You are on page 1of 26

CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIFAFIBE

CURSO DE PSICOLOGIA

RODRIGO AQUILINI DE BARROS

A DANÇA DE SHIVA E SHAKTI: O RESGATE DO SAGRADO FEMININO E A


INTEGRAÇÃO DOS OPOSTOS NA BUSCA PELO SI-MESMO – UMA ANÁLISE
MÍTICA E ARQUETÍPICA

BEBEDOURO
NOV/2018
RODRIGO AQUILINI DE BARROS

A DANÇA DE SHIVA E SHAKTI: O RESGATE DO SAGRADO FEMININO E A


INTEGRAÇÃO DOS OPOSTOS NA BUSCA PELO SI-MESMO – UMA ANÁLISE
MÍTICA E ARQUETÍPICA

Artigo Científico de Conclusão de Curso


apresentado ao Centro Universitário UNIFAFIBE,
como requisito parcial para obtenção de grau de
Bacharel em Psicologia.

PROF. DR. VITOR HUGO DE OLIVEIRA

BEBEDOURO
NOV/2018
Dedico este trabalho aos deuses de minha fé, ao Grande Mistério
Shivaya e à toda energia feminina e suas manifestações, e à todas as
mulheres que sofreram e morreram por causa do patriarcado.

Dedico à minha mãe Carla Caldana Aquilini, por me trazer a vida e por
me apoiar durante o curso.

Dedico à minha amiga Maria Emília, por ser uma irmã, e com quem
sempre pude e sei que posso contar.

Dedico à Marise Lima Muniz, por ser a primeira pessoa completa que
conheci, por me mostrar o verdadeiro significado de “Conhece-te a ti mesmo”,
e ter me ensinado que todas as respostas estão dentro de mim.

Dedico à Priscila Uemura, por ter me dado à mão quando eu estava na


noite escura da alma e ter me apresentado o trabalho das Constelações
familiares de Bert Hellinger e ter me ensinado que um verdadeiro terapeuta é
antes de tudo, humano.
Agradeço à Grande Mãe e as Yabás por tudo.

Agredeço também a Mãe Terra.

Agradeço ao professor Vitor Hugo de Oliveira, que me apresentou a psicologia


analítica e me ajudou no desenvolvimento deste trabalho. Agradeço ao Carl Gustav
Jung pelo importantíssimo legado que deixou à psicologia e ao mundo. Por fim,
agradeço ao meu amigo Tulio Micheli, que me auxiliou na formatação deste trabalho
e aos amigos Randyll Scott e Leonardo Néris pela ajuda com a tradução.
…a pessoa é masculina e feminina, não é só homem ou só
mulher. De tua alma não sabes dizer de que gênero ela é. Mas
se prestares bem atenção, verás que o homem mais masculino
tem alma feminina, e que a mulher mais feminina tem alma
masculina. Quanto mais homem és, tanto mais afastado de ti o
que a mulher realmente é, pois o feminino em ti mesmo te é
estranho e desprezível
(C.G.JUNG)

Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder


predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro.
(C.G.JUNG)
RESUMO

Este trabalho visa explicitar as raízes das angústias sofridas hoje pelas mulheres em
relação à desigualdade de gêneros e de direitos, buscando historicamente e
socialmente encontrar possíveis causas do machismo e da era patriarcal, à luz da
abordagem psicológica de Carl Gustav Jung. Neste trabalho foi realizada uma
pesquisa bibliográfica para explicitar as estatísticas à respeito da violência de gênero
no Brasil, e tentar entender as raízes da violência, que foram feitas à base da teoria
arquetípica para compreender não só o momento histórico que vivia o homem, mas
as influências da psique coletiva na dominação do homem sobre a mulher. Através
dos mitos e dos ciclos da natureza, é possível encontrar parentesco com o que o
homem vive culturalmente e com seus ciclos internos e, através deles, mostra-se
possível encontrar o que alguns estudiosos e historiadores chamam de “era da
deusa”, pertinente a um passado e de possível manifestação no futuro no qual o
homem, em superação às estruturas patriarcais da sociedade, se volta para as
representações femininas, ligadas ao sentimento, o cultivo da terra, o cuidado com
os semelhantes, unificando os arquétipos feminino e masculino. Nesse sentido,
aponta-se para a possível emergência, nesse contexto, de uma masculinidade que
mesmo potente é sentimental, e uma mulher que, mesmo delicada, é independente.

Palavras-chave: Mitos; Ciclos; Violência de gênero; Feminino; Self.


ABSTRACT

This work aims to understand the roots of the anguishes suffered by women in
relation to the inequality of gender and rights, seeking historically and socially to
find possible causes of machismo and the patriarchal era, and in the power of
myths to analyze in the light of the psychological approach of Carl Gustav Jung ,
In this work, a bibliographical research was carried out to explain the statistics
about gender violence in Brazil, and to try and understand the roots of violence,
which were based on the archetypal theory to understand not only the historical
moment that man lived, but the influences of the collective psyche on the
domination of man over woman. For through the myths and cycles of nature it is
possible to find kinship with what man lives culturally and with his inner cycles and
through them, is that it would also be possible to return to what some scholars and
historians call the "age of the goddess", which would be the possible future in
which man turns again to feminine representations, such as feeling, cultivating the
earth, caring for his fellow men, unifying the male and female archetypes in a
single being, a dance, a man who, is sentimental, and a woman who even
delicate, is independent.

