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LIVRO II -

TÍTULO I - DAS OBRIGAÇÓES EM GERAL

SECÇÃO II
- Obrigações solidárias

SUBSECÇÃO I-nisposições gerais

Bibliogaâa geral: M. GOMES DA SILVA, “Da solidariedade nas obrigações”, Separata da


RPDUL, Ano IV, 1947; A. VAZ SERRA, “Pluralidade de devedores ou de credores” inBM]
n.º 69, 1957, pp. 37 a 352; e n.° 70, 1957, pp. S a 240.

ARTIGO 5l2." -Noção


A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela
l.

prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores


tem a faculdade de ezdgr, por si só, a prestaçâo integral e esta libera o deve-
dor para com todos eles.
2. A obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores esta-

rem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser


diferente o conteúdo das prestações de cada um deles; igual diversidade se
pode verificar quanto à obrigação do devedor relativamente a cada um dos
credores solidários.

l. As obrigações plurais seguem regimes distintos consoante, segundo


um primeiro critério, devam qualificar-se como divisíveis ou indivisíveis e, de
acordo com um segundo critério, sejam qualiãcáveis como parciárias ou solidá-
rias. Quanto à primeira classíãcação, v. os arts. 534? a 538.°. Quanto à segunda,
os arts. 512.º a 533.°.
A obrigação diz-se solidária, do lado passivo, quando o credor pode exigir a
prestação integral a qualquer dos devedores, e a prestação integral que qualquer
um deles realize libera os demais (n.º 1). Nas relações internas, o devedor que
prestou vê constituir-se na sua esfera um direito de regresso perante os demais
devedores (art. 524.°).
2. Ã obrigação solidária opõe—se a obrigação parciária, a que também usa
chamar-se obrigação conjunta, que é aquela em que, havendo uma pluralidade
de credores ou de devedores, a cada um deles cabe apenas uma parte do crédito
ou do débito comum. Na parciatidade passiva, o(s) credor(es) só pode(m) efigr
a cada um dos devedores a realização da respetiva quota-parte da prestação. Na
parciaridade ativa, cada um dos credores também só pode exigir a quota-parte
da prestação que individualmente lhe caiba ao(s) devedor(es). Nas obrigações
parciárias, tudo se passa quase como se entre a pluralidade de credores e/ou
devedores existisse, na verdade, uma pluralidade de obrigações: as obrigações

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ART. 512.º

parciárias subdividem-se em tantos vínculos parcelares quanto o número de fei-


xes relacionais que se formam enn'e as respetivas partes, todos eles gozando de
alguma autonomia perante os demais.
Por exemplo, numa dívida de € 900 que vincule três devedores a três credo-
res, a obrigação de pagamento, se parciária, subdivide-se num total de nove fei-
xes ou vínculos obrigacionais, pois para cada credor constituem—se três relações
autónomas, respetivamente com cada um dos devedores. Supletivamente, cada
um desses vínculos será de € 100 (art. 534.º).
A relativa autonomia de que goza cada um desses vínculos obrigacionais
explica a desnecessidade de consagração de regras próprias para regular tais

obrigações, aplicando-se, simplesmente, a cada um dos vínculos obrigacionais


que se formam entre cada um dos credores e cada um dos devedores, em tais
o regime jurídico da obrigação, sem mais, embora as vicissitudes
circunstâncias,
de uns possam ter repercussões nos restantes, permitindo, p. ex., a invocação da
exceção de não cumprimento ou o exercício do direito à resolução do contrato.
A solidariedade passiva cria uma faculdade na esfera do credor, nada lhe
3.

impondo. Assim como pode exigir a prestação integral apenas a um dos devedo—
res, o credor também pode não o fazer, n'atando a obrigação solidária como se
fosse parciâria (art. 519.°, n.° 1, 1.“ parte). Todavia, o devedor solidário a quem se
exija uma parte da prestação pode sempre, se assim o entender, realizar a pres-
tação por inteiro (art. 763.º, n.º 2).
A faculdade que é atribuída ao credor, na solidariedade passiva, é a de exigir
a prestaçâo integral a qualquer dos devedores. Assim, e retomando o exemplo
de há pouco, numa dívida de € 900 que vincule três devedores a três credores,
se apenas os devedores forem solidários, cada um dos três credores apenas pode
exig'r-lhes € 300, podendo fazê-lo, na íntegra, a qualquer dos devedores (se se
aplicar a presunção de igualdade do art. 516.º). Temos três feixes ou vínculos
interligados: cadaum dos devedores deve pagar os € 900 ao conjunto dos três
credores. Perante cada um deles, isoladamente, cada um dos devedores só deve
pagar € 300. No entanto, se os três credores decidirem exig'r a sua quota-parte
da prestação ao mesmo devedor, este não pode defender-se perante o segundo
ou o terceiro alegando que já pagara os seus € 300 ao primeiro credor.
4. A solidariedade afiva também cria uma faculdade na esfera de cada um dos

credores, nada lhes impondo. Assim como podem exig'r a prestação integral ao
devedor, os credores também podem não o fazer, tratando a obrigação solidária
como se fosse parciária (salvo se liver sido estabelecida em beneficio do deve-
dor: art. 528.°, n.° 2, 2.“ parte). O devedor a quem um credor solidário exija ape-
nas a sua quota-parte da prestação também pode sempre, se assim o entender,
realizar a prestação por inteiro (art. 763.º, n.° 2).

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Lrvno u . Tt'rULo I
— ms onchÇOEs EM GERAL

No exemplo de há pouco, se os credores também forem solidários, cada um


deles pode em'g'r os € 900 a cada um dos devedores solidários. No entanto, é
claroque o dinheiro já pago por algum devedor a algum credor exoneraria os
demais, pelo que o devedor abordado só pagaria o que mais ninguém pagara. Se
apenas os credores forem solidários, mas não os devedores, cada um dos credo—
res conu'nua a € 900, mas terá de pedi-los aos três devedores,
poder exigir os
pois cada um só responde por € 300 (art. 534.“).
5. Admjte-se a diversidade de conteúdo ou de regime, quer na solidarie-

dade passiva, quer na ativa (n.“ 2). Não está apenas em causa a possibilidade
de, nas relações internas entre devedores ou entre credores, serem diferentes
as quotas—partes da dívida ou do crédito assumido. Essa diversidade, que aqui
também se permite, já resultaria do disposto no art. 516.º. E há que concatená-la
com a necessária identidade da prestação a que todos os devedores solidários se
vinculam, já que todos respondem por ela na íntegra, ou que todos os credores
solidários tém a faculdade de em'g'r. Significa isto que a diversidade de conteúdo
reHetir-se-á apenas, necessariamente, nas relações internas.
O preceito também permite a deãnição de regras diversas nas relações entre
os devedores solidários e o(s) respetivo (s) credor(es), ou entre os credores
solidários e o(s) respetivo (s) devedor(es). Pode algum devedor ter prestado
mais garantias do que os restantes, ou pode um dos credores beneficiar de mais
garantias do que os demais. Podem estipular-se locais diferentes para o cumpri-
mento. Podem sujeitar-se apenas alguns dos vínculos a um termo ou condição.
Podem impor-se encargos a alguns dos credores, e não aos restantes.
As situações em que a diversidade de regimes entre os diversos vínculos
obrigacionais que se estabelecem não obedecem ao requisito da identidade da
prestação já não são de verdadeira e própria solidariedade. Será, quando muito,
de solidariedade imprópria a situação em que a um dos devedores solidários
é negada a legitimidade processual passiva: v.do DL n.°
o art. 64.º, n.“ 1-a),

291/2007, de 21 de agosto (seguro obrigatório de responsabilidade civil automó-


vel). Ou em que a solidariedade surge apenas num segundo momento, fazendo

surgr na esfera de quem não chegara a tomar-se um devedor solidário uma obri-
gação de regresso perante o único devedor imcial: v. o art. l4.º, n.º 1, da Lei n.°
67/2007, de 31 de dezembro (responsabilidade civil extracontratual do Estado).

MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGO 513.“ - Fontes da solidariedade


A solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei
ou da vontade das partes.

