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Processo administrativo

Departamento de Direito (PUC-RIO)

G2

Prof. Manoel Peixinho

Consulta somente aos textos das leis

Nome do aluno: Bernardo Marquez de Vasconcelos

Leia o texto abaixo e responda de forma fundamentada se a PRF observou as regras de


competência previstas na Lei nº 9784/1999 e se houve violação aos princípios norteadores
da Administração Pública (em caso positivo aponte quais princípios foram violados)

“O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou na noite


desta segunda-feira (31) a imediata desobstrução de rodovias e vias públicas que estejam
ilicitamente com o trânsito interrompido. Alexandre de Moraes também determinou, em
razão de apontada “omissão e inércia”, que a Polícia Rodoviária Federal adote
imediatamente todas as providências sob pena de multa de R$ 100 mil em caráter pessoal
ao diretor-geral da PRF, a contar de meia-noite de 1º de novembro, além da possibilidade
de afastamento de suas funções e até prisão em flagrante de crime de desobediência caso
seja necessário... Na decisão, o ministro destaca que a Constituição assegura o direito de
greve, manifestação ou paralisação. Mas, assim como outros direitos, eles são relativos,
“não podendo ser exercidos, em uma sociedade democrática, de maneira abusiva e
atentatória à proteção dos direitos e liberdades dos demais”. “Ainda conforme Alexandre de
Moraes, “o quadro fático revela com nitidez um cenário em que o abuso e desvirtuamento
ilícito e criminoso no exercício do direito constitucional de reunião vem acarretando efeito
desproporcional e intolerável sobre todo o restante da sociedade, que depende do pleno
funcionamento das cadeias de distribuição de produtos e serviços para a manutenção dos
aspectos mais essenciais e básicos da vida social”.
Face ao caso exposto, importa primeiramente compreender que a Polícia Rodoviária
Federal (PRF) caracteriza-se por ser um corpo profissionalizado, hierarquicamente
organizado e especializado, integrando este a Administração Pública, sendo a sua
finalidade comum a de manutenção da ordem e da segurança rodoviária. Possui esta a
natureza jurídica de serviço público e, hodiernamente, vê o seu fundamento político nascer
na concepção garantista dos direitos constitucionais e legais. Deste modo, é o cidadão a
razão de ser da polícia.

Atendendo à primeira questão, se a PRF observou as regras de competência


previstas na Lei nº 9784/1999, releva ter em atenção o conceito de competência explanado
no seu Artigo 11.º, sendo portanto o poder-dever que exercem os órgãos administrativos
para decidir o processo administrativo e/ou praticarem certos atos. A competência é dada
pela lei e é irrenunciável, salvo nos casos de delegação ou avocação. Tendo esta ideia em
mente, e conjugando com o preceituado no Artigo 1.º, VII do Decreto 1.655, de 3 de
Outubro de 1995, tem-se que é da competência da PRF assegurar a livre circulação nas
rodovias federais, pelo que, não tendo havido qualquer delegação ou avocação, esta era
uma competência que lhes pertencia, irrenunciável pela sua natureza. A atuação policial,
caracterizada pela sua “omissão e inércia”, desrespeita esta consagração legal pois, sendo
uma exigência de atuação pela lei, não lhe era permitido qualquer outro tipo de
comportamento que não esse.

Além do mais, considerando o Artigo 3.º, I dessa mesma lei, compreende-se que é
da competência da administração respeitar o administrado, devendo facilitar o exercício dos
seus direitos e o cumprimento das suas obrigações, algo que claramente não foi cumprido
pela PRF, que permitiu com a sua falta de atuação a violação a certos direitos pessoais e
sociais, assim como o impedimento do cumprimento de certas obrigações, como a do
comparecimento no trabalho que certas pessoas viram impossibilitado devido à obstrução
das vias rodoviárias. Esse comportamento por parte da PRF incumpre também o previsto
no âmbito do Artigo 4º, II e III deste diploma, pois não tutelou o interesse público dos
cidadãos, não tendo agindo com a lealdade e boa-fé que lhe é imposta, além de ter agido
de modo temerário, colocando o bem estar de inúmeros cidadãos em risco.

