância no âmbito
Comissão sentiu necessidade de desen- bela entre os países Europeus (de acordo da proteção radiológica). Relacionado
volver e implementar um sistema que com a classificação da RP 154 em termos com este Decreto-Lei foi publicada uma
permita sinalizar os doentes expostos a de dose média anual Portugal situa-se circular – a Circular Normativa n.º 06/
doses elevadas de radiação ou a outros em linha com a média europeia). DSA de 06/04/2003 da Direção-Geral da
eventos que necessitem ser investiga- Neste contexto, é pertinente apresentar Saúde (DGS) – que trata da proteção ope-
dos, de forma a desencadear o processo o quadro legal sobre a proteção radioló- racional dos trabalhadores expostos, ou
de avaliação de danos diretamente rela- gica vigente em Portugal. seja, concretiza algumas disposições do
cionados com os mesmos. No âmbito da proteção radiológica, em Decreto-Lei n.º 167/2002, de 18 de julho,
Atualmente, as suas sinergias estão di- 10 de dezembro de 2003, foi publicado nomeadamente quanto aos limites de
recionadas para a notificação pelos téc- o Despacho n.º 258/2003, que veio insti- radiação a que os profissionais podem
nicos de Radiologia de todos os eventos tuir o “Manual de Boas Práticas de Radio- estar expostos;

REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21 21


guns artigos: Circular Normativa n.º 16/
DSA de 27/10/2003, da DGS, que procede
ao esclarecimento quanto à aplicação do
referido Decreto-Lei n.º 180/2002, de 8
de agosto, versando esta circular sobre o
entendimento da direção geral de saúde
quanto às dúvidas de interpretação em
matéria de carreira e seu enquadramen-
to funcional; Circular Normativa n.º 14/
DSA de 30/10/2002, da DGS, relativa à
aplicação do Decreto-Lei n.º 180/2002,
de 8 de agosto, que reflete o entendi-
mento da DGS quanto a dúvidas de in-
terpretação relativamente à aplicação do
n.º 6 do artigo 10.º, do n.º 4 do artigo 34º,
dos artigos 39º e 96º, e do anexo I – Pro-
grama de formação;
O Decreto-Lei n.º 140/2005, de 17 de
agosto, que determina os valores de
dispensa de declaração do exercício de
práticas que impliquem risco resultante
das radiações ionizantes, transpondo as
correspondentes disposições previstas
na Diretiva nº 96/29/EURATOM, do Con-
selho, de 13 de maio;
O Decreto-Lei n.º 222/2008, de 17 de no-
vembro, que fixa as normas de segurança
de base relativas à proteção sanitária da
população e dos trabalhadores contra os
perigos resultantes das radiações ionizan-
tes, transpondo parcialmente para a or-
dem jurídica interna a Diretiva n.º 96/29/
O Decreto-Lei n.º 165/2002, de 17 à intervenção em caso de emergência EURATOM, do Conselho, de 13 de maio;
de julho, alterado pelo Decreto-Lei radiológica, transpondo para a ordem O Decreto-Lei n.º 227/2008, de 25 de no-
n.º 215/2008, de 10 de novembro e pelo jurídica interna as disposições do título vembro, que estabelece três níveis de qua-
Decreto-Lei n.º 30/2012, de 9 de feverei- IX, «Intervenção», da Diretiva n.º 96/29/ lificação para os profissionais de proteção
ro, que estabelece os princípios gerais EURATOM, do Conselho, de 13 de maio; radiológica. Este decreto transpõe para a
de proteção, bem como as competências O Decreto-Lei n.º 180/2002, de 8 de ordem jurídica interna as disposições cor-
dos organismos intervenientes na área agosto, alterado pelo Decreto-Lei respondentes em matéria de peritos qua-
da proteção contra radiações ionizantes. n.º 215/2008, de 10 de novembro, que lificados, previstas na Diretiva n.º 96/29/
Este diploma transpõe para a ordem ju- estabelece as regras relativas à proteção EURATOM, do Conselho, de 13 de maio;
rídica interna as disposições correspon- da saúde das pessoas contra os perigos Por fim, sobre esta temática, refere-
dentes da Diretiva n.º 96/29/EURATOM, resultantes de radiações ionizantes em -se que a Diretiva 2013/59/EURATOM,
do Conselho, de 13 de maio, que fixa as exposições radiológicas médicas e trans- de 5 de dezembro de 2013, que “fixa as
normas de base de segurança relativas põe para o ordenamento jurídico inter- normas de segurança de base relativas à
à proteção sanitária da população e dos no a Diretiva n.º 97/43/EURATOM, do proteção contra os perigos resultantes da
trabalhadores contra os perigos resultan- Conselho, de 30 de junho. Esta Diretiva exposição a radiações ionizantes”, e que
tes das radiações ionizantes. As normas aproxima as disposições dos Estados- revoga as Diretivas EURATOM 89/618/,
constantes no Decreto-Lei n.º 165/2002, -Membros sobre esta matéria e estabe- 90/641/, 96/29/, 97/43/ e 2003/122/,
de 17 de julho, aplicam-se a todas as prá- lece os critérios de aceitabilidade que as terá que ser transposta para a legislação
ticas suscetíveis de envolverem risco de instalações radiológicas devem observar nacional até 6 de fevereiro de 2018.
exposição a radiações ionizantes ou de quanto ao seu planeamento, organiza-
contaminação radioativa; ção e funcionamento. Na sequência des- Efeitos biológicos da radiação
O Decreto-Lei n.º 174/2002, de 25 de ju- te decreto foram publicadas circulares Os riscos associados à radiação ionizan-
lho, que estabelece as regras aplicáveis normativas para esclarecimento de al- te são conhecidos há quase tanto tempo

