You are on page 1of 96
INSTITUTO EDUCACIONAL PIRACICABANO - IEP FRESIDENTE DO CONSELHO DIRETOR ‘Luiz Aleu Saparoli DIRETOR GERAL ‘Almir de Souza Maia VICEDIRETOR Gustavo Jacques Dias Alvin ‘UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA - UNIMEP {EITOR Gustavo Jacques Dias Alvi VICEREITOR ACADEICO ‘Sérgio Marcus Pinto Lopes VICERETOR ADMINISTRATIVE Assn Fimino de Novaes Neto EDITORA UNIMEP ‘CONSELHO De FOUITICAEDITORLAL Gustavo Jacques Dias Alvim (presidente) ‘Sérgio Marcus Finto Lopes (vice presidente) ‘Amés Nascimento ‘Antonio Roque Dechen CCliudia Regina Cavaghes Cristina Broglia F de Lacerda Luiz Antonio Rol [Nancy Alfieri Nunes Nelson Carvalho Maestrli Ccomissho De LIVROS Liz Antonio Rolim (presidente) (Ciudio Kirner José Carlos Barbosa tis Antonio Calmon Nabuco Lastéria Raimundo Donato do Prado Ribeiro Sebastio Neto R. Guedes EDITOR EXECUTIVO. Heitor Amica da Silvera Neto | ee GRIGINAL DA PA 25 A PASTA S900 wee, tavernisvelve = Oe Oro CRITICA DOS FUNDAMENTOS DAPSICOLOGIA A psicologia e a psicandlise GEORGES POLITZER Indicagéo editorial e revisio técnica [MARCIO MARIGUELA 22 edigio eprrorA 4 UNIMEP wore ets + Emad: escrn@enna od doAgteay kn 156 14001 = Praca SE “confi (19) 12416007 S124101 Tied xg! nig dene lpr cg aa cane (res Unies Fc 1963 ‘digo: outbr de 194 © 1528, Eons Rader Copright © 198 no Bal a Etora UNIME PouTzE, Georges ‘iti os fundamenes da lg: a peso» pcan {se Tie" Marge narod «Yue Maa & Caps Tet sara da Sa 2° ei. Rect Ear UNIME, 3 194 p.216 em. efi ec, 1) san ese11569 1. Pane 2. cepa - Cita on fanaa cov 1999612 Coordenago etait eter Amar de Sera New Sereda Ire Sano _Assstente administrative ‘lai Ales de Sve Revisto de texto AlecndeeBragion Feta Cnloptea Tages ese bibirpac ame “paar acta Senta Peas, 1982 Ton 65cm ea pal PREFACIO CONSIDERACOES SOBRE A ETERNA JUVENTUDE DA PSICOLOGIA: O CASO DA PSICANALISE (Ossiv FARIA GABBI JR.” Em 1947, cinco anos apés Politzer ter sido executado pela Gestapo, Kana- pa publica, sob o titulo de La crise de la psychologie contemporaine”, dois ar- tigos do notével pensador hiingaro, escritos em 1928 e 1929, nos dois tinicos nimeros de Revue de Psychologie Concréte? A justificativa para a nova edigio € claramente indicada: “desde 1929, a situagéo ndo mudou”.* Podemos comple- tar, passados setenta anos: os nomes s4o outros, os vocabulrios so diferentes, ‘mas 0s pressupostos centrais da chamada psicologiacléssica, nome dado por Po- litzer para designar aquilo que é comum a todas as psicologias existentes, per- ‘manecem os mesmes. ‘A Citic dos Fundamentos da Psicologia, escrta em 1928, permanece uma cobra atual es6 se tornard um monuments histérico quando seu objetivo final for alcancado, ou seja, quando a psicologia, tal como a conhecemos, deixar de exist, Politzer foi demasiadamente otimista quando acreditou que, “Daqui a cingienta anos, a psicologia autenticamente oficial de hoje apareceré como aparecem agora a alquimia e as fabulag6es verbais da fisica peripatética. Brin- ‘arse ainda com as f6rmulas retumbantes pelas quais se iniciaram os psicd- logos ‘cientificos’ e com as penosas teorias a que chegaram; com esquemas ‘Door em ficogia pela Univeride de So Bo (USE) Sime dcence em Fisemiogi pel ‘Univrsdae Eada de Canspnae (Uniamp), onde € profesor no Deo de Flo do nso A Piola eClncas Humana suitor do lo Fead racine sei nti (Cpa Code Lage, Eptemologe Hits da Cnc = Uniamp, Ceo CLE, 19) " POLITZER GLa Cite de eye Comoros Kanapa (x). Pais ations Scales, 147 > POUTZER G Op ap 10. GireamsreawenstArsmOG ¥ cestatiticos eesquemas dindmicos, ea teologia do cérebro constituiré um estu- do divertido, como a teoria antiga dos temperamentos — logo, porém, tudo ser relegado & histétia das doutrinas incompreensfveis e estranhar-se-4 sua persistincia, como se faz hoje com a escoléstica.”® ‘Agravidade, a relevancia e a pertinéncia da critica foram atenuadas logo pbs a publicacio do livro, Politzer entendeu muito rapidamente que a sua aceitacdo generalizada, por parte dos psicélogos franceses, era a forma mais ré- pida de desconsideré-a. Seus principais representantes apressaram-se em dizer, jem 1929, que eram todos psicélogos concretos; assim nfo precisaram alterar ‘uma linha de seu pensamento,* Mesmo muito tempo depois, em 1960, no VI CColéquio de Bonneval, alhomenagem prestada por Laplanche e Leclaire “Que a situaglo especial que reservamos & Crica des Fundamentos da Psicologia seja considerada uma homenagem a um autor (...] cuja influéncia sobre o futuro da psicanglise na Franga ndo se ter sublinhado devidamente") é, como vere- ‘mos, uma forma de descaracterizar o essencial da critica, de modo a perpetuat «a psicologia clissica sob formas mais sutis. "Nosso objetivo € triplo: descrever os pressupostos da psicologia clissica, indicar como a proposta de Politzer consiste em sugetir um novo modelo fun- Cia ds Fndamenoe de Pi, p40. + Em Ou va la psjcologieconcett" captul Ilda eoetinea La Crise de a yell Comenpo- reine, Tozer observa iroicamente “os as absratos pings realiaram um Yetomno s9bre ees ‘ment’ ¢decobiam subamente qu hd muito tempo, erm paride do pscologa coils” 6.90. S LAPLANCHE J. & LECLAIRE,§, °O Inconsente um etudopcanalitio”. 