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Lição 9

-r:

.,w MORFOLOGIA: ORGANIZAÇÃO DO SOLO
I. COMO CORPO NATURAL
.~'

Todo solo é um corpo individual na natureza, com suas


características próprias, sua história de vida e sua capacidade
de sustentar plantas e animais.

(Hans Jenny, 1899-1992)

_ _~"'IT"U
' ma-das-paredes do antigo refeitório da Universidade Federal
Rural do Rio de Janeiro, os azulejos desenhados abaixo do tronco
da árvore donde frutos estão sendo colhidos lembra as diferentes
feições dos horizontes do solo (obra da artista Maria H. Vieira da Silva)
(foto de Mendel Rabinovitch)

Nas lições anteriores, vimos como estão arranjados os íons nos minerais das rochas,
como elas podem ser identificadas e como se intemperizam para formar os sólidos
ativos. Depois, explicamos algo sobre química e física do solo, ressaltando serem
muitos os processos que influenciam o desenvolvimento do solo, nenhum dos quais é
mais importante do que aqueles decorrentes da abundância, do fluxo, do percurso e da
distribuição sazonal da água, a qual promove inúmeras reações físicas e biogeoquími-
caso Tais fluxos da fase líquida costumam ser expressos, em física do solo, por comple-
xas equações matemáticas e, em química do solo, por complexas análises laboratoriais
da solução do solo e da fração sólida com que interage.
Depois disso tudo você pode estar pensando que, para reconhecer e interpretar
as características e o comportamento de um solo, é indispensável que se façam inúme-
ras análises químicas e físicas usando requintados aparelhos de laboratório, que nem
sempre estão ao seu alcance e/ou têm um custo muito levado. Puro engano: muitos
dos atributos do solo podem ser estimados em campo e com o uso de nossos sentidos,
principalmente visão e tato. Para isso, porém, temos antes que apurar nossos sentidos
184 1 Lições de pedologia

a fim de podermos olhar melhor para então enxergarmos e tatearmos melhor, e assim,
termos condições de comparar melhor todos os predicados visíveis e/ou apalpáveis da
totalidade das partes de um solo.
Dessa forma, nesta lição veremos como estão organizadas as formas externas
dos corpos de solos e as camadas (ou horizontes) que, em um determinado ponto,
representam suas feições verticais (ou perfil do solo).
A morfologia é definida como as características visíveis de um solo em todas
as suas partes, tanto externas como internas (Fig. 9.1). Corresponde, portanto, à
anatomia das ciências biológicas, ou à arquitetura das engenharias. Em biologia, por
exemplo, o termo "morfologia" refere-se à forma, estrutura e configuração de organis-
mos, incluindo aspectos de sua aparência externa.
Assim como os animais, com suas formas externas e partes distintas e reconhe-
cíveis (cabeça, tronco e membros) que podem ser dissecadas e descritas com uma
nomenclatura universal, os solos têm uma forma externa e, por dentro (ou em profun-
didade), os diferentes horizontes (A, B, C, que são subdivididos em agregados, poros
etc.). Essas "anatomias pedológicas" são o
resultado da história da evolução e também
da dinâmica atual dos constituintes do solo.
Dessa forma, a morfologia permite-nos fazer
inferências sobre vários dos atributos físicos,
químicos e biológicos do solo, bem como inter-
pretações relacionadas ao seu uso e manejo.
Da mesma forma que um médico
veterinário examina o aspecto geral do corpo
de um animal antes de fazer um diagnóstico
preliminar e encomendar análises de labora-
tório para receitar algum medicamento,
agrônomos, geógrafos, biólogos etc. também
Fig.9.1 Todas as partes do solo devem ser observadas com atenção e
descritas, tanto as internas (como no perfil exposto, à direita, devem examinar as formas dos corpos de solo
em um corte de estrada) como as de sua paisagem, antes de prescrever as análises de laboratório e
principalmente seu relevo (no caso, morros ou "relevo forte
ondulado") e a vegetação que o cobre (floresta de eucaliptos
decidir quais técnicas de manejo (p.ex., aduba-
recém-plantados) (Foto: I. F. Lepsch) ções) devem ser empregadas.

9.1 Paisagens, corpos de solos e perfis de solos


Observe bem a Fig. 9.2. Ela ilustra a porção de uma paisagem que representa um
determinado solo em todas as suas dimensões: profundidade, largura e amplitude. Tal
porção de solo está subdividida em pequenos prismas hexagonais imaginários. Nela,
na maior parte dos lugares em que venhamos a escavar, encontraremos perfis idênticos
que, em conjunto, formam uma área individualizada na paisagem. É o que chamamos
de "indivíduo solo" ou "corpo de solo", e que está relacionado a uma feição distinta da
paisagem (p.ex., uma pequena várzea, um topo de um morro ou um seu sopé).
Na maior parte dos casos, não existem limites rígidos entre um e outro
corpo de solo, e por razões práticas, qualquer estudo que se queira fazer da porção
profunda desse corpo, uma vez que é impossível escavá-lo todo, deve ser feito em
um volume relativamente pequeno, mas que represente bem o seu todo. Isso pode
9 Morfologia: organização do solo como corpo natu ral 185

Perfil do solo
I ~----::=

Fig.9.2 Ilustração do corpo do 5010, pedon, perfil e seus horizontes (Foto: I. F. Lepsch)
Fonte: adaptado de Shroeder (1984).

ser feito em um local da sua parte mais interior, bem representativa (que não tenha
inclusões de pequenas porções de outros solos, como, por exemplo, no local de um
formigueiro) e fora da zona de transição entre um e outro solo. Portanto, é neces-
sário caracterizar um indivíduo solo em termos de uma unidade tridimensional
imaginária que chamamos de perfil do solo ou pedon (Fig. 9.2): a menor unidade de
amostragem que represente todas as características de um determinado corpo de
solo em particular.
O pedon, por possuir volume (dimensões laterais e verticais), é a base para a
amostragem. O perfil, por só ter duas dimensões (uma lateral e outra vertical), é a base
para observar, descrever e ilustrar a morfologia do solo, uma vez que expõe somente
em uma de suas partes: a lateral (ou a sua profundidade). A descrição deverá represen-
tar a anatomia tanto da parte externa (paisagem) como interna (perfil) desse corpo de
solo, e a amostragem deverá ser feita com base no pedon.
Horizontes, por vezes denominados de "volumes pedológicos", são defini-
dos como camadas do solo mais ou menos paralelas à superfície, com característi-
cas produzidas pelos processos formadores do solo. Os horizontes do solo podem
ser considerados também como corpos reais, subpartes do indivíduo do solo, e que
podem ser separados pela sua morfologia (tal como, no caule de uma planta, podemos
separar as subpartes casca, lenho etc.).
Em princípio, a morfologia (do grego rnorphos, forma; logos, estudo) era
aplicada apenas aos estudos de Botânica, Zoologia e Medicina, mas, com o passar do
tempo, foi adotada pela maior parte das ciências naturais. Em Geologia, é o estudo
da estrutura das rochas e das formas do terreno; na Pedologia, é vista como o estudo
e a descrição da aparência do solo em seu ambiente natural, segundo as caracterís-
ticas visíveis a olho nu ou prontamente perceptíveis ao tato. O conjunto de caracte-
rísticas morfológicas constitui a base fundamental para a identificação do solo, que
deverá ser completada com as análises de laboratório. Outro estudo correlato é o
da micromorfologia, que estuda a aparência do solo com o auxílio de microscópios.
186 Lições ele p edo logia

ALGUMAS DEFINiÇÕES IMPORTANTES


Consistência: atributos do material do solo, expressos em grau de coesão e de adesão ou de resistência à
deformação ou ruptura, avaliados em três estados de umidade (seco, úmido e molhado).
Estrutura do solo (grau de): agrupamento ou classificação dos agregados do solo com base na adesão inter
e intra-agregado, na coesão ou na estabilidade.
Estrutura do solo (tipo da): classificação da estrutura com base na forma dos agregados de um horizonte
do perfil.
Horizonte: camada de solo (ou de material do solo) aproximadamente paralela à superfície do terreno e que
difere das camadas adjacentes e geneticamente relacionadas no que diz respeito a seus atributos químicos,
físicos e biológicos, tais como cor, estrutura, textura, consistência, tipo e número de organismos presentes,
grau de acidez ou alcalinidade etc.
Micromorfologia: estudo da morfologia do solo por métodos microscópicos (ópticos e, menos frequente-
mente, por microscópios eletrônicos), utilizando com frequência técnicas de cortes em lâminas delgadas.
Mosqueados: pontos ou manchas de cores ou tonalidades diferentes, ou intercaladas com a cor dominante
da matriz do horizonte do solo.
Paisagem: torlas as feições naturais, tais como campos, colinas, montanhas, planícies, florestas e água, que
distingu em um conjunto de outro nas formas do terreno na superfície da Terra . Em Pedologia, é considerada
a porção de um território que a vista pode alcançar em uma única visão (no campo ou em fotos aéreas sob
esterioscópio), incluindo todas as suas características naturais.
Pedoforma (ou pedopaisagem): unidade que é geograficamente atribuída de acordo com um padrão de
paisagem identificável (uma pedoforma inclui um número limitado de tá xons de solos).
Pedon: porção tridimensional do solo com dimensões laterais grandes o bastante para permitir o estudo do
formato e das relações entre os horizontes. Sua área pode variar de 1 a 10 m 2 •
Relevo: configuração geral de uma paisagem. Diz respeito às fo rmas externas dos corpos de solos que
compõem uma paisagem.
Sistema de cores Munsell : sistema de designação da cor que especifica os graus relativos das três variá-
veis simples da cor: valor, matiz e croma. Por exemplo: lOYR 6/4 é uma cor com o matiz = lOYR, valor =6 e
croma = 4.
Torrão: massa compacta de material do solo usualmente produzida pelo homem ao escavar, arar etc.
Transição (entre horizontes): refere-se à nitidez ou ao contraste de separação entre os horizontes (p.ex.,
abrupta, gradual, difusa etc.).

