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Capítulos I, Ii, Iii, Iv - 7.1.2021
Capítulos I, Ii, Iii, Iv - 7.1.2021
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CAPÍTULO I
O NACIONAL-SOCIALISMO NA ALEMANHA E A II GUERRA MUNDIAL
4
1
Tentativa falhada de instauração de um regime comunista, na região da Baviera, entre 1918 e 1919.
2
Ian Kershaw, Hitler – Um Perfil do Poder, Editora Inquérito, Mem Martins, 1991.
3
Ian Kershaw, ob. cit.
6
4
Panzer significa "tanque" alemão, portanto uma Divisão Panzer é uma unidade de tanques de guerra blindados
acompanhados de infantaria e apoio aéreo.
5
Winston Leonard Spencer-Churchill, (Woodstock, 30 de novembro de 1874 – Londres, 24 de janeiro de 1965)
foi um político conservador e estadista britânico, famoso principalmente por sua atuação como primeiro-
ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial.
6
Assim como o Afrika Korps foi mandado para dar apoio às tropas italianas no Norte de África, a invasão da
Grécia foi pelo mesmo motivo, já que Mussolini estava sofrendo com os contra-ataques gregos e Hitler agiu
tanto por companheirismo como pela ambição de expandir o seu espaço.
8
França, o país teve a maior parte do seu território ocupado, e o governante francês De Gualle
pediu, na altura, para que o povo não desse tréguas ao inimigo.
Com a retaguarda antes mencionada já assegurada, Hitler pode então dar continuidade
ao seu Lebensraum e expandir o seu território, a leste. A próxima preocupação do líder
austríaco foi a Jugoslávia, que havia sofrido um golpe de Estado que depôs o rei Pedro II (a
favor das forças do Eixo) e colocou no poder Josip Broz Tito 7 (a favor dos Aliados) e Hitler,
por isso, decidiu invadir e dominar o território, em abril de 19418. Após invadir e assegurar a
Jugoslávia, partiu para a Grécia e, em seguida, expandiu-se para o Norte de África, através do
Afrika Korps9 (dando atenção aos factos que o sucesso do Afrika Korps é devido à boa
preparação física e militar, assim como a boa liderança de Erwin Rommel). Ao final de 1941,
Hitler tinha grande parte da Europa Ocidental subjugada a si e agora poderia finalmente pôr
em prática o seu maior objetivo a nível militar: atacar a URSS, o que só foi possível, após ter
poder de guerra e preparação o suficiente para encarar a nação soviética, que a Alemanha
sabia que se equiparava a si em questão de nível de combate.
Começa então a Operação Barbarossa, em junho de 1941. A Alemanha e os seus
aliados do Eixo (Itália, Finlândia, Hungria, Croácia e Romênia) invadiram a URSS,
acompanhados da Wehrmacht10, da Einsatzgruppen11 e das forças apoiantes. A operação foi
divida em 3 linhas de invasão: Norte para Leningrado, Centro para Moscovo e a Sul para
Kiev. De Leningrado e Moscovo vão surgir acontecimentos, como o Cerco dos 900
Dias/Cerco de Leningrado e a Batalha de Moscovo. O cerco só foi possível ser rompido
7
Marechal e político jugoslavo, nascido em 1892 e falecido em 1980, Josip Broz Tito proclamou, em 1945,
como primeiro-ministro, a República Federal.
8
O ano de 1941 foi marcado pela grande diferença no estilo da guerra, antes os soldados de ambos os lados
sujeitavam-se às guerras de trincheiras, caracterizadas pela pouca movimentação, agora a tendência, até o fim da
guerra, são as guerras relâmpagos. São rápidas, destrutivas e garantem a vitória.
9
O Afrika Korps foi uma força expedicionária para o Norte de África, a fim de proteger as tropas de Mussolini
de contra-ataques e também para expandir o seu território.
10
Wehrmacht, termo alemão que significa força de defesa. Nome dado às forças armadas da Alemanha Nazi.
Consistia no Heer (exército), Kriegsmarine (marinha de guerra) e Luftwaffe (força aérea).
11
Esquadrão da morte subordinado a Schutzstaffel (SS) na Alemanha Nazi, responsável por diversas execuções
em massa, primordialmente a tiros, durante a Segunda Guerra Mundial.
9
porque o lago da cidade havia congelado devido às temperaturas negativas e pode-se fazer
passar mantimentos para as pessoas que lá se encontravam presas e até resgatar algumas. Já
em relação a Moscovo, a única coisa que impediu os soldados nazis de avançarem foi a
extrema força de vontade por parte do exército comunista, pois, mesmo estando exausto, não
cedeu em nenhum momento. Essa de força de vontade foi tamanha que o general MacArthur
comentou: “Já participei numa série de guerras, observei outras, estudei pormenorizadamente
as campanhas dos notáveis chefes militares do passado. Mas em nenhuma parte vi uma
resistência tão eficaz, à qual se seguiu uma contraofensiva que fez recuar o inimigo. A
amplitude e o brilho desse esforço fazem dele o maior feito da história militar.”12.
Num primeiro momento, o exército nazi conseguiu, de facto, uma vitória contra os
soviéticos, no quadro da Operação Barbarrossa, mas não foi algo fácil e isto devido a alguns
fatores: a má preparação por parte da Alemanha para o clima de inverno extremamente
rigoroso da URSS e consequentemente os panzers que se tornaram inoperantes, a fraqueza
dos exércitos da Hungria, Croácia e Romênia. A Alemanha saiu desta primeira invasão
afetada pela exaustão, fome, frio e pela perca de uma grande quantidade de seu exército. A
operação terminou em 5 de dezembro de 1941, com baixas significativamente altas, de
ambos os lados.
Apesar de Hitler ter conseguido dominar uma vasta área, é a partir de 1941 que o
quadro de vitórias da Alemanha começa a ter o seu tempo contado, devido à entrada dos
EUA na guerra, por erro do Japão, país participante do Eixo, que atacou a base americana de
Pearl Harbor, fazendo o isolacionismo americano 13 ser rompido e também devido à derrota
alemã perante a Operação Tocha (julho de 1942 - maio de 1943), plano de contra-ataque
britânico. Outro sinal de que a Alemanha seria derrotada foi a Batalha de Estalinegrado, em
julho de 1942, em que a Wehrmacht sofreu uma notável derrota. Foi a maior batalha da 2ª
Guerra Mundial, contando com a perca de quase 2 milhões de soldados no total, porém as
baixas alemãs são de 600 a quase 850 mil mortos. As causas da derrota nazi foram quase as
mesmas da Operação Barbarossa (ataques soviéticos num movimento de “pinça” pelos
flancos fragilizados do Eixo e poucos mantimentos a nível de comida e munições), com a
adição da subestimação do poder comunista (Estaline soube preparar melhor as suas
estratégia e posicionar os seus soldados), e, por mais que o Führer tivesse imposto uma
ordem para que as suas tropas não recuassem sob qualquer circunstância (mesmo que se
encontrassem encurralados sem chance de defesa), os generais que fizeram parte da luta,
Friedrich Paulus e Walter Heitz, permitiram que o pouco restantes das suas tropas se
rendessem aos soviéticos e o conflito chegasse ao fim, em fevereiro de 1943.
12
Grandes Batalhas da História Universal, Editora QuidNovi, Matosinhos, 2003.
13
Termo dado à neutralidade americana em que estes, por acreditarem que seria melhor não se importar com a
situação da Europa e assim proteger a sua economia e assegurar a sua estabilidade, não se envolveram na guerra,
ou pelo menos o pretendiam não fazer.
10
dos prisioneiros dos campos de concentração, foram utilizados como mão-de-obra escrava.
Estima-se que mais de 13 milhões de europeus foram deportados ou compelidos a emigrar
para o Reich, e cerca de 15 milhões foram obrigados a trabalhar, para o ocupante alemão, nos
seus próprios países.
Como dito anteriormente, a Alemanha sofreu pesadas derrotas e isso demandou um
esforço de guerra gigantesco, porém chegou a uma altura em que o déficit entre o número de
soldados para a economia de guerra e a agricultura era simplesmente visível demais para se
tornar um importante problema a combater.
Hitler decidiu então fazer algumas reformas, adotar novas medidas, criar novas
organizações e projetos, tais como a nomeação de Albert Speer14 como Ministro do
Armamento em 1942, a criação de uma organização para a mobilização de mão de obra,
sendo Fritz Saukelt15 o chefe, e realização de campanhas de propaganda, para atrair pessoas
de outros países para que estas fossem trabalhar na Alemanha ou nos países ocupados pela
mesma.
Agora basta aprofundar todas estas questões, mas antes ter em mente que o termo
“sistema concentracionário nazi” não significa que houvesse apenas um tipo de campo de
concentração, pelo contrário, havia vários e todos com as suas designações e diferenças.
Havia os campos de concentração focados na produção (localizados em Munique, por
exemplo), havia os de extermínio somente, sendo o de Auschwitz o mais conhecido, havia
aqueles destinados para pessoas com “comportamentos desviantes” (homossexuais, por
exemplo) e havia aqueles destinados aos prisioneiros de guerra (comunistas, opositores,
soldados dos aliados, etc.).
Começando pela imprescindível necessidade que os alemães tinham da força
produtiva, quer a nível agrícola quer industrial, para assegurar a vitória militar, Fritz Saukelt
vai apelar para diversos recursos, a começar pelas campanhas de angariação. Estas
propagandas baseavam-se em espalhar por diversos países que, se as pessoas fossem
trabalhar na indústria de guerra para a Alemanha, seriam muito bem pagas, receberiam férias
e instalações para morada, o que obviamente não condizia com a realidade, pois os
estrangeiros mal chegavam ao local de destino e não tinham mais a possibilidade de retorno
ou contato com as suas famílias, pois a grande maioria ia para o suposto trabalho sem
documentação e os que tinham passaporte foram barrados nas fronteiras com a justificativa
de que não era mais válido. Alguns famalicenses foram apanhados já nesta fase.
Esta propaganda de trabalho voluntário infelizmente rendeu pouco, ou pelo menos não
rendei o suficiente para o esforço de guerra da Alemanha, que vai recorrer ao STO (Serviço
de Trabalho Obrigatório), sistema criado em França e que se baseava na transferência ou
exigência de pessoas para o trabalho. Estas pessoas tinham a obrigatoriedade de trabalhar
para a Alemanha durante o tempo que fosse estipulado. Infelizmente, muitos portugueses
(famalicenses inclusos) estavam refugiados em França, após fugirem da guerra em Espanha e
foram forçadamente retirados e enviados diretamente para os postos de trabalho escravo.
14
Berthold Konrad Hermann Albert Speer foi o arquiteto e Ministro do Armamento da Alemanha .nazi.
15
Ernst Friedrich Christoph Sauckel foi o Plenipotenciário Geral para o Emprego de Trabalhadores do III Reich,
foi julgado e condenado a morte, por escravizar milhões de homens e meninos em contexto de trabalho forçado.
Sauckel negou todas as acusações até o momento de sua morte.
11
como se costuma pensar. É a prova que foi construído um discurso oficial sobre Portugal e a
guerra, que é preciso desconstruir e levar ao público, aos estudantes e, para mim, foi uma
honra e uma emoção muito forte tomar contacto com estas realidades, sendo eu uma jovem
com um passado no Brasil e um presente em Portugal, mas que desconhecia totalmente este
envolvimento.
Na verdade, nós temos um envolvimento muito maior do que pensamos e muito
provavelmente em cada uma de nossas famílias há algum parente esquecido na passagem do
tempo e que certamente foi vítima da crueldade do nazismo. Mesmo que os laços de sangue
não nos unam diretamente a esses portugueses, temos um dever de memória e homenagem.
Lidando com estas histórias de vida, ganhamos uma consciência e uma sensibilidades novas
para lutar pela dignidade humana, resgatando a memória dos esquecidos, lutando pelos
direitos daqueles que, nos tempos presentes, sofrem os mais indignos ataques à sua condição
humana. Como diz Fernando Rosas: “(…) A memória até há poucos anos desconhecida dos
portugueses e portuguesas vítimas do sistema concentracionário da Alemanha Nazi, não é só
história passada. Convoca também nos preocupantes dias de hoje o debate cidadão sobre os
sentidos do presente e as incertezas do futuro e fazer essa ponte é igualmente tarefa dos
historiadores e investigadores das ciências sociais.”18.
18
Fernando Rosas, Ansgar Shchaefer, António Carvalho, Cláudia Ninhos e Cristina Clímaco, O Essencial Sobre
Os Portugueses no Sistema Concentracionário do III Reich, Imprensa Nacional Casa da Moeda, s.d.
19
Primo Levi e Leonardo Benedetti, Assim Foi Auschwitz: Testemunhos 1945-1986, Objetiva, 2015.
13
forçado, no qual a destruição dos judeus era confiada às condições de vida impossíveis, à
alimentação insuficiente, aos esforços sobre-humanos, às poucas defesas contra as
intempéries e os rigores das estações; como complemento, os que não morriam de doença,
mas chegavam a um ponto de exaustão física em que não eram mais capazes de executar os
trabalhos impostos, eram liquidados nas câmaras de gás. (…) Além disso, desde os primeiros
dias no campo, éramos obrigados a executar, sem um período razoável de treinamento,
trabalhos variados para os quais ninguém tinha experiência suficiente nem preparo físico
adequado.”20. Não obstante o trabalho desumano a que eram submetidos, sempre de força
braçal com pouca energia, devido à escassez de alimentos, havia também as chamadas
“Seleções”, que consistiam em separar para a câmara de gás os grupos de pessoas que já não
eram aptas para o trabalho.
CONCLUSÃO
Fazer este trabalho despertou-me uma consciência humana e histórica sobre o que foi
o III Reich e as medidas desumanas que Adolf Hitler tentou a todo o custo realizar em prol de
uma ideia longe do real e do perfeito. Questionei-me sobre a minha família, sobre mim
mesma, sobre a sociedade em que estou inserida e o meu lugar nela e me fez ter a certeza do
que eu, assim como a maioria de nós, tentamos sempre ignorar ou empurramos para o fundo
do nosso inconsciente, talvez porque “não foi connosco” ou talvez porque não nos
importamos o suficiente até vermos por nós próprios o impacto a nível social, histórico,
cultural e emocional: não podemos esquecer o que foi esta época extremamente desumana na
nossa história. Não falo isto num tom pacifista e positivista, mas sim de tristeza e deceção,
por saber que se todos nós não tivéssemos memória, tudo isto aconteceria de novo e mais
famílias teriam a sua história e linhagem interrompida. Uma nação sem memória não existe e
nós, como seres coletivos, fazemos parte da história uns dos outros.
Em jeito de conclusão e utilizando um excerto do livro antes mencionado de Primo
Levi: “Compreendemos, mas não poderíamos aprovar, os professores que ‘suspiram e dizem
infelizmente’. São homens, como nós, e como os autores e os responsáveis pelas carnificinas:
não é estranho que muitos, mesmo inocentes, sintam vergonha diante dos fatos e prefiram o
silêncio. Mas o silêncio, nesse caso, é um erro, quase um crime: o próprio sucesso
(inesperado) da exposição confirma-o. Apesar de tudo, anseia-se pela verdade: portanto, ela
não deve ser ocultada. A vergonha e o silêncio dos inocentes podem mascarar o silêncio
culpado dos responsáveis, podem adiar e evitar o juízo histórico sobre eles. Eu também
espero que o pai da leitora seja inocente, e é bem provável que o seja, pois na Itália as coisas
se desenvolveram de outra maneira. Mas a exposição não foi dedicada aos pais, e sim aos
filhos, e aos filhos dos filhos, com a finalidade de demonstrar as reservas de perversidade que
jazem no fundo do espírito humano e os perigos que ameaçam, tanto hoje como ontem, nossa
civilização.”21.