1966, IO Inoasione Hen Tad fost Rast Rio de Janes: Tempo Bras, 190, p11 WP cologias e que uma possivel unidade s6 existria enquanto especalidades de uma mesma profissio, ot se, a unidade da psicologia no seria tesrca, porém prética. Entretanto, para quem pretende realizar uma critica essencal dos fun- damentos da psicologa, ¢ vital assinalara unidade profunda que existe por tris da suposta diversidade e da etema querela das escolas. Nesse sentido, deve-se ‘compreender, antes de mais nada, quea Critica... nicia-se pela apreciagio de trés tipos de psicologia, aparentemente, muito diferentes: @ teoria da Gestalt, 0 ‘nehaviorismo ea psicandlise de Freud. Nao se trata de propor um hibrido cons- i uido com pedagos retirados aqui ou acold de cada um dos tes tipos. Na ver «ade, cada um deles, por razées diversas, apresenta— ao lado de pressupostos sa psicologiacléssica —indlcios evidentes de que 6 viével a construcio de uma cutrapsicologia.? A teoria da Gestalt évalorizada porque refuta a crenga de que o psicoligico 6 em sua esséncia lima, algo elementar. Em outras palavras, a psicologiaclas- sica conjetura —isto é antes deiniciar qualquer investigacSo empitica — que € forma dltima do psicolégico seria atomistica (P,). Esse atomismao é substitul- do na Gestalt pela crenga de que 0 psiquico s6 pode ser entendido como tota- lidade e nfo enquanto elementos distintos que so posteriormente associados. Entretanto, subsiste na Gestalt a tese de que o psicolégico é aprendido de for. ‘ma imediata pela percepcao (P,). Obbechaviorismo de Watson, apesar de também partirda assertiva de que » fato pscolgica é um dado percetiv, € saudado porque denunciow o caréter ‘nitologico de outra tese muito cara & psicologia clssica: a presuncao de que xista uma vida interior (P,). A tese da vida interior, timo refigio do animismo pois eqiivale a acreditar que ha seres dentro de nés que agem, tém inten- $6es € io dotados de vida prépria —, leva necessariamente a dirigira atencio cdo psicélogo para processos internos que, néo sendo de natuteza fsiologica — § G-CANGUITHEM citi a propa de Lgache ded pola com 2 “tea gel da con dt, steed pcoga extend pcsog ca, haan ch pegs scl da txalogat dado que ‘outs ates Ens hp de cochatca pode scoaso fase profs do que tana ena ign ape una conten ane Sie cee ula peng” 0985 fe Cota pa Haas Ph a Se 9, P 7 Emporate ena po fit qe Taek i proiando econ pun a ua is enconaisyaquo ue bs fata pr utr innate page eB nn pan es rp pe ewe seo so ee ‘ess oo mat mpeg Ss aren, TCs ABMS HASIHOSIL VE «aso contrério seriam objeto da fisiologia e ndo da psicologia —, tém de ser ensados como de natureza representativa. Contudo, 0 behaviorismo, por ‘no conseguir recusar totalmente essa mitologia, fica condenado ou a realizar estudos fsiol6gicos ou a introduzir sob uma forma disfarcada aquilo mesmo que rejeita, Esta aporia é expressa de forma exemplar por Greco: “E a infelici- dade do psicélogo: nunca esté certo de que ‘az cidncia’. Mas sea faz, nunca esté certo de que seja a psicologia."® Assim, para ficarmos em exemplos mais recentes, o behaviorismo de Skinner, que explicitamente rejeita a opcéo pela fisiologia, acaba por cair na prépria mitologia que condena, quando julga que psicologia deveria estudar 0 que ocorre fora da caixa pret, ou sea, os est- ‘mulos e respostas do organismo’ Ora, abandonar totalmente o mito da vids interna € comecar por acreditar na inexisténcia de qualquer modalidade de de varias objegées por parte do analisando — Politzer parece endossar ambas —serfamos, ainda assim, obrigados a aceitar, com Laplanche, a defesa do realis- ‘mo do inconsciente’ Antes de responder, examinemos a experiéncia mais de pperto, O analisando conta tum sonho, Ele ndo apreende imediatamente o senti- dodo relato do sonho e reluta em aceitar algumas possiilidades que se apresen- tam nocurso da andlise. A pattirde algumas indagacées ede referéncias a outras narrativas,o sentido nical sof una expansdo prgressiva, Para que se possa man- tera crenca de que a andliseesteja dsfazendo a censura, ou sej, removendo as li- nnhas negras, € preciso supor efetivamente a realidade anterior tanto do contetido latente quanto da censura, Assim, diz-se que aandlise desfez.o traba- tho do sonbo, Uma outra metafora de Freud — comparando os elementos do sonho a um quebra-cabecas —,® presume igualmente que s6 exista uma dispo- sigéo adequada para as pecas e anterior a sua montagem efetiva, Portanto, ate tia invere atelagdo temporal entre conteido manifesto e lateme tal como ela & dada ppela experiencia ¢ imagina que a resiséncia atwal€ repetigao de uma censura ante- rior, Justamente porque Freud ndo consegue livrar-se de P,, ele é evado a dizer que a anélise ndo produziu um sentido inicialmente ausente, porém a defender queo sentido existia e fora reprimido. Se, o contrétio, acreditarmos, contra Py, que sentido é aberto, a metéfora mais adequada seria a do calidoscépio, ou se- ja, héinfinitos sentidos possiveis, embora nem todos sejam igualmente interes- santes ou significativos. Como, contra P,, nao aceitamos que ofato psicol6gico seja elementas, podemos perfeitamente presumir que, no curso da interpreta- ‘#0, algumas possibilidades de sentido no sejam imediatamente aceitas pelo agente. Contra isso, Laplanche objeta que nao se saberia qual desses sentidos € co sentido verdadeiro Tal réplica s6 teria sentido no quadro de uma teoria que, ‘mesmo recorrendo a um novo vocabuléro, a linghfstica, a uma estranha élge- © Teumdeaun,p. 284 “\LAPLANCHE, |. & LECLAIRE, S. Op. ot, p17, Tab poss ser obetado conta noses ‘bservabes sabe a crenga de Feud em P, queda desconseamh a tee de Que 0 sno tein unt p30 © tha, 3314 © tap 20 dio Em 1986, no congresso de Marinbad, Lacan apresentou uma comunica- «fo intitulada “Le stade du miroir. Théorie d’un moment structurant et géné- tique de la constitution de la séalité, concu en relation avec Vexpérience et la doctrine psychanalytique”. Este primeiro esboco do estégio do espelho perde- se; no entanto, parte de seu contetido pode ser ecuperado através do exame de ‘ensaios posteriores. Pr exemplo, em ‘Au-dela de ‘Principe de Réalité™, escrito logo apés o congresso, ainda em 1936, Lacan critica 0 associacionismo e procu- raem seguida redefinir a nogio de imagem. Esta néo deve mais ser entendida como sensagdo elementar, enfraquecida, como se fosse um estranho habitante damente. A nogéo é usada para designar um tipo de organizagéo. Freud € elo- ‘ado por ter reconhecido que “uma vez.que a maior parte dos fenémenos pst- uicos no homem referese aparentemente a uma Fungo de relago social, nfo bdlugar porisso mesmo para excluira via que fornece o mais comum dos aces- sos: a saber, o testemunho do pr6prtio sujeto desses fendmenos’.