No início do estudo científico dos solos, quando estes eram considerados


simples corpos estáticos constituídos de produtos de decomposição das rochas, os
estudos químicos e mineralógicos eram os únicos aplicados. Depois que o solo foi
compreendido e definido como um corpo natural dinâmico, composto de horizontes
e integrado na paisagem, tal como os vegetais, é que os estudos da morfologia começa-
ram a tornar-se muito importantes.
O r usso Dokuchaev, como vimos na Lição 1, foi um dos pioneiros na descrição
do solo no campo. Marbut, nos Estados Unidos, pioneiramente defendia que os solos
deveriam ser classificados com base em sua morfologia, em vez de teorias sobre gênese,
porque estas geralmente se modificam à medida que emergem novos conhecimentos
sobre os solos. Hoje se considera primordial que a morfologia de um solo seja devida-
mente descrita no campo, antes que dele sejam retiradas amostras para as diversas
análises realizadas nos laboratórios de análises pedológicas. No Sistema Brasileiro de
9 Morfologia: organização do solo como corpo natural 187

Classificação de Solos, as características morfológicas são de grande importância para


o diagnóstico do "nome científico" (ou nome do táxon) dos solos, haja vista a impor-
tância que se dá à cor.

9.2 Como descrever um solo?


Primeiro, observe a aparência da paisagem em que o solo se situa (ver Fig. 9.1):
111 Trata-se de uma baixada, colina, morrote, morro ou montanha?
111 A superfície do terreno é plana, ligeiramente inclinada ou muito inclinada?
111 A vegetação sobre o solo é de mata, pastagem ou uma lavoura?
111 Existem pedras e/ou matacões à superfície?
111 Em seguida, questione-se acerca dos seus aspectos internos, ou seja, o perfil do solo
que está sendo examinado. Escolha um pequeno local que achar ser mais repre-
sentativo desse solo para nele amostrar um pedon e descrever o perfil, e anote a
respectiva posição topográfica; por exemplo: se está na parte inferior, mediana ou
superior de uma encosta, anotando também algumas feições desta - inclinação,
forma (côncava, convexa, linear etc.). Na Fig. 9.3 você pode observar o início de um
exame do perfil de um solo.

Depois, escave uma trincheira ou, se existir, escolha um lugar onde todo o solum
esteja exposto (p.ex., barranco de estrada). Se escolher um barranco, primeiro é neces-
sário limpá-lo adequadamente, raspando cerca de 30 cm até expor uma face vertical.
Fazendo isso, você já estará começando a notar vários atributos dessa pequena unidade
tridimensional que escolheu para representar um corpo de solo: se duro ou macio, com
pedras ou sem pedras etc. Após "dissecar" seu pedon, empunhe uma faca, canivete
ou martelo e comece a "futucá-Io". Logo irá expor o perfil do solo e, à medida que
os examina de cima para baixo, note seus diferentes horizontes, de diferentes cores e
consistências. Feito isso, demarque os horizontes com a ponta de sua faca, por exemplo.
Se você estiver diante de um solo que tem um horizonte B de iluviação de argila
e sob vegetação de floresta, poderá encontrar a seguinte sequência vertical:
1] uma camada mais superficial, orgânica, constituída de folhas, mais ou menos
decompostas, com apenas alguns centímetros de espessura: o horizonte O;
2] logo abaixo, outra que não é orgânica, mas com algum húmus, na maior parte das
vezes variando de 20 a 40 cm de espessura: o horizonte A;
3] abaixo desta, outra camada, também com alguns centímetros, com cores mais
claras do que as que lhe estão acima e abaixo: o horizonte E;
4] continuando, e descendo, uma porção mais avermelhada ou amarelada, mais
consistente: o horizonte B;
5] abaixo desta, se você escavou suficientemente fundo (até 2 m ou mais), encontrará
outra camada, que lembra uma rocha, porém não tão endurecida: o horizonte C;
6] se você conseguiu cavar - ou limpar o barranco - mais fundo ainda, verá também,
abaixo do horizonte C, a rocha da qual, presumivelmente, o solo se desenvolveu.

Várias características podem ser observadas e anotadas no exame e na descrição


das feições de um perfil e na amostragem do volume de seus horizontes. No Brasil, as
normas para essas descrições estão padronizadas em manuais, como o da Embrapa e o
188 Lições de pedologia

Fig.9.3 O início do exame do perfil do solo: (à esq.) exposição do perfil em um barranco ou trincheira; (à dir.) delimitação dos
horizontes e primeiro exame de suas amostras na palma da mão (Fotos: Rodrigo E. Munhoz)
Fonte: adaptado de (Ruellan e Castro, 2008).

do IBGE, que se baseiam no Manual de Levantamentos de Solos (Soil Survey Manual),


publicado nos Estados Unidos (1993).
As principais características são: cor, textura, estrutura, consistência, espessura
e tipo de transição entre os horizontes. Um exemplo de descrição de perfil de solo pode
ser observado no Boxe 9.1.

Boxe 9.1 EXEMPLO DE DESCRiÇÃO DE PERFIL DO SOLO


Descrição geral
Perfil n° - 05 Data - 17/10/78
Classificação - Argissolo Vermelho Eutrófico típico, textura média/argilosa cascalhenta, A moderado, fase
floresta tropical subcaducifólia, relevo ondulado.
Localização, município, estado e coordenadas - 50 metros do lado esquerdo da estrada Itaocara -
Santo Antônio de Pádua, na altura do km 208, Município de Santo Antônio de Pádua, Estado do Rio de Janeiro.
Lat. 21°33'5 e long. 42°10'WGr.
Situação, declive e cobertura vegetal sobre o perfil- terço inferior de elevação, com cerca de 15% de declive
e sob cobertura de gramíneas.
9 Morfologia: organização do solo como corpo natural 189

Altitude - 130 metros.


Litologia, unidade litoestratigráfica e cronologia - gnaisses bandeados e migmatitos de caráter ácido.
Grupo Parafba do Sul. Pré-Cambriano Médio a Superior.
Material originário - produto de meteorização dos gnaisses bandeados, afetados superficialmente por
retrabalhamento.
Pedregosidade - não pedregosa.
Rochosidade - não rochosa.
Relevo local- ondulado.
Relevo regional- ondulado e forte ondulado.
Erosão - moderada.
Drenagem - bem drenado.
Vegetação primária - floresta tropical subcaducifólia.
Uso atual - pastagem e pequenos talhões de culturas de milho e mandioca, além de ocorrência de pequena
parcela de capoeira.
Descrito e coletado por - F. N. Lima e L. G. de Souza.

Descrição morfológica
Ap O-15 em, bruno-acinzentado muito escuro (10YR 3/2, úmido) e bruno-claro-acinzentado (10YR 6/3, seco);
franco-argiloarenosa; fraca muito pequena e pequena granular e fraca pequena blocos angulares e subangu-
lares; dura, friável, plástica e pegajosa; transição plana e clara.
E 15 - 20 em, cinzento-avermelhado-escuro (5YR 4/2, úmido) e bruno-claro-acinzentado (10YR 6/3, seco);
argiloarenosa; maciça; muito dura, friável, muito plástica e muito pegajosa; transição plana e clara.
2BE 20 - 45 em, vermelho (3,5YR 4/8, úmido); argila; moderada pequena a grande, blocos angulares e suban-
guiares; cerosidade comum e moderada; muito dura, firme, muito plástica e muito pegajosa; transição
plana e difusa.
2Bt 45 -100 cm, vermelho (2,5YR 4/6, úmido); mosqueado pouco, pequeno e distinto, amarelo-avermelhado
(7,5YR 6/6, úmido); argila cascalhenta; forte pequena a grande blocos angulares e subangulares; cerosidade
abundante e forte; muito dura, friável, plástica e pegajosa; transição plana e clara.
2BCl 100 - 150 cm, vermelho (2,5YR 4/6, úmido); mosqueado comum, pequeno e distinto, amarelo-averme-
lhado (7,5YR 6/6, úmido); argila; forte pequena e média, blocos angulares e subangulares; cerosidade comum
e forte; muito dura, friável, plástica e pegajosa; transição ondulada e clara (20-70 cm).
2BC2 150 - 190 cm+, vermelho (10R 4/5, úmido); mosqueado pouco, pequeno e distinto, bruno-amarelado
(10YR 5/6, úmido); argila; moderada pequena e média, blocos angulares e subangulares; cerosidade comum e
forte; muito dura, muito friável, plástica e pegajosa.