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ART. 514.“

As obrigações plurais de natureza civil são parciárias, salvo se este regime,


l.

meramente supletivo, for afastado por lei especial ou por estipulação das partes.
Sobre as obrigações parciárias, v. a anotação ao art. 512.°.
É parcialmente distinto o reg'me das obrigações plurais de natureza comer-
cial,que determina, supletivamente, a sua solidariedade passiva (art. 100.°
CCom). No silêncio da lei quanto ao lado ativo, será de aplicar, também às obri-
gações comerciais, o disposto no art. 513.º.
2. São os seguintes os casos em que, no próprio CC, se estabelecem regimes

de solidariedade passiva: arts. 184.º, n.º l, 198.°, n.” 1, 200.°, n.ºª 1 e 2, 467.“, 497.°,

507.°, 595.°, n.” 2, 901.°, 997.°, n.º 1, 1009.º, 1017.º, n.º 2, 1139.°, 1169.°, 1342.º, n.º 1,

1695.º, n.º 1, e 2128.°. Embora sem determinar novas situações de solidariedade

passiva, estabelece—se aínda a aplicabilidade das respetivas regras os arts. 649.°,


n.° l, e 650.º, n.° 1.

3. A estipulação negocial de um regime de solidariedade segue as regras

gerais, aplicando-se-lhe o disposto nos arts. 217.º e ss.

MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGD 514.“ - Meios de defesa


l. O devedor solidário demandado pode defender-se por todos os meios
que pessoalmente lhe competem ou que sâo comuns a todos os conde-
vedores.
2. Ao credor solidário sâo oponíveis igualmente nâo só os meios de
defesa comum, como os que pessoalmente lhe respeitem.

Na solidariedade passiva, cada um dos devedores só pode opor ao credor,


l.

designadamente com o propósito de paralisar a exigência da prestação ou de


justificar a sua não realização, meios de defesa fundados na sua própria relação
com o credor, que a lei qualifica como meios que pessoalmente lhe competem,
ou que digam respeito, simultaneamente, a todos os devedores (n.° l). É exem-
plo dos primeiros a anulabilidade de um negócio jurídico com fundamento na
menoridade de um dos devedores solidários ao tempo da celebração (arts. 125.º
e 287.°, n.° 1). Será exemplo dos segundos a nulidade do negócio jurídico por
falta de forma (arts. 220.º e 286.º).
A contrario, não são invocáveis contra o credor, por um devedor solidário, os
meios de defesa fundados na relação pessoal deste último com algum dos outros
devedores, salvo se existir entre os vínculos uma relaçâo de subordinação.

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LIVRO Il -
TÍTULO I - DAS OBRIGAÇÓES EM GERAL

Nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil, há solidariedade passiva


na obrigação de indemnizar o lesado, pela qual respondem, quer o responsável
civil, seu primeiro titular, quer o segurador, este úlu'mo em virtude da vigência
de uma cobertura de seguro, conjugada com o direito de ação direta consagrado
no art. 146.º, n.” 1, da LCS. Atendendo à relação de subordinação entre o vínculo
obrigacional que une o lesado ao responsável civil e o que o une a0 segurador,
este último pode invocar contra o lesado todos os meios de defesa fundados na
relação de responsabilidade civil, porquanto o seguro só estende ao segurador
a responsabilidade pelo pagamento da obrigação de indemnizar que vincule o
respetivo segurado (arts. 137.° e 138.º da LCS).
Na solidariedade ativa, a cada um dos credores só se podem opor, designa—
2.

damente com o propósito de paralisar a exigência da prestação ou de justificar


a sua não realização, meios de defesa fundados na sua própria relação com o
devedor, ou que digam respeito, simultaneamente, a todos os credores (n.º 2).
Aplica-se, mutatis mutandi, o que se disse sobre a invocabilidade de meios de
defesa a propósito da solidariedade passiva.
3. Em regra, tendo a invocação de um meio de defesa pessoal de um dos
devedores solidários por efeito a sua exoneração, os demais manter-se-ão vincu-
lados a0 cumprimento da prestação integral (é o que parece resultar, indireta-
mente, do disposto no art. 521.º). ]á se esu'ver em causa um meio de defesa pes-
soal contra um dos credores solidários, os demais verão o seu direito de crédito
reduzido na parte relau'va àquele credor (idem, art. 530.º).
A diferença de reg'mes explica—se pelas diversas rationes subjacentes à soli-

dariedade passiva e à solidariedade ativa.O estabelecimento de solidariedade


passiva deslina—se a proteger o credor, que assim dispõe de dois ou mais pani-
mónios a responder pelo cumprimento da prestação integral. Atendendo a este
propósito, a redução do direito de crédito em caso de exoneração de apenas um
dos devedores solidários seria desprovida de sentido, já que atingiria no âmago
o referido propósito, que desvirtuaria.
O estabelecimento de solidariedade ativa também visa, em regra, beneficiar
os credores, poís agiliza a cobrança da dívida, embora possa desprotegê-los uns
relativamente aos outros (não será assim na eventualidade prevista no art. 528.º,
n.º 2, 2.“ parte). Mas na generalidade dos casos nada permitiria justificar que,

perdendo um dos credores o direito à sua quota-parte da prestação, os outros


viessem a lucrar com essa circunstância, vendo aumentar correspondentemente
o seu direito. Se lhes assiste o direito a exigir a prestação integral, já não lhes
assiste a permissão de aproveitamento dessa prestação na íntegra, porquanto, a

final, sempre terão de partilhá-la com os demais credores. Só assim não será se,

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ART. 516."

nas relações internas, se verificar que o credor afetado pela invocação do meio
de defesa não u'nha direito a manter na sua esfera nenhuma parte da prestação.

W MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGD 5l5.°-llerdeiros dos devedores nu credores solidários


l. Os herdeiros do devedor solidário respondem coletivamente pela
totalidade da dívida; efetuada a partilha, cada co-herdeiro responde nos
termos do aru'go 2098.º.
Os herdeiros do credor solidário só conjuntamente podem exonerar
2.

o devedor; efetuada a partilha, se o crédito tiver sido adjudicado a dois ou


mais herdeiros, também só em conjunto estes podem exonerar o devedor.

A obrigações solidárias que devam transmitir-se mortis causa mantêm-se soli-


dárias após a morte de um titular, quer na solidariedade passiva, quer na ativa.
No entanto, entre os herdeiros não se estabelecem relações de solidariedade.

MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGO 516.º—Participação nas dívidas e nos créditos


Nas relações entre si, presume—se que os devedores ou credores solidá-
rios comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que
da relação jurídica entre eles ezn'stente não resulte que sâo diferentes as
suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter
o beneficio do crédito.

l. Perante o credor, cada um dos devedores solidários responde pela pres-


tação integral, e cada credor solidário pode exig-la ao devedor. Se assim é nas
relações externas, entre o lado passivo e o lado ativo de uma obrigação solidária,
há que apurar o regime a aplicar às respetivas relações internas, entre devedo-

resou entre credores solidários. Nestas, aplica-se, supletivamente, uma regra de


igualdade, que se presume (presunção que é ilidível, nos termos gerais do n.º 1 e
da 1.ª parte do n.º 2 do art. 350.°).