® Adiante, ele acrescenta: “Mas o psicanalista, para ndo separar a expetiéncia da linguagem da situacio que ela implica, aquela de interlocutor, refere-se ao fato simples de que. linguagem antes de signiicar algo, significa para alguém."® Dizendo de coutra maneira, em Freud ndo estaria presente o modelo do quimismo mental, somente o modelo que denominamos de subjetividade compartilhada, em que © papel do sujeito 6 ressaltado. No verbete La famille, de 1988, essas considera- «6es tornam.-se mais incisivas. Na segdo denominada O estdgio do espelho, ele volta-se para o processo de identficagdo, considerado por Politzer como um os indicios de que a psicandlise de Freud estava na direcio da psicologia con- creta Referindo-se & comunicagio de 1996, Lacan observa: “procuramos s0- lucionar o problema através de uma teotia desta identificacdo cujo momento ‘genético designamos com o termo de estégio do espelho".* O estégioilustra a forma que a realidade tem para a crianca: enquanto valor afetivo sera ilusbria ‘como a imagem; enquanto estrutura tera a forma humana. Esse estdgio assi- © LACAN, Br Fis Sel, 1965, p. © id, p. 82. tua momar» picologi concreta em po, dveos seta 0 carter vedi de um cen tio tom pe fn a so ics mie on shee ue desman um lpn tai tis Coos, ke adeno e ocamplon & Epo” Gti p73 © LACAN, J. Op ct, p32 ans ees ARSE OV nala 0 momento em que a crianga toma o adulto como sua prépria imagem, ‘ou seja, o momento em que a crianca identifica-se com 0 adulto. Dado o caré- ter prematuro do infante, a crianca, a0 identificarse, abandona uma imagem desicomo despedacada.e vé-se como adulta.O ideal doeu, que se forma partir cda imagem especular, néo designa uma entidade interna, porém uma forma de ‘comportarse da crianga que se baseia em um engano a respeito de si mesma. Em 1946, em "Propos surla causalté psychique’, Lacan parece sugerir que esté procurando realizar o projeto de uma psicologia concreta: “Porque néo de- ‘vemos perder de vista que, ao exigir como ele (Politzer) que uma psicologia con- creta se constitua em ciéncia, sé conseguimos até agora postulagées formais. ‘Quero dizer que nfo pudemos entunciar ainda a menor lei em que se pauta nos- saclicincia."® Na ditecfo desse projeto, ele chega mesmo a criticar Freud: “Que ‘me sea suficiente dizer que a consideracéo deles” levou-me a completar 0 caté- Jogo das estruturas: simbolismo, condensagao e outros que Freud explicitou, eu ditia, de modo imaginério; porque espero que se renunciaré logo a usar a palavra inconsciente para designar o que se manifesta na consciéncia."® O ensaio con- tinua a desenvolver as conseqiéncias do estégio do espelhoea vinculsoa uma tradigdo flos6fica totalmente alheia ao associacionismo. Osefeitos desse engano, constitutive da subjetividade, séo analisados em. detalhe em Lagressvité en Psychanalyse. Nesse ensaio encontramos mais uma indicagdo da divida de Lacan para com Bolitzer: ‘A experiéncia subjetiva da ané- lise inscreve imediatamente seus resultados na psicologia concreta.”® Em outra passagem, ele defende que a nogao de eu (j) ndo pode ser substantivada: “Essas dliversas f6rmulas afinal referem-se& verdade do ‘Eu () um outro’, menos ful- gurante intuicéo do poeta quanto evidente para. psicanalista”” O pleno sen- tido dessa tese encontra-se em “Le stade du miroir comme formateur de la fonction du je tele qu'elle est rvélée dans lexpérience psychanalytique”, de 1949, em que o estigio do espelho & desrito como um drama.” © id, p64 © Be refrese as fetes lementae da pics prantic, © LACAN, J. Opt, p. 188 © Bid, p10 ” bi, p18 ” id, p97 io De forma surpreendente, o termo inconsciente aparece em “Fonction et champ de la parole et du langage en psychanalyse”, o famoso discurso de Ro- ma, em 1963, O que aconteceut A titulo de sugesto, uma vez que uma demonstracéo detalhada ultrapassaria em muito nossos objetivos, a resposta pparece estar no sentido que Lacan conferiu”® ao preficio escrito por Lévi- Strauss para Sociologie et Anthropologie de Marcel Maus, publicado no segundo trimestre de 1950. A nogio de inconsciente aparece no seguinte contexto: “Essa dificuldade” seria insuperdvel, dado que as subjetividades sio, por hipé- tese, incomparéveis ¢ incomunicéveis, se a oposigio entre o eu (mf) € 0 outro no pudesse ser superada em uma esfera, em que também se reencontram o subjetivo e o objetivo, queremos dizer 0 inconsciente. Com efeito, de um lado, as leis da atividade inconsciente estdo sempre fora da apreensio subjetiva (po- ‘demas terconsciéncia delas, porém como objeto) ede outro, entretanto, slo elas ‘que determinam as modalidades dessa apreensio.””° E um pouco mais adiante: “Como a linguagem, o social é uma realidade auténoma (aliés, a mesma); 0s sfmbolos sio mais reais do que aquilo que simbolizam, o significante precede e determina o significado."”