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CAPÍTULO I
O NACIONAL-SOCIALISMO NA ALEMANHA E A II GUERRA MUNDIAL
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“Primeiro levaram os comunistas,


Mas não falei por não ser comunista.
Depois, perseguiram os judeus,
Nada disse por não ser judeu.
Em seguida, castigaram os sindicalistas,
Decidi não falar, porque não sou sindicalista.
Mais tarde, foi a vez dos católicos,
Também me calei, por ser protestante.
Então, um dia, vieram buscar-me,
Nessa altura, já não restava nenhuma voz,
Que, em meu nome, se fizesse ouvir.”
- Martin Niemoller.
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1. CONTEXTUALIZAÇÃO: II GUERRA MUNDIAL


Nicole Kohn

1.1. A ASCENSÃO DE HITLER AO PODER


Quando se fala de Hitler, é comum acreditar, quem não tem conhecimento histórico o
suficiente, que, desde o princípio, sempre foi reconhecido politicamente, o que é uma
inverdade. Como foi possível Hitler, que deixou uma marca negativa extremamente profunda,
sair da posição de invisibilidade para uma liderança tão poderosa? Na altura, foi adorado,
admirado e odiado por muitos e, atualmente, causa ainda choque e admiração, suscitando
posições completamente contraditórias, de rejeição e apoio. O seu nome é conhecido
mundialmente, não por boas causas, mas sim por ter causado a morte de milhões de pessoas,
justificada através de uma visão própria da vida em sociedade, no mínimo absurda. Neste
capítulo de contextualização, pretende-se explicar a estratégia de Hitler e como a mesma o
ajudou a subir ao poder.
Nascido em 1889, em Braunau, na Áustria, Hitler nuca teve um único momento de
destaque na sua vida: nunca se sobressaiu na escola, não conseguiu entrar na escola de artes
que desejava, até mesmo no alistamento militar obrigatório foi dispensado por ser “incapaz” e
ainda que tenha conseguido mais tarde se voluntariar no exército, ele foi apenas um cabo de
infantaria. O austríaco já era alguém profundamente revoltado com a situação do país, era
descrito pelos seus colegas militares como alguém “introvertido e bizarro” de ideias políticas
extremas, mas o gatilho que agravou o seu ressentimento foi a Revolução Alemã 1 e, após
recuperado da cegueira temporária causado pelo gás mostarda, filiou-se ao Partido dos
Trabalhadores Alemão – é aqui que começa o fim do seu anonimato. Como diz Ian Kershaw,
“(…) aqueles que o cercavam, assim como o próprio Hitler, começaram a reconhecer o seu
talento incomum para articular os mais vulgares preconceitos e ressentimentos populistas da
maneira mais demagogicamente atraente (…)”2. Encorajado com esta constatação, pôs em
prática o seu Putsch de Munique, em que tentou, em 9 de novembro de 1923, levar a cabo um
golpe de estado para dominar o poder do governo da Baviera. Como dito anteriormente, foi
uma tentativa e Hitler, assim como os seus apoiantes, foram presos. Durante os 9 meses que
passou na cadeia, o austríaco escreveu o primeiro volume do seu livro “Mein Kampf” e nele
descreveu tudo o que o compõe como pessoa, desde a sua infância até os seus ideais.
Retomando o foco de como Hitler chegou ao poder: “As fobias ideológicas
profundamente fixadas e um talento demagógico incomum para despertar os instintos mais
baixos das massas, combinados com alguns maneirismos pessoais bizarros, foram, por muito
tempo, tudo o que Hitler parecia ter para oferecer”3. E tal qual citado, é exatamente esta
técnica de manipulação popular que Hitler vai usar ao se referir ao que ele considerava a
causa da ruína da Alemanha, o Tratado de Versalhes e as implicações do mesmo no seu país,
a situação económica e os ideais comunistas.

1
Tentativa falhada de instauração de um regime comunista, na região da Baviera, entre 1918 e 1919.
2
Ian Kershaw, Hitler – Um Perfil do Poder, Editora Inquérito, Mem Martins, 1991.
3
Ian Kershaw, ob. cit.
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O Tratado de Versalhes, assinado a 1919 em Paris, pelas potências europeias, ordena,


entre outras coisas, que a Alemanha perca os seus territórios coloniais e a grande parte dos
seus territórios europeus, a sua desmilitarização, incluindo a margem esquerda do rio Reno e
a proibição de fabrico de armamentos de alto impacto (tanques, por exemplo), fornecimento
anual de toneladas de carvão para a França e a Bélgica e as indemnizações de 20 mil milhões
de marcos-ouros, o suficiente para que a Alemanha se afundasse numa crise económica por
toda a década de 20. Esta humilhação internacional, somada a uma crescente agitação social
em torno de um movimento que clama pelos direitos laborais e sociais, afetou muito
negativamente o ego de Hitler e o mesmo vai tocar nessa mesma ferida presente no povo
alemão. Ao longo de seus vários discursos, Hitler, gesticulando agressivamente, num tom de
voz mais fervoroso ainda, expõe o seu profundo desprezo pelos Aliados (causadores de uma
humilhação sem tamanho para com a Alemanha), pelos judeus (que, segundo o mesmo,
ocupavam cargos de direito alemão e que, por isso, eram a causa do desemprego e da inflação
no país) e pelos comunistas e socialistas e por qualquer pessoa que defenda os direitos
humanos (causadores do desequilíbrio social natural em que Hitler acreditava: a raça superior
domina e a raça inferior obedece); expressa também o amor que tem pelo o seu país e os seus
grandes feitos passados, exalta a pureza do sangue alemão (raça original, criadora de tudo o
que há de bom no mundo) e a superioridade da nação.
Surgindo então um candidato que demonstrava pela 1ª vez uma determinação tão forte
em defender o seu país e o seu povo, como não o apoiar? Como não apoiar um homem que
mostrava ser corajoso, ao ponto de enfrentar a política internacional, disposto a ser
perseguido politicamente, para defender a grande pátria alemã? É a 1ª vez que um político se
faz parecer tão próximo da população e que realmente a representava, então porque não o
apoiar? É criando esta mentalidade e incitando o lado mais obscuro das massas que Hitler, em
1933, venceu as eleições e foi nomeado para o mais alto cargo da Alemanha, o de Chanceler.
Ao longo da década de 20, as votações no partido tinham permanecido estáveis e até descido,
mas o descrédito da República de Weimar e sobretudo os efeitos profundos da Crise de 1929
na Alemanha favoreceram também esta ascensão e a subida ao poder através do sufrágio
democrático.

1.2. A 2ª GUERRA MUNDIAL


O ano é 1939. Começo da 2ª Guerra Mundial. A causa próxima foi a invasão da
Polónia, a 1 de setembro, pelo exército de Hitler, sob a justificativa do “espaço vital”, ou seja,
a Alemanha alegava que tinha direito de expansão e ocupação do território a leste. Para essa
expansão ocorrer, tinha de se assegurar a retaguarda, em outras palavras, garantir que
ninguém ousasse atacar por trás e a solução para isto foi ocupar e dominar a Europa
Ocidental através de guerras relâmpagos, ou blitzkrieg em alemão, e forças armadas
praticamente indestrutíveis contando com tanques, infantaria e apoio aéreo.
Com a ameaça que a Alemanha representava, a Inglaterra e a França declaram guerra
contra a mesma em 3 de setembro e poucos dias depois, 10/09/1939, começou a Batalha do
Atlântico, que durou desde o início da 2ª guerra até ao ano do seu fim – 1945. A derrota da
França deu-se por outros fatores que não só pela força das tropas alemãs: a neutralidade belga
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que impediu os franceses e ingleses de implantarem os seus homens no seu território, a


Floresta das Ardenas, que vai ser o calcanhar de Aquiles da França, e a impossibilidade da
Inglaterra e da França de defenderem outros pontos estratégicos, que vão resultar na Batalha
de Dunquerque, por exemplo, a começar pela Linha Maginot, que é uma fronteira muito bem
fortificada entre a França, a Alemanha e Itália, que acaba na Floresta das Ardenas, criada em
1936 para fins de proteção. O problema é justamente o facto de acabar na floresta, mas isto
porque , do ponto de vista dos franceses, esta floresta era impenetrável e, por isso, ninguém
teria a coragem de atravessá-la, ideia obviamente posta à prova com os tanques de guerra
alemães que passaram pela densidade florestal com facilidade, assim invadindo o território
francês.
Esta fase, desde a invasão da Polónia até à invasão da França, conhecida como
Batalha da França, e que engloba mais duas invasões à Bélgica e Holanda, é conhecido como
Drôle de Guerre em francês, Guerra de Mentira em português, Funny War em inglês e
Sitzkrieg em alemão, porque até as invasões não houve, de facto, luta armada, mas sim
tentativas de negociação e apaziguamento do clima tenso, a fim de evitar uma outra catástrofe
de escala tão grande quanto a 1ª Guerra ou até maior, tentativas falhadas, como já sabemos.
Outro momento muito importante foi a Batalha de Dunquerque, em que tropas
britânicas e francesas ficaram encurraladas entre uma divisão panzer 4 alemã e o porto de
Calais, ou seja, não podiam avançar pela desvantagem em número e força de combate e não
podiam recuar pela falta de apoio marítimo. A Grã-Bretanha, sabendo disso, realizou a
Operação Dínamo. Durou de maio a junho de 1940 e o plano inicial era resgatar, pelo menos,
45 000 dos mais de 300 000 homens das tropas encurraladas pelo mar em 5 dias, porém os
planos foram alterados, de forma a resgatar 145 000. A importância deste resgate é tamanha
que futuramente deu a oportunidade da reviravolta dos Aliados contra a Alemanha, pois,
nesta altura, as únicas tropas que o país britânico tinha estavam divididas em 2: as de defesa,
localizadas na Inglaterra, caso Hitler desejasse atacar; as tropas ofensivas, presas em
Dunquerque, portanto ter êxito na recuperação destes soldados foi de fato um feito incrível,
resta saber como foi orquestrado.
Churchill5, líder do governo na época, fez um discurso fortemente apelativo ao povo,
dizendo que tudo o que flutuasse fosse a Dunquerque, desde barcos de pesca de grande porte
até botes salva-vidas. Absolutamente tudo o que pudesse acomodar o máximo de pessoas
possível e que fosse flutuável foi lançado ao mar. E assim, sob ataques aéreos da Luftwaffe6,
deu-se o resgate, que um dia seria fator crucial para a derrota do Eixo e vitória dos Aliados.
Porém, o resgate, por si só, não foi o suficiente para ganhar a batalha, visto que o General
Pétain, conhecido por ser um colaborador nazi, ofereceu a proposta de armistício, quebrando
o acordo que tinha com a Inglaterra, que proibia qualquer outro pacto. No final da Batalha de

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Panzer significa "tanque" alemão, portanto uma Divisão Panzer é uma unidade de tanques de guerra blindados
acompanhados de infantaria e apoio aéreo.
5
Winston Leonard Spencer-Churchill, (Woodstock, 30 de novembro de 1874 – Londres, 24 de janeiro de 1965)
foi um político conservador e estadista britânico, famoso principalmente por sua atuação como primeiro-
ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial.
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Assim como o Afrika Korps foi mandado para dar apoio às tropas italianas no Norte de África, a invasão da
Grécia foi pelo mesmo motivo, já que Mussolini estava sofrendo com os contra-ataques gregos e Hitler agiu
tanto por companheirismo como pela ambição de expandir o seu espaço.
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França, o país teve a maior parte do seu território ocupado, e o governante francês De Gualle
pediu, na altura, para que o povo não desse tréguas ao inimigo.

Imagem 1: França de Vichy, em 1940

Com a retaguarda antes mencionada já assegurada, Hitler pode então dar continuidade
ao seu Lebensraum e expandir o seu território, a leste. A próxima preocupação do líder
austríaco foi a Jugoslávia, que havia sofrido um golpe de Estado que depôs o rei Pedro II (a
favor das forças do Eixo) e colocou no poder Josip Broz Tito 7 (a favor dos Aliados) e Hitler,
por isso, decidiu invadir e dominar o território, em abril de 19418. Após invadir e assegurar a
Jugoslávia, partiu para a Grécia e, em seguida, expandiu-se para o Norte de África, através do
Afrika Korps9 (dando atenção aos factos que o sucesso do Afrika Korps é devido à boa
preparação física e militar, assim como a boa liderança de Erwin Rommel). Ao final de 1941,
Hitler tinha grande parte da Europa Ocidental subjugada a si e agora poderia finalmente pôr
em prática o seu maior objetivo a nível militar: atacar a URSS, o que só foi possível, após ter
poder de guerra e preparação o suficiente para encarar a nação soviética, que a Alemanha
sabia que se equiparava a si em questão de nível de combate.
Começa então a Operação Barbarossa, em junho de 1941. A Alemanha e os seus
aliados do Eixo (Itália, Finlândia, Hungria, Croácia e Romênia) invadiram a URSS,
acompanhados da Wehrmacht10, da Einsatzgruppen11 e das forças apoiantes. A operação foi
divida em 3 linhas de invasão: Norte para Leningrado, Centro para Moscovo e a Sul para
Kiev. De Leningrado e Moscovo vão surgir acontecimentos, como o Cerco dos 900
Dias/Cerco de Leningrado e a Batalha de Moscovo. O cerco só foi possível ser rompido
7
Marechal e político jugoslavo, nascido em 1892 e falecido em 1980, Josip Broz Tito proclamou, em 1945,
como primeiro-ministro, a República Federal.
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O ano de 1941 foi marcado pela grande diferença no estilo da guerra, antes os soldados de ambos os lados
sujeitavam-se às guerras de trincheiras, caracterizadas pela pouca movimentação, agora a tendência, até o fim da
guerra, são as guerras relâmpagos. São rápidas, destrutivas e garantem a vitória.
9
O Afrika Korps foi uma força expedicionária para o Norte de África, a fim de proteger as tropas de Mussolini
de contra-ataques e também para expandir o seu território.
10
Wehrmacht, termo alemão que significa força de defesa. Nome dado às forças armadas da Alemanha Nazi.
Consistia no Heer (exército), Kriegsmarine (marinha de guerra) e Luftwaffe (força aérea).
11
Esquadrão da morte subordinado a Schutzstaffel (SS) na Alemanha Nazi, responsável por diversas execuções
em massa, primordialmente a tiros, durante a Segunda Guerra Mundial.
9

porque o lago da cidade havia congelado devido às temperaturas negativas e pode-se fazer
passar mantimentos para as pessoas que lá se encontravam presas e até resgatar algumas. Já
em relação a Moscovo, a única coisa que impediu os soldados nazis de avançarem foi a
extrema força de vontade por parte do exército comunista, pois, mesmo estando exausto, não
cedeu em nenhum momento. Essa de força de vontade foi tamanha que o general MacArthur
comentou: “Já participei numa série de guerras, observei outras, estudei pormenorizadamente
as campanhas dos notáveis chefes militares do passado. Mas em nenhuma parte vi uma
resistência tão eficaz, à qual se seguiu uma contraofensiva que fez recuar o inimigo. A
amplitude e o brilho desse esforço fazem dele o maior feito da história militar.”12.
Num primeiro momento, o exército nazi conseguiu, de facto, uma vitória contra os
soviéticos, no quadro da Operação Barbarrossa, mas não foi algo fácil e isto devido a alguns
fatores: a má preparação por parte da Alemanha para o clima de inverno extremamente
rigoroso da URSS e consequentemente os panzers que se tornaram inoperantes, a fraqueza
dos exércitos da Hungria, Croácia e Romênia. A Alemanha saiu desta primeira invasão
afetada pela exaustão, fome, frio e pela perca de uma grande quantidade de seu exército. A
operação terminou em 5 de dezembro de 1941, com baixas significativamente altas, de
ambos os lados.
Apesar de Hitler ter conseguido dominar uma vasta área, é a partir de 1941 que o
quadro de vitórias da Alemanha começa a ter o seu tempo contado, devido à entrada dos
EUA na guerra, por erro do Japão, país participante do Eixo, que atacou a base americana de
Pearl Harbor, fazendo o isolacionismo americano 13 ser rompido e também devido à derrota
alemã perante a Operação Tocha (julho de 1942 - maio de 1943), plano de contra-ataque
britânico. Outro sinal de que a Alemanha seria derrotada foi a Batalha de Estalinegrado, em
julho de 1942, em que a Wehrmacht sofreu uma notável derrota. Foi a maior batalha da 2ª
Guerra Mundial, contando com a perca de quase 2 milhões de soldados no total, porém as
baixas alemãs são de 600 a quase 850 mil mortos. As causas da derrota nazi foram quase as
mesmas da Operação Barbarossa (ataques soviéticos num movimento de “pinça” pelos
flancos fragilizados do Eixo e poucos mantimentos a nível de comida e munições), com a
adição da subestimação do poder comunista (Estaline soube preparar melhor as suas
estratégia e posicionar os seus soldados), e, por mais que o Führer tivesse imposto uma
ordem para que as suas tropas não recuassem sob qualquer circunstância (mesmo que se
encontrassem encurralados sem chance de defesa), os generais que fizeram parte da luta,
Friedrich Paulus e Walter Heitz, permitiram que o pouco restantes das suas tropas se
rendessem aos soviéticos e o conflito chegasse ao fim, em fevereiro de 1943.

1.3. O ESFORÇO DE GUERRA ALEMÃO E O TRABALHO FORÇADO


A Alemanha estabeleceu um forte sistema de trabalho forçado que ajudou bastante a
suportar a economia de guerra. Ao longo dos anos da guerra, sobretudo a partir de 1941, o
regime nacional-socialista foi responsável pela deportação de milhões de civis estrangeiros
dos países ocupados, os quais, a par dos prisioneiros de guerra e dos prisioneiros de guerra e

12
Grandes Batalhas da História Universal, Editora QuidNovi, Matosinhos, 2003.
13
Termo dado à neutralidade americana em que estes, por acreditarem que seria melhor não se importar com a
situação da Europa e assim proteger a sua economia e assegurar a sua estabilidade, não se envolveram na guerra,
ou pelo menos o pretendiam não fazer.
10

dos prisioneiros dos campos de concentração, foram utilizados como mão-de-obra escrava.
Estima-se que mais de 13 milhões de europeus foram deportados ou compelidos a emigrar
para o Reich, e cerca de 15 milhões foram obrigados a trabalhar, para o ocupante alemão, nos
seus próprios países.
Como dito anteriormente, a Alemanha sofreu pesadas derrotas e isso demandou um
esforço de guerra gigantesco, porém chegou a uma altura em que o déficit entre o número de
soldados para a economia de guerra e a agricultura era simplesmente visível demais para se
tornar um importante problema a combater.
Hitler decidiu então fazer algumas reformas, adotar novas medidas, criar novas
organizações e projetos, tais como a nomeação de Albert Speer14 como Ministro do
Armamento em 1942, a criação de uma organização para a mobilização de mão de obra,
sendo Fritz Saukelt15 o chefe, e realização de campanhas de propaganda, para atrair pessoas
de outros países para que estas fossem trabalhar na Alemanha ou nos países ocupados pela
mesma.
Agora basta aprofundar todas estas questões, mas antes ter em mente que o termo
“sistema concentracionário nazi” não significa que houvesse apenas um tipo de campo de
concentração, pelo contrário, havia vários e todos com as suas designações e diferenças.
Havia os campos de concentração focados na produção (localizados em Munique, por
exemplo), havia os de extermínio somente, sendo o de Auschwitz o mais conhecido, havia
aqueles destinados para pessoas com “comportamentos desviantes” (homossexuais, por
exemplo) e havia aqueles destinados aos prisioneiros de guerra (comunistas, opositores,
soldados dos aliados, etc.).
Começando pela imprescindível necessidade que os alemães tinham da força
produtiva, quer a nível agrícola quer industrial, para assegurar a vitória militar, Fritz Saukelt
vai apelar para diversos recursos, a começar pelas campanhas de angariação. Estas
propagandas baseavam-se em espalhar por diversos países que, se as pessoas fossem
trabalhar na indústria de guerra para a Alemanha, seriam muito bem pagas, receberiam férias
e instalações para morada, o que obviamente não condizia com a realidade, pois os
estrangeiros mal chegavam ao local de destino e não tinham mais a possibilidade de retorno
ou contato com as suas famílias, pois a grande maioria ia para o suposto trabalho sem
documentação e os que tinham passaporte foram barrados nas fronteiras com a justificativa
de que não era mais válido. Alguns famalicenses foram apanhados já nesta fase.
Esta propaganda de trabalho voluntário infelizmente rendeu pouco, ou pelo menos não
rendei o suficiente para o esforço de guerra da Alemanha, que vai recorrer ao STO (Serviço
de Trabalho Obrigatório), sistema criado em França e que se baseava na transferência ou
exigência de pessoas para o trabalho. Estas pessoas tinham a obrigatoriedade de trabalhar
para a Alemanha durante o tempo que fosse estipulado. Infelizmente, muitos portugueses
(famalicenses inclusos) estavam refugiados em França, após fugirem da guerra em Espanha e
foram forçadamente retirados e enviados diretamente para os postos de trabalho escravo.

14
Berthold Konrad Hermann Albert Speer foi o arquiteto e Ministro do Armamento da Alemanha .nazi.
15
Ernst Friedrich Christoph Sauckel foi o Plenipotenciário Geral para o Emprego de Trabalhadores do III Reich,
foi julgado e condenado a morte, por escravizar milhões de homens e meninos em contexto de trabalho forçado.
Sauckel negou todas as acusações até o momento de sua morte.
11

Saukelt recorre a outras duas táticas: a Relève, ou seja, a troca de trabalhadores


qualificados em retorno dos prisioneiros de guerra franceses; e a proposta para que as pessoas
pudessem integrar o exército alemão (acordo que seria cumprido, mas mais tarde estes novos
soldados recrutados seriam feitos prisioneiros, logo tornar-se-iam mão de obra para o esforço
de guerra).
Atualmente foram descobertos e documentados 331 portugueses: 300 nos staler, 67
em campos de concentração, 30 mortos nos campos de extermínio e 14 em prisões. Destes
331 documentados, 11 eram famalicenses, mas a investigação liderada pelo historiador
Fernando Rosas continua em aberto. Alguns relatos dos mesmos ainda sobreviveram,
contando como era o dia-a-dia nos campos16.

1.4. O QUOTIDIANO NOS CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO PELA VOZ DAS


VÍTIMAS: O RELATO DE LUIS FERREIRA
Luís Ferreira nasceu em 18/10/1902, em Braga, era filho de Lourenço e Joana
Ferreira. Era baixo, com 1,58 de altura, não tinha a arcada dentária completa e falava 3
línguas: português, francês e espanhol. Tinha sequelas da guerra civil de Espanha de 1938-39
e foi capturado como preso político em Buchenwald. Confiou toda a sua documentação à sua
sobrinha, Amélia Martins, que vive em Joane, Vila Nova de Famalicão.
Foi para a França e filiou-se no Partido Comunista Francês, segundo uma carta escrita
para a Amélia, em 1932. Luís, voluntariamente, alistou-se na guerra de Espanha, sem usar o
seu nome verdadeiro e sim um falso – Simon, mas fora preso na França em 1940, por ter se
juntado à Resistência Francesa, após a invasão do país na Drôle de Guerre, e da prisão de
Eysses foi deportado para Buchenwald, porém a sua deportação só vai acontecer em 1944.
Quando ocorre, Luís é colocado num comboio em Toulouse, com vários outros capturados e,
de entre estes, 4 eram portugueses, incluindo o famalicense Cândido Ferreira, de 22 anos.
Infelizmente Cândido não sobreviveu, mas consta na sua ficha que fora preso como
prisioneiro político.
Luís conta à sua filha por cartas, desde a sua chegada, acompanhada de uma foto, até
a forma como a fome era tão extrema que os seus colegas de cela caçaram um gato que
vagueava pelo campo e o comeram, mas na maior parte dos dias tudo o que se comia era pão
e sal. Também conta como inicialmente eram somente 5 pessoas para cada chalit (estrado),
mas que, depois, com a sobrelotação, eram 10 pessoas por estrado e que “eram como
sardinhas”. Conta também dos objetos como candeeiros feitos a partir de pele humana, sob a
demanda da esposa de um comandante, que, se caso visse um prisioneiro com a pele tatuada,
mandava matar e usar a mesma para objetos17.
A história de Luís não é única e entre os milhões de vítimas, certamente, há mais
portugueses por descobrir e mais pessoas de quem falta falar, de quem é preciso contar a sua
história. Luís Ferreira é a prova de que a 2ª Guerra Mundial não afetou somente os judeus,
16
Informação retirada da exposição “Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich e Os Famalicenses no
Sistema Concentracionário Nazi” na Casa do Território, em Vila Nova de Famalicão, dos cartazes distribuídos
pela mesma e da conferência do historiador Fernando Rosas, realizada na Escola Secundária Camilo Castelo
Branco, em novembro de 2021.
17
Elaborado com base em Revista PÚBLICO, A História Nunca Antes Contada dos Portugueses nos Campos
de Concentração, 2014. A história nunca contada dos portugueses nos campos de concentração - PÚBLICO
(publico.pt)
12

como se costuma pensar. É a prova que foi construído um discurso oficial sobre Portugal e a
guerra, que é preciso desconstruir e levar ao público, aos estudantes e, para mim, foi uma
honra e uma emoção muito forte tomar contacto com estas realidades, sendo eu uma jovem
com um passado no Brasil e um presente em Portugal, mas que desconhecia totalmente este
envolvimento.
Na verdade, nós temos um envolvimento muito maior do que pensamos e muito
provavelmente em cada uma de nossas famílias há algum parente esquecido na passagem do
tempo e que certamente foi vítima da crueldade do nazismo. Mesmo que os laços de sangue
não nos unam diretamente a esses portugueses, temos um dever de memória e homenagem.
Lidando com estas histórias de vida, ganhamos uma consciência e uma sensibilidades novas
para lutar pela dignidade humana, resgatando a memória dos esquecidos, lutando pelos
direitos daqueles que, nos tempos presentes, sofrem os mais indignos ataques à sua condição
humana. Como diz Fernando Rosas: “(…) A memória até há poucos anos desconhecida dos
portugueses e portuguesas vítimas do sistema concentracionário da Alemanha Nazi, não é só
história passada. Convoca também nos preocupantes dias de hoje o debate cidadão sobre os
sentidos do presente e as incertezas do futuro e fazer essa ponte é igualmente tarefa dos
historiadores e investigadores das ciências sociais.”18.

1.5. PRIMO LEVI: “ASSIM FOI AUCSHWITZ: TESTEMUNHOS 1945-1986” – DOIS


BREVES RELATOS
Primo Levi (31/07/1919-11/04/1987) foi um importante escritor e químico italiano.
Vítima das políticas antissemitas de Hitler, foi mandado para o campo de concentração de
Auschwitz em 1944, com mais 650 judeus no comboio, entre os quais, segundo Primo Levi,
“(…) o mais velho passava dos 80 anos, o mais novo tinha 3 meses de idade (…).” 19. Do que
Levi relata, as condições de trabalho forçado eram execráveis: não havia proteção seja de que
tipo fosse em relação as pessoas encarregues da indústria química (mesmo que houvesse
descamação da pele que dificultava o trabalho devido a dor, o trabalho era sempre contínuo
pelos próximos 20 dias) e quando não da indústria química, e sim da indústria num geral,
havia sempre fraturas e, no mínimo, luxações; desmaiar de exaustão era bem frequente e,
para esses casos, a solução era chicotear a pessoa em questão até que a mesma reagisse, em
caso positivo então era posta novamente no seu local de trabalho, em caso negativo, o corpo
era levado para o crematório; a única condição para que houvesse descanso era quando a
jornada de trabalho chegava ao fim ou quando havia alguma complicação de saúde que
implicasse a impossibilidade de trabalhar e então se podia ter alguns dias de descanso, mas
recebendo alta da enfermaria, estando a ferida aberta, mal curada ou algo parecido, o
indivíduo era obrigado a trabalhar novamente.
Segundo Leonardo de Benedetti, prisioneiro do campo de concentração de Monowitz,
é dito o seguinte: “Monowitz não era um Vernichtungslager, isto é, um campo onde os
deportados ficavam poucos dias, ao cabo dos quais eram barbaramente trucidados com
fuzilamentos em massa ou com gás; era um Arbeitslager, ou seja, um campo de trabalho

18
Fernando Rosas, Ansgar Shchaefer, António Carvalho, Cláudia Ninhos e Cristina Clímaco, O Essencial Sobre
Os Portugueses no Sistema Concentracionário do III Reich, Imprensa Nacional Casa da Moeda, s.d.
19
Primo Levi e Leonardo Benedetti, Assim Foi Auschwitz: Testemunhos 1945-1986, Objetiva, 2015.
13

forçado, no qual a destruição dos judeus era confiada às condições de vida impossíveis, à
alimentação insuficiente, aos esforços sobre-humanos, às poucas defesas contra as
intempéries e os rigores das estações; como complemento, os que não morriam de doença,
mas chegavam a um ponto de exaustão física em que não eram mais capazes de executar os
trabalhos impostos, eram liquidados nas câmaras de gás. (…) Além disso, desde os primeiros
dias no campo, éramos obrigados a executar, sem um período razoável de treinamento,
trabalhos variados para os quais ninguém tinha experiência suficiente nem preparo físico
adequado.”20. Não obstante o trabalho desumano a que eram submetidos, sempre de força
braçal com pouca energia, devido à escassez de alimentos, havia também as chamadas
“Seleções”, que consistiam em separar para a câmara de gás os grupos de pessoas que já não
eram aptas para o trabalho.