Keywords: Myths; Cycles; Gender violence; Female; Self.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 8
2 OBJETIVOS................................................................................................................................... 133
3 METODOLOGIA ............................................................................... Error! Bookmark not defined.3
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES ............................................................................................... 144
5 CONCLUSÃO ................................................................................................................................ 233

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 244


8

1 INTRODUÇÃO

Ao olhar o atual cenário da modernidade, vemos deflagrar todo o tipo de


violência direcionada à vários grupos e minorias, violências praticadas das mais
variadas formas, em diferentes graus, sendo que os atos que compõe a violência
provêm de diferentes grupos e praticados à luz do dia ou às escondidas, o
agressor sendo punido ou não.
A violência é um fenômeno que permeia a história desde os primórdios da
humanidade, e as minorias étnicas, religiosas e sexuais foram na maioria das
vezes vítimas massivas de violência. Como afirmou ROUSSEAU (2002, p.11) em
seu “O contrato social”, sobre as organizações das primeiras sociedades: “Sua
primeira lei consiste em proteger a própria conservação, seus primeiros cuidados
os devidos a si mesmo, e tão logo se encontre o homem na idade da razão,
sendo o único juiz dos meios apropriados à sua conservação, torna-se por si seu
próprio senhor”.
Antes do homem se tornar um ser gregário, desenvolvendo a escrita e as
leis de condutas humanas, a história mostrou muita guerra e violência, e a
sociedade atual, de alguma maneira, herda e repete esse comportamento,
conforme enfatiza Rose (1997) quando apresenta uma relação de causa para
nossos comportamentos com a genética humana.
A hipótese do campo morfogenético, de Rupert Sheldrake também aponta
que, assim como em outras espécies animais, comportamentos são herdados de
ancestrais, mesmo sem ter contato direto com eles. Tal teoria vai ao encontro
com a teoria de Carl Jung, o inconsciente coletivo, conceito-chave no presente
trabalho para adentrar o campo simbólico humano e explorar a violência de
gênero.
As necessidades que permeiam a existência e a busca pelo sentido do
viver são as mesmas, no entanto, quando o diálogo e a compaixão se rompem, a
forma de se expressar essas necessidades podem adquirir formas não tão
empáticas, eis que surge a violência.
Esta surge de forma explícita ou velada, podendo ser verbal, psicológica,
física ou moral. Não é o objetivo deste trabalho explorar cada uma delas, apenas
trazer à luz do conhecimento científico que estas existem e explorar mais à fundo
um tipo de violência muito comum no cotidiano do século XXI: a violência de
gênero e sexual.
9

Segundo a cartilha de política de paz da ONU, o primeiro passo para a


redução da violência é torna-la evidente. O intuito deste artigo é abrir o campo de
possibilidades para futuras pesquisas e intervenções psicológicas, servindo como
uma base introdutória para entender historica e simbolicamente, através do
trabalho de Jung, o que levou ao desenvolvimento da desigualdade de gênero e a
posição cultural de superioridade do sexo masculino sobre o feminino
(patriarcado).
O Brasil, em 2015, registrou 1 estupro a cada 11 minutos em 2015. Estes
dados, do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, se trata dos casos
contabilizados, e estima-se que a violência sexual contra a mulher atinja números
muito maiores, e que o que conta nas estatísticas representa 10% da realidade,
pois o medo ainda impede mulheres de denunciarem a grande parte das
violências de gênero no Brasil e no mundo.
Segundo ainda o mesmo levantamento, aponta que cerca de 49.497 mil
pessoas foram estupradas no Brasil em 2016 (89% mulheres, sendo 51%
negras), o que indica 135 casos por dia. Estupro de vulnerável – que estão entre
0 e 14 anos de idade, representam 70% das vítimas, e a maior parte é cometido
por algum membro da própria família.
O número de casos em que há punição dos estupradores ou assediadores
é de apenas 1%, o que mostra-se incrivelmente baixo, e apontam para a
presença do machismo e da cultura do estupro enraizadas na sociedade. Há em
média 10 estupros coletivos notificados todos os dias no sistema de saúde do
páis (Dados do Ministério da Saúde de 2016) e 30% dos municípios não oferecem
estes dados ao Ministério.
10

Figura 1 : gráfico numérico da violência contra a mulher no Brasil

Retirada de: https://www.metropoles.com/materias-especiais/estupro-no-brasil-99-dos-crimes-


ficam-impunes-no-pais.

Para compreender esse cenário de violência, é preciso realizar um resgate


antropológico da constituição desta estrutura social. Toda cultura é uma criação
coletiva, cujo sentido depende do contexto espacial e temporal de determinadas
comunidades. Ela é construída na relação dos homens e relaciona-se com suas
necessidades do momento – não há uma cultura permanente.
11

Segundo HARARI (2011, p.152):

Diferentes sociedades adotam diferentes tipos de hierarquias


imaginadas. A raça é muito importante para os norte-americanos
modernos, mas era relativamente insignificante para os muçulmanos
medievais. A casta era uma questão de vida e morte na Índia medieval,
ao passo que na Europa moderna é algo que praticamente inexiste. Uma
hierarquia específica, no entanto, foi de extrema importância em todas as
sociedades humanas conhecidas: a hierarquia do gênero. Todos os
povos se dividiram entre homens e mulheres. E em quase todos os
lugares os homens foram privilegiados, pelo menos desde a Revolução
Agrícola.

