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38 economia & história: relatos de pesquisa

O Café no Primeiro Jornal do Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro,


de 1808 a 1810
Luciana Suarez Lopes (*)

A cafeicultura começa a se desen- do mercado de diversos gêneros foi o aumento do consumo tanto na
volver em território brasileiro logo agrícolas aqui produzidos, tais Europa como nos Estados Unidos,
no início do século XVIII, quando, como, além do já mencionado açú- por conta do final das guerras na-
trazido da região das guianas por car, o algodão, o arroz e o tabaco. poleônicas e pela melhoria geral do
Francisco de Melo Palheta, o cafe- Todavia, passado esse momento nível de vida nos Estados Unidos.
eiro é introduzido no país. Segundo de recuperação, a economia colo- O segundo fator relaciona-se com
Canabrava, “em 1731 era cultivado nial volta a seu estado anterior de a desarticulação da produção de
em quintais e sítios dos arredores de decadência, momento em que o gêneros tropicais nas Antilhas, em
Belém (PA) e no Maranhão. Peque- café surge como alternativa às an- especial no Haiti. (Cf. FURTADO,
nas quantidades, nessa época, já se tigas lavouras. (Cf. PRADO JÚNIOR, 2007, cap. 16)
encaminhavam em direção a Portu- 2008, cap. 10; FURTADO, 2007, cap.
gal”. (CANABRAVA, 2004, p. 105) 16) A boa aceitação do produto no Segundo Canabrava, a experiência
mercado externo passa então a cafeeira no espaço fluminense foi
Na segunda metade do Setecentos, servir de incentivo aos senhores de de extrema importância para o
o café chega à antiga Capitania do engenho, que aos poucos passam a posterior sucesso da cafeicultura
Rio de Janeiro, onde começa a ser produzir, ainda que de forma não no Brasil. Vindo do Maranhão, o
plantado nos arredores da cidade exclusiva, o café. café havia chegado na capitania do
e à beira das estradas, sempre em Rio de Janeiro na década de 1760,
pequena escala, não raro como Não é difícil compreender por que a passando a ser cultivado em poma-
arbusto exótico e ornamental, já cultura do café substituiu a da cana- res e hortas nos arredores da capi-
que suas folhagens verde-escuro -de-açúcar nas grandes proprieda- tal, Vale das Laranjeiras e encostas
brilhante, suas f lores brancas e des. Em primeiro lugar, a demanda do Morro da Tijuca.
perfumadas, e seus frutos verdes mundial de café era bastante mais
e vermelhos, chamavam a atenção Contudo, a experiência com as
acentuada do que a do açúcar em
por sua beleza e singularidade. plantações miúdas e a lenta con-
quase toda a primeira metade do
quista do espaço ganhavam signi-
séc. XIX. Além disso, os custos de
Não obstante, a demanda interna- ficação da maior transcendência.
cional pelo produto permaneceu produção eram um pouco mais
Constituía-se, deste modo, na Ca-
maior do que a do nosso tradicional baixos. O café exigia menos mão-
pitania do Rio de Janeiro, através
gênero de exportação na época, o -de-obra. (DEAN, 1977, p. 42-43)
desses anos difíceis de adaptação
açúcar. Após a decadência da mine-
ração e a diminuição dos fluxos de Durante o final do século XVIII e a da planta, um núcleo de mudas
ouro para a metrópole, a economia primeira metade do século XIX, o e sementes, e acumulou-se um
brasileira passou por um breve crescimento da demanda mundial conjunto de normas com respeito
período de euforia comercial, cau- por café foi estimulado principal- ao seu plantio e beneficiamento.
sado pela recuperação temporária mente por dois fatores. O primeiro (CANABRAVA, 2004, p. 106)

