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Textos de Psicologia

Obras de Psicologia e de Psicanálise são HOLDING E


incluídas nesta coleção obedecendo ao critério INTERPRETAÇÃO
de apresentar uma sólida fundamentação
teórica, independente de escolas ou orientações
ideológicas. Reúne textos de autores consagrados,
antigos ou modernos, que, através de manuais,
ensaios ou pesquisas aplicadas, forneçam
subsídios consistentes para a formação teórica
ou a prática clínica.

CAPA Proj e to gráfico Marcos Li sboa


D. W. Winnicott

HOLDING E
-
INTERPRETAÇAO

Tradução SONIA MARIA TAVARES MONTEIRO DE BARROS

~
wmfmartinsfontes
SÃO PAULO 2017
Título orixina/: HOLDING AND INTERPRE:TATION.
Copyright © /972 by The Estale ofD . W. Wim1ico11 and 1986 by the Winnicoll Trust.
Índice
Copyright O 1968 by Prince Masud Khan.para a i111rod11çcio.
Copyrig/11 C 1954, 1958 by D. W. Winnicou. parti o apêndice.
CtJpyrighl © /99/ , Livraria Marfins Fomes Editora Lula.,
St1o Paulo. pt,ra a presen1e ediçt1o.

1: edição 1991
3! edição 2010
3: tiragem 20/7

Tradução
SONIA MARIA TAVARES MONTEIRO DE BARROS

Revisão da tradução
Luís Carlos Borges
Consultoria técnica
Dra. Eliz,abelh Brasil Paulon, Dm. Maria de lourdes Teixeira de Resen,Je e
Dr. Giomni Gm1gerini, estudiosos da obra de Vlinnicott,
a quem agrt1decemos a coll1buraç,io.
Revisões gráficas Introdução por M. Masud R. Khan 1
Sandra Garcia Cortls
!vete Batisw dos S<mtos
Produção gráfica Referências 24
Geraldo Alves
Paginação
Sllulio 3 Desenvoh1ime1uo Editorial FRAGMENTO DE UMA ANÁLISE 27

Apêndice: Retraimento e regressão 253


Dados Jnternuci-Oruiis de úitaloi,'l!Çiio na Poblicação (CIP)
(Cíimara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Winnicott,D. W. , 1896- 1971.
Holding e interpretação / D. W. Winnicott; tradução Sonia Muri:.t
Tavares Monteiro de Barros. :__ 3~ ed. - São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2010. - (Coleção textos de psicologia)

Título original: Holding and i111crprctation.


Bibliografia.
ISBN 978-85-7827-294-4

1. Depressão mental - Estudo de casos 2. Psicanálise - Estudo


de casos 3. Psicoses - Estudo de casos 1. Título. li . Série.

CDD-616.89170722
10-05262 NLM-WM460
Índices para catálogo sistemático:
1. Estudo de casos : Psicanálise: Medicina 616.89170722
2. Psicanálise: Esn,do de casos : Medicina 616.89170722

Todos os direitos desta edição reservados à


Editora WMF Martins Fontes Lltla.
Rua Proj. l.Aene Ramos de Carvalho, /33 0/325-030 São Paulo SP Bm\1/
Te/. ( li ) 3293-8 / 50 Fax(] I ) 3 10/ -1042
e-mail: info@wmfmarti11sfo111es.com.br hrrp:I/Hww.w111fmarri11sf<mtes.com.br
Introdução
M. Masud R. Khan

Aproximadamente seis meses antes da morte do Dr. Winnicott,


em janeiro de 1971, um grupo de jovens padres anglicanos convi-
dou-o para uma conversa. Ele aceitou e, num dado momento, eles
lhe disseram que necessitavam de orientação para estabelecer a
diferença entre uma pessoa que procura ajuda porque está doente
e necessita de tratamento psiquiátrico e aquela que é capaz de ob-
ter ajuda simplesmente ao falar com eles. Ao me contar esta his-
tória, Winnicott disse que ficou momentaneamente paralisado
pela espantosa simplicidade da questão. Ele fez uma pausa, pen-
sou e então respondeu:

, Se uma pessoa vem falar com você e, ao ouvi-la, você sente


que ela o está entediando, então ela está doente e precisa de trata-
mento psiquiátrico. Mas se ela mantém o seu interesse independen-
temente da gravidade do seu conflito ou sofrimento, então você pode
\ ajudá-la.

Fiquei profundamente impressionado pela sabedoria da res-


posta de Winnicott e, desde então, cada vez que estou atendendo
uma pessoa, este seu ensinamento nunca me sai da mente.
A releitura do "Fragmento de uma análise" de Winnicott fez-
me perceber com mais nitidez ainda a importância dessa questão.
Temos dois relatos de Winnicott a respeito do mesmo paciente,
sendo que um deles está registrado no trabalho "Retraimento e re-
2 Holding e i11tt•r1m·taç1io Introdução 3

gressão" ("Withdrawal and Regression", Winnicott 1954a, n.:pro- teórica no trabalho "The Manic Defence" (A defesa maníaca,
duzido no Apêndice deste volume) e o outro no "Frngmcnto de 1935). Meu objetivo aqui será descobrir a psicodinâmica do esta-
uma Análise", do qual esta é a versão definitiva'. É esclarecedor do psíquico que leva uma pessoa a ser entediante.
comparar o estilo, o caráter e o conteúdo destes relatos. Não foi por acidente que, partindo dos dados clínicos do seu
Para mim é importante fazer uma distinção entre causar té- trabalho pediátrico para a análise de adultos, Winnicott tenha es-
dio e sentir-se entediado. Minha hipótese é que o ato de provocar colhido como tema do seu primeiro trabalho analítico a defesa 1/
tédio possui a qualidade de "tendência anti-social" (Winnicott, maníaca, uma forma intrapsíquica de lidar com ansiedades que
1956) e implica uma exigência e uma esperança, enquanto sentir têm contrapartidas comportamentais - inquietação e cansaço -
tédio é um estado organizado e defensivo de uma estrutura psí- que ele havia observado em crianças. Winnicott (1935) afirma
quica. Sentir-se entediado é um estado normal e diferente de pro- "comparar a realidade externa não tanto com a fantasia, mas com
vocar tédio. Ao procurar novamente nos trabalhos de Winnicott os a realidade interna". Essa declaração aparentemente banal indica
antecedentes da idéia de que entediar é um sintoma de doença uma alteração de extrema importância na abordagem de Winni-
psiquiátrica, descobri que é possível encontrá-los, embora de for- cott da experiência psíquica. Mais tarde, ele veria no fantasiar J/
ma indireta e inversa, em seus trabalhos iniciais. compulsivo uma negação da realidade psíquica: "fantasiar conti-
O próprio Winnicott (1936) disse-nos que "a descrição cuida- nua sendo um fenômeno isolado que absorve energia, mas não
dosa de casos teve um profundo efeito no meu ponto de vista ... ". A contribui quer para o sonhar quer para o viver" (Winnicott, 1971 ).
sua forma de observar crianças é muitas vezes um recurso bastan- Winnicott vê na defesa maníaca uma tentativa de negar a realida-
te útil para obter uma compreensão verdadeira das refinadas hipó- de interna, uma fuga para a realidade externa e uma tentativa de
teses psicanalíticas que Winnicott desenvolveu postcriorn1ente. Os manter-se em "estado de hibernação". Ele oferece quatro exem-
casos apresentados em seu primeiro livro, Clinicai Notes 011 Di- plos clínicos para sustentar seu ponto de vista (Winnicott, 1935).
sorders of Childhood (Anotações clínicas sobre perturbações na O primeiro é o de Billy, de cinco anos, encaminhado para a tera-
infância, 1931), já estabelecem seu estilo definido e sun sensibili- pia por causa de sua inquietação e incapacidade de aproveitar o
dade enquanto clínico. Ele sempre observa o bebê e a criança co, que já havia conquistado. Durante a análise, os jogos de Billy não
mo uma pessoa inteira, no meio ambiente de cuidado que lhe é eram meras brincadeiras, mas ataques selvagens. À medida que
oferecido. Dois capítulos desse seu primeiro livro foram reedita- foi diminuindo a sua ansiedade persecutória, ele começou a ser
dos na sua coletânea de trabalhos Through Paedialric.,· lo J>,,)1cho- capaz de usar materiais para suas brincadeiras e de expressar preo-
Analysis (Da pediatria à psicanálise, 1975). cupação com os personagens de sua fantasia. O segundo, David
O que se destaca no material clínico desses capítulos é o (oito anos), uma criança anti-social, veio para análise depois de
modo como Winnicott seleciona para observação cspcewl o can- ser expulso da escola devido à "obsessão sexual e por banheiro".
saço e a inquietação das crianças. A criança inquieta núo pode pro- Numa sessão inicial, a criança fez a seguinte observação: "Espero
cessar e dominar fisicamente a excitação e a ansiedade atm1•és do não estar cansando você." Winnicott acrescenta que "o objetivo
jogo. Ela as transforma em comportamentos "irritantes" como, de me cansar ficou logo declarado". Mas, ao lado disso, havia
por exemplo, tiques, agitação, perturbações do apetite, constipa- nessa criança uma necessidade de salvar o analista da exaustão e,
ção etc., como um apelo ao meio ambiente. Essa fase da expe- para isso, ele oferecia a Wim1icott alguns períodos de descanso
riência clínica de Winnicott encontra sua primeira elaboração compulsório. Ficou claro que "era ele quem estava ficando exaus-
to" . Podemos ver o quanto cansar e entediar estão claramente re-
lacionados como técnicas de lidar com o stress interno. O pacien-
1. Uma versão anterior foi publicada em Giovacchini ( 1972). te entediante tenta manter um controle onipotente sobre sua reali-
4 l lolch11g t' 1111t•r11retação Introdução 5

dade interna através de um controle obsessivo da lingungcm e dos de aprender a tolerar esse discurso forjado, a fim de ajudar o pa-
objetos. Sua narrativa é um espaço petrificado onde nada pode ciente. Freud (1895), no primeiro caso em que abandonou total-
acontecer. mente as técnicas hipnóticas e trabalhou exclusivamente com o
No caso de Charlotte (30 anos), que era clinicamente uma método de associação livre, deparou-se com o "fator entediante"
deprimida com temores suicidas, Winnicott descreve um sonho e fez a seguinte observação: "A história que a senhorita Elizabeth
comum da paciente: "ela vai para uma estação fcrrov1{ma onde contou sobre sua doença era cansativa ... " (grifo meu).
há um trem, mas o trem nunca parte". Depois de Sl' envolver no No contexto, o outro trabalho importante de Winnicott é "Re-
processo de análise, ela teve um sonho no qual o ln'III JJllrtia. paration in Respect of Mother's Organized Defense against De-
Winnicott interpreta: "Em linguagem simples, tr<.!ns que come- pression" (Reparação em função da defesa organizada da mãe
çam a se mover estão sujeitos a acidentes." Existe na dcfesa ma- contra a depressão, 1948a). Neste texto, Winnicott introduz seu
níaca a necessidade de congelar todas as possibilidades de algo conceito de "falsa reparação", que deriva da "identificação dopa-
acontecer. É por isso que estou ampliando o concc1lo de Winni- ciente com a mãe, e cujo fator dominante não é a culpa do próprio
cott para postular que o paciente que nos ofereci.! uma narrativa paciente e, sim, a defesa organizada da mãe contra a depressão e
entediante não está permitindo que a linguagem e n metáfora a culpa inconsciente". Esse trabalho de Winnicott representou
elaborem ou modifiquem a sua experiência. Elc cria 11111 cspaço uma tentativa de encontrar alguma resposta para os ásperos deba-
de comunicação onde ambos - ele e o analista fíenn1 paralisa- tes ocorridos durante a década anterior na Sociedade Britânica de
dos pela técnica da narrativa, assim como pela monotonw e pela Psicanálise entre Melanie Klein e seus seguidores, que davam ên-
repetição do conteúdo. fase às fantasias inconscientes, e os outros (especialmente Edward
O quarto caso é o de uma paciente obsessivn, Mnlhdda (39 Glover), que consideravam algumas fantasias atribuídas aos pa-
anos). Numa das sessões descritas por Winnicotl, ela lhe trouxe cientes como criações subjetivas dos próprios analistas. Winnicott
um álbum de fotografias com 48 fotos suas. Winnirntt descobriu tentou mostrar o quanto o estado de espírito da mãe pode ser de-
nessa atitude o desejo da paciente de "negar sua incx1st(·11cia olhan- terminante no desenvolvimento da realidade psíquica da criança e
do e vendo" e o quanto a paciente sentia "ser mais r<'I/I 1wra mim um obstáculo na sua busca do próprio caráter.
ver as suas fotos (um quarenta e oito avos dela) do qul' vé-la real- Veremos que Winnicott posteriormente estendeu a hipótese
mente. A situação analítica (que durante quatro anos da declarou aos conceitos de organização da personalidade em termos de self
ser a realidade para ela) pela primeira vez deu-lhe a 1111prcssão de falso e se/f verdadeiro. Um exemplo clínico mais dramático sobre
ser uma situação irreal ou, pelo menos, uma relaçúo narcisista, o efeito invasor da mãe é dado por Winnicott no trabalho "Mother's
uma relação com o analista que era valiosa para ela, pnncipal- Madness Appearing in the Clinicai Material as an Ego-alien Factor"
mente para o seu próprio alívio, um receber sem dar, urna relação (A loucura da mãe aparecendo no material clínico como fator
com seus próprios objetos internos. Ela lembrou que um ou dois alheio ao ego, 1972).
dias antes havia-lhe ocorrido repentinamente 'como é ti.:nívcl ser Em seu trabalho "Primitive Emotional Development" (Desen-
alguém realmente; é terrivelmente solitário"'. volvimento emocional primitivo, 1945), Winnicott já apresentava
Nesses fragmentos clínicos, já temos os pontos cssenciais da
um relato sucinto de como via a relação mãe-filho:
abordagem de Winnicott com os pacientes. Já podemos vê-lo
questionando a autenticidade daquilo que o paciente produz ou Na relação do bebê com o seio da mãe (não estou afirmando
apresenta na situação e na relação analítica. A partir daí, ele con- que o seio seja essencial como veículo de amor matemo), o bebê
cluiria que aquilo que é entediante é intrinsecamente inautêntico, tem ímpetos pulsionais e idéias predatórias. A mãe tem um seio,
tanto para o paciente quanto para o analista. Ainda assim, temos o poder de produzir leite e a idéia de que gostaria de ser atacada
6 l lold111g 1• i11t<'fpretação Introdução 7