20
Primo Levi e Leonardo Benedetti, ob. cit
21
Primo Levi e Leonardo Benedetti, ob. cit.
14
BIBLIOGRAFIA
- De Famalicão para o Mundo: contributos da História Local, “Trabalhadores Forçados
Portugueses no III Reich e os Famalicenses no sistema concentracionário Nazi”,
http://www.famalicaoeducativo.pt/_de_famalicao_para_o_mundo_contributos_da_historia_l
ocal
- Exposição “Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich e Os Famalicenses no Sistema
Concentracionário Nazi” Casa do Território, Vila Nova de Famalicão.
- La Relève, https://prisonniers-de-guerre.fr/
- Levi, Primo, Benedetti, Leonardo, Assim Foi Auschwitz: Testemunhos 1945-1986, Objetiva,
2015.
- Revista PÚBLICO, A História Nunca Antes Contada dos Portugueses nos Campos de
Concentração, 2014. ssuu.com/ucd25/docs/publico_revista-20140622e29.
- Rosas, Fernando, Shchaefer, Ansgar, Carvalho, António, Ninhos, Cláudia e Clímaco,
Cristina, O Essencial Sobre Os Portugueses no Sistema Concentracionário do III Reich,
Imprensa Nacional Casa da Moeda, s.d.
- “II Encontro – De Famalicão para o Mundo: Migrações e trabalho forçado em contexto de
guerra”, Casa das Artes, 24 e 25.09.2021.
- “Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich e os Famalicenses no sistema
concentracionário Nazi”, ESCCB, 22.10.2021.
15
2. A ORGANIZAÇÃO TODT
Ana Correia
2.1. HISTÓRIA DA ORGANIZAÇÃO
Depois de Hitler assumir o controlo da Alemanha, em 1933, começou a fazer vários
planos de construções civis, para todo o país. Para a concretização desses planos, o
governante precisava de uma organização em que pudesse depositar toda a sua confiança, por
isso entregou o comando dos seus planos a Fritz Todt, um engenheiro civil alemão. Todas as
grandes obras alemãs passavam a ser construídas sobre a observação de Todt que, em 1938,
foi promovido ao posto de comissário para a regulamentação da indústria da construção, o
que lhe permitiu controlar todas as obras públicas e militares que aconteciam na Alemanha,
passando a organização, neste ano, a ser conhecida e batizada por Hitler como “Organização
Todt”.
Quando Hitler se estava a preparar para invadir a Polónia, entregou a tarefa de
construir grandes infraestruturas à organização de Fritz Todt, que realizou muitas
construções, como foi o exemplo da expansão das ferrovias do leste alemão para o apoio de
tropas, munições e veículos para a fronteira da Alemanha, enquanto, ao mesmo tempo,
construía na fronteira com a França grandes fortificações defensivas.
Quando a Alemanha invadiu a Polónia em setembro de 1939, a organização Todt
estava totalmente focada em construções de carácter militar e, por isso, empenhou-se em
construir estruturas defensivas, como bunkers e bases para a instalação de grandes peças de
artilharia. Em 1940, Todt foi nomeado Ministro dos Armamentos e Munições e, por isso,
passou a deter o poder total sobre a economia militar alemã.
Durante a guerra com a União Soviética, Hitler ordenou à TO a missão de construir a
“Muralha do Atlântico”. Para a realização desta obra, a organização TODT usava a
subcontratação de empresas locais para a realização das obras, de modo que a organização
apenas supervisionava e orientava o trabalho que estava a ser feito. No que toca às empresas
locais subcontratadas, se estas não cumprissem com o prazo estipulado, eram multadas ou
estatizadas pela Alemanha. Nessa época, a TO usava, em praticamente todos os seus
trabalhos, mão de obra escrava, principalmente jovens retirados de outros países ou então
prisioneiros de guerra de várias nacionalidades, soviéticos, polacos e de outros países da
Europa de Leste, republicanos espanhóis, antifascistas italianos, alemães, comunistas e até
judeus. Mas, também muitos dos seus trabalhadores chegavam à organização TODT de forma
voluntária, muitos provenientes da França, Bélgica, Holanda e até mesmo da Alemanha.
Queriam trabalhar na construção, pois o trabalho na Alemanha prometia muito boas
condições e um salário elevado, o que acabava depois por não acontecer, quando os
trabalhadores lá estavam.
Em 1942, Todt embarcou num avião com destino a Berlim que, mais tarde, explodiu,
acabando por matar o ministro. Quem ascendeu e substituiu Todt foi Albert Speer e era ele
quem tornava reais todos os pedidos arquitetónicos de Hitler.
Em 1944, com bombardeamentos diários sobre as principais áreas industriais alemãs,
Speer foi capaz de bater recordes na produção de munições e de veículos pesados e
blindados, graças a uma extensa força de trabalho escravo que atingiu a marca de quase um
16
22
Imagens retiradas de Blaine Taylor, Hitler's Engineers Fritz Todt and Albert Speer - Master Builders of the
Third Reich, Casemate Publishers, 2010.
17
oficialmente reconhecida por Hitler e ter começado a trabalhar na frente oriental, o trabalho
era cada vez mais e não havia trabalhadores suficientes, por isso, houve uma grande
reorganização das leis relacionadas com o trabalho obrigatório. Começaram a ser recrutados
trabalhadores por faixas etárias, estes eram apanhados de surpresa por raides dos serviços de
mobilização e acabavam a trabalhar na Alemanha, muitos deles na OT. A partir de 1941,
Alfred Rosenberg23 obrigava todos os homens até aos 65 anos de idade, e as mulheres entre
os 15 e os 45, a prestarem trabalho na economia do III Reich, substituindo muitos dos
alemães que tinham ido para a guerra. De 1940 a 1942, a OT começou a depender de
trabalhadores voluntários, estes eram normalmente contratados pelas agências estatais de
recrutamento e, muitas vezes, acabavam por ser enganados pela suposta oferta de boas
condições e bons salários na Alemanha, o que não se concretizava, porque muitos deles
transformavam-se em trabalhadores forçados e não conseguiam mais voltar para o seu país. A
OT, para além dos trabalhadores voluntários, dependia também de trabalhadores civis,
trabalhadores prisioneiros de guerra e também recrutava entre Grupos de Trabalhadores
Estrangeiros (GTE), que eram unidades de trabalhadores criadas pelo governo de Vichy, em
1940 ,e formadas principalmente por refugiados da Guerra Civil de Espanha, mas também
por outros estrangeiros em situação ilegal ou então desempregados.
A partir de 1942 e até ao final da guerra, a TO tinha ao seu dispor aproximadamente
1,4 milhões de trabalhadores, constituídos por alemães que tinham sido rejeitados no serviço
militar, prisioneiros dos campos de concentração, prisioneiros de guerra e trabalhadores
vindos dos países ocupados pela Alemanha. Devido às condições precárias, muitos destes
trabalhadores não aguentavam e acabavam por morrer.
Uma vítima dos maus-tratos da Organização Todt foi Arie P. que deu o seu
testemunho no livro “Builders of the Third Reich: The Organisation TODT and Nazi Forced
Labour”, de Charles Dick. Este rapaz judeu de apenas 13 anos estava no campo de
concentração de Auschwitz quando foi selecionado para trabalho forçado junto com o seu
irmão Itzhak. No campo VII de Kaufering em Munique, onde Arie se encontrava, a violência
era rotina e as execuções também não eram raras. Arie fazia trabalhos de transporte de
materiais para as construções, como areia ou cimento, que chegavam a pesar cinquenta
quilos, mas os prisioneiros não se dedicavam apenas a um trabalho, fazendo todo o tipo de
tarefas que lhes eram ordenadas. A violência dos guardas dos campos acontecia de todas as
formas e nem este judeu conseguiu escapar, inclusive perdeu a audição de um ouvido e ficou
com muitas dificuldades na sua visão devido a um episódio de agressão por parte dos
guardas.
No seu testemunho, Arie conta como eram os seus dias no campo da Organização
TODT “Por vezes arranjava forma de os enganar porque já não tinha força no corpo.
Carregava um saco de cimento e enchia-o com outros sacos vazios, carregando-o às costas.
Fazia isto muitas vezes para conseguir ter algum descanso. (…) Era muito difícil. Não
tomávamos banho nem mudávamos as nossas roupas.”24
23
Alfred Rosenberg foi um membro (político) do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores da Alemanha,
que substituiu Hitler no partido, enquanto este estava preso em 1923. Para além disso, foi uma das principais
figuras do antissemitismo.
24
Testemunho de Arie P., em Charles Dick, Builders of the Third Reich: The Organisation TODT and Nazi
Forced Labour de, capítulo 3 “Slave labourers under the Organisation Todt”, pp. 157 e 158, tradução de Ana
Correia.
18
Quando a guerra acabou, toda a força de trabalho alemã recrutada que estava
disponível foi desviada para unidades militares e organizações de apoio militar direto.
2.3. PORTUGUESES NA TO
Por motivos políticos, porque se voluntariaram ou porque estavam no sítio errado na
hora errada, muitos portugueses acabaram por ser vítimas de trabalhos forçados na Alemanha
nazi, durante a II Guerra Mundial. Estão identificados cerca de mil portugueses26, mas
poderão ter sido mais. Alguns destes portugueses estavam em campos de concentração, mas a
maioria deles eram trabalhadores civis expulsos do seu país de origem, que foram obrigados a
trabalhar nos campos e em outras “organizações” alemãs.
A Organização TODT foi um dos corpos para o qual muitos trabalhadores forçados
iam trabalhar. Vejamos o caso de Manuel Francisco. Este português, no início de 1944,
quando tinha 48 anos e vivia na periferia de Paris, foi detido pela polícia francesa e entregue
às autoridades alemãs. Este não foi sozinho, foi acompanhado por outros franceses e enviado
para um Campo Penal da TO, em Cherbourg, na zona de acesso restrito da costa francesa.
Esta estava militarizada, para evitar uma invasão dos Aliados, o que acabou por acontecer em
1944. Os campos penais tinham, por norma, educar e doutrinar os detidos. Os reclusos, na
maior parte franceses e espanhóis, eram forçados a trabalhar e não recebiam qualquer tipo de
salário. Para além disso, eram também submetidos a torturas. Quanto a Manuel Francisco,
quando o cônsul português em Paris teve conhecimento da situação deste, protestou com as
autoridades alemãs, o que fez com que estas declarassem rapidamente a libertação do
português. No entanto, quando a informação de que estava liberto foi comunicada a Manuel
Francisco pelo diretor do campo, na manhã seguinte, o português foi encontrado morto na sua
cama. Por Portugal manter uma posição neutra face a toda a situação que se estava a passar
durante a II Guerra Mundial e tendo em conta que tinha um bom relacionamento com o
governo do III Reich, foi aberto um inquérito para investigar o sucedido, mas o resultado
nunca foi revelado27.
25
Imagem retirada do site https://www.mediapart.fr/
26
Terão sido cerca de 1000 trabalhadores, segundo um artigo retirado do Diário de Notícias.
27
Toda a informação sobre este português encontra-se no catálogo da exposição da Casa do Território
"Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich e Os Famalicenses no Sistema Concentracionário Nazi".
19
Um outro caso é o dos mergulhadores da cidade do Porto. Assim, para além deste
português envolvido em questões relativas à Organização TODT, a TO também recrutou em
Portugal mediante intermediários. Assim, a empresa alemã Friedrich Flohr, que se ocupava
dos trabalhos de remoção do navio Orania, afundado em 1934 na Foz do Douro, contratou
onze dos seus mergulhadores, dos quais 10 eram portugueses, para trabalharem na Europa,
estes ficaram conhecidos como "Os Mergulhadores da cidade do Porto". No final de setembro
de 1940, o grupo foi para Irun e a partir dessa altura nunca mais foi visto. Algumas das
hipóteses colocadas é que este grupo poderá ter viajado para a Alemanha ou poderá ter
permanecido em França, onde os alemães construíram cinco grandes bases, para proteger os
seus submarinos e a impotente linha de defesa conhecida por "Muralha do Atlântico"28.
CONCLUSÃO
Através deste trabalho, ficamos a conhecer mais sobre a Organização Todt e que esta
não era apenas uma organização civil, mas uma organização que maltratava e torturava os
seus trabalhadores, assim como usava mão de obra escrava, causando muita dor e sofrimento
às vítimas e suas famílias, e a morte de milhares de trabalhadores. Além do mais, é muito
importante perceber que, apesar do que a maior parte das pessoas pensam, Portugal também
esteve envolvido com esta organização e também lá estiveram presentes trabalhadores
portugueses que foram forçados a trabalhar e que sofreram até ao fim das suas vidas.
Por último, é importante mencionar que o facto de estes acontecimentos todos se
terem passado há muitos anos, não nos permite esquecer todas as vítimas e todas as mortes
que ocorreram na Alemanha nazi, pois esquecer é negar a homenagem que estas pessoas
merecem e que esta ditadura alguma vez existiu, por isso, precisamos de nos lembrar de todos
estes factos para que a história não se volte a repetir, nunca.
BIBLIOGRAFIA
- Dick, Charles, Builders of the Third Reich: The Organisation TODT and Nazi Forced
Labour, Bloomsbury Publishing.
- Exposição “Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich e os Famalicenses no Sistema
Concentracionário Nazi”, Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e Instituto de
História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova
de Lisboa, Casa do Território, Vila Nova de Famalicão.
- Fixer, String, “Organização Todt”, https://stringfixer.com/pt/Todt_organisation
[consultado a 30/11/2021].
- Francisco, Suzete, “Portugueses em trabalho forçado na Alemanha nazi: uma história por
contar”, Diário de Notícias, https://www.dn.pt/edicao-do-dia/15-ago-2020/portugueses-em-
trabalho-forcado-na-alemanha-nazi-uma-historia-por-contar-12524244.html [consultado a
1/12/2021].
- Rosas, Fernando et al. “O essencial sobre os portugueses no Sistema Concentracionário do
III Reich”, Imprensa Nacional, s/d.
28
Idem.
20
- Taylor, Blaine, Hitler's Engineers: Fritz Todt and Albert Speer - Master Builders of the
Third Reich, Casemate Pub, 2010.
- Vídeo “Organizações Todt- Os construtores do 3º Reich”
https://www.youtube.com/watch?
v=Uo8fMHDhTZY&ab_channel=HojenaSegundaGuerraMundial [consultado a 28/11/2021].
21
CAPÍTULO II
AS VÍTIMAS PORTUGUESAS DA BARBÁRIE NAZI
22
29
A informação deste trabalho foi retirada da Exposição “Trabalhadores Forçados Portugueses no III
Reich e os Famalicenses no Sistema Concentracionário Nazi”, Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e
Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa, Casa do Território, Vila Nova de Famalicão.
23
prometem condições de trabalho que não existem, ludibriando muitos portugueses a partir
para a Alemanha e, uma vez ao serviço do Reich, foram forçados a permanecer nele.
Em França, dada a falta de trabalhadores voluntários para o Reich, a Alemanha impôs
progressivamente medidas de recrutamento forçado. O procedimento das autoridades alemãs
evoluiu para formas diversas de intimidação, nomeadamente através da convocação dos
desempregados para o trabalho na Alemanha, de tal ordem que, no Verão de 1941, o Legado
de França em Lisboa pediu autorização ao Ministério Negócios Estrangeiros (MNE)
português para que uma missão viajasse até Portugal para recrutar trabalhadores ao abrigo do
Acordo de Emigração assinado entre os dois países.