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Formava-se assim uma sólida base de Estado dos Negócios Estran- estabelecimento, examinava o con-
técnica de procedimentos que iam geiros e da Guerra; e atendendo à teúdo de todos os textos enviados
desde o plantio até o ensacamento necessidade que há da oficina de para a publicação, vetando aqueles
do produto, dando condições para impressão destes meus Estados: considerados inadequados, que
que a cafeicultura se desenvolvesse atentassem contra o governo, a re-
sou servido, que a casa, onde eles
rapidamente durante o século XIX. ligião ou os costumes da época. (Cf.
se estabeleceram, sirva interina-
A experimentação era o método BETTAMINO, 2019)
mente de Impressão Régia, onde
mais comum de se obter conhe-
cimento sobre a planta, de região se imprimam exclusivamente Em 10 de setembro de 1808, das
para região ocorriam pequenas toda a legislação e papéis diplo- oficinas da Impressão Régia saía o
adaptações, mas algumas técnicas máticos, que emanarem de qual- número um da Gazeta do Rio de Ja-
eram sempre utilizadas, confir- quer Repartição do meu real ser- neiro, considerado o primeiro jornal
mando sua eficácia. viço; e se possam imprimir todas, do Brasil. Dirigido pelo frei Tibúrcio
e quaisquer outras obras; ficando José da Rocha, a Gazeta compilava
Passado o período de adaptação, o e divulgava notícias publicadas em
interinamente pertencendo o seu
cultivo do café em larga escala foi jornais europeus, enfatizando os
governo e administração à mesma
estimulado pela chegada da família principais acontecimentos da guer-
Secretaria. D. Rodrigo de Souza
real em 1808, mais especificamen- ra, o estado de saúde dos príncipes
te com a transferência de capitais Coutinho, do meu Conselho de
europeus, as comemorações e festas
promovida pela chegada da Corte. Estado, Ministro e Secretário de
da corte, anúncios diversos de com-
Além do capital vindo diretamente Estado dos Negócios Estrangeiros
pra e venda e alguma propaganda,
de Portugal, os excedentes gerados e da Guerra, o tenha assim enten- além de
pelo desenvolvimento comercial do dido, e procurará dar ao emprego
Rio de Janeiro também contribuí- da Oficina a maior extensão, e lhe [...] documentos oficiais, publican-
ram para a expansão dos cafezais. dará todas as Instruções e Ordens do, principalmente, aqueles emiti-
Posteriormente, os lucros da pró-
necessárias e participará a este dos pela Secretaria de Estado dos
pria cafeicultura passaram a ser
respeito a todas as Estações o que Negócios Estrangeiros e da Guerra,
reinvestidos na atividade, e depois
de 1850 os capitais liberados pela mais convier ao meu real serviço. à qual pertencia por privilégio. Da
extinção do tráfico de escravos Palácio do Rio de Janeiro em 13 de mesma forma, sistematizava as
também passaram a ser direcio- maio de 1808. Com a rubrica do notícias das entradas e saídas de
nados para a expansão do café. (Cf. Príncipe Regente Nosso Senhor. embarcações no porto, informando
CANABRAVA, 2004, p. 107-108) (IMPÉRIO DO BRASIL, 1891, p. a procedência, o número de dias
29-30) da viagem e, eventualmente, as
E no mesmo ano da transferência mercadorias transportadas. (BET-
da Corte para o Brasil, por meio Até a independência, a Impressão TAMINO, 2019)
de norma datada de 13 de maio de Régia foi a única tipografia exis-
1808, é criada a Impressão Régia tente no Brasil. Era encarregada de Pensando no contexto descrito
no Brasil, imprimir a legislação produzida, anteriormente, o de introdução e
fabricar livros em branco para es- adaptação do café no Brasil, sua
Tendo-me constado, que os prelos crituração, encadernar impressos chegada ao Rio de Janeiro, seu cul-
que se acham nesta Capital, eram e editar livros. Possuía uma junta tivo nos arredores da capital; na
os destinados para a Secretaria diretora que, além de gerenciar o transferência da Corte, na criação

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da Impressão Régia e no início da imprensa do Brasil de uma centena de vezes, em três principais tipos de
com a publicação da Gazeta, buscamos por meio da ocorrência: notícias relacionadas à guerra na Europa;
consulta nas primeiras edições do periódico analisar informes de entrada e saída de navios; e anúncios de
as menções que são feitas ao café. Considerando os venda de propriedades suburbanas com pequenos
anos iniciais do jornal, a palavra café aparece mais cafezais.