por um bebê faminto. Estes dois fenômenos não se relacionam até paz de trazer para a sessão analítica, sob certas condições muito
que a mãe e a criança vivam uma experiência }1111/us /\. mãe, por especiais, uma regressão da parte do self a um estado intra-uteri-
ser madura e fisicamente capaz, tem de ser tolerante e compreen- no." Mais significativa ainda é a afirmação de Winnicott: "Parece-
siva, para produzir uma situação que, com sorte, pode ler como re- me que é na relação com os limites de fases intoleráveis de rea-
sultado o estabelecimento do primeiro vínculo do bebe com um
ção que o intelecto começa a trabalhar como algo distinto da psi-
objeto externo, com um objeto que é externo ao w(l do ponto de
que." Foi esta diferenciação do funcionamento intelectual preco-
vista do bebê.
Vejo o processo como se duas linhas viessem de direções ce como reação a impactos que levou Winnicott a ver no fantasiar
opostas com a possibilidade de se aproximarem uma da outra. Se um funcionamento mental patológico que é uma negação da rea-
elas se sobrepõem, há um momento de ilusão, uma cxpl·ncneia que lidade psíquica, cujo sintoma no processo analítico é um certo
o bebê pode tomar como alucinação sua ou como algo qltt' pertence tipo de livre associação compulsiva. Algumas vicissitudes deste
à realidade externa. tipo de distorção do desenvolvimento da função mental são dis-
cutidas por Winnicott em seu trabalho "Mind and its Relation to
Neste trabalho encontramos os rudimentos dl! todos os con- the Psyche-Soma" (A mente e sua relação com o psique-soma,
ceitos posteriores de Winnicott, e.g., holding*, obJcto lrn11s1cional 1949a). A necessidade de "se libertar da atividade mental" com o
e dependência. Baseando-se no modelo primário da rl!laçüo mãe- intuito de reencontrar a unidade psicossomática é observada no
filho, Winnicott elaborou a natureza e o caráter da lrn11sfcrcncia e caso de alguns pacientes que exigem a aplicação de terapia ele-
o papel do setting analítico. Ele enfatizaria um pnll:l·sso, "o <lo troconvulsiva.
contato do indivíduo com a realidade compartilhada e o dl!scnvol- No trabalho "Anxiety Associated with Insecurity" (Ansie-
vimento deste desde o início da vida do bebê" (Wi11111rnll, 1948). dade associada à insegurança, 1952), Winnicott especifica três ti-
Winnicott vê nesse empreendimento um risco para o analista: pos principais de ansiedade resultantes do fracasso na técnica de
" ... muitos .tratamentos de tipos esquizóides adolcscc11tl!s folham cuidar de um bebê:
porque são planejados de uma forma que ignora a hahd1dade da
criança de 'elaborar' - e, de certa forma, criar um analistu. um pa- não-integração, tornando-se um sentimento de desintegração; falta
pel ao qual o analista real pode tentar se ajustar" (Win111l:Olt, 1948). de relacionamento entre a psique e o soma, tornando-se um senti-
Em seu trabalho "Birth Memories, Birth I rauma. and An- mento de despersonalização; e também o sentimento de que o cen-
xiety" (Recordações de nascimento, trauma de mtsl;lllll!IIIO e an- tro de gravidade da consciência é transferido do cerne para a super-
siedade, 1949), Winnicott afirma que "existem indk1os de que o ficie, do indivíduo para o cuidado, para a técnica.
trauma do nascimento é importante e é retido como material de
memória", mas insiste que "não existe um trut,11111•1110 .f<'ito so- Creio que a memorização da técnica fracassada constitui a
mente através da análise do trauma de nascimento" Fie relem- essência da técnica do paciente "entediante". Tais pacientes dis-
bra alguns episódios da análise de uma paciente, a srta. 1J (50 torcem e usam indevidamente o processo analítico que lhes é ofe-
anos), e conclui: "Através da observação muito cuidadosa e deta- recido impondo uma técnica árida de relato (através do discurso
lhada de um caso, tive a satisfação de ver que u l'"''i<'11l1' c'ra ca- na situação adulta), da qual foram vítimas na infância. Por trás
disso, como Winnicott assinala (1952), existe um medo incom-
preensível da loucura:
* Embora a forma nominal holding (literalmente, o alo de ~l·gura1, ~usll'lltar) te-
nha sido mantida aqui, convém notar que a tradutora adotou vúria, ,nluç,ks para o
verbo to hold, traduzindo-o como "segurar", "sustenlar" ou 111\:,1110 rnmn "fornecer Há um estado de coisas no qual o medo existente é o medo da
um holding", conforme as necessidades de cada contexto. (N. da R,) loucura, isto é, o medo de uma ausência de ansiedade na regressão
8 llofd111g e 111te1pretação Introdução 9

a um estado não-integrado, da ausência de um sentimento de viver É correto falar dos desejos do paciente, do desejo (por exem-
no corpo, etc. É o medo de que não haja ansiedade, ou scJa, de que plo) de estar quieto. No caso do paciente regredido, a palavra dese-
ocorra uma regressão sem possibilidade de retorno. jo é errada; no seu lugar usamos a palavra necessidade. Se um pa-
ciente regredido necessita de quietude, então, sem ela, nada poderá
O caráter tiranicamente repetitivo do relato do paciente ente- ser feito. Se a necessidade não é satisfeita, o resultado não é raiva,
diante congela essa "loucura" latente, transformando-a numa ver- mas uma reprodução da situação de fracasso ambiental que inter-
borréia interminável. rompeu os processos de crescimento do self. Houve uma interfe-
Os meios clínicos para lidar com hábitos m<!ntais tão alta- rência na capacidade do indivíduo de "desejar", e testemunhamos
o reaparecimento da causa original de uma sensação de futilidade.
mente organizados são discutidos por Winnicott no trabalho "Me-
O paciente regredido está próximo de reviver situações de so-
tapsychological and Clinicai Aspects of Regression within the nho e recordação; a atuação de um sonho pode ser a maneira atra-
Psycho-Analytical Set-up" (Aspectos metapsicológicos e clínicos vés da qual o paciente descobre o que é urgente, e falar sobre o que
da regressão dentro do enquadramento psicanalítico, 1954c). O resultou na atuação é posterior à ação, mas não pode precedê-la.
essencial para Winnicott é a classificação e a escolha do caso. Ele
distingue três tipos de caso. Primeiro, há os pacientes 411e operam A compreensão e o manejo dos estados regredidos, explíci-
como pessoas totais, e cujas dificuldades estão na alçada das rela- tos ou encobertos, foram as preocupações primárias do trabalho
ções interpessoais. Em segundo lugar estão os pacientes cm que a clínico de Winnicott. Freud e outros analistas haviam determina-
totalidade da personalidade é mantida precariamcnte. O trabalho do a onipresença da regressão em todas as doenças psiquiátricas e
analítico, neste caso, relaciona-se com o estágio de desenvolvi- na relação de transferência. A ênfase recaía principalmente na re-
mento da preocupação (cf. Winnicott, 1963). Winnicoll considera gressão a estágios mais primitivos do desenvolvimento libidinal e
a sobrevivência do analista como sendo o fator dinfllnico no tra- nas fantasias e desejos correspondentes. Winnicott acrescentou a
tamento desses pacientes (cf. Winnicott, 1963). No terceiro grupo isto a ênfase sobre o elemento da necessidade nos fenômenos e
estão os pacientes cuja análise deve lidar com os estflgios primiti- estados regredidos.
vos da formação da personalidade como entidade difcn:nciada. A Isto posto, vamos retornar ao material clínico aqui apresen-
ênfase está no manejo e no trabalho clínico de regrcssüo ú depen- tado. Estou profundamente grato à sra. Clare Winnicott por colo-
dência na situação analítica. car à minha disposição todas as anotações que Winnicott fez so-
Para Winnicott, "a palavra regressão significa simplesmente bre este caso.
o inverso de progresso" e "não pode haver uma si11111/('s inl'<!rsão Como Winnicott indica na breve introdução ao material apre-
do progresso". É necessário existir uma organizaçüo de ego que sentado aqui, esse paciente já estivera em análise com ele durante
possibilite tal regressão. Assim sendo, a capacidade tk regredir é a guerra. Na realidade, existem três grupos separados de extensas
o resultado de um cuidado ambiental e favorável durante a infân- anotações dos três estágios dos dois períodos da análise desse
cia. É este aspecto positivo do cuidado com o bebê 4uc cria nes- paciente.
ses pacientes, segundo Winnicott, a crença na possibilidade de Desde o início da análise, Winnicott havia decidido tomar
correção da falha original, através da provisão de um meio am- notas. O primeiro grupo de anotações pertence à primeira análise
biente (clínico) especializado, voltado para um novo desenvolvi- e é intitulado "Fragmento de uma análise". Winnicott escreveu-o
mento emocional futuro. em forma de esboço, mas nunca o publicou. O que ele apresenta é
No cuidado e no tratamento desses pacientes a ênfase se vol- tão revelador, que optei por reproduzir a introdução a essas anota-
ta para a qualidade da situação analítica. Uma passagem de um ções diretamente do original datilografado.
texto de Winnicott elucida esse ponto (1954c):
1O l/o/di11g e 111te111retação Introdução 11

Neste trabalho, desejo fazer uso de material clínico bastante Devo descrever como a análise começou porque isso esclare-
mcomum. ce o caráter da transferência. Um dia a mãe do paciente me telefo-
É difícil relatar material analítico. Primeiro, existe a imensa nou dizendo que estava fazendo análise com fulano de tal e que ti-
tarefa de lembrar e transcrever o trabalho de uma hora. Fm segun- nha um filho de 19 anos que queria fazer análise. Perguntou se eu
do lugar, como o material é muito vasto, toma-se difieil sclccioná- concordaria em vê-lo. Eu disse que sim e pedi que ela o mandasse
lo. Em terceiro lugar, existe a dificuldade peculiar que os analistas vir no dia seguinte às 17 horas. No dia seguinte, às 17 horas, o ra-
encontram ao registrar aquilo que eles mesmos disseram. paz entrou na sala, deitou-se no divã e começou a análise da mes-
Aqui, entretanto, estas três dificuldades foram, até certo pon- ma forma como o faria um ou dois anos mais tarde. Em outras pa-
to, superadas. Meu paciente falava devagar e com cuidado, e era lavras, a análise significava para ele algo em que realmente já acre-
fácil anotar o que ele dizia; eu escolhi um momento especial para ditava. Quando estava saindo da sala, ele foi até minha estante e
fazer os registros: o momento que eu sabia que seria decisivo para viu dois livros que disse também possuir. Dessa e de outras formas,
a análise; e, realmente, escrevi exatamente o que disse, quer estives-
ele demonstrava estar colocando em minha cadeira alguém que já
se orgulhoso ou envergonhado de tê-lo dito.
pertencia a seu mundo interno. Creio que seria legítimo dizer que
Na análise de um jovem de 19 anos, foi alcançado um estúgio
continuei a ser um objeto do seu mundo interno até o momento que
que obviamente tendia a ser crítico. Depois de uma longa e firme
estou prestes a descrever, na primeira das sessões analíticas que
escalada, meu paciente e eu alcançamos o cume da montanha e pu-
transcrevi literalmente.
demos ver mais e mais, em parte porque, à medida qul' akançáva-
Em outras palavras, a menos que se compreenda o que estava
mos o cume, o trabalho em si tornava-se menos úrduo Tínhamos
acontecendo, a relação do paciente comigo durante esse período,
como vantagem um ano de análise e, a fim de saber o 111úx11110 pos-
que durou aproximadamente um ano, interrompido por evacuações
sível sobre o que estava acontecendo, passei várias horas f'.11cndo
anotações quase que literais. Creio que posso dizer qul·. nl·ste caso, durante o período letivo, foi extremamente artificial. O material era
o paciente não soube que eu estava adotando este prnn·d1111ento in- rico e já havia um considerável trabalho feito, mas era impossível
comum. Se houvesse algum risco de vir a sabê-lo, l'll Cl'rtamcntc alcançar, por exemplo, a dinâmica da situação edipiana. O período
não o teria adotado. de transição foi prenunciado quando o paciente reconheceu a reali-
Sem descrever o caso todo, eu diria que, nessa a11[1lisc, o as- dade do ciúme no mundo externo.
pecto marcante era a facilidade com que o paciente l'nt1~1v11 cm con- Esse reconhecimento manifestou-se na forma de uma declara-
tato com seus sentimentos acerca dos objetos de Sl'll 11111111!0 miemo ção fortuita, quando ele disse que havia lido algo sobre uma coisa
e a facilidade com que ele me falava sobre tais sentimentos, desde chamada complexo de Édipo e que não concordava com ela. Du-
que sentisse que eu estava com ele no seu mundo intl·rno. Paralelo rante essa primeira metade da análise, não fiz nenhuma tentativa de
a isso, como era de esperar, havia uma teimosa resist(\nri.1 da parte forçar a situação. Isso porque eu sabia, pelo tipo de transferência,
do paciente na fom,a de uma dissociação da sua personalidade, de que seria absolutamente fútil fazê-lo e também porque a análise es-
modo que havia muito pouca relação entre ele na anfüiw l' de mes- tava progredindo constantemente, de forma que era possível contar
mo no mundo externo. O fragmento da análise 4ue tk'sl'JO relatar com o desenvolvimento que esclareceria o que poderia ser chama-
marca o período da quebra dessa resistência. do resistência ou reação terapêutica negativa.
Foi uma análise sem complicações. Ela teve 11111 dtSl'1wolvi- Adiantando-me ao material clínico, a fim de oferecer ao leitor
mento próprio, o que é bom tanto para o paciL·ntl' quanto para o uma compreensão maior, eu diria que a modificação vital ocorreu
analista. Apesar de grandes interrupções causadas pl'la evacuação com a análise do medo do paciente de terminar a análise. A idéia
da universidade que o paciente freqüentava cm Londrt·.s. de agiu de completar uma tarefa produz ansiedade de várias maneiras. No
como se soubesse que precisava de ajuda e acreditasse que poderia caso deste paciente isso ocorria especificamente por causa do me-
obter ajuda. Além disso, ele não se comportava como /.l' arhassc - do do desaparecimento da alucinação do seio, a subjetividade de
como alguns pacientes - que a análise podia acabar a qualquer mo- um objeto externo bom, no momento da gratificação e do término
mento, caso ele não se apressasse. do desejo.
12 1/olding e inte17Jretação Introdução 13

Para ele, isto era pior do que a agressão ao objeto amado - era A primeira análise durou quase dois anos, com longas inter-
a aniquilação do objeto amado. rupções de férias. O paciente, considerado um doente de tipo es-
Até esse ponto da análise, eu fui uma pessoa intcrnalizada, e a quizofrênico, apresentou uma recuperação satisfatória.
análise aconteceu de forma satisfatória, dentro de suas próprias li- Oito anos depois, Winnicott escreveu espontaneamente para
mitações. Depois desse momento, porém, a análise e a vida do pa-
a mãe do paciente.
ciente mudaram. Na análise, ele se tornou capaz de me relacionar a
fenômenos externos e de eliminar a grave dissociação, passando
então a trazer assuntos externos para as associações. Em casa, ele A senhora talvez se surpreenda ao receber uma carta minha,
começou uma nova relação com a mãe, baseada na observação do mas gostaria muito de ter notícias de B.
self real dela. O paciente auto-satisfeito, autoccntrado, preguiçoso, Sei que, de fo1ma geral, não é uma boa idéia entrar em conta-
barbudo, que usava vestimentas estranhas, transformou-se num ho- to com antigos pacientes, e, por essa razão, estou escrevendo para a
mem que queria trabalhar e que por fim conseguiu e manteve um senhora e não para ele. No entanto, o nosso trabalho torna-se muito
trabalho de responsabilidade numa fábrica durante a guerra. Além mais interessante quando podemos acompanhar o caso, e, como me
disso, a situação edipiana, previamente irreal para l.!lu, e que ele lembro claramente da análise de B., muitas vezes tive a intenção de
nunca havia sido capaz de trazer para a análise, agora tornava-se pedir à senhora que me desse notícias dele.
real para ele da maneira clássica. Espero que tanto a senhora quanto ele estejam bem.