22 REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21


como a própria radiação. Um ano após a alterações genéticas afetam as células Segundo diversos autores – Mahesh
descoberta da radiação X por Röentgen, gonadais e são suscetíveis de gerar ano- (2001b) e Rehani et al. (2010) – há mui-
foi relatada a primeira morte relaciona- malias na descendência. tas causas comuns que podem alterar
da com a exposição à radiação. Claren- · Efeitos determinísticos circular – a Circu- a dose de radiação dos pacientes e dos
ce Dally, assistente de Thomas Edison, lar Normativa n.º 06/DSA de 06/04/2003 utilizadores. Todos os procedimentos
que passava horas a criar experiências da Direção-Geral da Saúde (DGS) – que que reduzem a dose do paciente tam-
em frente ao fluoroscópio, desenvolveu levam à morte celular e estão diretamen- bém irão diminuir a dose do utilizador,
uma dermatite aguda que resultou na te associados à dose recebida, sendo o mas o inverso não é verdadeiro. Os pro-
sua morte (Brodsky and Kathren, 1989). aparecimento do efeito dependente de se fissionais podem utilizar os aventais de
O conhecimento dos mecanismos de atingir um determinado limiar de dose. A chumbo, óculos plumbíneos ou outros
ação da radiação ionizante é basilar probabilidade de ocorrência e a severida- tipos de proteção, podendo reduzir a
para a gestão do risco radiológico. De de do dano está diretamente relacionada sua própria dose de radiação, mas esses
acordo com Mahesh (2001a) a noção de com o aumento de dose. As alterações dispositivos de proteção não reduzem a
fatores como a utilização adequada dos que surgem destes efeitos são conside- dose do paciente. Em algumas situações,
equipamentos de proteção individual, o radas somáticas, ou seja, em células que uma sensação de segurança por parte
tipo e o tempo de exposição usados, e a não estão diretamente envolvidas num dos utilizadores pode levar à negligência
apropriada ponderação dos seus efeitos processo de multiplicação. A ação destes na proteção dos pacientes.
secundários a nível biológico, são man- efeitos pode ocorrer em diferentes zonas, A dosimetria do paciente é um proces-
datórios na vigilância e controlo da ex- como por exemplo: nas células (ADN), na so complexo devido ao tipo de radiação
posição à radiação. pele (radiodermites), no cristalino (catara- utilizada, à diversidade de técnicas para
Tal como Stecker, Balter et al. (2009) re- tas) e no sangue (anemia). obtenção da imagem e às diferentes mo-
ferem, os efeitos da radiação ionizante O princípio ALARA (as long as reasonably dalidades e duração de exposição. Os re-
podem dividir-se em estocásticos e de- achievable) deve estar permanentemen- latórios de dosimetria são por vezes um
terminísticos: te presente na mente dos utilizadores de verdadeiro desafio, devido às várias uni-
• Efeitos estocásticos – causados por radiação ionizante. Este princípio, como dades e grandezas utilizadas (Scott 2014).
uma alteração aleatória no ADN de uma citado por Vano et al. (2015), defende que De acordo com Balter et al. (2012), o ob-
única célula que continua a multiplicar- a exposição à radiação deve ser tão baixa jetivo da gestão de dose é minimizar o
-se, levando à transformação celular. quanto razoavelmente exequível, man- risco de radiação para o paciente, de for-
Nestes efeitos não existe limiar de dose, tendo o valor diagnóstico. Desta forma, ma a reduzir os efeitos determinísticos
uma vez que o dano é independente da devem-se adotar metodologias que mini- e estocásticos. Os limites estabelecidos
dose recebida. O aumento da dose so- mizem a dose de radiação ionizante ab- são considerados suficientemente bai-
mente aumenta a probabilidade e não sorvida pelos pacientes e profissionais, xos para evitar os efeitos mutagénicos e
a severidade do dano. Os efeitos heredi- mantendo-a dentro dos limites estabele- carcinogénicos. O quadro 1 apresenta a
tários são efeitos estocásticos porque as cidos pela ICPR. relação entre os potenciais efeitos da ex-
posição à radiação e os limiares de dose
associados a cada um.

