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KAREL KOSÍK

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Dialética do Concreto
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T radução de
Célia Neves
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j 6° REIMPRESSÃO
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Título do original tcheco:


lndice
DIALEKTIKA KONKRÉTNIHO
e 1963 by Karel Kosík
confrontado com a edição em italiano,
DIALETTICA DEL CONCRETO, publicada
por V a l e n t i n o Bompiani, Milão, 1965 .
r
"

C apa: N o ta s o b r e o a u to r : . 7
Claudia Lammoglia f A d v e r tê n c ia d o a u to r . 9
;
, I
1- DIALÉTICA DA TOTALIDADE CONCRETA
Dados Internacionais de Catalogdção na Publicação GFEDCBA
(é Ip )
(Câmara Brasileira do dvro, SP, Brasil) O mundo da pseudoconcreticidade e a sua destruição. . . . . . 13
1- ~
Reprodução espiritual e racional da realidade. . . . . . . . . . . . . 27

Kosik, Karel, 1926 -í;-
K88d - Dialética do concreto; tradução de Célia Neves e Alderico Toríbio, 2. ed. A totalidade concreta ~ :.............. 41
li'
If Rio de Janeiro, paz e Terra, 1976. :;
!. 230p. - 21 cm (Rumos da cultura moderna.,"v. 26) 11 - ECONOMIA E FILOSOFIA
~
I" Do original tcheco: Dialektika konkrétniho.
I
!. Bibliografia. ..; Metafísica da vida cotidiana. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
1. Filosofia tcheca. 2. Marxismo. 3. Materialismo dialético. I. Título. 11.Série. Metafísica da ciência e da razão . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . . . . 91
Metafísica da cultura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 111
CDD - 199.437
146.3
\. I.
335.411 JII - FILOSOFIA E ECONOMIA
CDU -1(437)
76-0101 A problemática de "o capital" de Marx. . . . . . . . . . . . . . . . .. 155
335.5
O homem e a coisa ou a natureza da economia. . . . . . . . . .. 187

Direitos adquiridos pela IV - "PRAXIS" E TOTALIDADE


EDITORA PAZ E TERRA S/A
Rua do Triunfo, 1"F A "praxis". . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 217
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O homem ·· 241
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22431-050 - Rio de Janeiro - RJ \\,
Te!.: (021) 259-8946 '\ '
que se reserva a propriedade desta tradução '

1995
Impresso no Brasil /ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P r in te d in B r a z il

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o mundo da
pseudoconcreticidade
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e a sua destruição
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~ zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A DIAI\.ÉTICA trata da "coisa em si". Mas a "coisa em si" não se
.,1 manifesta imediatamente ao homem. Para chegar à sua compreensão,
é necessário fazer não só um certo esforço, mas também um d é t o u r .
Por este motivo o pensamento dialético distingue entre representação
e conceito da coisa, com isso não pretendendo apenas distinguir duas
\ \
formas e dois graus de c o n h e c i m e n t o da realidade, mas especialmente
l
e sobretudo duas qualidades da p r a x i s humana A atitude primordial
e imediata 'do homem, em face da realidade, não é a de um abstrato
sujeito cognoscente, de uma mente pensante que examina a realidade
especulativamente, porém, a de um ser que age objetiva e pratica-
mente, de um indivíduo histórico que exerce a sua atividade prática
no trato com a natureza e com os outros homens, tendo em vista a
I, I consecução dos próprios fins e interesses, dentro de um determinado
conjunto de relações sociais. Portanto, a realidade não.~e_~PE~se!1~a
aos homens, à primeira vista, sob o aspecto de um objeto que cumpre
intuir, analisar e compreender teoricamente, cujo pólo oposto e com-
plementar seja justamente o abstrato sujeito cognoscente, que existe
fora do mundo e apartado do mundo; apresenta-se como o campo