O ser humano, nos primórdios da humanidade, precisava resolver seu


dilema principal: sobreviver. No período paleolítico, a sobrevivência era um
desafio, e dependia principalmente da coleta e da caça. Segundo a teoria
evolutiva, neste período citado, homens e mulheres eram guiados por dois
objetivos básicos, sobreviver e reproduzir, sugere-se que os dois gêneros
desenvolvem estratégias diferentes para atingir esses objetivos.
O sexo masculino buscou a competição para engravidar as mulheres
férteis (que poderia dar-lhes chances da perpetuação da espécie), e isso
dependia da capacidade de derrotar outros homens, em outras palavras, da
competitividade, ambição e agressividade, sendo essas características passadas
para seus descendentes. Em contrapartida, as mulheres não tinham dificuldade
em encontrar um homem, no entanto, precisavam de cuidar de seus filhos, e
tinham que ceder à ajuda masculina (o sexo biologicamente mais forte) para
dividir o fardo, já que, biologicamente, o bebê humano demanda maiores
cuidados constantes que os filhotes mamíferos em geral.
Como explica Harari (2011, p.168),

O resultado dessas diferentes estratégias de sobrevivência –


segundo essa teoria – é que os homens foram programados para
serem ambiciosos e competitivos e se sobressaíssem na política e
nos negócios, enquanto as mulheres tendiam a se recolherem e
dedicarem a vida a apoiar a carreira do marido e dos filhos.

É difícil encontrar apenas uma causa, e sendo ela definitiva para o


surgimento e a repercussão das divisões de trabalho por questões de gênero,
sabemos que há inúmeras causas, e iremos focar aqui em algumas teorias
biológicas e culturais.
12

A teoria mais aceita, segundo Harari(2011, p.164) aponta para o fato de que
homens são mais fortes que as mulheres e utilizam sua capacidade física para
obriga-las a se submeterem. Essa teoria poderia ser facilmente refutada, já que
para ser homem ou para ser mulher não basta nascer com determinado
cromossomo, é preciso “se tornar homem/ mulher”, já que ser homem ou mulher é
uma construção social. No livro Sapiens, o autor nos mostra duas figuras de
masculinidade totalmente diferente, como um retrato do rei Luís XIV, com cabelos
feito de peruca longos, usando salto-alto e uma longa vestimenta que lembra um
vestido. Suas pernas viradas, e seus trejeitos com a mão na cintura, desvela
características “afeminadas” para um homem de outra época e lugar, mas na
França do século XVIII, o re Lúis XIV era um símbolo de alta masculinidade. O
autor nos apresenta em seguida, uma foto de Barack Obama, de terno e cabelo
curto, ficando clara a mudança da masculinidade. Para Nolasco(apud
Ecco,2001,p.65) a palavra “masculinidade” encontra em sua raiz as
denominações “viril”, “enérgico” e “ativo”. É óbvio que culturalmente as práticas
das representações da masculinidade agem através de ações pertinentes a essas
denominações. Nolasco (apud Ecco,2001,p.65) afirma que a base da sociedade
patriarcal se sustenta a partir dessas características da masculinidade. Por isso a
imagem habitual de um homem exitoso é aquela de dominador das mulheres.
Com essa afirmação de Nolasco, podemos refletir que o homem para se sentir
aceito, toma certas atirudes para se provar como “viril”, “ativo”, “provedor”, tanto
num âmbito individual, como coletivo.
Então, a força física dos homens não é o bastante para fazê-los serem
masculinos, e além do mais, as mulheres foram excluídas de muitos trabalhos
que não exigiam força física alguma, como aponta Harari(2001) e segundo o
autor, a questão têm muito mais relação com fatores sociais e habilidades
mentais do que força física, como mostra o trecho a seguir:
“É, simplesmente natural que a cadeia de poder dentro da espécie
também seja determinada mais por habilidades mentais e sociais do que
pela força bruta. É, portanto difícil acreditar que a hierarquia social mais
influente e mais estável da história seja fundada sobre a capacidade física
dos homens de coagir as mulheres.”
Harari(2001,p.165)
13

2 OBJETIVOS

Este trabalho tem como propósito analisar histórica, social e


arquetipicamente o machismo e o patriarcado de modo a compreender como
esses estão ligados à violência de gênero. A fim de cumprir esse objetivo, será
realizara uma análise de literatura, encontrando nos mitos, um parentesco com o
que o homem vivia na era primitiva, e tentando entender como o sexo masculino
tornou-se dominador, analisando os fenômenos da psique na teoria de Jung do
inconsciente coletivo.

3 METODOLOGIA

Analisará tanto o homem, na história, o perpetuador da violência, e as


raízes da violência, pois é impossível analisar a mulher sem o homem, o sexo
dominado sem o dominante, indo à fundo nas raízes desta problemática, pois
como ensina CAMPBELL (1988), a mulher é a vida, e o homem, o servidor da
vida. E, à partir disso, encontrar nos mitos e nos antigos ritos de passagem, os
arquétipos que influenciam o inconsciente coletivo, e compreender como a volta
do olhar do homem para os mitos sagrados e ciclos naturais permite olhar
também para o homem, que é parte da natureza.
Os símbolos estão intrinsecamente relacionando com a psique, isso torna
mais fácil a compreensão dos fatos concretos. Relacionando então, os mitos com
a teoria analítica de Jung, podemos então compreender o homem que se torna o
dominador, e buscamos soluções para voltar o equilíbrio dos sexos, tanto como
com os ciclos naturais.
14

