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padê editorial

cole-sã escrevivências

apoio:
Fundo Elas de investimento social

distrito federal
2019
padê editorial

babosa
maresias
karina
das oliveiras

cantos de proteção,
resistência e dengo:
cada pétala é um ser

cole-sã escrevivências n. 038


Cantos de proteção, resistência
e dengo: cada pétala é um ser
poemas de Babosa Maresia e Karina das Oliveiras

edição, diagramação, revisão,


concepção da artesania:
tatiana nascimento

padê editorial é um coletivo editorial


que publica autoras negras y/ou lgbtqi+,
fundado por tatiana nascimento y bárbara esmenia,
em brasília / DF
www.pade.lgbt
pade.editorial@gmail.com
esse livro foi feito como parte do projeto “Escre-
viventes: autopublicação artesanal de narrativas
LBTs”, proposto pela padê e selecionado pelo Fun-
do Elas de Investimento Social em edital de 2018

tipografia: ogirema e chicago

Maresia, Babosa; das Oliveiras, Karina


Cantos de proteção, resistência e dengo: cada pétala
é um ser / Babosa Maresia; Karina das Oliveiras. - 1a.
ed. - Brasília (DF): padê editorial, 2019.
ISBN: 978-85-85346-50-8
sobre a cole-sã escrevivências
inspirada nas escrevivências elaboradas/teorizadas por con-
ceição evaristo, a cole-sã escrevivências, da padê editorial, é
dedicada a textos maravilhantes de literatura lgbtqi+ (major-
itariamente) negra contemporânea. são mais de 60 títulos de
autorxs sapatonas, travestis, mulheres y homens trans, gente
não-binária, povo preto sexual-dissidente de um monte de
lugares num brasil que insiste em nos matar, nos impedir de
sonhar, de falar com nossa própria voz. mas mesmo assim: aqui
estamos, falamos, escrevemos. sonhamos!

foi no blog de conceição que li “a nossa escrevivência não é para


adormecer os da casa grande, e sim para incomodá-los em seus
sonos injustos”. o racismo htcisnormativo, mola de funciona-
mento do sistema colonial que fez nossa banda do continente
ser como é (escravocrata, lgbtqifóbica, espraiante de genocídio
negro, indígena, de transfeminicídio, classista, desesperanço-
sa, fundamentalista) tem entre suas principais ferramentas
políticas de silenciamento: tenta nos roubar de nossas palavras,
contaminar colonizando nossa expressão/discurso/narrativas,
quer despermitir que plantemos nosso próprio imaginário.
difundir seus estereótipos sobre nós enquanto finge que não vê
não ouve o que nós mesmxs temos a dizer sobre nós.

selecionar esses textos y autorxs tem a ver com uma fé no


contar nossas próprias histórias. y histórias que curem nosso
passado, alimentem nosso presente, construam nosso futuro:
além de incomodar sonos injustos, embalar os nossos sonhos
de mundos, imaginários, afetos, existências possíveis, plenas,
autodeterminadas, autoafirmadas literariamente.

todos os livros publicados na cole-sã têm licença creative


commons tipo “atribuição-não comercial-sem derivações”,
o que significa que você pode compartilhar o material em
qualquer suporte ou formato, desde que a autoria seja atribuí-
da (“atribuição”) y desde que não seja feito uso lucrativo do
material (“não comercial”). se você modificar esse conteúdo,
tampouco pode distribuí-lo (“sem derivações”).

tatiana nascimento, organizadora


babosa maresia

nascida em salvador, no dique. sinto encanto pela brincadeira de co-


municar, curar, cuidar a si e as outres pela palavra trocada, cantada,
falada, escrita, gritada, sussurrada. nos agoras venho seguindo cor-
renteza de ajuntar as gentes que somos em corpas inteiras, do pen-
samento à ação, nas invenções do real. como é que nos mantemos
saudáveis e como é que a gente se cuida e se mantém viva? tô gostan-
do também de conhecer as plantas de cura que nos pariram, de ver o
mundo micro das sementes gigantes. desejo vibrar palavras grandes
e largas, tipo: liberdade, descolonizar, amar, zami, antimanicomial,
antimanicolonial, oceano, memória. encontrar a pássara kafej foi e
é respiro e parceria para a vida em respeito e amor, se aninhando no
dengo, beijando com manga.
Instagram:@babosamaresia
E-mail:b.sgomes@yahoo.com.br
8 cantos de proteção, resistência e dengo:

deixa eu te olhar
pra quando a gente se encontrar em nova era
chegada
eu lembrar desse rosto de agora
existe um ímã que nos faz beijar a saudade
foi tanto tempo passado
distante
que agora o suor rio
cola nos une
cada respirar são elementos de
memória:
duas primeiras mulheres do mundo que se amaram
elas vivem as vidas em viagem
buscando construir registros de memórias
elas vivem no agora dos abraços longos e
toques e cheiros nos cabelos
deixa impressa na pele com água e sal da própria corpa
é assim que gastam suas vidas humanas
pisando nas terras mares lamaçais e areias dos cantos e beiras que
houver
de todas as vidas que viveram juntas essa é a que mais levou tempo
para um reencontro
para que o cruzar dos caminhos acontecesse
e foi na curva, na barragem das águas
não poderiam ver de onde vieram e nem pra onde iriam
e até onde iriam juntas?
era aquele agora abraçado pela lembrança construída do antes e
depois
precisavam caminhar
movimento viajante itinerante errante em cada tempo de surpresas
e novidades.
deixar rastros, viver os amores e mergulhar mata lagoa adentro

cada pétala é um ser


babosa maresia e karina das oliveiras

no fundo do chão do mar às vezes tem brechas de abismo profundo


onde até o fogo pode alcançar no dentro
se faz portal para pontes sutis de conchas e palavras
unindo o que tá por aí no magma da imensidão de oceanos
gozei sentada
líquida escorria
suco raiada com mel
a corpa é redondamente alaranjada
cheira delícia ácida limpeza
de suquinho de laranja para beber de olhos fechados
e senti
florescer da bertalha roxa em carreirinha
dançando nascendo ao som
do trovão gritaria do céu
buceta chuvosa desaguando
voz da boca em forma de raio
se beijam com fava
se lavam em mel com terra
convite:
bora ser mar juntas?
e beijar cheia de areia
limpar sal com saliva
e comer alguma coisa com fruta?
leoas amam em bando
e cantam quando
gozam
o peito quente
essência lava
equilibrio vida
e sentir
da água
quando me molha
as bocas
quando me chupa
os bicos
9
10 cantos de proteção, resistência e dengo:

aprender a rever o tempo passado dos espaços


as águas que sempre estiveram correndo ali e aqui
as pedras que vão sendo entalhadas pelo vento, chuva, enxadas,
dinamites, túneis
quanto mais memória elas guardam, menores e mais lanhadas se
tornam?
isso que é lapidar?
perguntar às árvores e ao chão como era a cidade corpa (novo nome
pro espaço vasto circunscrito) antes das chegadas dos concretos
perguntar ao roxolaranjazul do sol deitando como era ver de cima
de lado o movimento das gentes e bichos antes das entradas e che-
gadas das gentes bichos
quando é que aconteceu o antes?

cada pétala é um ser


babosa maresia e karina das oliveiras

aterrar
é dar de comer
ao solo
seus pés

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12 cantos de proteção, resistência e dengo:

sinto que
coração quando
brotar
vai ser
alecrim florido
vindo pro sol
raiz espalhada
carregada de terra

cada pétala é um ser


babosa maresia e karina das oliveiras

gosto das conchas porque elas já escutaram e


guardaram nelas o som das dinossauras em gozo por
se saberem vivas na terra que dança com o sol e que pare
o mar em cachoeira salgada
nelas
existem silêncios que escorrem gritados
das várias bocas
conchas que enfeitam portais espelhos
colares pingentes
guardam memórias escutadas rente ao ouvido
e sabemos verdades
quero ver quem é que vai dizer que não ouviu o silêncio

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14 cantos de proteção, resistência e dengo:

quando nossos lábios se tocam~encontram


criamos tempestade
redemoinho no mar
as águas espelham os relâmpagos
fluidifico-me inteira
e me chega em ondas
o que é o amor
músculos contraem-se-relaxam
jorro os sais que nascem em mim
respiro inspiro expiro
o som de dentro da concha, de dentro dos vasos pintados
vermelho
de dentro de mim
do sangue que escorre
do sangue que é mar
desperto!

cada pétala é um ser


babosa maresia e karina das oliveiras

aprendi
que se deixar a fuligem sobre a brasa
embaça a vista
de dentro pra fora
das vísceras aos pêlos
a gente vai se descobrindo
nas formas
e nas cores
e tudo faz sentido
quando muda