13

----~-- ~------_._-_. -_._-


em que se exercita a sua atividade prático-sensível, sobre cujo fun- familiaridade em que o homem se move "naturalmente" e com que
damento surgirá a imediata intuição prática da realidade, No trato tem de se avir na vida cotidiana.
prático-utilitário com as coisas --~rn que a realidade serevela como O complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano
mundo dos meios, fins, instrumentos, exigências e esforços para e a atmosfera comum da vida humana, que, com a sua regularidade,
satisfazer a estas - o indivíduo "em situação" cria suas próprias imediatismo e evidência, penetram na consciência dos indivíduos
representações das coisas e elabora todo um sistema correlativo de agentes, assumindo um aspecto independente e natural, constitui o
noções que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade. mll!1:~.<:l_
~ '1 . p s e 1 J @ c o n c r . e t i c i d a d eA
. ele pertencem:
Todavia, "a existência real" e as formas fenomênicas da rea- , I -O_!llundo dos fenômenos externos, que se desenvolvem à
lidade - que se reproduzem imediatamente na mente! daqueles que superfície dos processos realmente essenciais;
realizam uma determinada ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
p r a x i s histórica, como conjunto de repre- - O mundo do tráfico e.da manipulação, isto é, da p r a x i s
.sentações ou categorias do "pensamento comum" (cl,.ueapenas por fetichizada dos homens (a qual não coincide com a p r a x i s orítica
I,
I
"hábito bárbaro" são consideradas conceitos) - são diferentes e revolucionária da humanidade);
muitas vezes absolutamente contra itórias com a l e i do fenômeno,
rzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA I,- O mundo das representações comuns, que são projeções dos ~
"

com a e s t r u t u r a da coisa e, portanto, com o seu núcle~rinterno fenômenos externos lla consciência dos homens, produto da p r a x i s
i'
~, e s s e n c i a l e o seu conceito correspondente. Os homems usam dinheiro fetichizada, formas ideológicas de seu movimento;
e com ele fazem as transações mais complicadas, sem ao menos ., O mundo dos objetos fixados, que dão a impressão de ser
~
\' saber, nem ser obrigados a saber, o que é o dinheiro. Por isso, a condições naturais e não são imediatamente reconhecíveis' como
!: resultados da atividade social dos homens.
:'i, p r a x i s utilitária imediata e o senso comum a.-ela correspondente
r

,
"

" colocam o homem em condições de orientar-se no mundo, de fami- O mundo da pseudoconcreticidade é um claro-escuro de ver-
"

t; liarizar-se com as coisas e manejá-Ias, mas não proporcionam a dade e engano. O seu elemento próprio é o duplo sentido. O fenômeno
~
~ c o m p r e e n s ã o das coisas e da realidade. Por este motivo Marx. pode indica a essência e, ao mesmo tempo, a esconde. A essência se
escrever que aqueles que efetivamente determinam as condições manifesta no fenômeno, mas só de modo inadequado, parcial, ou
sociais se sentem à vontade, qual peixe n' água, nq mundo das formas apenas sob certos ângulos e aspectos. O fenômeno indica algo que.
fenomênicas desligadas da sua conexão interna e absolutamente ' não é ele mesmo e. vive apenas graças ao seu contrário. A essência
incompreensíveis em tal isolamento. Naquilo que é intimamente não se dá imediatamente; é mediata ao fenômeno e, portanto, se
contraditório, nada vêem de misterioso; e seu julgamento não se • manifesta em algo diferente daquilo que é. A essência se manifesta
escandaliza nem um pouco diante da inversão do racional e irracional. no fenômeno. O fato de se manifestar no fenômeno revela seu
movimento e demonstra que a essência não é inerte nem passiva.
A p r a x i s de que se trata neste contexto é historicamente determinada
Justamente por isso o fenômeno revela a essência. A manifestação
e unilateral, é a p r a x i s fragmentária os indivíduos, baseada na
da essência é precisamente a atividade do fenômeno.
divisão do trabalho, na divisão da sociedade em cl~es e na hierar-
O mundo fenomênico tem a sua estrutura, uma ordem própria,
quia de posições sociais que sobre ela se ergue. Nesta ~ r a x i s se forma
uma legalidade própria que pode ser revelada e descrita. Mas a
tanto o determinado ambiente material do indivíduo histórico, quanto
estrutura deste mundo fenomênico ainda não capta a relação entre o
a atmosfera espiritual em que a aparência superficial da realidade é
mundo fenomênico e a essência. Se a essência não se manifestasse
fixada como o mundo da pretensa intimidade, da confiança e da
absolutamente no mundo fenomênico, o mundo da realidade se