CONCLUSÃO
Fazer este trabalho despertou-me uma consciência humana e histórica sobre o que foi
o III Reich e as medidas desumanas que Adolf Hitler tentou a todo o custo realizar em prol de
uma ideia longe do real e do perfeito. Questionei-me sobre a minha família, sobre mim
mesma, sobre a sociedade em que estou inserida e o meu lugar nela e me fez ter a certeza do
que eu, assim como a maioria de nós, tentamos sempre ignorar ou empurramos para o fundo
do nosso inconsciente, talvez porque “não foi connosco” ou talvez porque não nos
importamos o suficiente até vermos por nós próprios o impacto a nível social, histórico,
cultural e emocional: não podemos esquecer o que foi esta época extremamente desumana na
nossa história. Não falo isto num tom pacifista e positivista, mas sim de tristeza e deceção,
por saber que se todos nós não tivéssemos memória, tudo isto aconteceria de novo e mais
famílias teriam a sua história e linhagem interrompida. Uma nação sem memória não existe e
nós, como seres coletivos, fazemos parte da história uns dos outros.
Em jeito de conclusão e utilizando um excerto do livro antes mencionado de Primo
Levi: “Compreendemos, mas não poderíamos aprovar, os professores que ‘suspiram e dizem
infelizmente’. São homens, como nós, e como os autores e os responsáveis pelas carnificinas:
não é estranho que muitos, mesmo inocentes, sintam vergonha diante dos fatos e prefiram o
silêncio. Mas o silêncio, nesse caso, é um erro, quase um crime: o próprio sucesso
(inesperado) da exposição confirma-o. Apesar de tudo, anseia-se pela verdade: portanto, ela
não deve ser ocultada. A vergonha e o silêncio dos inocentes podem mascarar o silêncio
culpado dos responsáveis, podem adiar e evitar o juízo histórico sobre eles. Eu também
espero que o pai da leitora seja inocente, e é bem provável que o seja, pois na Itália as coisas
se desenvolveram de outra maneira. Mas a exposição não foi dedicada aos pais, e sim aos
filhos, e aos filhos dos filhos, com a finalidade de demonstrar as reservas de perversidade que
jazem no fundo do espírito humano e os perigos que ameaçam, tanto hoje como ontem, nossa
civilização.”21.

20
Primo Levi e Leonardo Benedetti, ob. cit
21
Primo Levi e Leonardo Benedetti, ob. cit.
14

BIBLIOGRAFIA
- De Famalicão para o Mundo: contributos da História Local, “Trabalhadores Forçados
Portugueses no III Reich e os Famalicenses no sistema concentracionário Nazi”,
http://www.famalicaoeducativo.pt/_de_famalicao_para_o_mundo_contributos_da_historia_l
ocal
- Exposição “Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich e Os Famalicenses no Sistema
Concentracionário Nazi” Casa do Território, Vila Nova de Famalicão.
- La Relève, https://prisonniers-de-guerre.fr/
- Levi, Primo, Benedetti, Leonardo, Assim Foi Auschwitz: Testemunhos 1945-1986, Objetiva,
2015.
- Revista PÚBLICO, A História Nunca Antes Contada dos Portugueses nos Campos de
Concentração, 2014. ssuu.com/ucd25/docs/publico_revista-20140622e29.
- Rosas, Fernando, Shchaefer, Ansgar, Carvalho, António, Ninhos, Cláudia e Clímaco,
Cristina, O Essencial Sobre Os Portugueses no Sistema Concentracionário do III Reich,
Imprensa Nacional Casa da Moeda, s.d.
- “II Encontro – De Famalicão para o Mundo: Migrações e trabalho forçado em contexto de
guerra”, Casa das Artes, 24 e 25.09.2021.
- “Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich e os Famalicenses no sistema
concentracionário Nazi”, ESCCB, 22.10.2021.
15

2. A ORGANIZAÇÃO TODT
Ana Correia
2.1. HISTÓRIA DA ORGANIZAÇÃO
Depois de Hitler assumir o controlo da Alemanha, em 1933, começou a fazer vários
planos de construções civis, para todo o país. Para a concretização desses planos, o
governante precisava de uma organização em que pudesse depositar toda a sua confiança, por
isso entregou o comando dos seus planos a Fritz Todt, um engenheiro civil alemão. Todas as
grandes obras alemãs passavam a ser construídas sobre a observação de Todt que, em 1938,
foi promovido ao posto de comissário para a regulamentação da indústria da construção, o
que lhe permitiu controlar todas as obras públicas e militares que aconteciam na Alemanha,
passando a organização, neste ano, a ser conhecida e batizada por Hitler como “Organização
Todt”.
Quando Hitler se estava a preparar para invadir a Polónia, entregou a tarefa de
construir grandes infraestruturas à organização de Fritz Todt, que realizou muitas
construções, como foi o exemplo da expansão das ferrovias do leste alemão para o apoio de
tropas, munições e veículos para a fronteira da Alemanha, enquanto, ao mesmo tempo,
construía na fronteira com a França grandes fortificações defensivas.
Quando a Alemanha invadiu a Polónia em setembro de 1939, a organização Todt
estava totalmente focada em construções de carácter militar e, por isso, empenhou-se em
construir estruturas defensivas, como bunkers e bases para a instalação de grandes peças de
artilharia. Em 1940, Todt foi nomeado Ministro dos Armamentos e Munições e, por isso,
passou a deter o poder total sobre a economia militar alemã.
Durante a guerra com a União Soviética, Hitler ordenou à TO a missão de construir a
“Muralha do Atlântico”. Para a realização desta obra, a organização TODT usava a
subcontratação de empresas locais para a realização das obras, de modo que a organização
apenas supervisionava e orientava o trabalho que estava a ser feito. No que toca às empresas
locais subcontratadas, se estas não cumprissem com o prazo estipulado, eram multadas ou
estatizadas pela Alemanha. Nessa época, a TO usava, em praticamente todos os seus
trabalhos, mão de obra escrava, principalmente jovens retirados de outros países ou então
prisioneiros de guerra de várias nacionalidades, soviéticos, polacos e de outros países da
Europa de Leste, republicanos espanhóis, antifascistas italianos, alemães, comunistas e até
judeus. Mas, também muitos dos seus trabalhadores chegavam à organização TODT de forma
voluntária, muitos provenientes da França, Bélgica, Holanda e até mesmo da Alemanha.
Queriam trabalhar na construção, pois o trabalho na Alemanha prometia muito boas
condições e um salário elevado, o que acabava depois por não acontecer, quando os
trabalhadores lá estavam.
Em 1942, Todt embarcou num avião com destino a Berlim que, mais tarde, explodiu,
acabando por matar o ministro. Quem ascendeu e substituiu Todt foi Albert Speer e era ele
quem tornava reais todos os pedidos arquitetónicos de Hitler.
Em 1944, com bombardeamentos diários sobre as principais áreas industriais alemãs,
Speer foi capaz de bater recordes na produção de munições e de veículos pesados e
blindados, graças a uma extensa força de trabalho escravo que atingiu a marca de quase um
16

milhão e meio de prisioneiros. A partir de 1943, a organização TODT focou-se na construção


de bunkers e de fábricas e linhas de montagem subterrâneas para as pessoas fugirem dos
bombardeamentos na superfície. É importante também referir que a organização TODT
também foi responsável pela construção de todos os campos de concentração e extermínio da
Alemanha.
Através destes trabalhos na organização TODT, muitos trabalhadores escravos
acabaram por morrer, no entanto, o número de mortos não é conhecido ao certo, mas sabe-se
que, apenas na construção da “Estrada de Sangue”, na Noruega, entre 1940 e 1944, cerca de
10 mil pessoas, principalmente prisioneiros de guerra, trabalharam até à morte em condições
precárias sem qualquer tipo de regalias ou direitos. Com base em algumas fontes, estimula-se
que, desde 1940, quando a TO começou a empregar mão de obra escrava e até ao final da
guerra em 1945, cerca de 250 mil pessoas morreram.

Figura 4: Trabalhadores Forçados contratados pela


TO 22

Figura 3: Fritz Todt a ver planos de uma nova construção1

2.2. RECRUTAMENTO PARA A TO


A organização TODT era conhecida por usar trabalhadores escravos e forçados,
porém esta não era a única forma que usava para recrutar trabalhadores. De 1933 a 1938, a
organização usava mão de obra alemã recrutada no país por meio do Serviço de Trabalho do
Reich, esta era uma organização que funcionava como uma agência e ajudava a combater os
efeitos do desemprego na economia alemã, recrutando força de trabalho, que ensinava de
acordo com os ideais nazis. Esta agência contratava tanto homens como, mais tarde, passou a
contratar também mulheres. De 1938 a 1942, depois da Organização TODT ter sido

22
Imagens retiradas de Blaine Taylor, Hitler's Engineers Fritz Todt and Albert Speer - Master Builders of the
Third Reich, Casemate Publishers, 2010.
17

oficialmente reconhecida por Hitler e ter começado a trabalhar na frente oriental, o trabalho
era cada vez mais e não havia trabalhadores suficientes, por isso, houve uma grande
reorganização das leis relacionadas com o trabalho obrigatório. Começaram a ser recrutados
trabalhadores por faixas etárias, estes eram apanhados de surpresa por raides dos serviços de
mobilização e acabavam a trabalhar na Alemanha, muitos deles na OT. A partir de 1941,
Alfred Rosenberg23 obrigava todos os homens até aos 65 anos de idade, e as mulheres entre
os 15 e os 45, a prestarem trabalho na economia do III Reich, substituindo muitos dos
alemães que tinham ido para a guerra. De 1940 a 1942, a OT começou a depender de
trabalhadores voluntários, estes eram normalmente contratados pelas agências estatais de
recrutamento e, muitas vezes, acabavam por ser enganados pela suposta oferta de boas
condições e bons salários na Alemanha, o que não se concretizava, porque muitos deles
transformavam-se em trabalhadores forçados e não conseguiam mais voltar para o seu país. A
OT, para além dos trabalhadores voluntários, dependia também de trabalhadores civis,
trabalhadores prisioneiros de guerra e também recrutava entre Grupos de Trabalhadores
Estrangeiros (GTE), que eram unidades de trabalhadores criadas pelo governo de Vichy, em
1940 ,e formadas principalmente por refugiados da Guerra Civil de Espanha, mas também
por outros estrangeiros em situação ilegal ou então desempregados.
A partir de 1942 e até ao final da guerra, a TO tinha ao seu dispor aproximadamente
1,4 milhões de trabalhadores, constituídos por alemães que tinham sido rejeitados no serviço
militar, prisioneiros dos campos de concentração, prisioneiros de guerra e trabalhadores
vindos dos países ocupados pela Alemanha. Devido às condições precárias, muitos destes
trabalhadores não aguentavam e acabavam por morrer.
Uma vítima dos maus-tratos da Organização Todt foi Arie P. que deu o seu
testemunho no livro “Builders of the Third Reich: The Organisation TODT and Nazi Forced
Labour”, de Charles Dick. Este rapaz judeu de apenas 13 anos estava no campo de
concentração de Auschwitz quando foi selecionado para trabalho forçado junto com o seu
irmão Itzhak. No campo VII de Kaufering em Munique, onde Arie se encontrava, a violência
era rotina e as execuções também não eram raras. Arie fazia trabalhos de transporte de
materiais para as construções, como areia ou cimento, que chegavam a pesar cinquenta
quilos, mas os prisioneiros não se dedicavam apenas a um trabalho, fazendo todo o tipo de
tarefas que lhes eram ordenadas. A violência dos guardas dos campos acontecia de todas as
formas e nem este judeu conseguiu escapar, inclusive perdeu a audição de um ouvido e ficou
com muitas dificuldades na sua visão devido a um episódio de agressão por parte dos
guardas.
No seu testemunho, Arie conta como eram os seus dias no campo da Organização
TODT “Por vezes arranjava forma de os enganar porque já não tinha força no corpo.
Carregava um saco de cimento e enchia-o com outros sacos vazios, carregando-o às costas.
Fazia isto muitas vezes para conseguir ter algum descanso. (…) Era muito difícil. Não
tomávamos banho nem mudávamos as nossas roupas.”24
23
Alfred Rosenberg foi um membro (político) do Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores da Alemanha,
que substituiu Hitler no partido, enquanto este estava preso em 1923. Para além disso, foi uma das principais
figuras do antissemitismo.
24
Testemunho de Arie P., em Charles Dick, Builders of the Third Reich: The Organisation TODT and Nazi
Forced Labour de, capítulo 3 “Slave labourers under the Organisation Todt”, pp. 157 e 158, tradução de Ana
Correia.
18

Quando a guerra acabou, toda a força de trabalho alemã recrutada que estava
disponível foi desviada para unidades militares e organizações de apoio militar direto.

Figura 5: Trabalhadores da TO, na construção da Muralha do Atlântico em 194025

2.3. PORTUGUESES NA TO
Por motivos políticos, porque se voluntariaram ou porque estavam no sítio errado na
hora errada, muitos portugueses acabaram por ser vítimas de trabalhos forçados na Alemanha
nazi, durante a II Guerra Mundial. Estão identificados cerca de mil portugueses26, mas
poderão ter sido mais. Alguns destes portugueses estavam em campos de concentração, mas a
maioria deles eram trabalhadores civis expulsos do seu país de origem, que foram obrigados a
trabalhar nos campos e em outras “organizações” alemãs.
A Organização TODT foi um dos corpos para o qual muitos trabalhadores forçados
iam trabalhar. Vejamos o caso de Manuel Francisco. Este português, no início de 1944,
quando tinha 48 anos e vivia na periferia de Paris, foi detido pela polícia francesa e entregue
às autoridades alemãs. Este não foi sozinho, foi acompanhado por outros franceses e enviado
para um Campo Penal da TO, em Cherbourg, na zona de acesso restrito da costa francesa.
Esta estava militarizada, para evitar uma invasão dos Aliados, o que acabou por acontecer em
1944. Os campos penais tinham, por norma, educar e doutrinar os detidos. Os reclusos, na
maior parte franceses e espanhóis, eram forçados a trabalhar e não recebiam qualquer tipo de
salário. Para além disso, eram também submetidos a torturas. Quanto a Manuel Francisco,
quando o cônsul português em Paris teve conhecimento da situação deste, protestou com as
autoridades alemãs, o que fez com que estas declarassem rapidamente a libertação do
português. No entanto, quando a informação de que estava liberto foi comunicada a Manuel
Francisco pelo diretor do campo, na manhã seguinte, o português foi encontrado morto na sua
cama. Por Portugal manter uma posição neutra face a toda a situação que se estava a passar
durante a II Guerra Mundial e tendo em conta que tinha um bom relacionamento com o
governo do III Reich, foi aberto um inquérito para investigar o sucedido, mas o resultado
nunca foi revelado27.
25
Imagem retirada do site https://www.mediapart.fr/
26
Terão sido cerca de 1000 trabalhadores, segundo um artigo retirado do Diário de Notícias.
27
Toda a informação sobre este português encontra-se no catálogo da exposição da Casa do Território
"Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich e Os Famalicenses no Sistema Concentracionário Nazi".
19

Um outro caso é o dos mergulhadores da cidade do Porto. Assim, para além deste
português envolvido em questões relativas à Organização TODT, a TO também recrutou em
Portugal mediante intermediários. Assim, a empresa alemã Friedrich Flohr, que se ocupava
dos trabalhos de remoção do navio Orania, afundado em 1934 na Foz do Douro, contratou
onze dos seus mergulhadores, dos quais 10 eram portugueses, para trabalharem na Europa,
estes ficaram conhecidos como "Os Mergulhadores da cidade do Porto". No final de setembro
de 1940, o grupo foi para Irun e a partir dessa altura nunca mais foi visto. Algumas das
hipóteses colocadas é que este grupo poderá ter viajado para a Alemanha ou poderá ter
permanecido em França, onde os alemães construíram cinco grandes bases, para proteger os
seus submarinos e a impotente linha de defesa conhecida por "Muralha do Atlântico"28.
CONCLUSÃO
Através deste trabalho, ficamos a conhecer mais sobre a Organização Todt e que esta
não era apenas uma organização civil, mas uma organização que maltratava e torturava os
seus trabalhadores, assim como usava mão de obra escrava, causando muita dor e sofrimento
às vítimas e suas famílias, e a morte de milhares de trabalhadores. Além do mais, é muito
importante perceber que, apesar do que a maior parte das pessoas pensam, Portugal também
esteve envolvido com esta organização e também lá estiveram presentes trabalhadores
portugueses que foram forçados a trabalhar e que sofreram até ao fim das suas vidas.
Por último, é importante mencionar que o facto de estes acontecimentos todos se
terem passado há muitos anos, não nos permite esquecer todas as vítimas e todas as mortes
que ocorreram na Alemanha nazi, pois esquecer é negar a homenagem que estas pessoas
merecem e que esta ditadura alguma vez existiu, por isso, precisamos de nos lembrar de todos
estes factos para que a história não se volte a repetir, nunca.

BIBLIOGRAFIA
- Dick, Charles, Builders of the Third Reich: The Organisation TODT and Nazi Forced
Labour, Bloomsbury Publishing.
- Exposição “Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich e os Famalicenses no Sistema
Concentracionário Nazi”, Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e Instituto de
História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova
de Lisboa, Casa do Território, Vila Nova de Famalicão.
- Fixer, String, “Organização Todt”, https://stringfixer.com/pt/Todt_organisation
[consultado a 30/11/2021].
- Francisco, Suzete, “Portugueses em trabalho forçado na Alemanha nazi: uma história por
contar”, Diário de Notícias, https://www.dn.pt/edicao-do-dia/15-ago-2020/portugueses-em-
trabalho-forcado-na-alemanha-nazi-uma-historia-por-contar-12524244.html [consultado a
1/12/2021].
- Rosas, Fernando et al. “O essencial sobre os portugueses no Sistema Concentracionário do
III Reich”, Imprensa Nacional, s/d.

28
Idem.
20

- Taylor, Blaine, Hitler's Engineers: Fritz Todt and Albert Speer - Master Builders of the
Third Reich, Casemate Pub, 2010.
- Vídeo “Organizações Todt- Os construtores do 3º Reich”
https://www.youtube.com/watch?
v=Uo8fMHDhTZY&ab_channel=HojenaSegundaGuerraMundial [consultado a 28/11/2021].
21

CAPÍTULO II
AS VÍTIMAS PORTUGUESAS DA BARBÁRIE NAZI
22

1. OS PORTUGUESES NO TRABALHO FORÇADO DO III REICH

Sara Pereira, Inês Gonçalves,


INTRODUÇÃO
Durante a II Guerra Mundial, a Alemanha Nazi beneficiou da mão de obra escrava,
nacional e estrangeira, para manter a sua poderosa economia de guerra. Através de uma vasta
rede de trabalho forçado, milhões de civis viram-se compelidos a servir os propósitos bélicos
do III Reich. Apenas nos últimos anos é que este tema chamou a atenção de diversas equipas
de historiadores e investigadores, nomeadamente a portuguesa, liderada pelo professor
Fernando Rosas com a Equipa de Investigação de História Contemporânea da Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, que procuram dar nomes a
todos mortos contabilizados neste processo esquecido e que afetou indireta, mas
profundamente, a vida de muitas famílias que até hoje procuram respostas.
Esta investigação internacional foca-se em descobrir os emigrantes portugueses que
possam ter sido apanhados nas complexas redes de campos de concentração, as causas da sua
“captura” e todos os detalhes possíveis com os quais o Estado Novo, com a sua política de
ocultação, não se tenha importado ou deliberadamente escondido, trazendo também um novo
olhar sobre a neutralidade/envolvimento português na Segunda Guerra Mundial.
A grande pergunta por detrás de todo este trabalho é porquê e como os portugueses
foram parar às mãos alemãs durante a Guerra? Podemos dividir a sua condição em voluntária,
numa primeira instância, e, mais tarde, forçada e os modos de como foram lá parar divergem
desde ofertas diretas de empresas alemãs, até capturas e aprisionamentos por envolvimentos
em grupos revolucionários e antirregime29.

1.1. PORTUGUESES VINDOS DA FRANÇA


Regressemos a 1930, onde, no início da década, a maior parte dos emigrantes
portugueses se localizava em França, devido não só à crise económica como ao aumento do
desemprego. Com a inexistência de um acordo de reciprocidade entre Portugal e a França, os
portugueses encontravam-se numa situação não muito favorável, vindo mais tarde levar a um
aumento do desemprego.
No Verão de 1939, o desemprego era particularmente elevado entre os portugueses.
Com o início da II Guerra Mundial e a mobilização dos franceses, a França viu-se obrigada a
aumentar o recrutamento da mão de obra estrangeira, logo o desemprego português diminuiu.
Com a vitória da Alemanha sobre a França, a primeira utiliza o território conquistado
como fonte de mão de obra para satisfazer os seus interesses militares. Num primeiro
momento, eram enviados agentes recrutadores de empresas alemãs, que descrevem e

29
A informação deste trabalho foi retirada da Exposição “Trabalhadores Forçados Portugueses no III
Reich e os Famalicenses no Sistema Concentracionário Nazi”, Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e
Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa, Casa do Território, Vila Nova de Famalicão.
23

prometem condições de trabalho que não existem, ludibriando muitos portugueses a partir
para a Alemanha e, uma vez ao serviço do Reich, foram forçados a permanecer nele.
Em França, dada a falta de trabalhadores voluntários para o Reich, a Alemanha impôs
progressivamente medidas de recrutamento forçado. O procedimento das autoridades alemãs
evoluiu para formas diversas de intimidação, nomeadamente através da convocação dos
desempregados para o trabalho na Alemanha, de tal ordem que, no Verão de 1941, o Legado
de França em Lisboa pediu autorização ao Ministério Negócios Estrangeiros (MNE)
português para que uma missão viajasse até Portugal para recrutar trabalhadores ao abrigo do
Acordo de Emigração assinado entre os dois países.
A França é a principal fonte de recrutamento forçado, com a colaboração do regime
de Vichy, fizeram-se acordos com o regime alemão, como o da Relève, que se baseia na troca
de trabalhadores especializados de França por prisioneiros de guerra franceses, onde muitos
portugueses foram enviados no seu lugar, e outro como o do “Serviço de Trabalho
Obrigatório”, baseado na mobilização coerciva de homens e mulheres por classes etárias, que
tinham a obrigação de cumprir 2 anos de serviço militar.
Os emigrantes portugueses em França, apesar do estatuto neutral de Portugal, foram
também obrigados pelas autoridades francesas e alemãs a trabalhar para III Reich, na
Alemanha ou em França, no âmbito da Relève, do Serviço do Trabalho Obrigatório (STO) ou
da Organização Todt (OT), uma organização operária de construção civil alemã. Aqueles que
se recusavam, enfrentavam elevadas punições, o que levou muitos a se juntar à Resistência
Francesa, onde trabalhavam infiltrados para extrair informação dos exércitos alemães e
comunicar aos Aliados. Eram apanhados e torturados como forma de confessar o paradeiro de
outros membros.

1.2. PRISIONEIROS DA GUERRA CIVIL ESPANHOLA


A queda da Catalunha na ditadura de Francisco Franco, em inícios de 1939, levou
quase meio milhão de pessoas ao exílio. Numa retirada através dos Pirenéus, encontravam-se
centenas de portugueses, emigrantes há longos anos em Espanha, combatentes voluntários do
Exército Republicano e alguns membros das Brigadas Internacionais.
Em França, estes refugiados foram reunidos em campos improvisados nas praias do
sudoeste do país. O grupo português era constituído por cerca de 500 pessoas,
maioritariamente de tendência anarquista. Em abril, foram enviados para o sector
internacional do campo de Gurs e as mulheres e crianças encaminhadas para abrigos. Apesar
de a maioria ter regressado Portugal, alguns portugueses ainda se encontravam nos campos
quando a Alemanha invadiu e ocupou a França.

1.3. TRABALHADORES FORÇADOS NA ALEMANHA


Antes da necessidade excessiva de mão de obra, por volta de 1942, a Alemanha oferecia
boas condições de trabalho a estrangeiros, incluindo portugueses, que quisessem trabalhar
voluntariamente e dispunha de centros de recrutamento para tal, mas apenas com os países
com quem mantivesse acordos de trabalho. Portugal não era um deles, por isso, os
portugueses interessados dirigiam-se aos centros de recrutamento espanhóis ou franceses
(segundo dados alemães, cerca de 400 portugueses estavam registados com contratos de
24

trabalho na Alemanha). Mas, como o acordo de trabalho não existia diretamente entre os dois
países, os portugueses não tinham passaporte, tendo muitas dificuldades quando queriam sair.
As campanhas de informação e propaganda eram o melhor método de recrutamento
voluntário. A propaganda alemã insiste no salário elevado, nas vantagens sociais, férias
pagas, subsídios. Os métodos revelam um progressivo recurso à coerção, num recrutamento
que aposta no voluntariado. As autoridades alemãs começam por organizar sessões de
informação, passando em seguida à convocação dos desempregados para estas sessões,
acabando por utilizar métodos de intimidação e de coerção.
Muitos emigrantes portugueses em França decidiram, por isso, partir para a Alemanha.
Embora em número reduzido, alguns dos portugueses que permaneciam internados nos
campos franceses desde o final da Guerra Civil de Espanha, optaram por trabalhar
voluntariamente na Alemanha como forma de saírem dos campos. No entanto, a maioria
destes refugiados acabou por solicitar o repatriamento junto dos consulados.
Os portugueses também tiveram a possibilidade de se inscrever para trabalhar na
Alemanha nos escritórios de recrutamento abertos em Espanha. Esta havia assinado um
acordo de emigração com a Alemanha no Verão de 1941. Um dos escritórios de recrutamento
usado pelos portugueses foi o de Vigo, onde se misturavam com outros espanhóis, o que lhes
trazia problemas quando pretendiam repatriar e receber proteção do consolado português
(esta troca de nacionalidade torna mais difícil o processo da investigação).
Com o início da viragem da guerra contra o lado germânico, o governo alemão
desenvolve uma nova política económica de guerra e de mão de obra para aguentar o esforço
da guerra. Em março de 1942, Hitler nomeia Fritz Sauckel como plenipotenciário para a
mobilização do trabalho, ficando conhecido pelas suas brigadas de “arrebanhamento” brutal
responsáveis por adquirir mão de obra industrial pela força. Outra medida é uma imposta pelo
então Reichsführer da SS Heinrich Himmler, que ordena que todos os internados nos campos
de concentração passem a trabalhar na indústria de armamento.
Os primeiros trabalhadores voluntários começam a ser impedidos de abandonar os seus
postos e regressar aos países de origem. No caso dos emigrantes portugueses em França, as
autoridades alemãs, que lhes tinham fornecido um passaporte e os tinham deixado entrar sem
dificuldade, opunham-se agora à sua saída. Desta forma, os trabalhadores voluntários, a partir
de certa altura, são transformados em trabalhadores forçados, conhecendo uma drástica
degradação das condições de vida e do alojamento. Mesmo sendo voluntários e contratados,
os trabalhadores estrangeiros não podiam viver em casa de alemães ou conviver com eles,
não podiam frequentar centros de saúde, igrejas ou transportes e estavam confinados a
camaratas e espaços próprios vigiados, ainda que tivessem liberdade de circulação. Estavam
permanentemente sujeitos a prisões, castigos públicos para os recalcitrantes e, até, à
deportação para campos de concentração em caso de mandriagem ou, pior ainda, de
sabotagem.
O trabalho escravo era outra forma de garantir mão de obra, e consistia na mobilização
dos presos dos campos e subcampos de concentração para a indústria de armamento. As SS
vendiam escravos, que incluíam presos políticos antinazis, elementos antissociais como os
homossexuais, reféns de todo o tipo, judeus, testemunhas de jeová que se recusavam a
combater, ciganos, presos comuns e trabalhadores emigrantes castigados, às empresas a
preços mínimos. Além dos campos das SS, havia ainda campos de concentração russos e
25

polacos, que eram também mobilizados. Até à data, foram encontrados 67 portugueses em
campos de concentração do Reich.
Outra modalidade de recrutamento de mão de obra é feita com os Stalag, campos de
prisioneiros de guerra apenas no ocidente da Europa, com condições melhores que os normais
campos de concentração. Foram encontrados 300 portugueses nos Stalag, chegando lá por
serem alistados na Legião Estrangeira Francesa e nos regimentos de marcha voluntários
criados pelo governo francês, que depois de derrotados são capturados.

CONCLUSÃO
Em 1939, a maioria dos emigrantes portugueses em França tinha-se voluntariado para
trabalhar na Alemanha, através dos centros de recrutamento, como já acima mencionado. Já
em 1942, quando esses trabalhadores voluntários passam a obrigatórios, as condições de
trabalho antes prometidas pelos alemães não são cumpridas. Os portugueses são impedidos
de sair, dado que não possuem passaporte (pela inexistência do tal acordo de trabalho entre os
países) e, presos na Alemanha, passam a ser trabalhadores forçados. Também durante esse
ano, muitos são apanhados em França pela Relève e no “Serviço de Trabalho Obrigatório”.
Para além do voluntariado, os emigrantes portugueses também eram capturados por serem
refugiados da guerra civil de Espanha que combateram do lado republicano, fugiram ao
regime franquista, sendo depois internados em campos no sul da França. Com a invasão
alemã, são presos e diretamente transferidos para os campos de concentração. Outra situação
recorrente era a de cidadãos presos pelas autoridades por resistência ao regime alemão, que
eram enviados para os campos.
Durante todos os acontecimentos, o Estado Novo mostrou-se indiferente ao que estava a
acontecer aos emigrantes portugueses, sem ter desenvolvido nenhum tipo de iniciativa ou
método de proteção a estes trabalhadores forçados.
Todos os dados que esta investigação recolheu, até ao presente, são provisórios e
conservadores, pelo facto de muitos portugueses terem sido registados com derivações dos
nomes nos países em que residiam, dificultando a pesquisa pela sua extensão.

