O termo “fariseu” é raramente usado em nossos dias, seja no ambiente
sinagogal ou fora dele. Apesar de não ocorrer na Bìblia Hebraica, ocorre com frequência nos escritos sobre o judaísmo antigo, bem como nos Evangelhos. A Epístola aos Filipenses contém o primeiro registro da palavra “fariseu” (ano 57 E.C) Os fariseus são apresentados nos Evangelhos de forma genérica e frequentemente negativa como opositores de Jesus. São acusados de hipocrisia. Eusébio, Gregório de Nissa e Crisóstomo nutriram o antijudaísmo por meio do “antifarisaísmo”
2.2 – Origens da palavra “fariseu”
A origem da palavra é incerta. A palavra parush vem da raiz p.r.sh que significa separar, encontrada na palavra parashá. Que tipo de separação? Possibilidades: o Seriam os hassidim que separaram-se dos descendentes dos hasmoneus quando estes instituíram uma monarquia sacerdotal, de forma contrária à Torah; o Separação daqueles que não praticam os ritos de pureza, de acordo com o livro do Levítico; Seriam comentadores que “separam” ensinos do texto bíblico. Mefarsim é o termo aplicado à Rashi. Lv 24,12 traz Lifrosh, ação de tornar explícita a palavra do Eterno. Haddad opina que esta é a melhor possibilidade.
2.3 – O método do Midrash
O Midrash é uma releitura meditada e interpretativa da Torá. Se a passagem for normativa, o midrash é chamado de halakhá; porém se o texto tratar da fé, é chamado de haggadá. O midrash traz uma idéia nova mas relacionada à fonte original (hiddush = renovação). Ex: Sermão do Monte; o mandamento de “não cozinhar o cabrito no leite da mãe (Ex 23,19; 34, 26; Dt 14,21); Abrão na porta da tenda (Gn 18,1) Haddad atribui a prática inicial do midrash aos profetas. Hillel estabelece 7 regras de interpretação e Ishmael, 13 procedimentos. O midrash leva o judeu a uma relação com Deus e com a Torá, por meio da oração e do estudo. Através da oração, o judeu reconhece o Eterno e seus atributos; pelo estudo, compromete-se a aperfeiçoar o mundo que lhe foi confiado. O Midrash deu origem à tradição oral, chamada de Torá Oral.
2.4 – Fariseus fora do Evangelho
Fora dos Evangelhos as informações disponíveis não oferecem um entendimento claro a respeito dos fariseus. Os Manuscritos do Mar Morto não contêm o nome perushim porém há uma possível referência a eles: os dorshey halakhot. Este termo pode significar: “buscadores de rituais”. Especificamente na seita de Qunram, o sentido de dorshey halakhot é negativo, pois eram tidos como jactanciosos. O motivo provável seria a busca pelos sentidos diversos dos versículos. Os fariseus também não seguiram o líder da comunidade de Qunram, o Mestre da Justiça. A literatura Midráshica utiliza expressões similares a dorshey halakhot, como dorshey reshumot, dorshey hamurot e dorshey mitsvot, indicando uma grande especialização nos campos da investigação da Torá. Dorshey Halakhot encontra-se indiretamente na literatura rabínica e possui valor positivo. Em Cântico dos cânticos 4,10 lemos: “...e a fragrância dos teus perfumes supera supera todos os teus aromas”. No midrash sobre o Cântico Rabbah, o rabino Samuel ensina: “tal como este óleo é halakh (neutro, sem perfume), quando tu colocas perfume ele oferece muitas fragrâncias, do mesmo modo o versículo pode parecer halakh (neutro, sem perfume), mas quando tu o comentas, doresh, ele oferece muitas fragrâncias.”