As anotações clínicas que se seguem são um relato literal de A mãe respondeu à carta logo depois, e Winnicott pediu que
cinco sessões perto do final da análise, que durou aproximada- ela fosse vê-lo. Registro aqui o relato da entrevista com a mãe:
mente dois anos. Ela acabou quando o paciente conseguiu um tra-
balho numa firma de engenharia. Dois temas preocupavam o pa- A sra. X veio me ver a meu pedido. Foi de bom grado que
ciente: o medo de que a análise terminasse e se transfornwsse nu- aceitou o convite e me trouxe notícias da família. Foi interessante
ma experiência "completa", e a confusão entre isto e o pavor do observar que ela modificou bastante a descrição que fizera da vida
familiar de B. Desde então, a sra. X havia feito uma longa análise e
paciente do "conteúdo violentamente hostil da satisfoç1io uo final
agora falava de si como tendo estado muito doente.
da refeição, que significa aniquilação do desejo e aniquilação do Na primeira entrevista comigo, ela havia dito que se alguma
seio subjetivo, seguido de hostilidade pelo seio ohjdivo que per- criança tivera uma infância perfeita, essa criança era B. Foi durante
siste" (interpretação de Winnicott para o paciente l'lll uma das a sua própria análise que ela descobriu que a sua perfeição enquan-
sessões). O intenso medo da satisfação proveniente dl· u111 alimen- to mãe tinha uma qualidade sintomática. Ela simplesmente tinha de
to bom ou ideal surge constantemente no material dos c111co ses- ser perfeita, e isso não permitia nenhuma flexibilidade e derivava
sões. Vale a pena reproduzir aqui uma interpretaç:io q111: Wmnicott de uma grande ansiedade sua. Essa inesperada informação confir-
deu ao paciente: ma totalmente a conclusão principal tirada da análise de B., já que
o que descobrimos inesperadamente ao reviver as experiências ini-
Satisfação significa algo mais importante para vm·l' do que o ciais de amamentação foi que ele se sentia completamente aniqui-
desaparecimento do seio. Significa a perda do dcsl'.Jº 1wlo st.:io e, lado ao final de cada mamada e, por esta razão, tornou-se incapaz
nesse momento, você não sabe se vai recupmar l'sll- til'Sl'JO; e, na de se pem1itir viver qualquer experiência de alimentação. Pode-se
medida em que o seio é um fenômeno subjetivo, isso "~111 fica que dizer que o desenvolvimento subseqüente deste menino foi satisfa-
você não sabe que o seio voltará. Você está à nwrn'• dos seus pró- tório. Eu diria que o único traço não satisfatório, do meu ponto de
prios instintos e da sua capacidade de gratificaç.1o 111s11ulual, a me- vista, é que ele é um comunista, mas certamente o fato de pertencer
nos que reconheça alguém com seios como fon(11m·uo 11h1ctivo e a esse partido não significa necessariamente um sintoma de doen-
dependência. ça. Na minha opinião, isso é uma lembrança da necessidade de se
14 /lo/cli11g e i11te111retação Introdução 15

defender da mãe, que obviamente reprova os pontos de vista políti- rece que ele não teve de encontrar outra mãe doente. Até certo pon-
cos do filho. to, ele encontrou alguém parecido com a mãe, tal como ela é agora,
O traço principal do tratamento desse homem é que ele não re- recuperada depois de uma longa análise.
conhece nada do que a análise lhe proporcionou. Eu sempre achei
extremamente importante que nenhum gesto de reconhecimento ou Parece que nada aconteceu nos quatro anos seguintes. Con-
gratidão fosse feito. Uma análise perfeita seria tão di fiei! para ele tudo, algumas anotações parecem indicar que Winnicott manteve
quanto o manejo perfeito na intãncia. Isso o aniquilaria. (: possível contatos esporádicos com a mãe durante este período. Voltamos a
que ele tenha mudado como resultado da análise, e agora eu me ar-
ter notícias do paciente quando ele procurou voluntariamente um
rependo de tê-lo abordado na rua para perguntar como ele estava,
hospital especializado em tratamento de neuroses e foi internado.
embora, aparentemente, isto não tenha feito nenhum mal.
Ele retomou à análise muito provavelmente porque começou
O psiquiatra responsável por ele entrou em contato com Winnicott
a estudar medicina, e é bem provável que no futuro eh: queira ser e informou que o paciente, depois de formado em medicina, teve
um analista. Ele, provavelmente, será o último a saher disto, e um um colapso nervoso e foi internado no hospital. O próprio pa-
ponto a ser lembrado é que, na análise que nccessana111ente prece- ciente resistia à idéia de voltar a fazer análise com Winnicott. Há
derá a sua formação analítica, ele terá de se conscie11ti1ar do auxí- uma anotação a lápis dessa época em que Winnicott diz: "Soube
lio que obteve na análise. Caso ele não venha a ser arn1l1,ta, núo ha- que o paciente estava em certo hospital e entrei em contato com
verá nenhum motivo para que saiba disso. os médicos de lá, sabendo que o momento para que a análise ti-
Depois do final da análise, ele se modificou. Fra 11111 homem vesse continuidade havia chegado. Eu me mantive em contato
introvertido, com sexo indeterminado e grande poss1hil1dade de se com a mãe do paciente. O paciente não estava apto a me procu-
transfom1ar num homossexual por meio de uma sedu~.1o até que, rar." A partir da correspondência existente, parece que por volta
repentinamente, começou a trabalhar numa firma tk: l'll~l·nharia, desta época a mãe também telefonou e foi ver Winnicott. Dois
onde logo estava gerenciando outros homens. Ele ço11~l•g11i11 mudar
dias depois da consulta, a mãe escreveu para Winnicott. "Acabei
de trabalho quando sentiu que tinha de fazê-lo. ('.lc i.c111pn.: soube
de falar com B. Dei-lhe o seu endereço e o seu telefone - espero
que a engenharia não era do seu interesse, que ela era simplesmen-
te o tipo de vida que ele tinha de levar por causa da g11l'IIH I lc não
realmente que ele vá vê-lo e que possa começar a análise breve-
estava bem o suficiente para se alistar no exército e, til: qualquer mente." A mãe deu o endereço de Winnicott ao filho porque
forma, suas raízes na Grã-Bretanha não eram profundas o ,uficicn- Winnicott havia se mudado depois da primeira análise. O pacien-
te para que ele quisesse morrer pelo país. No final da gul.'rra, ele te começou a análise uma semana depois, enquanto ainda era um
pôde reconsiderar sua posição e decidiu tornar-se m~dirn Agora interno no hospital. Assim, a segunda análise começou aproxima-
está casado e em breve terá um filho. Uma park i111p11rt1111ll.' do seu damente treze anos depois do término da primeira. Uma anotação
controle veio através da recuperação que a mãe ohtl'Vll cm ~ua pró- a lápis de Winnicott a respeito do início da nova análise é bastante
pria análise, que a capacitou mandá-lo para fora de l'a~a . 1: 111 outras esclarecedora:
palavras, a análise, para este homem, não foi longe 11 ,uliciente
para capacitá-lo a efetuar a separação, tal como ela for 11.1 l')mea em Quando a análise recomeçou, não seria verdadeiro dizer que
que ele estava sob tratamento. O beneficio da a11{1lisc dupla é has- ele veio para me ver. Era antes um observador da vida que viera
tante claro. A irmã mais nova de B. é bastante dc:.romplit:ida, está conversar comigo, usando uma retórica bem elaborada. Algumas
casada e tem uma família. A irmã mais velha, no cnti111tn, l' esqui- vezes conversávamos sobre o paciente. Eu diria que nos tornamos
zofrênica, está em análise e, no momento, enco11tra i.c internada
0
gradualmente duas atendentes de berçário falando sobre um meni-
num hospital. 8. preservou seu grande interesse pllr 111í1Sil·a e pare- no (o paciente) e que, de repente, a atendente trouxe o menino- ou
ce que encontrou uma esposa que o comprecmlc e que pmk tomar até mesmo o bebê - para me ver. Consegui alguns vislumbres de
o lugar de sua mãe sem ser como sua mãe. Em t111t1a<, pal.1vras, pa- uma criança real.
16 Jloldi11g e interpretação Introdução 17

No início, o paciente vinha cinco vezes por semana, mas de- Este livro pode precisar de mais de um prefácio e, mesmo as-
pois de quatro meses ele pôde deixar o hospital e assumir um pos- sim, será o caso de perguntar se é possível que alguém que nunca
to médico, e passou a vir somente três vezes. Esta análise durou tenha passado por experiências semelhantes poderá compreender a
pouco mais de dois anos. experiência deste livro através de prefácios.
Existem dois grupos de anotações dessa segunda análise. O
primeiro consiste nas anotações que Winnicott fez retrospectiva- Sinto algo semelhante quando me deparo com a tarefa de
mente sobre o curso da análise e abrange, de forma geral, os de- apresentar o extraordinário registro literal que Winnicott fez dos
zesseis primeiros meses da análise. Do final dessa fase ela análise, últimos seis meses da longa análise desse paciente. A virtude da
Winnicott selecionou cinco episódios que foram relatados no tra- narrativa clínica de Winnicott está no fato de que o fluxo verbal é
balho "Retraimento e regressão" (1954a). Há então uma lacrnrn de tão indeciso quanto a psicodinâmica é indefinida. Embora em
três meses após a qual Winnicott fez registros literais das sessões suas breves observações introdutórias Winnicott tenha estrutura-
dos últimos seis meses da análise, que estão publicados aqut. do suas conclusões no contexto da Posição Depressiva, os even-
Para finalizar este relato sobre como Winnicott lidou com tos presentes na "troca sutil" (p. 234) entre ele e o paciente estão
esse paciente resta dizer que Winnicott escreveu novamente para livres de qualquer invasão de pressupostos teóricos. Isto não deve
o paciente, por iniciativa própria, cerca de quator:,e anos depois ser tido como ingenuidade da parte de Winnicott. Ele era um clí-
do final da segunda análise. Transcrevo aqui a carta: nico dotado de wna sensibilidade complexa, ao longo dos anos
ele desenvolveu uma intelectualidade imprevisível que sempre
Você deve estar surpreso por receber minha carta: 11a verdade, orientou todo o seu trabalho clínico. Contudo, ele também culti-
você pode ter me esquecido. Mas o fato é que cu gostai ia muito de vou a generosa disciplina de deixar a realidade psíquica do pa-
saber de você, seu trabalho, sua família. Estou naquela idade cm ciente encontrar a sua forma e o seu caráter no espaço analítico.
que se começa a olhar para trás e a divagar.
Portanto, cada um de nós, ao ler sua narrativa irá transformá-la
Envio meus melhores votos.
num discurso, de acordo com as necessidades e tendências de sua
própria sensibilidade.
O paciente respondeu prontamente, enviando u111a t·arta bem
Pretendo discutir isso em três tópicos:
longa, dando notícias de si e de sua família e contando a W111nicott
sobre a triste morte de sua mãe, depois de uma long.i e dolorosa
(a) a forma do paciente se relacionar com ele mesmo;
doença. Ele ia bem, tanto no trabalho quanto em sua vida Winnicott
(b) o uso que o paciente faz de Winnicott;
respondeu:
(c) o estilo de que Winnicott se vale para se apresentar e de
Fiquei muito feliz com sua resposta a minh,1 t:art;1, Muito obri-
dosar para o paciente.
gado por ter-se dado ao trabalho de oferecer dct:tllll'S íiohn: tantas
coisas. Sinto muito que sua mãe tenha tido um,1 mmtc tfio dcscon- Winnicott foi um "anotador incansável" dos encontros clíni-
fortável. Ela realmente era uma personalidade l' tanto cos. Como ele encontrava tempo e energia para tal permanece wn
Estou impressionado pela forma como vol'l: te:,. sua vida, cm mistério. De qualquer forma, ele não fazia anotações tão extensas
vez de uma eterna psicoterapia. Talvez isso s"j,, a vid,1, (l'mlc ser sobre todos os pacientes. Algo na maneira como o paciente se
que algum dia eu lhe escreva novamente.) apresentou e compreendeu o espaço clínico chamou a atenção de
Winnicott desde o início. Nos primeiros rascunhos sobre o início
No prefácio para a segunda edição de A J.!lli11 â1;11,:w, em da análise, citados anteriormente, Winnicott diz que estava im-
1886, Nietzsche escreveu: pressionado pela "facilidade com que o paciente entrava em con-
18 / /o/di11g e interpretação Introdução 19