BIBLIOGRAFIA
- Dossier de Fontes Historiográficas “Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich - Os
Famalicenses no Sistema Concentracionário Nazi (1939-1945”, Programa de Famalicão para
o
Mundo,http://www.famalicaoeducativo.pt/_de_famalicao_para_o_mundo_contributos_da_his
toria_local
- O-Essencial-Sobre-Os-Portugueses-no-Sistema-Concentracionario-do-III-Reich, coord. de
Fernando Rosas, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2021,
https://imprensanacional.pt/wp-content/uploads/2021/06/O-Essencial-Sobre-Os-Portugueses-
no-Sistema-Concentracionario-do-III-Reich.pdf
- Exposição “Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich e os Famalicenses no Sistema
Concentracionário Nazi”, Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e Instituto de
26

História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova


de Lisboa, Casa do Território, Vila Nova de Famalicão.
27

2. OS CAMINHOS DE OPERÁRIOS PORTUGUESES ATRAVÉS DO ARQUIVO


MAITRON
Filipa Araújo Silva

INTRODUÇÃO
Em sala de aula, a professora explorou connosco o documento “Imigração portuguesa
em França e os caminhos da deportação”, da autoria da Dra. Cristina Clímaco. Nesse
documento, estavam apresentados diversos tópicos que poderíamos desenvolver nesta fase do
projeto dedicada à investigação e, de entre esses tópicos houve um que se destacou e chamou
a minha especial atenção, e, quando fui ver os recursos disponíveis, deparei-me com o
website francês maitron.
Le Maitron é um conjunto de documentação com foco no movimento operário, que foi
compilado por Jean Maitron e pelo seu sucessor Claude Pennetier. Jean Maitron foi um
historiador francês especializado no movimento operário e um pioneiro nestes estudos na
França, introduzindo-o na Universidade, à qual deu os arquivos que compilou desde 1949
como base, criando o Centre d’histoire du syndicalisme. Porém, Jean Maitron é mais
reconhecido pelo Dictionnaire biographique du mouvement ouvrier français, que foi
adaptado para o website que utilizei nesta pesquisa. Este dicionário biográfico conta com
mais de 103 000 entradas de vários países e de derivadas épocas históricas, incluindo a
Segunda Guerra Mundial e a Resistência França, então, eu decidi procurar nele vítimas
portuguesas, uma vez que muitos portugueses emigraram para a França antes da Guerra, para
procurar uma vida melhor, ou foram para a Espanha primeiro e depois passaram para França.
Este tema mereceu a minha especial atenção, por ser particularmente sensível ao tema
da emigração para França e por sempre ter pensado que as vítimas dos nazis eram os
opositores políticos, os judeus, os intelectuais, os artistas, os críticos internos, os eslavos, os
russos, enfim, um variado leque de pessoas, mas não os portugueses emigrantes, pois pensei
que a questão da nacionalidade era uma barreira para a atuação dos nazis, que respeitariam os
naturais de um país neutral, para não criar incidentes diplomáticos. Foi com grande surpresa
que aprendi, no “II Encontro – De Famalicão para o Mundo: Migrações e trabalho forçado
em contexto de guerra”, que há também compatriotas meus que foram vítimas dos nazis,
tendo sofrido todos os problemas que atingem os emigrantes e mais ainda os da violência
nazi.
Fiquei surpreendida com o forte envolvimento político dos operários portugueses,
embora, ou talvez por isso, eles fossem pouco escolarizados estavam politizados e agiam
pelos seus ideais, inclusive perdendo a própria vida pelas causa da resistência e do
comunismo.
Nesta pesquisa, procurei seguir o rastro de alguns portugueses, movida pela
curiosidade e querendo prestar-lhe homenagem. Consultei fontes francesas e fiz a tradução da
informação, selecionando a mais relevante.

2.1. JOSÉ FERREIRA MARTO


28

Era filho de José e Maria Bitor, naturais de Vila Real (no seu processo AVCC aparece Villa
Réol). Era um trabalhador braçal, manobrador, e vivia em Montluçon, na rua de la Boisselée.
Mais tarde, casou-se com Jeanne Tatin. Numa data desconhecida, decidiu entrar na
resistência e faz parte da FFI30, tendo participado na operação contra as tropas alemãs
entrincheiradas no quartel de Richemont, em Montluçon. Por fim, perdeu a vida num local
chamado “Champ du Renard’’, a 21 de agosto de 1944, em Domérat, tendo sido morto
durante a operação e, é declarado ‘’morto pela França’’, embora não figure em nenhum
monumento comemorativo31. Seria mais que justo que a França lhe prestasse essa
homenagem!

2.2. JOSÉ DOS SANTOS


Filho de Camille dos Santos, nasceu a 22 de abril de 1906, em Valtorno, antiga freguesia do
município de Vila Flor, distrito de Bragança. Casou com Juliette Hérbet com quem teve dois
filhos, e vivia em Divion, Pas-de-Calais. Envolveu-se muito cedo com a FTPF (Francs-
Tireurs et Partisans Français), movimento da resistência francesa de base comunista, ativo
desde que o pacto germano-soviético foi quebrado, em junho de 1941, sendo o mais eficaz e
ativo grupo. Juntamente com Simon Cuirlik de Lens, Dupont Ernest de Fouquières-les-Lens e
Eugène Lespagnol de Evin-Malmaison (criadores do Francs-Tireurs et Partisans), José foi
autor de diversas sabotagens que fizeram com que desaceleraram a produção ao serviço do
ocupante. A 13 de agosto de 1942 foi preso pela Polícia Francesa por “atividades comunistas
e porte de armas”, tendo sido condenado à pena de morte a 22 de outubro de 1942, pelo
Tribunal Militar OFK 620 de Arras e foi fuzilado em 4 de novembro do mesmo ano, pelas
17:35 horas, nas valas da cidadela de Arras32. Duzentos e dezoito combatentes, membros da
resistência de várias nacionalidades, foram fuzilados neste local. Atualmente, é um local de
memória e homenagem.

30
As Forças do Interior da França (Forces Françaises de l'intérieur) são o resultado da fusão, em 1 de
fevereiro de 1944, dos principais grupos militares da Resistência do Interior da França, que haviam se formado
na França ocupada: o Exército Secreto (AS, Gaullista, reagrupa Combate, Libertação-Sud, Franc-Tireur), a
Organização da Resistência do Exército (ORA, giraudista), os Francs-tireurs e partisans (FTP, comunistas), etc.
31
https://maitron.fr/spip.php?article225140, notice FERREIRA Marto, José par Henri-Ferréol Billy,
version mise en ligne le 30 mars 2020, dernière modification le 22 décembre 2021.
32
https://maitron.fr/spip.php?article153099, notice DOS SANTOS José par Christian Lescureux,
version mise en ligne le 5 février 2014, dernière modification le 10 octobre 2020.
29

Imagem 1: Conjunto documental, cemitério e Mur des Fusillés, Arras33

2.3. ANTÓNIO FLORINDO DA SILVA


Nasceu em 5 de agosto de 1899, em Levrados. Trabalhou
na fábrica química de Pechiney, em Saint-Michel-de-
Maurienne. A 22 e 23 de agosto de 1944, um grupo do
Afrika Corps foi atacado, durante a sua retirada para a
Itália, pelo grupo da resistência da FFI. Florindo era um
dos trinta trabalhadores que estavam de serviço quando a
fábrica se tornou foco de luta entre estes dois grupos. Por
volta das 8:30 da manhã, um camião de munições explodiu
e então os trabalhadores foram retirados da fábrica,
evacuação que, ocorreu enquanto ainda havia o tiroteio.
António infelizmente foi vítima enquanto tentava fugir. O
seu nome encontra-se gravado no monumento em
homenagem aos mortos de Saint-Michel-de-Maurienne e
uma placa foi afixada no terreno da antiga fábrica onde Imagem 2: Placa de homenagem aos
mortos de Saint-Michel-de-Maurinne
trabalhava34.

2.4. DELPHIN DE MELO PINTO


Do Fundão, nasceu a 28 de março de 1926 e era operário na filial de Warcan, em Illy, na
aldeia de Olly, Ardennes. O seu patrão encarregou-o da reparação da estação abandonada de

33
Localizado nos fossos da cidadela, este muro foi mandado construir em 1949, como forma de homenagear os
executados, membros da Resistência. Fotos do Google Maps e Google Earth.

34
DA SILVA Florindo, Antonio, https://fusilles-40-44.maitron.fr/?article240313.
30

Olly com companheiros na mesma situação, Daniel Hut e Pierre Discrit. Os jovens decidiram
que queriam juntar-se a um maquis, para combater pela libertação, então dirigiram-se ao
chefe de um falso maquis, o grupo da Sipo-SD, em Sedan, Ardennes, e eram conhecidos
como ‘’Bande du Bossu’’. Esles foram executados por milicianos numa estação abandonada
de Olly, a 28 de agosto de 1944. Delphin não morreu no local, mas sim no Hospital de Sedan,
devido aos graves ferimentos. O seu nome pode ser encontrado numa pedra no memorial de
Berthaucourt em Charleville-Mézières, nas Ardennes, e também numa placa comemorativa,
em Illy-Olly, em memória dos ‘’homens assassinados a 28 de agosto de 1944 pelas milícias
inimigas’’35.

Imagem 3: Memorial de Berthaucourt

2.5. GASPAR ANTOINE CONDÉ


Vindo da Figueira, Gaspar nasceu a 8 de janeiro de 1903, e era filho de Manuel Condé e
Teresa. Este casou com Edith Renée Weyer e viviam na rua Raymond-du-Temple em
Vincennes, Seine, Val-de-Marne. Gaspar era um operário, e durante a luta pela libertação de
Paris do poder alemão foi preso e baleado por soldados nazis, a 19 de agosto de 1944, em
Bois de Vincennes, Paris. Foi enterrado no cemitério militar de Vincennes em Fontenay-sous-
Bois em Sena, Val-de-Marne36.
35
https://maitron.fr/spip.php?article175065, notice MELO PINTO Delphin (De) par Philippe Lecler,
version mise en ligne le 17 août 2015, dernière modification le 25 février 2021.
36
https://fusilles-40-44.maitron.fr/?article225386.
31

2.6. ANTONIO MANOEL


Nascido a 12 de janeiro de 1894, em Portugal, era filho de Manuel e Marie Rose. Era casado
e trabalhava como lenhador em Prauthoy, Haute-Marne. A 9 de agosto de 1944, por volta das
21 horas, dois vagões de um comboio com paraquedistas da SS descarrilharam perto de uma
quinta e, apesar disso, não houve danos em homens ou material transportado. Chateados com
o acontecido, os soldados cercaram a fazenda e incendiaram tudo. Dezasseis trabalhadores
inocentes perderam as suas vidas neste ataque. Quando soube sobre do incidente, António
decidiu correr para o local com Charles Colin, Lucien Bonnard, Aimé Grandclaude e
François Philippe para resistirem ao ataque, mas, foram apanhados e António foi torturado e
fuzilado com um tiro na cabeça. O português foi enterrado ao lado do monumento em
Prauthoy e o seu nome pode ser encontrado no memorial de guerra no monumento
comemorativo das vítimas civis de guerra de 1939-1945, na mesma cidade onde foi
enterrado37.

2.7. MANUEL TEIXEIRA PINHO


Nasce a 30 de janeiro de 1903, em Arouca, e, mais tarde, passou a habitar em Petit-Quevilly.
Trabalhava como ferreiro numa empresa metropolitana e foi membro do primeiro grupo FTP,
no setor de Rouen, desde 1 de abril de 1943 e, foi colocado sob as ordens do Duché apelidado
por Mickey. Ele garantiu a distribuição de folhetos, posse de armas e participou na sabotagem
e no fornecimento de combatentes da resistência, numa caverna na floresta de Barneville-sur-
Seine. Após isso, Manuel foi preso, mas, fugiu no ano seguinte e voltou a tomar posse do seu
lugar na resistência38.

2.8. ANTÓNIO RATO


Nascido a 16 de junho de 1906, em São Vicente da Beira, era lenhador em La Coudre e fazia
parte da companhia Francs-Tireurs et Partisans (FTP) liderada por Robert Massé e que
contava com setenta combatentes divididos em três grupos. A FTP organizou operações que
consistiam na destruição de sacos destinados à reposição de grãos, em ataques armados
contra os centros de distribuição de comida. António, com medo de um ataque dos alemães
ou dos Grupos de Reserva Móvel, decidiu deslocar-se. Durante esse espaço de tempo, Robert
Massé decidiu eliminar vários suspeitos do FTP. Mais tarde, há o caso do Château de Bois-
Gérard, onde Robert, juntamente com camaradas, resgatam Bois-Gérard, um senhor muito
rico e dono de várias propriedades e terras e, claro, apoiante da resistência. Robert, após um
ataque, foi preso a 25 de fevereiro de 1944 e morreu baleado na prisão de La Santé em Paris,
a 30 de abril do mesmo ano. António foi preso na primavera de 1944 e assumiu a 31 de maio
37
https://fusilles-40-44.maitron.fr/?article213740, La Résistance en Haute-Marne, tome I, et Lieux de
Mémoire de la Seconde Guerre Mondiale en Haute-Marne et Dominique Guéniot éditeur, Langres, 1982 et
1989.— Mémorial Genweb.
38
https://maitron.fr/spip.php?article240583, notice PINHO Teixeira, Manuel par Andre Delestre,
version mise en ligne le 10 juin 2021, dernière modification le 10 juin 2021.
32

perante o tribunal alemão que havia feito parte do resgate de Bois-Gérard e em outros
ataques, com isto, o tribunal militar alemão FK 533 reunido em Troyes, condena António à
morte por terrorismo. Foi baleado a 8 de junho, na colina Montgueux, com mais quatorze
camaradas da FTP de Aube39.

2.9.AVELINO DE QUEIRÓS
Português nascido a 6 de julho de 1909, membro do Partido Comunista e participou da
resistência FTP no batalhão 105e, em Puy-de-Dôme. A 24 de agosto de 1944, um pouco antes
da libertação da região de Auvergne, os alemães do Batalhão de Reconhecimento evacuaram
em direção de Champeix, na planície de Montoron, e foram apanhados entre fogos cruzados
dos guerrilheiros
de Murol e do ME, por um lado, e no outro lado os da FTP. Depois dos combates
terminarem, houve a retirada das tropas alemãs e três combatentes da FTP faleceram, um
deles sendo Avelino. Em Pardines, foi erguida uma homenagem, onde é visível as ‘’quatre
routes’’ na cidade de Neschers e lá estão os nomes dos três mortos em batalha, Emile Jacob,
Stéfan Starczewski e, o português Avelino40.

Figura 4: Homenagem aos mortos, em Pardines

39
https://maitron.fr/spip.php?article168310, notice RATO Antonio par Jean-Paul Nicolas, version mise
en ligne le 9 décembre 2014, dernière modification le 12 mars 2020.

40
https://maitron.fr/spip.php?article208776, notice QUEROZ Avelino di par Eric Panthou, version
mise en ligne le 11 novembre 2018, dernière modification le 7 octobre 2020.
33

2.10. JACQUES ALVES


De Rio Mau e nascido a 10 de junho de 1923, pertencia ao grupo de resistência Peguy du
Maquis d’Entrains, situado no “Moulin de Chappe” em Menou, Nièvre. A 4 de julho de 1944,
pelas 9 horas e 30 minutos, um grupo de maquis foi apanhado de surpresa por uma milícia
durante a requisição. Dois combatentes da resistência foram capturados e, por volta das
quatro da tarde, os alemães atacaram o grupo, o que teve como resultado três mortos e nove
prisioneiros, um dos prisioneiros era Jacques, que foi levado ao tribunal militar de Cosne e,
baleado na manhã seguinte, às quatro horas da tarde. Os corpos daqueles que foram baleados
foram atirados para uma escavação de 9 metros de profundidade que se erguia aos poucos e,
hoje, é o monumento das Vítimas do Nazismo em Saint-Père. Jacques obteve a menção
honrosa de “Morto pela França” e foi aprovado como soldado das Forças do Interior de
França (FFI), com os processos SHD GR 16 P 10098 e AC 21 P 6474. Foi também
condecorado com uma medalha da Resistência, pelo decreto de 17 de janeiro de 1962 e o seu
nome aparece nos memoriais aos guerrilheiros do grupo Péguy, em Cosne-sur-Loire e no
memorial da guerra em La Chapelle-Saint-André41.

2.11. LOUIS LOPEZ


Nasceu a 1 de setembro em Campos, Portugal. Filho de Manuel Lopez e de Guillermine
Jésus, vivia com a sua mãe em Corfélix e era um artesão. Juntou-se ao grupo CDLR-FFI
(Ceux de la Résistance-Forces françaises de l’intérieur), no setor D – grupo 9. A 28 de agosto
de 1944, quatro soldados da resistência do grupo de Congy, incluindo Louis, levaram os
companheiros feridos em batalha ao Hospital Sézanne em um carro Citroën com tração
dianteira e, no caminho de volta, na estrada departamental que vai de Corfélix a Soizy, o
veículo foi surpreendido pela saída de uma curva de um carro blindado alemão que abriu
fogo contra estes. O motorista, Pierre Marcy, conseguiu fugir para a floresta. Maurice
Languin e Fernand Denis foram mortos no local e Louis Lopez, tal como Pierre, conseguiu
fugir, mas, foi capturado mais tarde ainda na floresta. O corpo não foi encontrado até dia 4 de
setembro de 1944 e foi sepultado na necrópole nacional da Ferme de Suippes, praça 1939-
1945, túmulo 2272. Louis obteve a menção honrosa “Morto pela França” e foi aprovado pela
FFI e pela RIF. O nome deste homem aparece junto aos dos seus camaradas Maurice Languin
e Fernand Denis na estela erguida em Corfélix, ao longo da Rota Departamental 44. Ele
também tem o seu nome na lista de “Mortos em Ação” do Monumento aos Mártires da
Resistência em Épernay42.

41
https://maitron.fr/spip.php?article232872, notice ALVÈS ou ALVEZ Jacques par Jean-Louis
Ponnavoy, version mise en ligne le 11 octobre 2020, dernière modification le 18 octobre 2020.

Imagem 6: Foto de Louis Lopez


Imagem 5: Placa em
34

2.12. ALOIS MANUEL FREIRE


Nasceu a 5 de setembro de 1900 em Aguida, filho de José e Maria e, casou com Anna
Fernandez. Emigrou para a França a 25 de março de 1922 e cumpriu o regulamento de
permanência de estrangeiros na França. Manuel trabalhava como soldador em Lancia, na rue
du Port, Bonneuil e mais tarde foi trabalhar para as fábricas Chausson, em Meudon. Separado
da esposa, morava com Maria Gonzalèz, uma mulher de nacionalidade espanhola com quem
teve um filho chamado Manuel a 11 de agosto de 1927, em Issy-les-Moulineaux. A família
morou no Boulevard Rodin 35 e ingressou na Federação dos Emigrantes em França,
tornando-se tesoureiro da associação com sede em 3 Sentier des Poiriers no XXº
arrondissament. Durante a guerra, Manuel, juntamente com Maria, militou num partido
comunista espanhol e a polícia perseguiu Francisca Vélas, uma amiga do casal que era
ativista nos dias 21 e 28 de abril de 1942. Os inspetores da Inteligência Geral prenderam
Maria e Manuel numa busca domiciliária, a 27 de junho do mesmo ano e apreenderam a casa.
Encontraram em casa um livro da História do Partido Comunista (Bolchevique) de Stalin, um
livro intitulado “O Manual do Jovem Comunista”, extratos de folhetos, artigos de André
Marty em espanhol e uma bandeira vermelha da Federação dos Emigrantes Portugueses em
França. Quando foi questionado pelas autoridades, Manuel negou qualquer envolvimento
com a formação do Partido Comunista Espanhol e permaneceu no depósito até ser preso mais
tarde no Ministério da Saúde. Compareceu a 11 de dezembro de 1943 perante a secção
Especial do Tribunal de Apelações de Paris, que o libertou. Sendo considerado
“Politicamente duvidoso e suspeito de ordem interna”, foi internado a 13 de dezembro do
mesmo ano, no Centro de Séjour supervée des Tourelles em Paris. Manuel acabou por ser
transferido a 6 de maio para o campo de Rouillé em Vienne, e este campo havia sido
inaugurado em setembro de 1941 como um “centro de residência supervisionada”. Antes da
sua libertação, conseguiu reunir 379 internos, estes sendo políticos, comunistas, republicanos
e estrangeiros “indesejados”. Alguns dias depois de 6 de junho de 1944, com o desembarque
das tropas aliadas nas praias da Normandia, os guerrilheiros da FTPF libertaram este campo
na noite de 10 para 11 e, após a libertação um grupo de cerca de 20 internos decidiu juntar-se
à resistência, entre eles, o português. Na manhã de 27 de junho foram apanhados de surpresa
com a coluna motorizada da SS, Wehracht e mais mílicias com mais de 1.500 tropas que
cercou a floresta. A pequena vila de Branlerie, onde ficava o quartel-general dos maquis foi
incendiada e cinco guerrilheiros foram mortos com as armas nas mãos, um desses mortos era
o líder maquis Marcel Papineau. No final da tarde, 25 homens foram espancados com
coronhas, incluindo Manuel Freire e, foram executados na berma de uma estrada, na comuna
de Vaugeton de Celle-Lévescault. Com o final das operações militares, o oficial alemão que
comandava as tropas deste local convocou o prefeito de Celle-Lévescault para exigir um
sepultamento dos mortos. O autarca decidiu apelar então aos outros autarcas vizinhos de
Lusignan e Saint Sauvant para que distribuíssem os 31 corpos. Manuel foi sepultado em
Lusignan com outros oito camaradas, sem que fosse declarado um certificado de óbito.
Somente a 30 de junho de 1945 é que os corpos foram exumados e identificados, tendo assim,

42
https://maitron.fr/spip.php?article224220, notice LOPEZ Louis par Jean-Pierre Husson, Jocelyne
Husson, version mise en ligne le 21 mars 2020, dernière modification le 16 mai 2020.
35

os certificados distribuídos no registo civil de Lusignan. Manuel foi sepultado então na


necrópole de Sainte-Anne-d’Auray com o primeiro nome de “Marcel”. Este recebeu também
o título de “Morto pela França” e o seu nome foi inscrito na estela comemorativa de
Vaugeton43.

Imagem 7: Necrópole onde se encontra o corpo de Alois

Imagem 8: Túmulo de Alois

CONCLUSÃO
Com este trabalho, tive a oportunidade de visualizar e conhecer uma realidade que me
parecia longínqua, uma vez que Portugal era um país neutro, na Segunda Guerra Mundial.
Ver portugueses que saíram do seu país para procurar uma vida melhor na França e que
sofreram com as invasões alemãs, mas, mesmo assim, decidiram enfrentar estas tropas e fazer
parte da Resistência porque queriam fazer a diferença na guerra fez-me refletir sobre este
43
https://maitron.fr/spip.php?article168642, notice FREIRE Manuel, Alois par Daniel Grason, Michel
Thébault, version mise en ligne le 19 décembre 2014, dernière modification le 12 mars 2020.
36

assunto e ver este conflito por outros olhos, até porque, a minha família é composta por
emigrantes portugueses na França e então a realização deste trabalho tocou-me de forma
pessoal e fez-me crescer como pessoa, tanto a nível familiar como individual.
Então, espero que as pessoas sejam sensibilizadas ao ler este trabalho e esta parte da
nossa história, e que não pensem que este foi um conflito externo que não afetou Portugal,
porque até pode não ter sido de forma direta, mas saímos com feridas que ficarão marcadas
para o resto da nossa história e cabe a nós, cidadãos, conhecer e reconhecer para evitar que
aconteça mais uma vez no presente ou no futuro.

FONTE
‘’Le Maitron – Dictionnaire Biographique’’, consultado entre 1 e 13 de dezembro de 2021,
https://maitron.fr
37

3. A GUERRA CIVIL ESPANHOLA E OS SEUS REFUGIADOS EM FRANÇA


Gonçalo Nunes
INTRODUÇÃO
Este trabalho foi realizado no âmbito da disciplina de História A, Curso de Línguas e
Humanidades, com o intuito de nos aprofundarmos mais numa vertente do programa “De
Famalicão para o Mundo”, que é “Os famalicenses no sistema concentracionário da
Alemanha Nazi e os trabalhadores forçados portugueses no III Reich”. Este trabalho irá
focar-se mais especificamente nos refugiados da Guerra Civil Espanhola em França, onde
podemos encontrar bastantes portugueses, entre os quais existem testemunhos escritos.
Este trabalho responderá também a algumas perguntas mais complexas, tais como:
Por que motivo houve tanta adesão externa à Guerra Civil Espanhola? A que levou essa
adesão? O que aconteceu aos refugiados da guerra? E também responderá a perguntas mais
simples, como, por exemplo: O que causou esta guerra civil? Quem a ganhou, ou até mesmo
se houve vencedores desta guerra? E quais as suas ramificações?
Podemos dividir este trabalho em duas partes, respetivamente “A Guerra Civil
Espanhola” e os “Os Refugiados da Guerra”. Veremos a influência de países como a
Alemanha Nazi, a Itália Fascista, e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e até
mesmo Portugal neste acontecimento que marcou, marca e irá marcar para sempre o povo
espanhol.
Espero que com este trabalho consiga elucidar o leitor dos acontecimentos da Guerra
Civil Espanhola, o que levou aos acontecimento da mesma, o que ela causou, quais as suas
ramificações, e também os refugiados da mesma, que ao saírem e fugirem após o fim da
guerra foram parar a França, que futuramente, exatamente no dia 22 de junho de 1940, cairia
nas terríveis e odiáveis mãos do governo nazi.
Escritores como George Orwell, Malraux e Hemingway já iniciaram e falaram sobre
os acontecimentos da Guerra Civil Espanhola e estarei a usar algumas das suas escrituras para
falar sobre este acontecimento.

3.1. OS ANTECEDENTES DA GUERRA CIVIL


Para entender a Guerra Civil Espanhola, temos de viajar até aos tempos de Napoleão
Bonaparte e da Guerra Peninsular, que foi um conflito que durou desde 1807 até 1814, em
que os beligerantes foram o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda, Reino de Portugal e
Algarves e Império Espanhol contra o Império Francês. Este conflito extremamente sangrento
teve início com a invasão de Portugal por parte da França e intensificou-se com a França a
virar-se contra, até então, o seu aliado/estado fantoche, a Espanha. Assim, Napoleão havia
iniciado a contagem decrescente até ao fim do seu reinado. Tal como o próprio Napoleão
havia dito «A palavra impossível não consta no meu dicionário», e sobre este lema ele
viveria, ignorando aquilo que era lógico. Com a destruição do governo espanhol, deram-se as
Cortes de Cádis e em 1812 deu-se a Constituição Espanhola, ou então, a Constituição Liberal
de 1812, com isto, acaba o Antigo regime em Espanha, e inicia-se o Liberalismo. Napoleão
havia então iniciado uma guerra que ele não compreendia, algo que podia ser comparado à
guerra do Vietnam, a guerra de guerrilha levada a cabo na Península Ibérica iria ser de
38

tamanho atrito e de tamanho custo, que seria um dos momentos mais importantes para
compreender a queda de Napoleão, e a Europa que vivemos hoje, e a Europa que existia entre
1936-1939.
Mesmo após tudo isso, a Espanha não estaria em paz até ao início da guerra civil, o
ambiente em Espanha podia ser comparado a dois homens a fumar charutos dentro de um
armazém de pólvora, a qualquer momento, poderia explodir. Quero dizer com isto que o
liberalismo, supostamente “iniciado” com a Constituição Liberal de 1812, não se completou,
a revolução não trouxe um sistema iluminista e liberal estável como se pretendia. Começou
então outra luta, mas desta vez uma luta diferente, não contra um inimigo externo, mas sim
contra um inimigo interno, absolutistas contra liberais, até os próprios membros da casa de
Bourbon lutavam entre si, os Isabelinos contra os Carlistas.
A primeira guerra mundial foi uma salvação para a economia espanhola que já
mostrava melhorias, tal como a segunda guerra mundial, e a necessidade de tungsténio, seria
para Portugal. Então durante a primeira guerra mundial, a Espanha vendia e trocava quer com
a Tríplice Entente, quer com a Tríplice Aliança, o que fez a sua economia crescer, as
indústrias mineiras e as metalúrgicas foram as que viram o maior crescimento.
Mas, ao povo nada disto interessava minimamente visto que a sua condição não
melhorava, por exemplo, grande parte das terras agrícolas ainda estava nas mãos de
latifundiários e da Igreja, que não as cultivavam de todo, ou então cultivavam-nas de forma
pouco produtiva. Esta parte é bastante importante para entender a vitória dos nacionalistas na
guerra civil, visto que, a maior parte das terras cultivadas pertenciam aos conservadores que
imediatamente se aliaram às tropas de Franco. Isto levou o exército dos nacionalistas a ter
melhores condições e a entrar em batalha com mais moral e descanso que o adversário.
Para piorar, adiciona-se à conjuntura a monarquia espanhola, que usava o exército
como muleta para manter a sua autoridade e legitimidades, visto que aconteciam tentativas de
levantamentos militares, revoltas, etc…
A monarquia chega ao seu fim, e a República ascende das cinzas, mas isto não é o
suficiente para mudar o pensamento político das pessoas, a Igreja e o exército mantiveram-se
leais aos monárquicos e o país mergulhou, outra vez, em inúmeras tentativas de golpes de
estado. Como nos é visível, não foi um simples acontecimento que iniciou a Guerra Civil
Espanhola em 1936, foi uma complexa conjuntura que remonta aos tempos de Napoleão.