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16 cantos de proteção, resistência e dengo:

eu tô aqui para falar de vingança


não sou a vítima que querem que eu seja
tô viva, sinto e reajo
reajo e dou um passo a frente
vou pra cima
todo dia alimento corpa e alma
todo dia corro, trabalho músculos, braços, pernas
diafragma
para avançar, para manter a firmeza
para afastar quem nos mata
para abraçar quem tá junta
para levantar quem tombou
porque quem tem cor, tá unida pela história
porque quem sangra, tá unida pela vida escorrida toda lua, toda luta,
todo dia
eu tô aqui pra me fundir à estrutura das colmeias
quando vejo e sinto as portinhas se fecharem
abro a boca
saem as abelhas
buscam aquele que machucou minha memória
e os ferrões vão penetrar
furar
cada poro de seu corpo podre
todos ao mesmo tempo
e vai inchar
e não vai restar espaço para o sopro
não haverá passagem para uma gota de seu próprio sangue escorri-
do do corpo ferroado doloroso
desejo que minha palavra nos seja leve, seja espalhada e mutável e
adentre os corações, peles, mentes, e se propaguem pelas bocas,
sopros de vida

cada pétala é um ser


babosa maresia e karina das oliveiras

estupro coerção coesão correção castração repugnação abuso roubo


tapa chute facada desonestidade isolamento negação encobrimento
a gente só tá sendo
descuidada morta maltratada cerceada tocada sem autorização
sa pa tão
por que é que palavra é xingamento?
a gente só tá sendo
apoio balanço embalo redinha família dedinhos perdidos nos cachin-
hos nos crespinhos quando a cabeça mexe com as mãos
sa pa tão
cuidado carinho quarto quintal vira ninho vira casa partilhada com o
que vive e o que já viveu
sa pa tão
completada pela mesma ela que é dentro dela e espelhada nela e que
também sou eu
sa pa tão
a gente só tá sendo eu pra eu eu pra ela ela pra ela ela pra eu é pra
gente
sa pa tão
a gente só tá sendo,
não quero ser outra coisa não

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18 cantos de proteção, resistência e dengo:

quero desenhar em meu corpo vasta terra árvore genealogia raízes


mulheres ancestrais
quem veio antes de quem?
quem sabe suas histórias?
quem teve suas memórias preservadas?
quantas vidas registradas nos corpos e papéis foram diluídas na
água salgada entre as terras?

cada pétala é um ser


babosa maresia e karina das oliveiras

vomita pra fora


a mentira encarnada
estuprada
invadida
em seu corpo
grita
sem vergonha pudor
dor
sabida só em seu corpo

as vozes que escuta não são suas
vomita o que
é teu
é dos outros
não chega perto
respira relaxa
lembra que é filha da paz

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20 cantos de proteção, resistência e dengo:

corpas libertas coletivas processo consciente de nós dança desperta


recusa parede jaula recusam o que é colado pregado não mais vejo
minhas roupas longe no varal hoje eu lavo estendo e recolho hoje eu
posso comer com sal
o que é preciso para eu ser uma mulher louca? gritar, assustar,
desobedecer, matar meus filhos que não são filhos e que ainda estão
dentro de mim ou fazer qualquer coisa e se eu tirar a roupa aqui ago-
ra sou louca? se eu gritar, assustar alguém conhecido desconhecido
na rua porque achei que ele me tocou do mesmo jeito que a outra
mulher que eu li na reportagem, e que eu li do dossiê sobre lesbocí-
dio no brasil de 2014 a 2017 que 5% é o percentual de mulheres lés-
bicas mortas por estupro em 2015 (qual o tamanho do número 5? é
pequeno ou grande?) e depois caminhar calmamente como se nada
tivesse acontecido (porque nada realmente aconteceu) se eu andar
olhando pra baixo todo o tempo não olho se carro passa reto em cima
da faixa sinal verde vermelho qualquer cor que não enxergo porque
olho o chão que não enxergo porque desejo que o carro tente passar
por cima eu sou louca? é que sempre disseram pra olhar pra baixo. é
que os que dirigem carro sabem (sabem?) que a rua e o movimento é
só deles, desafiam as giras do mundo. criminosos, grito. elas dizem
banalização da loucura elas dizem a loucura num pedestal e elas nem
são loucas é preciso subir degraus, ganhar medalhas para receber o
aval de ser louca? ganhar faixa de miss beleza senão fica louca. rece-
ber a chave da cidade da insanidade ser cidadã do mundo dos nãos? o
que é preciso para ser uma mulher louca? é preciso? ou a cor basta?