® Lévi-Strauss criou, dessa maneira, as condigoes que permitiram a Lacan reintroduzir na sua versio da psicandlise a nogo de inconsciente. Este deixava de ser um termo que designava uma realidade interior para designar apenas a relagéo entre subjetividades. A famosa frmulao inconsciente organiza-se como tuna linguagem indica téo-somente que, apesar de osujeito estar sempre presen- te nos seus atos — a psicandlise pode, por conseguinte, ser construida agora como ‘uma psicoogia em primeira pessoa — como uma psicologia concreta —, ele pode ig- norar o sentido de suas produg6es, dado que elas slo anteriores a propria reali 7 ROUSTANG, F (980 ainala ainda dae pci de La Stus sole 3 compost do dicuvo de Roma, mas osu mtv € dear que “ease gure pias de Lei Suter contin ‘woo que Laan esezna pa deel cu pj Se fant dap a nc: Now fbjetvo€ sen qr Lact encanto uma fora e reper «noha de icogcente tm te a Sse teed a iter Usama a expen “tex em ama cape, fenteeenka ese poo, a popes cnsatao de ua cite et Lnge de eva (Lace Ets wo lapse, a Rober Cates Laceta i ano: Camp 5, p. 29). 2 LEVISTRAUSS,C. “ioducion 1 frome de Macel Mas 1950 lr: MAUSS, M. Sipe ‘Arle Eas PUE 156, pp. DELL A clade ride no fo de 0 Geico cement coma entre o indgens &o atrpalge sr 8 na sete 2 LEVISTRAUSS, Op ct, p. 0 id, p 1000 nos owns eS XM ago do sentido, Dizendo de outra maneira, os atos do agente sio entencidos todas as vezes como signifcantes e assim, esto abertos a receberem posciveis significados. A motivacdo para propor perguntas que induzem a criagao do ‘ito da vida interior perdem sua razlo de ser. O significado néo esté em ne. ‘hum lugar antes de sua relizagéo concreta Ele s6 passa a exisir quando apa- rece no curso da andlise Sea reconstrucio esbocada aqui nfo é delirante a falta de consenso em re- lado as teses discutidas pode se atrbulda basicamente a pelo menos quatro fa- fore: (1) Lacan ndo dea patente a sua divida para com Politzer, no méximo, ele [parece estar oferecendo mais uma alternativa &psicologia concreta; (2) Lacan ea. Tizow a proeza de transforma madelo do quimismo mental de Freud em um erro de letura dos inttrprees da obra feudiana; (8) Lacan superou-se quando transfor. ‘mou o etomno a Freud na tarefa hercilea de eras ocorréncias do termo incosciente em Freud com o sentido novo que ele lhe conferiu apés sua leitura de Liv Strauss liso que parce terse tomado um hébito dif de ser abandonido de novo sem o devido reconhecimento; (4) Lacan nfo dew indicagbescla-ay dde que a sua preccupacio com a légica era apenas uma forma de evitar a mito. logia da vida interior” A grande ironia reside no fato de que desde a Critica... Politzer havia dei- xado para os téenicos a construglo de uma psicandlise que fosseefetivamente una psicoogia conceta™ Aquele que mais ficou préximo de realizé-laignorou solenemente os preceitos de Descartes a respeito de clareza e distingo. Ore. Sultado €esa estranha mistura de matemas, vida interior signifcantes, A psi cologi, tal como a conhecemes, se chegar a mores, morrré como sempre vviveu: jovem, muito jovem. Too, si ut La Ltr wed, pinto ens dos fis, pode sr Ido como a tentava de Seno ot eS a pani gc abe dsm do mi wd net Se Lae ioe ‘iat nevasmitologisexcapa totalmente ao escop da presente inttodugia, No eteng ene oe {amente teria eimos adjetivs pa refers & login do consent aoe maton se fee Catton do ioconscint Ivana o rena da revo dis ngs fundamenta da pas {ee at 0 fto de sermos levadosreconsderar a forma stval de vogies cata sno es 2 Pe BB Peimbulo BB intodugio EDD és tescobertaspsicoogicns ‘no psicandlise ¢ « orientagio pao conceto BD Aintospeg déssico eo modo pscanatin EB arcabouco tesco da sical eo obreviénis do abso Bh Abipstese do inconsiente 0 psicologia conta BBB A ducldode do bstratoe do concreto na psicandlise € 0 problema da psclogia concen Conclusées —As vitudes da a psicologia concreta e os problemas que levanta 33 37 53 83 108 131 163 181 ~ PREAMBULO Este trabalho nio € uma exposigdo, Nao busca apresentat a psicandlise de ‘maneira dogmatica, na sua totalidade ou numa das suas partes, mas teletr so- breela, a partirda perspectiva em que nos situamos. Supondo, por parte do lei tor, conhecimento da psicandlise, deixamos de lado tudo 0 que é apenas articulagio técnica ou simples questdo de fato, quando nada vimos de signifi cativo segundo nosso ponto de vista. sso explica por que certos aspectos da Psicandlise, tal como a sexualidade, que deve figurar em primeito plano nas exposigbes dogmiticas, no aparecem neste trabalho. ‘Tampouco somos partidétios do método que consiste em justficar os “mas” €0s “se” por ctagées apropriadas. Se citamos menos do que se faz. habi- ‘walmente em obras como a nossa, € porque a exatidao de nossa interpretacdo \p9 pode ser verificada por uma teflex4o pessoal. Da mesma forma, renuncia- nos 8 concepgo que inspira a maioria das obras filosicasfrancesas, que con- siste em supor um leitor totalmente passivo, para néo dizer estipido, ao qual € preciso apresentar as coisas bem mastigadas, para dispensé-lode todo esforco de reflexao pessoal Tal método é superficial e 56 oferece falsa clareza. Dificuldade e obscuri- dade, clateza facilidade nao sio sinnimos. Devendo a preciso da idéia bas- tarse a si mesma, as explanagées que s6 se destinam a poupar o leitor do esforgo so completamente intiteis, além de absolutamente desinteressantes para o préprio autor. is por que omitimos quase tudo 0 que ngo é posicdo e desenvolvimento das idéias em si. Apés ter dito uma vez, do modo mais claro possivel, em que sentido censuramos os psicélogos cléssicos, por considerar os fatos psicol6gi- 0s como “coisas”, omitimos comparar a significagéo que essa censura tem paranés com a que tem para Bergson. Sabemos, de longe, nao sero tinico a em- ‘pregaro termo “concreto”, mas o sentido que ele tem em nosso texto deve pre- caver contra qualquer confusSo, embora ndo tenhamos examinado todas as sas significagSes. Tampouco analisamos uma a uma as diversas definiges do nar owes tArSKHOGK a! fato psicol6gico e as crfticas cléssicas da introspecco, para mostrar que as jri- ‘meiras implicam a abstragio eas tiltimas esqueceram