2.5 - Os fariseus para o historiador
A origem dos fariseus deve ser buscada a partir da resistência judaica à helenização forçada pelo rei selêucida Antíoco IV, também conhecida como “Guerra dos Macabeus” (168 -164 a.C). Após a profanação do Templo, com a dedicação deste a “Baal Shamem”, a abolição da circuncisão e a introdução do sacrifícios de porcos no altar, dá-se a resistência judaica a partir da aldeia de Modin através do sacerdote Matatias e seus filhos. Em 164 a.C , após a expulsão dos inimigos, no dia 25 de Kislev, o Templo foi rededicado, hannukáh. A Festa das Luzes celebrada até hoje pelos judeus tem origem neste evento. Com a vitória dos Macabeus, o reino da Judéia recupera a sua independência que havia sido perdida desde 586 a.C com a invasão babilônica e o consequente exílio. Assim a Judéia passa a ser um reino autônomo. A dinastia de governantes da Judéia a partir de então denomina-se de hasmoneus. João Hircano (134 – 104 a.C) acumulou as funções de rei e sumo-sacerdote, o que é proibido na Torá. Este acontecimento gerou oposição dos fariseus (chamada por Josefo de “Escola de pensamento”), os quais foram para o Egito. Estes retornaram posteriormente sob o reinado de Salomé Alexandra. Tempos depois novo conflito surge, mas agora com os sacerdotes, do partido dos saduceus. Enquanto estes são a elite, os fariseus estão inseridos no meio do povo. A luta interna pelo poder protagonizada por Aristóbulo II e Hircano II, filhos de Salomé, terminou por entregar à Judéia ao domínio romano em 64 a.C. O imperador romano proclama Hircano II o sumo-sacerdote e aprisiona Aristóbulo II. O governo da Judéia ficará a encargo primeiro de Antípater, e posteriormente de Herodes, o Grande. Os fariseus surgem não apenas partir deste conflito entre judeus e gregos, mas entre judeus tradicionalistas, os hassidim, e os judeus helenizados. Deve-se fazer a distinção entre a religião pré-exílica dos hebreus, chamada de hebraísmo para a religião pós exílica, o judaísmo. Os antigos profetas não tratavam a respeito dos ritos ou do kasrut, mas a pregação era estava relacionada em geral à ética monoteísta. Já o judaísmo desenvolve-se a partir de Esdras e da Grande Assembléia, cinco séculos antes de Jesus. O judaísmo institui práticas como: leitura pública da Toráh, o Shabbat e as festas, a berit millá, a sinagoga, o kashrut e as leis de pureza e impureza. Tais prescrições constituem a halakhah e a haggadáh, desenvolvidas no midrash, a Torah Oral ou Toráh Shebeal pê em contraste com a Torah Escrita ou Toráh Shebikhtav, ou Toráh Escrita.
Os ritos têm valores positivos como unir a comunidade, transmitir
memórias e ser expressão concreta da fé. Porém, há o risco de tornar-se mero ritualismo sem vida, repetitivo. A resposta farisaica aos ritos não foi uniforme: alguns bem rigorosos, outros flexíveis. As escolas de Shamai e de Hillel demonstram bem isto, por exemplo na interpretação de Gn 1:1 ao afirmarem sobre a precedência do céu sobre a terra (Shamai) ou da terra sobre o céu (Hillel). Enquanto Shamai é rigorista religioso, Hillel é mais flexível. Ambas as leituras são possíveis, e dependem da perspectiva da leitura. Assim Shamai e Hillel representam o arquétipo do pensamento farisaico, fundado na interpretação livre do texto. Ambos têm a Toráh no centro, makholet, mas cada escola de pensamento interpreta os textos de acordo com sua lente, helek. Mesmo que um judeu pertencesse a uma determinada escola de pensamento, ele tinha liberdade em suas interpretações. Isto explica o caráter diverso e plural, jamais monolítico das escolas de pensamento judaicas.
2.6 – Testemunho de Josefo
Na obra “Antiguidades Judaicas”, Josefo trata das seitas filosóficas que haviam entre os judeus: fariseus, saduceus, essênios e a quarta filosofia. Segundo Josefo, os fariseus honram os mais idosos; crêem na providência divina sem negar a vontade humana; na imortalidade da alma; na ressureição. Já os saduceus observam apenas as leis e são em pequeno número. “Suas doutrinas produzem morte”. Os essênios entregam tudo à providência divina, consideram a alma imortal e vivem juntos compartilhando tudo. E por fim a quarta filosofia, fundada por Judas, o Galileu. Esta tem proximidade doutrinária com os fariseus, mas têm apego invencível com a liberdade e por isso, buscavam a rebelião contra o os romanos.