cada pétala é um ser


babosa maresia e karina das oliveiras

entre teus cabelos raízes


que se fazem cortina
vejo flutuar os sons ancestrais
que nos abrem os caminhos
início de que?
de teus cabelos raízes
me vem o cheiro de ser real
de um verde e marrom
que transcendem
que transformam
o presente
pelos teus cabelos raízes
sinto aquela que nos move as águas
e que cresce sobre o sono agitado
do mar escuro
dos teus cabelos raízes
aprendo o verter-se,
o corpo que fala,
o olhar que escuta,
as almas que se cruzam
de teus cabelos raízes
ouço a música
e as histórias
da filha do Tempo
sinto o que é eterno
em teus cabelos raízes
me sinto segura

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22 cantos de proteção, resistência e dengo:

karina das oliveiras

nascida e criada em fortaleza, cresci entre o litoral e o sertão do ceará.


os tempos das pedras fazem sentido para mim. quem veio antes de
mim abre caminhos. pelo banho da ancestralidade nativa, da comu-
nicação com os tempos e da revolta antiga no nordeste sigo. em
resistências e travessias caminho entre fortaleza, salvador e porto
alegre em busca da memórias e afetações portais. conto histórias para
virar a cor do medo e descolonizo porque é a maneira mais presente
de honrarmos nosso sangue e transformar nossas realidade. vivo em
companhia com babosa, a maresia de paz que sopra em minha fronte
os encantos do amor. juntas regamos sonhos para ver crescer a flor e
seguimos em resistência pelo direito de nos amarmos e expandirmos
a maravilhosidade de viver a vida junta.

instagram:@folhadaarvore_kafej
e-mail: karinaevoe@gmail.com

cada pétala é um ser


babosa maresia e karina das oliveiras

“touro e cavalo bravo não se amansa


touro e cavalo bravo não se amansa
eu não tenho medo
eu não tenho medo
eu saí da mata de manhã bem cedo”
(cantiga tradicional do tambor de mina do maranhão)

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24 cantos de proteção, resistência e dengo:

quero entrar no curso do empoderamento vital


tipo como quando se criou a divisão espacial na geleca
mineral do mundo terrestre, até aqui é terra,
até aqui é nuvem, até aqui é braço de rio
quero entrar na carreirinha pra acompanhar esse movimento
milenar de recuperar o que foi extraviado, reconstruir o dentro,
saber de onde se vem,
qual linhagem de sangue eu continuo?
a mitocôndria de minha mãe mora em mim
nos unimos por um fio de sangue ancestral

cada pétala é um ser


babosa maresia e karina das oliveiras

a transformação do tempo sentindo a paz


a transformação do tempo comendo a fome
a transformação do tempo
estar abraçada comigo
quieta no canto
silêncio de pedra
maré de remanso

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26 cantos de proteção, resistência e dengo:

acessos pequenos de rios, silêncios, navegações rasteiras,


nós como peixes debaixo d’água a nadar, olhos abertos,
sanangas molhadas. ver debaixo do mato me ensinou a mergulhar.
imponência não importa, técnicas espertas, atalhos de fuga, conhe-
cimento do corpo
noite mar adentro, berço de rio, desembocar d’água
tinha gente desviada de redemoinhos no são francisco que também
chegava por lá
juntava-se a nós e seguíamos a batalhar
cada pétala é um ser
babosa maresia e karina das oliveiras

bradando coragem
o peito em silêncio
a gota que cai
um peso
um lamento
dois quilo de terra
um metro de dor
criança acordada, barriga motor
vender a jujuba, colher piedades
interessa saber como se foge da crueldade?
na caixa do peito o loló alokado,
entrou deslizando passou a roleta
dançou
nem suspeitam que no peito
a dor daquele pivete
vender a jujuba lolozado
é arte e não morte como
vocês querem pra ele ofertar
dizendo que é sorte

lamentou, lamentou, lamentou


vendeu a jujuba, tambor peito ressoou
malandragem conhecida, isso são os meninos do sol
lá do ceará, lá de cima, na infância quem é que brinca
longe da orla da beira mar?