14
15
, _ _.-f.

distinguiria radical e essencialmente do mundo do fenômeno: em tal qualquer investigação, deve necessariamente possuir uma segura
caso o mundo da realidade seria para o homem "o outro mundo" consciência do fato de que existe algo susceptível de ser definido
(platonismo, cristianismo), e o único mundo ao alcance do homem como estrutura da coisa, essência da coisa, "coisa em si", e de que
seria o mundo dos fenômenos. O mundo fenomênico, porém, não é existe uma oculta verdade da coisa, distinta dos fenômenos que se
algo independente e absoluto; os fenômenos se transformam em manifestam imediatamente. O h9_111emf~~E1.~~sVig,g~~sforça na
mundo fenomênico na relação com a essência. O fenômeno não é descoberta da verdade só porque, de um' modo qualquer, pressupõe a
radicalmente diferente da essência, e a essência não é u~a realidade existência da verdade, porque possui uma segura consciência da exis-
pertencente a uma ordem diversa da do fenômeno. Se ~sim fosse tência da "coisa em si "~o
P or que, então, a estrutura da coisa não é direta
efetivamente, o fenômeno não se ligaria à essência através de uma e imedi~tamente acessível ao homem, por que, então, para captá-Ia ele
relação íntima, não poderia manifestá-Ia e ao mesmo tempo escon- tem de fazer um desvio? E a que leva tal desvio? O fato dena percepção
dê-Ia;a sua relaç. ão seria reciprocamente externa e indifetente. Capt~ imediata não se captar a "coisa em si" mas o fenômeno da coisa,

! fenômeno de determinada coisa significa indagar e descrever como


i a coisa em si se manifesta naquele fênômenc, e como ao mesmo
; ~tempo nele se esconde. Compreender o fenômeno é ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a t i n g i r a essência.
dependerá, talvez, do fato de que a estrutura da coisa pertence a outra
ordem
constitui
de realidade, distinta da dos fenômenos,
uma outra realidade existente por trás dos fenômenos?
e que, portanto, ~

Sem o fenômeno, sem a sua manifestação e revelação, ~ essência Co~o a essência':' ao contrário dos fenômenos - não se m a -";
seria inatingível. No mundo da pseudoconcreticidade o aspecto fe- nifesta d~etamente, e desde que o fundamento oculto das coisas deve 'I

\lGFEDCBA
nomênico da coisa, em que a coisa se manifesta e se esconde, é ser descoberto mediante uma atividade peculiar, tem de existir a ciência i

I
!
considerado como a essência mesma, e a diferença entre o fenômeno e a filosofia. Se a aparência fenomênica e a essência das coisas ;
! e a essência d e s a p a r e c e . Por conseguinte, a diferença que separa fenô- coincidissem diretamente, a ciência e a filosofia seriam inúteis.!
meno e essência equivale à diferença entre irreal e real, ou entre duas O esforço direto para descobrir a estrutura da coisa e "a coisa
ordens diversas de realidade? A essência é mais real do que o fenômeno? em si" constitui desde tempos imemoriais, e constituirá sempre, tarefa
A realidade é a unidade do fenômeno e da 'essência Por isso a essência precípua da filosofia As várias tendências f i l o s ó f i c a s j u n d a m e n t a i s
pode ser tão irreal quanto o fenômeno, e o fenômeno tanto quanto a são apenas-modificações desta problemática fundamental e de sua
essência, n o c a s o e m q u e se apresentem isolados e, em tal isolamento, solução, em 'cada etapa evolutiva da humanidade. A filosofia é uma
~ .

sejam considerados como a única ou "autêntica" realidade.