Raízes: finas, abundantes no Ap e E, comuns no 2BE e poucas no 2Bt.

Observações:
O Perfil I descrito e coletado em trincheira de 190 cm de profundidade.
O Os mosqueados encontrados são provenientes do material originário.
O Nos horizontes 2BE, 2Bt, 2BC1 e 2BC2 onde foi constatada presença de cerosidade; esta dá origem a
mosqueado de cor bruno-avermelhado-escuro (2,5YR 3/5).
O Presença de cascalho rolado de quartzo entre os horizontes Ap e E.
O Poros comuns, pequenos a médios ao longo de todo o perfil.
O Presença de calhaus no 2Bt, ocupando, aproximadamente, 20% do horizonte, com diâmetro variando de
5 alO cm.
O Intensa atividade biológica nos horizontes Ap e E, principalmente devido à atividade de termitas.
O Perfil I coletado em dia nublado.
Fonte: IBGE (2007).
190 191..i ções de pedo logia
9.3 Principais feições morfológicas
9.3.1 Cor
Ao viajar em estradas, você já deve ter notado como as cores do solo variam, tanto na
sua vertical como na sua lateral. Realmente o solo é um meio multicolorido: ora escuro
em cima e mais claro em baixo, ora vermelho no alto de uma encosta e amarelo na Sua
parte mais baixa. Normalmente a cor é a variação morfológica que primeiro notamos,
mesmo que estejamos na janela de um carro ou de um ônibus em alta velocidade.
Muitos nomes populares de solos são dados em função de suas respectivas
colorações, como, por exemplo, "terra roxa" (do italiano rossa, vermelho), "terra
preta" e "sangue de tatu". Também muitos nomes de classes do sistema de classifi-
cação pedológico atualmente em uso no Brasil, como será visto adiante, referem-se
comumente às cores do horizonte B como, por exemplo, Latossolo Amarelo, Latossolo
Vermelho-Escuro etc.
As várias tonalidades existentes no perfil são muito úteis para a identifica-
ção e delimitação dos horizontes e, às vezes, ressaltam certas condições de extrema
importância. Horizontes de cor escura, por exemplo, costumam indicar altos teores
de húmus. As cores vermelha e amarela estão normalmente relacionadas com solos
bem drenados e com altos teores de óxidos de ferro: hematita (no caso do vermelho) e
goethita (no caso do amarelo); por outro lado, tons acinzentados indicam solos em que
esses óxidos de ferro foram transformados, tendo sido o ferro removido pelo excesso
de água, como acontece, por exemplo, nos solos situados nas baixadas úmidas próxi-
mas a rios e riachos.
A cor deve ser descrita por comparação com uma escala padronizada. A mais
usada pelos pedólogos é a "tabela Munsell", que consiste de muitos pequenos retângu -
los com colorações diversas, arranjados num livro de folhas destacáveis. A anotação da
cor de um horizonte é feita por comparação de um torrão desse horizonte com esses
retângulos. Uma vez que se ache o retângulo de cor mais próxima, deve-se fazer uma
anotação que indique os três elementos da cor: o matiz (cor fundamental de arco-Íris
ou mistura dessas cores), valor (tonalidade de cin za) e croma (expressão do matiz que
indica a proporção de mistura com tonalidade de cinza indicada pelo valor). Esses
elementos são registrados em forma de números e letras, como, por exemplo, 2,5 YR
4/6 (vermelho-amarelado), sendo 2,5 YR o matiz, 4 o croma e 6 o valor (Fig. 9.4).

Você consideraria excesso de detalhe e tempo gastar três horas descrevendo um perfil de solo e
amostrando seu pedon no campo? Por quê?

A descrição morfológica e a amostragem são fundamentais para compreendermos o solo do ponto de vista
estrutural e funcional. A partir delas, podemos fazer diversas inferências sobre os atributos químicos, físicos
e mineralógicos, antes de qualquer análise laboratorial (geralmente dispendiosa, demorada e nem sempre
exata). Além disso, podemos fazer uma re lação direta entre o perfil do solo e o aspecto externo de seu corpo
(p.ex., o relevo), que sempre se reflete na morfologia (espessura, cor, presença de rochas em superfície etc.) e
nas feições externas do solo. Portanto, não se trata de tempo e detalhes exagerados, mas detalhes importantes,
e insubstituíveis, a partir do uso dos nossos sentidos. De forma idêntica, antes de pedir qualquer exame clínico,
um médico criterioso sempre conversa com o paciente e examina-o utilizando os cinco sentidos (auscultandO
seu coração, olhando sua garganta etc.).
9 Morfologia: organização do 5010 como corpo natural 191

Fig. 9.4 Amostras de solo e tabela de cores aberta na página do matiz 2,SYR (vermelho-amarelo). À esquerda,
amostras mais escuras do horizonte A(com croma e valores menores: 2,SYR 3/4) e do horizonte B(com
croma e valores mais elevados); à esquerda, detalhe da identificação da cor do horizonte Bdo mesmo
solo (2,SYR 4/6) (Fotos: Rodrigo E. Munhoz)

Além da cor predominante, devemos descrever outras, se as colorações não


forem uniformes. Por exemplo, se houver certas manchas (ou mosqueados), elas devem
ser descritas de acordo com o tamanho, a abundância e o contraste.

9.3.2 Textura
Quando separamos todos os constituintes minerais unitários do solo, verificamos
que ele é composto de um conjunto de partículas individuais que estão, em condições
naturais, agregadas umas às outras. Essas partículas têm tamanhos bastante varia-
dos: algumas são suficientemente grandes para observação a olho nu (os cascalhos e
as areias); outras podem ser vistas com auxílio de lentes de bolso ou com microscó-
pio comum (os siltes); e as restantes somente podem ser observadas com auxílio de
microscópio eletrônico (as argilas).
A determinação das diferentes porcentagens de areia, silte e argila pode ser feita
com precisão no laboratório, como foi visto nas lições sobre física do solo. Contudo,
nas descrições morfológicas no campo, ela pode ser feita com o tato e identificada por
meio das chamadas classes texturais, que são representadas em diagrama de forma

Para definir os horizontes do solo, é necessário observá-lo através de uma trincheira ou de uma
parede em um talude de estrada. Imaginando uma propriedade rural, composta de áreas com relevo
plano, de áreas mais inclinadas e óreas planas sujeitas a inundações periódicas (nas vórzeas de um
córrego), qual local você escolheria para expor, descrever e amostrar os perfis dos solos? Justifique.

o correto seria abrir trincheiras ou analisar barrancos de estradas nas duas situações distintas de relevo. O relevo é
um dos fatores fundamentais que influenciam a formação do solo. Em diferentes situações topográficas, mesmo
Com climas, vegetação e rochas semelhantes, a simples mudança das configurações da paisagem condiciona
mudanças significativas no 5010. Na Lição 3, por exemplo, observamos que a declividade influencia a circulação
da água no regolito em alteração e, consequentemente, sua taxa de alteração. Áreas inundadas modificam o
comportamento geoquímico das formas de ferro (como visto na lição anterior). Assim, para entendermos a varia-
ção de solos na região, inclusive nos aspectos morfológicos, devemos selecionar bem o local onde os pedons
serão descritos e amostrados, considerando as diversas feições da paisagem (inclusivemente as formas do relevo).
192 Lições de pedologia

triangular. Dois desses diagramas costumam ser utilizados: um mais simplificado,


com cinco classes de textura (arenosa, siltosa, média, argilosa e muito argilosa) e outro
mais detalhado, com apenas quatro classes texturais, conforme ilustrado no Capo 6
(Fig.6.2).
O método de campo consiste na verificação da sensação tátil quando se fricciona
uma amostra úmida do material do solo entre os dedos. Depois que a amostra for
suficientemente trabalhada entre os dedos e a mão, pelo tato procura-se sentir como
ela "desliza ou escorrega" entre os dedos e as mãos, e tenta-se enrolar uma parte da
massa. Quanto mais finos e inteiriços forem os pequenos rolos de terra, tanto maior
será o teor de argila (Fig. 9.5).
Nas amostras em que predomina a areia, a sensação é de muita aspereza (e
pouco pegajosidade); o material produz uma pasta sem consistência que não forma
rolinhos. Nas amostras em que há prevalência de argila, a impressão é de suavidade e
pegajosidade. O material forma rolos longos que podem ser dobrados em argolas. Nas
amostras em que predomina silte, há uma sensação sedosa, e o material só forma rolos
com alguma dificuldade, os quais são muito quebradiços. Finalmente, nos materiais
de solo com textura média, há alguma sensação de aspereza e de plasticidade, razão

Fig.9.5 Avaliação da classe textural e da plasticidade de uma amostra de solo, depois de


umedecida e amassada entre os dedos, verificando-se a capacidade de formar
"pequenos rolos" (Fotos: Rodrigo E. Munhoz)

Por que os pedólogos usam um sistema bem definido para a designação das cores do solo? Não seria
mais prático simplificar essa c/assificação, com base na simples sensação visual?