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28 cantos de proteção, resistência e dengo:

jovens tão sérias


estampada a série: problemas constantes
cara serrada, dentes trincados, peito cerrado,
garganta inflamada, imposição da seriedade, raiva programada
no ar o estalo dos dedos, mudanças
ilumine o que faz a seriedade aparecer:
não mostrar os dentes para brancos
raiva provém de seus privilégios herdados, passados,
guardados pela escravocracia, sistema de seus antepassados
guardam a poupança que aproveitam.
cansaços, descansos, ranços, funções
brancos em nosso planeta são pragas exterminadoras de possibili-
dades de vida
defendidos pela governanta, guardados pela câmera, controlados
pelo dinheiro, precisamos detê-los. não posso nem falar que pra mim
já existe injúria racial.

cada pétala é um ser


babosa maresia e karina das oliveiras

todo o solo da noite oscila, carrega, estica, desprende


guarda o celular na hora de comer
alimento é vibração
respira
movimento carinhoso a sanfonar
nossa passagem de dias no flexionar da caixa torácica
argila, suspira
continua a pedir imensidão de mar
cactos plantados, erga sua sede
movimente os ares, cuide antes
vamos viver essa vida, segura no fogo
não ande à toa
se oriente
o terreiro está varrido
pise girante
floresça receba a luz inteira da estrela ardente
contação solar, tudo existe porque cresce pelo fluxo poder da estrela
solar

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30 cantos de proteção, resistência e dengo:

fruto ovário maduro


fungos reciclam materiais em decomposição
fungos organismos de maior longevidade

cada pétala é um ser


babosa maresia e karina das oliveiras

está em repouso sem os olhos,


concentra dentro é um mistério
vibrar a cor, a coragem, a memória, o aceitar

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32 cantos de proteção, resistência e dengo:

ignorar é um não saber, um medo de encarar o ser


uma estratégia branca, mau olhado, óculos espelhados bate e volta,
quebrando correntes, vibrações negativas, nenhuma me atinge
elaboração de renasceres, acompanhar a passagem diária do sol pela
terra
sem o horizonte mar, vento me acolhe e traz suas gotas d’águas aéreas
a memória de um vapor antes marinho,
águas doces são outras danças e a corpa talvez queira salgar.

cada pétala é um ser


babosa maresia e karina das oliveiras

o brasil é uma terra de rancor


o odor, toda raiva
rombo colonial
ardor do sol nos significa
toque sutil da mão da paz
folha fresca, cada tecido vegetal
que depois do banho nos habita
o lugar que ela ficar, é morada sentida
ver todo dia a violência em sua rua, adoece
populações que convivem com o esgoto
qual o sabor do desgosto?
ver a violência todo dia na sua rua, adoece, ver o cano botado na cara,
adoece
ver seu filho morrer e não poder fazer nada, adoece
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34 cantos de proteção, resistência e dengo:

tanto amor e viver em nossas mãos


o fruto maduro em florescimento,
você mulher gigante girando ao sol.
nós em dunas criando nosso próprio suor
falando de amor, poesia e tensões.
somos tantas.
eu te amo e amo acordar ao seu lado.

cada pétala é um ser


babosa maresia e karina das oliveiras

diante de tudo no mundo, mulher, teus olhos sorrindo são memórias dos
sentires luminosos chamadas de afeto e mel.
os caminhos todos abertos, não mais aflitos, pés em atitude, pedras a
tocar.
teu ventre em rio de cura, sua flor no mar a nadar.
quando o susto acontece no tempo, o vento passa, o vento passa com o
tempo
tão grandiosa a sua morada nas linhas das mãos, tantas histórias vividas,
a mulher semente que você se criou é, é sendo agora, sendo sem normas,
solta no ar, pássara cantante, espuma brilhante em noite de luar.
sejam as terras que nos levam a caminhar, sejam as mãos nossas de toque,
beijos e acarinhar juntas ou não, seu estar em minha vida sempre irá
cantar, sempre irá raiar, como os raios de sol no amanhecer do
retorno eterno à vida.
amo você com gosto de fruta
agradeço por tudo, por tanto, por todas
primavera, chegada verão