O fenômeno não é, portanto, #outra cois_a.s~!1ão aquiJºClue -
1 . " ... Se os homens apreendessem imediatamente as conexões, para que
diferentemente da essência oculta - se manifest~'-im~aIªtame~te,
serviria a ciência? (Marx a Engels, carta de 27-6-1867). "Toda ciência seria
primeiro e com maior freqüência, Mas por que a "coisa em si", a
supérflua se a forma fenomênica e a essência coincidissem diretamente."
estrutura da coisa, não se manifesta imediata e diretamente? Por que
Marx, O C a p i t a l , n r , séc. VII, capo XL VIII, m . (fr. ital. Roma, Rinascita,
são necessários um esforço e um desvio para comnr.eendê-Ia? Por 1959, III, a , pág. 228). ''Para as formas fenomênicas ... a diferença da relação
que a "coisa em si" se oculta, foge à percepção i~é.iliata? De que essencial... vale exatamente aquilo que vale para todas as formas fenomê-
gênero de ocultação se trata? Tal ocultação não pod~ ser absoluta: nicas e para o fundamento oculto por detrás delas. A s formas fenomênicas se
se quiser p e s q u i s a r a estrutura da coisa e quiser perscrutar "a coisa reproduzem imediatamente por si mesmas, como formas correntes do pensa-
em si", se apenas quer ter a possibilidade de descobrir a essência mento, mas o seu fundamento oculto tem de ser descoberto somente pela
oculta ou a estrutura da realidade - o homem, já antes de miciar ciência." Marx, O C a p i t a l , I, séc. VI, capoXVII. (Ir. ital. I, 2, pág. 259).

