You are on page 1of 4

COMÉRCIO EXTERIOR

Comércio e investimento na
agenda bilateral Brasil-China
Lia Baker Valls Pereira
Pesquisadora da FGV/IBRE e professora da Faculdade de Ciências Econômicas da Uerj

Após o déficit de US$ 4 bilhões para 12% e a Argentina, o terceiro


em 2014, a balança comercial foi mercado de 7,2% para 7,7%. Nos
superavitária em 2015 e 2016. A três principais produtos exporta-
melhora se deveu a uma queda dos que explicaram 34% do total
nas importações, associada a uma das vendas externas no acumula-
retração no nível de atividade, su- do do ano até junho, a participa-
perior ao recuo das exportações. ção do mercado chinês foi de 79%
No primeiro semestre de 2017, a (soja), 54% (minério de ferro) e
balança comercial registrou um 45% (petróleo), utilizando-se o
superávit de US$ 36 bilhões, um resultado até maio. A principal
recorde na série histórica des- contribuição para o aumento do
se período. A novidade, porém, é superávit da balança, de US$ 23,7
que o superávit foi acompanhado bilhões para US$ 36,2 bilhões en-
de um aumento das exportações tre o primeiro semestre de 2016 e
(19%) superior ao das importações o de 2017, veio da China, no valor
(7,3%) na comparação com o pri- de US$ 15,6 bilhões.
meiro semestre de 2016. Voltamos Voltamos ao debate sobre como
a um cenário similar ao dos anos promover a diversificação da pauta
de 2010/2011, quando a expansão exportadora para a China e elevar
das exportações foi liderada pelo a participação das manufaturas
aumento dos preços das commodi- nas vendas externas brasileiras.
ties e pelo mercado chinês. A prin- Não é um programa de curto pra-
cipal diferença, o aumento modes- zo, e exige uma melhora na oferta
to nos preços das commodities e a exportadora do país, o que signi-
maior dependência da China. fica crescimento de produtividade
A dependência da China é ex- e dos marcos regulatórios no am-
pressa no aumento da sua partici- biente do comércio exterior. Vol-
pação nas exportações brasileiras, tamos, pois o debate não é novo e
que passou de 23% para 26% entre está na agenda brasileira desde o
janeiro/junho de 2016 e 2017. Os final dos anos de 1990. O boom
Estados Unidos, o segundo merca- dos preços nas commodities mas-
do de destino, passaram de 11,8% carou a vulnerabilidade da pauta

6 2 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J u l h o 2 017
CONJUNTURA COMÉRCIO EXTERIOR

exportadora. O país acumulou A realização de acordos comer-


reservas internacionais que o per- ciais facilita acesso a mercados e
mitiram atravessar a crise de 2008 É uma tarefa do viabiliza aumentar exportações que
sem restrição cambial. A partir sejam competitivas no mercado do
de 2011/12, o governo priorizou Brasil montar parceiro, como venda de alguns tipos
o tema da política industrial, mas de veículos aéreos para a China. O
trouxe um viés antiexportador uma estratégia de 13o Plano Quinquenal (2016-2020)
ao fazer exigências generalizadas irá consolidar a mudança na matriz
de conteúdo local e elevação nas identificação de possíveis produtiva chinesa em direção à “ma-
tarifas de importações para cem nufatura de elevado conteúdo tecno-
produtos. O protecionismo exerci- empreendimentos em lógico” no contexto das novas tecno-
do através dessas medidas afasta o logias de informática e digital.
acesso a novas tecnologias incor- que os chineses No dia 31 de maio foi anunciado o
poradas nos insumos e bens de ca- início da operação do Fundo Brasil-
pital, além de aumentar os custos possam ter interesse China de Cooperação para a Expan-
de produção. são da Capacidade Produtiva. O Fun-
Os “excessos protecionistas” es- do tem uma dotação de US$ 20
tão sendo eliminados, mas ainda bilhões, sendo US$ 15 bilhões disponi-
falta um longo caminho a percorrer. bilizados pela China e o restante pelo
É preciso avançar na elaboração de se analisa o grau de concentração da Brasil. Segundo informações publica-
uma reforma tarifária (ver a edição pauta: 84% das exportações brasi- das no site do Ministério do Planeja-
da Conjuntura Econômica de maio leiras para esse mercado são expli- mento, o Fundo atuará por meio de
de 2017), promover continuamente cadas pela soja em grão, minério de uma Secretaria Executiva, atribuída à
a simplificação dos procedimentos ferro e petróleo. Os cinco produtos Secretaria de Assuntos Internacionais
administrativos e desenhar uma es- seguintes na pauta com percentual do ministério, de um Grupo Técnico
trutura institucional que assegure a de 8,3% são commodities (celulose, de Trabalho e de um Comitê Diretivo,
governança transparente e eficiente carnes bovinas, carnes de galinha, que serão os responsáveis por classifi-
do comércio exterior. Sobre esse úl- óleo de soja, ferro nióbio). car os projetos. A função do Comitê é
timo ponto, a volta da Camex (Câ- A pauta de exportações para a classificar os projetos considerados
mara de Comércio Exterior) para China deve continuar concentrada prioritários pelo governo brasileiro em
o Ministério de Desenvolvimento em commodities. No entanto, o setores de infraestrutura e que possam
pode ser interpretada como um re- processo de urbanização do país, facilitar a cooperação de capacidade
cuo na criação de uma estrutura ainda em andamento tende a abrir industrial entre Brasil e China. A clas-
com capacidade de articular de for- novas oportunidades para o Brasil. sificação não implica direito de receber
ma independente os diferentes inte- É o caso de produtos agropecuá- aportes financeiros que deverão ser
resses associados ao comércio exte- rios (carnes bovinas não constavam buscados nas agências competentes.
rior nas instâncias governamentais entre os 10 principais produtos de A saída da China para o mun-
(ver Conjuntura Econômica, outu- exportações brasileiras antes de do como investidora é motivada
bro de 2016). 2016) e de alimentos processados. por quatro fatores. O primeiro é a
Qual o papel da China nas consi- Nesse caso, como demonstrou epi- procura por investimentos que pro-
derações acima? Diversificar a pauta sódio recente sobre falta de cum- piciem maior retorno para as suas
de exportações brasileira seja para a primento de normas sanitárias por reservas internacionais concentra-
China ou outro mercado não é uma frigoríficos brasileiros, a fiscaliza- das em títulos de governo, como os
decisão que se sustente apenas com ção dessas normas e a criação de dos Estados Unidos. O segundo está
políticas comerciais. No caso da um padrão de elevada qualidade associado ao tema da segurança ali-
China, o desafio é grande, quando pelo Brasil são essenciais. mentar e de insumos estratégicos, o