Procurando compreender quais os eventuais princípios norteadores da


Administração Pública que possam ter sido violados, importa ter em consideração os
mencionados no Artigo 2.º da Lei 9.784/1999, sendo esta a lei que estabelece normas
básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e
indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor
cumprimento dos fins da Administração, assim como ao Artigo 37.º da Constituição, a lei
hierarquicamente superior a qualquer outra.

O Princípio da Legalidade ou Juridicidade é o princípio que determina que os atos


praticados pela Administração Pública apenas serão considerados legais se a lei
expressamente dispuser acerca da possibilidade da sua prática, tendo em conta que esta é
a função de governo vinculada ao poder executivo (Artigo 84.º, II CF). O agente público só
pode fazer o que a lei autoriza, e como autoriza, de forma que se a lei nada dispuser, não
poderá agir o agente. Portanto, para a Administração Pública é, na verdade, princípio da
estrita legalidade, não comportando autonomia da vontade (faculdade de fazer o que a lei
não proíbe).

O Princípio da Legalidade administrativa dá origem ao atributo da presunção de


legitimidade dos atos administrativos, razão pela qual todo o ato da administração
considerado legal também será considerado legítimo, ou vice-versa. Destarte, especial
atenção deve ser dada a este princípio no que concerne à atuação policial.

A polícia deve obediência à lei e à constituição, tanto numa dimensão positiva – a


polícia só deve intervir de acordo e com base na lei, quanto numa dimensão negativa –
todos os atos da polícia têm de se conformar com as leis, sob pena de serem ilegais.
Ademais, cabe à polícia garantir os direitos do cidadão porque deve também obediência ao
Princípio da Constitucionalidade, segundo o qual a lei maior do país é a Constituição. O fato
é que, a interpretação mais contemporânea do Princípio da Legalidade aponta para um
poder-dever do administrador público de atuar conforme a Constituição, daí dizer-se que
hoje o mais adequado é denominar o Princípio da Legalidade de Princípio da Juridicidade.

Ao não desobstruir as vias públicas, acabam por permitir que sejam afetados direitos
concedidos aos cidadãos na Constituição, como o direito à livre circulação (Artigo 5.º, XV) e
certos certos direitos sociais consagrados no Artigo 6.º, como o direito à saúde, à
alimentação, ao trabalho, à educação, entre outros que, como expressou o Ministro
Alexandre de Moraes, ainda que indiretamente, dependem “do pleno funcionamento das
cadeias de distribuição de produtos e serviços para a manutenção dos aspectos mais
essenciais e básicos da vida social” e acarretam uma efetiva violação aos preceitos
constitucionais. Além do mais, atentando ao Decreto n.º 1.655, de 3 de Outubro de 1995,
verifica-se no seu Artigo 1.º, VII, que é da competência da PRF “assegurar a livre circulação
nas rodovias federais”, o que não foi cumprido, verificando-se um afastamento da atuação
policial ao estabelecido por lei e, consequentemente, a violação ao Princípio da Legalidade.

Também podemos encontrar uma violação ao Princípio da Finalidade, sendo este o


princípio que informa que os atos praticados pela Administração Pública deverão sempre
atender à finalidade do interesse público, jamais podendo, pois, buscar o atendimento do
interesse pessoal ou de terceiros, sob pena de incorrer em desvio de finalidade. Este
princípio obriga a polícia a aplicar as normas jurídicas com os mesmos critérios, as mesmas
medidas e as mesmas condições a todos os particulares indistintamente, sendo que ele não
se confunde com neutralidade porque a polícia tem a seu cargo a prossecução do interesse
público.