Quadro 1: A relação entre os potenciais efeitos da exposição à radiação Monitorização de dose


e os limiares de dose associados (Wagner et al., 1998) Na opinião de Chida et al. (2010), a mo-
nitorização da dose de radiação é fun-
EFEITOS POTENCIAIS DA EXPOSIÇÃO À RADIAÇÃO IONIZANTE damental para os programas de contro-
Efeito Limiar de dose (Gy) Tempo de latência lo de qualidade dos equipamentos que
utilizam radiação X de forma a medir ou
Eritema transitório 2 2-24h
estimar as doses a que estão submetidos
Eritema grave 6 ~ 1.5 semanas os pacientes, ou seja, estabelecer a dosi-
Epilação temporária 3 ~ 3 semanas metria do paciente.
Um dos principais pontos da monitori-
Epilação permanente 7 ~ 3 semanas
zação da dose de radiação é o acompa-
Descamação seca 14 ~ 4semanas nhamento personalizado da dose por
Descamação húmida 18 ~ 4semanas
exame e a dose total a que o paciente foi
submetido, levando o pessoal médico a
Ulceração secundária 24 ≥ 6 semanas avaliar as razões para o excesso de dose
Eritema tardio 15 8-10 semanas e a procurar soluções de melhoria. Além
disso, a monitorização da dose aumenta
Cancro de pele Desconhecido ≥ 15 anos
a conscientização do pessoal médico na

REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21 23


qualquer prejuízo para o paciente devido
aos efeitos secundários da radiação.
No fim do procedimento, o responsável
pela monitorização da dose deve efetuar
o seu registo no processo clínico do pa-
ciente, sempre que os valores limite fo-
rem ultrapassados. O paciente é instruí-
do para informar o médico se verificar
alguma alteração na área irradiada. O
seguimento clínico é o passo seguinte,
caso no autoexame surjam achados de
efeitos determinísticos (Stecker et al.
2009, Balter 2014).