16 17
A distinção entre representação e conceito, entre o mundo da daqueles fenômenos mas destrói a sua.pretensaindependência, .Q e -
aparência e o mundo da realidade, entre ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
e p r a x i s utilitária cotidiana
monstrando o seu caráter mediato e apresentando, contra a sua
dos homens e a p r a x i s revolucionária da humanidade ou, numa palavra,
pretensa independência, 'prova do seu caráter derivado.-
a "cisão do único", é o modo pelo qual o pensamento capta a "coisa
A dialética não considera os produ tos fixados, as configurações
em si". A dialéticaé o pensamento crítico que se propõe a compreender
,J e os objetos, todo o conjunto do mundo material reificado, como
a "coisa em si" e sistematicamente se pergunta como é possível chegar
\ algo originário e independente. Do mesmo modo como assim não
à compreensão da realidade. Por isso, é o oposto da sistematização . considera o mundo das representações e do pensamento comum, não
Comuns. O pensa-
doutrinária ou da romantização
mento que quer conhecer
das representações
adequadamente a realidade, que não se
os aceita ~ b o seu aspecto imediat~: ~ubm~te-os a ~m exame em
que as formas reificadas do mundo objetivo e Ideal se diluem, perdem
contenta com os esquemas abstratos da própria realidade, nem com suas a sua fixidez, naturalidade e pretensa originalidade, para se mostra-
simples e também abstratas representações, tem de d e s t r u i r a aparente
rem como fenômenos derivados e mediatos, como sedimentos e
independência do mundo dos contactos imediatos de cada dia O pen-
produtos d a p r a x i s social da humanidade.i
samento que destrói a pseudoconcreticidade para atingir a concreticidade
é ao mesmo tempo um processo no curso do qual sob o mundo da
aparência se desvenda o mundo real; por trás da aparência externa do 5. "O marxismo é um esforço para ler, por trás da pseudo-imediaticidade
fenômeno se desvenda a lei do fenômeno; por trás do movimento visível, do mundo econômico reificado as relações inter-humanas que o edificaram
4 e se dissimularam por trás de sua obra." A de Walhens, L 'i d é e p h é n o m é -
o movimento real interno; por trás do fenômeno, a essência O que
n o l o g i q u e d 'i n t e n t i o n a l i t é , in H u s s e r / e t I a p e n s é e m o d e m e , Haia, 1959,
confere a estes fenômenos o caráter de pseudoconcreticidade não é -a
l,)igs. 127-28. Esta definição de um autor não-marxista constitui um teste-
sua existência por si mesma, mas a independência com que ela se munho sintomático da problemática filosófica do Século XX, para a qual a
manifesta A destruição da pseudoconcretididade -:-que o pensamento .destruição da pseudoconcreticidade e das mais variadas formas de alienação
dialético tem de efetuar - .não nega a existência oU_I! objetividade GFEDCBA ;se transformou em urna das questões essenciais. Os filósofos se distinguem,
. \
entre si, pelo m o d o como a resolvem, mas a problemática comum já é dada,
~ tanto para o positivismo (a luta de Carnap e de Neurath contra a nietafís!c~real
4. O C a p i t a l , de Marx, é construído metodologicamente sobre a distinção
ou suposta), oomo também para a fenomenologia e o existencialismo. E sinto-
entre falsa consciência e compreensão real da coisa, de modo que as cate-
mático que o!sentido autênt!co do método feno~~nológic? husserlia~o e toda
gorias principais da compreensão conceitual da realidade investigada se j
a conexão do seu núcleo racional com a problemática do Seculo XX so tenham
apresentam aos pares: I
I sido descobertos por um filósofo de orientação marxista, cuja obra constitui a
fenômeno - essência primeira tentativa séria de um confronto entre a fenomenologia e a filosofia
mundo da aparência - mundo real J
materialista. O autor define expressivamente o caráter paradoxal e rico em
aparência extema dos fenômenos - lei dos fenômenos contrastes da destruição fenomenológica da pseudoconcreticidade: "O mundo
existência positiva - núcleo intemo, essencial, oculto da aparência havia abarcado, na linguagem ordinária, todo o sentido da noção
movimento visível - movimento real intemo de realidade... Desde que as aparências aí se impuseram a título de mundo real,
representação - conceito sua eliminação se apresentava como uma colocação entre parênteses deste
falsa consciência - consciência real mundo ... e a realidade autêntica à que se retomava tomava paradoxalmente a
sistematização doutrinária das representações ("ideologia") - teoria e forma da irrealidade de urna consciência pura." Tran-Duc-Thao. P h é n o m é -
ciência. n o l o g i e e t m a t é r i a l i s m e d i a l e c t i q u e , Paris, 1951, págs. 223-24.

20 21
o pensamento acriticamente reflexivo'' coloca imediatamente em que saibamos que a realidade é produzida por nós. A diferença
- e portanto sem uma análise dialética - em relação causal as repre- entre a realidade natural e a realidade humano-social está em que o
sentações fixadas e as condições igualmente fixadas, fazendo passar homem pode mudar e transformar a natureza; enquanto pode mudar
tal forma de "pensamento bárbaro" por uma análise "materialista" de modo r e v o l u c i o n á r i o a realidade humano-social porque ele pró-
das idéias. Como os homens tomaram consciência de seu tempo (e, \. prio é o produtor d e s t a ú l t i m a realidade.
portanto,já o viveram, avaliaram, criticaram e compreenderam) nas i· ~ O mundo real, oculto pela pseudoconcreticidade, apesar de nela
categorias da "fé do carvoeiro" e do ceticismo "pequeno-burguês ", " se manifestar, não é o mundo das condições reais em oposição à s
o doutrinador supõe que se fizera a análise "científica" daquelas :o.ndi~ões ~e~s, ~pouco o mundo da transcendê~cia em oposição
idéias ao procurar para elas um equivalente econômico, social ou de a ilusão s~bjehva; e o mundo da p r a x i s humana. E a compreensão
classe. A9 invés, mediante tal "materialização" efetua-se apenas uma da realidade humano-social como u n i d a d e de produção e produto,
dupla mistificação: a subversão do mundo da aparência (das idéias de sujeito e objeto, de gênese e estrutura. O mundo real não é,
portanto, um mundo de objetos "reais " fixados, que sob o seu aspecto
fixadas) tem as suas raízes na materialidade subvertida (reificada).GFEDCBA
fetichizado levem uma existência transcendente como uma variante
A teoria materialista deve ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
i n i c i a r a análise com a questão: por que
naturalisticamente entendida das idéias platônicas; ao invés, é um
os homens tomaram consciência de seu tempo justamente nestas
mundo em que as coisas, as relações e os significados são conside-
categorias e q u a l o t e m p o que se inostra aos homens nestas catego- \