tato com seus sentimentos acerca dos objetos de seu mundo inter- hostil em relação a ele, o analista, Winnicott sentiu-se desafiado
no" e que o paciente tinha pouca dificuldade em verbalizar estes pelo paradoxo da total aceitação da situação e do espaço clínico
pensamentos, mesmo que o fizesse de forma solene. Quando o por parte do paciente lado a lado com a recusa de relação inter-
paciente inicia a segunda análise, Winnicott observa: "Era antes pessoal e de dar início a qualquer jogo partindo de um impulso
um observador da vida que viera conversar comigo ... Algumas espontâneo. Usa propositadamente a palavra paradoxo. Considerar
vezes conversávamos sobre o paciente." Esta postura estranha e a situação em termos conflitantes de ambivalência seria urna sim-
calculada do paciente persistiu até o final. Poderíamos argumen- plificação excessiva e falsa. Foi através da manutenção desse pa-
tar que, para esse paciente, nada existia além dos seus pensamen- radoxo durante treze anos de relação com o paciente (não deve-
tos, e que sua atitude básica era: Eu recuso, logo, existo. Essa re- mos esquecer que, para Winnicott, esta análise durou treze anos,
cusa e esses pensamentos constituíam o conteúdo da tagarelice e que depois ele manteve este paciente em sua memória o tempo
interminável que ocorria na sua mente e que Winnicott ( 1971) todo) que Winnicott foi capaz de testemunhar como o paciente se
chamaria "fantasiar". Era essa atividade mental que isolava o seu relacionava consigo próprio e qual era o caráter dessa auto-rela-
self subjetivo dos outros e até mesmo da sua própria autocons- ção. Não seria legítimo aplicar-lhe a palavra tédio. O tédio é um
ciência reflexiva. Em relação ao mundo "externo", ele era mera- estado psíquico inerte e estático. Entediar, por sua vez, é uma
mente reativo. Em relação ao seu se/fverdadeiro, se é que se pode postura existencial ativa, mantida através de incessante atividade
usar esse termo, ele tinha apenas uma postura protetora. Ele nun- mental. Daí o cansaço assustador que encontramos no paciente e
ca conseguia alcançá-lo nem viver a partir dele. Isso explica as que tão prontamente o capacita a modificar seu nível de cons-
suas queixas de falta de espontaneidade e de iniciativa. Winnicott ciência e a cair no sono diante de qualquer ameaça ou perspectiva
atribui essa inalterável dissociação à experiência til- alimentação de um verdadeiro encontro com Winnicott.
"ideal" na infãncia, que roubou do paciente toda iniciativa de dese- Esse "sono de divã" forneceu ao paciente as suas experiên-
jo e necessidade. As necessidades instintivas da follll' e do desejo cias mais verdadeiras e era um espaço secreto onde nem os seus
sexual impelem a pessoa em direção ao objeto, um nsco que ele sonhos deixavam pistas. Que capacidade monumental Winnicott
não podia correr. Daí ele viver na prisão daquele cspa1;0 sem ob- teve de se manter ignorante. Ele deixou que tudo isso acontecesse.
jeto, que constituía /e terrain interne da sua atividmk 111c:11tal e da O paciente se queixava: "O problema é acordar... eu queria acor-
sua auto-observação. Nesse espaço interno cada cxpcril·ncia é re- dar, isto é, levantar-me e ir embora." (p. 228) Mas isso era impos-
presentada por pensamentos, mas nenhuma expcrit'11l·1a ou pes- sível. Ele continuaria na prisão de sua atividade mental. Por isso
soa é internalizada. O próprio paciente observa : "'I a~arclar é o ele não podia ter nenhum objetivo. Onde não há caminho, não há
mesmo que conversar com ninguém." (p. 194) objetivo. Quando o paciente trouxe o "vago problema do objetivo"
Desde o início Winnicott tinha consciência de qut· toda for- (p. 229), Winnicott lembrou-o prontamente de que ele não conse-
ma de falar e relatar do paciente encerrava uma rl·a«;ão ll'rapêuti- guira nem mesmo procurar Winnicott para a segunda análise e
ca negativa. O paciente dá seu próprio diagnóstico : ''Nunca me acrescentou: "de certa maneira, eu tive de procurá-lo" (p. 230). Na
tornei humano. Perdi essa experiência." (p. 1J 1) l'., " Resumindo, melhor das hipóteses, o paciente só poderia chegar a um ponto on-
meu problema é como encontrar uma luta que nunca houve" (p. de conseguiria ser o limite isolado do seu selfverdadeiro, mas onde
224). Winnicott não se deixou intimidar. Muito 111c1111s tentou a não poderia se arriscar a viver disso. Por isso ele se entedia com
cura. Ele considerou esse funcionamento como a Cimdiçúo neces- suas técnicas de autocuidado e autocura durante toda a vida.
sária para o paciente existir na vida. O paciente rnrn111c11tc fá mais Quando Winnicott decidiu enquadrar este material em ter-
do que existir. Além disso, ao compreender que o rctrn11ncnto da mos de Posição Depressiva, ele teve boas razões para fazê-lo. A
atividade mental agradável do paciente não tinha 1111H1 intenção Posição Depressiva tem a conotação de um estado intrapsíquico
20 l loldi11g e interpretação Introdução 21

que envolve capacidades afetivas específicas e outras funções do característica que se destaca de maneira notável: a meticulosida-
ego. Talvez não seja por acaso que, logo depois de escrever a pri- de com que ele observa a técnica de análise empregada por
meira versão da análise desse paciente, no trabalho "Retraimen- Winnicott e a rapidez com que a incorpora a sua linguagem. Ele
to e regressão" (1954a), o trabalho seguinte de Winnicott tenha nega e recusa o tempo todo o objeto objetivo Winnicott, a fim de
sido "The Depressive Position in Normal Emotional Develop- isolar a técnica de análise de Winnicott e apossar-se dela. O que
ment" (A Posição Depressiva no desenvolvimento emocional nor- ele deixa para Winnicott é o holding da situação e do espaço clí-
mal, 1954b). Para Winnicott, a Posição Depressiva constitui uma nico. Além disso, a linguagem fornece ao paciente todas as bar-
aquisição no desenvolvimento emocional. As passagens cruciais reiras de que ele necessita para manter Winnicott distante. Sem-
na argumentação de Winnicott são: pre que o processo clínico se aproxima de uma troca, ele começa
a dormir. Suas "exigências" verbais de contato físico são mera-
A criança (ou adulto) que atingiu a capacidade de manter rela- mente um outro disfarce da sua mente para usurpar precocemente
ções interpessoais, que, no indivíduo saudável, caracteri ✓a o estágio urna necessidade e/ou desejo emergente e colocá-los no domínio
em que a criança aprende a andar, e para quem a anúllse das infini- da linguagem onde eles então permanecem inertes e petrificados.
tas variações das relações triangulares humanas é possível, e,peri- Winnicott tranqüiliza-o nesse aspecto: "Eu diria que uma inter-
mentou e superou a posição depressiva. Por outro lado, a criança
pretação certa no momento certo equivale a um contato físico"
(ou o adulto), cuja preocupação principal são os pmhlcmas inatos
(p. 217). Winnicott percebe o tempo todo como é precária a prote-
da integração da personalidade e o início de um n:la1.:mnamento
com o meio ambiente, não se encontra ainda na posi<;,1o depressiva ção interna do paciente. Qualquer influxo acidental de excitação,
do desenvolvimento pessoal. numa troca física de carinho ou preocupação, poderia facilmente
Em termos de meio ambiente: uma criança aprl·mlcndo a an- provocar o caos na eterna trapaça do aparato mental do paciente.
dar encontra-se em uma situação de família, clahornndo uma vida Winnicott, portanto, permanece na área da linguagem estudada, a
pulsional através de relacionamentos interpessoais, ll o lK·bê está forma exclusiva empregada pelo paciente. Daí o paciente nunca
sendo sustentado por uma mãe que se adapta a ncl'l'ss1dadcs do alcançar a capacidade de brincar. Ela continua a ser urna possibi-
ego. Entre os dois, está o bebê ou a criancinha que dK•ia :'1 posição lidade nostálgica em suas idéias. Winnicott tem plena consciên-
depressiva, sendo sustentada pela mãe, e mais do lllll' isso, sendo cia das restrições com as quais o paciente tem de conviver. Ele diz
sustentada ao longo de uma fase de sua vida. l>CHJ•Sl' notar que ao paciente que ele está "cheio de capacidade de reparação" (p.
surge um/ator temporal e que a mãe sustenta 1111111 .,i111111·úo (holds 41) e isso traz uma terrível ameaça para o paciente, porque "asa-
a situation) para que o bebê possa elaborar as l'Oll~l·qíiéncias das
tisfação aniquila o objeto para ele" (p. 43). Dados estes limites, o
experiências pulsionais; como veremos, esta l'lahor:1~•:10 é compa-
rável ao processo digestivo na sua complcxidadl•. paciente só poderia utilizar Winnicott de uma forma bastante es-
A mãe sustenta a situação repetidamente 1111111 1wriodo crítico pecializada e distante. Ele utiliza Winnicott basicamente para en-
da vida do bebê. A conseqüência é que algo pmll- !.l'I' ll·1tn por algu- contrar um espaço personalizado onde ele pode mostrar suas idéias
ma coisa. A técnica da mãe permite que o amor e 11 .'1d111 l·nexisten- e aquilo que observou de suas experiências e, hesitantemente,
tes no bebê sejam separados, inter-relacionado, ll ~radualmcnte considerar a interação entre eles. Mas, mesmo aqui, o sono é o
controlados de dentro, de uma forma saudável, seu refúgio e a sua única experiência de dependência. Depois de
um dos seus sonos, Winnicott interpreta: "Você sentia a necessi-
Os conceitos essenciais para a compreensão da forma como dade de que alguém o segurasse, de que alguém cuidasse de você
o paciente utilizava Winnicott estão nas expressões "11 mãe sus- durante o sono" (p. 220). O uso persistente que o paciente faz de
tenta a situação" e "a técnica da mãe". Se cxuminurmos cuidado- Winnicott é o de urna certa reticência de Winnicott. O paciente
samente a relação transferencial deste paciente, percchcrl'lllOS uma sabe que Winnicott sabe mais a respeito dele do que revela na in-
22 / loldi11g e interpretação Introdução 23

terpretação. Esse é um segredo mantido entre eles. O outro são as va escrita empresta um ímpeto um tanto quanto falso à troca ver-
anotações feitas por Winnicott. bal ocorrida entre o paciente e o analista. A linguagem calculada
Agora, chego ao último ponto que desejo discutir: a dosagem com a qual o paciente construía a sua narrativa era por demais en-
e a apresentação de Winnicott para o paciente. Em seu trabalho tediante, e ele sabia disso. Em algum lugar, de maneira absoluta-
"Delinquency as a Sign ofHope" (A delinqüência como um sinal mente inconsciente, Winnicott aproveitou a sua vasta experiência
de esperança, 1973), ao discutir a tendência anti-social da criança de rabiscar com crianças durante as sessões e usou o espaço do
que rouba uma caneta-tinteiro de uma loja, Winnicott postula: papel para rabiscar anotações. Sua forma de rascunhar durante as
sessões aproxima-se mais dos rabiscos do que de anotações escri-
... não era o objeto que ela queria, e, de qualquer modo, a criança tas. Ele rabiscava por todo o papel, em todas as direções e, às ve-
está procurando a sua capacidade de encontrar, e mio 11rocurando zes, até de cabeça para baixo. Desta forma, ele se manteve "vivo",
um objeto. (Grifo do autor) manteve a atenção somática, e sua mente não "derrubou" o pa-
ciente. Tais pacientes provocam um tipo estranho de resposta de
Creio que Winnicott percebeu desde o início que o paciente ódio na contratransferência, que leva o analista a se impor com
estava procurando encontrar uma capacidade em si próprio e não interpretações a fim de aliviar a tensão gerada ou instaurar o silên-
uma relação com um objeto. Isto fez com que Winnicott decidisse cio, que é mais inerte e entediante do que a narrativa do paciente.
estabelecer um conteúdo específico para a relaçiio com o pacien- Winnicott também cria um espaço secreto no âmbito das
te. Da mesma forma que o paciente, ele também se tornou parcial- anotações, que corresponde ao espaço secreto do "sono de divã"
mente um observador do processo clínico. No caso de Winnicott, do paciente. Desta forma, ambos estão seguros na relação e am-
essa postura assumiu a forma de anotações. Num nutro trabalho, bos sobrevivem um ao outro. Cada um está ciente do segredo do
"The Mother-Infant Experience of Mutuality" (A experiência da outro e ambos vivem com esse segredo sem questioná-lo.
mutualidade mãe-filho, 1970), que discute a exJJ<'ri,;11C'ia da mu- Na verdade, há muitas lições para todos os clínicos nesta nar-
tualidade, Winnicott afirma: "Essa mutualidade é partt· da capa- rativa clínica. Talvez a mais importante seja a de que não devemos
cidade da mãe de se adaptar às necessidades do h1:ht•." Ele elabo- tentar curar um paciente além da sua necessidade e além dos seus
ra isso em termos de processo clínico da seguinte forma: recursos psíquicos para sustentar essa cura e viver a partir dela.

Os analistas com uma moralidade analítica 11111110 rlgi<la, que


não permite o toque, perdem grande parte daquilo qm• está sendo
descrito. Uma coisa que eles nunca sabem, por l'Xl'mplo, é que o
analista faz um pequeno movimento sempre qlll' tira 11111 cochilo ou
mesmo quando sua mente vagueia (como pode 11111110 ht·m aconte-
cer) e ele se perde em alguma fantasia própria. hll' 1wq11c110 movi-
mento equivale ao fracasso do holding nos termos da rcl,1ção mãe-
filho. A mente "deixou o paciente cair".

