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No nal da tarde de 22 de abril de 1915, perto de Ypres, na Bélgica, os soldados franceses das Divisões 45 e 97, em
suas trincheiras, viram aproximar-se deles uma nuvem espessa verde-amarelada vinda das trincheiras alemãs.
Surpreendidos com uma apavorante di culdade de respirar, eles abandonaram seus postos e fugiram para trás. Muitos
morreram ali mesmo e milhares de outros caram incapacitados por meses ou pelo resto da vida.
Eles foram as primeiras vítimas da guerra química inaugurada com um gás sufocante a base de cloro que atacou as
vias aéreas e provocou queimaduras nos olhos, garganta e pulmões, cegueira, náusea e dor de cabeça. Cerca de 6.000
pessoas morreram dolorosamente. O gás clorídrico, produzido por indústrias como Bayer e Hoechst foi lançado a partir
de 5000 cilindros liberados pelos alemães.
Em setembro, os aliados passaram a usar o mesmo recurso contra as linhas alemãs até que, em 1917, a fórmula foi
superada por um gás ainda mais letal: o gás mostarda. Lançado pelos alemães no mesmo setor de Ypres, na noite de
12 para 13 de julho de 1917, o gás mostarda atacou o sistema respiratório e também a pele. Seus efeitos não são
imediatos, ocorrendo 6 a 36 horas depois quando surgem queimaduras des gurantes, enormes bolhas na pele, espirros
e tosses com saída de sangue pelo nariz e boca. A morte ocorre em algumas horas, dias ou semanas após a
exposição.
Mesmo antes da Primeira Guerra Mundial, cientistas e militares cogitaram no uso de armas químicas, mas se
continham por escrúpulos religiosos e pelo tradicional código de guerra cavalheiresco.
Na Convenção de Haia de 1899, a maioria das nações europeias proibiu o uso de projéteis “cujo único propósito é
espalhar gases as xiantes ou deletérios”. Discutiu-se também o uso de explosivos fragmentados que rasgam a carne
de maneira horrível. Um médico militar francês que observou nos Bálcãs, na véspera da Grande Guerra, os estragos do
canhão francês de 75 mm entregue aos sérvios, também pediu a proibição desse tipo de arma. Ele não foi ouvido.
Guerra de trincheiras
Quando a Primeira Guerra Mundial eclodiu em agosto de 1914, todos os estrategistas, tanto em Berlim, Paris e Londres,
preferiram a ofensiva: “A melhor defesa é o ataque”. Mas logo se deram conta que o extraordinário poder de fogo da
artilharia moderna acabava por impedir o avanço dos soldados. Para se protegerem do ataque inimigo, as tropas se
enterraram em trincheiras cavadas às pressas.
Da Suíça até o norte da França, duas linhas de trincheiras de cerca de 700 quilômetros separavam as tropas alemães
das tropas francesas e britânicas. Eram covas compridas e estreitas com dois metros de profundidade, tendo um
parapeito para a observação e escadas para o ataque ao inimigo.
Os soldados entrincheirados praticamente não se deslocavam e passavam dias mergulhados na lama, em meio a ratos,
piolhos, excrementos e, muitas vezes, junto de cadáveres de companheiros insepultos, em decomposição. Cada
pequeno avanço era conquistado à custa de milhares de mortes uma vez que o inimigo – também entrincheirado logo à
frente –disparava suas metralhadoras a qualquer movimento do adversário.
Por três anos e meio, a guerra, na Europa, parecia imobilizada, com pequenos avanços ou recuos. Era uma guerra de
posições. Foi nesse cenário angustiante que se pensou no uso de gases tóxicos.
A decisão em lançar o gás clorídrico em Ypres, em 1915, baseou-se na topogra a do lugar, uma extensa planície com
ventos favoráveis que sopravam para as trincheiras inimigas. O objetivo era “limpar” as trincheiras para retomar a
guerra de movimento. O ataque químico deixou cerca de 5.000 mortos entre franceses, ingleses e, inclusive, alemães.
A mulher de Fritz Haber, que também era química, revoltou-se com o ataque, confrontou o químico e acabou se
matando com a arma dele.
Os industriais ingleses partiram para a ofensiva e logo estavam produzindo suas armas de gás clorídrico. O primeiro
ataque britânico ocorreu perto de Lille, no norte da França, em 25 de setembro de 1915 e pegou os alemães de
surpresa. Mas, como o ataque anterior, o resultado nal foi dúbio vitimando os dois lados.
Nos próximos dois anos, na Frente Ocidental e, em menor medida, na frente russa, os beligerantes continuaram os
ataques com cloro. O lançamento foi otimizado com propulsores que lançavam os cilindros de gás diretamente para o
campo inimigo. A toxicidade do gás foi aumentada pelo fosgênio, um composto de cloro e carbono, inodoro e incolor.
Nas trincheiras, as máscaras de proteção caram cada vez mais so sticadas.
Os ingleses superaram os alemães nos ataques químicos. No total, durante a guerra, eles zeram cerca de 300 ataques
de cloro contra algumas dezenas de ataques feitos por alemães, franceses e austro-húngaros.
Desvantagens do gás
O uso da arma química revelou-se, contudo, perigoso até para os trabalhadores que montavam os cilindros e os
soldados que os manuseavam. Os ataques dependiam das condições meteorológicas, nem sempre previstas pois, com
frequência, uma súbita inversão do vento tornava o atacante a vítima dos gases.
Contudo, o gás tem a vantagem de desestabilizar o adversário abatendo-o física e moralmente. Os soldados, nas
trincheiras, devem manter a máscara à mão e temer “as nuvens” mais do que as armas convencionais.
Em todos os campos, os soldados de infantaria são forçados a usar equipamentos de proteção e máscaras em cada
alerta – acessórios que di cultam seus movimentos e agravam ainda mais suas condições de vida. Cansados, eles os
removem logo após o alerta cando expostos ao risco de serem afetados pelo gás residual.
Contudo, as armas químicas abriram um perigoso precedente que ainda hoje, cem anos depois da guerra, ameaça o
mundo.
Uma das vítimas, gravemente ferida em outubro de 1917, foi um cabo bávaro chamado Adolf Hitler. Alguns
historiadores presumem que foi a lembrança dessa lesão que o impediu de usar armas químicas durante a Segunda
Guerra Mundial.
O número de desaparecidos na Primeira Guerra Mundial chega a 700 mil soldados. Seus corpos caram
soterrados nas trincheiras. Às vezes são encontrados durante escavações para obras como esse grupo
descoberto em Massiges, França, próximo à fronteira da Alemanha. Eles não tinham placa de identi cação.