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

O primeiro conceito antropológico de cultura é de Edward Brunett Taylor


(1817), fundador da antropologia britânica, e diz que “Cultura é este todo
complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou
qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de
uma sociedade” (Taylor apud Laraia, 2006, p.25).
Em termos culturais, as regras morais, as leis, as crenças e conhecimentos
de uma comunidade variam tanto em espaço (o que é certo para um indiano pode
ser totalmente estranho para um estadunidense por exemplo), e também pode
variar de acordo com o tempo (o momento histórico também reflete crenças
morais diferentes, tratamentos de choque eram usados antes da reforma
psiquiátrica, por exemplo, e hoje esses tratamentos não são mais aceitos). No
entanto, segundo a teoria analítica, existe algo que ultrapassa as barreiras de
tempo e espaço humanos, os símbolos. Todo processo humano envolve a
produção simbólica; os símbolos sempre permearam a humanidade, e em todas
as culturas, e tempos, apesar dos costumes, crenças, arte, moral, leis se
modificarem, pelo constante movimento do ser humano, o campo simbólico
sobrevive. O conceito de arquétipo, proposto por Jung, permite compreender essa
dimensão trans-espacial e trans-histórica do símbolo:

São estruturas virtuais, primordiais da psiquê, responsáveis por


padrões e tendências de comportamentos comuns. São anteriores
à vida consciente. Não são passíveis de materialização, mas de
representação simbólica. Para Jung, são hereditários e
representam o aspecto psíquico do cérebro. São universais,
comuns a todos os seres humanos e ordenam imagens
reconhecíveis pelos efeitos que produzem. Pode-se percebê-los
pelos complexos que todos temos, pelas imagens arquetípicas
que geram, assim como pelas tendências culturais coletivas
(NOVAES, 2005, p. 250).

O arquétipo não é somente um pensamento elementar, mas


também uma fantasia e imagem poética elementar, uma emoção
elementar e mesmo um impulso elementar dirigido a alguma ação
típica (Franz, 1990, p.17.)

Jung observou, dentre outras coisas, que o inconsciente, já observado por


Freud, ia muito além do âmbito pessoal, atingindo uma esfera coletiva, ou seja,
uma pessoa poderia nunca ter contato com determinada cultura mas ainda assim,
entender crenças, mitos ou expressões artísticas dessa, já que seu simbolismo
15

era análogo em certos pontos ao de sua cultura. Os símbolos são universais e


exercem importante função na personalidade, que Jung chamou de psique, um
sistema que se autorregula e inclui processos conscientes e inconscientes.
Segundo Jung (1949/1991) apud Serbena (2010, p.3)

o símbolo é a melhor expressão possível de algo relativamente


desconhecido, pois ele representa por imagens, experiências e
vivências que incluem aspectos conscientes e inconscientes, isto
é, desconhecidas da consciência. Como tal, o símbolo participa e
existe sob a forma vivencial e experiencial, sendo impossível de
ter seu significado esgotado ou determinado, possibilitando
estabelecer múltiplas relações e analogias.

Com essa compreensão, entende-se a importância de analisar


simbolicamente uma questão, dado que o símbolo está profundamente enraizado
em nós. Nesse caso, esse conceito permite discorrer acerca do homem e como
se deu seu desequilíbrio em relação ao sexo oposto, como este se tornou o “sexo
frágil”.
Na Idade Antiga, muitas sociedades eram matrifocais, e os cultos religiosos
pagãos eram destacavam o aspecto feminino da criação. O homem era voltado
para a Natureza (simbolicamente compreendida como um útero, no qual tudo é
fértil) e seus ciclos, e cultuavam deuses masculinos e femininos.
A mulher era tida como sagrada, pois ela era quem dava luz à vida, assim
como no aspecto divino a Grande Mãe dava à Luz à um “Deus” que no período de
um ano crescia se apaixonava pela Deusa, morria e renascia, representando
assim os ciclos da natureza personificados; os homens viviam em harmonia com
estes ciclos, e consequentemente parecia haver harmonia na relação entre os
gêneros.
A relação dos ciclos naturais, do nascer e pôr do sol, das estações, eram
simbolizados pelo nascimento, desenvolvimento e casamento entre as divindades
masculinas e femininas. Tudo nasce, morre e renasce, em uma temporalidade
cíclica da sociedade. Como aponta Elaide (1991, p.57), “Cada ano novo é
considerado como reinício do tempo, a partir do seu momento inaugural, isto é,
uma repetição da cosmogonia.” Em outras palavras, a Grande Mãe dava à Luz à
um “Deus” que no período de um ano crescia se apaixonava pela Deusa, morria e
renascia. Tudo começa quando não há iluminação solar, o inverno marca a morte
simbólica do Deus-Sol e com isso da natureza – é a festa dos mortos, o ano-novo
16

pagão, que se prepara para o nascimento do Deus no solstício do inverno. Este


logo estará em crescimento, e a Deusa, pronta para recebe-lo: é a primavera,
quando ambos estão apaixonados e a natureza esbanja beleza. O solstício de
verão chegará com o ápice da fertilidade divina, mas a morte se aproxima e o
ciclo se reinicia.