Creio que outra função das anotações para Wi11111rntt foi a de


mantê-lo acordado e atento durante as pausus prolongadas e os
cochilos do paciente, ou mesmo durante os períodos t·m que se
manifestava a retórica densa e organizada do pm:icntc, a qual, pela
própria natureza do seu método, excluía a mutualidade. A narrati-
Referências 25

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_ (1951 ). 'Transitional Objects and Transitional Phcnu111c1111 · 111 thul ( 1975).
_ (1952). 'Anxiety Associated with Insecurity' in 1h1d ( l '17")
_(1954a). 'Withdrawal and Regression' in ibid. ( 197~). ll'l·di111do no Apên-
dice deste volume.
_ (1954b). 'The Depressive Position in Normal Emol1011i1I I kvcloprnent'
in ibid. ( 1975).
_(1954c). 'Metapsychological and Clinicai Aspccts of lkl!H'\sion within
the Psycho-Analytical Set-Up' in ibid. ( 1975 ).
_(1955). 'Clinicai Varieties ofTransferencc' in 1h1d ( 1'17~ L
_ (1956). 'The Anti-Social Tendency' in ibid. ( 1975)
Fragmento de uma análise

Este fragmento de wna análise é oferecido como ilustração da


posição depressiva tal como ela pode smgir durante uma análise.
O paciente é um homem de 30 anos, casado e com dois fi-
lhos. Ele fez um período de análise comigo que teve de ser inter-
rompido por condições decorrentes da guerra, tão logo ele de-
monstrou estar bem o suficiente para trabalhar. Nessa primeira
fase, ele veio até mim num estado de depressão com wn forte co-
lorido homossexual, embora sem uma homossexualidade mani-
festa. Seu estado era de confusão e irrealidade. Ele desenvolveu
pouco o seu insight, embora a sua melhora clínica tenha sido sa-
tisfatória o suficiente para que ele voltasse a trabalhar. Era inteli-
gente, capaz de lidar bem com conceitos e de filosofar e tido
como um homem de idéias interessantes.
Ele se graduou na mesma profissão que o pai, mas, como
isso não o satisfazia, começou a estudar medicina pouco depois,
provavelmente (inconscientemente) preservando o uso que fazia
de mim como uma figura paterna no lugar do seu pai verdadeiro,
que já havia morrido.
Ele se casou e, ao fazê-lo, apresentou à moça a possibilidade
de uma terapia através da dependência. Ele tinha esperanças in-
conscientes de que o casamento estivesse estabelecendo as bases
para que ele mesmo obtivesse uma terapia através da dependência
mas, como freqüentemente acontece, quando reclamou uma tole-
rância especial por parte da esposa, não a obteve. Felizmente ela
28 / loldi11g e interpretação Fragme1110 de uma análise 29

se recusou a ser sua terapeuta, e, em parte, foi o reconhecimento pela primeira vez ele sentia esperança. Mais do que nunca ele es-
desse fato que o levou a uma nova fase da doença. Ele entrou em tava consciente de ser inexcitável e de não ter espontaneidade.
colapso no trabalho (médico num hospital) e foi admitido numa Ele não podia culpar a esposa por achá-lo uma companhia monó-
instituição por causa de sentimentos de irrealidade e de uma inca- tona, sem vida, exceto em discussões sérias sobre assuntos pro-
pacidade geral de lidar com o trabalho e a vida. postos por outras pessoas. Sua potência não estava perturbada,
Naquela época, ele não tinha consciência de que estava pro- mas ele não conseguia fazer amor e, de forma geral, não conse-
curando seu antigo analista e sentia-se incapa7 atl'.! de procurar a guia ficar excitado sexualmente. Ele tinha um filho na época e
análise. No entanto, como ficou claro posteriormente, era exata- depois teve outro.
mente isso que ele estava fazendo e nada mais teria qualquer valor. Nessa nova fase, o material gradualmente assumiu a forma
Depois de aproximadamente um mês na nova anúlise, ele já de uma neurose transferencial de tipo clássico. Houve depois uma
foi capaz de reassumir o trabalho como funcionúno do hospital. fase curta que levou a uma excitação de qualidade oral. Tal exci-
Nessa época, ele era um caso de esquizoidia Sua irmã tivera tação não foi vivenciada, mas resultou no trabalho detalhadamen-
esquizofrenia e fora tratada (com considerável Slll'l''-SO) pela psi- te descrito nas anotações apresentadas a seguir. As anotações re-
canálise. Ele veio para a análise dizendo que nüo conseguia falar ferem-se ao trabalho feito entre o período em que a excitação se
livremente, que não conseguia manter conversas 111limnais. que instalou na transferência, mas que não foi sentida, e a vivência da
não tinha imaginação ou capacidade para jogos, e qlll' rnio conse- excitação.
guia fazer um gesto espontâneo nem ficar excitado O primeiro sinal desse novo desenvolvimento foi relatado
Pode-se dizer que a princípio ele vinha parn an(il 1s1: e conver- como um sentimento inteiramente novo, um sentimento de amor
sava. Seu discurso era estudado e retórico. Gradualinl'lllc, ficou pela filha . Ele teve tal sentimento quando voltava para casa, vin-
claro que ele estava ouvindo conversas que oconia111 intl!rnamen- do de um cinema onde havia chorado. Nesta semana ele havia
te e que relatava partes dessas conversas que adwv:i que pudes- chorado duas vezes, e isso lhe parecia um bom sinal, já que ele
sem me interessar. Pode-se dizer que depois de alg11111 tempo ele era incapaz tanto de chorar quanto de rir; da mesma forma como
trouxe a si mesmo para análise e que passou u lal:11 ' de st como era incapaz de amar.
um pai ou uma mãe que houvesse trazido o filho atl'.1 1111111. Nessas Por força das circunstâncias, esse homem só podia ter três
fases iniciais (que duraram seis meses), eu mio t1n: l'h.111cc de ter sessões por semana, o que eu permiti,já que a análise obviamente
uma conversa direta com a criança (ele mesmo) 1 vinha tendo sucesso e mostrava-se muito rápida. oÍ.l~~
A evolução desse estágio da análise é desl'1 itu c111 outro tra-
balho2. Através de um caminho muito espcrnil, :i 1111:'ilisc mudou p.,~':J oCX "·)(V'
~G...c,\l\jl,
em qualidade, de forma que eu me tornei capa1, dl: entrar cm con- Quinta-feira, 27 de janeiro ,à-0
tato direto com a criança, que era o paciente.
Houve um final bastante definido para c-stn li1Sll, l\ o próprio Paciente: O paciente disse não ter muita coisa a relatar exceto que
paciente disse que agora ele mesmo vinha parn o 1r11111111l·11to e que tivera tosse. Provavelmente era uma simples gripe. Entre-
tanto, ocorreu-lhe pensar em tuberculose, e ele vinha exami-
nando em sua mente o uso que faria desse fato, caso tivesse
l. Cf. "Clinica! Varieties ofTransference" (Vum·tl.11I,~~ cli111cn'l dn 11,1m,fcrên- de ir para o hospital. Agora ele poderia dizer à esposa: "Bem,
cia, Winnicott, 1955) e " Ego Distortions in Terrns of"Tn1,· 11111I 111l.c.: Sc ll'' 1Di,torção
do Ego em tennos deSeifVerdadeiro eSe(/Falso, Winn1w11 , t '.l,,01
cá estou eu ..." -
2. Em "Retraimento e regressão" (Winnicott, 1')54111, 1rp1,,,l111i.t11111, Apcndice Analista: Havia muitas interpretações possíveis, e eu escolhi a se-
deste volume. guinte: disse que o que era ignorado era a relação entre a
30 l loldi11g e interpretação Fragmento de uma análise 31

doença e a análise. Eu pensava na interrupção que isso signi- Paciente: Ele pensava em várias formas de recomeçar a vida de
ficaria para o tratamento. Disse que não estava convencido maneira diferente. Pausa. Ele falou sobre os seus atrasos, que
de que aquela elaboração um tanto quanto superficial das recentemente haviam se transformado num hábito constante.
conseqüências fosse a parte mais importante da ansiedade. Isso se devia ao fato de alguma coisa nova ter acontecido; ele
Ao mesmo tempo, eu lidei com um aspecto da realidade ao poderia pôr de lado o trabalho, sair mais cedo e esperar uns
dizer que deixaria que ele resolvesse. Ele estava consciente quinze minutos para chegar na hora. Em vez disso, seu traba-
de que queria que eu tratasse aquilo como material de análi- lho havia se tomado mais importante, e ele agora acabava as
se, mas que não queria que eu tomasse parte no diagnósti- tarefas antes de vir; só com muita sorte ele poderia ter chega-
co verdadeiro. do na hora. Ele disse que, de alguma forma, a análise havia se
Paciente: Depois da minha interpretação ele disse que, de fato, a tornado menos imp01iante do que o seu trabalho.
idéia que lhe veio n~o_fo~ a de tuberculose e sim de ~ã11Ç_~ Analista: Fiz uma interpretação nesse ponto, reunindo o material
,gul~o~ ro .e...'=lh\A ;\.\V""l'Ô,<)..Ô-L do passado e salientando que eu podia perceber a situação
Analista: Agora eu tinha um material mais rico para trabalhar, e com mais facilidade do que ele: no início, ele só podia con-
interpretei o que ele dizia como urna mençilo ao suicídio, al- tribuir para si próprio, depois para a análise; agora ele podia
guma coisa do tipo que eu chamo "cinco por <.:cnto de suicí- contribuir para a análise em seu trabalho. Juntei isso à culpa
dio". Eu disse: "Acho que você realmente 1rn1Ka t<.:ve de lidar que perpassava toda aquela fase, incluindo o suicídio. Lem-
com o desejo de suicídio em sua vida, teve'?" brei-lhe que a análise o estava levando à excitação com ins-
Paciente: Ele disse que isso era apenas parcial111c11h.· VL'rdade. Ele tinto, inclusive de alimentação. A culpa por causa da destrui-
havia ameaçado a esposa com o suicídio, mas 11:io tinha in- ção impiedosa era muito grande naquele ponto, a menos que
tenção de cumprir a ameaça. Isso não era i111pmt1111le. Por ou- se revelassem desejos e capacidades construtivas3 •
tro lado, às vezes ele achava que o suicídio l'rn pmte do dis-
farce; de qualquer forma, ele disse que havia o l'ato das duas
tentativas de suicídio de sua irmã; foram s11il'id1os parciais e Pausa
fadados ao insucesso. No entanto, mostrara111 11 l'k como um
suicídio podia ser real, mesmo que não houvt·sst• um desejo Paciente: O efeito dessas interpretações foi revelado na observa-
envolvendo toda a personalidade. ção seguinte, quando ele disse, de urna forma muito mais
Ele agora relacionava isso com a bant'llil qlll' sentia ter tranqüila: "Eu agora penso na doença em termos mais diver-
de transpor para seguir em frente. tidos; podia ser sarampo, coisa da infância."
Analista: Lembrei-lhe (e ele havia esquecido) qul' l·ll· si.:ntia que Analista: Eu apontei que uma modificação havia ocorrido desde
havia uma pessoa impedindo-o de transpm a ha, 1t·1n1. que eu recebera a mensagem do suicídio oculta nas fantasias
Paciente: Ele disse que sentia a barreira como lllllH pml·de que ele de doença.
tinha que quebrar ou contra a qual se choc:11. c dl· tinha a sen- Paciente: Logo depois ele disse que sentia, pela primeira vez, que,
sação de que teria de ser carregado fisicílllll'll10 p;11a transpor se tivesse oportunidade, poderia ter urna "aventura" para con-
aquele trecho dificil. trabalançar a infidelidade da esposa.
Analista: Eu disse que tínhamos, portanto. provas 1ll- (llll' entre ele
e a saúde havia o suicídio, e que eu tinha 1k, sal>n disso para 3. Cf. "The Development ofthe Capacity for Concem" (O desenvolvimento da
impedir que ele morresse. capacidade de se preocupar, Winnicott, 1963).
32 1/olding e interpretação Fragmento de uma análise 33

Analista: Eu o fiz ver que isso indicava uma diminuição dos ele- A análise saía agora da fase difícil que havia durado a
mentos de dependência na relação com a esposa reunidos na semana inteira. O paciente desenvolveu uma relação muito
análise. forte comigo, que o assustava.
Paciente: Sua questão era: "Você pode sustentar isso?" Ele falou
sobre o seu pai em meio às pessoas junto às quais havia pro-
Semana seguinte, a 27 de janeiro curado o direito de ser dependente. Seu pai só conseguia
aceitar o encargo até certo ponto, mas depois, como sempre,
O relato das três sessões seguintes foi condcnsndo nas se- passava-o para a mãe. A mãe não lhe servia de nada, pois já
guintes declarações. havia fracassado (i.e. durante a infância do paciente).
Paciente: O paciente relatou que antes da última sessão ele de fato Analista: Fiz outra interpretação, que fui obrigado a abandonar
havia dormido com uma amiga depois de urna lesta. Prati- porque, pelo efeito que produziu, pude perceber que estava
camente não houve sentimento. Ele disse que isto poderia ter errada. Lembrei-o da versão feminina de si mesmo, que ron-
acontecido em qualquer momento, independentemente da dava seu selfmasculino durante a infância, e identifiquei mi-
análise. Ele não sentia amor (a potência não fora perturbada). nha nova posição na neurose de transferência como sendo
A sessão inteira foi inexpressiva e inconscientemente essa sombra do self feminino. Depois de abandonar esta in-
planejada para que o analista sentisse que nuda de importan- terpretação, pude perceber qual era a correta. Disse-lhe que
te estava acontecendo. finalmente o seu polegar voltava a significar alguma coisa.
Paciente: Em seguida, ele disse que esperava um grande resulta- Até os onze anos ele havia sido um persistente chupador de
do. Esperava que eu soubesse, sem que nada fosse dito, que dedo, e provavelmente desistira da prática porque não havia
ele havia tido uma experiência com excitaçilo. ninguém a ser representado pelo polegar'.
A princípio, a informação veio de forma indireta. Essa interpretação do polegar mostrou-se claramente
Analista: Eu respondi que ele havia minimizado tanto a impor- correta e, incidentalmente, produziu uma alteração nos mo-
tância do relato que eu me sentira incapaz de l'a/cr qualquer vimentos de mão estereotipados do paciente. Pela primeira
uso dele. Agora eu me sentia capaz de intcrprt·tur o signifi- vez em toda a análise, sem ter consciência do que estava fa-
cado da transferência no incidente. Disse-lht· qut· a moça re- zendo, ele colocou o polegar esquerdo para cima e levou-o
presentava ele mesmo, de forma que, naqueln nvrntura amo- na direção da boca.
rosa, ele, como uma mulher, tivera relações t·o1111go.
Terça-feira, 8 de fevereiro
Paciente: Ele aceitou a interpretação parcialmente. 11111s ficou de-
sapontado porque a interpretação não compurtavu nenhuma
evolução natural. Como a campainha da porta estava enguiçada, ele ficou es-
perando três minutos nas escadas.
Analista: No dia seguinte ele estava deprimido. t' cu f'il uma nova
Paciente: Ele disse que tinha uma fórmula para começar e com-
interpretação, afirmando que a anterior f'orn obviamente er-
parou-a com a anamnese. Os pacientes acham que você sabe
rada. Eu disse que a moça era o analista (nn nt·urnsc de trans-
mais do que realmente sabe.
ferência).
Paciente: Houve uma liberação imediata de scnt1111cnto. A inter-
pretação não levou ao tema da experiêncin t·rt'itku e, sim, ao
4. Ver "Transitional Objects and Transitional Phenomena" (Objetos e fenôme-
da dependência. nos transicionais, Winnicott, 1951 ).
34 llolding e interpretação Fragmento de uma análise 35