rados como p r o d u t o s do homem social, e o próprio homem se revela


rias? Fazendo esta indagação, o materialista prepara o terreno para
como sujeito real do mundo social. O mundo da realidade não é uma
proceder à destruição da pseudoconcreticidade t a n t o das idéias q u a n -
variante secularizada do paraíso, de um estado já realizado e fora do
t o das condições, e só depois disso pode procurar uma explicação
tempo; é um processo no curso do qual a humanidade e o indivíduo
racional para a íntima conexão entre o tempo e a idéia
l e a l i z a m a própria verdade, operam a humanização do homem. A o .
Entretanto, a destruição da pseudoconcreticidade como método
contrário do mundo d a pseudoconcreticidade, o mundo da realidade
dialético-crítico, graças à qual o pensamento dissolve as criações
~. o m..!!~4Q'da r e a l i z a ç ã o . da verdade, é o.mundc em que a verdade
fetichizadas do mundo reifísado e ideal, para alcançar a sua realidade, nãoé dada e predestinada, não está pronta e acabada, impressa de
é apenas o outro lado da dialética, como 1 r ( é t o d o r e v o l u c i o n á r i o d e foffi.ill iiD~távei na consciênciahumana; é..9,Jllundo em que a verdade
tr a n s fo r m a ç ã o d a r e a lid a d e . P a r a q u e o m u n d o p o s s a s e r e x p lic a d o d e v é m , Por ~sta razão a história humana pode ser o processo da
" c r i t i c a m e n t e ': c u m p r e que a e x p lic a ç ã o m esm a se c o lo q u e no verdade e a h)stória da verdade. A destruição da pseudoconcreticidade
j
te r r e n o da " p r a x is " r e v o l u c i o n á r i a . Veremos mais adiante que a significa que a verdade não é nem inatingível, nem alcançável de
realidade pode ser mudada de modo r e v o l u c i o n á r i o só porque e só uma vez para sempre, mas que ela se faz; logo, se desenvolve e se
na medida em que nós mesmos produzimos a realidade, e na medida I realiza.
Portanto, a destruição da P~~\~s~º[!creticidade se efetua como:
1) crítica revolucionária da p r a x i s da hUI~:;àníaaâe; que coincide.com
6. Hegel assim defme o pensamento reflexivo: "A reflexão é a atividade
que consiste em constatar as oposições e em passar de uma para outra, mas o devenir humanodo homem, com o processo de "humanização do
sem ressaltar a sua conexão e a unidade que as compenetra." Hegel, Phil. homem;' (A:'Kolman), do qual as revoluçõessociais cõ~stitú"e~ as
d e r R e l i g i o n , I, pág. 126 ( W e r k e , V a I . X I ) . Ver também Marx, G n . m d r i s s e , etapas-chaves; 2) pensamentodialético, que dissolve o mundo feti-
pág. 1 0 . chizado da aparência para atingir a realidade e a "coisa em si";