3.2. DO FIM DA MONARQUIA AO COUP D’ÉTAT


Com a saída do poder de Primo Rivera, Afonso XIII clama por eleições, o que de
facto faz, e, mesmo com a vitória dos monárquicos nas urnas, o rei abdica, ao ver que os
republicanos conquistaram as maiores cidades do país. Então, ao temer uma desastrosa guerra
civil, o rei deixa aquilo, que a uns, seria o seu direito divino.
Com a Assembleia composta, é instituída a separação entre a Igreja e o Estado, e
assim, o chefe do Governo Provisório abdica, o seu nome era Alcalá Zamora, catedrático e
advogado de muito respeito que sempre alinhou com o liberalismo.
Então, dão-se as eleições em dezembro de 1931, que a esquerda venceu, e Alcalá
Zamora foi eleito presidente e encarregou Manuel Azaña de formar governo. O governo
destes dois senhores foi muito impopular, a direita não gostava do governo devido à
39

laicização do Estado e da educação, que achavam ser ultrajante, e, a esquerda mais extremista
não gostava deste governo porque achava que as reformas que este havia implementado eram
insignificantes.
Economicamente, o ano era 1929, e algo, esperado, mas ao mesmo tempo esquecido,
acontece, outra crise cíclica do capitalismo aparece, e esta crise seria algo nunca visto, que
afetaria a maior parte do mundo. Mas, alguns países não a sentiriam, por exemplo, a Espanha,
com uma economia baseada na exportação, e principalmente agrária, sairia ilesa desta guerra
contra a pobreza e quebra económica. Este clima de prosperidade simplesmente inflamou
ainda mais a diferença entre a esquerda e a direita. Esta conjuntura levaria a igrejas
queimadas pelos esquerdistas e tentativas de golpe pela direita monárquica.
Os anarquistas, em 1933, recusaram alinhar-se com a esquerda nas eleições, o que
levou à vitória da direita. Então, seguiram-se várias ocupações e tentativas de golpe por toda
a Espanha, que, na sua maioria, fracassaram, mas, nas Astúrias, que ficou conhecida como a
Comuna das Astúrias, iniciou-se uma ocupação que demorou 13 dias a capitular.
Após tudo isto, e com a maior parte do seu movimento atrás das barras, os anarquistas
decidiram apoiar a esquerda nas eleições de 1936, a esquerda acabaria por ganhar, mas, por
apenas cem mil votos, mesmo assim, a esquerda tinha a sua desejada maioria.
Com a visível divisão, a direita começou a planear o seu golpe, que foi lançado a 18
de julho.

3.3. A GUERRA CIVIL


No dia 18 de julho, as tropas nacionalistas lançam o seu golpe militar, eles entendiam
que seria apenas um pronunciamento militar, como se fazia no seculo XIX, mas, a
mobilização de ambos os lados fora demasiado rápida, e assim, havia começado um dos
conflitos mais sangrentos que a Espanha havia visto.
Uma das formas mais fáceis de ver os territórios controlados no início da guerra civil
é olhar para o mapa eleitoral, esse mapa indica os locais controlados quer pela esquerda quer
pela direita, nos locais onde a esquerda vencera as eleições, venceria também contra os
revolucionários, e nos locais onde a direita ganhou as eleições, conseguiria também avançar
com a sua insurreição.
40

Imagem 1: Mapa dos territórios controlados no início da guerra civil

Mas a Espanha Nacionalista não perderia tempo, com a ajuda da “Condor Legion”,
força expedicionária alemã na Guerra Civil Espanhola, bombardeou o estreito de Gibraltar,
para conseguir que as divisões espanholas em Marrocos, que eram as mais importantes, e
mais bem treinadas que entrariam na guerra, conseguissem chegar à Península Ibérica.
Começam então ofensivas em praticamente todos os frentes, mas os nacionalistas não
conseguem entrar em Madrid, tornando esta uma batalha extremamente sangrenta. Então,
general Franco, decide apoiar-se na fronteira portuguesa e atacar nessa região, conectando
assim, o Norte com o Sul, conectam-se então em Badajoz, assim, aparece uma única frente
para combater os republicanos, a guerra deixa de ser insurreições aqui e ali a tentar aguentar-
se e torna-se uma guerra de frentes.
Os nacionalistas conseguem então quebrar o cerco liderado por José Moscardó e
capturar a cidade Alcázar de Toledo, que tinha pouco ou nada de estratégico, mas seria usada
até ao fim do governo de Franco. É contado que o filho de José Moscardó, havia falado com
o pai ao telefone e pedido que ele se rendesse, e logo depois foi fuzilado.
Acontecem então três tentativas de capturar Madrid, no Norte os nacionalistas
avançam e no centro os republicanos aguentam-se. Mas a guerra estava decidida.

3.4. A AJUDA EXTERNA NA GUERRA CIVIL


Este conflito, apesar de interno, atraiu a atenção das potências estrangeiras, desde
alemães, italianos, portugueses, irlandeses e até mesmo do Papa. Quanto a Mussolini,
interessado em ver o fascismo espalhar-se pelo mundo, ajuda os nacionalistas com armas,
equipamentos e ajuda logística. Para além disso envia também o “Corpo Truppe Volontaire”,
e, para ajudar no combate aéreo, enviou a “Aviazione Legionaria”. As forças voluntarias da
Itália chegavam a um total de 80.000. Adolf Hitler viu a Guerra Civil Espanhola como forma
de testar as suas tropas, mas principalmente, a sua nova força aérea, já que o que tratado de
Versailles não o permitia, o nome desta força aérea era “LuftWaffe”. Estas tropas foram
enviadas a pedido dos nacionalistas, e Hermamn Göring forçou o braço de Hitler, e conseguiu
que a “Legion Condor” fosse criada. Assim, iniciaram-se os trabalhos da força aérea da
Alemanha, e esta não deixou dúvidas, eram imparáveis. Esta legião ficou conhecida devido
ao bombardeamento que deu origem à pintura chama “Guernica” de Pablo Picasso.
Quanto aos Portugueses, Salazar simpatizava com este movimento, permitiu que fossem
recrutados voluntários em Portugal para os “Viriatos”, que lutariam pelas forças nacionalistas
em Espanha. Para além disso, ofereceu apoio logístico e armas, devido aos dois países
fazerem fronteira. Também recusou a entrada de refugiados republicanos no país. No que
respeita à Irlanda, apesar da interferência na guerra civil ter sido banida pelo Estado irlandês,
isso não impediu os membros da “IRA” de irem para a guerra, só para servirem sob um
antigo veterano seu, que servia como general. O Papa apoiava diplomaticamente os
nacionalistas, apesar de condenar publicamente os nazis, a sua situação também não lhe dava
outra alternativa, visto que o comunismo e o papado se rejeitavam mutuamente. Os soviéticos
41

ajudaram os republicanos que simpatizavam com a sua ideologia. A URSS deu armas, apoio
logístico, e homens para a causa republicana.

3.5. OS REFUGIADOS DE GUERRA


Em todos os conflitos existem partes que não têm nada a ver com o que está a
acontecer, e na Guerra Civil Espanhola não foi diferente, de todo. Assim, muitos daqueles
que tinham votado pela esquerda ou pela direita nas últimas eleições decidiram emigrar e não
enfrentar uma guerra civil totalmente devastadora. Outros não conseguiram evitar este
conflito e tiveram de passar 3 anos da sua vida no literal inferno na terra, ou não
sobreviveram mais de 3 ou 6 meses. Um conflito destes, que teve 500 000 baixas, nunca,
jamais poderá ser esquecido.

Imagem 2: O Massacre
de Badajoz

O caso mais conhecido da “emigração” após e durante a Guerra Civil Espanhola, é o


caso da França, e esse caso é o que mais será abordado aqui, mas, falaremos também,
brevemente do caso português.

3.6. OS REFUGIADOS DA GUERRA CIVIL E O CASO PORTUGUÊS


Muitos motivos fizeram com que que espanhóis tentassem a sua sorte ao para escapar
Portugal, e, não só de um lado, mas de ambos os lados existiram pessoas que tentaram fugir
pela fronteira portuguesa.
À medida que a guerra avançava, as perseguições dos nacionalistas aos republicanos
intensificavam-se, então, os perseguidos tentavam cada vez mais ir para perto da fronteira
portuguesa para, dessa forma, escaparem. Mas o Senhor Professor Doutor António de
Oliveira Salazar não queria insurretos e agitadores comunistas e nacionalistas no seu
território, então, por ordem do Ministério da Guerra, as tropas fronteiriças tinham luz verde
para disparar para o ar, para dessa forma, assustar os fugitivos e demovê-los de quaisquer
intenções. Aqueles que fugiam de Espanha e deixavam as forças republicanas, eram
chamados de criminosos políticos pelo governo republicano.
42

Do lado dos nacionalistas, o que acontecia era o seguinte: principalmente a partir de


1937, os nacionalistas começaram a incorporar civis nas suas linhas, normalmente homens
novos. Muitos deles não queriam de todo envolver-se nessa guerra, então, decidiram fugir, e
fugiram para o sítio mais perto e fácil, Portugal. Com isto a acontecer, Franco falou com
António de Oliveira Salazar, e este concordou em divulgar na imprensa o limite de tempo
para a inscrição no exército nacionalista.

3.7. OS REFUGIADOS DA GUERRA CIVIL E O CASO FRANCÊS


Tal como no caso português, muitas pessoas tentaram fugir ou evitar a Guerra Civil
Espanhola, ao fugir para França. No caso francês, a entrada de emigrantes foi mais concisa e
durante um período de tempo mais curto.
Em 1939, quando as forças de Franco capturam Barcelona e as forças republicanas
capitularam, iniciou-se o processo de entrada de militares e civis em França. O governo
francês tinha a noção que, quando as forças nacionalistas vencessem a guerra civil, as forças
republicanas tentariam fugir e que existira uma enorme massa humana a tentar entrar pela
fronteira francesa. A capitulação deu-se a 26 de janeiro e, a 28 de janeiro, o governo francês
deu carta branca para a entrada de emigrantes espanhóis da guerra civil. Em apenas algumas
semanas, cerca de 470 000 pessoas vindas de Espanha tinham entrado em França, num
acontecimento que ficou conhecido como: “La Retirada”.
Esta enorme afluência pode ser justificada pela forma como os franquistas tratavam os
republicanos sempre que conquistavam algum território novo. Os republicanos eram
reprimidos de forma muito severa sempre que eram “apanhados” pelos franquistas. Os
nacionalistas também executavam professores, artistas e intelectuais. Esta enorme afluência a
França pode ainda ser justificada pelo facto de a última província capturada pelos
nacionalistas ter sido a Catalunha, o que fez com que a França se tornasse o destino de mais
fácil acesso.

Imagem 3: Bombardeamento de Barcelona

3.8. A JORNADA
A jornada até França não foi nada fácil, meio milhão de pessoas a abandonar um país
para entrar noutro, com pouquíssimas esperanças, quase ou totalmente sem comida nem água,
e ainda a serem perseguidas pelas tropas franquistas e pelos aviões alemães e italianos. A
jornada era feita pela maioria das pessoas a pé, mas outras tinham mais sort, e utilizavam
43

camiões, cavalos, carros ou burros. As imagens deste acontecimento são extremamente


terríveis, onde vemos uma imensidão de pessoas a andar, e,é possível ver nos seus olhos o
seu desespero e a sua frustração, frustração esta causada pelos amigos, e outros espanhóis
mortos, a frustração de quem lutou por uma causa, e que agora a questiona pois ela fracassou,
vemos também o medo na cara daqueles que tentam escapar, pois sabem o que estará por vir
se não o fizerem.

Imagem 4: Refugiados de Espanha a caminho de França

O governo francês tinha o conhecimento e a noção do que iria acontecer quando os


franquistas inevitavelmente ganhassem a guerra, mas, nem eles nem ninguém conseguiria
estar preparado para um fluxo tão gigante. O governo, com regras duras contra os refugiados,
não decidiu atuar para impedir isto, ao invés disso, foi decidido que aqueles que entrassem
em França à procura de asilo, poderiam ser enviados para campos de prisioneiros. Famílias
foram separadas, os homens foram enviados para Argelès, onde, a princípio, não existia nada,
apenas limitações de arame farpado a marcar onde ficava o campo, mas apos o ministro do
interior Albert Sarraut, ter visitado a fronteira, ordenou a criação de um campo per se.
Estes campos eram totalmente improvisados, e cerca de 100 mil homens estavam
nestes campos, em pouco tempo relativamente ao fim da guerra. Pouco tempo depois, estes
campos estavam sobrelotados, e sem condições praticamente nenhumas, nas semanas iniciais
a taxa de mortalidade era extremamente alta, e não existia água potável. O campo de Gurs era
outro exemplo da imensidão e da quantidade de espanhóis que foram para França

3.9. O DEPOIS
Depois do fim dos conflitos em Espanha e depois da entrada dos emigrantes, os
franceses viram uma oportunidade. Faziam propaganda e apelavam aos emigrantes para se
alistarem na Legião, assim, estes emigrantes, fartos da guerra que arruinou o seu país,
estavam outra vez a preparar-se para outra, mas não o sabiam, nem eles, nem ninguém.
Em 1933, subiu ao poder um homem que levava por nome Adolf Hitler, apareceu com
o discurso e com a promessa que era o salvador da Alemanha, e que não mediria meios para
vingar a humilhação que a Alemanha sofreu no fim da primeira guerra mundial, com o
tratado de Versalhes. Em 1936, Hitler começou a sua expansão, ele quer espaço vital
(Lebensraum), decide remilitarizar a “Rhineland”, anexar a Áustria, anexar os sudetas, torna
44

a Eslováquia num estado fantoche e ocupa o resto do país. Quando demanda Danzing, os
aliados já não aceitariam, e assim inicia-se a segunda guerra mundial. Depois de rápidas
campanhas na Polónia, Dinamarca, Noruega, Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo, com a sua
nova tática chamada BlitzKrieg, Hitler chegou a França, e aqueles homens vindos de
Espanha, que esperavam não voltar a viver em guerra, estavam nela outra vez. Hitler derrotou
as suas legiões e eles são colocados de novo em campos, mas desta vez, os campos não
teriam falta de condições propositadamente, e a maioria deles, nunca mais saíra de lá,
passariam então a fazer parte da máquina de guerra da Alemanha Nazi.
Não esquecer que não foram apenas espanhóis para França nem que apenas espanhóis
foram capturados pelo odioso aparato do governo nazi, também lusitanos, entre eles
portugueses, portugueses que morreriam nesses campos e nunca mais voltariam a ver a sua
terra natal, depois de capturados seriam também obrigados a trabalhar para os alemães onde
eles quisessem e onde eles mandassem, apesar de Portugal não ter feito parte desta horrível e
destruidora guerra, podemos ver que sim, de facto teve uma participação, que, mesmo
pequena, foi impactante, tanto para portugueses como para espanhóis como para franceses e
alemães.

CONCLUSÃO
Podemos ver neste trabalho como é que se deu a insurreição em Espanha, e qual era a
conjuntura que este país vivia nas décadas antes desta horrível guerra civil, que os destruiu e
que deixaria cicatrizes até aos dias de hoje.
Vimos também como se deu essa guerra e como é que ela chegou aos seus, e quais as
suas consequências a nível pessoal, foi possível identificar o horror vivido por aquelas
famílias que deixavam para trás o seu país natal, a sua pátria e marchavam em direção aos
Pirenéus para se salvarem ou então sofrerem as consequências que o regime franquista tinha
preparadas.
Este trabalho foi feito com o objetivo de perceber mais e entender a história deste
espanhóis e portugueses que lutaram na Guerra Civil Espanhola, e, por esse motivo, ficaram
diretamente envolvidos com a 2ª Guerra Mundial. É necessário percebermos que Portugal,
apesar de não ter combatido com armas nas frentes de batalha nesta enormíssima guerra, teve
um impacto considerável, muitos portugueses viram a sua vida destruída nestes campos em
França, perderam as suas famílias os seus amigos, tudo o que tinham, e, no fim de tudo,
seriam apenas uma peça na enorme engrenagem que era a máquina de guerra, ou melhor, de
morte, da Alemanha Nazi.

BIBLIOGRAFIA/WEBGRAFIA
- Aranha, Ana/ Ferreira, Lolanda, 2011, Guerra Civil de Espanha ano a ano.
https://ensina.rtp.pt/artigo/guerra-civil-de-espanha-ano-a-ano/
- Buades, Josep, 2013, A Guerra Civil Espanhola, Editora Contexto.
- Clímaco, Cristina, 2021, Imigração portuguesa em França e os caminhos da deportação.
45

- France 24, 2019, The painful past of the Spanish civil war refugees in France, 80 years on.
https://www.france24.com/en/20190209-france-spanish-civil-war-republican-refugees-la-
retirada-80th-anniversary
- Hancock, Jaime, 2015, When Spaniards were the refugees.
https://english.elpais.com/elpais/2015/09/03/inenglish/1441275302_272830.html
- Lopes, Moisés, 2017, Refugiados espanhóis em Portugal (1936-1938): O caso de Elvas
https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/31689/1/ulfl242220_tm.pdf
- Nunes, Jorge/ Leal, Miguel/ Tavares, Rui, 2018, Refugiados em Portugal nos anos 30 e nos
anos 40 do século XX.
https://ensina.rtp.pt/artigo/refugiados-em-portugal-nos-anos-30-e-40-do-seculo-xx/
- United States Holocaust Museum. Gurs
https://encyclopedia.ushmm.org/content/en/article/gurs
46

4. REFUGIADOS PORTUGUESES DA GUERRA CIVIL ESPANHOLA: JOÃO


FERREIRA FERNANDES, JOSÉ NUNES MATEUS, JOSÉ RIBEIRO SOUSA
Rita Silva

Os motivos que conduziram à prisão e à deportação foram múltiplos, abrangendo um


vasto leque de situações, que vão da participação na Resistência, através de ações armadas,
atentados, falsificação de documentação, distribuição de propaganda, ajuda à passagem da
fronteira de patriotas e judeus, abastecimento de maquis, albergue de resistentes clandestinos;
ou ainda por atitude antialemã, considerada como ato de insubordinação; ou até mesmo pela
simples posse de arma de caça.
Entre os deportados do «Comboio dos 927», que partiu de Angoulême a 20 de agosto
de 1940, encontravam-se pelo menos três portugueses, João Ferreira Fernandes, José Nunes
Mateus e José Ribeiro de Sousa, emigrantes em Espanha e que se refugiaram em França na
sequência da guerra civil, na qual terão participado ao lado dos republicanos. Faleceram no
subcampo de Mauthausen, ao longo do ano de 1941.
João Ferreira Fernandes nasceu, segundo os registos de batismo, a 15 de outubro de
1907 (o «Livro dos Mortos» do campo, apresenta 20 de outubro de 1909), em Adaúfe, Braga.
Emigrou para a aldeia de Sampaio, na parte galega do Parque Natural da Peneda-Gerês, em
1930, e casou-se dois anos depois com Eutimia González, em Lovios. Alguns homens da
aldeia, entre eles João Ferreira Fernandes, deslocaram-se para a Catalunha para trabalhar nas
minas de Sallent, onde foram surpreendidos pela guerra civil, acabando por combater no
exército republicano. Após a queda de Barcelona, refugiou-se em França, sendo internado em
Argelès-sur-mer, um dos campos de refugiados do Sul de França e transferido para o campo
de Gurs em abril de 1939, que acabara de abrir para desobstrução dos campos dos Pirenéus
Orientais. Sem alternativas para sair dos campos, acabou por integrar, em fevereiro de 1940,
a Companhia de Trabalhadores Estrangeiros n.º 251, que comportava um importante número
de internados portugueses de Gurs. Colocada ao serviço do 18.º Corpo de Exército para
trabalho nas fortificações militares de Verdun, a CTE n.º 251 foi enviada para o Bois des
Moines, em Châlons-sur--Marne, mas acabou por ser retirada da zona de guerra na véspera da
ofensiva alemã, por indisciplina e receio de insubordinação por parte das autoridades
militares, devendo os trabalhadores regressar a Gurs. No entanto, João Ferreira Fernandes
acabou por ficar na região de Angoulême, tendo sido internado no campo de refugiados
espanhóis de Les Alliers. A 20 de agosto de 1940, foi deportado para Mauthausen e registado
com o n.º 3929. Mais tarde, a 17 de fevereiro de 1941, foi transferido para o mortífero campo
satélite de Gusen (n.º 10 381), onde faleceu a 19 de dezembro desse ano. A viúva, que residiu
sem interrupção em Espanha, foi indemnizada nos anos 60 pelo governo alemão no âmbito
das reparações concedidas às vítimas do regime nacional-socialista, graças a uma certidão de
óbito passada a 31 de agosto de 1950 pelo Registo Civil do Ministério dos Antigos
Combatentes e Vítimas de Guerra francês.
47

José Ribeiro de Sousa nasceu a 5 de fevereiro de 1908, no vale de Godim, no Peso da


Régua (Vila Real). Emigrou para Espanha em 1929, tendo-se fixado na região de Tarragona.
Com a queda da Catalunha, refugiou-se em França e foi internado num campo de refugiados,
partilhando, a partir desta data, um percurso comum com João Ferreira Fernandes: Gurs,
251.º CTE, Les Alliers e a deportação para Mauthausen, e ainda um lugar sequencial na fila
de registo à entrada do campo. José Ribeiro de Sousa foi registado com o número de
matrícula 3928 (João Ferreira Fernandes recebeu o n.º 3929). A separação imposta com a
transferência de João Ferreira Fernandes para Gusen será de curta duração. A 29 de março de
1941, José Ribeiro de Sousa foi também transferido para esse subcampo (matrícula n.º 11
710), onde faleceu a 31 de agosto de 1941.
José Nunes Mateus nasceu a 9 de junho de 1908 em Ferrarias Cimeiras (Castelo
Branco). Emigrou para Espanha conjuntamente com um irmão, ainda antes da guerra civil.
Quando estalou o conflito, em julho de 1936, alistou-se como voluntário nas milícias
populares e depois no Exército Popular republicano, enquanto o irmão optou por regressar a
Portugal. Em fevereiro de 1939, refugiou-se na França e foi internado num dos campos de
refugiados, desconhecendo-se o percurso que o conduziu até ao campo de Les Alliers, no
verão de 1940. Integrou o comboio de «vermelhos espanhóis», deportados de Angoulême a
20 de agosto. Em Mauthausen, recebeu o n.º 4233. Conjuntamente com Mário Teixeira
Galimanes, foram os primeiros portugueses a serem transferidos para o campo satélite de
Gusen (matrícula n.º 9508), a 24 de janeiro de 1941,onde faleceu a 20 de novembro de 1941.
Aos três portugueses que partiram de Angoulême juntou-se logo, em 25 de novembro
de 1940, o soldado Mário Teixeira Galimanes, nascido a 8 de março de 1900 em Moledo
(Caminha, Viana do Castelo). Prisioneiro de guerra no Stalag XI-B, em Fallingbostel (distrito
de Heidekreis, Estado da Baixa Saxónia), com o número 226-Z. Foi transferido para
Mauthausen a 25 de novembro de 1940 e matriculado com o n.º 4520. Seguiu para Gusen a
24 de janeiro de 1941, onde faleceu a 7 de julho desse ano. Pode presumir-se que foi o
primeiro português a morrer num campo de concentração nazi, se não aceitarmos para João
Ferreira Fernandes a data de morte de 19 de fevereiro de 1941 que o «Livro dos Mortos» do
campo indica, mas antes 19 de dezembro do mesmo ano, referido noutras fontes.44

44
Rosas, Fernando (coord) O ESSENCIAL SOBRE Os Portugueses no Sistema Concentracionário do
III Reich (PDF)
48

Imagem 1: Certificado de morte de José Ribeiro Sousa


49
50

Imagem 2: Certificado de morte de João Ferreira Fernandes (Documento retirado do


Memorial de Mauthausen)
51
52

Imagem 3: Certificado de morte de José Nunes Mateus (Documento retirado do Memorial de


Mauthausen)

Imagem 4: Ficha do campo de Mauthausen - José Nunes Mateus (Documento retirado do


Memorial de Mauthausen)
53

Imagem 5: Ficha do campo de Mauthausen - João Ferreira Fernandes (Documento retirado do


Memorial de Mauthausen)
54

Imagem 6: Ficha do campo de Mauthausen- José Ribeiro Sousa (Documento retirado do


Memorial de Mauthausen)

Fontes:
Memorial de Mauthausen
Arquivo Distrital de Braga
Arquivo de V.N. Famalicão
55

5. O CAMPO DE CONCENTRAÇAO DE MAUTHAUSEN


Inês Lima
INTRODUÇÃO
O sistema concentracionário deixou marcas fortíssimas na sociedade. O sofrimento
que milhões de inocentes passaram devido ao caráter abominável de alguns seres humanos
continua a ser um assunto sensível nos dias de hoje. O que muitos não sabem é que muitas
dessas pessoas eram portuguesas. Mauthausen é um fortíssimo exemplo do esforço torturante
de todos os que passaram por lá. O trabalho extenuante, as más condições sanitárias, os
esforços físicos surreais caracterizam o quotidiano deste campo.
Com este texto pretende-se sensibilizar a população em relação a este assunto,
mantendo viva a memória destes portugueses, que passaram por tormentas tenebrosas, e
também desta época de terror, medo e morte, que é uma das maiores provas do caráter
desumano e animalesco de alguns indivíduos.
É importante relembrar e homenagear estas pessoas, para que o seu sofrimento nunca
seja esquecido e para que esta época não seja revivida no futuro

5.1. HISTÓRIA DO CAMPO


Geograficamente falando, o campo de concentração de Mauthausen situa-se na
Áustria a cerca de 20km de Linz, uma grande cidade industrial, mais precisamente na
margem esquerda do rio Danúbio, um dos maiores rios da Europa.
56
57

Imagens 1 e 2: Localização de Mauthaussen, Google Earth

A 8 de agosto de 1938, pouco tempo depois da anexação da Alemanha nazi da Áustria


(12 de março de 1938 ), a sua construção foi iniciada por prisioneiros transferidos do campo
de concentração de Dachau, que foi um campo modelo aberto logo em 1933 pelos nazis,
perto da cidade de Munique. Apesar de inicialmente estar sob o controlo do Estado alemão,
Mauthausen foi fundado por uma empresa privada, comandada por Oswald Pohl, um oficial
das SS que estava encarregue de fazer de Mauthausen um campo moderno, que
posteriormente passou a ser conhecido por “campo pedreira”. Assim sendo, o principal
objetivo de Mauthausen era a exploração extrema dos seus prisioneiros através de trabalhos
excessivamente exaustivos, sobretudo a extração do granito, o que conduziu ao
aniquilamento das pessoas, não se aproveitando devidamente o potencial de trabalho de cada
trabalhador para contribuir para a economia, a médio prazo, o que se pode explicar pela
estratégia de mínimo custo de cada homem e maximização do lucro que desse, e
arrebanhamento de outros homens, para substituir os mortos. A partir de 1939, começaram a
ser criados subcampos45 para abrigar mais escravos, de forma a aumentar a mão de obra. Mas
como é que adquiriam os escravos?
Para aumentar a população de trabalhadores escravos em Mauthausen, foram feitas
rusgas policiais, que conduziam à prisão de milhares de indivíduos que, de seguida, eram
transferidos para os campos de concentração. Mas, a partir de finais de 1942, a Alemanha
precisou de intensificar o seu esforço de guerra, devido aos constantes ataques que sofriam e
consequente falta de mão de obra. Foi nessa altura que os subcampos de Mauthausen foram
mobilizados para a indústria de armamento, sendo construídos túneis no subsolo, devido aos
constantes bombardeamentos.
45
Mauthausen tinha cerca de 50 subcampos, cujos mais importantes eram Gusen, Steyr-Münichholz,
Ebensee, Wiener Neudorf, Wiener Neustadt, Melk e Amstetten
58

Tal como foi referido anteriormente, Mauthausen começou por ser um pequeno
campo, mas passou a ter uma dimensão gigantesca, passando a ser considerado um dos
maiores e mais mortíferos campos de concentração da Europa. Foi também considerado um
exemplo de trabalho escravo excelente, algo que se deve sobretudo à quantidade de
prisioneiros que albergava, cuja esmagadora maioria era o sexo masculino, mas também
estavam incluidas mulheres.46
A 3 de maio de 1945, as SS fugiram de Mauthausen juntamente com o comandante,
Franz Ziereis, devido ao avanço das tropas americanas. Um dia depois, foram substituídos
por homens de meia-idade e inválidos de guerra da Volkssturm, a guarda nacional criada por
Hitler, nos últimos dias de guerra.
Mauthausen foi o último campo de concentração a ser libertado, a 5 de maio de 1945.
O que lá foi encontrado era chocante. Os corpos estavam amontoados como se fossem
objetos e os poucos sobreviventes encontravam-se esqueléticos, desnutridos, pálidos, às
portas da morte. O sofrimento, o terror e a tortura sofridos em Mauthausen estavam expressos
nas suas faces, quase sem vida.

Imagem 3: Libertação do campo de Mauthausen, 1945

Passando agora aos números, estima-se que desde a construção de Mauthausen até à
sua libertação, passaram 190 000 prisioneiros, tendo morrido 90 000. Em finais de 1943, os
subcampos de Mauthausen tinham no total cerca de 24 000 presos, número que ia
aumentando, chegando a atingir os 30 000 prisioneiros em fevereiro de 1944 e em 1945
46
Entre 1944 e 1945 foram registadas 3000 mulheres em Mauthausen, segundo o livro “O essencial
sobre os Portugueses no Sistema Concentracionário do III Reich”, Imprensa Nacional.
59

chegaram a estar internados 80 000 prisioneiros47, devido às transferências de indivíduos dos


campos situados a leste.