Alcançando o seu ponto mais alto no céu, o disco do sol assumia


outra função importante. Era então designado Rá, o apogeu da luz
e da sua influência sobre os seres e a natureza. Quando, porém,
se recolhia ao entardecer, chamava-se Atum, o velho sábio.
Também foi identificado com Hórus, o filho de Ísis e Osíris, como
novo Sol, símbolo da transformação que sofreram seus pais
(Penna, 1992, p.93-94).

Nessa época, ritos de passagem eram extremamente importantes, e os


homens e mulheres viviam de acordo com o caminho que era mostrado pelos
ciclos do Sol e da Lua. A Lua desde o princípio é tido como símbolo da Deusa, o
arquétipo da Grande Mãe, o princípio feminino manifestado de diversas formas
em várias culturas (Ártemis na mitologia grega, Mama Killa na mitologia inca, Ísis,
no Egito, Iemanjá, para os Egbá, Parvarti no hinduísmo, Jaci na mitologia tupi-
guarani, entre outras). A Lua sempre foi símbolo de fertilidade, maternidade,
sensibilidade e do poder feminino. Ao nascer, era representava todo o aspecto do
novo, e nesse momento, os antigos povos pagãos (especialmente as mulheres),
que estavam em seu momento de interiorização, começavam a colocar seus
planos para a nova “lunação”, e fazer seus ritos para esses planos frutificarem,
pois em breve a Lua entraria em sua fase crescente, a Deusa em seu aspecto
virginal apareceria no céu, e a fertilidade começaria a surgir, para então chegar à
sua plenitude, quando a Deusa iniciada nos mistérios da natureza, torna-se mãe,
a lua cheia, época da colheita, das marés subirem, e quando a Donzela se torna
Mãe. As mulheres sangram, simbolizando o sacrifício da vida, é a lua nova da
mulher, e assim como a Lua é um símbolo de fertilidade em sua fase cheia e
esbanja plenitude, para poder se unir ao Deus (aspecto masculino), o corpo da
mulher, em sua sabedoria, ovula, pois ela também está fértil, e este corpo é um
microcosmo da natureza.
Mónica Rocha, é criadora de um projeto de alimentação consciente e faz
parte do conselho de segurança alimentar do RJ. Em uma palestra no TEDx,
Rocha (2018) fala dessa analogia da mulher com a natureza:
17

Eu fui perceber que na verdade nós temos uma caminha no nosso


útero chamado endométrio, e quando nosso óvulo não é
fecundado, essa caminha está lá pronta pra recebe-lo, cheia de
nutrientes, para transformar aquela sementinha num ser. E se a
gente não ovula essa sementinha, esse endométrio é jogado pra
fora, cheia de nutrientes. Então a sementinha que não foi
fertilizada no nosso corpo, pode ser fertilizada pra fora. Eu
comecei a usar um coletor menstrual e comecei a colocar o meu
sangue na terra, como faziam minhas ancestrais, há milhares de
anos atrás. E quando eu comecei a colocar meu sangue na terra,
eu entendi a fertilidade que isso tem: entendi que não tem como
pular essa etapa, que eu e natureza somos feitas da mesma
matéria, eu sou um microcosmo do que acontece com ela, e nós
estamos, na verdade, cada vez mais desconectadas da natureza,
cada vez mais desconectados dos ciclos naturais que existe
dentro do nosso próprio corpo. (informação verbal)

É interessante perceber que a mesma Lua que nasce, cresce e atinge seu
ápice, mingua, e é representada por uma Deusa Anciã, porque tudo que é velho
morre, e na morte há uma promessa de que tudo vai renascer. As fases da lua
encontram similaridade nas estações do ano, sendo a lua crescente
correspondente à primavera, a lua cheia correspondente ao verão, a lua
minguante correspondente ao outono e a lua nova correspondente ao inverno. Há
também uma correspondência com as nossas próprias “estações” internas
(emoções), compreendida através da teoria hipocrática como diferentes humores:
colérico, sanguíneo, melancólico e fleumático.

Figura 2: Ciclos menstruais e sua relação com a lua e as estações.

Retirada de: http://www.terraeluz.com.br/index.php/blog/mandala-da-lua-nova-versao-e-


fases-da-lua
18

Tudo move-se em círculo, e nesse movimento circular, há sempre a


promessa do retorno, como na translação da Terra, mesmo diante da escassez
do inverno, existe a promessa do retorno da primavera. Um dos mitos greco-
romanos mais conhecidos conta a história de Prosérpina, raptada, vai morar no
submundo com Plutão, e sendo Prosérpina toda a representação da natureza,
fertilidade, prosperidade. Quando é raptada, sua mãe Ceres, se desespera e vai
falar com Júpiter, deus dos deuses e pai de Prosérpina que manda Mercúrio para
tratar com Plutão.
Assim bem narra BULFINCH(2006, p.66) em seu livro ao dizer que “Fez-se
um acordo, contudo, pelo qual Prosérpina, passaria metade do tempo com sua
mãe e o resto com seu marido Plutão[...] Prosérpina representa a semente do
trigo, que quando enterrada no chão, ali fica escondida, isto é, levada pelo deus
do mundo subterrâneo. Depois, reaparece, isto é, Prosepina é restituída à sua
mãe. A primavera faz voltar à luz do dia.”
Ainda nessa era pagã, haviam rituais feitos para o Deus-Sol, que em cada
cultura também se personificou de formas diferentes (Apolo na mitologia grega,
Hórus na cultura egípica, Olorun nos cultos iorubas, Shiva para o hinduísmo,
Tupã na mitologia tupi-guarani). A Terra durante o movimento de translação, se
aproxima e se distancia do Sol, o que, associado a seu eixo inclinado de rotação,
leva a formação das estações do ano, que nas culturas antigas, era traduzida na
personificação e história de uma divindade masculina e uma feminina. Em relação
com a divindade solar, masculina, está o planeta Terra, considerada então um
símbolo feminino – (o Deus Sol ilumina a Terra e a torna fértil, assim, na relação
sexual, a mulher em seu período fértil é capaz de gerar vida.
E em todos os artigos revisados, destaca-se o fato de que, desde a
revolução agrícola, o homem começa um período mais dominador em relação à
mulher, início do período patriarcal, com a transformação dos papéis sociais de
gênero.
A exploração e a domesticação das espécies vegetais e animais, na psique
coletiva, adquire o sentido de um processo de exploração e mesmo dominação do
feminino. A estrutura social torna-se mais estável, e as desigualdades estruturais
se firmam, com destaque à desigualdade de gênero. Cabe destacar aqui o
trabalho de Levi-Strauss (1982), que demonstra o papel que as mulheres
adquirem nas formações das sociedades primitivas, que se estruturam
19