A França é a principal fonte de recrutamento forçado, com a colaboração do regime
de Vichy, fizeram-se acordos com o regime alemão, como o da Relève, que se baseia na troca
de trabalhadores especializados de França por prisioneiros de guerra franceses, onde muitos
portugueses foram enviados no seu lugar, e outro como o do “Serviço de Trabalho
Obrigatório”, baseado na mobilização coerciva de homens e mulheres por classes etárias, que
tinham a obrigação de cumprir 2 anos de serviço militar.
Os emigrantes portugueses em França, apesar do estatuto neutral de Portugal, foram
também obrigados pelas autoridades francesas e alemãs a trabalhar para III Reich, na
Alemanha ou em França, no âmbito da Relève, do Serviço do Trabalho Obrigatório (STO) ou
da Organização Todt (OT), uma organização operária de construção civil alemã. Aqueles que
se recusavam, enfrentavam elevadas punições, o que levou muitos a se juntar à Resistência
Francesa, onde trabalhavam infiltrados para extrair informação dos exércitos alemães e
comunicar aos Aliados. Eram apanhados e torturados como forma de confessar o paradeiro de
outros membros.
trabalho na Alemanha). Mas, como o acordo de trabalho não existia diretamente entre os dois
países, os portugueses não tinham passaporte, tendo muitas dificuldades quando queriam sair.
As campanhas de informação e propaganda eram o melhor método de recrutamento
voluntário. A propaganda alemã insiste no salário elevado, nas vantagens sociais, férias
pagas, subsídios. Os métodos revelam um progressivo recurso à coerção, num recrutamento
que aposta no voluntariado. As autoridades alemãs começam por organizar sessões de
informação, passando em seguida à convocação dos desempregados para estas sessões,
acabando por utilizar métodos de intimidação e de coerção.
Muitos emigrantes portugueses em França decidiram, por isso, partir para a Alemanha.
Embora em número reduzido, alguns dos portugueses que permaneciam internados nos
campos franceses desde o final da Guerra Civil de Espanha, optaram por trabalhar
voluntariamente na Alemanha como forma de saírem dos campos. No entanto, a maioria
destes refugiados acabou por solicitar o repatriamento junto dos consulados.
Os portugueses também tiveram a possibilidade de se inscrever para trabalhar na
Alemanha nos escritórios de recrutamento abertos em Espanha. Esta havia assinado um
acordo de emigração com a Alemanha no Verão de 1941. Um dos escritórios de recrutamento
usado pelos portugueses foi o de Vigo, onde se misturavam com outros espanhóis, o que lhes
trazia problemas quando pretendiam repatriar e receber proteção do consolado português
(esta troca de nacionalidade torna mais difícil o processo da investigação).
Com o início da viragem da guerra contra o lado germânico, o governo alemão
desenvolve uma nova política económica de guerra e de mão de obra para aguentar o esforço
da guerra. Em março de 1942, Hitler nomeia Fritz Sauckel como plenipotenciário para a
mobilização do trabalho, ficando conhecido pelas suas brigadas de “arrebanhamento” brutal
responsáveis por adquirir mão de obra industrial pela força. Outra medida é uma imposta pelo
então Reichsführer da SS Heinrich Himmler, que ordena que todos os internados nos campos
de concentração passem a trabalhar na indústria de armamento.
Os primeiros trabalhadores voluntários começam a ser impedidos de abandonar os seus
postos e regressar aos países de origem. No caso dos emigrantes portugueses em França, as
autoridades alemãs, que lhes tinham fornecido um passaporte e os tinham deixado entrar sem
dificuldade, opunham-se agora à sua saída. Desta forma, os trabalhadores voluntários, a partir
de certa altura, são transformados em trabalhadores forçados, conhecendo uma drástica
degradação das condições de vida e do alojamento. Mesmo sendo voluntários e contratados,
os trabalhadores estrangeiros não podiam viver em casa de alemães ou conviver com eles,
não podiam frequentar centros de saúde, igrejas ou transportes e estavam confinados a
camaratas e espaços próprios vigiados, ainda que tivessem liberdade de circulação. Estavam
permanentemente sujeitos a prisões, castigos públicos para os recalcitrantes e, até, à
deportação para campos de concentração em caso de mandriagem ou, pior ainda, de
sabotagem.
O trabalho escravo era outra forma de garantir mão de obra, e consistia na mobilização
dos presos dos campos e subcampos de concentração para a indústria de armamento. As SS
vendiam escravos, que incluíam presos políticos antinazis, elementos antissociais como os
homossexuais, reféns de todo o tipo, judeus, testemunhas de jeová que se recusavam a
combater, ciganos, presos comuns e trabalhadores emigrantes castigados, às empresas a
preços mínimos. Além dos campos das SS, havia ainda campos de concentração russos e
25
polacos, que eram também mobilizados. Até à data, foram encontrados 67 portugueses em
campos de concentração do Reich.
Outra modalidade de recrutamento de mão de obra é feita com os Stalag, campos de
prisioneiros de guerra apenas no ocidente da Europa, com condições melhores que os normais
campos de concentração. Foram encontrados 300 portugueses nos Stalag, chegando lá por
serem alistados na Legião Estrangeira Francesa e nos regimentos de marcha voluntários
criados pelo governo francês, que depois de derrotados são capturados.
CONCLUSÃO
Em 1939, a maioria dos emigrantes portugueses em França tinha-se voluntariado para
trabalhar na Alemanha, através dos centros de recrutamento, como já acima mencionado. Já
em 1942, quando esses trabalhadores voluntários passam a obrigatórios, as condições de
trabalho antes prometidas pelos alemães não são cumpridas. Os portugueses são impedidos
de sair, dado que não possuem passaporte (pela inexistência do tal acordo de trabalho entre os
países) e, presos na Alemanha, passam a ser trabalhadores forçados. Também durante esse
ano, muitos são apanhados em França pela Relève e no “Serviço de Trabalho Obrigatório”.
Para além do voluntariado, os emigrantes portugueses também eram capturados por serem
refugiados da guerra civil de Espanha que combateram do lado republicano, fugiram ao
regime franquista, sendo depois internados em campos no sul da França. Com a invasão
alemã, são presos e diretamente transferidos para os campos de concentração. Outra situação
recorrente era a de cidadãos presos pelas autoridades por resistência ao regime alemão, que
eram enviados para os campos.
Durante todos os acontecimentos, o Estado Novo mostrou-se indiferente ao que estava a
acontecer aos emigrantes portugueses, sem ter desenvolvido nenhum tipo de iniciativa ou
método de proteção a estes trabalhadores forçados.
Todos os dados que esta investigação recolheu, até ao presente, são provisórios e
conservadores, pelo facto de muitos portugueses terem sido registados com derivações dos
nomes nos países em que residiam, dificultando a pesquisa pela sua extensão.
BIBLIOGRAFIA
- Dossier de Fontes Historiográficas “Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich - Os
Famalicenses no Sistema Concentracionário Nazi (1939-1945”, Programa de Famalicão para
o
Mundo,http://www.famalicaoeducativo.pt/_de_famalicao_para_o_mundo_contributos_da_his
toria_local
- O-Essencial-Sobre-Os-Portugueses-no-Sistema-Concentracionario-do-III-Reich, coord. de
Fernando Rosas, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2021,
https://imprensanacional.pt/wp-content/uploads/2021/06/O-Essencial-Sobre-Os-Portugueses-
no-Sistema-Concentracionario-do-III-Reich.pdf
- Exposição “Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich e os Famalicenses no Sistema
Concentracionário Nazi”, Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e Instituto de
26
INTRODUÇÃO
Em sala de aula, a professora explorou connosco o documento “Imigração portuguesa
em França e os caminhos da deportação”, da autoria da Dra. Cristina Clímaco. Nesse
documento, estavam apresentados diversos tópicos que poderíamos desenvolver nesta fase do
projeto dedicada à investigação e, de entre esses tópicos houve um que se destacou e chamou
a minha especial atenção, e, quando fui ver os recursos disponíveis, deparei-me com o
website francês maitron.
Le Maitron é um conjunto de documentação com foco no movimento operário, que foi
compilado por Jean Maitron e pelo seu sucessor Claude Pennetier. Jean Maitron foi um
historiador francês especializado no movimento operário e um pioneiro nestes estudos na
França, introduzindo-o na Universidade, à qual deu os arquivos que compilou desde 1949
como base, criando o Centre d’histoire du syndicalisme. Porém, Jean Maitron é mais
reconhecido pelo Dictionnaire biographique du mouvement ouvrier français, que foi
adaptado para o website que utilizei nesta pesquisa. Este dicionário biográfico conta com
mais de 103 000 entradas de vários países e de derivadas épocas históricas, incluindo a
Segunda Guerra Mundial e a Resistência França, então, eu decidi procurar nele vítimas
portuguesas, uma vez que muitos portugueses emigraram para a França antes da Guerra, para
procurar uma vida melhor, ou foram para a Espanha primeiro e depois passaram para França.
Este tema mereceu a minha especial atenção, por ser particularmente sensível ao tema
da emigração para França e por sempre ter pensado que as vítimas dos nazis eram os
opositores políticos, os judeus, os intelectuais, os artistas, os críticos internos, os eslavos, os
russos, enfim, um variado leque de pessoas, mas não os portugueses emigrantes, pois pensei
que a questão da nacionalidade era uma barreira para a atuação dos nazis, que respeitariam os
naturais de um país neutral, para não criar incidentes diplomáticos. Foi com grande surpresa
que aprendi, no “II Encontro – De Famalicão para o Mundo: Migrações e trabalho forçado
em contexto de guerra”, que há também compatriotas meus que foram vítimas dos nazis,
tendo sofrido todos os problemas que atingem os emigrantes e mais ainda os da violência
nazi.
Fiquei surpreendida com o forte envolvimento político dos operários portugueses,
embora, ou talvez por isso, eles fossem pouco escolarizados estavam politizados e agiam
pelos seus ideais, inclusive perdendo a própria vida pelas causa da resistência e do
comunismo.
Nesta pesquisa, procurei seguir o rastro de alguns portugueses, movida pela
curiosidade e querendo prestar-lhe homenagem. Consultei fontes francesas e fiz a tradução da
informação, selecionando a mais relevante.
Era filho de José e Maria Bitor, naturais de Vila Real (no seu processo AVCC aparece Villa
Réol). Era um trabalhador braçal, manobrador, e vivia em Montluçon, na rua de la Boisselée.
Mais tarde, casou-se com Jeanne Tatin. Numa data desconhecida, decidiu entrar na
resistência e faz parte da FFI30, tendo participado na operação contra as tropas alemãs
entrincheiradas no quartel de Richemont, em Montluçon. Por fim, perdeu a vida num local
chamado “Champ du Renard’’, a 21 de agosto de 1944, em Domérat, tendo sido morto
durante a operação e, é declarado ‘’morto pela França’’, embora não figure em nenhum
monumento comemorativo31. Seria mais que justo que a França lhe prestasse essa
homenagem!
30
As Forças do Interior da França (Forces Françaises de l'intérieur) são o resultado da fusão, em 1 de
fevereiro de 1944, dos principais grupos militares da Resistência do Interior da França, que haviam se formado
na França ocupada: o Exército Secreto (AS, Gaullista, reagrupa Combate, Libertação-Sud, Franc-Tireur), a
Organização da Resistência do Exército (ORA, giraudista), os Francs-tireurs e partisans (FTP, comunistas), etc.
31
https://maitron.fr/spip.php?article225140, notice FERREIRA Marto, José par Henri-Ferréol Billy,
version mise en ligne le 30 mars 2020, dernière modification le 22 décembre 2021.
32
https://maitron.fr/spip.php?article153099, notice DOS SANTOS José par Christian Lescureux,
version mise en ligne le 5 février 2014, dernière modification le 10 octobre 2020.
29
33
Localizado nos fossos da cidadela, este muro foi mandado construir em 1949, como forma de homenagear os
executados, membros da Resistência. Fotos do Google Maps e Google Earth.
34
DA SILVA Florindo, Antonio, https://fusilles-40-44.maitron.fr/?article240313.
30
Olly com companheiros na mesma situação, Daniel Hut e Pierre Discrit. Os jovens decidiram
que queriam juntar-se a um maquis, para combater pela libertação, então dirigiram-se ao
chefe de um falso maquis, o grupo da Sipo-SD, em Sedan, Ardennes, e eram conhecidos
como ‘’Bande du Bossu’’. Esles foram executados por milicianos numa estação abandonada
de Olly, a 28 de agosto de 1944. Delphin não morreu no local, mas sim no Hospital de Sedan,
devido aos graves ferimentos. O seu nome pode ser encontrado numa pedra no memorial de
Berthaucourt em Charleville-Mézières, nas Ardennes, e também numa placa comemorativa,
em Illy-Olly, em memória dos ‘’homens assassinados a 28 de agosto de 1944 pelas milícias
inimigas’’35.
perante o tribunal alemão que havia feito parte do resgate de Bois-Gérard e em outros
ataques, com isto, o tribunal militar alemão FK 533 reunido em Troyes, condena António à
morte por terrorismo. Foi baleado a 8 de junho, na colina Montgueux, com mais quatorze
camaradas da FTP de Aube39.
2.9.AVELINO DE QUEIRÓS
Português nascido a 6 de julho de 1909, membro do Partido Comunista e participou da
resistência FTP no batalhão 105e, em Puy-de-Dôme. A 24 de agosto de 1944, um pouco antes
da libertação da região de Auvergne, os alemães do Batalhão de Reconhecimento evacuaram
em direção de Champeix, na planície de Montoron, e foram apanhados entre fogos cruzados
dos guerrilheiros
de Murol e do ME, por um lado, e no outro lado os da FTP. Depois dos combates
terminarem, houve a retirada das tropas alemãs e três combatentes da FTP faleceram, um
deles sendo Avelino. Em Pardines, foi erguida uma homenagem, onde é visível as ‘’quatre
routes’’ na cidade de Neschers e lá estão os nomes dos três mortos em batalha, Emile Jacob,
Stéfan Starczewski e, o português Avelino40.
39
https://maitron.fr/spip.php?article168310, notice RATO Antonio par Jean-Paul Nicolas, version mise
en ligne le 9 décembre 2014, dernière modification le 12 mars 2020.
40
https://maitron.fr/spip.php?article208776, notice QUEROZ Avelino di par Eric Panthou, version
mise en ligne le 11 novembre 2018, dernière modification le 7 octobre 2020.
33
41
https://maitron.fr/spip.php?article232872, notice ALVÈS ou ALVEZ Jacques par Jean-Louis
Ponnavoy, version mise en ligne le 11 octobre 2020, dernière modification le 18 octobre 2020.
42
https://maitron.fr/spip.php?article224220, notice LOPEZ Louis par Jean-Pierre Husson, Jocelyne
Husson, version mise en ligne le 21 mars 2020, dernière modification le 16 mai 2020.
35
CONCLUSÃO
Com este trabalho, tive a oportunidade de visualizar e conhecer uma realidade que me
parecia longínqua, uma vez que Portugal era um país neutro, na Segunda Guerra Mundial.
Ver portugueses que saíram do seu país para procurar uma vida melhor na França e que
sofreram com as invasões alemãs, mas, mesmo assim, decidiram enfrentar estas tropas e fazer
parte da Resistência porque queriam fazer a diferença na guerra fez-me refletir sobre este
43
https://maitron.fr/spip.php?article168642, notice FREIRE Manuel, Alois par Daniel Grason, Michel
Thébault, version mise en ligne le 19 décembre 2014, dernière modification le 12 mars 2020.
36
assunto e ver este conflito por outros olhos, até porque, a minha família é composta por
emigrantes portugueses na França e então a realização deste trabalho tocou-me de forma
pessoal e fez-me crescer como pessoa, tanto a nível familiar como individual.