Pode resultar, quer de lei especial, quer de estipulação das partes uma distri-
buição desigual do crédito ou da dívida entre os respetivos credores ou devedo-
res solidários. No limite, essa distribuição pode atribuir a um deles a totalidade
do crédito, ou da dívida (parte final do preceito). Nas relações internas entre
os devedores solidários, quando a dívida pertence apenas a um deles, apenas
esse responderá por ela, reconhecendo-se ao(s) devedor(es) solidário(s) que,

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nas relações externas, responda(m) por uma dívida alheia ao abrigo da solida-
riedade um direito de regresso contra o devedor a quem a dívida respeita pela
totalidade do que haja pago.
Na solidariedade passiva, em tais situações o estabelecimento da solidarie-

dade desempenha uma função de garantia: o devedor solidário que, nas relações
internas, não é titular de nenhuma parte da dívida assume-a todavia perante
o credor/lesado, para que este conte com dois (ou mais) patrimônios como
garantia geral desta obrigação. Em todos estes casos, o estabelecimento da soli-
dariedade reconduz-se, assim, a uma modalidade de garanu'a pessoal, situada
algures entre a assunção cumulativa e &dejussória de dívida (ãança). Em caso
de insolvência do devedor que, internamente, responderia pela totalidade da
dívida, o prejuízo permanece na esfera do devedor garante, assim prevalecendo
a proteção do lesado. Vejam-se, como exemplos, o art. 500.°, n.ºª 1 a 3 (primeira
parte), e o art. 901.°.
2. O disposto no art. 516.° tem aplicação ao saldo das contas bancárias soli-
dárias.Nas relações internas enua os vários contitulares, presume-se que todos
terão uma pretensão a idêntica percentagem do saldo, quer este seja positivo,
quer seja negativo. Perante o banco, todos eles respondem na íntegra por um
saldo negativo, e todos podem exig'r na íntegra o pagamento de um saldo posi-
tivo. A solidariedade não abrange as relações com terceiros, designadamente
credores de algum dos conn'tulares, aplicando-se em tais casos a presunção de
igualdade, com possibilidade de ilisão, nos termos gerais. O mesmo é dizer que
só serão bens penhoráveis os direitos de crédito na parte que caiba, nas rela—
ções internas, ao património em causa. Distingue-se, pois, entre a titularidade
da conta e a da quota-parte do direito de crédito, ou do dever de prestar, que
incide sobre o respetivo saldo, consoante este seja positivo ou negativo.
3. Ás obrigações parciárias, quando divisíveis, aplica-se a regra paralela cons-
tante do art. 534.°.

MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGO 517.“ — LItisconsórcin


l. A solidariedade nâo impede que os devedores solidários demandcm
conjuntamente o credor ou sejam por ele conjuntamente demandados.
2. De igual direito gozam os credores solidários relativamente ao deve-

dor e este em relação àqueles.

l. A solidariedade não impõe limites à legitimidade ativa ou passiva dos titu-


lares da relação obrigacional plural, que podem demandar ou ser demandados

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ART. 518.'

separadamente ou em conjunto, em litisconsórcio voluntário comum (art. 32.º,

n.° 2, A sua leg'timidade processual não fica aquém da que existiria se a


CPC).
obrigação em causa fosse parciária. Só muda o que cada um pode pedir, ou o que
pode ser pedido a cada um, sendo certo que, a maiore ad minus, quer na solida-
riedade ativa, quer na solidariedade passiva, o credor pode exercer a faculdade
de em'g'r na íntegra o seu direito à prestação ou optar por exigir apenas a parte
que lhe compete, se for um credor solidário, ou a parte que compete ao devedor
solidário, dando à obrigação solidária o tratamento que daria a uma obrigação
parciária (art. 519.º, n.° 1, 1.“ parte). O devedor a quem se exija apenas uma parte
da prestação pode sempre, se assim o entender, realizar a prestação por inteiro
(art. 763.º, n.° 2).

2. O credor que demanda de uma assentada todos os devedores solidários


não renuncia necessariamente à solidariedade, já que, demandando—os em litis-
consórcio, pode exigir a condenação de cada um deles ao cumprimento da pres-
tação integral.

MARGARIDA LIMA REGO

SUBSECÇÃD II
- Solidariedade entre devedores

AMIGO 5l8.°— Exclusão do benefício da divisão


Ao devedor solidário demandado não é lícito opor o beneficio da divi-
são; e, ainda que chame os outros devedores à demanda, nem por isso se
libera da obrigação de efetuar a prestaçâo por inteiro.

l. A exclusão do beneficio da divisão é elemento essencial, porque caracte-


rizador, das obrigações solidárias. Não podendo o devedor solidário invocar o
benefício da divisão, de que não dispõe, pode no entanto chamar à demanda os
outros devedores solidários, se for demandado judicialmente pelo credor.
Uma vez que, se perder a ação, precisará de exercer o seu direito de regresso
contra os outros devedores solidários (art. 524?), caso pretenda obviar aos limi-
tes subjetivos do caso julgado (art. 522.º) deverá chamá—los à demanda, como
CPC) ou, caso careçam de legitimidade para
partes principais (arts. 316.° e 317.º,
intervir como partes principais, como partes acessórias (art. 321.°, CPC).

Em regra os devedores solidán'os terão leg'timidade para intervir como par-


tes principais, mas nem sempre assim é. V. o disposto no art. 64.º, n.° l-a), do

DL n.° 291/2007, de 21 de agosto (seguro obrigatório de responsabilidade civil

ªutomóvel).

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LIVRO 11 -
TÍTULO I — DAS OBRIGAÇOES EM GERAL

2. Sobre o beneficio da divisão, v a anotação aos arts. 649.º e 650.º (plurali-


dade de fiadores).

MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGO EIS.“ - Direitos do credor


l. O credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a
prestaçâo, ou parte dela, proporcional ou não à quota do interpelado; mas,
se exigir judicialmente a um deles a totalidade ou parte da prestaçâo, fica
inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro
tenha eúgido, salvo se houver razão atendivel, como a insolvência ou risco
de insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter
dele a prestaçâo.
2. Se um dos devedores tiver qualquer meio de defesa pessoal contra o
credor,nâo fica este inibido de reclamar dos outros a prestaçâo integral,
ainda que esse meio já lhe tenha sido oposto.

A solidariedade passiva cria uma faculdade na esfera do credor, nada lhe


l.

impondo. Assim como pode exig'r a prestação integral apenas a um dos deve-
dores, a maiore ad minus o credor também pode não o fazer, tratando a obrigação
solidária como se fosse uma obrigação parciária e em'g'ndo-lhe apenas a quota-
-pa.rte que internamente lhe compete, ou qualquer outra parte, maior ou menor
do que a que lhe compete (n.º l, l.‘ parte). Todavia, o devedor solidário a quem
se exija uma parte da prestação, qualquer que seja essa parte, pode sempre, se
assim o entender, realizar a prestação por inteiro (art. 763.°, n.° 2).

2. Importa aqui distinguir a exigência da prestação da sua efetiva satisfação.

Se um credor exige a um devedor solidário a prestação integral e este a satisfaz, o


cumprimento exonera, por si só, os demais (arts. 512.º, n.° l, e 523.°). A 2.“ parte
do n.° 1 do art. 519.° aplica-se, não a esses casos, mas aos casos em que o credor
em'ge a totalidade ou parte da prestação e esta não é realizada. Nesse caso, se a
exigência for extrajudicial, o credor continua a poder em‘gi—la, no todo ou em
parte, a todos os devedores solidários, até à satisfação integral do seu crédito. ]á
se a eflgéncia for judicial, o credor perde o direito de propor nova ação decla-
rativa de condenação contra os outros devedores “pelo que ao primeiro tenha
exig'do”, salvo se preencher o pressuposto de existência de razão atendível para

a nova ação, como “a insolvência ou risco de insolvência do demandado, ou difi-


culdade, por outra causa, em obter dele a prestação”. Pode, p. ex., o devedor
demandado só ter bens penhoráveis no estrangeiro, ou ter reagido à exigência
da prestação com um meio de defesa pessoal contra o credor (n.º 2).

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ART. 521.“

Demandando o credor judicialmente um segundo devedor solidário, este

pode invocar em sua defesa as exceções de litispendência ou de caso julgado,

consoante a primeira ação ainda esteja pendente ou a sentença já tenha transi-


tado em julgado, pedindo a sua absolvição da instância (arts. 577.°-1'), e 580.º a
582.° do CPC e ainda, por interpretação extensiva, o art. 522.º).

MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGB 520." - Impossibilidade da prestação


Se a prestaçâo se tomar impossível por facto imputável a um dos deve-
dores, todos elas são solidariamente responsáveis pelo seu valor; mas só o
devedor a quem o facto é imputável responde pela reparação dos danos que
excedam esse valor, e, sendo vários, é solidária a sua responsabilidade.

l. Está em causa a aplicação do disposto no art. 798.º, aplicável ex vi art. 801.º,

n.º l. A solidariedade passiva estende-se à responsabilidade obrigacional, em


caso de impossibilidade imputável a um dos devedores solidários. No entanto,
a solidariedade tem como limite máximo o valor da prestação, que a substitui
enquanto objeto do direito do credor. Ultrapassando os danos esse valor, pelo
remanescente já só responde o devedor ou devedores a quem a impossibilidade
for imputável. Sendo vários, a responsabilidade será também solidária.
2. Crê-se que a mesma repartição de responsabilidades deverá aplicar—se
aos restantes casos de falta de cumprimento e mora imputáveis apenas a alguns
devedores solidários.
3. V. o disposto no art. 529.º (impossibilidade da prestação na solidariedade
ativa).

MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGO 521 .ª - Prescrição


l. por efeito da suspensão ou interrupção da prescrição, ou de outra
Se,
causa, a obrigação de um dos devedores se mantiver, apesar de prescritas as
obrigações dos outros, e aquele for obrigado a cumprir, cabe—lhe o direito
de regresso contra os seus condevedores.
2. 0 devedor que não haja invocado a prescrição nâo goza do direito de
regresso contra os condevedores cujas obrigações tenham prescrito, desde
que estes aleguem a prescrição.

683

Codigo CMI Anotada — volume (Ana Pramflndd


l 683 29/05"? 18:43
LIVRo n TtTULo 1 — DAS OBRIGAÇÓES EM GERAL
-

1. O preceito dá conta da possibilidade de os prazos de prescrição correrem


em tempos distintos relativamente a cada um dos devedores solidários, sem no
entanto o impor (n.º l). Por conseguinte, em cada caso, há que verificar se são
autónomos os vínculos que unem os vários devedores solidários ao credor ou se
entre eles em'ste uma relação de subordinação.
Nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil, há solidariedade pas-
siva na obrigação de indemnizar o lesado, pela qual respondem, quer o res-
ponsável civil, seu primeiro titular, quer o segurador, este último em virtude da
vigência de uma cobertura de seguro, conjugada com o direito de ação direta
consagrado no art. 146.º, n.º 1, da LCS. Atendendo à relação de subordinação
entre o vínculo obrigacional que une o lesado ao responsável civil e o que o une
a0 segurador, a prescrição daquele é invocável pelo segurador em resposta a
uma reclamação que o lesado lhe dirija (v. a anotação ao art. 514.º).
2. Na eventualidade de prescreverem em momentos distintos os vínculos
obrigacionais dos vários devedores solidários, basta que o devedor solidário
realize a prestação — na íntegra (art. 525°) — antes de o respetivo vínculo pres-
crever para que surja de imediato na sua esfera um direito de regresso perante
os restantes devedores solidários, na parte da dívida que a estes compete (art.

524.º). Assim é, aínda que aquando do cumprimento já houvessem prescrito


os vínculos obrigacionais dos restantes devedores solidários, pois o direito de
regresso é um direito novo, que surge ex novo na esfera do devedor que satisfaz
o direito do credor. Relativamente ao direito de regresso corre um novo prazo
prescricional.
3. ]á assim não será se o devedor satisfaz o direito do credor após a prescri-
ção do vínculo que o unia a0 credor (n.° 2). Embora a prescrição não seja de
conhecimento oficioso, só produzindo os seus efeitos modificativos da obriga-
ção se e quando invocada, e sendo o devedor livre de optar por não fazer uso
deste meio de defesa, se o fizer e der cumprimento à obrigação, no todo ou
em parte, fá—lo porque é essa a sua vontade, ou eventualmente por distração,
e nâo, rigorosamente, porque a isso estivesse obrigado, embora tecnicamente
o vínculo permanecesse intacto. Assim se quebra, de alguma forma, o nexo de
causalidade que dá azo ao surgimento de um direito de regresso na sua esfera,
o que explica que, neste caso, se os outros devedores assim o desejarem, pos-
sam invocar, eles próprios, a prescrição em resposta à pretensão de regresso
que o salvem lhes dirija.

4. V. o disposto no art. 530.° (prescrição na solidariedade ativa).

MARGARIDA LIMA REGO

684

Codigo Civil Anotada - volume (Ana Prata)]ndd


I BM 29/05/17 18:43
ART. 522.’

ARTIGO 522.“ - Caso julgado


O caso julgado entre o credor e um dos devedores não é oponível aos
restantes devedores, mas pode ser oposto por estes, desde que não se baseie
em fundamento que respeite pessoalmente àquele devedor.

1. Uma decisão considera-se transitada em julgado quando dela já não possa


reclamar-se ou interpor-se recurso ordinário CPC). Nesse momento
(art. 628.º,

a decisão torna-se inalterável, salvo em circunstâncias excecionais, formando


caso julgado formal. Se for uma decisão de mérito suscetível de produzir efeitos
fora do processo, forma ainda caso julgado em sentido material, tornando—se
obrigatória dentro e fora do processo (art. 619.º, CPC) “nos precisos limites e
termos em que julga” (art. 621.°, CPC).
Entre os limites ao caso julgado contam-se os subjetivos: em regra o caso
julgado tem uma eficécia meramente relativa, ou interpartes, não sendo oponível
a terceiros, em obediência ao princípio do contraditório (art. 3.º, CPC).
Há casos em que, num desvio às regras gerais, a lei permite que se estendam
os efeitos do caso julgado a alguns terceiros, sobretudo se os efeitos da decisão
são favoráveis a tais terceiros. É o que sucede, quer na solidariedade passiva (art.
522.°), quer na solidariedade ativa (art. 531.°), quer ainda nos casos de indivisi-

bilidade das obrigações (art. 538.°, n.° 1).

A sentença de mérito proferida numa ação enue o credor e um dos devedores


solidáriosnão pode ser invocada por nenhum deles contra o devedor ou devedo-
res que nelas não tenham participado, mas estes podem invocá—la, quer contra o

credor, quer contra o devedor que nela tenha tomado parte. Só assim não será se
ou parcial do pedido, se basear, na parte favorável,
a decisão, de absolvição total
em meio de defesa pessoal do devedor em causa. Nesse caso, a decisão não é
invocável porque, na verdade, não aproveitada aos demais devedores, ainda que
em abstrato fosse invocável. Pense-se, p. ex., numa decisão de anulação do negó-
cio jurídico com fimdamento na menoridade do devedor demandado a0 tempo
da sua celebração. Sendo o outro devedor maior de idade à data da prática dos
factos, a decisãode anulação apenas diz respeito, necessariamente, à parte do
negócio jurídico respeitante ao devedor menor de idade, não podendo o deve-
dor maior fazer uso desse meio de defesa, e tão-pouco podendo aproveitar os
efeitos de semelhante decisão.
2. Se apenas um devedor demandado judicialmente pelo cre-
solidário for

dor, poderá chamar os restantes devedores solidários à demanda caso pretenda


obviar à aplicação dos limites subjetivos do caso julgado a0 exercício do respe-
‘tivo direito de regresso: v. a anotação ao art. 518.º.

685

Codigo CNB Mtedo—volume (Ana PramHndd 885


I 29/05/17 18:43
|
LIVRo n « Tt'rULo I
— DAS onchÇoEs EM GERAL

3. Diferente da invocação, por um devedor solidário, do caso julgado entre


o credor e outro devedor solidário é a invocação das exceções de liu‘spendéncia
ou de caso julgado, para efeitos do disposto no art. 519.°, n.° 1, 2.‘ parte (V. a res-
petiva anotação).

MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGO 523.“ - Satisfação do direito do credor


A satisfação do credor, por cumprimento, dação em cum-
do direito
primento, novação, consignação em depósito ou compensação, produz a
extinção, relativamente a ele, das obrigações de todos os devedores.

l. Esta regra já resultava, em parte, do disposto no do art. 512.º. Agora


n.º 1

esclarece-se que a extinção da obrigação, quer resulte do cumprimento ou de


qualquer outra causa de extinção das obrigações que proporcione ou possa
ainda vir a proporcionar a satisfação do direito do credor, libera todos os deve-
dores para com ele, independentemente de quem realizou os atos que deram
azo à extinção.
Além do cumprimento propriamente dito, o preceito refere a dação em
cumprimento (arts. 837.° a 839.°), a novação (arts. 857.º a 862.º), a consigna-

ção em depósito (arts. 841.° a 846.º) e a compensação (arts. 847.° a 856.º). ]á

a remissão (arts. 863.° a 867.°) e a confusão (arts. 868.º a 873.°) são causas de

extinção das obrigações que não pressupõem a satisfação do direito do credor,


atual ou futura, pelo que não se lhes aplica este regime, não permitindo a remis-
são da dívida relativamente a um dos devedores solidários que se conclua pela
liberação dos demais a não ser na parte que àquele competia (art. 864.°, n.ºª 1 e

2; e com a ressalva do disposto no art. 526.º, n.º 1). O mesmo se diga em relação
à confusão: se um dos devedores solidários vier a assumir a posição de credor,
mantém-se o direito relativamente aos demais devedores solidários, na respetiva
quota-parte, e não na íntegra, porque nas relações internas há que respeitar a
proporção da dívida que a cada um deve caber (art. 869.°, n.° 1).