exogamicamente, através das relações de aliança e de matrimônio, nos quais as


mulheres eram enviadas para se casarem com membros de outras tribos.
Simbolicamente, a mulher, “domesticada” tal como a natureza, passa a ser
oprimida socialmente, com a supressão do feminino na estrutura sócio-cultural. O
sexo foi se tornando um ato relacionado a poder, tanto que nas invasões
guerreiros estupravam mulheres para “demarcar” seu poder sobre o território.
O desenvolvimento deste sistema gera uma divisão binária sobre os papéis
masculinos e femininos, em detrimento da relação de complementaridade e união.
Os papeis de gênero aos poucos ganham contornos, no decorrer das épocas e
culturas, demarcando uma relação de superioridade entre masculino e feminino.
Segundo Farrar e Farrar (1983, p. 9),
para inferirmos a importância da mulher, basta observar o
período paleolítico e as inúmeras estatuetas representando
mulheres de seios e quadris fartos associados ao poder
criativo da Mãe Natureza. Padroeira das caçadas, a Mãe
que dá proteção (Anima = Senhora da Caça). É interessante
notar que alma em latim é anima e daí vem a palavra animal,
e quando estamos sem contato com ela, estamos
desanimados, ou seja, com baixa capacidade de agir no
mundo. A alma é simbolicamente associada à mulher.

Pode-se compreender como simbolicamente este processo encontra-se


registrado, uma das primeiras representações do feminino está na figura da
Venus de Willendorf: é Venus com seios e busto fartos e corpo obeso, que
representa a fertilidade da Terra. Ela se configura como um modelo de mulher
ideal da época. Aos poucos, através da compreensão do papel necessário do
elementos masculino na fecundação (pois antes a geração da vida era tida como
algo divino). Com essa compreensão do sexo masculino sobre sua importância no
ato sexual, a mulher vai perdendo seu aspecto divino e seu símbolo de fertilidade.
Suas representações simbólicas ganham um aspecto mais magro, fraco e
submisso, como pode se perceber na representação renascentista da Venus de
Milo.
Figura 3: à direita, Venus de Willendorf. À esquerda, Venus de Milo.
20

Fonte: Wikipedia (www.wikipedia.com)

Essa transformação artística conota o afastamento do homem da natureza,


e através dos desenvolvimentos das cidades e das tecnologias, novas
configurações religiosas foram ganhando forma, e assim surge a figura de um
Deus masculino, uma religião monoteísta, que desenvolve-se sobre uma estrutura
social patriarcal.

No plano psicológico, a serpente que habita em nós engendra


vícios que não trazem a vida, mas a morte. E as mulheres, que
foram associadas às serpentes, tornaram-se vítimas de
intolerância, de perseguições e morte. Também foram banidas dos
postos de liderança eclesiástica, com consequências na
desvalorização de sua atuação na vida pública. Seu papel como
sedutora e causadora da “queda” da humanidade a associou mais
ainda com a serpente mitológica que reside na raiz das coisas, à
base do eixo do mundo – ou no chackra da base da coluna dorsal.
(PENNA, 1992, p. 140).

É importante salientar que tais mudanças na concepção simbólica do


feminino estão ligadas às condições sócio-históricas do Ocidente. O mundo
oriental, que tem como importante símbolo o Sol, nas mais diversas sociedades e
culturas, e ainda hoje nos templos maçônicos, ele representa onde nasce a luz, o
masculino, a racionalidade, enquanto que o Ocidente, onde o sol se põe, e a lua
traz as sombras da noite, traria nas simbologias antigas o contato com o
inconsciente, as emoções, a intuição. Ironicamente, a realidade é diferente de sua
simbologia, sendo as culturas orientais aquelas que mais desenvolveram as
qualidades do feminino, do contato com o interior, deixando ao homem do
Ocidente o “criar”, próprio do masculino e ligado à realidade externa.
21

O filósofo oriental RAJNEESH, conhecido como mestre OSHO explica essa


questão ao afirmar que:

O Oriente é introvertido, o Ocidente é extrovertido. O homem está


dividido, a mente é esquizofrênica. Eis porque todos os grandes
mestres vieram do Oriente e todos os grandes cientistas vieram do
Ocidente. O Ocidente desenvolveu a ciência e esqueceu
completamente da alma interior; está interessado na matéria,
contudo olvidou a subjetividade interior. Todo o foco está sobre o
objeto. Dessa forma todos os grandes cientistas nasceram no
Ocidente. O Oriente tornou-se por demais preocupado com a alma
interior e esqueceu da objetividade, da matéria, do mundo. Os
grandes mestres religiosos surgiram disso, mas essa não é uma
situação boa, isso não deve ser assim. (OSHO, 1990).