5.2. O QUOTIDIANO DOS PRISIONEIROS EM MAUTHAUSEN


Os pesadelos aterrorizadores vividos nos campos de concentração e de extermínio
continuam a causar um forte impacto na nossa sociedade. Mauthausen não fugiu à regra,
sendo um dos campos mais torturantes da história do nazismo, devido à quantidade de
esforço que os prisioneiros necessitavam de ter para sobreviver.
Não é novidade que nos campos de concentração os indivíduos eram sujeitos a maus-
tratos extremos, fome e malnutrição, algo que facilitava a propagação de doenças mortíferas.
Este ambiente tóxico e torturante, onde os gazeamentos e os assassinatos eram constantes,
fazia com que muitos perdessem a esperança de viver, cometendo o suicídio. O que destaca
Mauthausen de todas estas características comuns dos campos de concentração é o esforço
físico necessário para os trabalhos que eram impostos.
Os prisioneiros eram sujeitos a trabalhar durante horas a fio nas pedreiras
características de Mauthausen. A principal pedreira estava ligada às famosas Escadas da
Morte, uma longa e íngreme escadaria de 186 degraus, que ficou conhecida por este nome,
pois os indivíduos eram agrupados em grupos de cerca de 100 homens e eram forçados a
subir até ao topo carregando às costas blocos pesadíssimos de granito, com cerca de 50kg
cada um, sem sequer terem pausas. Este esforço extenuante, juntamente com a fome, a
fraqueza física e psicológica e a falta de saúde faziam com que muitos não aguentassem e
morriam a meio da subida, caindo ou sendo esmagados pelo peso absurdo das pedras.
Algo que também era muito comum nas Escadas da Morte era o assassinato dos
prisioneiros pelos guardas das SS, que quando chegavam ao topo, eram empurrados. Muitas
das vezes escondiam que esta situação acontecia, afirmando que os prisioneiros cometiam
suicídio.
Alguns dos que sobreviviam e chegavam ao topo tinham a oportunidade de participar
no chamado Muro de Paraquedas, em que eram alinhados na ponta da pedreira e escolhiam
morrer fuzilados ou até mesmo empurrar um dos parceiros abaixo.

47
Números retirados do livro “O essencial sobre os Portugueses no Sistema Concentracionário do III
Reich”, Fernando Rosas et al, Imprensa Nacional.
60

Imagens 4 e 5: Prisioneiros nas escadas da morte em Mauthausen e Escadas da Morte


atualmente

Após mais de 12 horas de trabalho exaustivo nas pedreiras, muitos mostravam-se


fracos e derrotados, passando a ser considerados inúteis, por isso, eram assassinados nas
enfermarias onde lhes era injetado veneno nas veias e posteriormente eram queimados nos
crematórios.
Inicialmente, Mauthausen não contava com a presença das famosas câmaras de gás,
pois, a tortura das Escadas da Morte era suficiente para exterminar os prisioneiros. Mas, em
1941, foi instalada permanentemente uma câmara de gás, com capacidade de 120 pessoas,
que as aniquilava num só momento.

Imagem 6: Um grupo de prisioneiros derruba o símbolo nazi colocado à entrada do campo de


concentração, a 5 de maio de 1945, no dia da libertação48

5.3. PORTUGUESES EM MAUTHAUSEN


Ao contrário do que muitos pensam, não foram só judeus que frequentaram os campos
de concentração, mas sim também pessoas consideradas associais, como ciganos,
homossexuais, presos de delito comum, presos de guerra, etc. Todos aqueles que não eram
48
Imagem retirada do site observador.pt, num artigo publicado a 6 de maio de 2015.
61

considerados de “raça pura” iam lá parar. Também frequentaram Mauthausen e outros


campos de concentração indivíduos das mais diversas nacionalidades, entre os quais eram
portugueses.
Existem inúmeros mitos em relação ao sistema concentracionário, e acharem que
Portugal não participou de forma alguma na Segunda Guerra Mundial é um deles. Cerca de
11 portugueses estiveram em Mauthausen. Mas quem eram estes indivíduos? E como é que
foram lá parar?
A 20 de agosto de 1940, a Wehrmacht 49 transferiu 927 refugiados republicanos
espanhóis, homens, mulheres e crianças, do campo de Les Alliers, que se situava perto da
cidade de Angoulême, através de um comboio de mercadorias, sem higiene alguma. Entre os
refugiados estavam três portugueses: João Ferreira Fernandes, José Nunes Mateus e José
Ribeiro de Sousa50, que estavam refugiados em França devido à guerra civil, onde
participaram a favor dos republicanos. Faleceram em Gusen, um dos subcampos de
Mauthausen, em 1941.
De acordo com os registos de batismo, João Ferreira Fernandes nasceu a 15 de
outubro de 1907, mas segundo o Livro dos Mortos do campo nasceu a 20 de outubro de 1909,
em Braga, mais concretamente em Adaúfe, e em 1932 casou-se com Eutimia González.
Juntamente com alguns homens da aldeia onde vivia, João Fernandes emigrou para a
Catalunha para trabalhar nas minas de Sallent, de forma a obter um estilo de vida melhor,
mas deparou-se com a Guerra Civil, na qual combateu do lado dos republicanos. Em 1940 foi
deportado para Mauthausen, onde ficou alguns meses, sendo transferido para o mortífero
campo satélite de Gusen, a 17 de fevereiro de 1941, onde faleceu a 19 de dezembro do
mesmo ano, deixando a sua mulher viúva, que mais tarde foi indemnizada pelo Governo
alemão.
Nascido a 5 de fevereiro de 1908 em Vila Real, José Ribeiro de Sousa foi um dos
portugueses que passou pelas tormentas de Mauthausen, que teve um percurso bastante
parecido com João Ferreira Fernandes. Emigrou para Espanha em 1929 e, com a queda da
Catalunha, refugiou-se na França, onde foi internado num campo de refugiados. Foi
deportado para Mauthausen em 1940, onde foi registado como 3928, um número antes de
João Ferreira Fernandes. A 29 de março de 1941, foi transferido também para o subcampo de
Gusen, onde viveu os seus últimos dias, falecendo a 31 de agosto do mesmo ano.
José Nunes Mateus, nascido a 9 de junho de 1908 em Castelo-Branco, emigrou para
Espanha antes da Guerra Civil com o seu irmão, que mais tarde resolveu regressar a Portugal,
conseguindo escapar ao sistema concentracionário. Em julho de 1936, José alistou-se no
exército republicano, combatendo desse lado durante a Guerra Civil. Refugiando-se em
França em 1939, foi internado num campo de refugiados e a caminho de Mauthausen
constava no comboio de vermelhos espanhóis. Foi transferido juntamente com Mário
Teixeira Galimanes para Gusen a 24 de janeiro de 1941, e faleceu nesse mesmo ano a 20 de
novembro.

49
Wehrmacht foi o nome das forças armadas da Alemanha Nazi de 1935 até 1945.
50
Sobre estes portugueses, veja-se ainda subcapítulo 4.
62

Natural de Viana de Castelo, Mário Teixeira Galimanes nasceu a 8 de março de 1900.


Foi prisioneiro de guerra no stalag de Fallingbostel e posteriormente foi transferido para
Mauthausen a 25 de novembro de 1940. A 24 de janeiro de 1941 foi deslocado para Gusen,
onde faleceu a 7 de julho desse mesmo ano, sendo o primeiro português a morrer no sistema
concentracionário.
João Nunes Mateus também foi um dos portugueses que frequentou Mauthausen, mas
este teve uma estadia curta, sendo deportado para o campo de concentração de Buchenwald e
foi libertado em Ravensbrück.
Um dos sobreviventes portugueses do nazismo é Júlio Laranjo. Nascido a 24 de
fevereiro de 1919, em Alcácer do Sal, emigrou para França com a sua família, onde foi
acusado e preso por falsificação de documentos. Foi deportado para Buchenwald a 24 de
janeiro de 1944, e de seguida foi transferido para Mauthausen um mês depois, a 22 de
fevereiro. Faleceu a 15 de dezembro de 1997.

Imagens 7 e 8: Júlio Laranjo, um dos sobreviventes de Mauthausen, que assistiu à sua


libertação

Tomás Vieira nasceu a 7 de março de 1890, em Albufeira. Foi tesoureiro da


Federação de Emigrantes Portugueses em França e, a 9 de agosto de 1944, foi deportado para
Dachau no “Comboio Fantasma”, juntamente com outros portugueses. A 14 de setembro de
1944, foi transferido para Mauthausen, onde trabalhou na produção subterrânea de
armamento. O subcampo de Mauthausen onde ficou era um dos que tinha piores condições
sanitárias e uma das taxas de mortalidade mais elevadas. Segundo o Livro dos Mortos do
campo, Tomás Vieira morreu dia 16 de novembro, também em 1944.
Pintor de profissão, Abel Carvalho nasceu em Vila Verde. Esteve 14 meses na prisão
de Eysses, em França, por delito comum, posteriormente passando por vários campos no
território francês até chegar a Dachau pelo Comboio Fantasma e de seguida a Mauthausen,
mais precisamente Gusen, onde faleceu em 1945.
63

Por fim, Delfim Ribeiro da Cunha, nasceu a 1 de março de 1887 em Lousada, onde
casou e teve dois filhos. Assim como Tomás Vieira, foi deportado para Dachau no Comboio
Fantasma. Passou os seus últimos dias em Mauthausen, falecendo a 4 de abril de 1945, um
mês antes da libertação deste campo.

5.4. HOMENAGENS

A partir de maio de 2017, foi instalada uma placa em Mauthausen de forma a


homenagear os portugueses que lá estiveram, no chamado «Muro das Lamentações», pelo
ministro dos Negócios Estrangeiros português.

Imagem 9: Muro das Lamentações em Mauthausen


Todos os anos, na data de partida do Comboio dos 927 (20 de agosto), decorrem
cerimónias de homenagem, que têm como objetivo sensibilizar a população e recordar as
vítimas da deportação. Dá-se também, ainda, anualmente, uma cerimónia no campo de
Mauthausen todos os domingos da semana da sua libertação, que é a cerimónia mais
importante e impactante neste campo de concentração.
64

CONCLUSÃO

Realizar este trabalho deu-me a oportunidade de aprofundar os meus conhecimentos


sobre o nazismo e refletir enquanto membro da sociedade atual. Os assuntos do passado não
podem ser postos de parte, e investigar e pesquisar sobre os mesmos abre-nos portas para
desenvolver não só a nossa cultura geral, mas também o nosso caráter e empatia enquanto
seres humanos.
Mauthausen foi um dos piores campos de concentração da história da humanidade, e
mesmo existindo sobreviventes, como o português Júlio Laranja, os traumas permanecem
para o resto das suas vidas.
Mesmo não tendo passado por isso, é essencial reconhecermos que a humanidade não
é perfeita e que o ser humano já agiu de forma absolutamente abominável e manter a
memória viva sobre este tema ajuda-nos a melhorar e a refletir.

BIBLIOGRAFIA
Rosas, Fernando et al, “O essencial sobre os Portugueses no Sistema Concentracionário do III
Reich”, Imprensa Nacional.

WEBGRAFIA
https://pt.wikipedia.org/wiki/Mauthausen
https://acervo.publico.pt/revista2/portugueses-nos-campos-de-concentracao/os-campos-nazis
https://observador.pt/2015/05/06/libertacao-do-campo-mauthausen-70-anos-terror-nazi-
imagens/
https://expresso.pt/sociedade/2017-05-05-Governo-lembra-pela-primeira-vez-os-portugueses-
vitimas-do-III-Reich
https://www.publico.pt/2017/05/07/sociedade/noticia/memoria-das-vitimas-portuguesas-do-
nazismo-em-homenagem-na-austria-1771298
65

6. ÉMILE HENRY
Letícia Ferreira
INTRODUÇÃO
A professora de História falou-nos do livro “A Morte Lenta”. Fiquei sensibilizada
pelo título, pensando como alguém se sentiria diariamente, pensando que poderia ser o seu
último dia. Uma vez que este português sobreviveu, questiono-me se não será sobretudo a
morte da esperança, da dignidade, da crença na fraternidade, da fé na Humanidade
Procurei o livro. Não foi possível aceder diretamente ao mesmo, não existe nas
livrarias nem bibliotecas e não está acessível na Biblioteca Nacional Digital. Pedi uma cópia
à Biblioteca Nacional, por email, mas o custo era muito elevado. Contudo, o tema mereceu-
me muito interesse, por ser único no género, pelo que este breve trabalho se socorreu de
informação disponível na web.

6.1. APRESENTAÇÃO DO AUTOR E DA OBRA


Émile Marcel Henry era filho de um comerciante e vice-cônsul francês em
Moçambique. Aos 8 anos foi mandado estudar em França, tendo-se juntado, alguns anos mais
tarde, aos pais, que viviam em Portugal. No entanto, por ter nacionalidade francesa, foi
compelido a regressar a França para cumprir o serviço militar. Foi desmobilizado depois de a
França ter assinado o armistício com a Alemanha a 22 de junho de 1940. Émile Henry residiu
66

em Canes até 1943, altura em que foi requisitado para o Serviço de Trabalho Obrigatório
(STO) mas não compareceu à convocatória. A 8 de abril do mesmo ano foi preso a bordo do
comboio que ligava Prades a Osséja, na fronteira franco-espanhola, junto a Andorra, numa
tentativa clandestina de passar essa fronteira. A 25 de junho de 1943, foi deportado para
Buchenwald.
Émile Henry deixou-nos um importante testemunho, em português, publicado pela
Editorial Ibérica no Porto, do qual se conhecem pelo menos duas impressões de 100
exemplares cada, no imediato pós-guerra. Trata-se do livro “A Morte Lenta: Memórias dum
Sobrevivente de Buchenwald”, escrito pelo próprio.
O livro retrata a terrível experiência concentracionária e é ainda ilustrado com fotos
que tinham sido recolhidas meses antes. De acordo com o editor, estas foram solicitadas por
Henry diretamente às tropas americanas durante a libertação do campo. A obra de Émile
Henry é, para já, o único livro editado originalmente em português, na primeira pessoa, sobre
um história de vida nos campos de concentração do III Reich.
O título da obra “Morte Lenta” poderá não ser inocente, uma vez que esta era outra
designação dada, na altura, ao campo de concentração do Estado Novo no Tarrafal, aberto a
23 de abril de 1936.

6.2. RESUMO
Émile Henry, um jovem de 20 anos, vivia uma vida trabalhadora e comum na França.
Quando recebe a notícia de que as autoridades francesas e alemãs o estavam a procurar,
decide atravessar Espanha para chegar a Portugal, onde antes vivia.
Pelo caminho, encontra um homem com mais posses económicas que o ajudou a obter
um certificado falso de residência. No momento de entregar os documentos para atravessar a
fronteira, por engano, entrega apenas um deles, fazendo com que os guardas o levassem para
uma cela, sem qualquer explicação. É submetido a vários questionários e é levado para outra
cidade. É depois transportado para uma cela com quinze prisioneiros, onde é mal alimentado.
Por fim, é levado para Buchenwald, onde o desinfetam inúmeras vezes, lhe rapam o cabelo,
dão banho, uma roupa listrada e um número de identificação. Na primeira semana pode
descansar, aprendendo a rotina e fazendo poucos trabalhos. Após esta semana, os trabalhos
tornaram-se forçados.
Émile era obrigado a manter uma rotina de acordar cedo, trabalhar até tarde, ter
apenas a pausa do meio-dia, ser agredido e deitar-se tarde. Começou a mancar, devido ao
trabalho forçado, e foi levado à enfermaria. Foi mudado de posto, ficando responsável por
descarregar rapidamente camiões de areia. Ganhou febre e a ficou a repousar durante uns dias
no quarto. Quando recuperou, foi enviado para o trabalho na via-férrea. Fingiu-se de pedreiro
e foi transferido para outro campo, onde a comida era melhor, tinham mais horas para dormir
e o trabalho era menos intenso. Confessou não ser pedreiro e foi enviado para a
terraplanagem, depois de castigado.
Certo dia, a cidade mais próxima foi bombardeada. O trabalho no campo foi
interrompido, devido aos estragos da bomba. Iniciaram a construção de várias casas, tendo o
trabalho reduzido devido ao inverno. Émile encontrou um trabalhador que falava português e
67

que lhe contou a história sobre um carvalho junto da lavandaria onde Goethe gostava de
escrever, dizendo-lhe que quando o carvalho ardesse, simbolizaria a perda da Alemanha.
O verão regressa e o trabalho forçado começa novamente. No campo, o número de
trabalhadores diminuiu devido ao inverno rigoroso e aos bombardeamentos. A árvore de
Goethe chegou a arder durante um bombardeamento.
Henry, mais tarde, fica responsável de cuidar de uma carrinha, fazendo com que
pudesse sair do campo para a vigiar e auxiliar. Numa viagem destas, uma fábrica foi
bombardeada e ele e o comandante conseguiram escapar vivos.
A partir daí, o comandante começou a ser mais compreensivo com ele e tentava dar-
lhe alguma variedade de alimentos. Com medo de regressar a Buchenwald, propôs a um
colega fugir, mas ele disse-lhe que o melhor seria esperar pelos soldados americanos que
estavam a libertar prisioneiros de vários campos.
Regressaram a Buchenwald e o trabalho intenso continuou. Ao chegar ao campo,
percebeu que a doença tinha matado vários prisioneiros e enchido as enfermarias. Os
prisioneiros eram cada vez mais agredidos pelos guardas e a fome era ainda mais
predominante. As SS procuravam evacuar o máximo de presos possíveis.
Os soldados americanos finalmente chegaram e os prisioneiros, como forma de
agradecimento, davam-lhes pequenos pertences que tinham. Émile Henry conseguiu regressar
a França, após dois anos em Buchenwald e procurou recuperar a sua saúde junto com a
família. Contactou amigos e tentou saber notícias sobre os sobreviventes. Muitos morreram,
outros ficaram traumatizados para toda a vida e outros perderam membros.
Todos partilham um passado de terror que está escrito nos campos de concentração e
nas lojas onde se encontram malas com peles tatuadas e cabeças encolhidas de prisioneiros de
vários campos.
Émile Henry escreveu, sobre este livro, as linhas que se seguem: "Depois de quatro
anos de ausência voltei a Portugal. Se se tratasse de uma simples viagem para o meu recreio,
seria supérfluo escrever um livro, mas é que destes quatro anos, perto de dois vivi-os num dos
maiores campos alemães de concentração: o de Buchenwald. Não se trata neste livro de
descrever as diferenças que podiam existir entre os diversos campos. Tem-se tanto frio a
trinta graus de temperatura como a vinte e o mesmo acontece com o sofrimento que, a partir
de um certo limite, já não é mensurável. Por isso, quer se fale de Buchenwald, Belsen,
Dachau, Sachsenhausen, Auschwitz ou quaisquer outros, trata-se apenas dum mesmo e único
crime contra a humanidade. Muitos amigos me têm pedido que escreva o que vi e vivi, e se o
faço agora alguns meses depois da minha libertação, é objetivamente, limitando-me apenas a
descrever os factos sem os comentar, ou fazendo-o o menos possível, pedindo ao leitor que
não veja nestas linhas a minha história pessoal mas a de milhares e milhares de crianças, de
jovens, de homens feitos, de velhos e de mulheres, pessoas de todas as condições sociais, de
todas as religiões e de todas as raças, que suportaram, pelas suas ideias, sofrimentos que a
história moderna nunca registou.”

CONCLUSÃO
68

Considero que a realização deste trabalho foi bastante importante, uma vez que me
permitiu aprofundar os meus conhecimentos sobre toda a situação no Sistema
Concentracionário da Alemanha nazi.
Todos temos uma vaga ideia daquilo que se passou na Alemanha durante a II Guerra
Mundial, no entanto, aquilo que sabemos nada é em comparação com o que realmente
aconteceu. A verdade é que apenas quem passou por estes campos sabe de toda a tortura, todo
o sofrimento, angústia e crueldade lá presentes.
Émile Henry, infelizmente, foi uma destas pessoas. Como tantas outras, viu-se
envolvido neste sistema, apesar de ser natural de um território não beligerante na II Guerra
Mundial, Moçambique, na época uma colónia do Império Colonial Português. Deixou-nos o
seu testemunho na forma de um livro, possivelmente na esperança de que não só a sua
história, mas também a de milhares de outras pessoas, entre as quais mulheres e crianças,
chegasse ao máximo de pessoas possíveis.
Ler um testemunho de alguém que presenciou o terror, o medo e a incerteza de um
novo amanhã vividos nos campos fez-me compreender melhor toda esta realidade que atingiu
números aterrorizantes de pessoas e tirou milhões de vidas e ficar mais sensível ao trabalho
forçado e escravização no mundo atual, pois ao contrário do que se possa pensar há situações
do passado que persistem, noutros lugares do mundo, bem perto de nós por vezes, talvez não
com o gigantismo desta escravização e extermínio nazi, mas muito preocupantes e a exigir de
todos nós que lutemos pelos direitos de todos os quem para criar sociedades mais justas e
igualitárias, onde os direitos humanos não sejam uma miragem.

BIBLIOGRAFIA/WEBGRAFIA
- Azevedo, Francisco Duarte, A MORTE LENTA - Memórias dum sobrevivente de
Buchenwald, 2010, http://omundonossaespera.blogspot.com/2010/03/morte-lenta-memorias-
dum-sobrevivente.html
- G., Vera, A Morte Lenta, http://racairritadicadospoetas.blogspot.com/2017/10/a-morte-
lenta.html
- O-Essencial-Sobre-Os-Portugueses-no-Sistema-Concentracionario-do-III-Reich, coord. de
Fernando Rosas, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 2021,
https://imprensanacional.pt/wp-content/uploads/2021/06/O-Essencial-Sobre-Os-Portugueses-
no-Sistema-Concentracionario-do-III-Reich.pdf
69

7. "ARBEIT MACHT FREI", EMIL ROSZA, UM PORTUGUÊS EM DACHAU E


NATZWEILER- STRUTHOF
Beatriz Silva

Natzweiler-Struthof foi um campo de concentração nazi, este localizava-se na cidade


de Schirmeck, a 50 km de Strasbourg, na França, sendo o único campo de concentração nazi
instalado em França, pois na época a área da Alsácia-Lorena, onde o mesmo se encontra, era
administrada pela Alemanha. O campo de Natzweiler-Struthof abriu a 21 de Abril de 1941,
tudo devido à descoberta da existência de montanhas na região que estavam cobertas de
granito rosa. Este campo forneceu não só mão-de-obra escrava para a indústria de guerra
alemã, mas também foi palco de experiências, relacionadas com o tifo e o uso de gás pimenta
e fosfeno.
Natzweiler-Struthof foi evacuado a setembro de 1944 devido ao avanço das tropas
aliadas em território francês. Os norte-americanos chegaram ao campo a 23 de novembro de
1944, e encontraram-no quase vazio. O mesmo aconteceu com os cerca de 70 subcampos de
Le Struthof, para onde cerca de 35 mil deportados tinham sido enviados nos anos anteriores
sem sequer passar pelo campo principal.
Atualmente, é possível visitar este campo em forma de memorial 51, onde há
exposições de artistas contemporâneos, e é um lugar muito arborizado e estrategicamente
pensado, para que o silêncio traga reflexão. O European Centre of Deported Resistance
Members situa-se lá e também há um monumento para os deportados (dentro das instalações
do antigo campo). O memorial desenvolve um trabalho educativo muito importante junto dos
alunos de diferentes países e do público, em geral.

51
https://www.memorial-alsace-moselle.com/. É possível fazer uma visita virtual em
https://www.memorial-alsace-moselle.com/le-memorial/visite-virtuelle.
70

Imagem 1: Entrada do campo de concentração de Natzweiler-Struthof 52


Além de ser um campo de trabalho forçado, Natzweiler-Struthof ficou também
conhecido pelas suas experiências médicas, com início no final de 1942, sendo realizadas por
três cientistas, August Hirt, Eugen Haagen e Otto Bickenbach.

52
Esta e outras fotos sobre o atual memorial foram gentilmente cedidas pelos alunos do projeto
Erasmus+ “More Participatory Democracy, More Activen Citizenship”, em mobilidade a Estrasburgo, setembro
2021, na qual foi ainda possível visitar o Mémorial Alsace Moselle.
71

Imagem 2: Sala de experiências médicas

August Hirte, professor de anatomia, investigou o tifo e a eficácia das vacinas obtidas
contra o gás mostarda. Por outro lado, ele dedicou-se a montar uma coleção de esqueletos a
partir do "material humano" que a guerra colocou à sua disposição. Selecionou 30 presos que
receberam rações alimentares de um guarda da SS durante duas semanas e, em seguida,
administrou gás mostarda para estudar as consequências e testar as vacinas que estava a
desenvolver. Otto Bickenbach começou em Schirmeck, com 25 polacos. O seu foco neste
campo era uma vacina de fosfagénio, realizando várias experiências mortais, matando 40
detidos com gás. Hagen dedicou-se a experiências relacionadas com vacinas do tifo e as suas
"cobaias" vinham principalmente de Auschwitz.
Obcecado pelas teorias científicas em torno da suposta raça ariana e inferioridade de
judeus, Hirt começou a colecionar crânios judeus e depois esqueletos completos. Oitenta e
seis prisioneiros, incluindo 30 mulheres, foram selecionados em Auschwitz. Eles chegaram
ao campo no início de agosto de 1943 e foram usados para testar a eficácia de um novo gás, o
ácido cianídrico. Os corpos foram transferidos para o Instituto de Anatomia de Estrasburgo,
onde, na adega, foram guardados em cubas com solução alcoólica, tendo os corpos intactos
sido encontrados pelos Aliados, aquando da libertação de Estrasburgo. As vítimas eram
cuidadosamente escolhidas pelas suas características raciais estereotipadas e provinham de
diversos países da Europa.
72

Imagem 3: Cercas de arame farpado do campo

Estima-se que cerca de 52.000 pessoas tenham sido prisioneiras ao longo dos 3 anos
de existência do campo, oriundas de diversos países, entre eles Polónia, União Soviética,
Holanda, Noruega, Eslovênia e França, e nessa lista surge um português.
Com base na notícia Os campos por onde passaram portugueses, do Publico Revista
2 , descobri o nome de Emil Rolsa ou Rozsa que é dado como português, mas o mesmo não
53

nasceu em Portugal e nem sequer visitou o país nenhuma vez (terá nascido na Hungria). Os
serviços do campo indicaram à Revista 2 que «Emil, nascido a 15 de Abril de 1894, chegou a
Natzweiler-Struthof, na região da Alsácia, a 24 de Novembro de 1944, transferido do campo
de Dachau. Emil, tinha a categoria de “preso político”, com o número 43.954, e não
sobreviveu muito mais do que um mês, devido aos rigorosos trabalhos nos campos satélite
para onde foi enviado.»
A partir do arquivo Holocaust Survivors And Victims Resource Center 54, consegui
apurar que Emil nasceu a 15 abril de 1894, em Heves (Hungria), era casado e tinha
nacionalidade portuguesa, vivia em Budapeste, na rua Damiosch 38. Emil esteve primeiro no
campo de concentração de Dachau, sendo 125009 o seu número de prisioneiro.
No Arolsen Archives55 encontrei vários documentos, através da sua análise foi-me
possível perceber que Emil Rozsa chegou a Dachau a 14 de novembro de 1944, permaneceu
assim cerca de 10 dias, e em 24 de novembro de 1944 foi encaminhado para Natzweiler-
Struthof, mais exatamente para o subcampo de Schomberg, onde acabou por morrer passado
pouco mais de um mês da sua chegada ao campo (27 de dezembro de 1944).
Tantas perguntas a fazer e poucas respostas! Como aparece este português na
Hungria? Nasceu em Heves, uma pequena cidade no noroeste, a cerca de 160km da capital,
Budapeste. Provavelmente, seria filho de pai português, por hipótese de apelido Rosa,
emigrante neste país, ou pelo menos tinha ascendência portuguesa.
Em data desconhecida, mudou para Budapeste, casou (pode ter sido ao contrário) e
vivia na Damiosch, 38. Em março de 1944, Hitler ordenou a invasão da Hungria, por
retaliação pela aproximação deste país às forças aliadas. A Operação Margarethe mudou
profundamente a situação dos húngaros e em especial dos judeus, que tinham sido
relativamente poupados. Mais de 80% dos mortos civis da Hungria na II Guerra Mundial são
judeus e a partir da referida operação começaram a ser deportados para campos de
concentração.