Imagem 1 – Primeira Página da Primeira Edição do Jornal Gazeta do Rio de Janeiro

Disponível em: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_periodicos/gazeta_rj/gazeta_rj_1808/gazeta_rj_1808_001.pdf. Acesso em: 18 de julho


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Dos três conjuntos de ocorrências, Índia serve por quina, etc. (Jornal rização da propriedade, indicações
aquele composto pelos informes de Gazeta do Rio de Janeiro, edição de sobre o responsável pela comer-
entrada e saída de navios – numeri- 16 de dezembro de 1809) cialização da propriedade, assim
camente os mais expressivos – são como um breve relato sobre suas
os que contêm menos informações Na segunda notícia, um tanto quan- culturas e recursos naturais. A
para os propósitos do presente to pitoresca e curiosa, fica claro descrição dos cafezais, com raras
artigo, constituindo-se meramente que para alguns a substituição su- exceções, é vaga, indicando apenas
por breves notas contendo apenas gerida anteriormente do café pela serem muitos ou poucos os arbus-
o nome do navio, origem/desti- raiz da chicória não era suficiente. tos existentes, e não se menciona
no da embarcação, e os produtos Publicada originalmente no jornal se estes já estão produzindo café
transportados, mas sem qualquer Courier, de Londres, em 14 de de- ou não.
indicação de quantidades. Todavia, zembro de 1810 e reproduzida aqui
as ocorrências encontradas em na edição da Gazeta de 3 de abril de Quem quiser comprar um sítio com
notícias reproduzidas de jornais 1811, casas de vivenda, um grande arvo-
europeus e nos anúncios, apesar de redo, seu bananal, muitas mandio-
escassas, são mais interessantes. Os médicos desta Capital [Londres] cas, imensidade de árvores de café
Por essa razão, separamos alguns declaram, que havia pessoas, que com 52 braças de terra própria, e
exemplos, analisados a seguir. não podiam deixar o café, sem que a 250 de sertão, belíssimas vargens
sua saúde sofresse, e que nenhuma para arroz, como também 5 escra-
Com relação às notícias europeias outra bebida o podia substituir. Em vos; fale com o R. José Caetano da
reproduzidas pela Gazeta, desta- consequência propôs-se, que fosse Terra morador da mesma fazenda
camos duas. Na primeira podemos permitido aos Boticários, o ter café em S. Gonçalo, junto do caminho,
verificar a escassez e a carestia de
em sua casa, e aos Médicos o recei- que vai para as Sete-Pontes, e para o
alimentos, assim como as dificul-
tar uma onça por dia às pessoas, Engenho Pequeno, ou com Joaquim
dades enfrentadas pela população
que não pudessem passar sem ele. de Andrade morador na Praia de D.
por conta do conflito, que nessa
(Jornal Gazeta do Rio de Janeiro, Manoel no seu armazém. (Jornal
época já se arrastava por anos. Na
edição de 03 de abril de 1811) Gazeta do Rio de Janeiro, edição de
Gazeta publicada em 16 de dezem-
bro de 1809, aumento de preços e 8 de março de 1809)
Com relação aos anúncios, vemos
substituição de gêneros. Quem quiser comprar 700 braças
claramente o que havia sido relata-
de terra no Rio de S. Pedro de Acaé
do por Canabrava no clássico texto
O açúcar refinado vende-se pre- com 40 pés de café, e uma légua
sobre a Grande Lavoura publicado de fundos, procure na rua dos Pes-
sentemente a 800 réis a libra, e o
na coleção História Geral da Civili- cadores nº 4 a Bernardo José de
açúcar bruto de inferior qualidade
zação Brasileira: o cultivo do café Figueiredo. (Jornal Gazeta do Rio
a 55 soldos. Em alguns cantões
nos arredores do Rio de Janeiro, de Janeiro, edição de 15 de julho
onde se há vinhas para substituir
em pequenos sítios e chácaras, de 1809)
este artigo, faz-se uma espécie de assim como sua progressão para Vende-se uma Chácara na Praia
xarope, fazendo ferver o mosto da uma escala maior, em regiões mais Vermelha junto à Fortaleza com
uva doce, e isto vende-se até 20 afastadas da cidade. uma boa casa de vivenda, estriba-
soldos a garrafa. A raiz de chicória, ria, e casas separadas para escra-
não obstante a sua amargura, supre Nos anúncios de sítios e chácaras, vos, um grande pomar de espinho
o café, a casca do castanheiro da encontramos uma breve caracte- de todas as qualidades, muito café,