oessencial. Também néo eternizamos a idéia do drama nela mesma; no mostramos, de cada uma das construgées tebricas de Freud, a maneira pela qual a abstraco permite geré-las «partir de um fato concreto e a maneira como esse fato concreto pode ser en- contrado ao se refazer, em sentido inverso, o caminho da abstracio. Poderia- ‘mos citar muitas outras passagens em que evitamos as explanagbes. Todos esses desenvolvimentos nao teriam sido indteis, orém, o leitor que aceitar fazer 0 esforgo necessério saberd aché-los; para os que se recusam a qual- quer esforgo do género, todas as explanacGes do mundo seriam insuficientes. ‘Nao queremos, contudo, encobrir com essa consideracdo o que ha de im- preciso e de provisério neste estudo, Nosso trabalho é ponto de partida; pri- eito, por ser o tomo I dos Matériaux, depois, porque faz parte de uma série de escritos preliminares.' Se, por exemplo, no desenvolveos aidéia de signifipa- fo ea de drama até o ponto em que sua dualidade, um pouco embaragosa ho presente escrito, cedesse lugar a uma concepeao clara das suas relagbes, & ror que 0s elementos desse desenvolvimento pertencem jé a0 tomo II dos Maté- riaux, 0 qual trataré da Gestalttheorie, Pela mesma raz, nfo aprofundamos a idéia de forma, embora nos sirvamos dela algumas vezes. Outros pontos, co- ‘mo, por exemplo, aandlise da nocéo de consciéncia ou o estudo sistemético de todos os procedimentos cléssicos que mencionamos ao longo deste estudo, 36 podem ser desenvolvidos no Essai que viré apés os Matériaux. Se tivermos a sorte de encontrar erticos bastante esclarecidos para nfo ros resservir, sob pretexto de que arrombamos portas abertas, exatamente aquilo a partir de que queremos encetar a discussao, perceber-se-,talvez, que 0 fazer este trabalho no podfamos encontrar muitos pontos de apoio — pelo ‘menos na literatura psicoldgica francesa, Poder-se-acetar a idéia de que que, remos a psicandlise exposta em termos de Gestalt e de behavior. Todavia, se esquega que nossa posi¢do ante a Gestalttheorie e 0 behaviorismo no podlira ser exposta com clareza a néo ser nos estudos que pretendemos dedicar hes. 1 Tiaras do peje de consi da paca cones, Os ts tomosanuncads (ve 08 9) ‘ofr ecto. A ade de flat 0 aris Camu Francs un ano apa publica do Frente en, lava + sbandona exe proj. Os tomes {cn} (Candee {Behavonine) prejetador pn Marin parla Citi srs Foden tele Pye devs ompor uma ba aig ue trem no ec Ea Cites es odes dee Bye (oe do rene eonco NRT) BD rents [De modo geral, nfo nos interessa saber em que medida as reflexées con- tidas neste volume ou nos seguintes so ‘originais’. Se levantamos essa ques- to é unicamente para poder esclarecer mais um ponto. Dos cotejos que se fizerem, alguns serio legltimos, mas néo nos esquecamos do seguinte: para nés, trata-se essencialmente de apresentaros problemas de tal maneira que a discusséo, sem nunca poder voltar a essa psicologia que nio deve mais exstir sendo para o historiador, possa partir de uma nova base e seguir um plano re- novado, Se nossas férmulas se encontrarem em outros, ou se futuramente se revelarem inadequadas, isso nfo pode ter, considerando a nossa posigéo, im- porténcia alguma, pois nfo se trata, no momento, de férmula, mas de uma corientacéo nova. GE circ oosrowaRDste sco INTRODUCAO 1,—Se ninguém pensa em protestar contra a afirmacéo geral de que as te- orias sto mortais e que a ciéncia s6 pode avancar sobre suas proprias ruinas, indo € possfvel fazer com que seus representantes constatem a morte de uma testa atual. A maioria dos cientistas compée-se de pesquisadores que, ndo ten- doo sentido da vida nem o da verdade, s6 podem trabalhar & sombra de prin- cfpios oficialmente reconhecidos: nao se pode pedir que reconhecam uma evidéncia que no é dada,’ mas a ser criada. Seu papel hist6rico outro: consis- te no trabalho de aprofundamento e de exploracio; € por meio deles que os “principios” gastam sua energia vital; instrumentos respeitveis da ciéncia, so incapazes de renovar-se e de renové-la. Reconhecem a mortalidade de todas as teorias, mesmo das prdprias, mas s6 no abstrato: parece-Ihes sempre inveros- sfmil que o momento da morte tena chegado. 2. ~E por isso que os psicélogos ficam escandalizados quando lhes fala- mos da morte da psicologia oficial, dessa psicologia que se prope estudar os “processos psicolégicos’, seja querendo capté-los em si mesmos, seja em seus concomitantes ou determinantes psicol6gicos, seja por meio de métodos “multicolores”. [Nao € porque a psicologia esteja de posse de resultados fecundos e posii- ‘yok que s6 se pode duvidar negando o pr6prio esptit cientfico: sabe-se que, «um lado, s6 existem, no momento, pesquisas “perdidas” ¢, por outro, pro- ‘messas, ¢ que tudo est ainda na expectativa de um misterioso aperfeigoamen- 2 litzer asia em ico, ao longo do too, pals, conesos, fae, pagrafos Ta recur enfatiza pontosesencis de sa eta, demurcando 0 ertlo auto Eabeth Rowe keervou: “Tuite € no somente um autntico lator de Feud, como tem a envegada dem an een Se ea gut Enc pan ua ene «ua en pr, Figaro nio respeita nats, nem as clebede, 2 quem tnt. de vate de porslany, ern 9 fara jit facet, cel ga at cf Hi de di we Pag A aha ds cam ans ~ x2: 925-1985. Hrd. Vera Rube. Rio de Jani Jorge Zaha, 1963, p78. (wen) to que 0 futuro deve trazer-nos generosamente. Néo hé, tampouco, pelo ‘menos a respeito do que jé se fez, um acordo undnime entre os psicblogos, acordo que pode desencorajar de saida os “energrimenos”: sabe-se que a hist6- tia da psicologia, nests dltimos cingllenta anos, nfo é sendo uma epopéia de desilusbes e que, ainda hoje, novos programas so lancados.acada dia para fixar as esperancas tornadas disponiveis. ‘Se 0s psicélogos protestam, e se podem protestar