53
Os campos por onde passaram portugueses (Publico, Revista 2):
https://acervo.publico.pt/revista2/portugueses-nos-campos-de-concentracao/os-campos-nazis
54
Holocaust Survivors And Victims Resource Center todas as informações sobre Emil Rozsa:
https://bityli.com/eq1CJfr
55
Arolsen Archives todos os documentos sobre Emil:
https://collections.arolsen-archives.org/en/archive/1-1-6-7_01010607-oS/?p=1&doc_id=10740083
73

Emil faz 50 anos um mês depois desta ocupação, um dos documentos que encontrei
diz que é técnico de profissão. Tem uma vida, uma família. Por “motivos políticos”, segundo
os documentos dos alemães, que assim forneciam uma versão politicamente mais aceitável
para o interior e exterior do regime, algures no tempo, entre março e novembro de 1944 Emil
foi preso. O destino deste português parece ser muito semelhante ao dos judeus de Budapeste
que foram encerrados no gueto e massivamente enviados para campos de concentração, ao
longo de 1944.
A distância entre Budapeste e Dachau é de cerca de 750km, uma longa viagem para os
prisioneiros, na qual certamente Emil deitou contas à vida e se deve ter sentido sem esperança
de voltar a casa e à sua família. Que poderia ele encontrar no campo? Como seria a sua vida
lá? Ou nem chagaria a ter uma vida, não conseguindo suportar a violência do trabalho e a
brutalidade das SS?
Eis o que encontrou:
74

Imagens 4, 5 e 6: Campo de Concentração de Dachau56

56
Segundo https://www.dw.com/en/what-us-soldiers-found-at-dachau. Estas e outras fotos foram
tiradas pelos americanos em 29 de abril de 1945, aquando da libertação do campo, apenas 5 meses depois da
passagem do português pelo campo.
75

O portão de entrada de Dachau deve ter feito Emil sorrir tristemente ou quem sabe até
exaltar-se. Na verdade, trazia a inscrição
"Arbeit macht frei" ou "o trabalho liberta".
Este cínico slogan nazi foi mais tarde
usado em quase todos os campos de
concentração nacional-socialistas. O lema
foi inventado por Theodor Eicke, o
primeiro líder do acampamento SS de
Dachau. A sua "Escola de Dachau"
também foi frequentada pelos
comandantes Rudolf Höss e Richard Baer
de Auschwitz. Como pode o trabalho
libertar quem a ele é conduzido como
escravo?
Entrado no campo, foi submetido à
eficiente administração nazi, que primava
pela organização e registo minucioso:

Imagem 7: Documento de identificação do campo Dachau de Emil Rozsa


A prisão no campo de concentração quebrava os prisioneiros. A admissão e registo dos
prisioneiros recém-admitidos, o trabalho forçado, a acomodação dos prisioneiros, as listas de
chamadas, toda a vida no campo era acompanhada de humilhação e assédio.
A admissão do prisioneiro, o seu registo e interrogatório eram acompanhados por
comentários humilhantes da SS .Com o número de prisioneiro 125009, a sua nacionalidade
portuguesa, a sua data de nascimento 15/04/94 e a data de acesso ao campo 14/11/1944, Emil
tornou-se um entre muitos.
Mas os alemães tinham outros planos para ele, a sua estadia em Dachau foi de curta
duração.
76

Imagem 8: Cartão do escritório de Dachau

A Ficha do Gabinete de Reclusos


de Dachau registava e guardava os dados
dos presos, depois do registo pela secção
política e na câmara de bens pessoais, foram
registados mais uma vez. Neste outro
documento de identificação feito
depois, é também possível verificar a cidade onde nasceu, que já referi (Heves), e também
Budapeset, também é possível verificar a rua onde o mesmo vivia Damiosch 38, algo que já
tinha apurado no arquivo Holocaust Survivors And Victims Resource Center. É possível
verificar que Emil ficou 10 dias em Dachau e em 24 de novembro de 1944 partiu para
Natzweiler.
O passo seguinte na vida de Emil foi a viagem de Dachau até Natzweiler, cerca de
410 Km, de Munique pelo sul da Alemanha, em direção à Alsácia, atual França e na época
parte integrante do III Reich. A Lista de Transporte para o campo de concentração Natzweiler
- subcampo Schöneberg diz-nos Emil se encontra na posição 39 desta listagem, o mesmo foi
transferido de Dachau para Natzweiler, tendo dado entrada em 24 de novembro de 1944.
77

Imagem 4: Lista de transporte para o campo de concentração Natzweiler - subcampo


Schöneberg.

Como foi a vida de Emil no tempo em que permaneceu em Natzweiler? Nada


sabemos em concreto sobre este português, mas através da observação direta dos espaços,
podemos fazer um retrato do que encontrou e como viveu a sua vida, no curto tempo em que
lá permaneceu até à sua morte. O campo era explorado pela Deutsche Erd und Steinwerke
GmbH (DEST), uma empresa SS fundada em 29 de abril de 1938 , subordinada ao
Reichsführer SS Heinrich Himmler, que usava o trabalho forçado dos prisioneiros de campos
de concentração para produzir materiais de construção. Karl Blumberg foi encarregue de
encontrar o local apropriado para a construção de um campo capaz de "hospedar" detidos dos
campos alemães e destinado a trabalhos forçados nas pedreiras de granito da Alsácia. Albert
Speer gostava especialmente do granito vemelho/rosa dos Vosges. Em 3 de abril de 1941,
uma guarnição de 200 SS entrou na área e requisitou um hotel para se instalar e foi
oficialmente inaugurado em 21 de maio de 1941.
Quando Emil chegou ao campo, em novembro de 1944, este já laborava há 3 anos e
meio e englobava 84 subcampos, localizados na Alsácia e Lorena, bem como nas províncias
alemãs adjacentes de Baden e Wuerttemberg. Não sabemos se ficou no campo principal
algum tempo, se transitou logo para Schomberg, mas sabemos que por altura do Natal de
78

1944 estava no subcampo de Dautmergen, a norte da cidade de Schomberg, pois a sua


certidão de óbito o refere expressamente.
Devido aos ataques dos Aliados às fábricas nazis, em 1944, os prisioneiros dos
campos de concentração trabalhavam quase exclusivamente na produção de armas. Os
alemães usaram prisioneiros em todo o sistema de campo de Natzweiler-Struthof como
trabalhadores forçados para construir fábricas subterrâneas. As principais empresas
dependentes dos trabalhadores do sistema de campo Natweiler-Struthof eram ADLER (em
Frankfurt / Main), BMW (em Geisenheim) e HEINKEL (em Zuffenhausen).
As condições de trabalho nos campos nazis foram caracterizadas por trabalho físico
pesado, horas de trabalho excessivamente longas constantes, fome e desnutrição, higiene
precária, assistência médica inexistente ou inadequada e as doenças resultantes, nenhuma
recompensa, rações de fome usadas por muito tempo e não apenas como punição, roupas
insuficientes, calçados ausentes ou inadequados, atos arbitrários dos guardas, tortura, maus-
tratos ….

Imagem 5: Sapatos de deportados, Museu de Natzweiler-Struthof


79

Emil Rolza faz parte das estatísticas das vítimas mortais do trabalho forçado alemão,
era altíssima a taxa de mortalidade entre os prisioneiros usados como escravos pelas SS. A
curta duração de vida de Emil no campo a que se deveu? De que morreu Emil? De exaustão?
De doença? Exterminado na câmara de gás, enforcado, executado com um tiro na cabeça, foi
empurrado para a cerca elétrica ou para as ravinas, por incapacidade para trabalhar?
80

Imagem 6: A forca, Natzweiler-Struthof. Imagem 7: A cerca elétrica, Natzweiler-


Struthof

Imagem 8: Torres de vida e cerca eletrificada, Natzweiler-Struthof

A sua morte levou à produção de vários documentos, com datas que vão desde 28 de
dezembro de 1944, dia seguinte à sua morte até 1949, e que dizem respeito ao próprio campo
de concentração assim como ao Cartório/Registo Civil de Schomberg. Percebe-se que há uma
comunicação rápida com as autoridades do Estado, para passar a certidão de óbito e que
81

muito depois da guerra terminar ainda se está a escrever documentos sobre a sua morte,
possivelmente para os registos oficiais.
O português morreu dia 27 de dezembro de 1944, pelas 13.00h, de causa
desconhecida. Sobre o seu óbito, um documento refere que morreu com a idade de 50 anos,
no subcampo de Dautmergen, que dista cerca de 5km de Schomberg.
82
83
84

~~
85

Imagem 9 a 13: Conjunto documental relativo à morte de Emil Rosza

A causa da morte é assinalada com um


ponto de interrogação, o que, na minha
opinião, demonstra uma falta de empatia
e provavelmente o conveniente silêncio
sobre a real causa da sua morte. Como
outro documento refere, o seu corpo não
foi identificado. Terá sido queimado no
forno?
As suas cinzas terão sido espalhadas?

Imagem 14: Local em Natzweiler-


Struthof para onde eram atiradas as
cinzas dos mortos

A morte de Emil Rosza passou


Imagem 14: Forno crematório de Natzweiler-
despercebida, apenas Struthof
registos oficiais
para as contabilidades do Estado. A sua
família não pode receber o seu corpo
nem as suas cinzas.
Todavia, em outros casos, as autoridades do campo de Nazetweiler-Strutof eram
contactadas pelas famílias de alguns prisioneiros, que queriam notícias, para pelo menos
puderem fazer o luto.
Durante o primeiro ano de funcionamento, Natzweiler teve cerca de 900 deportados,
vindos de diferentes campos da Alemanha. No verão de 1943, os alemães prenderam muitas
pessoas na "noite do nevoeiro" (und Nebel de Nacht) e foram transferidos para Natzweiler-
Struthof. A Operação Nacht und Nebel representou uma tentativa alemã de parar a crescente
86

resistência contra a Alemanha na Europa Ocidental. Os combatentes suspeitos de serem


resistentes foram presos sem notificar as suas famílias, simplesmente desapareceram na
"noite de nevoeiro". Muitos prisioneiros do campo eram membros da resistência francesa. Os
detidos na operação Und Nebel de Nacht representaram 6,5% do número total de detidos que
entraram no campo. No campo, eles também prenderam vários agentes da SOE. Em 6 de
julho de 1944, quatro agentes femininas da SOE foram mortas por injeções letais (Andrée
Borrel, Sonia Olschanezky, Vera Leigh e Diana Rowden).

Também através do artigo Os campos por onde passaram portugueses, do Publico


Revista 257, tive conhecimento que mais dois portugueses tenham passado pelos subcampos
de Le Struthof, e que ambos sobreviveram.
Apesar de ter procurado bastante, não consegui encontrar nenhuma documentação dos
mesmos, pelo que abordarei a informação do referido artigo, para que os seus nomes sejam
divulgados e não passem em branco
João Fernandes nasceu numa localidade identificada como Gondariz (Arco Valdevez),
a 5 de junho de 1911. Nos seus documentos, aparece identificado como português e também
como francês (por ele ter sido detido em França ou porque terá adquirido a nacionalidade
francesa, depois de emigrar para a França). João, tal como Emil, foi primeiro enviado para
Dachau no “Comboio Fantasma”, que passou os meses seguintes a ser enviado de campo para
campo. Depois de estar cerca de um mês em Dachau passou por Mauthausen (1 mês) e, a
outubro de 1944, foi transferido para o já referido subcampo de Schomberg, incluído na rede
de Natzweiler-Struthof. João Fernandes sobreviveu à guerra e regressou a França, em maio
de 1945.
Quanto a Joaquim Sequeira, também passou por um dos campos satélite de
Natzweiler-Struthof (Markirch), mas por um curto período. Deportado de França para
Dachau, tal como os outros dois, em junho de 1944, foi transferido mais tarde para Markirch
(a 19 de julho e aí permaneceu até 4 de outubro), quando é reenviado para Dachau. Joaquim,
casado e com um filho, sobreviveu à sua passagem pelos campos de concentração, e
regressou a Lacapelle Biron, onde vivia.

57
Os campos por onde passaram portugueses, do Publico Revista 2:
https://acervo.publico.pt/revista2/portugueses-nos-campos-de-concentracao/os-campos-nazis
87

WEBGRAFIA
https://acervo.publico.pt/revista2/portugueses-nos-campos-de-concentracao/os-campos-nazis
https://bityli.com/eq1CJfr
https://collections.arolsen-archives.org/en/archive/?s=Emil%20Rozsa&doc_id=10740083
https://pt.wikipedia.org/wiki/Natzweiler-Struthof
https://stevemorse.org/dachau/dachau.php?
firstnameKind=exact&firstnameMax=&lastnameKind=exact&lastnameMax=&birthmonthKi
nd=exact&birthmonthMax=&birthdayKind=exact&birthdayMax=&birthyearKind=between
&birthyearMin=&offset=143100
https://www.cmav.pt/pages/434 - Enviei um email à Câmara de Arcos de Valdevez para ver
se encontrava mais informação sobre João Fernandes que nasceu na freguesia de Gondariz,
mas não obtive resposta.
https://www.struthof.fr/recherche?tx_solr%5Bq%5D=portuguese – Tentei contactar para
obter mais informações sobre Emil Rosza mas não obtive resposta.
88

8. DOSSIER BIOGRÁFICO DE MANUEL ALFREDO LOPES


Mariana Costa
Nome: Manuel Alfredo Lopes
Nacionalidade: Portuguesa (Santo Antão, Cabo Verde)
Data de Nascimento: 15 de março de 1881
Data de Falecimento: 18h40, 10 de junho de 1941 (Cancro de Intestino)
Cônjuge: Anna Wilhelmine
Data de Nascimento: 7 de outubro de 1893
Data de Falecimento: 5 de agosto de 1968, Bensheim
Manuel Alfredo Lopes foi um português, nascido em Santo Antão, Cabo Verde.
Mudou-se para Darmstadt, na Alemanha onde, alegadamente, foi a primeira pessoa negra na
cidade. Foi condenado por traição, comentários depreciativos contra o Reich e assalto.
Casou-se com Anna Wilhelmine, com quem teve dois filhos, Maria Lopes e Alfredo
Christian Lopes.58 Vem a falecer pelas 18h40 do dia 10 de junho de 1941, vítima de cancro
do intestino. Deixou como seus herdeiros a esposa e os dois filhos. O seu espólio consistia em
roupas, livros e mobília.

Imagens 1 e 2: Arquivos do Ministério Público do Registo Criminal de Manuel


Alfredo Lopes,
emitido pelo Tribunal Distrital de Darmstadt, Arolsen Archives59

58
https://collections.arolsen-archives.org/G/wartime/02010101/0519/1064836/001.jpg
59
https://collections.arolsen-archives.org/en/archive/12071121/?p=1&s=Manuel%20Lopes&doc_id=12071121
– Arolsen Archives
89

Imagem 3: Certificado de Óbito de Manuel Alfredo Lopes60

60
https://collections.arolsen-archives.org/en/archive/70307181/?p=1&s=Manuel%20Lopes&doc_id=70307181
– Arolsen Archives
90

Imagem 4: Lista de Militares e civis estrangeiros residentes em Darmstadt, Arolsen


Archives61

Figura 2: Lista de Militares e civis estrangeiros residentes em Darmstadt, Arolsen Archives62

61
https://collections.arolsen-archives.org/en/archive/70307184/?p=1&s=Manuel%20Lopes&doc_id=70307184
– Arolsen Archives
62
https://collections.arolsen-archives.org/en/archive/70307184/?p=1&s=Manuel%20Lopes&doc_id=70307184
– Arolsen Archives
91

Figura 3: Testamento de Manuel Alfredo (esposa e filhos, respetivamente) e espólio


do falecido Manuel Alfredo Lopes63

“Viúva: Anna Wilhelmine, nascida em Merker Darmstadt, Bohleßgasse 23


Filhos:
a) Maria Lopes, sem profissão, Darmstadt, Bohleßgasse 23
b) Alfredo Christian Lopes, que aí vive.
O património do falecido é constituído por roupas e (...).
- Detalhes desconhecidos.” 64

63
https://collections.arolsen-archives.org/G/wartime/02010101/0519/1064836/001.jpg - Arolsen Archives

64
Tradução do Testamento de Manuel Alfredo Fernandes, por Mariana Costa
92

Figura 4: Certidão de óbito de Manuel Alfredo Lopes65

TRADUÇÃO:
“Cartório do Registo Civil de Darmstadt No. 842/1941)
O trabalhador não qualificado Manuel Alfredo Lopes, de religião católica, em Darmstadt,
Schlobgaßasse 23, morreu a 10 de junho de 1941 às 18h40 em Darmstadt. O falecido nasceu
em 15 de março de 1881 em Santo Antão, Província de Cabo Verde (Portugal). 66 O falecido
era casado: com Anna Wilhelmine Lopes, nascida em Merker.”67

65
https://collections.arolsen-archives.org/G/wartime/02020202/0122/140669893/001.jpg
66
https://collections.arolsen-archives.org/H/ITS_import_june_2011/21/updates/aa/cz/gl/001.jpg - Arolsen
Archives
67
Tradução da Certidão de Óbito de Manuel Alfredo Fernandes por Mariana Costa
93

Imagens 6, 7 e 8: Listas de nomes e correspondências pertencentes a estrangeiros em


Darmstadt68

Webgrafia/ Bibliografia

 Arolsen Archives- https://collections.arolsen-archives.org/search/


 https://arcinsys.hessen.de/arcinsys/start.action?
sessionmsg1=Ihre+Session+ist+abgelaufen.+Bitte+rufen+Sie+die+gew
%C3%BCnschte+Seite+erneut+auf.&request_locale=en - Hessian State Archives
 https://www.darmstadt.de/sprachversionen/english
 https://www.darmstadt.de/leben-in-darmstadt/soziales-und-gesellschaft/kirchen/
friedhoefe

68
https://collections.arolsen-archives.org/H/ITS_import_june_2011/21/updates/aa/cv/wk/001.jpg - Arolsen
Archives E https://collections.arolsen-archives.org/H/ITS_import_june_2011/21/updates/aa/cx/si/001.jpg -
Arolsen Archives
94

9. DOSSIER BIOGRÁFICO DE MANUEL LOPES


Beatriz Albuquerque
Nome: Manuel Lopes
Nacionalidade: Portuguesa
Data de Nascimento: 14 de setembro de 1911
Data de Falecimento: 28 de maio de 1944
Manuel Lopes foi um português morto em Espenhain, Estado da Saxónia, Alemanha,
em 28 de maio de 1944, no decorrer de um ataque aéreo. Foi sepultado no cemitério de
Dreiskau-Muckern.

Imagem 1: Nacionalidade/Origem da pessoa listada – Manuel Lopes69

69
Tradução da lista de nomes de estrangeiros que morreram na Alemanha, tradução por Beatriz Albuquerque.
95

Imagem 2: Lista de nomes de estrangeiros que morreram na Alemanha70

70
https://collections.arolsen-archives.org/G/wartime/02010401/0002/134393405/001.jpg - Arolsen Archives
96

FONTES

 https://collections.arolsen-archives.org/en/archive/70968024/?p=1&s=Manuel
%20Lopes&doc_id=70968024
 https://www.staatsarchiv.sachsen.de/index.html
 https://www.leipzig.de/datenschutzerklaerung/#c34815
97

10. DOSSIER BIOGRÁFICO: JOAQUIM FARIA DE SÁ


Mariana Costa

JOAQUIM FARIA DE SÁ (PRISCOS)

Nascido a 14 de janeiro de 1892, na freguesia de Priscos, no município de Braga,


casa-se com Joaquina Martins Gomes, e falece a 19 de maio de 1972. Joaquim Faria de Sá
alista-se no Corpo Expedicionário Português a 11 de julho de 1913, integrado no Regimento
de Infantaria nº 8. Pouco se sabe sobre o tempo em que serviu o exército português, apenas
que foi ferido em combate, o que lhe garantiu uma licença por motivos de saúde de 90 dias. É
de salientar que também foi feito prisioneiro no Campo de Münster II, na Alemanha. O seu
paradeiro durante o tempo em que permaneceu no estrangeiro foi, grande parte do tempo,
uma incógnita para a sua família, assim como a data em que regressou definitivamente a
Portugal. Segundo relatos da sua família, este estava totalmente irreconhecível quando
regressou.

Imagem 1: Retrato fotográfico de Joaquim Faria de Sá


98

Imagem 2: Boletim Individual de Soldado, (Arquivo Nacional da Defesa)


99
100

Imagem 3:

DOC : Caderneta militar de Joaquim Faria de Sá


101

DOC : Caderneta militar de Joaquim Faria de Sá


102

DOC : Caderneta militar de Joaquim Faria de Sá


103

DOC : Caderneta militar de Joaquim Faria de Sá


104

DOC : Requisito de transporte


105

CAPÍTULO III
FAMALICENSES NO SISTEMA CONCENTRACIONÁRIO
106

1. CONTEXTUALIZAÇÃO: VILA NOVA DE FAMALICÃO NOS INÍCIOS DO SÉCULO XX


Maria Carolina Gonçalves

1.1. DO FIM DO SÉCULO À REPÚBLICA

"Famalicão é, portanto, do seu tempo, está no modo de ver e de sentir da sua época: é uma
povoação moderna que se inspira no presente, caminhando para o futuro ciosa da sua honra, do seu
trabalho e da sua beleza." É deste modo que Sousa Fernandes, escritor e político republicano,
caracteriza Vila Nova de Famalicão no limiar do século XX. De facto, Vila Nova de Famalicão
viveu nos últimos anos do século XIX e nos inícios do século XX um período de claro dinamismo
nos domínios económico, social e cultural. Favorecida pela construção das estradas nacionais,
nomeadamente da estrada Porto-Braga, e das linhas ferroviárias do Minho e da Póvoa, Vila Nova de
Famalicão tornou-se num dos principais polos de comunicações do Norte do País. Após a
inauguração do caminho de ferro (1875), começaram a instalar na então vila, sobretudo na zona
envolvente da estação dos caminhos de ferro, fábricas e oficinas que irão mudar gradualmente a
fisionomia da vila e torná-la num importante centro industrial.
Em 1892, é criada a Tipografia Minerva, que se torna numa das empresas gráficas mais
importantes do País. Passados três anos, instala-se em Vila Nova de Famalicão A Boa Reguladora, a
primeira fábrica de relógios da Península Ibérica. Em 1896, Narciso Ferreira implanta em Riba de
Ave a sua primeira fábrica têxtil, o que contribuiu para fazer de Riba de Ave, até então uma
pequena povoação rural, um dos principais centros da indústria têxtil do Norte do País. Atraídos
pelas perspetivas da melhoria das condições de vida, que o desenvolvimento económico do
concelho ia criando, migraram para o concelho pessoas originárias das regiões Norte e Centro e
também da Galiza. Paralelamente, um grande número de famalicenses emigrava para o Brasil
igualmente em busca de um futuro melhor. Devido ao desenvolvimento da indústria e do comércio,
Vila Nova de Famalicão tornou-se cada vez mais num centro urbano tipicamente burguês. Mas o
dinamismo local não se resumiu ao plano económico. Além das Festas Antoninas, que então
tiveram uma fase bastante próspera, as atividades culturais em Vila Nova de Famalicão nos últimos
anos do século XIX e nos primeiros anos do século XX tiveram um período áureo. Em 1891, surge
a revista Nova Alvorada, importante publicação cultural onde colaboraram nomes ilustres da
intelectualidade portuguesa, como Antero de Quental, Raul Brandão, Guerra Junqueiro, Oliveira
Martins, Leite de Vasconcelos, etc. Além de Sousa Fernandes, merecem destaque na
intelectualidade famalicense deste período: Júlio Brandão, poeta e arqueólogo, Sebastião de
Carvalho, escritor, e Silva Mendes, advogado e pensador político anarquista. Entretanto, em 1901, o
cinema chegou a Vila Nova de Famalicão, passando a concorrer com o teatro, um dos principais
lazeres da burguesia famalicense, Em 1909 a iluminação elétrica é inaugurada em Vila Nova de
Famalicão - o primeiro concelho do Minho a usufruir da energia elétrica. No domínio político, o
concelho de Vila Nova de Famalicão não foi modo algum imune à evolução mais geral do País. A
monarquia constitucional ia queimando os últimos cartuxos. Aproveitando o crescente descrédito
interno e externo das instituições monárquicas, o Partido Republicano ia ganhando uma crescente
implantação na sociedade portuguesa. A nível local, os republicanos não deixam de se manifestar,
107

quer nos atos eleitorais, quer na promoção de iniciativas culturais e cívicas. Existem, efetivamente

testemunhos de famalicenses ilustres dando a sua opinião sobre o Partido Republicano. Temos, pelo
menos, dois testemunhos; o de Manuel da Silva Mendes (1869-1938) e o de Nuno Castelo Branco
(1864-1896). Nuno Castelo Branco, a 27 de Outubro de 1895 no jornal “O Leme”, numa crónica
denominada “A Política do Concelho”, analisa os três partidos que então vão concorrer à autarquia
famalicense: do Partido Regenerador, diz-nos que “as coisas não lhe estão na melhor ordem”,
enquanto relativamente ao Partido Progressista questiona: “Quem é o chefe? Onde está o chefe?
Quem são os progressistas? Onde estão eles?” Quanto ao Partido Republicano, afirma que este é o
que vai ganhando “sangue novo”, tratando “de se preparar para as eleições camarárias com toda a
sua força.” E continua: “ Não sabemos se tem bons dados para o alcançamento da vitória”, existindo
“grande receio por parte dos regeneradores, progressistas e mesmo católicos”.71

71
Nuno Castelo Branco, a 27 de Outubro de 1895 no jornal “O Leme”, numa crónica denominada “A Política do
Concelho”
108

Imagem1: Fotografia da Tipografia Minerva no século XX

Imagem 2: Fábrica “A Boa Reguladora” no século XX


109

Imagens 3 e 4: Festas Antoninas no século XX

Imagem 5: A indústria têxtil famalicense


110

Imagens 6 e 7: O centro da vila


111

DOC : Festas Antoninas no século XX


112

1.2. A REPÚBLICA: ESPERANCA E DESILUSÂO

A 5 de outubro de 1910, a revolução republicana triunfa em Lisboa, Vila Nova de Famalicão


sabe da notícia por telégrafo. No mesmo dia, Daniel Santos, presidente da Câmara monárquica,
entrega o poder municipal à comissão local do Partido Republicano Português, presidida por Sousa
Fernandes: no dia 8 de outubro, a República é oficialmente proclamada em Vila Nova de Famalicão
e toma posse uma comissão administrativa para governar o município.
Após a aprovação da Constituição de 1911, que marcou a constitucionalização do novo regime,
os republicanos dividiram-se em diversos partidos políticos, o que não deixou de ter repercussões
na vida política do concelho. Os republicanos famalicenses dividiram-se entre o Partido
Evolucionista, de tendência conservadora e o Partido Democrático, de inspiração radical e
anticlerical, liderado por Sousa Fernandes. Por seu turno, os monárquicos famalicenses continuaram
mais ou menos ativos, em grande parte devido ao prestígio de figuras como o Conde de Arnoso e o
Visconde de Pindela. Em 1913, foi aprovada a legislação sobre a organização do poder municipal.
A nova legislação previa a eleição por sufrágio direto da Câmara Municipal, que elegeria de entre
os seus membros uma Comissão Executiva. NasNova
Imagem 8: Jornal eleições
Alvorada municipais do mesmo ano, venceram
folgadamente os Democráticos. O ano de 1914 foi caracterizado em Vila Nova de Famalicão pela

polémica em torno da criação do concelho de Riba de Ave. Devido à sua forte influência, Narciso
Imagem 9: Cine-Teatro Famalicense
Ferreira conseguiu convencer os senadores dos Partidos Evolucionista e Unionista a apresentarem a
proposta da criação do concelho de Riba de Ave, que agruparia as áreas mais industrializadas dos
concelhos de Vila Nova de Famalicão, de Guimarães e de Santo Tirso. Devido à oposição enérgica
113

das autoridades municipais e de alguns senadores, nomeadamente de Sousa Fernandes, o projeto foi
chumbado no Senado. 1914 foi também o ano da eclosão da I Guerra Mundial. Em 1915, o
famalicense Bernardino Machado é eleito Presidente da República pelo Parlamento. Passado um
ano, Portugal entra na guerra ao lado dos Aliados. As consequências políticas e sociais no interior
do país não se fazem esperar. Em dezembro de 1917, um golpe militar encabeçado por Sidónio Pais
destituiu os órgãos de soberania eleitos e instaurou uma ditadura militar de carácter presidencialista
e populista. Em V. N. Famalicão a revolta já estava prevista, “Numa fase inicial os republicanos
famalicenses deram o benefício da dúvida às crescentes crispações decorrentes do autoritarismo
sidonista.”72
Passado um ano, Sidónio Pais é assassinado, o que aumenta a instabilidade política, já de si
crónica. Em janeiro de 1919, aproveitando a situação de anárquica, os monárquicos proclamaram a
restauração da monarquia no Norte do País, incluindo em Vila Nova de Famalicão, o que provocou
a eclosão da guerra civil. Após um mês de confrontos, as forças republicanas recuperaram o
controlo do Norte. Em 1919, as eleições locais dão a vitória aos Democráticos, que indicam para
presidente da Comissão Executiva Júlio de Araújo, que apresenta um audacioso plano de
melhoramentos e prevê um número significativo de investimentos públicos para a vila e o concelho,
entre os quais a construção de uma avenida entre o centro da vila e a estação ferroviária. Passados
dois anos, Júlio de Araújo é derrubado num "golpe de estado", devido a divergências no interior dos
Democráticos. Com a destituição de Júlio de Araújo, a concretização dos investimentos municipais
marca passo e a administração municipal cai num estado de estagnação. Entretanto, os famalicenses
Nuno Simões e Daniel Rodrigues são nomeados membros do Governo, respetivamente para as
pastas ministeriais do Comércio e das Finanças. Em Novembro de 1925, devido à resignação de
Teixeira Gomes, Bernardino Machado é eleito Presidente da República.