Além do desenvolvimento do patriarcado como base da estrutura desigual


de gênero na sociedade ocidental, cabe destacar aqui o surgimento da religião
judaica, no povo hebreu. Essa religião, monoteísta se expandiria, e atingiria o
mundo, através do cristianismo. O culto de um único Deus está acompanhada
com a mudança nas formas como as populações viviam sua temporalidade.
Como aponta Eliade,
Para nós, o fato essencial é que, em toda parte, existe uma concepção de
final e de começo de um período de tempo, baseada na observação dos
ritmos cósmicos e que faz parte de um sistema mais abrangente – o
sistema de purificação periódicas (cf. expurgo, jejum, confissão dos
pecados) e de regeneração periódica da vida. (ELIADE, 1991, p.56),

Esta historicidade mítica surge com a postergação da renovação simbólica


para um futuro mítico – a vinda do messias. Leva-se então a perda dos ciclos e de
seus aspectos simbólicos. A religião configura-se em uma polaridade não
complementar, a ideia de bem e de mal (tão importante no cristianismo, nos
conceitos de paraíso e o inferno). Em outras palavras, o mundo começa a aceitar
as primaveras, mas odiar seus invernos, tanto internos quanto externos. Aceitar o
masculino, e oprimir o sexo feminino, aceitar a razão e reprimir as emoções.
Assim, nas palavras de CHAPMAN E PEREIRA (2003, p.7):

E foi com esse pensamento que o homem, identificado com o princípio


masculino, tentou controlar tudo o que foi identificado por ele como
princípio feminino: a natureza, e a mulher. Esses dois princípios governam
o mundo juntos, cada fase da vida humana traz uma relação entre o
masculino/feminino. No início da humanidade, época em que reinava o
princípio feminino, o homem vivia mais próximo de seu inconsciente, tinha
relações de harmonia e equilíbrio com a natureza. O homem e a mulher
viviam integralmente. As relações eram igualitárias e a mulher era
valorizada porque era ela quem gerava e cuidava dos filhos. Nessa época
ela era associada com a terra que, fertilizada, produz as plantas. Mas, em
22
um determinado período, na época das sociedades de caça, o princípio
masculino passou a reinar sozinho. Nessa época, as relações eram de
violência e poder. O homem destina para si o domínio público e à mulher o
privado.
Na psicologia de Jung, o animus e a anima são forças mentais que, entre
outras atividades, formam laços entre o inconsciente coletivo, que está
presente desde o nascer e que é geneticamente (biologicamente)
determinado, e o inconsciente pessoal, que é o produto de todas as
experiências de uma pessoa na sua subsequente vida emocional e
interpessoal.

Como pode-se perceber, no âmbito pessoal, perdeu-se contato com a


ânima e, no âmbito coletivo, com o arquétipo feminino e tudo o que ele
representa, e nessa dicotomia vive-se, assim como no “Samhain”, que marca a
passagem para o inverno, a face da “morte do Deus”, que distancia-se de sua
amada.
Segundo GRINBERG (1997), o objetivo do pensamento oriental é superar
essa dicotomia, buscando o que foi esquecido, enquanto que nos ocidentais
continua-se a dividir o mundo e esquecer de olhar a alma. E para Penna (1992,
p.146), ao afastar-se dos mitos sagrados, o homem e a mulher contemporâneos
perderam a chave para criar e procriar em equilíbrio com a ordem dos ciclos
vitais, humanos e planetários.

Considera-se, portanto, que a superação dessa dicotomia deve-se dar com


formas comportamentais e simbólicas que valorizem novamente a
complementaridade dos opostos, uma integração entre anima e animus, matter
com éter. Segundo PENNA (1992 p. 89), o psiquiatra americano Edward C.
Whitmont acredita que a influência do arquétipo da Deusa terá papel importante
no futuro, “A Grande Deusa representa ser e tornar-se”. São objetos contraditórios
aos ideais mecanicistas e atomistas que predominavam nos séculos das
divindades guerreiras masculinas. “O feminino representado pelas deusas não é
heroico nem rebelde; não se inclina a luta, não se opõe mas existe no aqui e
agora”.
Compreende-se essa busca da complementação através do arquétipo do
herói. Este, na busca por si-mesmo, encontra diversos desafios, que são por
vezes as próprias sombras (o lado inaceitável e reprimido de si mesmo), questões
que são vistas de forma negativa no outro, mas que são processos que o sujeito
desconhece ou julga em si.
23

A história do homem e a dominação da mulher passa por esse caminho, e


remete a histórias mitológicas, quando o princípio uno (Self) é dividido em
masculino e feminino e separados, e o homem vive em busca da metade perdida
– essa é jornada do herói em busca de si-mesmo, a unidade, a completude, o ser
que se torna integral.