Embora o uso de uma designação simples, baseada na sensação visual, seja mais rápida, ela torna a descrição
imprecisa pelo simples fato de que cada pessoa pode visualizar uma determinada cor de determinada maneira.
Por exemplo, o marrom para determinada pessoa pode parecer mais avermelhado do que para outra. Isso
geraria uma grande confusão nas descrições morfológicas e as tornaria sem valor científico. Por essa razão,
o sistema Munsell (desenvolvido primeiro para o trabalho com artes) foi adotado por pedólogos do mundo
inteiro. Assim, a descrição da cor torna-se padronizada e precisa, de modo que as opiniões particulares, que
poderiam acarretar graves erros, são minimizadas. Além disso, a cor pode ser utilizada como critério operacional
para a classificação de solos, uma vez que a elas são atribuídos valores numéricos (de matiz, valor e croma) úteis
para a separação das classes taxonômicas.
9 Morfologia: organização do solo como corpo natural 193

ela qual rolos conseguem ser formados, embora se quebrem quando dobrados.
~ se método Tápido de campo requer perícia e treino para ser executado com boa
recisão. É muito útil estimarmo a elas e textural pelo tato, pois podemos fazê-lo
~e imediato. no campo. No entanto, pua j so necessitamos "calibrar" o tato da mão,
memorizando o tipo de sensação sentida e comparando-a com as de amostras que já
têm resultados da análise textural efetuada no laboratório.
A textura de determinado horizonte do solo só pode ser modificada se o mistu-
rarmos com material de outro horizonte, como, por exemplo, no revolvimento do solo
pelo arado. No entanto, em longos períodos de tempo - da ordem de muitos milhares
de anos -, as reações do intemperismo podem alterar a textura dos horizontes do solo.
por exemplo, grãos de areia, se compostos de feldspatos, podem transformar-se em
argilas, conforme ilustrado em algumas figuras da Lição 3.

9.3.3 Estrutura
A estrutura refere-se às unidades naturais compostas pelas as partículas primárias
do solo, decorrente de processos pedogenéticos de natureza físico-química que as
agrupam em unidades compostas, chamadas de agregados.
Não confunda estrutura com textura que, para o pedólogo, refere-se somente
ao tamanho das partículas unitárias. A agregação diz respeito à forma (ou geome-
tria) como as partículas do solo estão agrupadas. Portanto, essa é uma característica
macroscópica, que pode ser avaliada a olho nu, o que contrasta com a textura, que se
refere a objetos de tamanho menor, muitos dos quais, como as argilas, só podem ser
visualizados por possantes microscópios.
Os agregados têm formato e tamanho variados e estão separados uns dos
outros por fendilhamentos. Para examinar a estrutura do solo, é necessário retirar,
com uma faca ou com martelo, um bloco de terra de um horizonte e calmamente
selecionar, com os dedos, aqueles pedaços que, em condições naturais, estão fraca-
mente ligados uns aos outros. Depois que estão separados, verifica-se sua forma, seu
tamanho e seu grau de desenvolvimento, ou coesão, dentro e fora do agregado terroso
(Fig.9.6).
A terminologia utilizada para descrever os agregados foi desenvolvida com
base no visual que os seus diferentes tipos aparentam quando destacados do solo e
segurados com a mão - por exemplo, granular, prismática, blocos etc. (ver Figs. 9.6,
9.7 e 9.16A e G).

Por que os solos argilosos (porcentagens elevadas de partículas de argila na fase sólida)
possuem pegajosidade e plasticidade? Tente explicar esse fenômeno do ponto de vista químico
(lembre-se das características dessas partículas).

A pegajosidade advém da capacidade de adesão entre materiais (como a água e as mãos de uma pessoa), e a
plasticidade advém da coesão (que faz as inúmeras partículas de argila manter-se unidas). Aelevada capacidade
de ligação das partículas, umas às outras e a outros corpos, é decorrente do seu tamanho reduzido (ou da sua
elevada área superficial específica) e da grande quantidade de cargas elétricas em suas superfícies. Isso permite
que elas interajam quimicamente entre si e com outros materiais, de modo que, quando em contato com a água
(moléculas dipolares, com cargas elétricas em suas extremidades), formem um material plástico e moldável,
capaz de aderir a diferentes materiais.
194 Liçõe~; de! pedoloCJiil

Talvez você esteja agora querendo saber como e por que


as partículas do solo se juntam, formando agregados de vários
tamanhos e formatos. Sabemos que a formação de agregados
é ocasionada por vários fatores, que podem ser visualizados
em três etapas: (a) ajuntamento ou floculação das partícu-
las do solo; (b) cimentação desses flocos pelo húmus, argilas
ou compostos de ferro, cálcio ou silício; (c) aparecimento de
fendas que separam as unidades estruturais.
O agrupamento das partículas é provocado por
substâncias que se ligam umas às outras, como, por exemplo,
produtos orgânicos da decomposição de restos vegetais (como
® húmus) e substâncias minerais (como óxidos de ferro). Depois
Fig.9.6 As unidades estruturais têm formato e que essas partículas são unidas por esses agentes, os ciclos
tamanhos variados, formando agregados:
alternados de umedecimento e secamento causam expan-
(A) prismáticos (quando todas as faces são
planas) ou (B) colunares (quando a face são e contração da massa do solo, o que provoca fendas (ou
superior é arredondada; (e) do tipo blocos planos de fraqueza), juntando tudo cada vez mais e iniciando a
angulares e subangulares (quando as
formação dos agregados do solo. Nessa etapa, outros processos
dimensões horizontais são próximas das
verticais e as faces são planas ou quase podem ajudar, como a ação de penetração de raízes e também
planas); (D) laminares (quando as faces são os canais cavados pelos pequenos animais que vivem no solo.
planas e as dimensões horizontais excedem
as verticais); e (E) granulares (quando têm Entre os agregados do solo, encontram-se os poros
aspecto de esferas) maiores ou macroporos e, dentro destes, os microporos. A
quantidade de macroporos depende do modo como os agrega-
dos se ajustam e do tamanho deles, da mesma forma que o número de paredes de
uma casa depende da disposição dos cômodos. Mais detalhes sobre porosidade foram
abordados na Lição 6.
Ao observarmos as Figs. 9.6E e 9.7 (à esq.), vemos a representação de uma estru-
tura com agregados do tipo granular que ocorre quando as partículas se agrupam
em unidades de aspecto arredondado. Quando esses grânulos são muito porosos,
usa-se o termo "grumos". A estrutura com agregados de formato granular é comum
nos horizontes A dos solos mais férteis; é formada pela íntima mistura de húmus
com partículas minerais e organismos vivos, como minhocas e fungos. Este é um dos
maiores efeitos benéficos da matéria orgânica nos solos.

Questãos Por que o húmus tem um efeito tão pronunciado na formação dos agregados estruturais do solo?
Ele é capaz de alterar a capacidade de infiltração?