2. V. ainda o disposto no art. (que admite que a dívida prescrita em rela-


521.°

ção a um dos devedores solidários possa manter—se relativamente aos demais).

MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGO 524.“ - nirelto de regresso


O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe com-
petir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte
que a estes compete.

686

Codlgo CMI Anotada — volume l (Ana Prata).lndd 686 29/05/17 18:43


ART. 524.“

l. O direito de regresso é um direito novo, que se constitui na esfera do deve-


dor solidário por efeito da sau'sfação, por cumprimento ou por outra causa, do
do credor além da parte que internamente lhe competia. Este direito
direito
vincula os outros devedores solidários, que veem constituir-se na sua esfera a
correspondente obrigação de regresso.
Goza de um direito de regresso o devedor que satisfaça o direito do credor
“além da parte que lhe competir”. Imag'nemos uma dívida de € 1000 com qua-
tro devedores solidários. Se o credor exige a um deles o pagamento da totali—

dade da dívida, naturalmente que este pode exercer o seu direito de regresso
contra os restantes devedores. Admitindo que internamente eles respondem
pela dívida em partes iguais, caberia ao devedor interpelado recuperar € 750.
Agora suponhamos que o credor apenas em'ge ao primeiro devedor o paga-
mento de € 700. Dejure condendo, seria de admitir uma regra que, em obediên-
cia ao princípio da igualdade, determinasse uma divisão do prejuízo em partes
iguais. Não é o caso: não se reconhece ao devedor interpelado o direito de exi-

gir em todos os casos o reembolso de do que pagou. Ele pode apenas exigir o
3/4

que pagou além da parte que lhe competia, ou seja, no caso em apreço, € 450.
Mas já lhe é imposto que trate os demais devedores por igual, não podendo
exigir mais a uns do que a outros, até perfazer os € 450 (por analog'a com o
disposto no art. 526.“).
2. Um problema &equente, mesmo em textos legais, é a confusão entre os
insu'tutos do direito de regresso e da sub-rogação legal ou convencional (arts.
589.º a 594.º). Ambos os fenómenos ocorrem em resultado do cumprimento de
uma obrigação. Em vários sistemas jurídicos, nem existe a distinção. No entanto,
um direito novo, que surge no contexto das
entre nós, o direito de regresso é
obrigações solidárias sempre que um devedor satisfaz o direito do credor além
da parte que internamente lhe compete, e não o resultado de uma transmissão,
ainda que de fonte legal, de um direito de crédito primitivamente constituído
noutra esfera jurídica — a do credor originário.
Diferença importante: sendo um direito novo, não pode o devedor que nada
pagou invocar contra o que pagou tudo a exceção de prescrição da obrigação de
que ambos eram devedores solidários, pois a obrigação de regresso é distinta
da primeira, dando azo à contagem de um novo prazo de prescrição. Em rigor,
a primeira obrigação nâo chegaria a prescrever, pois extinguira—se no momento
do seu cumprimento. Nesse caso, o devedor que nada pagou só poderia fugir ao
regresso se a própria obrigação de regresso prescrevesse.

MARGARIDA LIMA REGO

687

podlgo Civil Anotada — volume (Ana Prata)1ndd 887


I 29/05/17 18:43
LIVRO II -
TÍTULO I - DAS OBRIGAÇÓES EM GERAL

ARTIGO 525.º—Meios de defesa oponíveis pelos condevedores


l. Os condevedores podem opor ao que satisfez o direito do credor a
falta de decurso do prazo que lhes tenha sido concedido para o cumpri-
mento da obrigação, bem como qualquer outro meio de defesa, quer este
seja comum, quer respeite pessoalmente ao demandado.
2. Afaculdade concedida no número anterior tem lugar, ainda que o con-

devedor tenha deixado, sem culpa sua, de opor ao credor o meio comum de
defesa, salvo se a falta de oposição for imputável ao devedor que pretende
valer-se do mesmo meio.

l. Na solidariedade passiva, cada um dos devedores só pode opor aos res-


tantes devedores, designadamente com o propósito de paralisar o exercício do
direito de regresso, meios de defesa fundados na sua própria relação com tais
devedores, que a lei qualifica como meios que lhes respeitem pessoalmente, ou
que digam respeito, simultaneamente, a todos os devedores (n.º 1, 2.“ parte). ]á
se o meio de defesa consistir na falta de decurso do prazo, tendo este sido esta—
belecido em beneficio dos devedores, este apenas lhes permite justificar o adia-
mento da satisfação do direito de regresso para momento posterior ao decurso
desse prazo, já que o regresso só é exigvel quando fosse exigível o cumprimento
da obrigação (n.º l, 1.“ parte).
2. Se o devedor que satisfez o direito do credor deixou de invocar um meio
comum de defesa por falha imputável a ouu'o devedor, este deixa de poder opor—
-1ho. Se a ressalva não constasse deste preceito, o princípio da boa fé imporia
solução idêntica com base na proibição do abuso do direito (art. 334.º).
MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGO 526.“ - Insolvência dos devedores ou impossibilidade de cumprimento


l. Se um dos devedores esu'ver insolvente ou não puder por outro motivo
cumprir a prestação a que está adstrito, é a sua quota-parte repartida pro-
porcionalmente entre todos os demais, incluindo o credor de regresso e os
devedores que pelo credor hajam sido exonerados da obrigação ou apenas
do vínculo da solidariedade.
2. Ao credor de regresso nâo aproveita o beneficio da repartição na

medida em que só por negligência sua lhe não tenha sido possível cobrar a
parte do seu condevedor na obrigação solidária.

l. Se algum dos devedores solidários se tornar insolvente ou deixar de poder


realizar a prestação, o prejuízo repercute—se no património dos restantes deve-

688

Codigo CMI Anohdo—volume (AnaI Prata)]ndd 688 29/05/17 18:43


ª
ART. 527.’

dores, e não no do credor. Por esse mou'vo, encontramos em todos os casos de


solidariedade passiva, independentemente da repartição interna da dívida, uma
extensão da responsabilidade dos devedores em reforço da posição do credor,
podendo o instituto reconduzir—se, nessa medida, a uma modalidade de garantia
Importa no entanto sublinhar que na solidariedade passiva, aínda que
pessoal.
com finaljdade de garantia, o devedor garante responde por uma dívida própria,
e não por uma dívida alheia. Em regra, os vínculos obrigacionais dos devedo-
res solidários gozam de alguma autonomia, podendo extinguir—se qualquer um
deles com independência dos demais (arts. 864.º e 869.º).

A insolvência de um dos devedores solidários dá azo a uma distribuição pro-


porciona! do prejuízo. Nesta distribuição incluem—se os devedores cujo vínculo
o credor haja designadamente por remissão, ou relativamente aos
feito cessar,

quais haja renunciado à solidariedade (art. 527.”). Em caso de insolvência de


algum dos outros devedores, entendeu-se que tais beneficios apenas se aplica—
riam na relação entre o credor e o devedor beneficiado, não afetando as suas
relações com os restantes devedores. Assim é apenas em caso de insolvência ou
impossibilidade de prestação, já que, de resto, a remissão repercute-se na esfera
de todos os envolvidos: credor e devedores solidários (art. 864.°, n.° 1).
2. Este regime não se aplica se o devedor só se tomou insolvente ou dei-

xou de poder realizar a prestação algum tempo depois de satisfeita a prestação,


atribuindo-se um valor negativo à inércia do salvem, que poderia ter cobrado
àquele devedor a sua parte na obrigação solidária e não o fez em tempo, tendo
deixado, com culpa sua, a sua situação deteriorar—se, ou se o solvens não recla-
mou em tempo o seu crédito de regresso no processo de insolvência daquele
devedor (n.º 2).

MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGO 527.“ - Renúncia à solidariedade


A renúncia à solidariedade a favor de um ou alguns dos devedores não
prejudica o direito do credor relativamente aos restantes, contra os quais
conserva o direito à prestação por inteiro.

A renúncia à solidariedade relativamente a um ou alguns dos devedores


solidários transforma a obrigação, na parte que lhe compete, numa obrigação
parciária. Aquele ou aqueles devedores deixam de responder pela prestação
integral, passando a responder apenas pela parte da dívida que até então inter-

namente lhes competia, quer perante o credor, quer perante os demais devedo-
res. Só assim não será em caso de insolvência ou impossibilidade de prestação de

689

Çodlgo Civil Amhdo - volume | (Ana Prata)]ndd 889 29/05/17 18:43


Lrvno n -
TÍTULO 1
- ms onchcoEs EM GERAL

algum dos restantes devedores, caso em que a solidariedade renasce para efeitos
do exercício do direito de regresso, cabendo-lhe suportar a sua quota-parte do
prejuízo decorrente da insolvência ou impossibilidade de prestação do ouU'o
devedor (art. 526.°, n.° 1).

MARGARIDA LIMA REGO

SUBSECÇÃO Ill -Solidariedade entre credores

ARTIGO 528.“ - Escolha do credor


l. É permiddo ao devedor escolher o credor solidário a quem satisfaça
a prestação, enquanto não tiver sido judicialmente citado para a respetiva
ação por outro credor cujo crédito se ache vencido.
2. Se o devedor cumprir perante credor diferente daquele que judicial-

mente exigiu a nâo fica dispensado de realizar a favor deste a


prestaçâo,
prestação integral; mas, quando a solidariedade entre os credores tiver sido
wtabelecida em favor do devedor, este pode, renunciando total ou parcial-
mente ao beneficio, prestar a cada um dos credores a parte que lhe cabe no
crédito comum ou satisfazer a algum dos outros a prestação com dedução
da parte do demandante.

l. A solidariedade au'va define-se pela faculdade, que é conferida a cada


um dos credores, de exigir por si só a prestação integral. A solidariedade nâo
envolve a atribuição a cada um deles de um direito de crédito sobre a prestação
integral, uma vez que a faculdade de exigibilidade não se faz acompanhar de
uma permissão de aproveitamento da prestação. Assim é, desde logo, porque o
credor que receba mais do que a parte que lhe compete deve entregar o rema-
nescente aos demais credores (art. 533.º). Mais do que isso, resulta do disposto
no preceito em apreço que, supletivamente, o credor nem sequer pode exigir
que a prestação lhe seja feita a si, podendo o devedor selecionar livremente a
pessoa do accipiens de entre os credores solidários sem necessidade de justifi-
cação (n.º 1).

Nalguns casos, a prestação em causa terá de ser realizada em simultâneo


perante todos os credores. Será esse o caso se a obrigação for indivisível (art.

538.°, n.° 1). Nos demais casos, as partes podem afastar esta permissão, iden-

tificando a figura do recetor da prestaçâo. De resto, nem todas as prestações


carecem de um recetor. Pense-se na hipótese de uma prestação de tocar uma vez
por dia, a determinada hora, o sino de certa igreja. E esta liberdade terá sempre,
como limite, o instituto do abuso do direito (art. 334.°).

690

Codlgo CM] Anolado- volume (Ana Prata)]ndd


| 890 29/05/17 18:43
ART. 530.“

2. A faculdade de escolha do credor a quem a prestação é realizada cessa


com a citação judicial do devedor. A mera interpelação extrajudicial não é sus—
cetível de produzir este efeito. Com a citação, o devedor deixa de poder cum-
prir perante credor diferente do que judiciahnente exigiu a prestação. Se o fizer,
nem por isso se escusa de realizar a prestação integral a favor daquele, de acordo
com o brocardo de que quem cumpre mal, cumpre duas vezes (n.º 2, 1.ª parte).
O devedor poderá, quando muito, e para recuperar o que incorretamente pres-
tou, fazer uso do mecanismo da repetição do indevido (art. 476.º).

3. O preceito faz referência à possibilidade de a solidariedade au’va ter sido


estabelecida em beneficio do devedor. Nesse caso, o devedor pode a ela renun-
ciar, à semelhança do que sucede com o credor nos casos de solidariedade pas-
siva (art. 527.”).

MARGARIDA LIMA REGO

AMIGO 529.“ - Impossibilidade da prestação


Se a prestação se tomar impossível por facto imputável ao devedor,
l.

subsiste a solidariedade relativamente ao crédito da indemnização.


2. Se a prestação se tomar impossível por facto imputável a um dos cre-

dores, fica este obrigado a indemnizar os outros.

Sendo a impossibilidade imputável ao devedor,


l. está em causa a aplicação
do disposto no art. 798.º, aplicável ex ví art. 801.º, n.º 1. Nesse caso, a solidarie—

dade ativa estende-se ao direito à indemnização fundada em responsabilidade


obrigacional.
2.Sendo a impossibilidade imputável a um dos credores solidários, constitui-
-se na sua esfera uma obrigação de indemnizar os demais, também ela fundada
no art. 798.°. Sendo vários os credores responsáveis, a sua responsabilidade
perante os demais será também solidária (desta feita, a solidariedade já será pas-
siva, e não ativa).

3. V. o disposto no art. 520.” (impossibilidade da prestação na solidariedade


passiva).

MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGO 530.‘ - Prescrição


Se o direito de um dos credores se mantiver devido a suspensão ou
1.

interrupção da prescrição ou a outra causa, apesar de haverem prescrito os


direitos dos restantes credores, pode o devedor opor àquele credor a pres-
crição do crédito na parte relativa a estes úldmos.

691

codigo cwnAmtado—volmneuAna Pmta)1ndd 391 29/05/11 13:43


Lrvno 11 -
TÍTULO I - DAS onchçóEs EM GERAL

2. A renúncia à prescrição, feita pelo devedor em beneficio de um dos


credores, não produz efeito relativamente aos restantes.

1. O preceito dá conta da possibilidade de os prazos de prescrição correrem


em tempos distintos relativamente a cada um dos credores solidários, sem no
entanto o impor (n.° l). Por conseguinte, em cada caso, há que vcrificar se são
autónomos os vínculos que unem os vários devedores solidários a0 credor ou se
entre eles existe uma relação de subordinação.
2. Na eventualidade de prescreverem em momentos disu'ntos os direitos

dos vários credores, diferentemente do que sucede na solidariedade passiva,


o devedor pode invocar perante um credor de um direito ainda não prescrito
a prescrição dos direitos dos demais credores, reduzindo-se nesse caso pro-
porcionalmente a sua prestação. O regime é distinto na solidariedade passiva,
justificando-se porque na solidariedade ativa os credores não são titulares de
um verdadeiro direito de crédito sobre a prestação integral, não emstindo causa
para verem aumentar a quota-parte que lhes diz respeito em caso de prescrição
ou extinção do direito dos demais credores. Na solidariedade passiva, o credor
tem direito à prestação integral, podendo em'gº-la a qualquer dos devedores (v.
o reg'me distinto constante do art. 521.°).
3. A renúncia à prescrição apenas produz efeitos na esfera do credor perante

quem o devedor renuncia, salvo se outras solução resultar da interpretação da


respetiva declaração.

MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGO 53L“ - Caso julgado


O caso julgado entre um dos credores e o devedor não é oponível aos
ouu'os credores; mas pode ao devedor, sem prejuízo
ser oposto por estes
das exceções pessoais que o devedor tenha o direito de invocar em relação
a cada um deles.

V. a anotação ao art. 522.°.

ARTIGO 532.“ — Satisfação do direito de um dos credores


A satisfação do direito de um dos credores, por cumprimento, dação em
cumprimento, novaçâo, consignação em depósito ou compensação, pro-
duz a extinção, relativamente a todos os credores, da obrigação do devedor.