com certa aparéncia de boa fé, € porque conseguiram abrigar-se numa posigéo cmoda. Com as s.as necessidades cientificassatisfeitas pelo manejo, mesmo esti, dos aparelhos € com a obtengao de alguns dados estatistcos que nao tém por habito sobreviver sua publicacéo, proclamam que acinciaéfeita de paciénciae rechacam todo controle e toda critica sob pretexto de que a ‘metafisica” nada tem a ver com a ciéncia ‘3. ~Essa histéria de cingtlenta anos, da qual os psicélogos tanto se orgu- ham, ndo é sendo a hist6ria de um charco de rs. Incapazes de descobrir a ver- dade, os psicblogos a esperam cotidianamente, de qualquer um e de qualquer Jugar, mas como néo tém idéia alguma da verdade, nao sabem reconhect-la nem capté-la: véem-na em qualquer coisa e se toraam vitimas de todas as ilu- ses ‘Wunde aparece primeito para preconizara psicologia “sem alma’ e ento ccomega a migracéo dos aparelhos dos laboratérios de isiologia para os dos i- célogos. Quanto orgulho! Quanta alegrial Os psicélogos tém laboratéricl e publica monografias.. Acabam-se as disputas verbais: calculemos! Puxarn!se 0s logaritmos pelo cabelo e Ribot calcula o niimero de célulascerebrais para s2- ber se podem abrigar todas as idéias. Nasce a psicologia cientifica De fato, porém, que miséri: 0 mas insfpido formalismo vence protegido ‘por uma complacéncia universal eaplaudido por todos aqueles que s6 conhecem da citncia os lugares comuns da metodologia. Aparentemente, & claro, esses psi- cBlogos prestaram servigo & psiclogia combatendo as velharias eloguentes da *psicologia rcional’, quando, na realidade,s6 Ihe construiram um reftjgio onde, ‘a0 abrigo da crftca, ela ainda tinha possibilidades de sobrevivencia ‘Quando se conseguits medir as associagbes ao milésimo de segundo, fez-se sentir a lassidéo. Felizmente, 0s “eflexos condicionados” chegaram para reani- ‘mar a fé. Que descobertal Aos psicblogos maravilhados, Bechtherev apresenta a “psicoreflexologia”. Mas esse movimento adormece logo. A seguir, ora é.afa- sia, oraateoriafsiol6gica das emogées, ora.as glindulas endécrinas que fazem @ vciss renascer as grandes esperancas combalidas, mas af s6viceja a tensdo ea dis- tensio de um desejo impotente, porque quimético, e ao mesmo tempo, aps cada periodo de agitagio ‘vbjetivista’, reaparece monstro vingativo da introspeccéo. 4.—Longe de representar um novo triunfo do espiito cientifico,oadven- toda psicologia “experimental” nfo passava de humilhagio. Em vez de se di- var renovar por esse espritoe de oservr, tratava-se de utlizé-o para dar nova Vida a velhas tradigées que nio a tinham mais e para as quais ele era altima chance de sobrevivéncia, Isso explicao fato, hoje reconhecido, de que todas as psicologias ‘cientificas” que se sucederam desde Wundt nfo passam de disfar- cesda psicologia classica. A diversidade de tendéncias 6 representa os sucess vos renascimentos dessa lusfo que consiste em crer que a ciéncia pode salvar aescoldstica,Pois, em todos os fates, fisioldgicos ou biolégicos, de que se apos- ‘saram, os psicélogos s6 procuraram isso. E também o que explica a impoténcia ddo método cientifico nas mos dos psicélogos. 5. Vistos a partir da seriedade com que concebem 0 método cientifico, os dentists formam uma veedadeia hierarquia, Por sero mundo da quantifi- cago o mundo proprio dos mateméticos, movem-se nele com naturalidade e 80 0s Ginicos a nao transformar seu rigor em desile. O uso que os iscos fazem das matemsticas,algumas vezes, js se ressente do fato de elas representarem. para eles apenas um traje de aluguel; a pura envergadura dos mateméticos pode serhesinacessivele eles sio freqlentemente bitolados. Mas tudo isso & nada comparado a0 que acontece no andar debaixo, Os fsilogos jé mergu- ham terrivelmente na magia dos nimeres, eo entusiasmo pela forma quanti- tativa das leis transforma-se neles em adoragéo do fetiche. Todavia, esse impedimento nio pode fazer esquecer a seriedade fundamental que encobre. Os psicélogos, por sua vez, recebem a matemitica de terceira mio: dos fs6lo- gos que a receberam dos fisics, que, 86 eles, as herdam dos maternéticos. Em. cada etapa, o nivel do espltito cientifico sofre uma queda e quando, no final, ‘matematica chega aos psicSlogos, é “um pouco cobree vidro® que eles imagi- nam ser ‘ouro e diamante", O mesmo se dé com o método experimental, Eo fisico que detém uma visio séia dele; 6 ele nfo brinca com ela, és6 nas mos, dele que ela é uma técnica racional que ndo degenera em magia. O fsi6logojé tem forte tendéncia para a magia: nee, o método experimental degenera fre- aiientemente em pompa experimental. O que dizes, entdo, do psicslogo? Nee, tudo € pompa. Apesar de todos os seus protestos contra aflosofia, ele s6 vé a Ghamsremmenscscon cincia mediante lugares-comuns a respeito dos quais esta lhe ensinou, Como foi-the dito que a cinciaé feita de paciéncia, que foi sobre pesquisas de porme- notes que se edificaram as grandes hipsteses, cé que a paciéncia é um método em si e que basta procurar detalhes cegamente para atrair 0 Messias sintétco. Atrapalhia-se, entdo, no meio dos aparelhos, ora se lanca na Bsiologia, ora na uimica, na biologia; acumula médias estatisticas eestd seguro de que, para ad- uirir a ciéncia, como para adquirir af, € preciso tornar-se estpido. Entenda-se: os psicdlogos sio to cientistas como os selvagens evangeli- zados so cristdos. 6.~A negacéo radical da psicologia cléssca, introspeccionista ou experi ‘mental, encontrada no behaviorismo de Watson, € uma descoberta importan- te. Significa, precisamente, a condenacio desse estado de espitto que consiste ‘em crer na magia da forma sem compreender que o método cientifco exige ‘uma radical ‘reforma do entendimento”. Nao se pode, qualquer que sea asin- ceridade da intengao ea vontade da precisfo, transformara fisica de Aristételes em fisica experimental. Sua natureza recusa-se a isso e seria totalmente ilegiti- ‘mo, numa tentativa do género, confar nos aperfeicoamentos do futut. 