As moléculas orgânicas que compõem o húmus apresentam grandes quantidades de cargas elétricas, principal-
mente negativas, muito maiores até que as argilas silicatadas do tipo 2:1 (como as esmectitas e as vermiculitas).
Portanto, sua capacidade de unir-se a outras partículas primárias do solo (sejam moléculas orgânicas ou cristais
de argila) é muito grande, o que favorece o desenvolvimento dos agregados. 5010s com boa estrutura apresen-
tam porosidade igualmente bem desenvolvida, já que os poros delimitam as unidades estruturais (grãos, blocoS
etc.), fator fundamental para que a água se infiltre e circule no solo. Portanto, ao desenvolver os agregados do
solo, o húmus melhora as propriedades relacionadas à movimentação da água. Isso pode ser visualizado, por
exemplo, nas áreas de solos sob florestas e nas áreas com agricultura sob sistema de plantio direto na palha,
onde a camada de resíduos vegetais sobre o solo (horizontes O) e a atividade biológica dela derivada (de minhO-
cas etc.) favorecem a incorporação de húmus aos seus horizontes A.
9 Morfologia: organização do solo como corpo natural 195

Fig.9.7 (À esq.) Agregados granulares de um horizonte A sob mata (Foto: John Kelley, USDA/NRCS).
(À dir.) Determinação do tamanho de agregados subangulares de um horizonte B,
por comparação com uma escala padronizada existente nos manuais para descrição
do solo no campo. (Foto: Osmar Bazaglia Filho)

Os agregados em blocos (Fig. 9.6C e 9.7, à dir.) têm a maior parte das suas faces
planas, mas as dimensões horizontais são similares às verticais - certa quantidade de
argila é necessária para que ela ocorra e, por isso, é mais comum nos horizontes B. Já os
agregados do tipo prismático e colunar (Fig. 9.6A e B, respectivamente) ocorrem quando
as dimensões verticais excedem as horizontais. Na Fig. 9.6B podemos observar agregados
do tipo laminar, que são aqueles cujas faces têm aspecto plano e as dimensões laterais são
maiores que as verticais - não é um tipo muito comum, mas pode ocorrer em horizontes
compactados pelas rodas de máquinas agrícolas ou pelo piso do arado, e em alguns
horizontes com grandes quantidades de plintita (Fig. 9.15). Agregados do tipo colunar
não são comuns nas regiões mais úmidas, mas ocorrem frequentemente no nordeste do
Brasil, onde o clima é semiárido e a quantidade de cálcio e sódio nos solos é maior.
A estrutura é uma característica do solo muito importante, uma vez que ela
faz dele um meio poroso - o tamanho e o grau de desenvolvimento dos agregados
condicionam o tipo, o tamanho e o desenvolvimento dos poros, por onde circulam a
água e o ar do solo. A maior ou menor capacidade de retenção de água pelo solo, carac-
terística que muito influencia o desenvolvimento das plantas, depende fundamental-
mente do tamanho e do arranjo desses espaços porosos. Existe uma interação muito
dinâmica entre vários processos que se passam no solo e a formação de sua estrutura.
Por exemplo, a velocidade de decomposição de resíduos das plantas pela biota do solo
pode ser influenciada pela estrutura, como também pode alterá-la. Uma vez que a
estrutura do solo pode ser afetada pelo homem (quando, por exemplo, o solo é arado
ou muito pisoteado pelo gado), é importante utilizar práticas adequadas de manejo,
que conservem os agregados do solo.

9.3.4 Feições da superfície dos agregados e dos poros


A superfície dos agregados do solo por vezes está revestida de películas, as quais
podem ser mais bem observadas com o uso de lentes de bolso. Quando essas películas
são de argila, nós as chamamos de cerosidade (Fig. 9.8).
196 Lições de pedologia

Fig.9.8 (A) Nos solos com horizonte Btextural, a argila suspensa na água gravitacional move-se dos horizontes
mais superficiais para baixo, onde a solução do solo é absorvida pelos agregados do horizonte B.
Durante essa absorção, a superfície dos agregados age como um filtro, impedindo que a argila penetre
no seu interior. (B) As partículas de argila revestem, então, a superfíCie dos agregados, ou dos poros,
dando a ela uma aparência "cerosa". Essas películas (ou "filmes") são constituídas de partículas de argila
orientada e são chamadas de argilãs, ou, nas descrições de campo, de "cerosidade". (Fotos: John Kelley,
USDA/ NRCS)

Cerosidade é o revestimento quase sempre de argila acumulada sobre agregados


(ou iluvial sobre os agregados), que aparenta ser uma espécie de "filme" do material,
o qual apresenta um brilho com aspecto ceroso ou lustroso. Ocorre na superfície dos
agregados dos horizontes B - por vezes, no C - e pode ser mais bem visualizada em
lâminas delgadas utilizadas para estudos de micromorfologia (Fig. 9.9). Além disso, é
uma característica muito importante para fins de classificação do solo.
A cerosidade mais comum é aquela proveniente de revestimento de argilas e que
assim ficou devido a uma migração do horizonte A e/ou E de argila em suspensão na
água que infiltra no solo, e sua deposição em torno dos agregados do horizonte B; nesse
caso, é denominada de "filmes de argila ou cutãs". Quando um horizonte apresenta
essas feições, dizemos que é um horizonte de acumulação ou horizonte iluvial.

9.3.5 Consistência
As partículàs de areia, silte e argila podem estar aglomeradas em agregados; contudo,
elas estão unidas com base em diferentes graus de adesão. Isso torna alguns solos
mais macios e outros mais duros. A resistência dos torrões a alguma força que tende
a rompê-los é conhecida como consistência. Ela é definida como "o grau ou tipo de
coesão e adesão entre as partículas e/ou como a resistência que o solo apresenta para
ser deformado ou rompido quando um estresse lhe é aplicado".
O grau de consistência do solo varia em função de uma série de outras carac-
terísticas, tais como textura, estrutura, agentes cimentantes (matéria orgânica, óxidos
de ferro) e tipo dos minerais da fração argila.

o que é cerosidade? Ela pode ocorrer em horizontes do tipo A ou E?


Cerosidade é um brilho graxo, semelhante a uma cera, que recobre agregados de certos solos (principalmente
do horizonte B). Sua origem está em processos pedogenéticos que levam à dispersão, suspensão, migração
(com a água gravitativa) e deposição de partículas de argila de um horizonte superficial a um horizonte subsu-
perficial. A cerosidade não ocorre nos horizontes A ou E porque estes encontram-se mais próximos da superfí-
cie, sendo mais de caráter eluvial (perdem argila) do que iluvial (ganho de argila).
9 Morfologia: organização do solo como corpo natural 197

Fig. 9.9 Filmes de argila (cutãs) de um horizonte iluvial vistos em um corte delgado de uma amostra
indeformada de um horizonte B argílico (Bt de um Argissolo). Fotos feitas a partir de uma lâmina
delgada (0,3 mm de espessura), aumentada com o auxflio de um microscópio petrográfico com luz
polarizada (à esq.) e com luz polarizada cruzada (à dir.). Notar as finas camadas (áreas amareladas mais
claras) de deposições sucessivas de argila iluvial com partículas orientadas. (Fotos: Miguel Cooper
e Mariana Delgado, USP/Esalq)

A consistência de um horizonte do solo pode ser determinada em três estados


de umidade, manipulando-se os torrões entre os dedos: a) molhado, para verificação
da plasticidade e pegajosidade (Fig. 9.20); b) úmido, para verificação de friabilidade;
c) seco, para verificação da dureza ou tenacidade. Por exemplo, um torrão de solo
úmido pode ser friável, quando se desfaz sob uma leve pressão entre o indicador e
o polegar; firme, quando se desfaz sob uma pressão moderada, porém apresentando
pequena resistência; e muito firme, quando é dificilmente esmagável entre o indica-
dor e o polegar, sendo mais fácil fazê-lo segurando-o entre as palmas das mãos. Mais
informações podem ser obtidas no Boxe 9.2.

9.3.6 Outras características


Além dessas características morfológicas, outras devem ser observadas e anotadas por
ocasião da descrição do perfil do solo, quando sua presença for notada. Ilustrações
sobre algumas dessas feições estão nas figuras da parte final desta lição (Fig. 9.16 em
diante). Entre essas feições, destacam-se:
a] as relacionadas com a quantidade e o tamanho dos poros, o tipo e a quantidade
de raízes, feições decorrentes de marcantes atividades do homem, como a aração
(Fig. 9.23), e de organismos do solo, como os orifícios escavados por formigas
e/ou cupins;

Como deve ser a consistência de um horizonte do solo nos três estados de umidade (seco, úmido e Questão,
molhado) para amostras de solo com 90% de areias? Explique.

Deve ser semelhante a: solto (quando seco); friável a solto (quando úmido) e não plástico/não pegajoso (quando
molhado). Salvo algumas exceções, a carência de argila impede a agregação das partículas primárias, uma vez
que a baixa superfície específica e a pouca quantidade de cargas elétricas, pela ausência de cristais de argila e
de matéria orgânica, impedem a boa agregação do solo. Além disso, pela mesma razão, a capacidade de coesão
e adesão das areias é muito baixa. Assim, apenas em situações particulares, como no caso de horizontes areno-
sos cimentados por óxidos de ferro (8 espódicos) ou cimentados por sílica (nos fragipãs), os horizontes do solo
podem ser duros ou extremamente duros, em função de uma cimentação específica.
198 Liçôes de pcdoloCjiiJ

b] túneis vazios ou preenchidos com material do solo (estes últimos chamados


de crotovinas);
c] superfícies de fricção ou de deslizamento (slickensides): superfícies alisadas e
lustrosas produzidas por atrito da massa do solo causado por movimentação
decorrente da forte expansão e contração das argilas expansivas, quando reume-
decidas (Fig. 9.21);

Boxe 9.2 AVALIAÇÃO DA CONSISTÊNCIA DO SOLO SEGUNDO TRÊS GRAUS DE UMIDADE


(DUREZA, FRIABILlDADE E PLASTICIDADE)
a] Dureza (ou tenacidade): a consistência do solo quando seco; para avaliá-Ia, deve-se selecionar um torrão
seco e comprimi-lo entre o polegar e o indicador (Fig. 9.10). Assim, obtêm-se as seguintes classificações:

Fig. 9.10 Avaliação da consistência de um torrão seco de solo, apertando-o entre o indicador e o polegar.
(Foto: Rodrigo E. Munhoz, USP/Esalq)

Solta - não coerente entre o polegar e o indicador;


Macia - fracamente coerente e frágil, quebrando-se em material pulverizado ou grãos individuais sob pressão
muito leve;
Ligeiramente dura - fracamente resistente à pressão, sendo facilmente quebrável entre o polegar e
o indicador;
Dura - moderadamente resistente à pressão. Pode ser quebrado nas mãos, sem dificuldade, mas dificilmente
quebrável entre o indicador e o polegar;
Muito dura - muito resistente à pressão. Somente com dificuldade pode ser quebrado nas mãos. Não quebrá-
vel entre o indicador e o polegar;
Extremamente dura - extremamente resistente à pressão. Não pode ser quebrado com as mãos.

b] Friabilidade: consistência do solo quando úmido; é determinada num estado de umidade aproximada-
mente intermediário entre seco ao ar e a capacidade de campo. Para avaliação dessa consistência, deve-se
selecionar e tentar esboroar entre o polegar e o indicador uma amostra (torrão) que esteja ligeiramente
úmida, obtendo- ~ e, então, as seguintes classificações:
Solta - não coerente;
Muito friável- o material do solo esboroa-se com pressão muito leve, mas agrega-se por compressão posterior;
Friável- o material do solo esboroa-se facilmente sob pressão fraca e moderada entre o polegar e o indicador,
e agrega-se por compressão posterior;
Firme - o material do solo esboroa-se sob pressão moderada entre o indicador e o polegar, mas apresenta
resistência distintamente perceptível;
9 Morfologia: organização do 5010 como corpo natural 199

Muito firme - o material do solo esboroa-se sob forte pressão. Dificilmente esmagável entre o indicador e
o polegar;
Extremamente firme - o material do solo somente se esboroa sob pressão muito forte. Não pode ser esmagado
entre o indicador e o polegar, e deve ser fragmentado pedaço por pedaço.
A consistência do solo quando molhado caracteriza a plasticidade e pegajosidade e é determinada em
amostra pulverizada e homogeneizada, com conteúdo de água ligeiramente acima ou na capacidade de
campo, considerando-se a plasticidade.

c] Plasticidade: propriedade que pode apresentar o material do solo de mudar continuamente de forma,
pela ação da força aplicada, e de manter a forma imprimida, quando cessa a ação da força. Para determi-
nação de campo da plasticidade, rola-se, depois de amassado, o material do solo entre o indicador e o
polegar e observa-se se pode ser feito ou modelado um fio ou cilindro fino de solo, com cerca de 4 cm de
comprimento. O grau de resistência à deformação é expresso da seguinte forma:
Não plástica - nenhum fio ou cilindro fino se forma;
Ligeiramente plástica - forma-se um fio de 6 mm de diâmetro, e não se forma um fio ou cilindro de 4 mm;
Plástica - forma-se um fio de 4 mm de diâmetro, e não se forma um fio ou cilindro de 2 mm;
Muito plástica - forma-se um fio de 2 mm de diâmetro, que suporta seu próprio peso.

d] Pegajosidade: propriedade que pode apresentar a massa do solo de aderir a outros objetos. Para
avaliação de campo, a massa do solo, quando molhada e homogeneizada, é comprimida entre o
indicador e o polegar, e a aderência é então observada. Os graus de pegajosidade são descritos da
seguinte forma:
Não pegajosa - após cessar a compressão, praticamente não se verifica nenhuma aderência da massa ao
polegar e/ou indicador;
Ligeiramente pegajosa - após cessar a compressão, o material adere a ambos os dedos, mas desprende-se de
um deles perfeitamente. Não há apreciável esticamento ou alongamento quando os dedos são afastados;
Pegajosa - após cessar a compressão, o material adere a ambos os dedos e, quando estes são afastados, tende
a alongar-se um pouco e romper-se, em vez de desprender-se de qualquer um dos dedos;
Muito pegajosa - após a compressão, o material adere fortemente a ambos os dedos e alonga-se perceptivel-
mente quando eles são afastados.

Obs.: A verificação da consistência em amostra molhada, para solos muito intemperizados, como é o caso
de boa parte dos Latossolos, demanda que se trabalhe bem a amostra com as mãos, com o intuito de desfa-
zer completamente os agregados, visto que tais solos apresentam-se com estrutura granular forte, que pode
dificultar a avaliação dessa característica.

d] nódulos e concreções minerais: formações mais endurecidas que a massa do solo,


facilmente destacáveis desta, com formato e dimensões variadas, entre as quais
destacam-se as constituídas de óxidos de ferro (plintita e petroplintita), forma-
das por condições atuais ou pretéritas de alternância entre oxidação e redução
(Figs. 9.16);
e] quantidade e tipo de material fibroso em materiais orgânicos (horizontes H)
(Fig. 9.19).
f] Testes químicos rápidos também costumam ser feitos no campo, como a determi-
nação de pH por meio do uso de indicadores (Fig. 9.11).
200 Lições de pedologia

9.4 Denominações dos horizontes


Agora que nós já conversamos sobre a
morfologia do solo, creio que você conseguirá
entender melhor acerca dos vários tipos de
horizontes pedogenéticos e da nomenclatura
utilizada para caracterizá-los.
A Fig. 9.12 apresenta uma foto de urn
perfil de solo, mostrando a denominação dos
principais horizontes. Nem todos eles podern
estar presentes no mesmo perfil, e é comUm
faltar um ou mais. Temos nessa figura a
sequência dos horizontes principais. Como
vimos, eles são representados por letras maiús-
culas. Mas, como existem vários tipos de
horizontes (A, B etc.), é necessário um pouca
Fig.9.11 Avaliação do índice de acidez (pH) dos horizontes do 5010 por
mais de detalhe para descrevê-los melhor.
meio do uso de um kit de campo, com indicadores (soluções
químicas que mudam de cor conforme as variações do pH) Um número - 1, 2 ou 3 - antes da letra
(Foto: Rodrigo E. Munhoz) maiúscula indicará uma descontinuidade do
material de origem do solo, isto é, o solo é
Horizonte com predominância formado, por exemplo, em sua parte superior,
de res~os orgânicos por um tipo de material acima de outro tipo.
Horizonte mineral escurecido
pela acumulação de matéria orgânica É uma situação comum em colúvios (materiais
Horizonte de cores claras, transportados pela ação da gravidade e deposi-
de onde as argilas e outras tados na parte inferior de encostas) e alúvios
partículas finas foram lixiviadas
pelas água percolantes (materiais transportados pela água e deposita-
dos na forma de camadas de espessura relati-
Horizonte de acumulação de
materiais provenientes dos vamente pequena). Sendo assim, anota-se o
horizontes superiores, símbolo dos horizontes inferiores precedido
nomeadamente argilas.
Pode apresentar cores
por algarismos arábicos.
avermelhadas, devido à presença Após as maiúsculas, podem vir notações
de óxidos e hidróxidos de ferro
minúsculas e outros números, os quais indicam
subdivisões dentro de um mesmo tipo de
Horizonte constituído por horizonte. Por exemplo, uma subdivisão de A
material nâo consolidado
seria: Al- A2 - A3, e assim por diante. No Boxe 9.3
encontra-se uma lista das diferentes notações de
Fig.9.12 Denominação dos principais horizontes de um perfil de 5010 letras minúsculas (sufixos) que podem seguir-se
bem desenvolvido (Foto: Rodrigo E. Munhoz)
às maiúsculas dos horizontes principais.

9.4.1 Horizontes O e H
Os símbolos O e H são utilizados para designar horizontes predominantemente
orgânicos. Dois tipos principais são reconhecidos:
O : horizonte ou camada superficial de cobertura, sobreposto a alguns dos solos minerais
(constitui-se também em horizonte superficial orgânico, pouco ou nada decomposto,
originado em condições de drenagem livre, mas muito frias, de determinados solos
minerais situados em elevadas altitudes.
9 Morfologia: organização do solo como corpo natural 201

Boxe 9.3 SÚMULA DE SUFIXOS APLICADOS AOS SIMBOLOS DE HORIZONTES E CAMADAS PRINCIPAIS
b - horizonte enterrado (p.ex., Ab)
c - concreções ou nódulos endurecidos (p.ex., Bc)
d - acentuada decomposição da matéria orgânica (p.ex., Od, Hd)
e - escurecimento externo dos agregados por material orgânico (Be)
f - presença de plintita (Bf, Cf)
9 - horizonte glei (p.ex., Bg, Cg)
h - acumulação iluvial de matéria orgânica (Bh)
i - desenvolvimento incipiente do horizonte B (Bi)
j - presença de ácidos sulfatados: tiomorfismo (Bj)
k - presença de carbonatos (Ck)
m - horizonte extremamente cimentado (Bm)
n - acumulação de sódio (Bn)
o - material orgânico mal ou não decomposto (00, Ho)
p - horizonte arado ou revolvido (Ap)
q - acumulação de sílica (Bq, Cq)
r - rocha branda ou saprólito (Cr)
5- acumulação iluvial de sesquióxidos de Fe e de AI com matéria orgânica (Bs)
t - acumulação de argila iluvial (Bt)
u - modificações antropogênicas
v - argilas expansíveis ou características vérticas (Bv)
w - intenso intemperismo do horizonte B (Bw)
x - cimentação aparente que se desfaz quando umedecido (Bx)
y - acumulação de sulfato de cálcio (By)
z - acumulação de sais mais solúveis do que sulfato de cálcio (Bz)
Fonte: IBGE (2007).