72
Retirado do Jornal Estrela do Minho, na edição de 16 de dezembro de 1917.

Imagem 10: Constituição de 1911


114

1.3. O ESTADO NOVO: INDUSTRIALIZAÇÃO E DITADURA

Em 28 de Maio de 1926, eclode um movimento militar em Braga, liderado pelo general Gomes
da Costa, insurgindo-se contra a situação política e social do País. “O movimento eclodiu em Braga,
em 28 de maio de 1926, liderado pelo general Gomes da Costa, repercutindo-se em todo o país, com
um número crescente de unidades militares a proclamar a sua adesão ao golpe” 73. O Governo envia
então um contingente militar, comandado pelo coronel David Rodrigues, para enfrentar os
golpistas. Contudo, o chefe das tropas governamentais celebra em Vila Nova de Famalicão um
acordo com Gomes da Costa. O acordo de Vila Nova de Famalicão provoca a demissão do Governo
constitucional e a instauração da Ditadura Militar, cujos líderes dissolvem o Parlamento e
restringem progressivamente o exercício das liberdades fundamentais.
Em 1933, tem lugar em Vila Nova de Famalicão uma greve geral devido ao incumprimento da
lei sobre o horário de trabalho. Com efeito, a implantação no concelho de indústrias teve como
consequência o surgimento de um operariado que vivia sobretudo nas povoações vizinhas da vila e
nas freguesias ribeirinhas do Ave. As condições de vida eram más, devido às longas jornadas de
trabalho, aos baixos salários e à ausência de mecanismos de proteção social. Por isso, em março de
1931, os trabalhadores famalicenses lançaram uma greve geral, reivindicando o cumprimento da
legislação laboral. A greve foi um sucesso. O ano de 1931 foi igualmente marcado pelas
repercussões locais da Grande Depressão. Todos os bancos famalicenses faliram, o que cria um
grave problema de crédito na economia local. Devido às solicitações dos empresários famalicenses,
Cupertino de Miranda instala uma agência da sua casa bancária, que será o embrião do Banco
Português do Atlântico.
Em 1933, foi aprovada a Constituição, que marca a consagração institucional do Estado
Novo e do crescente poder autocrático de Oliveira Salazar, que tinha sido nomeado ministro das
Finanças em 1928 e chefe do Governo em 1932.
Em 1936, foi aprovado o Código Administrativo, que regulava a organização e o
funcionamento dos órgãos municipais. “Os municípios eram classificados em duas classes (rurais e
urbanos), e dentro de cada classe, em três ordens, cuja definição resultava de combinação de fatores
de cariz demográfica, territorial e fiscal. O Código Administrativo do Estado Novo previa dois tipos
de órgãos municipais: os comuns e os especiais. Os órgãos comuns eram o Conselho Municipal, a
Câmara Municipal e o Presidente da Câmara Municipal. O Código, de inspiração autoritária e
centralizadora, estabelecia como órgãos municipais o Conselho Municipal, a Câmara Municipal e o
Presidente da Câmara.” 74O Conselho Municipal era constituído pelos representantes das
denominadas entidades corporativas do concelho (Juntas de Freguesia, grémios patronais, sindicatos
nacionais, misericórdia, etc), competindo-lhe eleger os vereadores da Câmara e ratificar as suas
deliberações mais importantes. O Presidente da Câmara Municipal era o órgão político por

73
Livro “Portas da História de Vila Nova de Famalicão”: Promotor/Edição: Câmara Municipal de Vila Nova de
Famalicão; Direção: Paula Alexandre Cunha; Textos: António Joaquim Pinto da Silva – Coordenador do Arquivo
Municipal, Amadeu Gonçalves – Artur Sá da Costa – Investigador, Daniel Faria – Técnico Superior do Município,
capítulo 3.1.
74
Livro “Portas da História de Vila Nova de Famalicão”, referido na nota 3, capítulo 3.2.
115

excelência, sendo nomeado pelo Governo. Com a consolidação do Estado Novo, a vida pública
local foi progressivamente sujeita a crescente controlo governamental.
A II Guerra Mundial teve consequências no concelho, apesar do país ter mantido a
neutralidade. “Apesar de ter conseguido manter a neutralidade no conflito mundial, Portugal não
deixou de sentir os efeitos económicos, sociais e inclusive políticos da guerra.”75
Com o desenrolar da guerra, começaram a faltar matérias-primas, equipamentos e bens
alimentares. O racionamento e o açambarcamento regem a vida económica. Numa tal situação, a
agitação social aumenta. Vila Nova de Famalicão não é exceção. São promovidas greves e
manifestações, muitas das quais acabam em confrontos com a polícias.
A vitória dos Aliados foi saudada por grandes manifestações populares. Para muita gente, a
derrota do nazismo era um prenúncio do derrube do salazarismo. A oposição reorganizou-se, tendo
criado o Movimento da Unidade Democrática (MUD), uma frente política que unia todos as
correntes da oposição. Vila Nova de Famalicão foi um dos concelhos onde a atividade da oposição
democrática foi mais ativa, tendo congregado a participação de diversos elementos, desde
republicanos históricos, como Daniel Rodrigues, a comunistas, nomeadamente Armando Bacelar e
Lino Lima.

2. OS FAMALICENSES E A ALEMANHA NAZI

Beatriz Faria, Beatriz Silva, Hugo Silva, João Campos,


Maria Carolina Gonçalves, Mariana Costa, Simão Costa

INTRODUÇÃO

75
Livro “Portas da História de Vila Nova de Famalicão”: Promotor/Edição: Câmara Municipal de Vila Nova de
Famalicão; Direção: Paula Alexandre Cunha; Textos: António Joaquim Pinto da Silva – Coordenador do Arquivo
Municipal, Amadeu Gonçalves – Artur Sá da Costa – Investigador, Daniel Faria – Técnico Superior do Município,
capítulo 3.3.
116

Uma equipa de investigadores portugueses e estrangeiros tem trabalhado, nos últimos anos,
numa grande e inovadora investigação que pretende conhecer os portugueses vítimas do Nazismo.
Por outro lado, em ligação com o Programa de Famalicão para o Mundo e com investigadores
famalicenses, nomeadamente Arminda Ferreira, tem-se usado fontes primárias locais para tentar
clarificar o contexto social e económico do território, e compreender que famalicenses estiveram
envolvidos e como é que os emigrantes famalicenses caíram nas malhas do sistema
concentracionário nazi.
De modo a conectar este tão importante tópico com o nosso município, é importante ter
conhecimento sobre a existência de famalicenses que estiveram direta ou indiretamente ligados ao
Sistema Concentracionário da Alemanha Nazi. De todos os portugueses referenciados pelo estudo
liderado pelo professor Fernando Rosas, foram identificadas 11 pessoas de Vila Nova de Famalicão.
Seguem-se então alguns famalicenses, que estiveram nestas condições degradantes, com graves
violações dos direitos humanos, sendo a sua apresentação acompanhada de uma pequena explicação
de como foi a sua história no sistema concentracionário nazi.

2.1. ADRIANO MOREIRA DA SILVA (LOUSADO)

Beatriz Faria, Simão Costa

Adriano Moreira da Silva nasceu a 6 de março de 1920, em Lousado. O pai, António Silva
Rosa, é ferroviário, natural de Carreço, Viana do Castelo; a mãe, Idalina Moreira, nasceu no lugar
de Gandra, freguesia de Santo Adrião, tendo ambos 21 anos quando nasce o filho. O percurso até
França é desconhecido, mas quando Adriano parte para trabalhar na Alemanha encontra-se já
casado com Camille Renaud, residindo o casal em Rueil-Malmaison, nos arredores de Paris. De
janeiro a dezembro de 1943 trabalha na fábrica de relógios da Kienzle, em Schwenningen am
Neckar.
Em julho de 1943, a fábrica emite um visto coletivo para 18 trabalhadores para saída única e
reentrada (documento 2) e Adriano é autorizado a regressar a França, para gozar férias, com a
condição de voltar para a Alemanha, onde é suposto trabalhar até dezembro de 1943. Sofre, muito
provavelmente, um acidente de trabalho, com esmagamento da parte frontal do pé esquerdo e uma
fratura no 4.° dedo do mesmo pé.76

76
Informações retiradas do panfleto informativo da Exposição “Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich, e Os
Famalicenses no Sistema Concentracionário Nazi”.
117

77

Documento 1: Documento da fábrica alemã onde Adriano Moreira de Silva trabalhava (Arolsen Archives)

77
Documento retirado dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
https://collections.arolsen-archives.org/archive/70824945/?p=1&s=silva,%20adriano&doc_id=70824945
118

78

Documento 2: Documento da fábrica alemã onde Adriano Moreira de Silva trabalhava (Arolsen Archives)

78
Documento retirado dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
119

CÂNDIDO FERREIRA (CASTELÕES)

Beatriz Faria, Simão Costa

Cândido Ferreira nasceu em Castelões, Vila Nova de Famalicão, a 17 de abril de 1922, e faleceu
por volta do dia 24 de fevereiro de 1945 79. Tinha emigrado para França com os seus pais, segundo
um dos documentos encontrados, em 25 de novembro de 1928, Avelino Ferreira e Joaquina Ribeiro
Machado, quando era ainda muito pequeno. Em 1939, residia em Loubert, no departamento da
Charante, na Rue Laffitte. Tal como o pai, Cândido exercia o ofício de pedreiro.
Foi preso pela polícia francesa em Roumazières-Loubert por crime de delito comum. Julgado
em tribunal, foi punido com pena de prisão, que cumpriu em Limoges (de 2 de julho de 1943 a 8 de
setembro de 1943) e depois no presídio de Eysses (de 8 de setembro de 1943 a 2 de julho de 1944).
No final da pena, foi transferido para o campo de triagem de Noé, que constituía numa reserva de
mão de obra para o trabalho na Alemanha.

Documento 3: Documento individual de Cândido Ferreira (Arolsen Archives) 80

79
Informação retirada de uma investigação publicada no Jornal “Publico”.
120

80
Documento retirado dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
121

Documento 4: Documento individual de Cândido Ferreira (Arolsen Archives) 81

A família perdeu-lhe o rasto em finais de julho de 1944. Em 1946, o pai, Adelino Ferreira, ainda
procurava informações sobre o desaparecimento do filho.
Cândido havia sido deportado, juntamente com os portugueses Venâncio Dias, Luís Ferreira,
António Ribeiro e
Aníbal dos Santos, no
comboio que partiu de
Toulouse a 31 de julho de
1944, e internado em
Buchenwald, a 5 de agosto
de 1944, com o n.º 69209.
Segundo a ficha de
prisioneiro, à letra “Carta de
detenção”, media 1,62 cm
e era magro. Tinha o rosto
oval, olhos castanhos e
cabelo preto.

Documento 4: Ficha de prisioneiro de Buchenwald de Cândido Ferreira

81
Documento retirado dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
122

Resistiu poucos meses às duras condições de vida do campo, vindo a falecer a 24 de fevereiro
de 1945, segundo a documentação alemã, vítima de gastroenterite.

Documento 4: Cartão do
Gabinete do Registo das Vítimas de Guerra (Arolsen Archives) 82

CELESTINO E RITA BENTO DA SILVA (FRADELOS)

Beatriz Faria, Simão Costa

Celestino nasceu em Fradelos, em 9 de janeiro de 1897. Consultando os livros de Registos da


Paróquia de Santa Leocádia de Fradelos, encontramos a sua certidão de nascimento, que nos
informa que foi batizado a 12 de janeiro e era filho de José Bento da Silva, natural de Fradelos, e
Emília Isabel Oliveira, nascida no hospital de Santo António, no Porto.

82
Documentos retirados dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
123

Documento 5: Assento de batismo de Celestino Bento da Silva83

Com 23 anos, casou-se com Rita Ferreira de Carvalho, de 24 anos de idade, nascida em 9 de
agosto de 1896, natural da vizinha freguesia de Balazar, arciprestado de Vila do Conde, atual
freguesia do concelho de Póvoa do Varzim, a 5 de agosto de 1920. O casamento foi celebrado pelo
pároco Manuel Gomes da Costa Carneiro e teve como testemunhas o lavrador José dos Santos e o
seu criado José, do lugar da Igreja.

83
Registos da Paróquia de Santa Leocádia de Fradelos, Livro de assentos de batismo (1860-1911), ano de
1897, Assento nº2.
124

Documento 6: Assento de casamento de Celestino Bento da Silva e Rita Ferreira de Carvalho 84

Trabalhador rural e analfabeto, pai de dois filhos (António, nascido em 1921, e Adelino, em
1923)85 tentou a sua sorte como emigrante. A freguesia tinha já uma forte tradição de emigração
para o Brasil, mas Celestino optou por uma tendência que só se acentuará de forma muito forte nos
anos 60, a emigração para a Europa Ocidental.
Logo no ano seguir ao nascimento do segundo filho, pediu o passaporte 86 e emigrou para
França em busca de melhores perspetivas de vida. Assim, munido de um passaporte concedido pelo
Governo Civil de Braga e de um contrato de trabalho, Celestino partiu em abril de 1924. A família
juntou-se-lhe pouco depois.
Os primeiros anos foram de intensa mobilidade, em função dos estaleiros nos quais Celestino se
empregou como lenhador, acabando por se instalar em Picquigny, no departamento do Somme.
Entretanto nasceram mais seis filhos, Manoël, Bertha, Gérard Pierre, Gilbert, Claudie, e Maximo87.
Em 1932, a família adquiriu a nacionalidade francesa. Durante os anos da Frente Popular,
Celestino e os filhos mais velhos participaram em atividades locais ligadas ao Partido Comunista
Francês, o que levará a família a ser considerada «suspeita do ponto de vista nacional» durante o
regime de Vichy. A nacionalidade francesa foi retirada à família Bento da Silva por um decreto com
data de 2 de setembro de 1942. No final da II Guerra Mundial, o governo francês restituiu a
nacionalidade francesa aos desnaturalizados de Vichy.
A família Bento da Silva participou nos combates de libertação da França. No verão de 1944,
António e Adelino pegaram em armas para expulsar as tropas alemãs de Picquigny, e colaboraram
nas operações de perseguição e detenção dos soldados que ficaram na retaguarda.

84
Documento retirado dos Registos da Paróquia de Santa Leocádia de Fradelos, Livro de assentos de casamento (1920-
1938), o registo foi feito no ano de 1920, assento nº9.
85
Os registos de batismo dos seus filhos não existem em Fradelos.
86
https://portal.arquivos.pt/record;jsessionid=F34D6684F0EDA70830B4FC18DD3C7124?id=oai%3APT
%2FUM-ADB%3A1226435&s=05xVd
87
Informação retirada de documentos dos arquivos franceses, Archives Nationales.
125

Documentos 5 e 6: Documentos da família Bento da Silva, relativamente à Desnaturalização de


Vichy (Archives Nationales)88

88
Documento retirado dos arquivos franceses, Archives Nationales.
126
127

JOÃO FARIA DE SÁ (SEZURES)

Beatriz Faria, Simão Costa

João Faria de Sá nasceu a 15 de março de 1910, em Sezures, Vila Nova de Famalicão. Morava
em Aston, no departamento de Ariège, nos Pirineus, onde trabalhava como operador de teleférico.
Era solteiro e não tinha filhos. Durante a ocupação alemã, vai colocar o teleférico ao serviço da
resistência, ao transportar patriotas que procuravam chegar à África do Norte, para se juntarem ao
exército da França Livre. A montanha, extremamente escarpada nesta zona dos Pirinéus, era de
difícil ascensão, pelo que o teleférico reduzia consideravelmente o tempo do percurso, e evitava que
os patriotas passassem pela estrada estreitamente vigiadas pelas tropas alemãs após a invasão da
zona livre.
Denunciado, foi preso em 23 de março de 1943 e deportado no âmbito da operação «Espuma do
Mar» (Meerschaum), que visava o envio de trabalhadores para a Alemanha, arrebanhados pelos
alemães em prisões ou rusgas. Passou pelas prisões de St. Michel, em Toulouse, e de Fresnes, nos
arredores de Paris, sendo depois transferido para Compiègne, de onde foi deportado para o campo
de concentração de Buchenwald. Foi registado no campo com o número 41109. De acordo com a
documentação do campo, media 1,54 e era magro, de olhos castanhos e cabelo preto.

Documento 7: Documento
com informações
pessoais, de João Faria de Sá
(Arolsen Archives)89

89
Documentos retirados dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
128

Documento 8: Ficha individual de João Faria de Sá (Arolsen Archives)

João Faria de Sá foi libertado a 11 de abril de 1945, tendo regressado ao departamento onde
residia antes da deportação.
Apesar de ter sobrevivido ao internamento, as sevícias físicas sofridas e as condições em que
viveu no campo deixaram mazelas físicas irreversíveis: enfisema e bronquite, septicemia, picardite
e asma, tendo passado longos meses de internamento no pavilhão pulmonar do hospital de
Pamiers.90

90
Informações retiradas do panfleto informativo da Exposição “Trabalhadores Forçados Portugueses no III Reich, e Os
Famalicenses no Sistema Concentracionário Nazi”.
129

JOAQUIM SIMÕES (TELHADO)

Mariana Costa

Natural do lugar de Cal de Baixo, freguesia de Telhado, nasce a 1 de maio de 1908. É filho de
Manuel Simões Lopes e Engrácia Simões Correia e emigra clandestinamente para França. Tem 31
anos quando se alista na Legião Estrangeira, no centro de recrutamento de Pau. Segundo a sua
família, nunca mais regressou definitivamente a Portugal. Casou com uma cidadã francesa de nome
Charlotte (apelido desconhecido), com quem teve dois filhos, Sylvette Simões e o nome do segundo
filho é desconhecido, porém sabe-se que este emigrou para Angola, onde viveu com a sua esposa e
dois filhos, mais tarde também viria a falecer aí. Nenhum dos seus descendentes diretos reside em
Portugal e a sua família distante, em Portugal, não mantem qualquer tipo de contacto há vários
anos.

Documento 9: Documento
com alistamento de
soldados, feito pelo centro de
recrutamentos, (Arolsen
Archives) 91

1. JOSÉ DA COSTA (ARNOSO)

João Campos, Hugo Silva

91
Documento retirado dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
130

Nasce na freguesia de Arnoso, Santa Eulália, a 11 de setembro de 1906, foi batizado no dia 12
de setembro de 1906, filho de Domingos da Costa, que tinha como profissão cesteiro, e de Maria
Ferreira, que era jornaleira.

Documento 10: Retrato fotográfico de


Domingos da Costa, pai de José da Costa
(Arquivo da família de José da Costa)

Documento 11: Retrato fotográfico


Aos
de Manuel da Costa, 18 deanos,
irmão em
José da
Costa (Arquivo da família de
1924, é quando emigra para trabalhar como serrador em França. Contrariamente a muito José da
Costa)
emigrantes que partem na época, José da Costa sabe escrever. A 9 de março de 1936 casa-se
com Louise René Defour, em Paris, França 92. Já em 1939, alista-se num dos escritórios de
recrutamento abertos em Paris pelas autoridades militares, sendo afetado ao Depósito de
Infantaria nº 213.

92
Informações fornecidas pela sobrinha de José da Costa, numa entrevista.
131

Documento 12: Documento com alistamento de soldados, feito pelo centro de


recrutamentos, onde consta o nome de José da Costa (Arolsen Archives) 93

Em entrevista com a sobrinha de José da Costa, foi possível descobrir que o mesmo voltou a
Portugal, esteve cá cerca de 3 semanas, e tornou a França

MANUEL DA SILVA (LOUSADO)

Beatriz Faria, Simão Costa

Filho de António da Silva e de Adelina Moreira, nasceu em Lousado, a 25 de abril de 1923. A


família emigrou para França quando Manuel era ainda pequeno. Em setembro de 1933, no âmbito
da naturalização coletiva da família, Manuel adquiriu a nacionalidade francesa, ficando deste modo
abrangido pela lei de fevereiro de 1943, que impôs aos jovens o trabalho obrigatório na Alemanha
(STO).
Em fevereiro de 1944 encontramo-lo no maquis (grupo de guerrilheiros) de Lantilly, no
departamento da Côte d'Or, certamente para fugir ao STO, à imagem de muitos outros jovens que
engrossaram a luta contra o ocupante alemão. Com os companheiros, Manuel participou em ações
de sabotagem, de recolha de informações para os Aliados e de recuperação de armamento lançado
pelos aviões das forças Aliadas. A 25 de maio de 1944, o maquis de Lantilly foi atacado por tropas
alemãs e da milícia francesa, e os seus membros massacrados. Manuel da Silva foi preso e

93
Documento retirado dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
132

deportado para Dachau a 21 de junho de 1944, onde foi internado com o número 72469. De acordo
com a ficha de prisioneiro (fig. 13), era solteiro, magro, tinha 1,65 m, cabelos pretos e olhos castanhos.
A 5 de julho de 1944 foi transferido para o subcampo de Allach. Foi libertado pelas tropas
americanas a 30 de abril de 1945, regressando a França no final de maio.
94

MANUEL FERREIRA (DELÃES)

Beatriz Faria, Simão Costa

É natural de Delães, onde nasceu a 15 de março de 1919 95, e filho de José Ferreira e Bernardina
da Silva. Incorporado no 23º RMVE, em inícios de 1940, é enviado para a frente de guerra, vindo a
morrer em combate a 2 de junho de 1940, com apenas 21 anos. Posteriormente o Estado francês
agracia-o com a menção «Mort pour la France» (Morto pela França).96

Documento 14: Documento com o recrutamento de voluntários estrangeiros, (Mémoire des Hommes)

Documento 13: Ficha do prisioneiro Manuel da Silva em Dachau (Arolsen


Archives)

94
Documentos retirados dos arquivos alemães, Arolsen Archives.
133

MANUEL FERREIRA (LANDIM)

Maria Carolina Gonçalves, Beatriz Silva

Nascido em 6 de dezembro de 1883 (Pacelada, Landim), filho de José Vieira da Silva e . de


maria do Carmo. Naturalização: 12 de junho de 1928 por decreto. Arquivo de naturalização: 67871
X 28 (mantido no Arquivo Nacional com o símbolo BB / 11/11072). Retirada da nacionalidade:
Decreto de 29 de julho de 1941, publicado no Diário da República de 2 de agosto de 1941, após
exame na reunião n ° 230 de 19 de abril de 1941 pelo plenário. Residência: Seine-Inférieure; Seine-
Maritime. Este indivíduo foi integrado ao corpus graças à sua presença no processo BB / 27/1422-
BB / 27/1445 (seu processo encontra-se no artigo BB / 27/1444).A digitalização deste arquivo de
naturalização foi realizada como parte de uma colaboração entre os Arquivos Nacionais, o Museu
Memorial do Holocausto dos Estados Unidos e o Memorial Shoah. 
O elevado fluxo migratório para França inicia-se em 1916, com o “Acordo de Mão de Obra”,
assinado a 28 de outubro, no qual Portugal se compromete a fornecer trabalhadores para a indústria
de guerra francesa, no âmbito da I Guerra Mundial.  
Foram mobilizados um total de 22850 operários para a indústria e desconhece-se o número para
a agricultura.  Um destes operários era  Manuel Vieira da Silva nasceu na Aldeia da Pacelada em
Landim e emigrou para a França em abril de 1917 para trabalhar na fábrica
da Schneider no Creusot (zona industrial) e acaba por se instalar em 1921 no norte da França, onde
se começa a formar uma pequena comunidade portuguesa.
Casa-se em maio de 1925, já com 42 anos, com a francesa Louise Claire Leroy, de 25 anos, em
Saint-Etienne du Rouvray.

95
Segundo os registos fornecidos que estavam no panfleto informativo da Exposição “Trabalhadores Forçados
Portugueses no III Reich, e Os Famalicenses no Sistema Concentracionário Nazi”, a data de nascimento de Manuel
Ferreira estava como 15 de março de 1919, porém, durante a investigação descobrimos um documento onde a data de
Manuel Ferreira corresponde a 14 de março de 1919.
96
Documento retirado do arquivo Mémoire des Hommes.
134

Documento 15: Certidão de Casamento de Manuel Vieira da Silva e Lusie Claire Leroy97

O casal solicita a naturalização francesa e leva uma vida bastante pacífica em Saint-Etienne du
Rouvray, Chemin au Bon Clos, até à ocupação alemã, que resultou na prisão do famalicense em
outubro de 1940, por ter participado nas pilhagens durante a ocupação alemã. Com isto, o seu
dossiê de nacionalidade foi revisto. Por esta altura, já o famalicense tinha 57 anos e apresentava
problemas de saúde. A vida não parece ter corrido muito bem a Manuel, pois o documento da
Prefeitura do Sena Inferior refere que o famalicense vive praticamente na miséria.

97
Documento retirado do site dos aquivos nacionais do governo francês.
135

Documento 16:  Pedido de retirada de nacionalidade a Manuel pois este cometeu um crime98

Tradução do documento:
Documento “A 25
17: Pedido de retirada de dezembro
de nacionalidade depois
a Manuel, 1940, a pessoa
este cometeu em questão mandou fazer
um crime.

uma investigação a Vieira da SILVA (Manuel), nascido a 6 de dezembro de 1883, em Pacelada


98
Documentos retirados do site dos arquivos nacionais do governo francês.
136

[Landim]99, naturalizado francês por decreto de 12 de junho de 1928. O mesmo mora em St-
Etienne-du-Rouvray, Chemin au Bon Clos. Você encontrará, sob esta capa, um relatório policial a
respeito dele. Resulta da informação recolhida que Vieira da Silva, cuja atitude, até ao passado mês
de Junho, sempre foi a mais correta, foi condenado, no dia 2 de Outubro de 1940, pela correcional
tributária de ROUEN, a um mês de prisão com surata por saque cometido em junho de 1940.
Vieira da Silva vive atualmente na pobreza; ele está quase cego, desajeitado e não pode mais
trabalhar. Considero que, pelos bons motivos da boa informação geral recolhida a seu respeito e
pelas circunstâncias excecionais em que cometeu o crime que motivou a sua condenação, não é
necessária a perda da nacionalidade francesa; um aviso severo poderia, no entanto, ser dirigido a
ele.”

Documento 18: Defesa de Manuel ao que está a ser acusado100

Manuel apresenta um documento de bom comportamento em sua defesa, “A pessoa em


questão, Manuel Vieira da Silva, vive em Saint Etienne-du-Rouvray, na rua Emile Zola, certifica
que nunca foi condenado nem no seu país de origem nem em França por algum crime de dileto
comum nem por uma pena efetiva de prisão”, onde consta a sua assinatura.

Apesar de se encontrar cego, doente, incapacitado para trabalhar, a viver com pensão de
invalidez, e de ter sido considerado um elemento sem interesse, Manuel acabou por ser
desnaturalizado, por um decreto de julho de 1941, depois de uma vida a trabalhar ao serviço da
França101 , como visto no documento abaixo.
99
O documento refere Espanha, mas é um engano de quem registou.
100
Documento retirado do site dos aquivos nacionais do governo francês.
101
Informação retirada do “II Encontro – De Famalicão para o Mundo: Migrações e trabalho forçado em contexto de
guerra”, na conferência “A emigração portuguesa em França no entreguerras”, de Cristina Clímaco e Arminda Ferreira.
137

Documento 19: Desnaturalização de Manuel Vieira da Silva, enviada do Ministério da Justiça102.

Tradução do documento: “A qualidade de francês foi retirada por um decreto datado de 29


de julho em nome de VIEIRA DA SILVA (Manuel), nascido em 8 de dezembro de 1883 em
Pacelada (Espanha), domiciliado em Saint-Itienne-du-Rouvray e naturalizado francês por decreto de
12 de junho de 1928.
De acordo com as instruções contidas na sua circular de 3 de Maio de 1941, um extrato do
referido decreto foi afixado no Tribunal de Primeira Instância de Rouen, a 11 de agosto, e no painel
de afixação da Prefeitura, em 28 de agosto corrente.
Por outra parte, o texto foi publicado no Jornal de Rouen de 9 de agosto”.

102
Documento retirado do site dos aquivos nacionais do governo francês.
138

Documento 20: Processo nos arquivos franceses sobre a desnaturalização de Manuel Vieira da Silva
139

CAPÍTULO IV
LEMBRAR QUEM FOI ESQUECIDO

1. #EVERYNAMESCOUNT: BRINGING HISTORY TO LIFE. CATHERINE DIOR103


Alessandra Teixeira
Ginette, Catherine, Caro são nomes atribuídos à irmã mais nova de Christian Dior. Após a
primeira guerra, Catherine (é o nome seu verdadeiro nome) foi a inspiração do irmão para criar um
dos perfumes mais famosos atualmente, Miss Dior.
São poucas as pessoas que sabem da origem deste perfume, que foi inspirado numa mulher
obrigada a trabalho forçado na Alemanha, na segunda guerra mundial.
103
https://arolsen-archives.org/en/stories/roses-as-the-elixir-of-life/
140

Catherine participou na resistência francesa e em meados de agosto de 1944 foi deportada


para o campo de concentração de Ravensbrück, já em Torgau um subcampo de Buchenwald, foi
obrigada a limpar bombas não detonadas.
Passado umas semanas é enviada para Abteroda na Alemanha onde trabalha numa fábrica
que produz motores de aviões para a BMW.
Ginette Marie Catherine nasceu a dois de agosto em 1917 sendo a mais nova da família,
nascida e criada na frança, Paris Granville. Aos dezoito anos perde a sua mãe e é obrigada a mudar-
se para Callian, indignada segue o irmão mais velho Christian ate Paris.
Catherine, em 1941, conhece Hervé des Charbonneries e logo se apaixonaram. Hervé estava
envolvido na resistência, então Catherine logo se envolveu também e reunia informações sobre os
alemães, a nível de guerra.
Em 1944 foi presa e torturada para trair os seus companheiros o que não o fez, foi enviada
de Fresnes para Romainville, para abandonar Paris já ocupado pelos nazis. Cathérine foi registada
com o número 57813 e usava o triângulo vermelho (era o símbolo de prisioneiros políticos).
Em Torgau, ela e muitas outras mulheres eram consumidas na pele e nos pulmões pelos
ácidos que eram obrigadas a usar para limparem as bombas. Já com uma enorme debilidade na
saúde, as mulheres foram deportadas e Catherine foi forçada a trabalhos forçados para a BMW.
Depois de tanto sofrer, o fim da guerra chega, Catherine e Hervé mudam-se para a casa do
seu irmão Christian em Paris e começam a vender flores.
Com esta história, podemos aperceber-nos que, por trás de algo tão famoso e luxuoso,
poderá existir uma história triste e dolorosa e episódios tão negros da vida humana. É interessante
pesquisarmos e interessarmo-nos pelo nosso passado.