3. RESULTADOS
A CPCR deve assegurar um nível adequado
de recursos, tais como pessoal, instalações
e equipamentos para garantir que há con-
requisição de novos exames (Heilmaier, trolo de qualidade das doses de radiação.
2017). De acordo com alguns autores e A monitorização de dose não se deve
prática em alguns países, deve ser dado cingir à blindagem das instalações e dos
ao paciente um consentimento informa-
do sobre os efeitos da radiação, em parti-
A utilização e equipamentos, mas também à monitori-
zação da radiação. A garantia da qualida-
cular quando a dose esperada do proce- disseminação da de é um componente essencial de qual-
dimento possa ser elevada (Balter, 2012). radiação ionizante quer programa de monitorização.
Em Portugal, nos procedimentos em que A CPCR tem diversos projetos em fase de
é utilizada radiação X, a monitorização
em procedimentos implementação: garantir a uniformiza-
da radiação é da responsabilidade do téc- médicos de ção das doses pediátricas e o registo das
nico de radiologia e do radiologista. No diagnóstico, mesmas no processo clínico; realização
CHP encontra-se em fase de implemen- de ações de formação multidisciplinares
tação a notificação da dose pelo técnico
terapêutica e rastreio sobre proteção radiológica; criação de um
de radiologia, sempre que a mesma exce- conduziram a um manual de boas práticas com níveis de re-
da os valores limite pré-definidos.
aumento considerável ferência de doses adequados aos equipa-
Durante os procedimentos em que é uti- mentos e procedimentos do serviço.
lizada fluoroscopia de forma dinâmica, da exposição da Encontra-se em fase de implementação
o utilizador é notificado quando a dose população. Assim, a a notificação da dose pelos técnicos de
no doente atingiu os 2 Gy, valor este que
proteção radiológica radiologia. Foi criada uma sequência de
confirma os dados atuais que referem procedimentos de forma a registar e ava-
que as reações da pele podem ocorrer em assume um papel liar os efeitos secundários da radiação
pacientes sensíveis dentro de horas após preponderante na ionizante (Esquema 1).
terem recebido essa dose. Como men- O papel da CPCR é essencial em qual-
cionado por Stecker et al. (2009) e Balter
gestão hospitalar quer organismo que realize procedi-
et al. (2010) nas unidades que só podem mentos com radiação ionizante. A Co-
monitorizar tempo de fluoroscopia, o missão garante a monitorização dos
utilizador é notificado quando o total procedimentos radiológicos realizados.
de tempo de fluoroscopia atinge os 30 Desempenha o papel de supervisão
minutos, estando referenciado que em sobre todos os fatores envolvidos na
alguns casos podem surgir lesões para exposição à radiação, tais como: a pro-
tempos de exposição de 60 minutos. teção radiológica dos profissionais pré,
A suspensão de um procedimento devi- peri e após os procedimentos; a prote-
do ao excesso de dose de radiação é pou- ção dos pacientes desenvolvendo fer-
co provável, tal como referem Stecker et ramentas para garantir que o princípio
al. (2009) e Balter (2014), uma vez que o ALARA é aplicado; verificar se o regis-
benefício clínico de um procedimento to de dose da exposição é efetuado,
bem sucedido quase sempre é superior a desencadeando um alerta sempre que

24 REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21


os limites de dose estabelecidos são
atingidos ou ultrapassados. Garante,
ainda, que são desencadeadas ações
de averiguação na presença de expo-
sições indevidas, de forma a avaliar a Paciente
gravidade das mesmas e desenvolver
as medidas corretivas e/ou preventivas Resposta Notificação
a implementar. ao Dep. da dose pelo
Esta comissão coordena o programa de Qualidade técnico
controlo de qualidade dos equipamen- Risco
tos radiológicos, a avaliação da proteção
radiológica das instalações e o licencia-
mento de equipamentos, gere a forma-
ção no âmbito da proteção radiológica,
audita práticas e processos e monitoriza
as doses de radiação dos procedimentos Dep.
Avaliação Qualidade
mais complexos. dos efeitos risco
Para a CPCR estas atividades visam con-
tribuir para melhorar os cuidados em
Comissão
saúde e consequentemente originar ga-
Proteção
nhos em saúde. Estes são conseguidos
contra as
através da monitorização da dose dos radiações
pacientes, da manutenção e garantia da
segurança dos doentes e profissionais,
da identificação de comportamentos de
risco, da aprendizagem contínua e da Esquema 1: Sequência de procedimentos de notificação de doses desde o
valorização e reconhecimento das con- paciente até à avaliação e resposta da CPCR (Elaborado pelos autores)
sequências futuras desta problemática.

