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MLR 2017 Obr. Solidárias, Divisíveis e Indivisíveis
MLR 2017 Obr. Solidárias, Divisíveis e Indivisíveis
SECÇÃO II
- Obrigações solidárias
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impondo. Assim como pode exigir a prestação integral apenas a um dos devedo—
res, o credor também pode não o fazer, n'atando a obrigação solidária como se
fosse parciâria (art. 519.°, n.° 1, 1.“ parte). Todavia, o devedor solidário a quem se
exija uma parte da prestação pode sempre, se assim o entender, realizar a pres-
tação por inteiro (art. 763.º, n.º 2).
A faculdade que é atribuída ao credor, na solidariedade passiva, é a de exigir
a prestaçâo integral a qualquer dos devedores. Assim, e retomando o exemplo
de há pouco, numa dívida de € 900 que vincule três devedores a três credores,
se apenas os devedores forem solidários, cada um dos três credores apenas pode
exig'r-lhes € 300, podendo fazê-lo, na íntegra, a qualquer dos devedores (se se
aplicar a presunção de igualdade do art. 516.º). Temos três feixes ou vínculos
interligados: cadaum dos devedores deve pagar os € 900 ao conjunto dos três
credores. Perante cada um deles, isoladamente, cada um dos devedores só deve
pagar € 300. No entanto, se os três credores decidirem exig'r a sua quota-parte
da prestação ao mesmo devedor, este não pode defender-se perante o segundo
ou o terceiro alegando que já pagara os seus € 300 ao primeiro credor.
4. A solidariedade afiva também cria uma faculdade na esfera de cada um dos
credores, nada lhes impondo. Assim como podem exig'r a prestação integral ao
devedor, os credores também podem não o fazer, tratando a obrigação solidária
como se fosse parciária (salvo se liver sido estabelecida em beneficio do deve-
dor: art. 528.°, n.° 2, 2.“ parte). O devedor a quem um credor solidário exija ape-
nas a sua quota-parte da prestação também pode sempre, se assim o entender,
realizar a prestação por inteiro (art. 763.º, n.° 2).
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dade passiva, quer na ativa (n.“ 2). Não está apenas em causa a possibilidade
de, nas relações internas entre devedores ou entre credores, serem diferentes
as quotas—partes da dívida ou do crédito assumido. Essa diversidade, que aqui
também se permite, já resultaria do disposto no art. 516.º. E há que concatená-la
com a necessária identidade da prestação a que todos os devedores solidários se
vinculam, já que todos respondem por ela na íntegra, ou que todos os credores
solidários tém a faculdade de em'g'r. Significa isto que a diversidade de conteúdo
reHetir-se-á apenas, necessariamente, nas relações internas.
O preceito também permite a deãnição de regras diversas nas relações entre
os devedores solidários e o(s) respetivo (s) credor(es), ou entre os credores
solidários e o(s) respetivo (s) devedor(es). Pode algum devedor ter prestado
mais garantias do que os restantes, ou pode um dos credores beneficiar de mais
garantias do que os demais. Podem estipular-se locais diferentes para o cumpri-
mento. Podem sujeitar-se apenas alguns dos vínculos a um termo ou condição.
Podem impor-se encargos a alguns dos credores, e não aos restantes.
As situações em que a diversidade de regimes entre os diversos vínculos
obrigacionais que se estabelecem não obedecem ao requisito da identidade da
prestação já não são de verdadeira e própria solidariedade. Será, quando muito,
de solidariedade imprópria a situação em que a um dos devedores solidários
é negada a legitimidade processual passiva: v.do DL n.°
o art. 64.º, n.“ 1-a),
surgr na esfera de quem não chegara a tomar-se um devedor solidário uma obri-
gação de regresso perante o único devedor imcial: v. o art. l4.º, n.º 1, da Lei n.°
67/2007, de 31 de dezembro (responsabilidade civil extracontratual do Estado).
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meramente supletivo, for afastado por lei especial ou por estipulação das partes.
Sobre as obrigações parciárias, v. a anotação ao art. 512.°.
É parcialmente distinto o reg'me das obrigações plurais de natureza comer-
cial,que determina, supletivamente, a sua solidariedade passiva (art. 100.°
CCom). No silêncio da lei quanto ao lado ativo, será de aplicar, também às obri-
gações comerciais, o disposto no art. 513.º.
2. São os seguintes os casos em que, no próprio CC, se estabelecem regimes
de solidariedade passiva: arts. 184.º, n.º l, 198.°, n.” 1, 200.°, n.ºª 1 e 2, 467.“, 497.°,
507.°, 595.°, n.” 2, 901.°, 997.°, n.º 1, 1009.º, 1017.º, n.º 2, 1139.°, 1169.°, 1342.º, n.º 1,
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final, sempre terão de partilhá-la com os demais credores. Só assim não será se,
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nas relações internas, se verificar que o credor afetado pela invocação do meio
de defesa não u'nha direito a manter na sua esfera nenhuma parte da prestação.