7.—A histéria da psicologia nos cinqientatltimos anos nio é, portanto, como se costuma afirmar no infcio dos manuais de psicologia,ahist6ria de uma ‘organiza¢So, mas a de uma dissoluedo. Daqui a cingjenta anos, a psicologia au- tenticamente oficial de hoje aparecerd como aparecem agora a alquimia e as fa- bulagées verbais da fisica pesipatética. Brincar-se< ainda com as férmulas retumbantes pelas quais s iniciaram os psicblogos “cientificos” e com as peno- sas teorias a que chegaram; com esquemas estatisticos esquemas dindmicos, €. teologia do cézebro constituiré um estudo divertido, como a teoria antiga dos temperamentos — logo, porém, tudo serérelegado & hist6ria das doutrinas incompreensiveis ¢ estranhar-se-4 sua persisténcia, como se faz hoje com a excoldstica Compreender-se-é, ento, o que parece incrivel agora, que o movimento psicolégico contemporaneo néo é sendo a dissolusao do mito da dupla natureza humana. Oestabelecimento da psicologia cientifica supbe exatamente essa disso- lugéo. Todas as articulagdes que uma elaboracéo nocional introduziu nessa ctenga primitiva devem apagar-se uma a uma, ea dissolugéo deve proceder por tapas; hoje ela jd deveria estar terminada, Sua duracdo foi consideravelmente @ iovigce prolongada, apenas pela possbilidade que se ofereceu is teses mortas de renas- cer gracas ao respeito que cerca os métodos centificos. 8,~Enfim chegou o momento da liquidacao definitiva de toda essa mito- logia. Hoje a dissolucéo néo pode mais afetar a forma da vida e pode-se, agora, reconhecer com seguranca o fim no fim. Atualmente, a psicologia esté no esta- do em que se encontrava a filosofia no momento da elaboracdo da Critica da ‘Raado Pura, Sua esterilidade € Sbvia, seus procedimentos constitutivos dio nas vistas, e enquanto uns confinam-se numa escoldstica impressionante por sua fpresentacéo, mas que nlo progride de forma alguma, outros lagam-se em Nolugdes desesperadas. Mas tum sopro novo faz-se sentir: hd o desejo de que toda essa histéra tenha acabado, mas recaise constantemente nas fantasias escoldsticas, Portanto, falta alguma coisa: o reconhecimento claro de que a psicoo- ‘ia classica nada €sendo a elaboragéo nocional de um mito. 9, Esse reconhecimento nio deve ser uma critica semelhante as que lo- tam a literatura psicolégica: estas mostram ora o fracasso da psicologia subje- tiva, ora o da psicologia objetiva, e preconizam periodicamente o retorno da tese a antitese e da antitese & tese. Conseqfientemente, nao se deve encetar ‘uma disputa que, novamente, permanea no interior da psicologia cléssica e ‘cujo beneficio se restringe a fazer a psicologia voltar-se sobre si mesma. E ne- cesséria uma critica renovadora, uma critica que, pela liquidagéo clara do que tem sido, ultrapasse o ponto morto em que se acha a psicologia e cri essa gran- de evidéncia que € preciso comunicar. 4, 10.~Contrariamente a toda expectativa, ndo é do exerefcio do método 1p etivo que vem essa visio da psicologia nova que a critica em questo supée. resultado desse exercicio€ inteiramente negatvo: de Fato, desembocou no beha- viorismo, Watson reconheceu precisamente que a psicologia objetiva cldssica rio € objetiva no verdadeiro sentido da palavra, pois afirmou que, ap6s cin- ‘qlenta anos de psicologiacientfica, jd era tempo de a psicologia tomar-se uma ciéncia positiva. Ora, 0 behaviotismo marca passo ou, melhor, desgraca muito ‘maior lhe sobreveio, Inicialmente encantados pela nogio de bekavier, os beha- vioristas acabaram por descobrir que o behaviorismo conseqiiente, o de Wat- son, no tem saida e, chorando as panelas da psicologia introspectiva, voltam, sob pretexto de “behaviorismo no-fisil6gico", a nogées francamente intros- Pectivas ot limitam-se a traduzir em termos de behavior as nocées da psicolo- gia cléssica. Tem-se, entdo, o pesar de constatar que, em alguns, pelo menos, 0 \ chaosrmowensnrsonc. @ bbehaviorismo s6 serviu para dar forma nova 8 ilusio da objetividade.* O beba- vviorismo apresenta, entéo,o seguinte paradoxo: para afirmé-o sinceramente € preciso renunciar a desenvolvé-lo e, para desenvolvé-lo, € preciso renunciar a sua afirmagéo sincera; 0 que, ent, despoja-o de toda razsio de ser Allis, isso néo é de se estranhar. A verdade do behaviorismo é constituda ppelo reconhecimento do caréter mitol6gico da psicologia clissica e a nogdo de behavior 86 € valida quando considerada no seu esquema geral, anteriormente A interpretago que os watsonianos e 0s outros Ihe dio. Cinqiienta anos de pi- cologia cientifica s6 conseguiram chegar@afirmacSo de que a psicologia cient- fica esté apenas comecando, 11, ~ A psicologia objetiva cléssica ndo podia chegar a outro resultado. ‘Nunca passou da impossfvel vontade da psicologia introspectiva de vir a set ‘uma ciéncia da natureza e s6 representa a homenagem desta tltima ao gosto da época. Houve um momento em que a pr6pria filosofa, inclusive a metafis- a, pretenderam fazer-se Yexperimentais’, mas nfo se levou a intencio a serio, ‘A psicologia conseguiv enganar. De to, nunca houve psicologia objetiva diferente dessa psicologia que se fingia negat. Os psicSlogos experimentais nunca tiveram idéias préprias, semm- pre utilizaram o velho estoque da psicologia “subjeriva". Cada vez que se des- cobriu que certa tendéncia havia sido vitima dessa ilusio, recomegou-se em outra direcio, crendo que se podia fazer melhor partindo dos mesmos princi- Pos. Fis por que esses pesquisadores, a quem 0 método cientifico devi dar sas, sempre