Analista: "Tenho de ter em mente que você pode estar aborrecido Não fiz nenhuma interpretação, sabendo que ele viria
pela espera." (Algo bastante incomum no caso deste paciente.) no dia seguinte e que o tema reapareceria.
Paciente: Ele continuou a descrever como uma pessoa fica inde-
cisa na anamnese, sem saber se deve entrar cm detalhes ou
simplesmente satisfazer o paciente, fingindo saber tanto quan- Quarta-feira, 9 de fevereiro
to se espera que ela saiba. Em certo momento do relato, ele
teve um breve retraimento 5• Ao se recobrar, conseguiu relatar O paciente chegou excitado.
a fantasia do retraimento, na qual ele estava muito aborreci- Paciente: "Sinto-me melhor." (Exultação) Ele contou que havia
do com um cirurgião que havia deixado uma cirurgia pela rido com algumas pessoas. Havia alguma coisa nova naquilo
metade. Não porque o cirurgião estivesse com raiva do pa- tudo. Foi natural.
ciente. O paciente simplesmente estava sem sorte; estava sen- Analista: Percebi que ele não conseguia lembrar o que havia acon-
do operado quando o cirurgião entrou em greve. tecido da última vez e então apresentei-lhe um resumo. Ao
Analista: Relacionei essa fantasia com a reação ao fim de semana fazê-lo, confessei que não consegui lembrar-me do conteúdo
após a aceitação do meu papel na dependênciu. Falei do en- da fantasia do retraimento.
guiço da campainha, mas isso era relativamcnti.: pouco im- (Lembrá-lo do material da sessão anterior sempre é útil
portante, ao passo que as grandes interrupçôL•s do paciente para esse jovem.)
estavam diretamente ligadas ao que ele dissera no final da Paciente: Ele disse que o fato de estar se sentindo melhor torna-
sessão anterior, ou seja, que eu talvez não fnssL' l'npaz de sus- va-o independente da esposa. Agora ele tinha uma arma que
tentar todas as suas necessidades de uma extrcrnn dependên- podia utilizar para negociar com ela, embora não alimentas-
cia, como, por exemplo, morar comigo. se nenhum sentimento de vingança. Não precisava mais im-
O efeito dessa interpretação foi marcantL·; a análise tor- plorar por compaixão.
nou-se viva e pennaneceu assim durante toda n sessão. Analista: Eu disse que a sua aproximação do canibalismo e dos
Paciente: O paciente falou da sua negatividade. do quanto ela o instintos parecia ter fortalecido toda a sua personalidade.
incomoda e deprime. Ela o deixa numa situuç1io di fiei!. Quan- Paciente: Ele disse que, para tomar a situação ainda melhor, tive-
do sente sono, ele fica irritado consigo mesmo. Essa negati- ra uma discussão bastante amistosa com um cirurgião e que
vidade é um desafio. Às vezes não vale a pl'll:I folar. Ele se obtivera um resultado satisfatório.
sente literalmente esgotado. O sono signifirn fitlta de emo- Analista: Nesse momento, lembrei-me da fantasia do retraimen-
ção. Nada se apresenta. Ele descreveu então o rnntraste entre to. Fiz com que ele se lembrasse dela.
a atitude de sua esposa e a dele. A esposa senil' as coisas e não Paciente: Ele continuou, dizendo que o cirurgião havia se revela-
suporta a sua abordagem intelectual para tudo. 11ssim como a do contra uma operação no tratamento de certo paciente. O
sua falta de sentimentos. Ele começou u disrnt1r a palavra cirurgião compreendeu mas, de certo modo, havia "entrado
amor, mas não o seu aspecto sexual. em greve".
Ele falou então sobre o artigo de fones 1111 Observer6,
mencionando especialmente a criança com o hot;'io c a forma
como Jones associava aquilo com o canihulis11111 Pausa

Analista: A interpretação que ofereci foi a de que a excitação es-


5. Cf. "Retraimento e regressão", no Apêndice dcslc voh1111,,,
6. "The Dawn ofConscience" (0 nascer da consci/!n.-111), / Ili• /l/,11•n•er, 6 de fe- tava presente, embora sob controle, porque trazia as suas
vereiro de 1955. próprias ansiedades.
36 /lo/din!{ e interpretação Fragmenlo de uma análise 37

Paciente: Ele relatou outros incidentes de menor importância. "Eu Analista: "Se você demonstra excitação, ela é roubada." (Eu po-
posso ficar excitado. Há um ano as mesmas coisas me acon- deria ter interpretado a ansiedade de castração aqui, mas
teciam e, como eu não podia suportar a excitação, elas pas- contive-me.)
savam por mim. Eu só permitia uma apreciação intelectual. Paciente: "Sim, você está alegre e depois fica triste se a excitação
Eu não podia dar-me ao luxo de sobreviver sem a minha de- for considerada como estando vinculada a alguma coisa. É
pressão. Na verdade, eu não conseguia compreender como importante ser inteiramente livre, mas isso só pode acontecer
alguém podia ficar excitado e não me sent ta competente. na ausência de uma relação de amor. Eu estava pensando nis-
Agora, por causa do progresso que parece estar sendo manti- so ontem à noite. A relação com a moça é livre. A relação
do aqui, no tratamento, já posso deixar as coisas acontece- com a minha esposa não pode ser assim."
rem." Pausa. "Eu não quero falar sobre excitaç:'to." Analista: Lembrei-lhe que ele também estava falando sobre mas-
Analista: "Mas o objetivo é alcançar a excitação." turbação, e ele desenvolveu o tema, já que estava mesmo
Paciente: "Há um risco envolvido. Você fica parL·ccndo tolo. As prestes a fazê-lo.
pessoas podem rir se você ficar tagarelando." (1-sta palavra, Paciente: "A vantagem é que não existe nenhum risco, nenhuma
na análise, é própria de uma fase da primeira infância na complicação social." Ele se surpreendeu com a constatação
qual, segundo foi dito, ele tagarelava muito antes de se tor- inesperada de que, quando se casou, a necessidade conti-
nar quieto e retraído.) "E depois é você quem fica segurando nuou, muito embora isso ameaçasse sua potência.
o bebê"* (significando excitação). Neste ponto, escutamos o ruído da campainha; um ho-
mem a estava consertando. Isso causou uma interrupção, e o
paciente ficou surpreso ao perceber que isso o incomodava.
Pausa "Normalmente é o contrário. Você é quem sempre pare-
ce se incomodar muito quando ocorrem interrupções, e eu
Analista: Eu fiz uma interpretação juntando o "tagan.:lnr" e o "se- não vejo em que elas incomodam. Agora, porém, quando es-
gurar o bebê" 7• tamos discutindo assuntos tão íntimos, percebo pela primei-
Paciente: "As pessoas desprezam a tagarelice 1111111 adulto. Eu ra vez como é verdadeiro o que você diz sobre o setting psi-
sempre fui bastante sério. Agora eu sinto qt1l' posso 'jogar canalítico e a sua importância."
conversa fora' com naturalidade, fora da a11{tl1"l' Na análise Analista: Relacionei isso com o tema da dependência.
eu só posso ser sério, mesmo agora, ou posso l1ear excitado
sobre alguma coisa. Existe alguma coisa di lc.:1 l'llle na excita-
ção por direito próprio. O perigo é vocc fil'lll' cxr1tado e per- Quinta-feira, 1Ode fevereiro
der essa coisa. Tiram de você ou sabotam."
Paciente: Ele continuou a experimentar excitação, embora num
nível baixo, se comparado à exultação.
• "Ficar segurando o bebê" (to be lefi holding th,• h11h,,) ó 1111111 ,•xpressão Analista: "Parece que a maior parte da sua vida transcorreu num
idiomâtica mais ou menos similar ao nosso "pagar o pato" Sit ni lh.:111:~1:1r às voltas nível insatisfatório de excitação, e agora, quando há a excita-
com um problema ou dificuldade que deveria ser du rc~pn11 'iuh1l1<l111il11k outrem. A bilidade simples, você se sente consciente dela."
tradução literal foi mantida por causa da evidente con,·,!111 c11111 " ( 1111n·ilo de hol- Paciente: "Sim, eu me sinto capaz de ser alegre e feliz com me-
ding. (N. da R.)
7. Para o conceito de holding ver "The Theory oi tlm 1'1111'11t d II f.111t Rl'lat1onship" nos esforço. Às vezes eu conseguia ficar alegre, mas era sem-
(Teoria do relacionamento paterno-infantil, Winnicott. 1%Ou 1 pre um fingimento. Hoje, porém, aconteceu alguma coisa
38 l loldi11g e interpretação Fragmento de uma análise 39

que me fez compreender que é necessário ter cuidado. Ainda Paciente: "Eu não estava sendo sádico e, portanto, o comentário
existem perguntas sem respostas no que diz respeito ao tra- não era verdadeiro."
balho e à família. Eu sinto apreensão e culpa por estar me Analista: Nesse momento dei início a uma interpretação mais
sentindo bem e, é claro, por sair com outra mulher em segre- abrangente, introduzindo a palavra canibalismo, proveniente
do. Seria muito perigoso ficar excitado demais, quer dizer, do artigo de Ernest Jones no Observer 8•
em detrimento do futuro. Eu não posso ignorar o que ainda Paciente: Ele completou minha observação dizendo que sempre
resta a ser feito. Mas existe uma diferença. Eu agora posso havia reconhecido que morder era importante ao fazer amor.
vislumbrar um futuro. No passado eu me sentia como se ti- Analista: Na interpretação abrangente, falei dessa situação de in-
vesse dificuldades insolúveis no presente e nenhuma pers- fância que, de alguma forma, ele não experimentara e que eu
pectiva para o futuro. Eu não tinha nenhuma esperança de al- teria de lhe proporcionar, na análise, o holding de uma situa-
gum dia levar uma vida normal. Minha dcprcssüo estava re-
ção no tempo, de forma que os fenômenos de dependência pu-
lacionada com a procura da dependência. S1.:ria possível di-
dessem ser testados em relação aos momentos e idéias instin-
zer que, na dependência e, portanto, na depressüo, eu estava
tivas. Para ilustrar, disse-lhe que uma criança internada numa
reclamando o meu direito inato."
instituição poderia ter três enfermeiras no decorrer do dia e,
Analista: "A desesperança em relação ao futuro e no presente,
portanto, nada mais é do que a desesperança e111 relação ao no entanto, apresentar dificuldade em relação à reparação 9•
passado que você desconhece. O que você cstú procurando é Paciente: Ele compreendeu rapidamente a idéia da minha inter-
a sua capacidade de amar, e, sem conhecermos todos os de- pretação e disse: "No meu caso parece que foram quatro, por
talhes, podemos dizer que alguma falha no inino de sua vida causa das minhas quatro vidas - o hospital, a análise e a mo-
fez com que você duvidasse da sua capacidutk de amar." ça. Tudo depende da minha capacidade de descrever na aná-
Paciente: Depois de concordar com tudo isso, ele disse: "A tarefa lise o que acontece nas outras fases." Então, ele disse: "Mas,
ainda tem de ser feita." inversamente, o que está acontecendo é que essa divisão na
Analista: Fiz uma interpretação consideravclmenll' ampla, unin- situação total está me dando mais sobre o que falar. Em qual-
do a realidade contida na descoberta do seu 11111m pela filha quer um dos quatro lugares eu tenho muito para dizer, en-
e a lembrança de que isso ocorrera depois das lúgrimas no quanto, normalmente, eu me sinto exausto se digo alguma
cinema. coisa e depois não tenho mais nada a dizer."
Paciente: "Sempre tive uma idéia intelectuali1ada do prazer as- Analista: Falei-lhe da sua necessidade de sentir que estava contri-
sociado à dor. De forma semelhante, assrn;io o anior à triste- buindo para a análise e que, por causa disso, quando não ti-
za. Uma vez eu disse isso a alguém. Foi numa rnnversa so- nha nada a dizer, ele muitas vezes se sentia desajeitado e de-
bre sexo no clube. Eu disse que havia uma 11ss11l'1nção entre ficiente. "Nós também estamos falando de uma das origens
amor e tristeza. Fui reprovado e chamado de súd1l'O por cau- da conversa, em que cada indivíduo integra o material das
sa disso." experiências isoladas ao falar sobre situações ocorridas em
Analista: Eu mencionei então que, apesar disso, cll: sabia que es- contextos diversos. No indivíduo saudável existe um padrão
tava certo e que a pessoa que o reprovara cstnvu l'rrnda. básico unificado."
Paciente: "Talvez ela soubesse disso, mas uchussc inronveniente
concordar com esse ponto de vista naquele lugtn"
Analista: "Não é necessário tentar responder isso, p11is a resposta 8. Verp. 34.
está surgindo na sua análise." 9. Cf. "O desenvolvimento da capacidade de se preocupar", Winnicott, 1963.
40 I/old111K e interpretação Fragmento de uma análise 41