Para abrir as portas para uma vida nova, porém, é preciso que a
responsabilidade consciente, egóica, supere o orgulho racional e aceite o
princípio maior do inconsciente. No dizer jungiano, o eu pessoal abre-se
ao contato com o si-mesmo. Jung disse mais de uma vez que não somos
nós que temos o inconsciente, o inconsciente é que nos tem. Trata-se de
uma maneira de alertar que as verdadeiras luzes do espírito humano
sempre estiveram presentes através das eras, e em diferentes culturas
puderam iluminar aqueles que superaram as dualidades corpo/mente,
profano/sagrado, feminino/masculino. (PENNA,1992, p. 92)

A descrição da união sagrada fica especialmente bela nos mitos de Shiva


e Shakti. A imagem da união sagrada dos princípios feminino e masculino
no shivaísmo é representada no primeiro centro de consciência, na base
da coluna vertebral. Ali, Shakti, no seu aspecto de serpente, aparece como
uma espiral rodeando o lingam ou um touro. No movimento intenso, mas
gracioso desta dança, Shiva, Shakti e toda a criação são unos e
indivisíveis. (PENNA, 1992, p.92)

Então, para não se tornar demasiadamente tirano nessa busca, como


acontece ao masculino quando tenta dominar o feminino, é preciso harmonizar-se
com as polaridades, e aprender a dançar com elas, encontrando a unidade nas
diferenças, o Self, a totalidade, que inclui no homem, a sensibilidade da mulher, e
na mulher, a virilidade própria da masculino.

5 CONCLUSÃO

Neste trabalho, apresentou-se os dados estatísticos mais recentes sobre a


violência contra a mulher, e foi proposto buscar possíveis causas históricas para
isso, a partir de um ponto de vista específico, haja vista que são muitas e
impossível de colocar todas em um breve artigo acadêmico. No entanto,
observou-se que tudo parece iniciar-se com a revolução agrícola e a consequente
dominação da terra, o que parece ter levado à humanidade a um afastamento no
contato com a natureza.
24

Analisou-se aqui o importante papel do mito, da mudança de uma


sociedade com base matriarcal, e como esses mitos foram se perdendo com a
dominação da natureza e o surgimento de um homem mais automatizado. Os
ciclos naturais e humanos foram perdendo espaço para um tempo linear,
enquanto o homem se afastava da natureza. Visa-se, através do presente
trabalho, influenciar e inspirar pessoas ao empoderamento enquanto seres
humanos mais íntegros, de forma que as mulheres possam estar em paz com seu
lado masculino e homens em paz com seu lado feminino. Nota-se que, na
contemporaneidade, há uma emergência descompassada, na qual a mulher
parece ter mais facilidade em aceitar seu lado independente e afirmativo,
quebrando com estereótipos de submissão, enquanto que os homens tem mais
dificuldades de aceitar seu lado feminino, devido a ainda vigente representação
patriarcal, que ganha força em algumas formas do cristianismo. Para
compreender este contexto, o papel do mito é imprescindível, pois sua força atua
a partir do inconsciente coletivo. Espera-se, assim, que homens e mulheres
possam dançar em equilíbrio e caminhar em beleza para uma era de união.

REFERÊNCIAS

BULFINCH, T. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis.Rio de


Janeiro: Ediouro,2006.

CANEDO,D. Cultura é o que? – Reflexões sobre o conceito de cultura e a atuação


dos poderes públicos. UFBA, Bahia,2009.

CAMPBELL, J. O poder do mito. Tradução de Moisés C. F. São Paulo: Palas


Athena, 1990.

CHAPMEN,A.H.; PEREIRA, R.S. Animus e Anima. Emma Jung(Tradutor: Dante


Pignatari). São Paulo: Cultrix,1991.

CORTEZ, M. B.; SOUZA, L. A violência conjugal na perspectiva de homens


denunciados por suas parceiras. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de
25

Janeiro, v. 62, n. 2, p. 129-142, 2010. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/


scielo.php?script=sci_arttext&pid=$1809-52672010000200012&Ing=pt&nrm=iso>.
Acesso em: 26 out. 2017.

Elaide,M. O mito do eterno retorno. São Paulo: Mercuryo,1992.

FARRAR, S.; FARRAR, J. Oito Sabás para Bruxas (e ritos para o nascimento,
casamento e morte.). São Paulo: Anúbis, 1983.

JUNG, C.G. O homem e seus símbolos. 19ªed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1964.

LÉVI-STRAUSS, C. As estruturas elementares do parentesco. Petrópolis, RJ:


Vozes, 1982.

MENEZES, R. P. O feminino reprimido: um estudo jungiano sobre a feminilidade.


UniCEUB- Centro Universitário de Brasília, Brasília,2003.

OSHO. The Diamond Sutra: The Buddha also said…Osho classics, 1990.

PENNA, L. Dance e recrie o mundo: a força criativa do ventre. São Paulo-SP:


Summus, 1993.

ROCHA, M. G. A Terra é uma Mulher e o meu Útero, o Universo. | Mónica


Guerra da Rocha | TEDxUNIRIO. 2018.(17m23s). Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=sNRi9A6LaHM&ab_channel=TEDxTalks>.
Acesso em: 10 nov. 2018.

SAFFIOTI, H. I. B.; ALMEIDA, S. S. Violência de gênero: poder e impotência.


Rio de Janeiro: Revinter, 1995.

SERBENA,C.A. Considerações sobre o inconsciente: mito, símbolo e arquétipo na


psicologia analítica. Revista da abordagem gestáltica. Goiânia, 2010.

You might also like