Então, espero que as pessoas sejam sensibilizadas ao ler este trabalho e esta parte da
nossa história, e que não pensem que este foi um conflito externo que não afetou Portugal,
porque até pode não ter sido de forma direta, mas saímos com feridas que ficarão marcadas
para o resto da nossa história e cabe a nós, cidadãos, conhecer e reconhecer para evitar que
aconteça mais uma vez no presente ou no futuro.
FONTE
‘’Le Maitron – Dictionnaire Biographique’’, consultado entre 1 e 13 de dezembro de 2021,
https://maitron.fr
37
tamanho atrito e de tamanho custo, que seria um dos momentos mais importantes para
compreender a queda de Napoleão, e a Europa que vivemos hoje, e a Europa que existia entre
1936-1939.
Mesmo após tudo isso, a Espanha não estaria em paz até ao início da guerra civil, o
ambiente em Espanha podia ser comparado a dois homens a fumar charutos dentro de um
armazém de pólvora, a qualquer momento, poderia explodir. Quero dizer com isto que o
liberalismo, supostamente “iniciado” com a Constituição Liberal de 1812, não se completou,
a revolução não trouxe um sistema iluminista e liberal estável como se pretendia. Começou
então outra luta, mas desta vez uma luta diferente, não contra um inimigo externo, mas sim
contra um inimigo interno, absolutistas contra liberais, até os próprios membros da casa de
Bourbon lutavam entre si, os Isabelinos contra os Carlistas.
A primeira guerra mundial foi uma salvação para a economia espanhola que já
mostrava melhorias, tal como a segunda guerra mundial, e a necessidade de tungsténio, seria
para Portugal. Então durante a primeira guerra mundial, a Espanha vendia e trocava quer com
a Tríplice Entente, quer com a Tríplice Aliança, o que fez a sua economia crescer, as
indústrias mineiras e as metalúrgicas foram as que viram o maior crescimento.
Mas, ao povo nada disto interessava minimamente visto que a sua condição não
melhorava, por exemplo, grande parte das terras agrícolas ainda estava nas mãos de
latifundiários e da Igreja, que não as cultivavam de todo, ou então cultivavam-nas de forma
pouco produtiva. Esta parte é bastante importante para entender a vitória dos nacionalistas na
guerra civil, visto que, a maior parte das terras cultivadas pertenciam aos conservadores que
imediatamente se aliaram às tropas de Franco. Isto levou o exército dos nacionalistas a ter
melhores condições e a entrar em batalha com mais moral e descanso que o adversário.
Para piorar, adiciona-se à conjuntura a monarquia espanhola, que usava o exército
como muleta para manter a sua autoridade e legitimidades, visto que aconteciam tentativas de
levantamentos militares, revoltas, etc…
A monarquia chega ao seu fim, e a República ascende das cinzas, mas isto não é o
suficiente para mudar o pensamento político das pessoas, a Igreja e o exército mantiveram-se
leais aos monárquicos e o país mergulhou, outra vez, em inúmeras tentativas de golpes de
estado. Como nos é visível, não foi um simples acontecimento que iniciou a Guerra Civil
Espanhola em 1936, foi uma complexa conjuntura que remonta aos tempos de Napoleão.
laicização do Estado e da educação, que achavam ser ultrajante, e, a esquerda mais extremista
não gostava deste governo porque achava que as reformas que este havia implementado eram
insignificantes.
Economicamente, o ano era 1929, e algo, esperado, mas ao mesmo tempo esquecido,
acontece, outra crise cíclica do capitalismo aparece, e esta crise seria algo nunca visto, que
afetaria a maior parte do mundo. Mas, alguns países não a sentiriam, por exemplo, a Espanha,
com uma economia baseada na exportação, e principalmente agrária, sairia ilesa desta guerra
contra a pobreza e quebra económica. Este clima de prosperidade simplesmente inflamou
ainda mais a diferença entre a esquerda e a direita. Esta conjuntura levaria a igrejas
queimadas pelos esquerdistas e tentativas de golpe pela direita monárquica.
Os anarquistas, em 1933, recusaram alinhar-se com a esquerda nas eleições, o que
levou à vitória da direita. Então, seguiram-se várias ocupações e tentativas de golpe por toda
a Espanha, que, na sua maioria, fracassaram, mas, nas Astúrias, que ficou conhecida como a
Comuna das Astúrias, iniciou-se uma ocupação que demorou 13 dias a capitular.
Após tudo isto, e com a maior parte do seu movimento atrás das barras, os anarquistas
decidiram apoiar a esquerda nas eleições de 1936, a esquerda acabaria por ganhar, mas, por
apenas cem mil votos, mesmo assim, a esquerda tinha a sua desejada maioria.
Com a visível divisão, a direita começou a planear o seu golpe, que foi lançado a 18
de julho.
Mas a Espanha Nacionalista não perderia tempo, com a ajuda da “Condor Legion”,
força expedicionária alemã na Guerra Civil Espanhola, bombardeou o estreito de Gibraltar,
para conseguir que as divisões espanholas em Marrocos, que eram as mais importantes, e
mais bem treinadas que entrariam na guerra, conseguissem chegar à Península Ibérica.
Começam então ofensivas em praticamente todos os frentes, mas os nacionalistas não
conseguem entrar em Madrid, tornando esta uma batalha extremamente sangrenta. Então,
general Franco, decide apoiar-se na fronteira portuguesa e atacar nessa região, conectando
assim, o Norte com o Sul, conectam-se então em Badajoz, assim, aparece uma única frente
para combater os republicanos, a guerra deixa de ser insurreições aqui e ali a tentar aguentar-
se e torna-se uma guerra de frentes.
Os nacionalistas conseguem então quebrar o cerco liderado por José Moscardó e
capturar a cidade Alcázar de Toledo, que tinha pouco ou nada de estratégico, mas seria usada
até ao fim do governo de Franco. É contado que o filho de José Moscardó, havia falado com
o pai ao telefone e pedido que ele se rendesse, e logo depois foi fuzilado.
Acontecem então três tentativas de capturar Madrid, no Norte os nacionalistas
avançam e no centro os republicanos aguentam-se. Mas a guerra estava decidida.
ajudaram os republicanos que simpatizavam com a sua ideologia. A URSS deu armas, apoio
logístico, e homens para a causa republicana.
Imagem 2: O Massacre
de Badajoz
3.8. A JORNADA
A jornada até França não foi nada fácil, meio milhão de pessoas a abandonar um país
para entrar noutro, com pouquíssimas esperanças, quase ou totalmente sem comida nem água,
e ainda a serem perseguidas pelas tropas franquistas e pelos aviões alemães e italianos. A
jornada era feita pela maioria das pessoas a pé, mas outras tinham mais sort, e utilizavam
43
3.9. O DEPOIS
Depois do fim dos conflitos em Espanha e depois da entrada dos emigrantes, os
franceses viram uma oportunidade. Faziam propaganda e apelavam aos emigrantes para se
alistarem na Legião, assim, estes emigrantes, fartos da guerra que arruinou o seu país,
estavam outra vez a preparar-se para outra, mas não o sabiam, nem eles, nem ninguém.
Em 1933, subiu ao poder um homem que levava por nome Adolf Hitler, apareceu com
o discurso e com a promessa que era o salvador da Alemanha, e que não mediria meios para
vingar a humilhação que a Alemanha sofreu no fim da primeira guerra mundial, com o
tratado de Versalhes. Em 1936, Hitler começou a sua expansão, ele quer espaço vital
(Lebensraum), decide remilitarizar a “Rhineland”, anexar a Áustria, anexar os sudetas, torna
44
a Eslováquia num estado fantoche e ocupa o resto do país. Quando demanda Danzing, os
aliados já não aceitariam, e assim inicia-se a segunda guerra mundial. Depois de rápidas
campanhas na Polónia, Dinamarca, Noruega, Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo, com a sua
nova tática chamada BlitzKrieg, Hitler chegou a França, e aqueles homens vindos de
Espanha, que esperavam não voltar a viver em guerra, estavam nela outra vez. Hitler derrotou
as suas legiões e eles são colocados de novo em campos, mas desta vez, os campos não
teriam falta de condições propositadamente, e a maioria deles, nunca mais saíra de lá,
passariam então a fazer parte da máquina de guerra da Alemanha Nazi.
Não esquecer que não foram apenas espanhóis para França nem que apenas espanhóis
foram capturados pelo odioso aparato do governo nazi, também lusitanos, entre eles
portugueses, portugueses que morreriam nesses campos e nunca mais voltariam a ver a sua
terra natal, depois de capturados seriam também obrigados a trabalhar para os alemães onde
eles quisessem e onde eles mandassem, apesar de Portugal não ter feito parte desta horrível e
destruidora guerra, podemos ver que sim, de facto teve uma participação, que, mesmo
pequena, foi impactante, tanto para portugueses como para espanhóis como para franceses e
alemães.
CONCLUSÃO
Podemos ver neste trabalho como é que se deu a insurreição em Espanha, e qual era a
conjuntura que este país vivia nas décadas antes desta horrível guerra civil, que os destruiu e
que deixaria cicatrizes até aos dias de hoje.
Vimos também como se deu essa guerra e como é que ela chegou aos seus, e quais as
suas consequências a nível pessoal, foi possível identificar o horror vivido por aquelas
famílias que deixavam para trás o seu país natal, a sua pátria e marchavam em direção aos
Pirenéus para se salvarem ou então sofrerem as consequências que o regime franquista tinha
preparadas.
Este trabalho foi feito com o objetivo de perceber mais e entender a história deste
espanhóis e portugueses que lutaram na Guerra Civil Espanhola, e, por esse motivo, ficaram
diretamente envolvidos com a 2ª Guerra Mundial. É necessário percebermos que Portugal,
apesar de não ter combatido com armas nas frentes de batalha nesta enormíssima guerra, teve
um impacto considerável, muitos portugueses viram a sua vida destruída nestes campos em
França, perderam as suas famílias os seus amigos, tudo o que tinham, e, no fim de tudo,
seriam apenas uma peça na enorme engrenagem que era a máquina de guerra, ou melhor, de
morte, da Alemanha Nazi.
BIBLIOGRAFIA/WEBGRAFIA
- Aranha, Ana/ Ferreira, Lolanda, 2011, Guerra Civil de Espanha ano a ano.
https://ensina.rtp.pt/artigo/guerra-civil-de-espanha-ano-a-ano/
- Buades, Josep, 2013, A Guerra Civil Espanhola, Editora Contexto.
- Clímaco, Cristina, 2021, Imigração portuguesa em França e os caminhos da deportação.
45
- France 24, 2019, The painful past of the Spanish civil war refugees in France, 80 years on.
https://www.france24.com/en/20190209-france-spanish-civil-war-republican-refugees-la-
retirada-80th-anniversary
- Hancock, Jaime, 2015, When Spaniards were the refugees.
https://english.elpais.com/elpais/2015/09/03/inenglish/1441275302_272830.html
- Lopes, Moisés, 2017, Refugiados espanhóis em Portugal (1936-1938): O caso de Elvas
https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/31689/1/ulfl242220_tm.pdf
- Nunes, Jorge/ Leal, Miguel/ Tavares, Rui, 2018, Refugiados em Portugal nos anos 30 e nos
anos 40 do século XX.
https://ensina.rtp.pt/artigo/refugiados-em-portugal-nos-anos-30-e-40-do-seculo-xx/
- United States Holocaust Museum. Gurs
https://encyclopedia.ushmm.org/content/en/article/gurs
46
44
Rosas, Fernando (coord) O ESSENCIAL SOBRE Os Portugueses no Sistema Concentracionário do
III Reich (PDF)
48
Fontes:
Memorial de Mauthausen
Arquivo Distrital de Braga
Arquivo de V.N. Famalicão
55
Tal como foi referido anteriormente, Mauthausen começou por ser um pequeno
campo, mas passou a ter uma dimensão gigantesca, passando a ser considerado um dos
maiores e mais mortíferos campos de concentração da Europa. Foi também considerado um
exemplo de trabalho escravo excelente, algo que se deve sobretudo à quantidade de
prisioneiros que albergava, cuja esmagadora maioria era o sexo masculino, mas também
estavam incluidas mulheres.46
A 3 de maio de 1945, as SS fugiram de Mauthausen juntamente com o comandante,
Franz Ziereis, devido ao avanço das tropas americanas. Um dia depois, foram substituídos
por homens de meia-idade e inválidos de guerra da Volkssturm, a guarda nacional criada por
Hitler, nos últimos dias de guerra.
Mauthausen foi o último campo de concentração a ser libertado, a 5 de maio de 1945.
O que lá foi encontrado era chocante. Os corpos estavam amontoados como se fossem
objetos e os poucos sobreviventes encontravam-se esqueléticos, desnutridos, pálidos, às
portas da morte. O sofrimento, o terror e a tortura sofridos em Mauthausen estavam expressos
nas suas faces, quase sem vida.
Passando agora aos números, estima-se que desde a construção de Mauthausen até à
sua libertação, passaram 190 000 prisioneiros, tendo morrido 90 000. Em finais de 1943, os
subcampos de Mauthausen tinham no total cerca de 24 000 presos, número que ia
aumentando, chegando a atingir os 30 000 prisioneiros em fevereiro de 1944 e em 1945
46
Entre 1944 e 1945 foram registadas 3000 mulheres em Mauthausen, segundo o livro “O essencial
sobre os Portugueses no Sistema Concentracionário do III Reich”, Imprensa Nacional.
59
47
Números retirados do livro “O essencial sobre os Portugueses no Sistema Concentracionário do III
Reich”, Fernando Rosas et al, Imprensa Nacional.
60
49
Wehrmacht foi o nome das forças armadas da Alemanha Nazi de 1935 até 1945.
50
Sobre estes portugueses, veja-se ainda subcapítulo 4.
62
Por fim, Delfim Ribeiro da Cunha, nasceu a 1 de março de 1887 em Lousada, onde
casou e teve dois filhos. Assim como Tomás Vieira, foi deportado para Dachau no Comboio
Fantasma. Passou os seus últimos dias em Mauthausen, falecendo a 4 de abril de 1945, um
mês antes da libertação deste campo.
5.4. HOMENAGENS
CONCLUSÃO
BIBLIOGRAFIA
Rosas, Fernando et al, “O essencial sobre os Portugueses no Sistema Concentracionário do III
Reich”, Imprensa Nacional.
WEBGRAFIA
https://pt.wikipedia.org/wiki/Mauthausen
https://acervo.publico.pt/revista2/portugueses-nos-campos-de-concentracao/os-campos-nazis
https://observador.pt/2015/05/06/libertacao-do-campo-mauthausen-70-anos-terror-nazi-
imagens/
https://expresso.pt/sociedade/2017-05-05-Governo-lembra-pela-primeira-vez-os-portugueses-
vitimas-do-III-Reich
https://www.publico.pt/2017/05/07/sociedade/noticia/memoria-das-vitimas-portuguesas-do-
nazismo-em-homenagem-na-austria-1771298
65
6. ÉMILE HENRY
Letícia Ferreira
INTRODUÇÃO
A professora de História falou-nos do livro “A Morte Lenta”. Fiquei sensibilizada
pelo título, pensando como alguém se sentiria diariamente, pensando que poderia ser o seu
último dia. Uma vez que este português sobreviveu, questiono-me se não será sobretudo a
morte da esperança, da dignidade, da crença na fraternidade, da fé na Humanidade
Procurei o livro. Não foi possível aceder diretamente ao mesmo, não existe nas
livrarias nem bibliotecas e não está acessível na Biblioteca Nacional Digital. Pedi uma cópia
à Biblioteca Nacional, por email, mas o custo era muito elevado. Contudo, o tema mereceu-
me muito interesse, por ser único no género, pelo que este breve trabalho se socorreu de
informação disponível na web.
em Canes até 1943, altura em que foi requisitado para o Serviço de Trabalho Obrigatório
(STO) mas não compareceu à convocatória. A 8 de abril do mesmo ano foi preso a bordo do
comboio que ligava Prades a Osséja, na fronteira franco-espanhola, junto a Andorra, numa
tentativa clandestina de passar essa fronteira. A 25 de junho de 1943, foi deportado para
Buchenwald.