22 23
'. " . zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

3) realizações da verdade e criação da realidade humana em um nham as reações contra Shakespeare ~ Rosseau), a palavra de ordem
proceso ontogenético, visto que para cada indivíduo humano o mundo significa c r í t i c a d a c i v i l i z a ç ã o e d a c u l t u r a ; significa
a d fo n te s
da verdade é, ao mesmo tempo, uma sua criação própria, espiritual, tentativa - romântica ou revolucionária - de descobrir por trás dos
como indivíduo social-histórico. Cada indivíduo ZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
-p e s s o a lm e n te e produtos e das criações a atividade e operosidade produtiva, de
s e m q u e n i n g u é m p o s s a s u b s t i t u í - l o - tem de se formar uma cultura encontrar "a autêntica realidade" do homem concreto por trás da
e viver a sua vida. realidade reificada da cultura dominante, de desvendar o autêntico
Não podemos, por conseguinte, considerar. a destruição da objeto histórico sob as estratificações das convenções fixadas.
pseudoconcreticidade como o rompimento de um biombo e o des-
cobrimento de uma realidade que por trás dele se esco~di~ pronta
e acabada, existindo independentemente da atividade d~ homem. A
pseudoconcreticidade é justamente a existência autônoma dos p r o -
d u t o s do homem e a redução do homehl ao nível d a p r d x i s utilitária.
A destruição da pseudoconcreticidad& é o processo de criarão da
realidade concreta e a visão da realidade, da sua concreticidade, As
correntes idealísticas absolutizaram ora o sujeito, , tratando âo pro-
blema de' como encarar a realidade a fim de que-ela fosse concreta
ou bela, ora o objeto, e supuseram que a realidade é tanto mais real
quanto mais perfeitamente dela se expulsa o sujeito. Ao contrário
delas, na destruição materialista da pseudoconcreticidade, a libera-
lização do "sujeito" vale dizer, a v i s ã o concreta da realidade, ao
invés da "intuição fetichista" coincide com aliberalização do "objeto"
(criação do ambiente humano como fato.humano dotado de condições
de transparente racionalidade), posto que a realidade social dos
homens se cria como união dialética de sujeito e objeto.
A palavra de ordem a d f o n t e s , que ressoa periodicamente como
reação c o n t r a a pseudoconcreticidade nas suas mais variadas mani- •
festações, assim como a regra metodológica da análise positivista -
"libertar-se dos preconceitos" - encontyam o seu fundamento e a sua
justificação na destruição materialista/da pseudoconcreticidade. To-
davia, o próprio retorno "às fontes" apresen\~ dois aspectos
completamente distintos. Sob o primeiro aspecto~le se apresenta
como uma douta e humanisticamente erudita críticaídas fontes, como
um exame dos arquivos e das fontes antigas, das quais cumpre deduzir
a realidade autêntica. Sob aspecto mais profundo e mais significativo,
que aos olhos da douta erudição se afigura barbárie (como testemu-

24 25
, j

Reprodução
espiritual e racional
I
I da realidadezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZY

COMok corsxsnão se mostram ao homem diretamente tal qual são


e como o homem não tem a faculdade de ver as coisas diretamente
na sua essência, a humanidade faz um d e t ô u r para conhecer as coisas
e a sua estrutura. Justamente porque tal d e t ô u r é o ú n i c o caminho
acessível ao homem para chegar à verdade, periodicamente a huma-
nidade tenta pou,par-se o trabalho desse desvio e procura observar
d i r e t a m e n t e a essência das coisas (o misticismo é justamente a
impaciência do homem em conhecer a verdade). Com isso corre o
perigo' de' perder-se ou de ficar no meio do caminho, enquanto
percorre ta l desvio.
A obviedade não coincide com a perspicuidade e a clareza da
coisa em si; ou melhor, ela é a falta de clareza da representação da
j GFEDCBA coisa. A natureza se manifesta como algo de inatural. O homem tem
de envidar esforços e sair do "estado natural" para chegar a ser
verdadeiramente homem (o homem s e f o r m a evoluindo-se em ho-
mem) e conhecer a realidade como tal. Para os grandes pensadores
de todos os tempos e de todas as tendências - no mito platônico
da caverna, na imagem baconiana dos ídolos, em Spinoza, Hegel,

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