Parece certo que o interesse público não pode ser caracterizado pelo interesse do
grupo eleitoral que foi derrotado aquando das eleições presidenciais que ocorreram no mês
passado. Não só não fará sentido arguir que o interesse de todos os eleitores do candidato
derrotado é o mesmo, pois que apenas uma parte deste grupo veio a obstruir as rodovias,
como ainda menos sentido fará generalizar esse interesse para o da maioria da população
brasileira. Ao permitir estes comportamentos com a sua “omissão e inércia”, a PRF não tem
em conta o interesse público, a vontade soberana e democrática da sociedade, o qual
consubstanciar-se-á necessariamente no respeito aos resultados eleitorais e ao normal
decorrer das coisas, não na restrição de direitos fundamentais da população que se
pretende movimentar pelo território nacional e que, porventura, se constitui em um número
superior ao dos manifestantes. Além do mais, como consagra o Artigo 20.º da LINDB, as
consequências práticas das decisões têm de ser consideradas, não bastando o respeito a
valores jurídicos abstratos.

Relacionado com esse mesmo princípio, importa fazer alusão ao Princípio da


Indisponibilidade do Interesse Público, do qual decorre a fundamentação para o exercício
do poder da polícia e que também veio a ser afetado. O interesse público apresenta-se à
polícia em duas facetas, como um dos mais importantes limites da margem livre de decisão.
Por um lado, a polícia só está legitimada a perseguir o interesse público, devendo
apartar-se dos interesses privados, por outro lado, a polícia só deve buscar o interesse
público que estiver previsto na lei. O interesse público que deve ser perseguido é somente
aquele primário e, mesmo assim, que esteja em conformidade com a Constituição. Embora
os direitos à greve e à reunião se encontrem legitimados pela Constituição, colocando-os
numa balança em oposição aos direitos afetados por tais práticas, os já previamente
mencionados, parece óbvio que os últimos pesam mais e representam mais
acentuadamente o interesse da coletividade pelo que, havendo direitos fundamentais em
colisão, deve o interesse público, o interesse superior, prevalecer. Podemos encontrar uma
consagração destes dois princípios no Artigo 2.º, II da Lei 9.784/1999.

Poder-se-á também argumentar que foi violado o Princípio da Moralidade, princípio


este que desempenha um papel de extrema importância no processo administrativo, já que
exige uma conduta orientada pela probidade, honestidade e respeito aos valores éticos e
jurídicos da sociedade, podendo-se afirmar que este princípio transcende o próprio Princípio
da Legalidade, já que é imposto ao agente público uma conduta ética definida pela
conformidade dos princípios da boa-fé e da probidade, ancorada pelo decoro que a função
pública impõe, o que não se verificou no caso em apreço em que foram paralisadas e
afetadas as vidas de inúmeras pessoas por motivos políticos.

Este princípio vem a exigir que a atuação da polícia atenda às expectativas e à


confiança dos particulares, significando uma garantia à previsibilidade e ao não induzimento
ao erro do particular pela polícia, pelo que a PRF deveria ter atuado de forma previsível e
imediata, não optando pela “omissão e inércia”, estabelecendo com tal atuação precedentes
duvidosos e colocando também em causa o Princípio da Segurança Jurídica, já que o
administrado deixa de saber qual a atuação que deve esperar da Administração Pública
numa situação como esta em que a resposta, embora óbvia e consagrada legalmente,
acabou por não ser a adotada, frustrando as legítimas expectativas dos cidadãos.

Sendo uma das suas principais competências o assegurar da livre circulação nas
rodovias federais, certamente que o Princípio da Eficiência também não foi respeitado pela
PRF, já que a sua atuação, ou falta desta, não levou a quaisquer resultados positivos para o
serviço público nem a nenhum atendimento satisfatório das necessidades da comunidade e
dos seus membros tal como exigido pelo princípio em questão, tendo optado pelos
instrumentos menos ineficientes possíveis, in casu, a ausência de ação, esperando que
eventualmente as ruas acabassem por ficar livres, o que acabou por não contribuir de
qualquer forma positiva para a função que lhes compete.

Face ao supramencionado, cabe concluir pela incompetência revelada pela PRF no


decorrer da situação e cabe apoiar a decisão proferida pelo STF, no sentido de tentar
restabelecer a normalidade social e não abrir precedentes para eventuais situações futuras.

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