Anteriormente, tudo o que ele havia sido capaz de en- crescente habilidade para tolerar a desintegração ou a não-
contrar eram vários exemplos do padrão original que ele es- integração.
tava o tempo todo procurando. Ele agora havia encontrado na Paciente: Ele disse que tais idéias eram como um monte de
análise o padrão e podia tirar proveito da sua capacidade de cnanças.
decompô-lo. Analista: Meu trabalho enquanto analista era ajudá-lo a lidar com
essas crianças, organizá-las e tentar introduzir alguma ordem
no manejo delas. Eu lhe disse que, quando ainda não havia
Pausa encontrado o sadismo que indicaria a utilidade do fenômeno
de reparação, ele estava cheio de capacidade de reparação. A
Paciente: "Existe o perigo de ir longe demais, de ficar confuso." excitação em relação a mim fora apenas mencionada e não
Analista: De início, pensei que ele queria dizer que a minha in- surgira.
terpretação havia sido muito complexa. Fntretanto, ele esta- Paciente: Ele descreveu a situação analítica como difícil para o
va se referindo à enorme variedade de coisas que ele podia paciente excitado. Os analistas são bem protegidos. Eles evi-
introduzir na análise. Lembrei que ele fora considerado um tam a violação através de mecanismos especiais de proteção.
tagarela inconseqüente até certo momento da sua infância, Isto era muito evidente na Instituição, onde pacientes e mé-
quando então se tomara incapaz de falar sem seriedade. dicos só se encontram profissionalmente, e os encontros são
Paciente: Ele me falou sobre o medo de se ver em meio a uma marcados indiretamente. Os médicos também estão em aná-
mixórdia de fragmentos desencontrados, de fit·ar "muito dis-
lise. Só é possível feri-los através da violência física. Uma
sociado", como disse ele. Ele resolveu falar sobre as visitas
vez, alguns homens tentaram romper essa barreira, conse-
que faz com o Dr. X às quintas-feiras, já que c,.-las sempre afe-
guiram perturbar alguns médicos sendo deliberadamente ru-
tam as sessões noturnas das quintas-feiras. h1 nüo tinha co-
des, e foram reprimidos. Um analista não deveria agir desta
nhecimento desse fato. As visitas do Dr. X nunca são sim-
forma. Por que o fazem? "Existem duas idéias", acrescentou
ples. São sempre uma série de desafios. Ele está sempre
ele. "Eu fico perturbado com o fato de os analistas não se-
cheio de idéias e exigências. Existe agora algo novo em de-
rem imunes ao trauma verbal. Ao mesmo tempo, fico irrita-
senvolvimento: o paciente tem idéias próprias, t·ufrenta o che-
fe, e ambos apreciam o contato. Ele tamhém talou sobre um do com a invulnerabilidade deles. Você só consegue irritar
cirurgião bastante difícil, que lhe havia envrndo uma carta um analista se você não aparece, mas isso é uma tolice."
agradável, agradecendo o relatório detalhado e amplo que Analista: Eu disse que ele nunca havia falado sobre "não apare-
ele fizera a respeito de um doente. Era uma rnrta elogiosa, cer" (eu deveria ter dito "brincar", mas deixei isso de lado).
recebida justamente numa época em que o panente estava Era como se ele houvesse me contado um sonho em que ele
em condições de receber elogios, talvez pela pnmcira vez não chegava, e, agora, podíamos perceber o significado des-
em muitos anos. Ele certamente ficou feliz ci,111 o ocorrido. se sonho. Havia sadismo nele, e o sadismo nos leva ao cani-
Agora, no entanto, era como se ele achasse llllC havia coisas balismo.
demais acontecendo. Ele se preocupava com csst· excesso de Como interpretação adicional, disse-lhe que, ao juntar
coisas e, por essa razão, desenvolveu uma tét'.11k11 degenera- as diferentes fases de sua vida, surgiu uma que foi o elogio
lizar e, conseqüentemente, de simplificar qut~sti,t:s. ao cirurgião. Eu havia sido comparado ao cirurgião no mate-
Analista: A ordenação do material estava se penlcmlo t·m inúme- rial da hora anterior, e era importante para ele que eu perce-
ros fragmentos. O paciente parecia estar descrevendo a sua besse que fora elogiado através do cirurgião.
42 l loltli11g e interpretação Fragmento de uma análise 43

Paciente: Ele respondeu dizendo que achava que cu deveria ser ca- o final da excitação causava-lhe ansiedade porque, durante o
paz de mostrar entusiasmo por causa da excitação dele. Como tempo em que estava excitado, ele tinha muito a dizer duran-
eu poderia não estar orgulhoso do que ele huvia alcançado? te a análise. Agora, novamente, ele não tinha nada.
Analista: Eu disse que estava realmente entusiasmado, mas talvez Analista: "Na verdade, você está me dizendo que não tem absolu-
não tanto quanto ele, já que eu também não estava tão deses- tamente nada para me dizer."
perado durante os seus períodos de desespero. Eu estava nu- Paciente: "Agora está claro. Isso me mostrou que tudo o que eu
ma posição que me permitia ver as coisas como um todo. vinha dizendo não tinha nenhum valor. Sinto-me exposto."
Paciente: Ele insistiu no tema da capacidade do analista de se en- Pausa. Ele disse que, definitivamente, não queria falar.
tusiasmar com o progresso dos pacientes, e cu di sse: Analista: Ofereci uma interpretação abrangente, introduzindo ou-
Analista: "Faço este tipo de trabalho porque ucho que é o mais tra interpretação anterior. Fiz uma ligação da análise atual
excitante que um médico pode fazer, e, do l11L'll ponto de vis- com a da primeira fase, completada durante a guerra sem
ta, certamente é melhor quando um paciente está indo bem que ele houvesse alcançado muitos insights. Eu disse que a
satisfação aniquila o objeto para ele. Ele havia obtido algu-
do que quando não está."
ma satisfação na semana anterior, e eu, como objeto, estava
agora aniquilado.
Paciente: "Isso me faz pensar, pois a possibilidade de não estar
Segunda-feira, 14 de fevereiro
mais interessado na namorada estava me preocupando."
Ele reexaminou o seu relacionamento com a esposa à
Paciente: Ele disse que a intensidade da fase de l'.Xcitoção havia
luz da minha interpretação, e percebeu que a satisfação, de
diminuído. A novidade deixara de existir. 1!avia três fatores .
certa forma, sempre produzira uma ansiedade associada à
Ele estava cansado; a excitação não podiu resolver todos os
aniquilação do objeto.
seus problemas (percebi o final da fase de exultação). En- Analista: Fiz uma interpretação referente à continuidade do inte-
quanto estava excitado, ele esperava que su11s dificuldades resse por mim durante o período em que eu parecia estar ani-
com a esposa, etc., fossem se resolver auto111a1icamente, mas quilado.
agora ele compreendia que tudo estava como 1111tcs. Paciente: Ele disse que, intelectualmente, podia compreender a
Analista: Eu mencionei o final da últimu sessflo , quando ele continuidade do interesse por mim e a continuidade do obje-
manifestou a esperança de que eu também l'sl ivcsse excita- to, mas houvera a necessidade de um esforço para que ele
do. Eu assinalei que estávamos lidando rn111 exultação e conseguisse sentir a realidade dessas coisas.
que era importante para ele que eu não houvl·ssc comparti- Analista: Chamei sua atenção para o uso que ele fazia da frustra-
lhado a sua exultação, embora houvesse rn111partilhado a ção, que mantém a satisfação incompleta e impede a aniqui-
sua excitação. lação do objeto.
Paciente: Ele disse que a mudança persistira nté n·1 to ponto; por
exemplo, ele percebeu uma diminuição dn mTcssidade de
"representar" - viver, em si, havia se tornmlo 1111m carga me- Pausa
nos pesada e uma atividade deliberada. Seu di scurso, embo-
ra ainda representasse dificuldades, não era m111 s um proble- Paciente: "Sinto que agora chegamos a coisas importantes. Olhan-
ma permanente; muitas vezes, já não lhe p11r(•(· i11 tão impor- do para trás, sou capaz de reconhecer a realidade desse pro-
tante o fato de não falar como os outrrni. /',111s,1. 1:1c disse que blema.
44 l/olcli11~ e interpretação Fragmento de uma análise 45

Fico me perguntando se esse tipo de reação é pouco co- primeira das duas reações (a esquizóide). Disse que seria
mum ou se eu sou como as outras pessoas." possível falar sobre o futuro e dizer que a análise mostrava
Analista: Discuti com ele os dois aspectos desta questão: em pri- que ele estava bem perto da linha alternativa de desenvolvi-
meiro lugar, ele estava falando de um fenômeno universal e, mento, de preocupação pelo objeto. Caso a análise abranges-
em segundo lugar, ele estava lidando com algo que é muito se esse aspecto, surgiria automaticamente uma nova solução
mais importante para ele do que para algumas pessoas. para o problema principal, de como lidar com a carreira.
Paciente: "Como é que mamar no peito pode afetar um bebê?" Paciente: Ele disse que não sabia como era possível ter a esperan-
(Aqui ele estava se aproximando dos pontos essenciais da ça de descobrir alguma coisa que nunca existira. " É possível
primeira análise.) descobrir na natureza de uma pessoa algo que ainda não exis-
Analista: Dei-lhe uma descrição mais longa e detalhada das duas te? Como alcançar a preocupação quando ela nunca existiu?
possíveis reações, a esquizóide e a depressiva (sem usares- Alguma coisa pode ser criada do nada? Ou será que existe
tes termos). Falei dos botões do casaco puxados pela criança, alguma coisa enterrada que pode ser descoberta?"
que estavam associados à palavra canibalis1110 na mente do Analista: Eu disse que, de certa forma, era possível que ele hou-
paciente. Quando ele conseguia o botão, o 1111porlante era a vesse alcançado a preocupação e depois perdido essa capaci-
satisfação obtida, e, portanto, o botão perdia a importância dade por causa do desespero em alguma situação infantil. No
(perdia o investimento). "Existe uma outra tl"açüo possível, entanto, era impossível dar um passo na análise que nunca
que eu menciono porque ela está presente 1111 sua análise, havia sido dado antes. Essas coisas não dependiam só dele,
mas você ainda não é capaz de percebê-la . Fia se relaciona mas também do analista.
com o casaco, agora sem o botão, e também l'Om o destino Paciente: "Bem, é claro que o bebê tem de experimentar essas
do botão." coisas pela primeira vez com sua mãe."
Paciente: Ele obviamente compreendeu o que cu l'stava dizendo. Analista: "Nestes últimos minutos, estivemos conversando inte-
Pausa. Ele disse que pensara muito durante II f'mal de sema- lectualmente sobre a sua análise, e isso é bem diferente de
na sobre os dois possíveis rumos que poderia dar à sua car- fazer análise."
reira. Por um lado, há o do intelecto, escolha dl· uma linha de Paciente: "Mas eu realmente acho positiva a abordagem inte-
desenvolvimento intelectualizada, e o ahamlnno dos praze- lectual."
res. Por outro lado, há o prazer, que ele polkna transformar Analista: (Era impossível não comparar esse estado de coisas
na sua meta mais importante. Na prática, o prn11eiro signifi- com aquele que surgira no final da primeira análise, quan-
caria seguir os conselhos do chefe, escrever 1111a111neses e dar do aconteceram mudanças muito importantes na personali-
início a uma carreira médica baseada nu11111 postura intelec- dade desse homem e nas suas relações externas, mas sem o
tualizada, exatamente como seu chefe. Ele se sl·ntia tentado insight.)
a seguir esse modelo austero, mas achuva lllll' isso o aliena-
ria. A alternativa também seria insatisfatíirin , jú que a única
motivação seria simplesmente o prazer. Ele po<kria adotar Terça-fe ira, 15 def evereiro
alguma linha entre esses dois extremos, 1_1 qm· também não
seria satisfatório. Paciente: "Fiquei pensando sobre o final da sessão de ontem.
Analista: Eu relacionei isso ao material disponivcl. 1)1sse que, se Você disse que nós estávamos discutindo o assunto superfi-
a análise não avançasse além do ponto que 11ka11çamos, ele cialmente. Por algum motivo, isso me fez rir. Foi realmente
teria justamente o problema que havia <kSl1tÍtn, próprio da uma reação muito marcante. Não houve como não achar isso
46 1/olding e interpretação Fragmento de uma análise 47

muito engraçado. Foi como se nós tivéssemos dito: 'Nós só mente; era uma demonstração de arrogância em relação à
estamos fingindo que somos sérios.' Estávamos brincando minha esposa e, depois, havia também excitação física, mas
sem preocupações. Houve uma interrupção na abordagem isso me preocupava porque eu sabia que o tédio e a exaustão
séria que usamos e euri e fiquei entusiasmado." surgiriam inevitavelmente. Hoje ocorreu uma mudança. Eu
Analista: "Essa palavra, 'brincando', me faz lembrar que eu po- realmente experimentei um sentimento caloroso e um inte-
deria ter usado a palavra 'brincadeira' quando você falou so- resse pelo que ela estava fazendo e dizendo. Fico imaginan-
bre 'ser inteiramente livre' na última sessão. No final da ses- do se eu estaria começando a me apaixonar. Seria algo abso-
são, você e eu estávamos brincando juntos, conversando su- lutamente inédito. Eu não posso julgar; nunca aconteceu an-
perficialmente. Você gostou disso e sentiu o contraste com o tes, e eu não quero rotular a experiência. Existe um contraste
trabalho árduo comum." nítido entre o bem-estar que senti hoje na companhia dessa
Paciente: "Isso me lembra algo de Moliere. Alguém disse a um moça e o desconforto generalizado que continuo a sentir jun-
homem que ele havia falado em prosa durante toda a vida .
to à minha esposa. Acontece a mesma coisa no trabalho. Em
Ele ficou surpreso. Ele nunca tivera consciência do fato e
relação à moça, quando ocorre uma lacuna, ela prossegue
isso foi divertido para ele."
com idéias próprias, coisa que a minha esposa já não conse-
Analista: "Creio que existe uma sensação de que fomos pegos
gue mais fazer. Ela provavelmente fazia isso, mas já perdeu a
brincando juntos."
esperança. Um exemplo gritante: eu fiquei no telefone com
Paciente: "Geralmente acontece a mesma coisa com a medicina.
Agora percebo como é importante quando acontece alguma essa moça por meia hora. Isso é absolutamente novo. Eu
coisa divertida no meio de um assunto sério. Pode ser de nunca fiquei mais de três minutos com alguém no telefone,
mau gosto, mas às vezes é muito útil uma brincadeirinha, até porque nunca havia sobre o que falar, além de assuntos
uma piada, um jogo de palavras no meio de uma discussão de trabalho. Em casa a tensão diminuiu, já que eu não me
médica séria. Eu falei de dois extremos: será que eu deveria importo mais com o fato de minha esposa ter um namorado."
me dedicar a um trabalho muito sério, como um eremita, Analista: Eu perguntei por sua esposa e o quanto ela sabia.
um asceta, ou deveria sair em busca de prazer, evitando Paciente: "Ela provavelmente sabe de tudo, mas eu prefiro fazer
qualquer coisa séria? Parece que agora existe a possibilida- mistério. Seria muito cruel ter uma discussão franca sobre o
de de um amálgama, que é diferente de buscar um caminho assunto. Quem quer que comece o assunto estará numa posi-
intermediário. O amálgama inclui os dois extremos ao mes- ção desfavorável."
mo tempo." (A propósito, o paciente demonstra saber que a sua aven-
Analista: "O tema é similar ao do seu interesse pelo polegar, e o tura amorosa é parte da análise, não uma tentativa de romper
fato de você ter alguém, no caso, eu, que o polegar pode re- o casamento. Ele sempre tem esperanças de ficar bom e de
presentar." solucionar os problemas do seu casamento.)
Analista: Eu tentei demonstrar que os episódios isolados da sua
vida uniam-se na transferência.
Pausa Paciente: Ele disse que a esposa esperava que ele fosse domina-
dor, e que ela gosta de ocupar a posição de dependente. Na
Paciente: "Hoje surgiu um fato novo. Trata-se da minha namora- relação com a namorada, nenhum dos dois é dominador.
da. Eu acabei de vê-la, e a minha postura cm relação a ela Ocorreu-lhe dizer que a relação com a moça é como uma re-
está mudando. No início, eu só me sentia atraído intelectual- lação entre irmão e irmã, enquanto com a esposa é mais como
48 l loldi11g e interpretação Fragmento de uma análise 49