Pode resultar, quer de lei especial, quer de estipulação das partes uma distri-
buição desigual do crédito ou da dívida entre os respetivos credores ou devedo-
res solidários. No limite, essa distribuição pode atribuir a um deles a totalidade
do crédito, ou da dívida (parte final do preceito). Nas relações internas entre
os devedores solidários, quando a dívida pertence apenas a um deles, apenas
esse responderá por ela, reconhecendo-se ao(s) devedor(es) solidário(s) que,
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nas relações externas, responda(m) por uma dívida alheia ao abrigo da solida-
riedade um direito de regresso contra o devedor a quem a dívida respeita pela
totalidade do que haja pago.
Na solidariedade passiva, em tais situações o estabelecimento da solidarie-
dade desempenha uma função de garantia: o devedor solidário que, nas relações
internas, não é titular de nenhuma parte da dívida assume-a todavia perante
o credor/lesado, para que este conte com dois (ou mais) patrimônios como
garantia geral desta obrigação. Em todos estes casos, o estabelecimento da soli-
dariedade reconduz-se, assim, a uma modalidade de garanu'a pessoal, situada
algures entre a assunção cumulativa e &dejussória de dívida (ãança). Em caso
de insolvência do devedor que, internamente, responderia pela totalidade da
dívida, o prejuízo permanece na esfera do devedor garante, assim prevalecendo
a proteção do lesado. Vejam-se, como exemplos, o art. 500.°, n.ºª 1 a 3 (primeira
parte), e o art. 901.°.
2. O disposto no art. 516.° tem aplicação ao saldo das contas bancárias soli-
dárias.Nas relações internas enua os vários contitulares, presume-se que todos
terão uma pretensão a idêntica percentagem do saldo, quer este seja positivo,
quer seja negativo. Perante o banco, todos eles respondem na íntegra por um
saldo negativo, e todos podem exig'r na íntegra o pagamento de um saldo posi-
tivo. A solidariedade não abrange as relações com terceiros, designadamente
credores de algum dos conn'tulares, aplicando-se em tais casos a presunção de
igualdade, com possibilidade de ilisão, nos termos gerais. O mesmo é dizer que
só serão bens penhoráveis os direitos de crédito na parte que caiba, nas rela—
ções internas, ao património em causa. Distingue-se, pois, entre a titularidade
da conta e a da quota-parte do direito de crédito, ou do dever de prestar, que
incide sobre o respetivo saldo, consoante este seja positivo ou negativo.
3. Ás obrigações parciárias, quando divisíveis, aplica-se a regra paralela cons-
tante do art. 534.°.
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SUBSECÇÃD II
- Solidariedade entre devedores
ªutomóvel).
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impondo. Assim como pode exig'r a prestação integral apenas a um dos deve-
dores, a maiore ad minus o credor também pode não o fazer, tratando a obrigação
solidária como se fosse uma obrigação parciária e em'g'ndo-lhe apenas a quota-
-pa.rte que internamente lhe compete, ou qualquer outra parte, maior ou menor
do que a que lhe compete (n.º l, l.‘ parte). Todavia, o devedor solidário a quem
se exija uma parte da prestação, qualquer que seja essa parte, pode sempre, se
assim o entender, realizar a prestação por inteiro (art. 763.°, n.° 2).
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credor, quer contra o devedor que nela tenha tomado parte. Só assim não será se
ou parcial do pedido, se basear, na parte favorável,
a decisão, de absolvição total
em meio de defesa pessoal do devedor em causa. Nesse caso, a decisão não é
invocável porque, na verdade, não aproveitada aos demais devedores, ainda que
em abstrato fosse invocável. Pense-se, p. ex., numa decisão de anulação do negó-
cio jurídico com fimdamento na menoridade do devedor demandado a0 tempo
da sua celebração. Sendo o outro devedor maior de idade à data da prática dos
factos, a decisãode anulação apenas diz respeito, necessariamente, à parte do
negócio jurídico respeitante ao devedor menor de idade, não podendo o deve-
dor maior fazer uso desse meio de defesa, e tão-pouco podendo aproveitar os
efeitos de semelhante decisão.
2. Se apenas um devedor demandado judicialmente pelo cre-
solidário for
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a remissão (arts. 863.° a 867.°) e a confusão (arts. 868.º a 873.°) são causas de
2; e com a ressalva do disposto no art. 526.º, n.º 1). O mesmo se diga em relação
à confusão: se um dos devedores solidários vier a assumir a posição de credor,
mantém-se o direito relativamente aos demais devedores solidários, na respetiva
quota-parte, e não na íntegra, porque nas relações internas há que respeitar a
proporção da dívida que a cada um deve caber (art. 869.°, n.° 1).
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dade da dívida, naturalmente que este pode exercer o seu direito de regresso
contra os restantes devedores. Admitindo que internamente eles respondem
pela dívida em partes iguais, caberia ao devedor interpelado recuperar € 750.