Émile Henry deixou-nos um importante testemunho, em português, publicado pela
Editorial Ibérica no Porto, do qual se conhecem pelo menos duas impressões de 100
exemplares cada, no imediato pós-guerra. Trata-se do livro “A Morte Lenta: Memórias dum
Sobrevivente de Buchenwald”, escrito pelo próprio.
O livro retrata a terrível experiência concentracionária e é ainda ilustrado com fotos
que tinham sido recolhidas meses antes. De acordo com o editor, estas foram solicitadas por
Henry diretamente às tropas americanas durante a libertação do campo. A obra de Émile
Henry é, para já, o único livro editado originalmente em português, na primeira pessoa, sobre
um história de vida nos campos de concentração do III Reich.
O título da obra “Morte Lenta” poderá não ser inocente, uma vez que esta era outra
designação dada, na altura, ao campo de concentração do Estado Novo no Tarrafal, aberto a
23 de abril de 1936.
6.2. RESUMO
Émile Henry, um jovem de 20 anos, vivia uma vida trabalhadora e comum na França.
Quando recebe a notícia de que as autoridades francesas e alemãs o estavam a procurar,
decide atravessar Espanha para chegar a Portugal, onde antes vivia.
Pelo caminho, encontra um homem com mais posses económicas que o ajudou a obter
um certificado falso de residência. No momento de entregar os documentos para atravessar a
fronteira, por engano, entrega apenas um deles, fazendo com que os guardas o levassem para
uma cela, sem qualquer explicação. É submetido a vários questionários e é levado para outra
cidade. É depois transportado para uma cela com quinze prisioneiros, onde é mal alimentado.
Por fim, é levado para Buchenwald, onde o desinfetam inúmeras vezes, lhe rapam o cabelo,
dão banho, uma roupa listrada e um número de identificação. Na primeira semana pode
descansar, aprendendo a rotina e fazendo poucos trabalhos. Após esta semana, os trabalhos
tornaram-se forçados.
Émile era obrigado a manter uma rotina de acordar cedo, trabalhar até tarde, ter
apenas a pausa do meio-dia, ser agredido e deitar-se tarde. Começou a mancar, devido ao
trabalho forçado, e foi levado à enfermaria. Foi mudado de posto, ficando responsável por
descarregar rapidamente camiões de areia. Ganhou febre e a ficou a repousar durante uns dias
no quarto. Quando recuperou, foi enviado para o trabalho na via-férrea. Fingiu-se de pedreiro
e foi transferido para outro campo, onde a comida era melhor, tinham mais horas para dormir
e o trabalho era menos intenso. Confessou não ser pedreiro e foi enviado para a
terraplanagem, depois de castigado.
Certo dia, a cidade mais próxima foi bombardeada. O trabalho no campo foi
interrompido, devido aos estragos da bomba. Iniciaram a construção de várias casas, tendo o
trabalho reduzido devido ao inverno. Émile encontrou um trabalhador que falava português e
67
que lhe contou a história sobre um carvalho junto da lavandaria onde Goethe gostava de
escrever, dizendo-lhe que quando o carvalho ardesse, simbolizaria a perda da Alemanha.
O verão regressa e o trabalho forçado começa novamente. No campo, o número de
trabalhadores diminuiu devido ao inverno rigoroso e aos bombardeamentos. A árvore de
Goethe chegou a arder durante um bombardeamento.
Henry, mais tarde, fica responsável de cuidar de uma carrinha, fazendo com que
pudesse sair do campo para a vigiar e auxiliar. Numa viagem destas, uma fábrica foi
bombardeada e ele e o comandante conseguiram escapar vivos.
A partir daí, o comandante começou a ser mais compreensivo com ele e tentava dar-
lhe alguma variedade de alimentos. Com medo de regressar a Buchenwald, propôs a um
colega fugir, mas ele disse-lhe que o melhor seria esperar pelos soldados americanos que
estavam a libertar prisioneiros de vários campos.
Regressaram a Buchenwald e o trabalho intenso continuou. Ao chegar ao campo,
percebeu que a doença tinha matado vários prisioneiros e enchido as enfermarias. Os
prisioneiros eram cada vez mais agredidos pelos guardas e a fome era ainda mais
predominante. As SS procuravam evacuar o máximo de presos possíveis.
Os soldados americanos finalmente chegaram e os prisioneiros, como forma de
agradecimento, davam-lhes pequenos pertences que tinham. Émile Henry conseguiu regressar
a França, após dois anos em Buchenwald e procurou recuperar a sua saúde junto com a
família. Contactou amigos e tentou saber notícias sobre os sobreviventes. Muitos morreram,
outros ficaram traumatizados para toda a vida e outros perderam membros.
Todos partilham um passado de terror que está escrito nos campos de concentração e
nas lojas onde se encontram malas com peles tatuadas e cabeças encolhidas de prisioneiros de
vários campos.
Émile Henry escreveu, sobre este livro, as linhas que se seguem: "Depois de quatro
anos de ausência voltei a Portugal. Se se tratasse de uma simples viagem para o meu recreio,
seria supérfluo escrever um livro, mas é que destes quatro anos, perto de dois vivi-os num dos
maiores campos alemães de concentração: o de Buchenwald. Não se trata neste livro de
descrever as diferenças que podiam existir entre os diversos campos. Tem-se tanto frio a
trinta graus de temperatura como a vinte e o mesmo acontece com o sofrimento que, a partir
de um certo limite, já não é mensurável. Por isso, quer se fale de Buchenwald, Belsen,
Dachau, Sachsenhausen, Auschwitz ou quaisquer outros, trata-se apenas dum mesmo e único
crime contra a humanidade. Muitos amigos me têm pedido que escreva o que vi e vivi, e se o
faço agora alguns meses depois da minha libertação, é objetivamente, limitando-me apenas a
descrever os factos sem os comentar, ou fazendo-o o menos possível, pedindo ao leitor que
não veja nestas linhas a minha história pessoal mas a de milhares e milhares de crianças, de
jovens, de homens feitos, de velhos e de mulheres, pessoas de todas as condições sociais, de
todas as religiões e de todas as raças, que suportaram, pelas suas ideias, sofrimentos que a
história moderna nunca registou.”
CONCLUSÃO
68
Considero que a realização deste trabalho foi bastante importante, uma vez que me
permitiu aprofundar os meus conhecimentos sobre toda a situação no Sistema
Concentracionário da Alemanha nazi.
Todos temos uma vaga ideia daquilo que se passou na Alemanha durante a II Guerra
Mundial, no entanto, aquilo que sabemos nada é em comparação com o que realmente
aconteceu. A verdade é que apenas quem passou por estes campos sabe de toda a tortura, todo
o sofrimento, angústia e crueldade lá presentes.
Émile Henry, infelizmente, foi uma destas pessoas. Como tantas outras, viu-se
envolvido neste sistema, apesar de ser natural de um território não beligerante na II Guerra
Mundial, Moçambique, na época uma colónia do Império Colonial Português. Deixou-nos o
seu testemunho na forma de um livro, possivelmente na esperança de que não só a sua
história, mas também a de milhares de outras pessoas, entre as quais mulheres e crianças,
chegasse ao máximo de pessoas possíveis.
Ler um testemunho de alguém que presenciou o terror, o medo e a incerteza de um
novo amanhã vividos nos campos fez-me compreender melhor toda esta realidade que atingiu
números aterrorizantes de pessoas e tirou milhões de vidas e ficar mais sensível ao trabalho
forçado e escravização no mundo atual, pois ao contrário do que se possa pensar há situações
do passado que persistem, noutros lugares do mundo, bem perto de nós por vezes, talvez não
com o gigantismo desta escravização e extermínio nazi, mas muito preocupantes e a exigir de
todos nós que lutemos pelos direitos de todos os quem para criar sociedades mais justas e
igualitárias, onde os direitos humanos não sejam uma miragem.
BIBLIOGRAFIA/WEBGRAFIA
- Azevedo, Francisco Duarte, A MORTE LENTA - Memórias dum sobrevivente de
Buchenwald, 2010, http://omundonossaespera.blogspot.com/2010/03/morte-lenta-memorias-
dum-sobrevivente.html
- G., Vera, A Morte Lenta, http://racairritadicadospoetas.blogspot.com/2017/10/a-morte-
lenta.html
- O-Essencial-Sobre-Os-Portugueses-no-Sistema-Concentracionario-do-III-Reich, coord. de
Fernando Rosas, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2021,
https://imprensanacional.pt/wp-content/uploads/2021/06/O-Essencial-Sobre-Os-Portugueses-
no-Sistema-Concentracionario-do-III-Reich.pdf
69
51
https://www.memorial-alsace-moselle.com/. É possível fazer uma visita virtual em
https://www.memorial-alsace-moselle.com/le-memorial/visite-virtuelle.
70
52
Esta e outras fotos sobre o atual memorial foram gentilmente cedidas pelos alunos do projeto
Erasmus+ “More Participatory Democracy, More Activen Citizenship”, em mobilidade a Estrasburgo, setembro
2021, na qual foi ainda possível visitar o Mémorial Alsace Moselle.
71
August Hirte, professor de anatomia, investigou o tifo e a eficácia das vacinas obtidas
contra o gás mostarda. Por outro lado, ele dedicou-se a montar uma coleção de esqueletos a
partir do "material humano" que a guerra colocou à sua disposição. Selecionou 30 presos que
receberam rações alimentares de um guarda da SS durante duas semanas e, em seguida,
administrou gás mostarda para estudar as consequências e testar as vacinas que estava a
desenvolver. Otto Bickenbach começou em Schirmeck, com 25 polacos. O seu foco neste
campo era uma vacina de fosfagénio, realizando várias experiências mortais, matando 40
detidos com gás. Hagen dedicou-se a experiências relacionadas com vacinas do tifo e as suas
"cobaias" vinham principalmente de Auschwitz.
Obcecado pelas teorias científicas em torno da suposta raça ariana e inferioridade de
judeus, Hirt começou a colecionar crânios judeus e depois esqueletos completos. Oitenta e
seis prisioneiros, incluindo 30 mulheres, foram selecionados em Auschwitz. Eles chegaram
ao campo no início de agosto de 1943 e foram usados para testar a eficácia de um novo gás, o
ácido cianídrico. Os corpos foram transferidos para o Instituto de Anatomia de Estrasburgo,
onde, na adega, foram guardados em cubas com solução alcoólica, tendo os corpos intactos
sido encontrados pelos Aliados, aquando da libertação de Estrasburgo. As vítimas eram
cuidadosamente escolhidas pelas suas características raciais estereotipadas e provinham de
diversos países da Europa.
72
Estima-se que cerca de 52.000 pessoas tenham sido prisioneiras ao longo dos 3 anos
de existência do campo, oriundas de diversos países, entre eles Polónia, União Soviética,
Holanda, Noruega, Eslovênia e França, e nessa lista surge um português.
Com base na notícia Os campos por onde passaram portugueses, do Publico Revista
2 , descobri o nome de Emil Rolsa ou Rozsa que é dado como português, mas o mesmo não
53
nasceu em Portugal e nem sequer visitou o país nenhuma vez (terá nascido na Hungria). Os
serviços do campo indicaram à Revista 2 que «Emil, nascido a 15 de Abril de 1894, chegou a
Natzweiler-Struthof, na região da Alsácia, a 24 de Novembro de 1944, transferido do campo
de Dachau. Emil, tinha a categoria de “preso político”, com o número 43.954, e não
sobreviveu muito mais do que um mês, devido aos rigorosos trabalhos nos campos satélite
para onde foi enviado.»
A partir do arquivo Holocaust Survivors And Victims Resource Center 54, consegui
apurar que Emil nasceu a 15 abril de 1894, em Heves (Hungria), era casado e tinha
nacionalidade portuguesa, vivia em Budapeste, na rua Damiosch 38. Emil esteve primeiro no
campo de concentração de Dachau, sendo 125009 o seu número de prisioneiro.
No Arolsen Archives55 encontrei vários documentos, através da sua análise foi-me
possível perceber que Emil Rozsa chegou a Dachau a 14 de novembro de 1944, permaneceu
assim cerca de 10 dias, e em 24 de novembro de 1944 foi encaminhado para Natzweiler-
Struthof, mais exatamente para o subcampo de Schomberg, onde acabou por morrer passado
pouco mais de um mês da sua chegada ao campo (27 de dezembro de 1944).
Tantas perguntas a fazer e poucas respostas! Como aparece este português na
Hungria? Nasceu em Heves, uma pequena cidade no noroeste, a cerca de 160km da capital,
Budapeste. Provavelmente, seria filho de pai português, por hipótese de apelido Rosa,
emigrante neste país, ou pelo menos tinha ascendência portuguesa.
Em data desconhecida, mudou para Budapeste, casou (pode ter sido ao contrário) e
vivia na Damiosch, 38. Em março de 1944, Hitler ordenou a invasão da Hungria, por
retaliação pela aproximação deste país às forças aliadas. A Operação Margarethe mudou
profundamente a situação dos húngaros e em especial dos judeus, que tinham sido
relativamente poupados. Mais de 80% dos mortos civis da Hungria na II Guerra Mundial são
judeus e a partir da referida operação começaram a ser deportados para campos de
concentração.
53
Os campos por onde passaram portugueses (Publico, Revista 2):
https://acervo.publico.pt/revista2/portugueses-nos-campos-de-concentracao/os-campos-nazis
54
Holocaust Survivors And Victims Resource Center todas as informações sobre Emil Rozsa:
https://bityli.com/eq1CJfr
55
Arolsen Archives todos os documentos sobre Emil:
https://collections.arolsen-archives.org/en/archive/1-1-6-7_01010607-oS/?p=1&doc_id=10740083
73
Emil faz 50 anos um mês depois desta ocupação, um dos documentos que encontrei
diz que é técnico de profissão. Tem uma vida, uma família. Por “motivos políticos”, segundo
os documentos dos alemães, que assim forneciam uma versão politicamente mais aceitável
para o interior e exterior do regime, algures no tempo, entre março e novembro de 1944 Emil
foi preso. O destino deste português parece ser muito semelhante ao dos judeus de Budapeste
que foram encerrados no gueto e massivamente enviados para campos de concentração, ao
longo de 1944.
A distância entre Budapeste e Dachau é de cerca de 750km, uma longa viagem para os
prisioneiros, na qual certamente Emil deitou contas à vida e se deve ter sentido sem esperança
de voltar a casa e à sua família. Que poderia ele encontrar no campo? Como seria a sua vida
lá? Ou nem chagaria a ter uma vida, não conseguindo suportar a violência do trabalho e a
brutalidade das SS?
Eis o que encontrou:
74
56
Segundo https://www.dw.com/en/what-us-soldiers-found-at-dachau. Estas e outras fotos foram
tiradas pelos americanos em 29 de abril de 1945, aquando da libertação do campo, apenas 5 meses depois da
passagem do português pelo campo.
75
O portão de entrada de Dachau deve ter feito Emil sorrir tristemente ou quem sabe até
exaltar-se. Na verdade, trazia a inscrição
"Arbeit macht frei" ou "o trabalho liberta".
Este cínico slogan nazi foi mais tarde
usado em quase todos os campos de
concentração nacional-socialistas. O lema
foi inventado por Theodor Eicke, o
primeiro líder do acampamento SS de
Dachau. A sua "Escola de Dachau"
também foi frequentada pelos
comandantes Rudolf Höss e Richard Baer
de Auschwitz. Como pode o trabalho
libertar quem a ele é conduzido como
escravo?