4. CONCLUSÃO preponderante na gestão hospitalar. assegurar um melhor acompanhamento


O crescente desenvolvimento das no- A atribuição à CPCR da competência de dos doentes em risco, uma maior acui-
vas tecnologias, a utilização e dissemi- identificação, acompanhamento e ava- dade na monitorização das doses e uma
nação da radiação ionizante em pro- liação das exposições dos doentes sina- otimização dos protocolos. A CPCR tem
cedimentos médicos de diagnóstico, lizados após procedimentos de fluoros- como projeto a implementação de um
terapêutica e rastreio conduziram a um copia, contribuiu para reforçar a sensibi- procedimento de registo, no processo
aumento considerável da exposição da lização dos profissionais para a cuidada clínico, de todas as doses de radiação a
população a radiação ionizante. Assim, gestão da dose para o paciente e para os que o paciente é submetido no decurso
a proteção radiológica reveste-se da seus efeitos. A implementação dos pro- da sua avaliação diagnóstica e terapêuti-
maior importância e assume um papel cedimentos referidos no artigo permite ca no CHP.

REFERÊNCIAS
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Brodsky, A. and R. L. Kathren (1989). “Historical development of radiation safety practices in radiology.” Radiographics 9(6): 1267-1275.
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Heilmaier,C., et al. (2017). “Establishing Local Diagnostic Reference Levels in IR Procedures with Dose Management Software.” Journal of Vascular and Interventional Radiology
28(3): 429–441
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Mahesh, M. (2001a). “The AAPM/RSNA physics tutorial for residents - Fluoroscopy: Patient radiation exposure issues.” Radiographics 21(4): 1033-1045.
Mahesh, M. (2001b). “Fluoroscopy: patient radiation exposure issues.” Radiographics 21(4): 1033-1045.
Rehani, M. M., et al. (2010). “ICRP Publication 117. Radiological protection in fluoroscopically guided procedures performed outside the imaging department.” Ann ICRP 40(6): 1-102.
Relatório sobre o projecto Dose Datamed 2 Portugal. In Portugal/Relatorio_Dose_Datamed2_Portugal.pdf, acedido em 29/01/2016.
Stecker, M. S., et al. (2009). “Guidelines for patient radiation dose management.” J Vasc Interv Radiol 20 (7 Suppl): S263-273.
Scott, A. M. (2014). “Current issues in radiation dose monitoring and reporting.” Radiol Technol 85(5): 501-516; quiz 517-520.
Vano, E., et al. (2015). “Implications in medical imaging of the new ICRP thresholds for tissue reactions.” Ann ICRP 44(1 Suppl): 118-128
Wagner LK, Archer BR.(1998) “Minimizing Risks from fluoroscopic X- rays”, 2nd ed.
Houston, TX:Partners in Radiation Management.
Zygmont, M., et al. (2017). “Radiology Research in Quality and Safety: Current Trends and Future Needs.” Acad Radiol. 24(3):263-272.

REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21 25


Paulo J. S. Costa
Enfermeiro
Mestre em Enfermagem na Área de
Especialização Gestão de Unidades
de Cuidados da Escola Superior de
Enfermagem de Coimbra