Agora suponhamos que o credor apenas em'ge ao primeiro devedor o paga-
mento de € 700. Dejure condendo, seria de admitir uma regra que, em obediên-
cia ao princípio da igualdade, determinasse uma divisão do prejuízo em partes
iguais. Não é o caso: não se reconhece ao devedor interpelado o direito de exi-
gir em todos os casos o reembolso de do que pagou. Ele pode apenas exigir o
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que pagou além da parte que lhe competia, ou seja, no caso em apreço, € 450.
Mas já lhe é imposto que trate os demais devedores por igual, não podendo
exigir mais a uns do que a outros, até perfazer os € 450 (por analog'a com o
disposto no art. 526.“).
2. Um problema &equente, mesmo em textos legais, é a confusão entre os
insu'tutos do direito de regresso e da sub-rogação legal ou convencional (arts.
589.º a 594.º). Ambos os fenómenos ocorrem em resultado do cumprimento de
uma obrigação. Em vários sistemas jurídicos, nem existe a distinção. No entanto,
um direito novo, que surge no contexto das
entre nós, o direito de regresso é
obrigações solidárias sempre que um devedor satisfaz o direito do credor além
da parte que internamente lhe compete, e não o resultado de uma transmissão,
ainda que de fonte legal, de um direito de crédito primitivamente constituído
noutra esfera jurídica — a do credor originário.
Diferença importante: sendo um direito novo, não pode o devedor que nada
pagou invocar contra o que pagou tudo a exceção de prescrição da obrigação de
que ambos eram devedores solidários, pois a obrigação de regresso é distinta
da primeira, dando azo à contagem de um novo prazo de prescrição. Em rigor,
a primeira obrigação nâo chegaria a prescrever, pois extinguira—se no momento
do seu cumprimento. Nesse caso, o devedor que nada pagou só poderia fugir ao
regresso se a própria obrigação de regresso prescrevesse.
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devedor tenha deixado, sem culpa sua, de opor ao credor o meio comum de
defesa, salvo se a falta de oposição for imputável ao devedor que pretende
valer-se do mesmo meio.
medida em que só por negligência sua lhe não tenha sido possível cobrar a
parte do seu condevedor na obrigação solidária.
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namente lhes competia, quer perante o credor, quer perante os demais devedo-
res. Só assim não será em caso de insolvência ou impossibilidade de prestação de
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algum dos restantes devedores, caso em que a solidariedade renasce para efeitos
do exercício do direito de regresso, cabendo-lhe suportar a sua quota-parte do
prejuízo decorrente da insolvência ou impossibilidade de prestação do ouU'o
devedor (art. 526.°, n.° 1).
538.°, n.° 1). Nos demais casos, as partes podem afastar esta permissão, iden-
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-lhe o que recebeu além da parte que lhe competia, ou seja, no caso em apreço,
€450. Mas já lhe é imposto que trate os demais credores por igual, não podendo
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an'ibuír mais a uns do que a outros, antes devendo entregar a cada um €150 (por
analog'a com o disposto no art. 526.º).
3. Se o credor accipiens vir o seu direito satisfeito por causa distinta do cum-
primento, nem por isso deixa de dever entregar aos demais credores aquilo a
que têm direito, ou seja, a sua quota-parte na prestação originária, e não o que
aquele recebeu em sua substituição.
MARGARIDA LIMA REGO
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parciaridade, visto que para as solidárias existe o reg'me especial do art. S20.º.
o direito de em'gi-la por inteiro; mas o devedor, enquanto não for judicial-
mente citado, só relativamente a todos, em conjunto, se pode exonerar.
2. O caso julgado favorável a um dos credores aproveita aos outros, se o
contitulares faça valer o direito em causa, sem que à contraparte seja lícito opor-
-lhe que este não lhe pertence por inteiro.
Embora qualquer credor, individualmente, possa exígu- o cumprimento ao
devedor, nas prestações que carecem de um recetor, se o credor as exig'r extra-
judicialmente, o devedor só se exonera se cumprir perante todos os credores.
A regra não se aplica às prestações que não carecem de recetor (v. a anotação ao
art. 528.°).
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Nota sobre a secção em geral: 1. Em rigor, não são as obrigações que são genéri—
cas,mas as coisas que são objeto destas obrigações de dare que o são. A fimgibilidade
das coisas que consútuem objeto dos contratos determina especialidades importan-
tes de regime, em especial quando se trate de contratos com efeitos reais. Se bem
que alguns autores entendam que as coisas aqui consideradas não são fungíveís,
por esta categoria ter que ver “com a sua consideração usual no tráfego, enquanto
a classiãcação entre obrigações genéricas e especfficas resulta antes do acordo das
panes” (Luís M. T. de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 13.“ ed., Coimbra,
Almedina, 2016, p. 127), não pode deixar de se considerar a observação um erro,
ANA PRATA
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