Entrado no campo, foi submetido à
eficiente administração nazi, que primava
pela organização e registo minucioso:
Emil Rolza faz parte das estatísticas das vítimas mortais do trabalho forçado alemão,
era altíssima a taxa de mortalidade entre os prisioneiros usados como escravos pelas SS. A
curta duração de vida de Emil no campo a que se deveu? De que morreu Emil? De exaustão?
De doença? Exterminado na câmara de gás, enforcado, executado com um tiro na cabeça, foi
empurrado para a cerca elétrica ou para as ravinas, por incapacidade para trabalhar?
80
A sua morte levou à produção de vários documentos, com datas que vão desde 28 de
dezembro de 1944, dia seguinte à sua morte até 1949, e que dizem respeito ao próprio campo
de concentração assim como ao Cartório/Registo Civil de Schomberg. Percebe-se que há uma
comunicação rápida com as autoridades do Estado, para passar a certidão de óbito e que
81
muito depois da guerra terminar ainda se está a escrever documentos sobre a sua morte,
possivelmente para os registos oficiais.
O português morreu dia 27 de dezembro de 1944, pelas 13.00h, de causa
desconhecida. Sobre o seu óbito, um documento refere que morreu com a idade de 50 anos,
no subcampo de Dautmergen, que dista cerca de 5km de Schomberg.
82
83
84
~~
85
57
Os campos por onde passaram portugueses, do Publico Revista 2:
https://acervo.publico.pt/revista2/portugueses-nos-campos-de-concentracao/os-campos-nazis
87
WEBGRAFIA
https://acervo.publico.pt/revista2/portugueses-nos-campos-de-concentracao/os-campos-nazis
https://bityli.com/eq1CJfr
https://collections.arolsen-archives.org/en/archive/?s=Emil%20Rozsa&doc_id=10740083
https://pt.wikipedia.org/wiki/Natzweiler-Struthof
https://stevemorse.org/dachau/dachau.php?
firstnameKind=exact&firstnameMax=&lastnameKind=exact&lastnameMax=&birthmonthKi
nd=exact&birthmonthMax=&birthdayKind=exact&birthdayMax=&birthyearKind=between
&birthyearMin=&offset=143100
https://www.cmav.pt/pages/434 - Enviei um email à Câmara de Arcos de Valdevez para ver
se encontrava mais informação sobre João Fernandes que nasceu na freguesia de Gondariz,
mas não obtive resposta.
https://www.struthof.fr/recherche?tx_solr%5Bq%5D=portuguese – Tentei contactar para
obter mais informações sobre Emil Rosza mas não obtive resposta.
88
58
https://collections.arolsen-archives.org/G/wartime/02010101/0519/1064836/001.jpg
59
https://collections.arolsen-archives.org/en/archive/12071121/?p=1&s=Manuel%20Lopes&doc_id=12071121
– Arolsen Archives
89
60
https://collections.arolsen-archives.org/en/archive/70307181/?p=1&s=Manuel%20Lopes&doc_id=70307181
– Arolsen Archives
90
61
https://collections.arolsen-archives.org/en/archive/70307184/?p=1&s=Manuel%20Lopes&doc_id=70307184
– Arolsen Archives
62
https://collections.arolsen-archives.org/en/archive/70307184/?p=1&s=Manuel%20Lopes&doc_id=70307184
– Arolsen Archives
91
63
https://collections.arolsen-archives.org/G/wartime/02010101/0519/1064836/001.jpg - Arolsen Archives
64
Tradução do Testamento de Manuel Alfredo Fernandes, por Mariana Costa
92
TRADUÇÃO:
“Cartório do Registo Civil de Darmstadt No. 842/1941)
O trabalhador não qualificado Manuel Alfredo Lopes, de religião católica, em Darmstadt,
Schlobgaßasse 23, morreu a 10 de junho de 1941 às 18h40 em Darmstadt. O falecido nasceu
em 15 de março de 1881 em Santo Antão, Província de Cabo Verde (Portugal). 66 O falecido
era casado: com Anna Wilhelmine Lopes, nascida em Merker.”67
65
https://collections.arolsen-archives.org/G/wartime/02020202/0122/140669893/001.jpg
66
https://collections.arolsen-archives.org/H/ITS_import_june_2011/21/updates/aa/cz/gl/001.jpg - Arolsen
Archives
67
Tradução da Certidão de Óbito de Manuel Alfredo Fernandes por Mariana Costa
93
Webgrafia/ Bibliografia
68
https://collections.arolsen-archives.org/H/ITS_import_june_2011/21/updates/aa/cv/wk/001.jpg - Arolsen
Archives E https://collections.arolsen-archives.org/H/ITS_import_june_2011/21/updates/aa/cx/si/001.jpg -
Arolsen Archives
94
69
Tradução da lista de nomes de estrangeiros que morreram na Alemanha, tradução por Beatriz Albuquerque.
95
70
https://collections.arolsen-archives.org/G/wartime/02010401/0002/134393405/001.jpg - Arolsen Archives
96
FONTES
https://collections.arolsen-archives.org/en/archive/70968024/?p=1&s=Manuel
%20Lopes&doc_id=70968024
https://www.staatsarchiv.sachsen.de/index.html
https://www.leipzig.de/datenschutzerklaerung/#c34815
97
Imagem 3:
CAPÍTULO III
FAMALICENSES NO SISTEMA CONCENTRACIONÁRIO
106
"Famalicão é, portanto, do seu tempo, está no modo de ver e de sentir da sua época: é uma
povoação moderna que se inspira no presente, caminhando para o futuro ciosa da sua honra, do seu
trabalho e da sua beleza." É deste modo que Sousa Fernandes, escritor e político republicano,
caracteriza Vila Nova de Famalicão no limiar do século XX. De facto, Vila Nova de Famalicão
viveu nos últimos anos do século XIX e nos inícios do século XX um período de claro dinamismo
nos domínios económico, social e cultural. Favorecida pela construção das estradas nacionais,
nomeadamente da estrada Porto-Braga, e das linhas ferroviárias do Minho e da Póvoa, Vila Nova de
Famalicão tornou-se num dos principais polos de comunicações do Norte do País. Após a
inauguração do caminho de ferro (1875), começaram a instalar na então vila, sobretudo na zona
envolvente da estação dos caminhos de ferro, fábricas e oficinas que irão mudar gradualmente a
fisionomia da vila e torná-la num importante centro industrial.
Em 1892, é criada a Tipografia Minerva, que se torna numa das empresas gráficas mais
importantes do País. Passados três anos, instala-se em Vila Nova de Famalicão A Boa Reguladora, a
primeira fábrica de relógios da Península Ibérica. Em 1896, Narciso Ferreira implanta em Riba de
Ave a sua primeira fábrica têxtil, o que contribuiu para fazer de Riba de Ave, até então uma
pequena povoação rural, um dos principais centros da indústria têxtil do Norte do País. Atraídos
pelas perspetivas da melhoria das condições de vida, que o desenvolvimento económico do
concelho ia criando, migraram para o concelho pessoas originárias das regiões Norte e Centro e
também da Galiza. Paralelamente, um grande número de famalicenses emigrava para o Brasil
igualmente em busca de um futuro melhor. Devido ao desenvolvimento da indústria e do comércio,
Vila Nova de Famalicão tornou-se cada vez mais num centro urbano tipicamente burguês. Mas o
dinamismo local não se resumiu ao plano económico. Além das Festas Antoninas, que então
tiveram uma fase bastante próspera, as atividades culturais em Vila Nova de Famalicão nos últimos
anos do século XIX e nos primeiros anos do século XX tiveram um período áureo. Em 1891, surge
a revista Nova Alvorada, importante publicação cultural onde colaboraram nomes ilustres da
intelectualidade portuguesa, como Antero de Quental, Raul Brandão, Guerra Junqueiro, Oliveira
Martins, Leite de Vasconcelos, etc. Além de Sousa Fernandes, merecem destaque na
intelectualidade famalicense deste período: Júlio Brandão, poeta e arqueólogo, Sebastião de
Carvalho, escritor, e Silva Mendes, advogado e pensador político anarquista. Entretanto, em 1901, o
cinema chegou a Vila Nova de Famalicão, passando a concorrer com o teatro, um dos principais
lazeres da burguesia famalicense, Em 1909 a iluminação elétrica é inaugurada em Vila Nova de
Famalicão - o primeiro concelho do Minho a usufruir da energia elétrica. No domínio político, o
concelho de Vila Nova de Famalicão não foi modo algum imune à evolução mais geral do País. A
monarquia constitucional ia queimando os últimos cartuxos. Aproveitando o crescente descrédito
interno e externo das instituições monárquicas, o Partido Republicano ia ganhando uma crescente
implantação na sociedade portuguesa. A nível local, os republicanos não deixam de se manifestar,
107
quer nos atos eleitorais, quer na promoção de iniciativas culturais e cívicas. Existem, efetivamente
testemunhos de famalicenses ilustres dando a sua opinião sobre o Partido Republicano. Temos, pelo
menos, dois testemunhos; o de Manuel da Silva Mendes (1869-1938) e o de Nuno Castelo Branco
(1864-1896). Nuno Castelo Branco, a 27 de Outubro de 1895 no jornal “O Leme”, numa crónica
denominada “A Política do Concelho”, analisa os três partidos que então vão concorrer à autarquia
famalicense: do Partido Regenerador, diz-nos que “as coisas não lhe estão na melhor ordem”,
enquanto relativamente ao Partido Progressista questiona: “Quem é o chefe? Onde está o chefe?
Quem são os progressistas? Onde estão eles?” Quanto ao Partido Republicano, afirma que este é o
que vai ganhando “sangue novo”, tratando “de se preparar para as eleições camarárias com toda a
sua força.” E continua: “ Não sabemos se tem bons dados para o alcançamento da vitória”, existindo
“grande receio por parte dos regeneradores, progressistas e mesmo católicos”.71
71
Nuno Castelo Branco, a 27 de Outubro de 1895 no jornal “O Leme”, numa crónica denominada “A Política do
Concelho”
108
polémica em torno da criação do concelho de Riba de Ave. Devido à sua forte influência, Narciso
Imagem 9: Cine-Teatro Famalicense
Ferreira conseguiu convencer os senadores dos Partidos Evolucionista e Unionista a apresentarem a
proposta da criação do concelho de Riba de Ave, que agruparia as áreas mais industrializadas dos
concelhos de Vila Nova de Famalicão, de Guimarães e de Santo Tirso. Devido à oposição enérgica
113
das autoridades municipais e de alguns senadores, nomeadamente de Sousa Fernandes, o projeto foi
chumbado no Senado. 1914 foi também o ano da eclosão da I Guerra Mundial. Em 1915, o
famalicense Bernardino Machado é eleito Presidente da República pelo Parlamento. Passado um
ano, Portugal entra na guerra ao lado dos Aliados. As consequências políticas e sociais no interior
do país não se fazem esperar. Em dezembro de 1917, um golpe militar encabeçado por Sidónio Pais
destituiu os órgãos de soberania eleitos e instaurou uma ditadura militar de carácter presidencialista
e populista. Em V. N. Famalicão a revolta já estava prevista, “Numa fase inicial os republicanos
famalicenses deram o benefício da dúvida às crescentes crispações decorrentes do autoritarismo
sidonista.”72
Passado um ano, Sidónio Pais é assassinado, o que aumenta a instabilidade política, já de si
crónica. Em janeiro de 1919, aproveitando a situação de anárquica, os monárquicos proclamaram a
restauração da monarquia no Norte do País, incluindo em Vila Nova de Famalicão, o que provocou
a eclosão da guerra civil. Após um mês de confrontos, as forças republicanas recuperaram o
controlo do Norte. Em 1919, as eleições locais dão a vitória aos Democráticos, que indicam para
presidente da Comissão Executiva Júlio de Araújo, que apresenta um audacioso plano de
melhoramentos e prevê um número significativo de investimentos públicos para a vila e o concelho,
entre os quais a construção de uma avenida entre o centro da vila e a estação ferroviária. Passados
dois anos, Júlio de Araújo é derrubado num "golpe de estado", devido a divergências no interior dos
Democráticos. Com a destituição de Júlio de Araújo, a concretização dos investimentos municipais
marca passo e a administração municipal cai num estado de estagnação. Entretanto, os famalicenses
Nuno Simões e Daniel Rodrigues são nomeados membros do Governo, respetivamente para as
pastas ministeriais do Comércio e das Finanças. Em Novembro de 1925, devido à resignação de
Teixeira Gomes, Bernardino Machado é eleito Presidente da República.
72
Retirado do Jornal Estrela do Minho, na edição de 16 de dezembro de 1917.
Em 28 de Maio de 1926, eclode um movimento militar em Braga, liderado pelo general Gomes
da Costa, insurgindo-se contra a situação política e social do País. “O movimento eclodiu em Braga,
em 28 de maio de 1926, liderado pelo general Gomes da Costa, repercutindo-se em todo o país, com
um número crescente de unidades militares a proclamar a sua adesão ao golpe” 73. O Governo envia
então um contingente militar, comandado pelo coronel David Rodrigues, para enfrentar os
golpistas. Contudo, o chefe das tropas governamentais celebra em Vila Nova de Famalicão um
acordo com Gomes da Costa. O acordo de Vila Nova de Famalicão provoca a demissão do Governo
constitucional e a instauração da Ditadura Militar, cujos líderes dissolvem o Parlamento e
restringem progressivamente o exercício das liberdades fundamentais.
Em 1933, tem lugar em Vila Nova de Famalicão uma greve geral devido ao incumprimento da
lei sobre o horário de trabalho. Com efeito, a implantação no concelho de indústrias teve como
consequência o surgimento de um operariado que vivia sobretudo nas povoações vizinhas da vila e
nas freguesias ribeirinhas do Ave. As condições de vida eram más, devido às longas jornadas de
trabalho, aos baixos salários e à ausência de mecanismos de proteção social. Por isso, em março de
1931, os trabalhadores famalicenses lançaram uma greve geral, reivindicando o cumprimento da
legislação laboral. A greve foi um sucesso. O ano de 1931 foi igualmente marcado pelas
repercussões locais da Grande Depressão. Todos os bancos famalicenses faliram, o que cria um
grave problema de crédito na economia local. Devido às solicitações dos empresários famalicenses,
Cupertino de Miranda instala uma agência da sua casa bancária, que será o embrião do Banco
Português do Atlântico.
Em 1933, foi aprovada a Constituição, que marca a consagração institucional do Estado
Novo e do crescente poder autocrático de Oliveira Salazar, que tinha sido nomeado ministro das
Finanças em 1928 e chefe do Governo em 1932.
Em 1936, foi aprovado o Código Administrativo, que regulava a organização e o
funcionamento dos órgãos municipais. “Os municípios eram classificados em duas classes (rurais e
urbanos), e dentro de cada classe, em três ordens, cuja definição resultava de combinação de fatores
de cariz demográfica, territorial e fiscal. O Código Administrativo do Estado Novo previa dois tipos
de órgãos municipais: os comuns e os especiais. Os órgãos comuns eram o Conselho Municipal, a
Câmara Municipal e o Presidente da Câmara Municipal. O Código, de inspiração autoritária e
centralizadora, estabelecia como órgãos municipais o Conselho Municipal, a Câmara Municipal e o
Presidente da Câmara.” 74O Conselho Municipal era constituído pelos representantes das
denominadas entidades corporativas do concelho (Juntas de Freguesia, grémios patronais, sindicatos
nacionais, misericórdia, etc), competindo-lhe eleger os vereadores da Câmara e ratificar as suas
deliberações mais importantes. O Presidente da Câmara Municipal era o órgão político por
73
Livro “Portas da História de Vila Nova de Famalicão”: Promotor/Edição: Câmara Municipal de Vila Nova de
Famalicão; Direção: Paula Alexandre Cunha; Textos: António Joaquim Pinto da Silva – Coordenador do Arquivo
Municipal, Amadeu Gonçalves – Artur Sá da Costa – Investigador, Daniel Faria – Técnico Superior do Município,
capítulo 3.1.