2. A II GUERRA MUNDIAL E AS VIOLAÇÕES DOS DIREITOS HUMANOS NA LITUÂNIA,


HISTÓRIA E CONSCIENCIALIZAÇÃO DOS ALUNOS - LEMBRAR PARA NÃO ESQUECER

Carolina Gonçalves
INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo evidenciar um pouco da história da Lituânia, a


diretamente ligada ao trabalho forçado, holocausto e ocupação, tendo em especial atenção as visitas
feitas pelos alunos da Escola Camilo Castelo Branco, durante a mobilidade Erasmus+ do projeto
“More Participatory Democracy, More Active Citizenship” ao país em questão. Recorrendo
também a fontes bibliográficas, mas, principalmente, ao meu arquivo pessoal de memórias,
documentos, fotografias e testemunhos, pretendo mostrar o quão presente está a memória das
vítimas da II Guerra Mundial nos alunos da Escola Camilo Castelo Branco. Temos plena noção de
que o que foi vivido não pode ser esquecido, e assim, somos cidadãos e estudantes ativos,
empenhados em espalhar informação e em consciencializar os portugueses, e os famalicenses, que
não imaginam o quão perto estão as memórias destas vítimas no nosso concelho, de Vila Nova de
Famalicão. Com estas visitas, levamos Famalicão no coração, deixamos um pouco da nossa cidade
e do que somos, trouxemos uma cidadania europeia viva, feita de História e de Memória, de
sofrimentos, de vergonhas e de dor, e de solidariedade para com os nossos amigos e parceiros, a
141

qual temos o imperativo de espalhar para gerar mais solidariedade, respeito, memória e consciência
cidadã noutros famalicenses e portugueses.  
Quando nos foi lançado o desafio de sermos “investigadores”, senti que era um imperativo
pessoal dar testemunho da escravização dos lituanos e do Holocausto, dos monstruosos atentados
aos direitos humanos que as famílias dos meus amigos viveram. Tenho esperança que este meu
testemunho alerte consciências e desperte para a necessidade premente de estudar, preservar,
musealizar, homenagear espaços e vivências, mas sobretudo as histórias de vida de seres humanos
que merecem a mesma dignidade que nós, Famalicenses. 
O trabalho encontra-se dividido em quatro partes: “O holocausto na Lituânia” , “9th
Forth”, “Cerimónia “Square of the Rightous of the World”, “Testemunhos dos alunos”. 
Espero atingir minimamente os leitores deste trabalho, sabendo que o que foi vivido e
entendido por mim e pelos meus colegas da mobilidade nunca vai ser totalmente transparecido para
a audiência, no entanto, darei o meu melhor para que sintam apenas uma percentagem do que nós
sentimos.  

O HOLOCAUSTO NA LITUÂNIA 

O Holocausto na Lituânia resultou na destruição quase total de judeus lituanos (Litvaks) e


polacos, que viviam na Generalbezirk Litauen do Reichskommissariat Ostland, controlado pelos
nazis.  
De aproximadamente 208.000–210.000 judeus, cerca de 190.000–195.000 foram
assassinados antes do final da Segunda Guerra Mundial, a maioria entre junho e dezembro de 1941.
Mais de 95% da população judaica da Lituânia foi massacrada durante a ocupação alemã de três
anos, ocupação esta que causou mais destruição na Lituânia do que sobre qualquer outro país
afetado pelo Holocausto. O Holocausto resultou na maior perda de vidas de todos os tempos em tão
curto período de tempo na história da Lituânia. Os eventos que ocorreram nas regiões ocidentais da
URSS ocupadas pela Alemanha nazi, nas primeiras semanas após a invasão alemã, incluindo a
Lituânia, marcaram a forte intensificação do Holocausto.  
Uma componente importante do Holocausto na Lituânia foi que a administração nazi
alemã alimentou o antissemitismo, ao culpar a comunidade judaica pela recente anexação da
Lituânia pelo regime soviético, um ano antes.  
Em 2021, o tópico do Holocausto na Lituânia e o papel desempenhado pelos lituanos no
genocídio, incluindo vários nacionalistas lituanos notáveis, permanecem controversos. No entanto, é
certo que este foi um duro e longo período na história da Lituânia, e existem, felizmente, marcas no
país desse período. Uma dessas marcas, é o 9th forth, Kaunas.  

9TH FORTH
Em 1882, o Império Russo iniciou um dos projetos mais importantes da época, a construção
de uma fortaleza à volta da cidade de Kaunas. Esta construção deveu-se à tensão em relação à II
Guerra Mundial, ou seja, o Império Russo queria aumentar os seus sistemas defensivos. A
construção do Nono Forte, o último forte, começou em 1903 e foi concluída na véspera da Primeira
Guerra Mundial. Hoje, o Nono Forte está aberto para visitantes, contando com um museu com o
objetivo de contar a trágica história deste forte. Os outros oito fortes da Fortaleza de Kaunas não
estão em uso hoje em dia, alguns deles estão totalmente cobertos de água.
142

Durante os anos da ocupação soviética, de 1940 a 1941, o Nono Forte foi usado
pelo NKVD104 para abrigar prisioneiros políticos que aguardavam transferência para os campos de
trabalhos forçados do Gulag105 .
Durante os anos da ocupação nazi, o Nono Forte foi usado como local de assassinato em
massa. 45.000 a 50.000 judeus, a maioria de Kaunas e em grande parte retirados do Gueto de
Kovno106, foram transportados para o Nono Forte e mortos por nazis e colaboradores lituanos, no
que ficou conhecido como o massacre de Kaunas.
Foram levados para Kaunas judeus de países como a França, Áustria e Alemanha durante o
curso da ocupação nazi que foram mais tarde executados no Nono Forte. Em 1943, os alemães
operaram esquadrões judeus especiais para cavar valas comuns e queimar os corpos restantes. Um
esquadrão de 64 pessoas conseguiu escapar da fortaleza na véspera de Natal de 1944. Naquele ano,
com a chegada dos soviéticos, os alemães liquidaram o gueto e o que então passou a ser conhecido
como o "Forte da Morte". Os prisioneiros foram dispersos para outros campos. Após a Segunda
Guerra Mundial, os soviéticos novamente usaram o Nono Forte como prisão por vários anos. Os
alunos da escola secundária Camilo Castelo Branco, na sua mobilidade à Lituânia com o projeto
Democracy, tiveram a honra e oportunidade de visitar o 9th Forth. Abaixo deixo algumas imagens
capturadas por mim no Forte.

104
O Comissariado do Povo para Assuntos Internos. Estabelecida em 1917 como NKVD da República Socialista
Federativa Soviética da Rússia, a agência foi originalmente encarregue de conduzir o trabalho policial regular e
supervisionar as prisões e campos de trabalho forçados do país.
105
Gulag era um sistema de campos de trabalhos forçados para criminosos, presos políticos e qualquer cidadão em geral
que se opusesse ao regime na União Soviética (todavia, a grande maioria era de presos políticos).
106
Gueto de Kovno foi um gueto estabelecido pela Alemanha Nazi para conter os judeus lituanos de Kaunas, durante
o Holocausto.
143

Imagem 1: Lápide localizada na entrada do IX FORTE, onde está gravado “O Caminho Da Morte” 107.

107
Todas as imagens aqui apresentadas são dos arquivos pessoais de Carolina Gonçalves e de outros alunos
do AECCB.
144

Imagem 2: Espaço exterior do 9th Forth, com cercas elétricas, limitando assim as tentativas de fuga dos prisioneiros

Imagem 3: Imagem da parte exterior do IX Forth.


“Aqui, perto desta parede, os Nazis queimaram e dispararam contra as vítimas do trabalho forçado entre 1943-1944”
145

Imagem 4: Pertences e fotografias de vítimas do IX FORTH

Imagem 5: “Na noite de 25 de dezembro de 1943, 64 vítimas dos crimes NAZIS escaparam por este
caminho” .
146

Imagem 6: Imagem de algumas das pessoas que conseguiram fugir do Forte na noite de 25 de
dezembro de 1943
147

Imagem 7 : Interior de uma cela com 5 camas. Normalmente ficavam cerca de 40 pessoas instaladas
numa cela como esta. Aqui mantinham os prisioneiros para o trabalho escravo que mais tarde
seriam eventualmente exterminados
148

Imagem 8: Diferente tipo de cómodos do Forte, em que mantinham os prisioneiros para trabalho
forçado até serem exterminados. Podemos reparar nas cercas à volta do espaço, limitando a
passagem dos prisioneiros para fora da zona permitida.
149

Imagem 9: Local em que ficavam cerca de 80 prisioneiros do forte quando este só tinha capacidade
para 20

Imagem 10: Local com um furo, de onde os guardas


viam para dentro das celas para controlar os prisioneiros
150

Imagem 11: As crianças mortas no campo IX FORTE


151

Imagem 12: Entrada de um dos tunéis que dava acesso a outros Fortes construídos na fortaleza de
Kaunas

Imagem 13: Interior de um túnel da fortaleza por onde passavam os prisioneiros para serem
exterminados
152

CERIMÓNIA: “SQUARE OF THE RIGHTOUS OF THE WORLD”


No dia 22 de outubro de 2021, foi realizada uma cerimónia em Siauliai, Lituânia, em
memória dos Judeus vítimas de maus-tratos e assassinato no gueto que existia exatamente naquele
local, o Ghetto de Šiauliai.
Este foi um gueto judeu estabelecido em julho de 1941 pela Alemanha nazi na cidade de
Šiauliai, na Lituânia ocupada pelos nazis durante o Holocausto. O gueto abrangia duas áreas - uma
no subúrbio de Kaukazas e outra na Trakai Street. Ambos foram liquidados em julho de 1944 e seus
habitantes foram mortos ou transferidos para campos de concentração nazis. Em 1939, um quarto da
população de Šiauliai era judia, cerca de 8.000 pessoas. Ao final da Segunda Guerra Mundial,
apenas cerca de 500 judeus da cidade haviam sobrevivido.
A cerimónia a que assistimos foi a inauguração de um novo monumento que relembra e não
deixa ser esquecida a memória das pessoas de origem judaica que tanto sofreram durante o
Holocausto Lituano nas mãos dos Nazis, este monumento intitula-se: “Square of the Rightous of the
World”. Nesta cerimónia, encontravam-se várias personalidades importantes, entre elas, Genovaitė
Černiauskaitė-Dugnienė, uma “pessoa justa do mundo”. Esta cidadã lituana sobreviveu ao
Holocausto, tendo ajudado imensos judeus, escondendo-os em sua casa, ajudando-os a sobreviver,
fugindo aos opressores nazis, correndo assim um grande perigo.
Estiveram presentes, também para prestar homenagem, um membro do Seimas da República
da Lituânia, Viktorija Čmilytė-Nielsen, os embaixadores de Israel, EUA, Alemanha e Japão, o
Comandante da Força de Integração da NATO na Lituânia, o Coronel Peter Nielsen, Comandante
das Forças Armadas da Lituânia, Valdemaras Rupšys, e a Presidente da Comunidade Judaica da
Lituânia, Faina Kukliansky.
Após um minuto de silêncio, Artūras Visockas, o presidente da Câmara Municipal de
Šiauliai, cumprimentou as “pessoas justas do mundo” que deixaram Anapilin. O mesmo disse que
consequências dolorosas deveriam ter sido evitadas e que é a voz da consciência e do coração que
agora deveria ser ouvida, e não ordens formais. “Os justos mostraram que é necessário assumir
responsabilidades, porque o mecanismo do massacre não pode ser implementado por uma só
pessoa, só pode ser feito por pessoas que se esconderam na responsabilidade coletiva”, disse o
presidente da Câmara de Šiauliai. O Presidente do Seimas V.Čmilytė-Nielsen disse que as “pessoas
justas do mundo” que arriscaram as suas vidas e as vidas dos seus entes queridos não apenas
"abriram outra fronteira da humanidade, mas também nos deram a oportunidade de viver com
dignidade".108
O embaixador israelita Yossef Levy disse que a inauguração desta praça é um dos eventos
mais memoráveis da sua carreira como embaixador na Lituânia: “As pessoas que salvaram o povo
judeu e os seus parentes foram ameaçadas de morte. O que tu farias se uma pessoa batesse na porta
de sua casa e pedisse ajuda, caso contrário seria fuzilada em poucas horas? Os “justos das nações do
mundo” agiram contra a lei, mas preservaram a humanidade. O Estado de Israel quer agradecer a
todos eles"109, disse o embaixador de Israel.

108
Discurso do presidente do Parlamento, V. Čmilytė-Nielsen, capturado em vídeo, retirado do arquivo pessoal
de Carolina Gonçalves.
109
Discurso do embaixador israelita Yossef Levy, capturado em vídeo, retirado do arquivo pessoal de Carolina
Gonçalves.
153

Num discurso emocionante, o embaixador alemão, Matthias Peter Sonn, afirmou que era
impossível recuperar as pessoas mortas durante o Holocausto, mas era sim possível aprender com o
sucedido. Este mostrou o seu arrependimento, em nome de toda a nação alemã, pedindo perdão aos
cidadãos lituanos sacrificados injustamente, no entanto, este afirma a relação saudável entre o
Estado Alemão e o Estado Lituano, que juntos construíram uma parceria unida, e sem
ressentimentos.
No final da cerimónia, discursou também Sania Kerbel, presidente da comunidade judaica
de Šiauliai, afirmando que “O memorial em si é importante não apenas para os judeus, mas também
para toda a sociedade lituana. É o memorial que mostra o lado bom da sociedade, e afirma que não
houve apenas aqueles que optaram por cooperar com os nazis, mas também pessoas que se
opuseram e salvaram vidas“. 110 Por fim, o designer do novo monumento, Adas, disse algumas
palavras: "O símbolo principal representa o tema da escrita nacional lituana, ou seja, a árvore de
Natal, escolhida como um símbolo de tal conexão, confiança e força, que abraça a Estrela de
David."111
Após os discursos, os alunos e professores da Escola Secundária Camilo Castelo Branco
tiveram a honra de prestar uma homenagem, depositando cada um uma flor sobre o monumento,
declarando assim a sua compaixão e admiração pelos cidadãos representados naquele monumento.
Este foi um momento de pura gratidão por termos tido a honra de presenciar aquela tão bonita e
importante cerimónia.

Imagem 14: Fotografia tirada no momento da cerimónia em que discursava o embaixador alemão,
onde vemos também Genovaitė Černiauskaitė-Dugnienė, a “pessoa justa do mundo “ presente112.

110
Discurso de Sania Kerbel, presidente da comunidade judaica Šiauliai, retirado do jornal de notícias lituano:
Irytas.IT
111
Discurso de Adas, designer do novo monumento, retirado do jornal de notícias lituano: Irytas.IT
112
Fotografia retirada do jornal de notícias lituano Irytas.It
154

Imagem 15: Genovaitė Černiauskaitė-Dugnienė, “pessoa justa do mundo”

Imagem 17: Monumento aos “Justos entre as nações”


155

Conjunto documental 18: Cerimónia “square of the rightous of the world”

Imagem 19: Audiência da Cerimónia ( fotografia retirada do jornal de notícias lituano Irytas.It)
156

TESTEMUNHOS DOS ALUNOS AECCB


Para transparecer então o sentimento que vivemos, segue-se uma série de pequenos testemunhos da
equipa portuguesa da mobilidade de Erasmus+ C3. 

TESTEMUNHO DE CLARA MARTINS, 12ºF


Na mais recente viagem da minha escola, através do programa Erasmus+, passamos uma
semana a conhecer e a compreender a cultura e a história da Lituânia. Este país tinha sido
extremamente sacrificado, sob a ocupação nazi e soviética, pelo que este povo vive e valoriza a sua
independência muito intensamente. Tivemos a oportunidade de visitar locais como o 9th forth, e um
monumento onde se teria anteriormente localizado o gueto de Siauliai, cidade que nos acolheu.
Assistimos à inauguração deste último. Foi o testemunho de Genovaitė Černiauskaitė-Dugnienė que
mais nos sensibilizou acerca do terror vivido no mesmo local, mas décadas antes. A teoria relativa à
Segunda Guerra Mundial, a qual é abordada no programa escolar, é suficiente para que os
estudantes tenham uma noção da ausência de direitos humanos permanente na vida das populações
afetadas. No entanto, nunca será suficiente para chegar ao coração do mesmo modo que este tipo de
contacto com a guerra faz chegar. O discurso sofrido e, acima de tudo, real, consciencializa-nos de
tal modo a que o desejo de impedir que acontecimento do género se repita se torna maior
constantemente. É preponderante não nos esquecermos de todos os que perderam estas batalhas
para que nós, jovens do século XXI, possamos ser livres. A realidade horrorosa destes povos
durante a época em questão, que, por vezes, pode parecer longínqua, é relativamente recente tendo
em conta a nossa ambição de que nunca mais se volte a suceder. Cabe a esta geração tomar
consciência de que o futuro de paz e união depende de nós, e trabalhar em conjunto de modo a que
agradeçamos dignamente a estes menos afortunados, mas tão corajosos, seres humanos.

TESTEMUNHO DE ÁLVARO CASTRO, 10ºH


Apesar da minha primeira mobilidade Erasmus+ ter sido para países que já conhecia, a
ansiedade sentida no momento da partida era igual à dos meus colegas – o desafio era grande,
estávamos a sair da nossa zona de conforto. Esta experiência Erasmus+ foi uma experiência
transformadora! Nesta mobilidade superei muitos desafios. Conheci outras realidades, e reconheci a
luta gloriosa que este povo foi obrigado a travar que me permitiram crescer enquanto cidadão do
mundo, capacitando-me para contribuir para o desenvolvimento da sociedade.

TESTEMUNHO DE EDUARDO SOUSA, 12º


A Lituânia não representava nada do que eu pensava, apesar de ter ouvido e estudado nos
livros de história a repressão que este povo tinha vivido, nunca consegui realmente a sentir.
Passando cerca de uma semana numa cidade que tinha sido palco de tais terrores, Šiauliai , locais
onde, antigamente, se localizavam Guetos, serviu como um choque para mim, pois era entristecedor
caminhar onde pessoas foram violentamente mortas e retidas em condições análogas às da
escravidão. Esta viagem serviu-me como exemplo de que devemos lutar por um melhor mundo e
lutar pelos direitos humanos, para que tais cenários não voltem a acontecer.
157

Imagem 20: Visita ao IX Forth.


CONCLUSÃO
Agora, e em tom de conclusão, deixo o meu testemunho: Testemunho de Carolina
Gonçalves, 12º L (autora do presente trabalho): 
Tocou-nos a todos, ver diretamente a importância que a história tem para o povo lituano.
Antes da viagem, tinha apenas lido em livros o patriotismo e orgulho na nação deste povo, no
entanto, vê-lo com os meus próprios olhos foi uma experiência muito enriquecedora e inesquecível.
A emoção da audiência da cerimónia durante os discursos dos embaixadores, e principalmente 
Genovaitė Černiauskaitė-Dugnienė, foi extremamente tocante. As impressionantes reações que
tivemos na visita ao 9th Forth, coisas que nunca antes vimos, e que por mais que soubéssemos na
teoria, não tínhamos ideia de como seriam na realidade, ficando assim com uma visão
completamente diferente do que teria realmente acontecido. O contacto com as celas, com os
pertences de antigos prisioneiros, as caminhadas pelos tuneis apertados, tudo isso foi essencial para
a nossa aprendizagem como estudantes e cidadãos. 
O povo lituano sofreu imenso ao longo da história do seu país, e assim faz os possíveis
para a mesma não se repetir. Os alunos da Escola Camilo Castelo Branco reconhecem que o
passado não deve ser repetido, e que para isso a memória das vítimas deste duro regime sejam elas
portugueses, famalicenses, ou até de outros países tem de se manter viva, e ser espalhada por todo o
mundo, para que, assim, não possamos cair no mesmo erro. Somos cidadãos ativos, participativos,
donos da sua palavra sem medo de a usar, estudantes de História, com orgulho de onde pertencem, e
reconhecedores dos heróis injustiçados da II Guerra Mundial. Comprometemo-nos a informar,
investigar, e principalmente nunca deixar morrer a história dos portugueses. 
A força do momento de homenagem levou-me a sugerir à minha turma a pertinência de
homenagear os Famalicenses vítimas da barbárie nazi, pensando o quanto seria significativo para a
nossa comunidade educativa perceber que houve famalicenses vítimas de Hitler e que eles precisam
158

de ser lembrados e que essa lembrança seja a força inspiradora para os camilianos terem os direitos
humanos como um farol nas suas vidas. 
Em grupo, lembramo-nos que seria justo homenagear estes Famalicenses na toponímica
ou num monumento e, por isso, a nossa turma construiu uma proposta que enviou ao Sr. Presidente
da Câmara e que anexo ao presente trabalho. 
 

WEBGRAFIA/BIBLIOGRAFIA
Imagens: Arquivo pessoal da autora do trabalho: Carolina Gonçalves
Informação: Quase a totalidade da informação presente no trabalho foi recolhida pela autora
do mesmo durante a mobilidade seja em visitas aos locais referidos no trabalho, em conversas com
o povo lituano com quem tanto aprendi, ou até através de leituras de livros encontrados na Lituânia,
que falavam sobre os temas, como por exemplo, o livro “History of Lithuania. From Medieval
Kingdom to Modern Democracy”.

- Bronius Makauskas, Vytautas J. Černius, Lithuanian American Community, 2018


https://www.bbc.com/portuguese/geral-48199326
https://es.wikipedia.org/wiki/Holocausto_en_Lituania
https://stringfixer.com/pt/Holocaust_in_Lithuania
https://www.dark-tourism.com/index.php/lithuania/15-countries/individual-chapters/1030-ninth-fort
https://www.segurospromo.com.br/blog/lituania-mapa/
https://www.15min.lt/naujiena/aktualu/lietuva/siauliuose-atidaromas-pasaulio-tautu-teisuoliu-
skveras-56-1585416
https://www.lrytas.lt/lietuvosdiena/aktualijos/2021/10/22/news/siauliuose-iskilmingai-atidarytas-
pasaulio-tautu-teisuoliu-skveras-21163429

3. ARISTIDES DE SOUSA MENDES, UM PORTUGUÊS “JUSTO ENTRE AS NAÇÕES”


Letícia Ferreira
159

Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches nasceu a 19 de julho de 1885, numa


família nobre, católica e monárquica, em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal. Mudou-se para a
capital em 1907 após terminar a sua licenciatura em Direito na Universidade de Coimbra. Aristides
enveredou pela carreira diplomática, tendo ocupado várias representações consulares por todo o
mundo, tendo passado pelo Brasil, Estados Unidos da América, Luxemburgo e Espanha. De 1929 a
1938 foi Cônsul-Geral em Antuérpia e em 1938, nas vésperas do início da II Guerra Mundial, foi
nomeado cônsul em Bordéus, França, por Salazar e foi aí que se iniciou a história mais importante
da sua vida.
Durante a II Guerra Mundial e no tempo da ditadura de Salazar, Portugal era uma nação
alegadamente neutra, o que levou o governo a fazer chegar a todos os diplomatas portugueses na
Europa a “Circular 14”. A “Circular 14” era um documento que ordenava a suspensão de vistos aos
refugiados incluindo explicitamente Judeus, Russos e apátridas. Espanha negou os vistos aos
refugiados judeus e a única esperança residia no consulado português. Em junho de 1940, o cônsul
encontrou-se com Kruger que havia escapado a uma Polónia ocupada e prometeu-lhe fazer tudo o
que estivesse ao seu alcance para persuadir o governo de português a retirar o mandato de
suspensão dos vistos.
No entanto, no dia seguinte viu os vistos a serem negados aos refugiados judeus, que
tentavam fugir da perseguição nazi para ficar em Portugal ou partir para a Palestina Britânica,
América do Norte ou América do Sul, pelo governo de Salazar. A justificação dada foi a de que
160

como se tratava de uma massa de pessoas que pretendia fugir do nazi-fascismo, eram pessoas que
vinham com um espírito e atitude liberais e autoritários. Uma vez que Salazar era um ditador e
conservador queria evitar que esta massa de pessoas, que poderia vir com intenções de incutir ideias
contrárias às suas, entrasse em Portugal.
A 16 de junho de 1940, Sousa Mendes decidiu contrariar estas ordens e emitiu cerca de
10 000 vistos para judeus e mais 20 000 para outros europeus que tinham as suas vidas em perigo.
Declarou que a partir daquele momento daria vistos a todas as pessoas, defendendo que não
existiam nacionalidades, raças ou religiões.
Quando percebeu que poderia ser preso pela polícia política de Salazar, Aristides decidiu
fugir de Bordéus com os carimbos dos vistos e há quem diga que cruzou a fronteira espanhola com
uma multidão de refugiados. O cônsul continuou a outorgar vistos e a assinar passaportes e
documentos na rua. Carimbou ainda inúmeras folhas improvisadas, pelo que nunca será possível
saber ao certo qual o número exato de vistos por ele passados. Mais de 100 000 judeus passaram
por Portugal, tendo sido alojados em Lisboa, Santarém, Figueira da Foz, Porto e Caldas da Rainha.
Apesar de terem sido procurados pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado),
não houve denúncias por parte dos portugueses, donos das pensões e hotéis onde se encontravam
hospedados, pelo que as suas buscas não tiveram sucesso.
O ato altruísta de Aristides resultou não só na sua demissão da função de cônsul, como
também a sua condenação a um ano de inatividade, acabando por ser aposentado por Salazar no fim
do ano. Para além disso, Sousa Mendes perdeu o direito de exercer a profissão de advogado e foi-
lhe retirada a licença de condução que havia sido emitida no estrangeiro. Estas dificuldades foram
agravando-se e Aristides chegou a frequentar a cantina da assistência judaica internacional onde,
tristemente, teve de confirmar que também era refugiado.
Em 1948 a sua esposa faleceu e Aristides passou os últimos anos da sua vida pobre e sem
família. Foi obrigado a vender tudo o que tinha para pagar dívidas e sobreviver com dificuldade.
Nunca lhe foi reconhecida a bondade dos seus atos em vida e veio a falecer a dia 3 de abril de 1954,
em Lisboa.

ARISTIDES DE SOUSA MENDES – JUSTO ENTRE AS NAÇÕES


“Justos entre as nações” é um prémio atribuído pelo Memorial do Holocausto como
reconhecimento a todos aqueles que, sendo não Judeus, durante a II Guerra Mundial salvaram vidas
de Judeus perseguidos pelo regime nazi.
Em 1966, Aristides de Sousa Mendes foi condecorado postumamente, ou seja, após a sua
morte com o título de Justo entre as Nações, emitido pelo Memorial do Holocausto de Israel em
Jerusalém, em nome do povo judeu. Várias foram as homenagens prestadas a Aristides depois desta
data.
Em 1986, o Congresso dos Estados Unidos emitiu uma proclamação como forma de honrar
o seu ato heroico. Um ano mais tarde, em 1987, o presidente Mário Soares pediu desculpa à família
de Sousa Mendes e foi promovido ao posto de Embaixador, pela Assembleia da República.
Em 1990 a cidade de Montreal, no Canadá, deu o nome de Aristides de Sousa Mendes a um
parque situado no seu centro. Em 1993, a RTP 2, no programa Sinais do Tempo, reproduziu o
documentário "O Cônsul Injustiçado'', sobre Aristides de Sousa Mendes, de Diana Andringa, Teresa
161

Olga e Fátima Cavaco. Em 1995 Aristides foi condecorado, também postumamente, com a Grande
Cruz da Ordem de Cristo.
Em 2005, em Paris, o barítono Jorge Chaminé organizou-lhe uma Homenagem, através da
realização de dois Concertos para a Paz, incorporados nas comemorações dos 60 anos da UNESCO.
Em 2006 foi feita uma ação de sensibilização, que tinha como nome "Reconstruir a Casa do Cônsul
Aristides de Sousa Mendes", na sua antiga casa em Cabanas de Viriato e na Quinta de Crestelo,
Seia - São Romão.
Em 2007 foi transmitido um programa na RTP1, “Os Grandes Portugueses”, que teve como
objetivo promover a escolha dos dez maiores e importantes portugueses de todos os tempos.
Aristides foi o terceiro mais votado. Também neste ano, Jorge Chaminé realizou dois concertos em
homenagem a Aristides de Sousa Mendes, em Baiona e em Bordéus. Em 2013 a cidade de Toronto,
no Canadá, homenageou Sousa Mendes atribuindo o seu nome a um parque infantil recém-
renovado. E, mais recentemente, em 2014 a TAP Portugal intitulou um novo Airbus A319 de
Aristides de Sousa Mendes, em sua homenagem.
A Assembleia da República de Portugal decidiu homenagear o antigo cônsul com uma
evocação no Panteão Nacional, cerimónia que se realizou no dia 19 de outubro de 2021.
Nesse mesmo dia, alguns colegas meus estavam em visita de estudo ao Museu do Gueto de
Riga, na Letónia, e constataram, com surpresa, que era dado um grande destaque a este português,
como as fotos comprovam:
162
163

Imagens 1, 2 e 3: Placards informativos sobre os Justos entre as Nações, Museu do Gueto de


Riga, Letónia

REFERÊNCIAS WEBGRAFICAS
https://www.natgeo.pt/historia/aristides-de-sousa-mendes-o-heroi-sem-capa
https://sicnoticias.pt/programas/reportagemespecial/2021-11-07-O-consul-que-salvou-milhares-de-
vidas-81ad6263
https://pt.slideshare.net/jorgediapositivos/aristides-de-sousa-mendes-1588332
https://sousamendesfoundation.org/aristides-de-sousa-mendes-his-life-and-legacy/
https://pt.wikipedia.org/wiki/Aristides_de_Sousa_Mendes#Homenagens
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