Gestão do conhecimento em organizações de saúde

Um conceito indispensável
para a gestão em
Enfermagem
INTRODUÇÃO IMPACTO NAS ORGANIZAÇÕES jectivos traçados; estrutura organi-
Contemporaneamente, vivemos numa E DINÂMICAS ORGANIZACIONAIS zacional, com a revisão e criação das
sociedade do conhecimento onde este Não é clara a forma como as organi- estruturas organizacionais passíveis de
é a fonte de qualidade e poder/domí- zações podem gerar e gerir o seu co- criar um fluxo de conhecimento para
nio. Num mundo onde os mercados, nhecimento, sendo deficitária a sua a transferência de boas práticas em
produtos, tecnologias, competidores e compreensão. Identifica-se um fraco termos horizontais e verticais; gestão
até as sociedades se transformam ve- reconhecimento da dinâmica inerente do desempenho, com a definição e co-
lozmente, a inovação contínua e o co- ao processo de criação e GC por parte municação de objectivos, indicadores
nhecimento que permite tal inovação dos intervenientes organizacionais, e metas do programa de GC, focando
tornaram-se fontes vantajosas para sendo este processo comummente, a atenção dos stakeholders para políti-
uma competição sustentável (Nonaka, e de forma errada, associado a meros cas de recompensa e reconhecimento;
Toyama e Konno, 2000). processos de gestão de informação cultura organizacional, na medida em
A emergência do conceito de Gestão (Cardoso, 2007). que se deverá ter em consideração cul-
do Conhecimento (GC) e a sua actual Para Walker (2006) apud Santos (2008) turas e valores partilhados pelos atores
relevância prendem-se com a impor- o sucesso de um programa de GC as- organizacionais de forma a assegurar
tância atribuída pelas organizações senta, em parte, num processo de uma participação adequada pelos mes-
à capacidade de identificar quais os implementação composto por doze mos; tecnologia, incidindo em formas
atributos responsáveis pela criação e pontos-chave a serem tidas em aten- que visam o suporte do programa de
manutenção de conhecimento, reco- ção pelos gestores: proposição de valor, GC, que deverão estar integradas nas
nhecendo-lhe valor, raridade, inimita- com a definição, clarificação e comuni- infraestruturas organizacionais e pla-
bilidade e insubstituibilidade (Cardo- cação de benefícios e aspectos críticos taformas informáticas; criação de co-
so, Gomes e Rebelo, 2003). Todavia, e relativo à adopção de um programa nhecimentos, com a clarificação dos
de acordo com Frederico e Cruz (2015), estruturado junto dos stakeholders de atores organizacionais de que tipo de
embora o conceito de GC seja reco- forma a motivar e envolver os mesmos; conhecimentos são valiosos para a
nhecido e aceite, este ainda se encon- alinhamento estratégico, com a esti- organização, qual o âmbito e propó-
tra envolto numa “franca opacidade”, pulação das necessidades da organi- sito da sua criação, que recursos são
quanto ao seu conteúdo e natureza zação, considerando-se as estratégias necessários na consecução deste pro-
efetiva do seu significado e potencial fundamentais e criação das condições cesso, entre outros; definição da estru-
de aplicabilidade. indispensáveis à consecução dos ob- tura dos conhecimentos, de forma a

26 REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21


garantir a sua reutilização; revisão do cassez dos mais diversos recursos, em
conhecimento, com estipulação dos prol da eficiência e sustentabilidade
recursos e processos necessários à re- dos sistemas de saúde (Cruz, 2013; Fre-
visão, armazenamento e segurança do Embora tenha derico e Cruz, 2015).
conhecimento criado; reutilização do Em Portugal, e num período onde susten-
conhecimento, estipulando-se o modo
surgido inicialmente tabilidade económica e medidas econo-
como os atores organizacionais devem em setores de micistas imperam no SNS, a implemen-
procurar conhecimento e reutilizá-lo, mercado altamente tação de programas de GC apresentam-se
clarificando processos de transferên- cada vez mais como uma alternativa viá-
cia de conhecimento entre os mesmos;
competitivos, vel e promissora que podem constituir
vitalidade da base de conhecimentos, actualmente a gestão uma eventual opção estratégica (Cruz,
esclarecendo-se os processos de arma- do conhecimento 2013). Segundo a autora, são várias as
zenamento, segurança e integridade da vantagens que advêm da implementa-
base de conhecimentos atual, assim
apresenta-se como ção da GC em instituições em saúde, en-
como a utilização da mesma em fun- uma necessidade tre elas: o apoio à tomada de decisão dos
ção das alterações do meio envolvente;
operacional transversal profissionais; a redução dos erros clínicos
e monitorização do meio envolvente, e, consequente, diminuição dos custos
no sentido de assegurar que o progra- a qualquer organização associados aos mesmos; fomento à coo-
ma de GC encontra-se perfeitamente peração entre profissionais e estímulo a
alinhado com a estratégia delineada inovação; promoção da melhoria da qua-
pela organização e constantes pressões lidade dos cuidados; promoção da apren-
internas e externas à mesma. da pressão constante e crescente para dizagem organizacional; promoção de
Embora tenha surgido inicialmente em aumentar a produtividade e diminuir uma prática baseada na evidência; pro-
setores de mercado altamente compe- os custos associados aos cuidados, com moção da difusão das melhores práticas
titivos, actualmente a GC apresenta-se flexibilidade e prontidão de resposta e, (com um aumento na rapidez das respos-
como uma necessidade operacional por outro lado, da procura incessante tas associado) e melhoria do desempenho
transversal a qualquer organização. No de melhoria da qualidade dos cuidados organizacional na sua generalidade.
caso concreto das organizações de saú- e diminuição dos erros clínicos, num Em Portugal, e no âmbito do setor públi-
de, o interesse por esta temática advém período fortemente marcado pela es- co, a gestão de informação é fortemente

REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21 27


apoiada por um conjunto de sistemas e normalizada implementação de um
informáticos geridos pela Administra- Sistema de Informação em Enfermagem
ção Central do Sistema de Saúde (ACSS), com recurso a um registo de atividades
que coexistem a nível particular de cada de enfermagem uniformizado, através Em Portugal, e no
instituição de saúde, as quais podem da utilização da Classificação Internacio-
apresentar sistemas próprios desenvol- nal para a Prática de Enfermagem. Pro-
âmbito do setor
vidos ou adquiridos posteriormente. São gramas promissores como o Sistema de público, a gestão
exemplos o Sistema de Apoio ao Médico Classificação de Doentes em Enferma-
de informação é
(SAM), o Sistema de Apoio à Prática de gem (SCD/E) apresentam-se enquanto
Enfermagem (SAPE), o Sistema de Ges- ferramentas facilitadoras da GC em to- fortemente apoiada
tão de Doentes Hospitalares (SONHO), o dos os níveis organizacionais. Os dados por um conjunto
Sistema de Informação para as Unidades
de Saúde (SINUS) e o Registo de Saúde
e informações disponibilizados podem
auxiliar Enfermeiros e Gestores Hospita-
de sistemas
Electrónico (RSE), entre outros (Frederico lares na optimização de recursos de en- informáticos geridos
e Cruz, 2013; Frederico e Cruz, 2015). fermagem disponíveis, identificação ne- pela Administração
De acordo com Frederico e Cruz (2013), cessidades em recursos de enfermagem,
e no caso concreto da Enfermagem, têm adequação a dotação de Enfermeiros em
Central do Sistema
vindo a ser desenvolvidas orientações serviços/departamentos e até no planea- de Saúde
no sentido de se promover uma correta mento de cuidados. Todavia, é imperati-
vo que todos os atores organizacionais
sejam ativos na sua utilização, e que os
mecanismos e finalidades de todos os cuja interacção entre diferentes interve-
processos sejam transparentes e avalia- nientes, o tipo de actividades e especifi-
dos regularmente para efeitos de contro- cidade de tarefas envolvidas, o elevado
lo de qualidade. Os Sistemas de Informa- grau de desenvolvimento técnico-cientí-
O novo mercado ção e Classificação não são uma fonte de fico dos atores organizacionais e o tipos
conhecimento por si só; é a sua análise de produtos e bens oferecidos é patente.
global de saúde e compreensão que capacita os atores As organizações em Saúde constituem
apresenta, de organizacionais, a nível administrativo, um destes exemplos, sendo crucial aos

forma sem intermédio e operacional, na resolução gestores em saúde reconhecerem as van-


de problemas ou criação de novas alter- tagens desta vertente da Gestão de forma
precedentes, uma nativas sustentáveis e competitivas. a assegurarem a eficácia e eficiência dos
realidade marcada serviços, a rentabilidade dos variados re-