J u l h o 2 017 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 6 3
CONJUNTURA COMÉRCIO EXTERIOR

que explica grande parte dos inves- nologias, embora algumas questões Ganham participação como recep-
timentos na África e na América do como energia continuem na agenda tores de investimentos diretos chine-
Sul. O terceiro visa à exportação de prioritária. Comparamos o período ses: a Europa que passa de um per-
produtos e serviços em que a Chi- de 2005-2013 com o de 2014-2016 centual de 16% para 31%, a América
na possui vantagens comparativas e (gráfico 1). Observa-se que a partici- do Norte (Estados Unidos e Canadá)
se encontram com excesso de ofer- pação do investimento em tecnologia de 21% para 25% e o Leste Asiático
ta, com a mudança de orientação aumentou de 2,2% para 12,4%, nos de 10% para 12%. América do Sul e
do motor de crescimento do inves- períodos analisados. Chama atenção Austrália perdem participação e, em
timento em infraestrutura para o a elevação dos investimentos em tu- 2014-2016 registram percentuais de
consumo doméstico. Nesse caso rismo (0,4% para 7,8%) e de trans- 12%. África e o Oriente Médio mos-
estão equipamentos para constru- portes (4,8% para 12,5%), o que tram a maior perda em termos per-
ção, tecnologias para construção de sinaliza a procura por diversificação. centuais, passando de 16% para 7%.
ferrovias, entre outros. O quarto é Os investimentos em energia perma- O Conselho Empresarial Brasil
explicado pela procura da China na necem com a maior participação, China (www.cebc.org.br) realiza
aquisição de novas tecnologias que mas essa caiu de 49% para 24% e a um trabalho de levantamento dos
garantam sua posição no clube dos agricultura ficou relativamente está- investimentos chineses no Brasil e
países de renda alta. As compras de vel, passou de 4,1% para 3,9%. divulga detalhadamente os projetos.
empresas de alta tecnologia e parce- A procura por maior diversifica- Aqui utilizamos os dados do China
rias com centros de pesquisa avan- ção, além da questão de segurança Global Investment Tracker, pois o
çados é a forma escolhida. alimentar e de insumos estratégicos objetivo era apresentar um quadro
A análise dos investimentos dire- levou a um aumento da participação geral dos investimentos chineses no
tos da China no exterior mostra que dos países desenvolvidos como des- mundo. Não há divergências quan-
o governo tem procurado enfatizar tino dos investimentos, como mos- to às tendências entre as duas fontes
a vertente de absorção de novas tec- tra o gráfico 2. para o caso brasileiro.

Gráfico 1: Participação (%) dos setores nos


fluxos de investimentos diretos da China no exterior

50

40

30

20

10

0
Agricultura Químico Energia Entretenimento Finanças Imobiliário Tecnologia Turismo Transportes Serviços

2005-2013 2014-2016

Fonte: http://www.aei.org/china-global-investment-tracker/

6 4 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J u l h o 2 017
CONJUNTURA COMÉRCIO EXTERIOR

Gráfico 2: Participação (%) dos investimentos


diretos da China por mercados de destino

Outros

Austrália

América do Sul

Oeste Asiático

Leste Asiático

África e Oriente Médio

Europa

América do Norte

0 5 10 15 20 25 30 35

2014-2016 2005-2013
Fonte: http://www.aei.org/china-global-investment-tracker/

Os investimentos chineses ti- US$ 12 bilhões. Nos dois casos, o se- para o Brasil foi de US$ 45,6 bi-
veram dois picos na série dispo- tor de energia explica cerca de 85% lhões, o que representa para igual
nível desde 2009. O primeiro em dos investimentos. período 6% do total dos investimen-
2010, quando alcançou US$ 13,9 Em todo o período (2009-2016), tos chineses no mundo. A composi-
bilhões e o segundo em 2016, a soma dos fluxos de investimentos ção do montante investido no Brasil
é explicada por: energia (71%); me-
tais (9%); financeiros (5%); agrícola
Grafico 3: Os investimentos chineses no Brasil
(4%); imobiliários (4%); químicos
em US$ bilhões
(3%) e tecnologia (1%).
16 Da mesma forma que na pauta
de exportações, há o desafio de di-
14
versificar a agenda de investimen-
12 tos. É uma tarefa do Brasil montar
uma estratégia de identificação de
10
possíveis empreendimentos em que
8 os chineses possam ter interesse. É
6 uma tarefa que deve ser realizada
com conhecimento técnico e trans-
4 parência. A estratégia de interna-
2 cionalização para consolidar o pa-
pel da China no cenário político e
0
2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
econômico internacional não relega
a segundo plano o “caráter de ne-
Fonte: http://www.aei.org/china-global-investment-tracker/ gócios” dos investimentos.

J u l h o 2 017 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 6 5

You might also like