H: horizonte ou camada orgânica, superficial ou não composto de resíduos orgânicos


acumulados ou em acumulação, sob condições de prolongada estagnação com água -
salvo se artificialmente drenado.

o horizonte O é constituído pelas folhas e pelos galhos que caem das árvores e
seus produtos de decomposição. Por isso, não existem em superfícies revolvidas pelo
arado ou muito pisadas pelo gado. Várias outras denominações são utilizadas para
esse horizonte: serrapilheira, liteira, palhada, cama de cana, terra vegetal, cobertura
morta, mulch etc. No interior das matas ou nas áreas de plantio direto na palha, esse
horizonte exerce importantes funções: evita o impacto destruidor direto das gotas de
chuva, impede a erosão, armazena água, evita o excesso de evaporação da água do
solo, protege e desenvolve uma extraordinária biota, regula boas temperaturas, facilita
a germinação de sementes etc.
Na parte mais superficial desse horizonte, encontram-se os detritos recém-
-caídos, não decompostos (sub-horizonte 00), que repousam sobre detritos mais
antigos já decompostos ou em estado de fermentação (sub-horizonte Od). O material
do sub-horizonte Od é popularmente conhecido pelo nome "terra vegetal", por vezes
procurado para cultivo de plantas ornamentais em pequenos vasos (Fig. 9.13).
202 Lições de pedologia

Fig.9.13 Aspectos de dois horizontes O (ou "serrapilheiras"): à esquerda, sob vegetação de


floresta atlântica; à direita, sob floresta cultivada de pínus (parte do horizonte A também
aparece sob o horizonte orgânico constituído de detritos orgânicos mais decompostos:
Od (cujo material é popularmente conhecido como "terra vegetal") (Fotos: I. F. Lepsch)

o horizonte H consiste em camadas ou horizonte, superficiais ou não, que


podem estar em vários estágios de decomposição, podendo até incluir material fibroso
e bem pouco decomposto (Fig. 9.14). Esse material é acumulado em condições de
saturação prolongada com água (ou palustres), como nos pântanos, e é característico
dos solos orgânicos.

Fig.9.14 Estimando o tipo e


a quantidade de fibras em um
5010 que possui um espesso
horizonte H (orgânico). Muitas
fibras não decompostas
oriundas de plantas existem
nesse horizonte (abaixo, à dir.)
(Foto: John Kelley, USDAlNRCS)

Questão8 Sob que tipo de vegetação natural é mais comum encontrarmos um espesso horizonte O: no cerrado
brasileiro ou em uma floresta de c/ima temperado na Europa? Explique.

Em uma floresta de clima temperado, comum não só na Europa como em outras regiões de clima semelhante
e nas baixas latitudes dos hemisférios norte e sul. Isso se deve às condições climáticas: no cerrado, o clima é
quente, com uma estação úmida curta e bem definida, favorecendo a decomposição rápida dos resíduoS
orgânicos que se acumulam na superfície do solo (em que a taxa de metabolismo dos micro-organismos é
acelerada). Na floresta de clima temperado, as temperaturas baixas na maior parte do ano impedem que as
populações microbianas cresçam rapidamente, favorecendo o acúmulo de resíduos na superfície, de modo
que um horizonte O se forme, às vezes atingindo espessuras consideráveis. Na maioria dos biomas brasileiroS,
mesmo aqueles com maior biomassa (como na floresta amazônica), a formação de horizontes O com mais de
10 cm de espessura é dificultada pelos climas constantemente quentes e úmidos.
,..
9 Morfologia: organização do solo como corpo natural 203

9.4.2 Horizonte A
O horizonte A é a camada mineral mais próxima da superfície. Sua característica
fundamental é o acúmulo de matéria orgânica em decomposição, parcialmente
humificada (húmus), e/ou a perda de materiais sólidos translocados para o horizonte
B, mais profundo.
A parte mais superficial do horizonte A é normalmente mais escurecida
por conter quantidades apreciáveis de húmus. Quando o solo é cultivado, esse
horizonte é revolvido pelo arado e, se for menos espesso que 20-25 cm (profun-
didade normal da aração), pode ser misturado com horizontes
subjacentes (A2, E ou mesmo parte do horizonte B). Quando isso
acontece, essa camada é referida como Ap (p = plowed; arado em
inglês). Algumas vezes o Ap inclui duas camadas: Apl (recém-
arada ou afofada) e Ap2 (logo abaixo desta e compactada pela ação
do pisar e rasgar da aração) (Fig. 9.15).

9.4.3 Horizonte E
Entre o horizonte B de acumulação e o horizonte A escure-
cido pela matéria orgânica pode existir uma camada com cores
mais claras, que é denominada horizonte E (ou eluvial). É um
horizonte empobrecido em partículas de argila, a ponto de ser
notado macroscopicamente quando o perfil do solo é exposto. Esse
empobrecimento é suficiente a ponto de esse horizonte se destacar
quando exposto no perfil do solo. Nem todos os solos possuem esse
horizonte, sendo mesmo relativamente escasso nas regiões tropi-
cais úmidas.
Ele pode, assim, ser definido como horizonte mineral
cuja principal característica é a perda de argilas silicatadas,
Fig.9.15 "Piso de arado" (ou pã induzido) abaixo de
óxidos de ferro e alumínio ou matéria orgânica, individual-
um horizonte Ap de um solo que foi
mente ou em conjunto, com resultante concentração residual de inadequadamente arado durante muitos
areia e silte constituídos de quartzo ou outros minerais resistentes, anos. Essa camada densa e compacta
limita significativamente a infiltração da
e/ou resultante de descoramento, inclusive de argila, expressando água e a penetração das raízes. (Foto: John
desenvolvimento pedogenético no conjunto do perfil do solo. Kelley, USDA-NRCS)

Quais as consequências da possível perda do horizonte A de um solo (seja por cultivo inadequado Questãog
ou por erosão) para a produtividade de um ecossistema tropical?

o horizonte A é a camada pedogenética mineral que possui mais húmus e, portanto, é mais rica do ponto de
vista de nutrientes e micro-organismos. Sua degradação, por erosão ou por manejo inadequado - como aqueles
que utilizam o fogo, que destrói a biota e boa parte do húmus já incorporado -, leva a um decréscimo acentuado
da produtividade do ecossistema. Isso porque a maioria dos solos tropicais possui, em sua composição, argilas
oxídicas e caulinita, com baixos valores de capacidade de troca de íons. Assim, com a degradação (ou elimina-
Ção) desse horizonte, a maior parte das cargas elétricas concentradas no húmus do solo se perde, o que implica
a redução da eTC e a alteração de propriedades físicas importantes, como a infiltração de água.
204 Lições de pedologia

9.4.4 Horizonte B
O horizonte representado pelo símbolo B situa-se logo mais abaixo do horizonte A.,
desde que não tenha sido exposto à superfície pela erosão, e é definido como aquele
que apresenta máximo desenvolvimento de cor, estrutura e/ou concentração residual
de óxidos de ferro ou alumínio, ou 2Índa, o que possui acumulação de materiais trans_
locados do horizonte E.
Neste último caso, são os materiais removidos dos horizontes superiores pelas
águas das chuvas que infiltram no solo e ficam retidos nas camadas mais inferiores,
formando assim esses horizontes de acumulação ou horizontes eluviais.
As Figs. 9.16 e 9.17 ilustram aspectos variados do horizonte B em diferentes
solos.