74
Livro “Portas da História de Vila Nova de Famalicão”, referido na nota 3, capítulo 3.2.
115
excelência, sendo nomeado pelo Governo. Com a consolidação do Estado Novo, a vida pública
local foi progressivamente sujeita a crescente controlo governamental.
A II Guerra Mundial teve consequências no concelho, apesar do país ter mantido a
neutralidade. “Apesar de ter conseguido manter a neutralidade no conflito mundial, Portugal não
deixou de sentir os efeitos económicos, sociais e inclusive políticos da guerra.”75
Com o desenrolar da guerra, começaram a faltar matérias-primas, equipamentos e bens
alimentares. O racionamento e o açambarcamento regem a vida económica. Numa tal situação, a
agitação social aumenta. Vila Nova de Famalicão não é exceção. São promovidas greves e
manifestações, muitas das quais acabam em confrontos com a polícias.
A vitória dos Aliados foi saudada por grandes manifestações populares. Para muita gente, a
derrota do nazismo era um prenúncio do derrube do salazarismo. A oposição reorganizou-se, tendo
criado o Movimento da Unidade Democrática (MUD), uma frente política que unia todos as
correntes da oposição. Vila Nova de Famalicão foi um dos concelhos onde a atividade da oposição
democrática foi mais ativa, tendo congregado a participação de diversos elementos, desde
republicanos históricos, como Daniel Rodrigues, a comunistas, nomeadamente Armando Bacelar e
Lino Lima.
INTRODUÇÃO
75
Livro “Portas da História de Vila Nova de Famalicão”: Promotor/Edição: Câmara Municipal de Vila Nova de
Famalicão; Direção: Paula Alexandre Cunha; Textos: António Joaquim Pinto da Silva – Coordenador do Arquivo
Municipal, Amadeu Gonçalves – Artur Sá da Costa – Investigador, Daniel Faria – Técnico Superior do Município,
capítulo 3.3.
116
Uma equipa de investigadores portugueses e estrangeiros tem trabalhado, nos últimos anos,
numa grande e inovadora investigação que pretende conhecer os portugueses vítimas do Nazismo.
Por outro lado, em ligação com o Programa de Famalicão para o Mundo e com investigadores
famalicenses, nomeadamente Arminda Ferreira, tem-se usado fontes primárias locais para tentar
clarificar o contexto social e económico do território, e compreender que famalicenses estiveram
envolvidos e como é que os emigrantes famalicenses caíram nas malhas do sistema
concentracionário nazi.
De modo a conectar este tão importante tópico com o nosso município, é importante ter
conhecimento sobre a existência de famalicenses que estiveram direta ou indiretamente ligados ao
Sistema Concentracionário da Alemanha Nazi. De todos os portugueses referenciados pelo estudo
liderado pelo professor Fernando Rosas, foram identificadas 11 pessoas de Vila Nova de Famalicão.
Seguem-se então alguns famalicenses, que estiveram nestas condições degradantes, com graves
violações dos direitos humanos, sendo a sua apresentação acompanhada de uma pequena explicação
de como foi a sua história no sistema concentracionário nazi.
Adriano Moreira da Silva nasceu a 6 de março de 1920, em Lousado. O pai, António Silva
Rosa, é ferroviário, natural de Carreço, Viana do Castelo; a mãe, Idalina Moreira, nasceu no lugar
de Gandra, freguesia de Santo Adrião, tendo ambos 21 anos quando nasce o filho. O percurso até
França é desconhecido, mas quando Adriano parte para trabalhar na Alemanha encontra-se já
casado com Camille Renaud, residindo o casal em Rueil-Malmaison, nos arredores de Paris. De
janeiro a dezembro de 1943 trabalha na fábrica de relógios da Kienzle, em Schwenningen am
Neckar.
Em julho de 1943, a fábrica emite um visto coletivo para 18 trabalhadores para saída única e
reentrada (documento 2) e Adriano é autorizado a regressar a França, para gozar férias, com a
condição de voltar para a Alemanha, onde é suposto trabalhar até dezembro de 1943. Sofre, muito
provavelmente, um acidente de trabalho, com esmagamento da parte frontal do pé esquerdo e uma
fratura no 4.° dedo do mesmo pé.76
76
Informações retiradas do panfleto informativo da Exposição “Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich, e Os
Famalicenses no Sistema Concentracionário Nazi”.
117
77
Documento 1: Documento da fábrica alemã onde Adriano Moreira de Silva trabalhava (Arolsen Archives)
77
Documento retirado dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
https://collections.arolsen-archives.org/archive/70824945/?p=1&s=silva,%20adriano&doc_id=70824945
118
78
Documento 2: Documento da fábrica alemã onde Adriano Moreira de Silva trabalhava (Arolsen Archives)
78
Documento retirado dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
119
Cândido Ferreira nasceu em Castelões, Vila Nova de Famalicão, a 17 de abril de 1922, e faleceu
por volta do dia 24 de fevereiro de 1945 79. Tinha emigrado para França com os seus pais, segundo
um dos documentos encontrados, em 25 de novembro de 1928, Avelino Ferreira e Joaquina Ribeiro
Machado, quando era ainda muito pequeno. Em 1939, residia em Loubert, no departamento da
Charante, na Rue Laffitte. Tal como o pai, Cândido exercia o ofício de pedreiro.
Foi preso pela polícia francesa em Roumazières-Loubert por crime de delito comum. Julgado
em tribunal, foi punido com pena de prisão, que cumpriu em Limoges (de 2 de julho de 1943 a 8 de
setembro de 1943) e depois no presídio de Eysses (de 8 de setembro de 1943 a 2 de julho de 1944).
No final da pena, foi transferido para o campo de triagem de Noé, que constituía numa reserva de
mão de obra para o trabalho na Alemanha.
79
Informação retirada de uma investigação publicada no Jornal “Publico”.
120
80
Documento retirado dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
121
A família perdeu-lhe o rasto em finais de julho de 1944. Em 1946, o pai, Adelino Ferreira, ainda
procurava informações sobre o desaparecimento do filho.
Cândido havia sido deportado, juntamente com os portugueses Venâncio Dias, Luís Ferreira,
António Ribeiro e
Aníbal dos Santos, no
comboio que partiu de
Toulouse a 31 de julho de
1944, e internado em
Buchenwald, a 5 de agosto
de 1944, com o n.º 69209.
Segundo a ficha de
prisioneiro, à letra “Carta de
detenção”, media 1,62 cm
e era magro. Tinha o rosto
oval, olhos castanhos e
cabelo preto.
81
Documento retirado dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
122
Resistiu poucos meses às duras condições de vida do campo, vindo a falecer a 24 de fevereiro
de 1945, segundo a documentação alemã, vítima de gastroenterite.
Documento 4: Cartão do
Gabinete do Registo das Vítimas de Guerra (Arolsen Archives) 82
82
Documentos retirados dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
123
Com 23 anos, casou-se com Rita Ferreira de Carvalho, de 24 anos de idade, nascida em 9 de
agosto de 1896, natural da vizinha freguesia de Balazar, arciprestado de Vila do Conde, atual
freguesia do concelho de Póvoa do Varzim, a 5 de agosto de 1920. O casamento foi celebrado pelo
pároco Manuel Gomes da Costa Carneiro e teve como testemunhas o lavrador José dos Santos e o
seu criado José, do lugar da Igreja.
83
Registos da Paróquia de Santa Leocádia de Fradelos, Livro de assentos de batismo (1860-1911), ano de
1897, Assento nº2.
124
Trabalhador rural e analfabeto, pai de dois filhos (António, nascido em 1921, e Adelino, em
1923)85 tentou a sua sorte como emigrante. A freguesia tinha já uma forte tradição de emigração
para o Brasil, mas Celestino optou por uma tendência que só se acentuará de forma muito forte nos
anos 60, a emigração para a Europa Ocidental.
Logo no ano seguir ao nascimento do segundo filho, pediu o passaporte 86 e emigrou para
França em busca de melhores perspetivas de vida. Assim, munido de um passaporte concedido pelo
Governo Civil de Braga e de um contrato de trabalho, Celestino partiu em abril de 1924. A família
juntou-se-lhe pouco depois.
Os primeiros anos foram de intensa mobilidade, em função dos estaleiros nos quais Celestino se
empregou como lenhador, acabando por se instalar em Picquigny, no departamento do Somme.
Entretanto nasceram mais seis filhos, Manoël, Bertha, Gérard Pierre, Gilbert, Claudie, e Maximo87.
Em 1932, a família adquiriu a nacionalidade francesa. Durante os anos da Frente Popular,
Celestino e os filhos mais velhos participaram em atividades locais ligadas ao Partido Comunista
Francês, o que levará a família a ser considerada «suspeita do ponto de vista nacional» durante o
regime de Vichy. A nacionalidade francesa foi retirada à família Bento da Silva por um decreto com
data de 2 de setembro de 1942. No final da II Guerra Mundial, o governo francês restituiu a
nacionalidade francesa aos desnaturalizados de Vichy.
A família Bento da Silva participou nos combates de libertação da França. No verão de 1944,
António e Adelino pegaram em armas para expulsar as tropas alemãs de Picquigny, e colaboraram
nas operações de perseguição e detenção dos soldados que ficaram na retaguarda.
84
Documento retirado dos Registos da Paróquia de Santa Leocádia de Fradelos, Livro de assentos de casamento (1920-
1938), o registo foi feito no ano de 1920, assento nº9.
85
Os registos de batismo dos seus filhos não existem em Fradelos.
86
https://portal.arquivos.pt/record;jsessionid=F34D6684F0EDA70830B4FC18DD3C7124?id=oai%3APT
%2FUM-ADB%3A1226435&s=05xVd
87
Informação retirada de documentos dos arquivos franceses, Archives Nationales.
125
88
Documento retirado dos arquivos franceses, Archives Nationales.
126
127
João Faria de Sá nasceu a 15 de março de 1910, em Sezures, Vila Nova de Famalicão. Morava
em Aston, no departamento de Ariège, nos Pirineus, onde trabalhava como operador de teleférico.
Era solteiro e não tinha filhos. Durante a ocupação alemã, vai colocar o teleférico ao serviço da
resistência, ao transportar patriotas que procuravam chegar à África do Norte, para se juntarem ao
exército da França Livre. A montanha, extremamente escarpada nesta zona dos Pirinéus, era de
difícil ascensão, pelo que o teleférico reduzia consideravelmente o tempo do percurso, e evitava que
os patriotas passassem pela estrada estreitamente vigiadas pelas tropas alemãs após a invasão da
zona livre.
Denunciado, foi preso em 23 de março de 1943 e deportado no âmbito da operação «Espuma do
Mar» (Meerschaum), que visava o envio de trabalhadores para a Alemanha, arrebanhados pelos
alemães em prisões ou rusgas. Passou pelas prisões de St. Michel, em Toulouse, e de Fresnes, nos
arredores de Paris, sendo depois transferido para Compiègne, de onde foi deportado para o campo
de concentração de Buchenwald. Foi registado no campo com o número 41109. De acordo com a
documentação do campo, media 1,54 e era magro, de olhos castanhos e cabelo preto.
Documento 7: Documento
com informações
pessoais, de João Faria de Sá
(Arolsen Archives)89
89
Documentos retirados dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
128
João Faria de Sá foi libertado a 11 de abril de 1945, tendo regressado ao departamento onde
residia antes da deportação.
Apesar de ter sobrevivido ao internamento, as sevícias físicas sofridas e as condições em que
viveu no campo deixaram mazelas físicas irreversíveis: enfisema e bronquite, septicemia, picardite
e asma, tendo passado longos meses de internamento no pavilhão pulmonar do hospital de
Pamiers.90
90
Informações retiradas do panfleto informativo da Exposição “Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich, e Os
Famalicenses no Sistema Concentracionário Nazi”.
129
Mariana Costa
Natural do lugar de Cal de Baixo, freguesia de Telhado, nasce a 1 de maio de 1908. É filho de
Manuel Simões Lopes e Engrácia Simões Correia e emigra clandestinamente para França. Tem 31
anos quando se alista na Legião Estrangeira, no centro de recrutamento de Pau. Segundo a sua
família, nunca mais regressou definitivamente a Portugal. Casou com uma cidadã francesa de nome
Charlotte (apelido desconhecido), com quem teve dois filhos, Sylvette Simões e o nome do segundo
filho é desconhecido, porém sabe-se que este emigrou para Angola, onde viveu com a sua esposa e
dois filhos, mais tarde também viria a falecer aí. Nenhum dos seus descendentes diretos reside em
Portugal e a sua família distante, em Portugal, não mantem qualquer tipo de contacto há vários
anos.
Documento 9: Documento
com alistamento de
soldados, feito pelo centro de
recrutamentos, (Arolsen
Archives) 91
91
Documento retirado dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
130
Nasce na freguesia de Arnoso, Santa Eulália, a 11 de setembro de 1906, foi batizado no dia 12
de setembro de 1906, filho de Domingos da Costa, que tinha como profissão cesteiro, e de Maria
Ferreira, que era jornaleira.
92
Informações fornecidas pela sobrinha de José da Costa, numa entrevista.
131
Em entrevista com a sobrinha de José da Costa, foi possível descobrir que o mesmo voltou a
Portugal, esteve cá cerca de 3 semanas, e tornou a França
93
Documento retirado dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
132
deportado para Dachau a 21 de junho de 1944, onde foi internado com o número 72469. De acordo
com a ficha de prisioneiro (fig. 13), era solteiro, magro, tinha 1,65 m, cabelos pretos e olhos castanhos.
A 5 de julho de 1944 foi transferido para o subcampo de Allach. Foi libertado pelas tropas
americanas a 30 de abril de 1945, regressando a França no final de maio.
94
É natural de Delães, onde nasceu a 15 de março de 1919 95, e filho de José Ferreira e Bernardina
da Silva. Incorporado no 23º RMVE, em inícios de 1940, é enviado para a frente de guerra, vindo a
morrer em combate a 2 de junho de 1940, com apenas 21 anos. Posteriormente o Estado francês
agracia-o com a menção «Mort pour la France» (Morto pela França).96
Documento 14: Documento com o recrutamento de voluntários estrangeiros, (Mémoire des Hommes)
94
Documentos retirados dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
133
95
Segundo os registos fornecidos que estavam no panfleto informativo da Exposição “Trabalhadores Forçados
Portugueses no III Reich, e Os Famalicenses no Sistema Concentracionário Nazi”, a data de nascimento de Manuel
Ferreira estava como 15 de março de 1919, porém, durante a investigação descobrimos um documento onde a data de
Manuel Ferreira corresponde a 14 de março de 1919.
96
Documento retirado do arquivo Mémoire des Hommes.
134
Documento 15: Certidão de Casamento de Manuel Vieira da Silva e Lusie Claire Leroy97
O casal solicita a naturalização francesa e leva uma vida bastante pacífica em Saint-Etienne du
Rouvray, Chemin au Bon Clos, até à ocupação alemã, que resultou na prisão do famalicense em
outubro de 1940, por ter participado nas pilhagens durante a ocupação alemã. Com isto, o seu
dossiê de nacionalidade foi revisto. Por esta altura, já o famalicense tinha 57 anos e apresentava
problemas de saúde. A vida não parece ter corrido muito bem a Manuel, pois o documento da
Prefeitura do Sena Inferior refere que o famalicense vive praticamente na miséria.