35
36 cantos de proteção, resistência e dengo:

fogo nos olhos com agradecimentos no peito


é tão significativa essa vitória.
a passagem em paz, o caminho chegado
tantas somos nós a desmentir o medo e teimar a amar
pulando fogueiras acesas em noites de quadrilhas
esse brilho da bila do seu olho e seu sorriso de
menina baleia arco-íris encanta o viver e desenha o fruto da alegria
sinto amor, calor e dança por você

cada pétala é um ser


babosa maresia e karina das oliveiras

domingo a tarde, na praia, a gente se amando, se beijando, se roçando, se


querendo, se amando.
areia entre o corpo queimando, dourando o sal do mar nós se apaixonando
hahahaha explondindo em amor, tesão, calor, as pivetas tão presente lá lá
dengo é com a gente, vem com a gente
sapatão no ar
cheiro de amor, terras sobre morros, praia a cantar
no mar, nossos cabelos a molhar, nossas pernas a roçar
vamos se enxugar na areia, esperando o mar baixar, vamos mergulhar
no fundo
tudo é profundo, a gente tem mais é que ver o horizonte pelo mar, amando
esse tempo de estar juntinhas construindo o tempo, as flores, plantando ab-
acates, dançando o arrasta-pé
a gente é tesoura toda dourada, mel, mel, mel a deslizar profundos vales,
rios inteiros,
a gemidos consagrar abrigos, consagrar a vida inteira, como todas as belezas
mel, mel, mel a deslizar buceta adentro, todo o tempo é momento,
vamos se amar

37
38 cantos de proteção, resistência e dengo:

a gente pensa que pode contar estrelas


estrelas flutuantes
estrelas no deserto
estrela na mesa
estrela lá do céu
colonial tá regresso
cerrado no inverno
no progresso tudo é dúvida
ninguém mais não, não se escuta
a gente vai pelo o que é certo
e o tempo parece aberto
plantar a vida no tempo do tempo da estrela cósmica
anos 2000, viagem a saturno, a noite vindo de netuno de duas
passando em vênus, cheguei na terra menina serena, e o que eu sentia?
a gente pensa que pode contar estrelas
estrela pequeninha
estrela bem de mansinho
estrela paz insurgente
de pés descalços adentro
já estudei todo o terreno
fale pro povo que avance
fale pro povo que avance
avante
avance
avance
avante
avance

cada pétala é um ser


babosa maresia e karina das oliveiras

arranque com as mãos, plante, o coração no dentro da terra, oferta para


mãe
raízes de todas as raízes conversam por baixo da terra como as ligações
dos minerais cósmicos
a gente pensa que pode contar estrelas
pegue a estrela, caminhe nela, veja todos
os convexos
os versos
as terras
e as esperas
esperas essas que cantamos, que rezamos
que pedimos a cada ponto
que rombo, que tontos
achou que a gente ia se perder
os troncos velhos nos conhecemos e vamos
aprender dizendo o que se quer
possibilidades de mundo, de futuro
todas as mulheres
tamo as pocs
as sapatões
as trans
e as pequenas
as pivetas
as detentas
as mulheres tão em cena
pra quê?
a gente pensa que pode contar estrelas

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outros títulos da cole-sã escrevivências, da padê editorial:

escura.noite, kati souto


sal a gosto, esteban rodrigues
paragrafia 44, lélia de castro
44 sentímentos, cleudes pessoa
cartas para NegraLua, débora rita
oju oiyn, okan iná, beatriz fernandes aqualtune
água viva, piera schnaider
desculpa por ainda escrever poemas de amor, julianna motter
flores em coração cerrado, tati carolli
a saudade é mulher, fernanda fernandes muniz
delírios de (re)xistência, geise gênesis
in-quietudes, vandia leal
coração no asfalto, márcia cabral
ser y estar en otros matices, rocío bravo shuña
olindeza, maryellen cruz
concha, sabrina leonardi
piroclastos, lázaro
afro latina, formiga
alumbramento marginal, bianca chioma
deve haver haveres para que a gente siga existindo, laila oliveira
EP, téo martins
tinkuy, jade bittencourt
no âmago, enzo iroko
sapa profana, raíssa éris grimm
sou travestis: estudando a cisgeneridade como uma possibilidade
decolonial, viviane vergueiro
amar devagarinho..., bruno santana
a piada que vocês não vão contar, kuma frança
guarda-versos: palavras que não pude calar, adriele do carmo
notas de um interior circuntante e outros afetos, calila das mercês
bricolagem travesti, maria léo araruna
cartas para ninguém, diana salu
meus versos e inversos, augusto liras
olho de imbondeiro, kárita lohana

todos os títulos da cole-sã pra venda ou download gratuito no portal


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