692

Codlgo CMI Anotada - volume I (Ana Prata)]ndd 692 29/05/17 18:43


ART. 533.“

V. a anotação ao art. 523.°. Quanto à remissão e à confusão, v. o disposto, res-


peu'vamente, nos arts. 864.º, n.º 3, e 869.°, n.° 2.

AMIGO 533.“ — ºbrigação dn credor que fni pago


O credor cujo direito foi satisfeito além da parte que lhe competia na
relação interna entre os credores tem de satisfazer aos outros a parte que
lhes cabe no crédito comum.

l. Este preceito consagra um reg'me paralelo ao do art. 524.°. Este consa-


grou o direito de regresso do devedor que satisfez o direito do credor perante
os demais devedores solida’n‘os. O preceito em apreço atn'bui um direito equiva-
lente aos credores solidários perante o credor a quem a prestação é realizada ou

perante quem o direito é de outro modo satisfeito, e a este credor o accípiens
— a correspondente obrigação. A lei não designa este direito como um direito
de regresso, mas, à falta de ouua designação, não se vê por que não chamar-lhe
isso mesmo.
O reg'me da solidariedade ativa estabelece uma relação de natureza fidu-
ciária entre os vários credores, ao permitir, nos casos de prestações recetícias, a
sua realização integral a qualquer dos credores. Aquilo que o accipiens recebe a
mais, relativamente à parte que internamente lhe compete, recebe-o por conta
dos outros credores.
2. Este é um direito novo, que se na esfera dos restantes credo-
constitui

res solidáriospor efeito da satisfação, por cumprimento ou por outra causa, do


direitodo credor accípiens além da parte que internamente lhe competia.
Está adstrito a uma obrigação de regresso o credor cujo direito é satisfeito
“além da parte que lhe competia na relação interna entre os credores”. Imagi-
nemos uma dívida de € 1000 com quatro credores solidários. Se um dos credo-
res recebe a totalidade da dívida, naturalmente que os demais podem exercer o
respetivo direito de regresso contra aquele. Admitindo que internamente eles
beneficiam em partes iguais, caberia ao credor interpelado pagar € 750. Agora
suponhamos que o credor apenas exige ao primeiro devedor o pagamento de
€ 700. Dejure condendo, seria de admitir uma regra que, em obediência ao princí-
pio da igualdade, determinasse uma divisão do beneficio em partes iguais. Não é
o caso: não se impõe ao credor accipiens um dever de distribuir pelos demais, em
todos os casos, do que recebeu. Os restantes credores podem apenas exigir-
3/4

-lhe o que recebeu além da parte que lhe competia, ou seja, no caso em apreço,
€450. Mas já lhe é imposto que trate os demais credores por igual, não podendo

693

Codigo Civfl Amhdo — volume I (Ana Prata).lndd 693 29/05/17 18:43


LIVRO n -
TÍTULO I
— DAS OBRIGAÇOES EM GERAL

an'ibuír mais a uns do que a outros, antes devendo entregar a cada um €150 (por
analog'a com o disposto no art. 526.º).
3. Se o credor accipiens vir o seu direito satisfeito por causa distinta do cum-
primento, nem por isso deixa de dever entregar aos demais credores aquilo a
que têm direito, ou seja, a sua quota-parte na prestação originária, e não o que
aquele recebeu em sua substituição.
MARGARIDA LIMA REGO

SEC ÇÃO III


- ubrlgações dlvlsfvels e lndlvlsfvels

ARTIGO 534.“ - Obrigações divisíveis


Sâo iguais as partes que têm na obrigação divisível os vários credores ou
devedores, se outra proporção não resultar da lei ou do negócio jurídico;

mas entre os herdeiros do devedor, depois da partilha, serão essas partes


fixadas proporcionalmente às suas quotas hereditárias, sem prejuízo do
disposto nos n.“ 2 e 3 do aru'go 2098.º.

As obrigações plurais seguem regimes distintos consoante a divisibilidade


l.

ou indivisibilidade da respetiva prestação, mas pressupõem, pelo menos em teo-


ria, a suscetibilidade de divisão da própria obrigação por uma pluralidade de
titulares ativos ou passivos. São divisíveis as obrigações plurais cuja prestação é
suscetível de divisão, podendo realizar-se em partes, por ou perante pessoas djs—
As obrigações que apenas relacionam um titular au'vo e um titular passivo
tintas.

nâo são qualificéveis como divisíveis ou indivisíveis, independentemente de a


prestação poder ou não realizar-se em partes. Podendo, aplica-se ainda assim o
princípio da integralidade da prestação, sendo a matéria regulada pelo disposto
no art. 763.°.

Há obrigações que são, por natureza, indivisíveis. É o caso da obrigação de


celebrar o conuato definiu'vo a que se vinculam as partes,ou uma das partes,
num contrato-promessa de compra e venda de um veleiro de que sejam compro-
prietárias as promitentes vendedoras. Sem a participação de todas, o contrato
que se celebre não pode produzir o efeito translativo da propriedade do bem
(arts. 209." e 1408.º). No entanto, além da indivisibilidade natural há ainda a
indivisibilidade legal e a indivisibilidade convencional. Significa isto que, quer
a lei, quer as partes podem determinar a indivisibilidade de uma obrigação que,
em abstrato, poderia não o ser. Até as obrigações pecuniárias, que em regra
serão divisíveis, podem tornar—se indivisíveis por determinação legal ou estipu—
lação das partes.

694

Codlgo Civil Anotada — volume l (Ana Prata)]ndd 894 29/05/17 18:43


ART. 535.“

As obrigações não suscitam dificuldades de maior pelo simples


divisíveis

facto de o serem, apenas carecendo de regulação a matéria do cn'tério a seguir


para a sua divisão, de que trata o preceito em análise. O regime nele consagrado
apenas se aplica às obrigações parciárias. Nas obrigações solidárias a regra da
igualdade ínsita no art. 534.º não se aplica às relações externas, por incompatibi-
lidade de regime, e para as relações internas existe a regra especial do art. 516.°.

O reg'me a aplicar às obrigações indivisíveis consta dos arts. 535.º a 538.°.


2. Supletivamente, aplica—se às obrigações divisíveis uma regra de igualdade,
que pode ser afastada quer por lei especial, quer por estipulação das partes.
A regra é paralela à que encontramos no art. 516.º, mas o critério tem aplicação
em vários outros pontos do sistema. V., p. ex., os arts. l403.º, n.º 2, e 1404.º (com-
propriedade, e extensão do respeu'vo reg'me a quaisquer outros direitos).
Nos seguros de vida com cláusula beneâciária a favor de uma pluralidade de
titulares, supletivamente determina—se a divisão do benefício em partes iguais,
salvo se os beneficiérios designados o forem enquanto herdeiros da pessoa
segura, caso em que, supletivamente, e embora o beneficio não integre a respe-
tiva herança, a divisão se fará segundo as regras da sucessão legítima, porque se
entendeu que a regra da igualdade, que anteriormente chegou a vigorar, frus-

trava as expectativas do autor da desiglação (art. 201.º, n.º 3-a), da LCS.


3. A segunda parte do preceito dá—nos o critério a aplicar à divisão de uma

obrigação que apenas se tornou plural supervenientemente, com a sua trans-


missão mortis causa, aquando da morte do primeiro u'tular (passivo: o devedor).
Nesse caso, e embora a regra também seja supletiva, podendo a partilha regu-
lar uma outra forma de distribuição, determina-se uma repartição proporcional
às quotas hereditárias de cada um dos novos titulares, em conformidade com

a regra geral do art. 2098.º, n.° 1. Ressalva—se a aplicabilidade do disposto nos


n.°“ 2 e 3 do am'go 2098.° (para cuja anotação se remete).

MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGO 535.“ - Obrigações indivisíveis com pluralidade de devedores


Se a prestaçâo for indivisível e vários os devedores, só de todos os obri—
l.

gados pode o credor exógr o cumprimento da prestaçâo, salvo se tiver sido


estipulada a solidariedade ou esta resultar da lei.
Quando ao primitivo devedor da prestaçâo indivisível sucedam vários
2.

herdeiros, também só de todos eles tem o credor a possibilidade de exigir o


cumprimento da prestaçâo.