97
Documento retirado do site dos aquivos nacionais do governo francês.
135
Documento 16: Pedido de retirada de nacionalidade a Manuel pois este cometeu um crime98
Tradução do documento:
Documento “A 25
17: Pedido de retirada de dezembro
de nacionalidade depois
a Manuel, 1940, a pessoa
este cometeu em questão mandou fazer
um crime.
[Landim]99, naturalizado francês por decreto de 12 de junho de 1928. O mesmo mora em St-
Etienne-du-Rouvray, Chemin au Bon Clos. Você encontrará, sob esta capa, um relatório policial a
respeito dele. Resulta da informação recolhida que Vieira da Silva, cuja atitude, até ao passado mês
de Junho, sempre foi a mais correta, foi condenado, no dia 2 de Outubro de 1940, pela correcional
tributária de ROUEN, a um mês de prisão com surata por saque cometido em junho de 1940.
Vieira da Silva vive atualmente na pobreza; ele está quase cego, desajeitado e não pode mais
trabalhar. Considero que, pelos bons motivos da boa informação geral recolhida a seu respeito e
pelas circunstâncias excecionais em que cometeu o crime que motivou a sua condenação, não é
necessária a perda da nacionalidade francesa; um aviso severo poderia, no entanto, ser dirigido a
ele.”
Apesar de se encontrar cego, doente, incapacitado para trabalhar, a viver com pensão de
invalidez, e de ter sido considerado um elemento sem interesse, Manuel acabou por ser
desnaturalizado, por um decreto de julho de 1941, depois de uma vida a trabalhar ao serviço da
França101 , como visto no documento abaixo.
99
O documento refere Espanha, mas é um engano de quem registou.
100
Documento retirado do site dos aquivos nacionais do governo francês.
101
Informação retirada do “II Encontro – De Famalicão para o Mundo: Migrações e trabalho forçado em contexto de
guerra”, na conferência “A emigração portuguesa em França no entreguerras”, de Cristina Clímaco e Arminda Ferreira.
137
102
Documento retirado do site dos aquivos nacionais do governo francês.
138
Documento 20: Processo nos arquivos franceses sobre a desnaturalização de Manuel Vieira da Silva
139
CAPÍTULO IV
LEMBRAR QUEM FOI ESQUECIDO
Carolina Gonçalves
INTRODUÇÃO
qual temos o imperativo de espalhar para gerar mais solidariedade, respeito, memória e consciência
cidadã noutros famalicenses e portugueses.
Quando nos foi lançado o desafio de sermos “investigadores”, senti que era um imperativo
pessoal dar testemunho da escravização dos lituanos e do Holocausto, dos monstruosos atentados
aos direitos humanos que as famílias dos meus amigos viveram. Tenho esperança que este meu
testemunho alerte consciências e desperte para a necessidade premente de estudar, preservar,
musealizar, homenagear espaços e vivências, mas sobretudo as histórias de vida de seres humanos
que merecem a mesma dignidade que nós, Famalicenses.
O trabalho encontra-se dividido em quatro partes: “O holocausto na Lituânia” , “9th
Forth”, “Cerimónia “Square of the Rightous of the World”, “Testemunhos dos alunos”.
Espero atingir minimamente os leitores deste trabalho, sabendo que o que foi vivido e
entendido por mim e pelos meus colegas da mobilidade nunca vai ser totalmente transparecido para
a audiência, no entanto, darei o meu melhor para que sintam apenas uma percentagem do que nós
sentimos.
O HOLOCAUSTO NA LITUÂNIA
9TH FORTH
Em 1882, o Império Russo iniciou um dos projetos mais importantes da época, a construção
de uma fortaleza à volta da cidade de Kaunas. Esta construção deveu-se à tensão em relação à II
Guerra Mundial, ou seja, o Império Russo queria aumentar os seus sistemas defensivos. A
construção do Nono Forte, o último forte, começou em 1903 e foi concluída na véspera da Primeira
Guerra Mundial. Hoje, o Nono Forte está aberto para visitantes, contando com um museu com o
objetivo de contar a trágica história deste forte. Os outros oito fortes da Fortaleza de Kaunas não
estão em uso hoje em dia, alguns deles estão totalmente cobertos de água.
142
Durante os anos da ocupação soviética, de 1940 a 1941, o Nono Forte foi usado
pelo NKVD104 para abrigar prisioneiros políticos que aguardavam transferência para os campos de
trabalhos forçados do Gulag105 .
Durante os anos da ocupação nazi, o Nono Forte foi usado como local de assassinato em
massa. 45.000 a 50.000 judeus, a maioria de Kaunas e em grande parte retirados do Gueto de
Kovno106, foram transportados para o Nono Forte e mortos por nazis e colaboradores lituanos, no
que ficou conhecido como o massacre de Kaunas.
Foram levados para Kaunas judeus de países como a França, Áustria e Alemanha durante o
curso da ocupação nazi que foram mais tarde executados no Nono Forte. Em 1943, os alemães
operaram esquadrões judeus especiais para cavar valas comuns e queimar os corpos restantes. Um
esquadrão de 64 pessoas conseguiu escapar da fortaleza na véspera de Natal de 1944. Naquele ano,
com a chegada dos soviéticos, os alemães liquidaram o gueto e o que então passou a ser conhecido
como o "Forte da Morte". Os prisioneiros foram dispersos para outros campos. Após a Segunda
Guerra Mundial, os soviéticos novamente usaram o Nono Forte como prisão por vários anos. Os
alunos da escola secundária Camilo Castelo Branco, na sua mobilidade à Lituânia com o projeto
Democracy, tiveram a honra e oportunidade de visitar o 9th Forth. Abaixo deixo algumas imagens
capturadas por mim no Forte.
104
O Comissariado do Povo para Assuntos Internos. Estabelecida em 1917 como NKVD da República Socialista
Federativa Soviética da Rússia, a agência foi originalmente encarregue de conduzir o trabalho policial regular e
supervisionar as prisões e campos de trabalho forçados do país.
105
Gulag era um sistema de campos de trabalhos forçados para criminosos, presos políticos e qualquer cidadão em geral
que se opusesse ao regime na União Soviética (todavia, a grande maioria era de presos políticos).
106
Gueto de Kovno foi um gueto estabelecido pela Alemanha Nazi para conter os judeus lituanos de Kaunas, durante
o Holocausto.
143
Imagem 1: Lápide localizada na entrada do IX FORTE, onde está gravado “O Caminho Da Morte” 107.
107
Todas as imagens aqui apresentadas são dos arquivos pessoais de Carolina Gonçalves e de outros alunos
do AECCB.
144
Imagem 2: Espaço exterior do 9th Forth, com cercas elétricas, limitando assim as tentativas de fuga dos prisioneiros
Imagem 5: “Na noite de 25 de dezembro de 1943, 64 vítimas dos crimes NAZIS escaparam por este
caminho” .
146
Imagem 6: Imagem de algumas das pessoas que conseguiram fugir do Forte na noite de 25 de
dezembro de 1943
147
Imagem 7 : Interior de uma cela com 5 camas. Normalmente ficavam cerca de 40 pessoas instaladas
numa cela como esta. Aqui mantinham os prisioneiros para o trabalho escravo que mais tarde
seriam eventualmente exterminados
148
Imagem 8: Diferente tipo de cómodos do Forte, em que mantinham os prisioneiros para trabalho
forçado até serem exterminados. Podemos reparar nas cercas à volta do espaço, limitando a
passagem dos prisioneiros para fora da zona permitida.
149
Imagem 9: Local em que ficavam cerca de 80 prisioneiros do forte quando este só tinha capacidade
para 20
Imagem 12: Entrada de um dos tunéis que dava acesso a outros Fortes construídos na fortaleza de
Kaunas
Imagem 13: Interior de um túnel da fortaleza por onde passavam os prisioneiros para serem
exterminados
152
108
Discurso do presidente do Parlamento, V. Čmilytė-Nielsen, capturado em vídeo, retirado do arquivo pessoal
de Carolina Gonçalves.
109
Discurso do embaixador israelita Yossef Levy, capturado em vídeo, retirado do arquivo pessoal de Carolina
Gonçalves.
153
Num discurso emocionante, o embaixador alemão, Matthias Peter Sonn, afirmou que era
impossível recuperar as pessoas mortas durante o Holocausto, mas era sim possível aprender com o
sucedido. Este mostrou o seu arrependimento, em nome de toda a nação alemã, pedindo perdão aos
cidadãos lituanos sacrificados injustamente, no entanto, este afirma a relação saudável entre o
Estado Alemão e o Estado Lituano, que juntos construíram uma parceria unida, e sem
ressentimentos.
No final da cerimónia, discursou também Sania Kerbel, presidente da comunidade judaica
de Šiauliai, afirmando que “O memorial em si é importante não apenas para os judeus, mas também
para toda a sociedade lituana. É o memorial que mostra o lado bom da sociedade, e afirma que não
houve apenas aqueles que optaram por cooperar com os nazis, mas também pessoas que se
opuseram e salvaram vidas“. 110 Por fim, o designer do novo monumento, Adas, disse algumas
palavras: "O símbolo principal representa o tema da escrita nacional lituana, ou seja, a árvore de
Natal, escolhida como um símbolo de tal conexão, confiança e força, que abraça a Estrela de
David."111
Após os discursos, os alunos e professores da Escola Secundária Camilo Castelo Branco
tiveram a honra de prestar uma homenagem, depositando cada um uma flor sobre o monumento,
declarando assim a sua compaixão e admiração pelos cidadãos representados naquele monumento.
Este foi um momento de pura gratidão por termos tido a honra de presenciar aquela tão bonita e
importante cerimónia.
Imagem 14: Fotografia tirada no momento da cerimónia em que discursava o embaixador alemão,
onde vemos também Genovaitė Černiauskaitė-Dugnienė, a “pessoa justa do mundo “ presente112.
110
Discurso de Sania Kerbel, presidente da comunidade judaica Šiauliai, retirado do jornal de notícias lituano:
Irytas.IT
111
Discurso de Adas, designer do novo monumento, retirado do jornal de notícias lituano: Irytas.IT
112
Fotografia retirada do jornal de notícias lituano Irytas.It
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Imagem 19: Audiência da Cerimónia ( fotografia retirada do jornal de notícias lituano Irytas.It)
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de ser lembrados e que essa lembrança seja a força inspiradora para os camilianos terem os direitos
humanos como um farol nas suas vidas.
Em grupo, lembramo-nos que seria justo homenagear estes Famalicenses na toponímica
ou num monumento e, por isso, a nossa turma construiu uma proposta que enviou ao Sr. Presidente
da Câmara e que anexo ao presente trabalho.
WEBGRAFIA/BIBLIOGRAFIA
Imagens: Arquivo pessoal da autora do trabalho: Carolina Gonçalves
Informação: Quase a totalidade da informação presente no trabalho foi recolhida pela autora
do mesmo durante a mobilidade seja em visitas aos locais referidos no trabalho, em conversas com
o povo lituano com quem tanto aprendi, ou até através de leituras de livros encontrados na Lituânia,
que falavam sobre os temas, como por exemplo, o livro “History of Lithuania. From Medieval
Kingdom to Modern Democracy”.
como se tratava de uma massa de pessoas que pretendia fugir do nazi-fascismo, eram pessoas que
vinham com um espírito e atitude liberais e autoritários. Uma vez que Salazar era um ditador e
conservador queria evitar que esta massa de pessoas, que poderia vir com intenções de incutir ideias
contrárias às suas, entrasse em Portugal.
A 16 de junho de 1940, Sousa Mendes decidiu contrariar estas ordens e emitiu cerca de
10 000 vistos para judeus e mais 20 000 para outros europeus que tinham as suas vidas em perigo.
Declarou que a partir daquele momento daria vistos a todas as pessoas, defendendo que não
existiam nacionalidades, raças ou religiões.
Quando percebeu que poderia ser preso pela polícia política de Salazar, Aristides decidiu
fugir de Bordéus com os carimbos dos vistos e há quem diga que cruzou a fronteira espanhola com
uma multidão de refugiados. O cônsul continuou a outorgar vistos e a assinar passaportes e
documentos na rua. Carimbou ainda inúmeras folhas improvisadas, pelo que nunca será possível
saber ao certo qual o número exato de vistos por ele passados. Mais de 100 000 judeus passaram
por Portugal, tendo sido alojados em Lisboa, Santarém, Figueira da Foz, Porto e Caldas da Rainha.
Apesar de terem sido procurados pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado),
não houve denúncias por parte dos portugueses, donos das pensões e hotéis onde se encontravam
hospedados, pelo que as suas buscas não tiveram sucesso.
O ato altruísta de Aristides resultou não só na sua demissão da função de cônsul, como
também a sua condenação a um ano de inatividade, acabando por ser aposentado por Salazar no fim
do ano. Para além disso, Sousa Mendes perdeu o direito de exercer a profissão de advogado e foi-
lhe retirada a licença de condução que havia sido emitida no estrangeiro. Estas dificuldades foram
agravando-se e Aristides chegou a frequentar a cantina da assistência judaica internacional onde,
tristemente, teve de confirmar que também era refugiado.
Em 1948 a sua esposa faleceu e Aristides passou os últimos anos da sua vida pobre e sem
família. Foi obrigado a vender tudo o que tinha para pagar dívidas e sobreviver com dificuldade.
Nunca lhe foi reconhecida a bondade dos seus atos em vida e veio a falecer a dia 3 de abril de 1954,
em Lisboa.
Olga e Fátima Cavaco. Em 1995 Aristides foi condecorado, também postumamente, com a Grande
Cruz da Ordem de Cristo.
Em 2005, em Paris, o barítono Jorge Chaminé organizou-lhe uma Homenagem, através da
realização de dois Concertos para a Paz, incorporados nas comemorações dos 60 anos da UNESCO.
Em 2006 foi feita uma ação de sensibilização, que tinha como nome "Reconstruir a Casa do Cônsul
Aristides de Sousa Mendes", na sua antiga casa em Cabanas de Viriato e na Quinta de Crestelo,
Seia - São Romão.
Em 2007 foi transmitido um programa na RTP1, “Os Grandes Portugueses”, que teve como
objetivo promover a escolha dos dez maiores e importantes portugueses de todos os tempos.
Aristides foi o terceiro mais votado. Também neste ano, Jorge Chaminé realizou dois concertos em
homenagem a Aristides de Sousa Mendes, em Baiona e em Bordéus. Em 2013 a cidade de Toronto,
no Canadá, homenageou Sousa Mendes atribuindo o seu nome a um parque infantil recém-
renovado. E, mais recentemente, em 2014 a TAP Portugal intitulou um novo Airbus A319 de
Aristides de Sousa Mendes, em sua homenagem.
A Assembleia da República de Portugal decidiu homenagear o antigo cônsul com uma
evocação no Panteão Nacional, cerimónia que se realizou no dia 19 de outubro de 2021.
Nesse mesmo dia, alguns colegas meus estavam em visita de estudo ao Museu do Gueto de
Riga, na Letónia, e constataram, com surpresa, que era dado um grande destaque a este português,
como as fotos comprovam:
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REFERÊNCIAS WEBGRAFICAS
https://www.natgeo.pt/historia/aristides-de-sousa-mendes-o-heroi-sem-capa
https://sicnoticias.pt/programas/reportagemespecial/2021-11-07-O-consul-que-salvou-milhares-de-
vidas-81ad6263
https://pt.slideshare.net/jorgediapositivos/aristides-de-sousa-mendes-1588332
https://sousamendesfoundation.org/aristides-de-sousa-mendes-his-life-and-legacy/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Aristides_de_Sousa_Mendes#Homenagens
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