estiveram atrasados em relaglo aos psicélogos introspecciontts, pois enquanto os primeiros ocupavam-se em formular “cientificament)” as {déias dos Gltimos, esses nada mais tinham a fazer a néo ser reconhecet as pré- pias ilusGes. Agora, a psicologia experimental s6 consegue reconhecer seu pré= ptio vazio e a psicologia introspeccionista continua com suas maravilhosas ¢ emocionantes promessas, enquanto entre psicblogos que abandonam o inte- ‘esse pela fisiologia das sensagées, pelos laborat6rios cléssicose pelo ‘devir mo- © manual de Waren muito sia a ee spi, (WARREN, Haward Cosby ~ 196.1984. Ps de Pycge. Pari: Maral Rate, 1923, Tate de en compli de slog inhi eho noeaeicana po Lacs Curl Bene Ma pba mde Liane ds Snes Res Sc ate naa maton wn 0 do behaviorsmo em oo francis. Siematzava o temas deetudo ca neuro apleaa 908 kh ne osilopa sped @ mes vente" da consciéncia surge, com uma visio clara dos ertos, a indicagéo de uma ditecfo realmente fecunda 12.~B luz das tendéncias que procuram subtrairse influéncia dos pro- blemase das tradigées da psicologia subjetiva, assim como da objetiva, que de- ‘vem ser vistos os aspectos positivo e negativo da critica que empreendemos. ‘Mesmo admitindo que essa critica nao deve sero resultado de um trabalho pu- ramente nocional, sua validade nao exige que se comece “por baixo”. £0 tronco que cla iré atacay, a ideologia central da psiclogia clssica. Nao se trata de desbas- tar galhos, mas de derrubar a drvore. Tampouco € questo de condenar tudo ‘em bloco: ha fatos que sobreviverdo & morte da psicologia cléssica, mas $6 a nova psicologia poderé dar thes a verdadeirasignificacéo. 13, —O que ha de mais notével em toda a hist6tia da psicologia nfo é a ‘oscilagdo entre os dois p6los da objetividade e da subjetividade, nem a falta de sgenialidade que caracteriza 0 modo de os psicblogos utilizarem o método ‘entifico, mas ofato de a psicologia classica nem chegar a representar a forma falsa de uma ciéncia verdadeira, pois €a propria cifncia que € fals,radicalmen- te, fora qualquer questdo de método. A comparagdo da psicologia com afisica de Arist6teles ndo é totalmente exata, pois nem é dessa maneira que a psicolo- gia éfalsa, mas 4 maneira das cincias ocultas: 0 espiritismo e a teosofia que, também, simulam uma forma cientffica. ‘As ciéncias da natureza que se ocupam do homem nfo esgotam tudo que se pode aprender a respeito deste. O termo ‘vida” designa um fato“biolégico”, ‘a0 mesmo tempo que a vida propriamente humana, a vida dramética’ do ho- ‘mem. Essa vida dramética apresenta todas as caracterfsticas que tornam uma zea suscetivel de ser estudada cientificamente. Mesmo que niio exisisse psi cologia, é em nome dessa possibilidade que ela deveria ser inventada. Ora, as reflexdes sobre essa vida dramitica 86 conseguiram encontrar lugar na literatu- raeno teatro, eembora a psicologia cldssicaafirme a necessidade de estudar 0s “documentos literdrios’, nunca houve, de fato, verdadeira utilizacdo, indepen- dente dos objetivos abstratos da psicologia. Assim, em vez de poder transmitir psicologia o tema concreto que se tinha refugiado nela, a literatura que aca- *Enuede-e eama vex por fds, que desgpamas plo temo “ama” um fa e qu fazemas abst do ttl dat exons romdntes dens pala, Peano, pedmos quo lar se abe 8 ea ‘epeiosimples db temo e exquea sua sgcagio “emotiva 9 Fora a pecan ciramsenawemscarsccn @ bbou por sofrer a influéncia da falsa psicologia: os beletristas viram-se obrigados, ‘em sua ingenuidade e ignorancia, a levar a sério a “ciéncia” da alma. ‘De todo modo, a psicologia oficial deve seu nascimento a inspixagées radi- calmente opostas as tinicas que podem justificar sua existéncia; mais grave ain- da, ela se alimenta exclusivamente dessas inspirag6es. Com efeito, e para dizé- Jovem termos realistas, s6 representa uma elaboragio nocional da crenca geral nos deménios, isto é, por um lado, da mitologia da alma, e por outro, do proble- ma da percepcio, tal como se apresenta & filosofia antiga. Quando os behavio- ristas afirmam quea hipétese da vida interior representa um resto de animismo, divisam perfeitamente o verdadeiro cardter de uma das tendéncias cuja Fuso du origem a psicologiaatual. Afesta uma hist6ria muito instrutiva, mas cujo relato ultrapassa os limites deste estudo. Em termos gerais, a atitude mistica e “pedagogica” diante da alma, os mitos escatol6gicos incorporados no cristianis- ‘mo sofreram, em dado momento, uma queda e se encontraram repentinamen- te rebaixados ao nfvel de um estudo dogmético inspirado por um realismo birbaro, encontrando assim a inspiracio do tratado atistotélico da alma. En- quanto esse estudo devia, de um lado, servir & teologia, procurou, por outro, constituir um contetido para si, colhendo elementos na teoria do conhecimen- to, na l6gica ena mitologia, indistintamente. Formoute assim um tecido de te- mas ¢ de problemas bem delimitados para formar uma parte distinta da filosofia. ode-se dizer que, desde sua formagéo, 0 conjunto estava completo e, em todo caso, néo se fez, até hoje, descoberta psicolégica alguma digna desse rome: 0 trabalho psicolégico, desde Gocklen ou, se preferi, desde Christian ‘Wolff, jamais foi além do nocional: trabalho de elaboracao, de articulagdo, enfim, a racionalizagao de um mito e, finalmente, sua critica. 14. — A critica kantiana da “psicologia racional" deveria ter arruinado defi- nitivamente a psicologia, Podera ter determinado imediatamente uma orienta- ‘¢4o para o concreto, para a verdadeira psicologia que, sob a forma humilhante da literatura, foi exclufda da “ciéncia”. Mas a Critica no produziu esse efeito. Ela certamente eliminou a nogéo de alma, mas, por sera refutagéo da psicologia ra-

You might also like