695

Codigo Civ" Anotada — volume | (Ana Prahflndd 895 29/05/17 18:43


LIVRO II -
TÍTULO I
" DAS OBRIGAÇÓES EM GERAL

l. São indivisíveis as obrigações plurais cuja prestação é insuscedvel de divi-


são, não podendo realizar-se em partes, por ou perante pessoas distintas. Sobre
a indivisibilidade, v. a anotação ao art. 534.°. O regime a aplicar às obrigações
indivisíveis consta dos arts. 535.º a 537.º (pluralidade passiva) e 538.º (plurali-
dade ativa). Se além de indivisíveis as obrigações forem solidárias, serão ainda

aplicáveis as regras constantes dos arts. 512.º a 533.”.


Em regra, a realização da prestaçâo deve obediência a0 princípio da integra-
lidade, consagrado no art. 763.°. Nas obrigações indivisíveis, a realização integral
da prestação não é apenas a regra, é mesmo a única hipótese admissível. Por
conseguinte, nas obrigações parciárias, só de todos os devedores em conjunto
pode a prestação ser exigida. Nas solidárias, como é próprio do respetivo reg'me,
o credor pode em'gir a realização integral da prestação a qualquer dos devedores
(arts. 512.º, n.“ 1, e 518.º).
2. O n.“ 2 dá—nos a regra a aplicar a uma obrigação que apenas se tornou plu-
ral supervenientemente, com a sua transmissão mortis causa, aquando da morte
do primeiro titular passivo. Nesse caso, aplica-se a regra acima referida: a pres-
tação só pode ser exigida de todos os devedores em conjunto, tendo em conta
que as obrigações serão parciárias a menos que a solidariedade decorra de lei

especial ou de estipulação das partes (art. 513.°).


3. Sendo os devedores judicialmente demandados, é este um exemplo de
litisconsórcio necessário legal, de que trata o art. 33.º do CPC.

MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGO 5355' — Extinção relativamente a um dos devedores


Se a obrigação indivisível se exflnguir apenas em relaçâo a algum ou


alguns dos devedores, não fica o credor inibido de eúgir a prestação dos
restantes obrigados, contanto que lhes entregue o valor da parte que cabia
ao devedor ou devedores exonerados.

Da indivisibilidade da prestação resulta a impossibilidade de redução pro-


porcional, funcionando a regra do tudo ou nada. Quando a obrigação se extin-
gue em relaçâo a algum ou alguns dos devedores, subsiste o direito do credor
de exigir aos restantes devedores a prestação integral, mas impende sobre ele o
ónus de pagar-lhes o valor da parte que cabia aos exonerados. Essa situação deve
qualificar-se como um ónus porque o credor pode optar entre pagar, se quiser a
prestação,ou não pagar, se a ela renunciar. A extinção pode ter lugar em virtude
de remissão (art. 865.º, n.º 1) ou de confusão (art. 870.°, n.° 1).

696

Codlgo Civíl Anolado — volume (Ana Plata).|ndd


| 896 29/05/17 18:43
ART. 538."

Se a obrigação se integrar num contexto mais alargado, designadamente de


um contrato sinalagmático, aplicar—se-á analogicamente o disposto no art. 795.º.
MARGARIDA LIMA REGO

ABTIED 537." - Impossibilidade da prestação


Se a prestação indivisível se tornar impossível por facto imputável a
algum ou alguns dos devedores, ficam os outros exonerados.

l. Está em causa a aplicação do disposto no art. 798.°, aplicável ex vi art. 801.º,


n.º Sendo a impossibilidade imputável apenas a algum ou alguns devedores,
1.

só eles respondem pelo não cumprimento. Sendo vários, a sua responsabilidade


será solidária, conforme a regra do art. 497.°, n.” 1. Os demais devedores ficam
exonerados, em conformidade com o regime da impossibilidade não imputável
(arr. 79o.°, n.º 1).

aplicam às obrigações indivisíveis que sigam o regime da


2. Estas regras só se

parciaridade, visto que para as solidárias existe o reg'me especial do art. S20.º.

MARGARIDA LIMA REGO

ARTIGO 538.°— Pluralidade de credores


Sendo vários os credores da prestação indivisível, qualquer deles tem
l.

o direito de em'gi-la por inteiro; mas o devedor, enquanto não for judicial-
mente citado, só relativamente a todos, em conjunto, se pode exonerar.
2. O caso julgado favorável a um dos credores aproveita aos outros, se o

devedor não tiver, contra estes, meios especiais de defesa.

l. O preceito cuida das obrigações indivisíveis com pluralidade de credores.


Não obstante a indivisibilidade da obrigação, bem como da prestação, admite-se
o exercício do correspondente direito de crédito por qualquer credor, indivi-
dualmente. O princípio subjacente é comum aos arts. 1286.°, n.° 1, 1405.º, n.º 2,
ou 2078.º, n.° Em geral, a conu'tularidade ativa não impede que apenas um dos
1.

contitulares faça valer o direito em causa, sem que à contraparte seja lícito opor-
-lhe que este não lhe pertence por inteiro.
Embora qualquer credor, individualmente, possa exígu- o cumprimento ao
devedor, nas prestações que carecem de um recetor, se o credor as exig'r extra-
judicialmente, o devedor só se exonera se cumprir perante todos os credores.
A regra não se aplica às prestações que não carecem de recetor (v. a anotação ao
art. 528.°).

697

Cudgo Civil Armada — volume (Ana Pfamflndd 697


I
29/05/17 18:43
LIVRO II -
TÍTULO I - DAS OBRIGAÇÓES EM GERAL

Sendo o devedor judicialmente demandado, pode sê-lo por qualquer credor,


individualmente, mas admite-se o liu'sconsórcio, que neste caso seria um exem-
plo de litisconsórcio voluntário comum, de que trata o art. 32.°, n.° 2, do CPC.
Se um ou mais credores demandarem judicialmente o devedor, já este poderá
cumprir apenas perante os autores da ação.
2. Sobre os efeitos e a extensão do caso julgado, v. a anotação ao art. 522.°.

MARGARIDA LIMA REGO

SECÇÃO IV-Ohrlgações genéricas

Nota sobre a secção em geral: 1. Em rigor, não são as obrigações que são genéri—
cas,mas as coisas que são objeto destas obrigações de dare que o são. A fimgibilidade
das coisas que consútuem objeto dos contratos determina especialidades importan-
tes de regime, em especial quando se trate de contratos com efeitos reais. Se bem
que alguns autores entendam que as coisas aqui consideradas não são fungíveís,

por esta categoria ter que ver “com a sua consideração usual no tráfego, enquanto
a classiãcação entre obrigações genéricas e especfficas resulta antes do acordo das
panes” (Luís M. T. de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 13.“ ed., Coimbra,
Almedina, 2016, p. 127), não pode deixar de se considerar a observação um erro,

pois a fiangibilidade é, ela também, um conceito não naturalistico, mas dependente


da estipulação (v. anotação ao art. 207.°).

2. O n.º 2 do art. 408.° exceciona do princípio da consensualidade este regime,


não se transmitindo, portanto, a propriedade (ou não se constituindo o direito real)
sobre as coisas alienadas, quando estas são genéricas. Por isso que o risco também
não se transfira no momento e por efeito da conclusão do contrato. Não pode, na
verdade, constituir-se ou transmitir—se um direito real sobre coisa que não se encon-
ua determinada.
Este regime só tem praticamente relevância para os contratos com efeitos reais e
essa preocupação é visível designadamente no art. S4l.º.

ANA PRATA

ARTIGO 539.“ - Determinação do ohleto


Se o objeto for determinado apenas quanto ao género, compete a esco—
lha ao devedor, na falta de estipulação em contrário.

O âmbito de aplicação deste preceito — e da secção — é o de o objeto da pres-


tação ser coisa fungvel, determinada, pois, apenas quanto ao género, qualidade

698

Codlgo CM] Anotado- volume l (Ana Pram).lndd 898 29m5l17 18:43


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