Fig.9.16 (A) agregados grandes, de formato laminar, em (B) horizonte Btc (B textural com plintita). As raízes só conseguem crescer
entre as lâminas, ricas em plintita; (C) nódulos de plintita de um horizonte Btv. Esses nódulos são fracamente cimentados,
ricos em óxidos e ferro e pobres em húmus. São constituídos por uma mistura de argilas com outras substâncias (óxidos
de ferro, principalmente), que, em geral, ocorrem como feições indicativas de condições alternadas de oxidação e
redução. Eles tornam-se fortemente cimentados e endurecidos se expostos repetidamente a condições de
umedecimento e secagem; (O, E) efeito do excesso de água (má drenagem) nas cores de um perfil de solo (horizonte Bg).
As cores cinzentas indicam remoções de ferro (empobrecimento por condições alternadas de oxidação e redução) e
as cores vermelhas, concentrações de ferro (enriquecimento por condições alternadas de oxidação e redução); (F) um
agregado prismático grande (de um horizonte Bt) que se rompe em (G) bolos subangulares médios, bem desenvolvidos;
unidades estruturais menores podem estar contidas em unidades maiores, de formato diferente (Foto: John Kelley,
USOA-NRCS)
9 Morfologia: organização do solo como corpo natural 205

Fig.9.16 (H, I) agregados grandes em forma de prismas (à dir.) e como eles aparecem em um
horizonte Bt (à esq.) (Fotos: John Kelley, USDA-NRCS)

9.4.5 Horizonte C
Abaixo do horizonte B situa-se uma zona de
transição para rocha, que é o horizonte C. Essa
camada corresponde ao regolito e foi pouco
alterada pelos processos de formação do solo.
Portanto, tem características mais próximas
do material do qual o solo, presumivelmente,
começou a se formar.
Nas Figs. 9.16 a 9.21 você poderá apreciar
vários aspectos dos horizontes O, H, A, E, B e Fig.9.17 Perfil do solo
com horizontes bem
C de diferentes solos.
distintos (sequência
A-E-Bhs-R) e transição
irregular entre os
horizontes E (parte mais
clara) e Bhs (faixa estreita
e mais escurecida,
logo abaixo do E) e a
rocha . (Foto: cortesia do
USDA-NRCS)

Por que o horizonte B é utilizado para a classificação do solo? Não seria mais fácil utilizar um horizonte Questão 1-0
superficial, que pudesse ser visualizado sem a abertura de uma trincheira profunda?

Embora o trabalho para cavar uma trincheira de menor profundidade seja consideravelmente menor, os
horizontes superficiais dos solos não representam com fidelidade os aspectos pedogenéticos mais importan-
tes. Apesar de também estarem sujeitos aos processos pedogenéticos, esses horizontes podem ser facilmente
alterados pelos eventos climáticos naturais mais recorrentes (p.ex., uma grande chuva) ou pelas atividades
humanas (aração, subsolagem, fertilização etc.). Isso os torna impróprios para a visualização das características
relacionadas diretamente aos processos naturais de formação, que são lentos e imprimem suas características
de maneira gradual ao solo. Por essa razão, os horizontes B- ou mesmo C, em alguns casos - são utilizados para
a Classificação, já que seus atributos são pouco afetados pelos eventos naturais mais transitórios e pela atuação
do homem, permanecendo mais fiéis aos processos pedogenéticos. Por exemplo, se amostrarmos a superfície
de Um solo agrícola antes e depois da adubação, que tem seu efeito mais pronunciado na superfície, podería-
mos classificá-lo de modo distinto em ambas as situações, o que não faz sentido do ponto de vista pedológico,
já que os processos de formação ocorrem na ordem de milhares a milhões de anos.
206 Lições de pedologia

Fig.9.18 Superfícies e fricção (slickensides): são superfícies Fig.9.19 Linhas de pedra (stone lines) indicam que o solo
alisadas e lustrosas, com estrias produzidas por desenvolveu-se de material coluvial. Na foto, o colúvio
uma porção do solo deslizando sobre outra. depositou-se sobre um saprólito (horizonte C) de uma
Essas feições são comuns abaixo de 50 cm em rocha metamórfica (xisto). (Foto: John Kelley, USDA-NRCS)
solos com grandes quantidades de argilas
expansivas, que são submetidos a grandes
variações do conteúdo de água. (Foto: cortesia
do USDA-NRCS)

Fig. 9.20 Estimando a plasticidade


de amostras úmidas de
solo retiradas dos seus
vários horizontes
expostos em um corte
de estrada. (Fotos: John
Kelley, USDA-NRCS)

Questão 11 Que tipo de agregados encontraríamos mais comumente na estrutura do horizonte C do solo? Por quê?

No horizonte C, que corresponde a uma transição entre a rocha em alteração e o solo já fo rmado, o desenvolvi-
mento pedogenético é mínimo. Por essa razão, os agregados (que se formam onde agentes como argila, húmus
e cátions da solução são aglutinados quando sujeitos a ciclos pronunciados de umedecimento e secagem) não
se desenvolvem. É comum encontrarmos somente estruturas debilmente formadas, em razão da ausência
de algum desses agentes e da grande influência, física e mineralógica, que as características da rocha ainda
mantêm nessa camada . Por essa razão, a ausência de uma estrutura bem delineada é, muitas vezes, um critério
para definirmos os limites desse horizonte.
9 Morfologia: organização do solo como corpo natural 207

Fig.9.21 Sequência de lamelas nos horizontes E


e Bt de um perfil de 5010. lamela é um
horizonte iluvial pouco espesso (menos
de 7,5 em de espessura), com acúmulo
de argilas silieatadas orientadas (Foto:
John Kelley, USDA-NRCS)

ALGUMAS CITAÇÕES
O solo não é facilmente visível: para podermos realmente vê-lo e estudá-lo, é indispensável conhecê-lo por inteiro,
e raros são os que o sabem. (Ruellan; Dosso, 1993).

O solo, como aqui abordado, é mais que a terra do fazendeiro, ou um amontoado de "terra boa'~ ou o material
para engenharias; ele é um corpo da natureza que tem a sua própria organização interna e uma história genética.
(Jenny, 1980).

Um grupo contínuo de perfis de solos (ou pedons) idênticos não significa que pertença a um mesmo táxon, mas
sim que tem uma pequena variação em seus atributos (sequência de horizontes, cor, espessura etc.), e assim devem
ser considerados (e mapeados) como um s6 corpo de solo. (...) Limites dos táxons são artificiais, mas corpos de solos
são entidades naturais. (Cline, 1949).

O conceito de solo com profundidade, largura e amplitude é chamado de corpo do solo. Cada um desses corpos
é constituído de uma série de volumes (de solo) chamados de pedons - e coletivamente, podem ser chamados de
polipedons. Polipedons compõem a unidade de mapeamento do solo que os pedólogos delimitam em um mapa
de um levantamento detalhado de solos. (U. S. Department of Agriculture, 1993).

Talvez nenhum único problema atormente a c/assificação do solo mais do que a identificação dos limites geográ-
ficos de um indivíduo solo na paisagem e onde ele deve ser amostrado para um certo estudo e/ou utilizado como
uma unidade de referência (táxon) para uma classificação. (Buol et aI., 2003).

C:~ de
Manual Técnico de Pedologia do IBGE. Conceitos morfológicos para identifi-
cação de solos. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/geocien-
cias/recursosnaturais/sistematizacao/manual_pedologia.shtm>. Acesso ~eresse:
em: abro 2011.
Embrapa Solos. Introdução à morfologia e à c/assificação do solo. Disponível
em: <http://www.uep.cnps.embrapa.br/curso_morfologia.php>. Acesso
em: abro 2011.
208 Lições de pedologia

~ de
As feições pedológicas: descrições e interpretações. Material em formato pdf
que ensina a descrever e interpretar as feições pedológicas. Disponível eni;
~eresse: <http://www.labogef.iesa.ufg.br/ labogeflarquivos/downloads/ SOllDI _
DAC_2003_cap5Jeicoes_pedologicas_04767.pdf>. Acesso em: abro 2011.
Apostila de micromorfologia do solo da Profa. Selma S. Castro (UFGo).
Disponível em: <http://www.ebah.com .br/content/ABAAABtNsAA/
apostila-fev-2008-micromorfologia-solos>.

~turas
IBGE. Coordenação de Recursos Naturais e Estudos Ambientais. Manual
técnico de pedologia. 2. ed. Rio de Janeiro: IBGE, 2007. Disponível em:
recomendadas <ftp://geoftp.ibge.gov.br/documentos/ recursosnaturais/ pedologia/
manual _tecnico_pedologia.pdf >. Acesso em: abro 2011 .
OLIVEIRA, c.; ARAÚJO, A. P.; MAZUR, N. Fundamentos da Ciência do 5010-
IA 321, Roteiro de aulas práticas. 3. ed. UFRRJ: Imprensa Universitária,
2009. Disponível em: <http://www.ia.ufrrj.br/ds/ IA321.pdf>.
SANTOS, R. D.; LEMOS, R. c.;SANTOS, H. G. d .; KER, J. c.; ANJOS, L. H. C. d. Manual
de descrição e coleta de solo no campo. 5. ed. Viçosa, MG: Folha de Viçosa, 2005.
U. S. Department of Agriculture, Soil Conservation Service. 1993. Soil Survey
Manual. $oil Surv. Div. Staff. U.S. Dep. Agric. Handb. 18. Disponível em :
<http://soils .usda.gov/ technical/manual / >. Acesso em : 24 maio 2011 .

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