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e boa água. Quem a quiser comprar E num último caso, com o qual en- Referências
fale com Diogo Barboza Rego mo- cerramos o presente artigo, encon-
rador na rua de trás do Hospício tramos uma propriedade um pouco
BETTAMINO, Rafaella. Imprensa no período
no Beco das Cancelas, n. 6. (Jornal maior, com café, escravos e mais joanino. Biblioteca Nacional Digital, 2019.
Gazeta do Rio de Janeiro, edição de distante da cidade, num dos distri- Disponível em: https://bndigital.bn.gov.
15 de novembro de 1809) br/exposicoes/dom-joao-vi-e-a-bibli-
tos da Corte. O caráter comercial e
oteca-nacional-o-papel-de-um-legado/
exportador da produção pode ser
Contudo, em meio aos anúncios de imprensa-no-periodo-joanino/. Acesso
observado tanto pela presença de em 18 de julho de 2019.
pequenos sítios ou chácaras é pos-
escravos como pelo informe espe-
sível encontrar alguns indicando já CANABRAVA, Alice Piffer. A grande lavoura.
cífico da distância existente entre a In HOLANDA, Sérgio Buarque de. História
ter a cafeicultura adquirido feições
propriedade e o porto de embarque Geral da Civilização Brasileira. Tomo II – O
de grande lavoura, com produção
da produção. Brasil Monárquico. Volume 6 – Declínio
destinada não mais ao consumo e Queda do Império. Rio de Janeiro: Ber-
familiar ou local, mas sim ao mer- trand Brasil, 2004, p. 103-162.
Quem quiser comprar uma Fazenda
cado externo. Nesse sentido, vemos DEAN, Warren. Rio Claro. São Paulo: Paz e
de terras próprias com 610 braças
propriedades maiores, e maior Terra, 1977.
de testada, e meia légua de fundos,
detalhamento com relação ao ta- FURTADO, Celso. Formação econômica do
com escravos, e benfeitorias, que
manho do cafezal. Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,
consta de plantações de Café, dis- 2007.
Vende-se uma boa Fazenda na tante do porto do embarque légua PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do
Freguesia do Pilar Iguaçú, com 400 e meia, em distrito desta Corte, fale Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2008.

braças de testada, e 800 de sertão, com Francisco Pereira de Mattos,


muitos matos, algumas plantações, morador na rua da Cadeia, n. 41, ou
casa de sobrado com alguns trastes, com Maria da Assumpção Torres,
um engenho de mandioca, 1.000 e na rua de S. Pedro, n. 70. (Jornal
tantos pés de café, e 500 e tantos Gazeta do Rio de Janeiro, edição
de vários arvoredos de espinho: de 20 de março de 1811)
quem a quiser comprar, dirija-se
à rua Detraz-do-Carmo, n. 23, no Fontes
estanque: o dono é acomodado
para a venda da dita. (Jornal Gazeta
Hemeroteca da Biblioteca Nacional Digital
do Rio de Janeiro, edição de 16 de Brasil. Acervo do Jornal Gazeta do Rio de
dezembro de 1809) Janeiro. Disponível em: https://bndigital.
Francisco José de Souza, morador bn.gov.br/hemeroteca-digital/. Acessos
no período entre 01 e 18 de julho de 2019.
na rua dos Ourives n. 47, tem para
vender um sítio com casa de viven- IMPÉRIO DO BRASIL. Coleção das Leis do
da, e de fazer farinha, com os seus Império do Brasil de 1808. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1891. Disponível em:
competentes aprestes, com 12.000
https://www2.camara.leg.br/atividade-
pés de café, e arvoredos de espinho. legislativa/legislacao/doimperio/cole- (*) Professora Associada do Departamento de
(Jornal Gazeta do Rio de Janeiro, cao1.html. Acesso em: 18 de julho de Economia da FEA/USP.
edição de 19 de setembro de 1810) 2019. (E-mail: lslopes@usp.br).

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