pela competição CONCLUSÃO cursos, a produtividade dos departamen-


tos, a qualidade dos cuidados de saúde
de instituições As estratégias organizacionais são es- prestados e a satisfação dos profissionais
públicas e privadas, tratégias de conhecimento, na medida e utentes, atingindo os objectivos macro
em que resultam de decisões e esco- e micro traçados. O novo mercado global
onde a inovação e lhas, conscientes ou não, baseadas no de saúde apresenta, de forma sem pre-
sustentabilidade são conhecimento dos atores organizacio- cedentes, uma realidade marcada pela
imprescindíveis para nais, principalmente gestores. Ainda que competição de instituições públicas e
transversal a todas as organizações, a privadas, onde a inovação e sustentabi-
a sobrevivência e implementação de programas de GC tor- lidade são imprescindíveis para a sobre-
obtenção de utentes na-se vital para organizações complexas, vivência e obtenção de utentes.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Cardoso L., Gomes, A. D., & Rebelo, T. - Gestão do conhecimento: Dos dados à informação e ao conhecimento. Comportamento organizacional e Gestão, 1(9), 55-84. 2003.
Cardoso L., Gomes, A. D., & Rebelo, T. - Para uma conceptualização e operacionalização da gestão do conhecimento. Psychologica, 38 23-44. 2005.
CRUZ, S. - Gestão do conhecimento em instituições de saúde com diferentes modelos de gestão (Tese de Doutoramento). Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real. 2013.
[Consult. 26 de Abril de 2016] Disponível em WWW: <http://hdl.handle.net/10348/3392>
Frederico, M. & Cruz, S. - Gestão do conhecimento e Tecnologias da Informação e Comunicação em Instituições Públicas de Saúde: um estudo em Enfermeiros. [Em linha] Revista
Investigação em Enfermagem. 2013. [Consult. 19 Abril 2016] Disponível em WWW: <https://www.researchgate.net/publication/281936307_Gestao_do_conhecimento_e_tecnolo-
gias_da_informacao_e_comunicacao_em_instituicoes_publicas_de_saude_um_estudo_em_enfermeiros>
Frederico, M. & Cruz, S. - Perceção de cultura organizacional e de gestão do conhecimento em hospitais com diferentes modelos de gestão. [Em linha] Revista Referências. Coimbra.
2015. [Consult. 19 Abril 2016] Disponível em WWW: <http://dx.doi.org/10.12707/RIV14065>
Santos, A. - Gestão Estratégica: conceitos, modelos e instrumentos. Escolar Editora. Lisboa, 2008. ISBN 978-972-592-229-3

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LIVROS

STAKEHOLDER THEORY
AND HEALTH CARE ORGANIZATIONS
(ADVANCES IN HEALTH CARE MANAGEMENT)
Autores: Grant T. Savage, Mattia J. Gilmarti
Edição/reimpressão: Kindle 2017
Sinopse: As conceived by the founding editors, John D. Blair, Myron D. Fottler, and
Grant T. Savage, the series provides a forum for leading research on health care
management. Publishing biannually, one volume each year is devoted to the state-of-the-art in
HCM and comprises review papers, while the second volume focuses on a specific topic and is
devoted to empirical research studies of interest to scholars and practitioners.  
Advances in Health Care Management publishes research on all types of health care service
and health care-related organizations, so long as it focuses on research questions of interest to
the broad discipline of management.

STRATEGIC THINKING IN A HOSPITAL SETTING


(SPRINGERBRIEFS IN PUBLIC HEALTH) 

Autores: A. L. Hamdan
Edição/reimpressão: Springer 2017
Sinopse: Translating the realities of healthcare reform and healthcare costs into competitive hospital
practice is the goal of this accessible, jargon-free guide. Taking its cue from Michael Porter’s highly-
regarded business strategies, it offers a sound framework for hospitals looking to develop efficient,
patient-centered service delivery, identifying keys to clinical, administrative, and marketing success.
The book organizes business and clinical priorities where they intersect so that physicians throughout
healthcare systems can understand their role in building and sustaining innovation, and leverage their
strengths and system resources toward meeting patient needs. 

REVISTA PORTUGUESA DE GESTÃO & SAÚDE • N.º 21 29


WWW.SPGSAUDE.PT

www.spgsaude.pt – “Um palco pri- atualidade, sendo uma página aberta Aberta à participação de todos os in-
vilegiado de discussão de todos os com a possibilidade de comentar e teressados.
assuntos que se relacionam com a discutir os assuntos em causa. A Sociedade Portuguesa de Gestão
gestão da saúde em Portugal”. É uma página de acesso fácil, pes- de Saúde encontra-se também nas
É publicada diariamente informação quisa rápida e completa, inclui revis- redes sociais: www.facebook.com/
considerada relevante que se relaciona tas das edições anteriores, links e spgsaude
com a gestão da saúde no nosso país. livros sugeridos, entre outras infor- Adira à página e receberá toda a infor-
Dá destaque às principais notícias da mações. mação de forma rápida e atualizada.

Sede Provisória:
Avenida Cidade de Montgeron, 212
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