uma relação entre pai e filha. Ocasional menti!, ele tinha esse Paciente: "Simplesmente que tive relações sexuais com ela, creio
tipo de relação com a irmã mais jovem, mas eles se afasta- eu. Lembro que recentemente fiquei um pouco excitado quan-
ram. A vantagem na relação com a moça é que nela não exis- do ela estava no meu colo, algo que precisava ser suprimido.
te o tabu do incesto. Eles podem se ajudar mutuamente, e Isso aconteceu na semana passada, durante um período de ex-
descobrir que as possibilidades desse tipo de relação são uma citação e durante o período em que eu estava tendo relações
novidade excitante. Pausa. Ele disse que estava bloqueado. sexuais ocasionais com aquela moça. Era tudo parte da mes-
Analista: Eu insisti no tema da junção de todas as posturas em re- ma coisa e, nesse período, eu não estava me masturbando. Eu
lação ao analista e da vivência dos conflitos que são evitados não queria fazê-lo . Eu, também, estava apto a suprimir isso
através da atuação em compartimentos. Ao folar disso, eu através de um esforço consciente, na preparação da potência."
me referi à masturbação. Tudo isso fez o paciente lembrar o problema que tivera
Paciente: "Eu já esperava que você dissesse que o n.:lacionamen- muitos anos atrás com a esposa. Ele relatou pela primeira
to com essa moça estava ligado à masturbaçüo, cm parte por- vez a dificuldade em se excitar e a ejaculação precoce. Na-
que a masturbação tornou-se muito menos compulsiva desde quele tempo, ele se masturbava para aliviar a tensão e obter
que o relacionamento começou. Eu pcnst·i : · Fie vai dizer um controle melhor.
que você está apenas exteriorizando uma fantasia ."' Analista: Lembrei-lhe que ele havia comparado sua relação com
Analista: Eu salientei que a introdução da palavra "apenas" era a esposa a uma relação pai-filha, e que o sonho, conseqüen-
importante, pois eu não havia usado tal palavra temente, indicava alguma coisa acontecendo na sua relação
Paciente: "Sim, você tinha de jogar um balde de ;'1gua fria ." com a esposa.
Analista: Eu lidei com a realidade masturbatória, que não conse- Paciente: "Isso se liga ao que eu ia dizer. Eu estou deprimido por-
guíamos encontrar anteriormente, mas que l'k descobriu em que venho me encontrando com a minha namorada depois
relação à moça e, especialmente, na intcrm;üo que surgiu e que tive o sonho e estou gostando dela, mas percebi que ela
que se desenvolve na sua relação comigo. se tornou fria."
Um antigo companheiro da namorada havia voltado e
meu paciente estava sendo expulso. Ela fora seduzida pelo
Sexta-feira, 18 de fevereiro pai aos dezesseis anos e o odiava por causa disso. O fato é
que a sociedade não reprova tal sedução com o mesmo rigor
Paciente: "A primeira coisa que me ocorre hoje l' que faz três dias com que reprova o incesto entre mãe e filho . Na antropolo-
que estive aqui pela última vez. Parece que, li11 hú muito mais gia, uma relação de pai e filha pode se manifestar, mas não
tempo. Lembro-me do pedaço de um sonho llue tive esta ma- uma relação de mãe e filho.
nhã. Eu ainda estava nele quando acordei l'. ú medida que fui Ele disse que várias moças com quem se relacionara ten-
despertando, comecei a ficar preocupado : cu adiei que devia diam a se tornar dependentes porque ele era compreensivo, e
ficar horrorizado, mas a verdade é que o s1111ho me parecia a relação tendia a se assemelhar à relação entre pai e filha.
muito natural. Sonhei que havia seduzido II minha filha . Por Ele sente isso como um defeito de sua personalidade. Ele não
um momento eu perdi a lembrança desse s1111ho, mas depois é capaz de ser agressivo.
ela voltou." Analista: "O que você está querendo dizer é que não conseguiu
Analista: Fiz-lhe ver que o sonho havia ocorrido depoi s que ele odiar o homem na relação triangular."
chorara e sentira amor pela filha. Pcrguntd i1 que ele queria Paciente: "Isso só vem depois; não é espontâneo. Essa é uma ques-
dizer com "seduzir." tão acadêmica."
50 l lolt!i11g e interpretação Fragmento de uma análise 51

Ocorrera um avanço, e havia o risco de que a situação associou a perda de sentimentos pelo pai com a ausência do
escapasse ao controle. Como tudo isso acubana'? Ele conhe- pai nos sonhos.)
cia o seu rival junto à namorada. Ele também disse: "Você deve lembrar que o que estava
Analista: Nesse ponto, eu fiz uma integração abrangendo os qua- acontecendo com a moça era uma encenação. Parecia natu-
tro elementos que só se uniam na transforê11cia : a dependên- ral , mas era uma encenação e teve um final abrupto. É claro
cia, a gratificação instintual, o sonho incestuoso e a relação que estou passando por uma depressão temporária; sinto que
há mais tristeza a caminho."
conjugal.
Paciente: Ele disse que acabava de lembrar que , rn111tos anos atrás, Analista: "Nessa encenação você revelou a si mesmo o sentido
havia sonhado com uma relação sexual con1 uma mulher, e oculto na masturbação."
agora parecia-lhe possível que essa mulher fosse sua mãe.
Certamente havia alguns elementos de sua 111.ie na mulher do
Pausa
sonho. Tudo isso vinha se juntar ao dilema prÍtt1co em rela-
ção à moça. As alternativas existentes são insal isfotórias:
Paciente: "Na depressão também."
1 - competir com o homem Ele prosseguiu dizendo que queria alguém com quem
2 - recuar pudesse conversar sobre todas essas coisas, que não fosse a
3 - terminar a relação namorada nem a esposa. Ele não tinha amigos suficiente-
Ele reconheceu que as três eram insatisfiltórias e ficou mente íntimos havia muitos anos, e na análise tudo era leva-
zangado. Adotar uma delas seria apenas co11vcnicnte. Além do a sério. Ele precisava de alguém para as piadas e os jo-
disso, quando estava a caminho da análise, t•lt• pensou: "Uma gos. Alguns homens bebiam e se sentiam abandonados e, ou-
vida sem sexo deve ser insatisfatória, 1m::m10 que algumas tros, trabalhavam excessivamente ou falavam, convencendo
preocupações possam ser evitadas dessa fi11 rna. Uma vida alguém.
sem expectativas não seria vida." Ele disst· que, desde cedo, Analista: "O que você está relatando é a falta que sente de um
de uma forma ou de outra, chegara à concl11s:io de que a rela- amigo íntimo, e teria de ser um homem."
ção sexual é algo desejável, uma coisa qm· cll· sabia que de- Paciente: "Sim, talvez."
sejaria, mesmo que não necessitasse dela . Analista: "E seria necessário também que ele lhe fizesse confi-
Analista: Apontei a ausência do pai nos sonhos dências."
Paciente: Ele me deu mais informações sobre 111 i-.al , também um Paciente: "Sim. Só dessa forma conseguiríamos evitar que um se
homem casado e com dois filhos. Não lhe lt)!litdava que os tornasse dependente do outro."
dois homens presentes no relacionamento cst 1\ t·sscm seguin- Analista: Perguntei se ele já tivera um amigo, e ele me falou de
do os passos um do outro (identificados) . um na faculdade.
Analista: Disse-lhe que o sonho com a filha e II rcltu;úo com a na- Paciente: Ele disse que não tivera nem mesmo alguém que pudes-
morada evitavam os sentimentos fortes e os c1J11llitos que es- se convidar para ser seu padrinho de casamento, e que fora
tariam presentes no sonho com a mãe. preciso convidar um parente da sua esposa. Muitas vezes ela
Paciente: Ele disse que era preciso lembrar que 11,,s í1lt11nos anos o provocava por causa desse fato . Ele disse que sentia que a
ele não sentira absolutamente nada pelo pot. St·us sentimen- sessão estava perto do fim. Ele seria mandado embora, o que
tos em relação a ele haviam permanecido c11tt·nados e dis- significava ser abandonado. Portanto, era importante não
torcidos, exceto quando surgiram nuni:1 lhsc d11 análise. (Ele deixar nada surgir perto do final.
52 ! loldi11g e interpretação Fragmento de uma análise 53

Analista: Eu lhe revelei o significado pleno da palavra "abando- Ele disse que estava num dilema: não sabia se devia fi-
nado", que me aproximava tanto da sua namorada. Eu disse: car satisfeito ou não com o ataque à psicologia. O neurolo-
"Estamos só nós dois aqui, e, se eu o abandono, você não tem gista também deixava implícito que alguns casos são rotula-
ninguém com quem se zangar." dos como funcionais sem provas. Ficava implícito que devia
Nesse momento, a campainha da portn tocou, e ele disse: haver uma forma de lidar com a enorme quantidade de casos
Paciente: "Não tenho tanta certeza; há alguém na porta." psicológicos. Pausa. Ele disse que experimentava wna sen-
Eu tive de deixar o próximo paciente entrar; era um ho- sação curiosa: não havia nada. Era uma sessão qualquer, igual
mem, e quando fui levar meu paciente até a porta, ele deixou a certas consultas suas, quando ele percebia que não havia
implícito, com o seu olhar, que estava gostando daquele jogo nada de novo com o paciente e passava para o caso seguinte.
triangular, odiando um homem que era o responsável por ele Na psicanálise, porém, o analista fica preso durante uma
ser rejeitado por uma moça. hora. Ele não pode "passar adiante". Ele se sentia culpado
por ignorar seus pacientes difíceis simplesmente porque eles
não eram interessantes. "É raro tennos na prática médica
Terça-feira, 22 de fevereiro uma situação como a da análise."
(Cinco minutos atrasado) Analista: Eu o lembrei do cirurgião que havia "entrado em greve."
Paciente: "Você não pode escapar. É lógico que você se ressinta
Paciente: "Lembrei-me de um artigo do The l.011,·t•f sobre enure- desse tipo de sessão em que não acontece nada."
se, onde se reconhece a existência de uma d1urcse de fundo Analista: Fiz uma interpretação relativa à sua negligência para
emocional." Ele disse que certa vez eu havia dito que ignora- com os pacientes, e chamei sua atenção para o fato de que,
va o assunto. (Isso me parece improvíiwl.) Hle observou de certa forma, eu também o negligencio, isto é, entre uma
que, com os recentes progressos na análise, a sua enurese ha- sessão e outra.
via desaparecido. Paciente: Ele disse que o analista tolera o paciente por uma hora.
Analista: Eu falei da minha ignorância, o que o tk1xou muito sa- Ele comparou isso às exigências que a filha lhe faz. Só por-
tisfeito. (Eu não me defendi da acusação.) que ficou em casa duas horas, isso não quer dizer que todo
Paciente: Ele estava indeciso entre duas posturns. Gabar-se do esse tempo esteja à disposição dela. Pausa. Ele disse que es-
triunfo ante o analista e da superioridade dos médicos. Con- tava bloqueado e cansado.
tudo, o artigo também sugeria que a emiresl· 111uitas vezes é Analista: (Perdido.)
causada por uma pequena incapacidade oq,t11111ca. Portanto, é Paciente: "Eu descobri que minha namorada fica chocada com
provável que muitas perturbações considerados psicológicas coisas diferentes das que me chocam." Qualquer sinal de ho-
sejam orgânicas. mossexualidade a choca, e parece que ela tinha uma tendên-
· Ele falou de si salvando crianças da ps11:otcrupia. Ele re- cia homossexual que a levou a fazer algo semelhante à análi-
latou isso como se relatasse um sonho 411l· o surpreendera. se. "O que me choca é o incesto, não a homossexualidade."
Disse que era como salvá-las da faca do cirn1g1úo. Ele com- Quando criança, ele temia ser beijado pela mãe e, ainda hoje,
parou isso com o seu desejo de uma ahordui;l:111 mais rápida não gosta disso. Talvez ele tivesse "idéias incestuosas anor-
do que a psicanálise. mais". Isso o enchia de horror.
Ficou cada vez mais claro que ele est11v11 1111111 estado de Analista: Perguntei a que o horror estava associado.
resistência, que se manifestou na forma de s111111lência. Paciente: ''Não é suficiente dizer que é socialmente inaceitável.
54 l lolding e interpretação Fragmento de uma análise 55

Não é bem visto um menino beijar a mãe." Ele me fez recor- Eu sabia que ele preferia que eu fosse em frente enquanto ti-
dar um episódio que lhe ocorrera quando ele tinha sete ou vesse material para trabalhar.)
oito anos, e que ele já havia trazido para análise anteriormen- Paciente: Ele estava preocupado com meu "embaraço desconfor-
te. Tinha relação com uma caminhada; a família toda estava tável"; disse que se sentia irritado. Era como se ele não fosse
presente. O pai o empurrou para a mãe. l louvç uma cena. aceito. Alguma coisa havia sido recusada. Ele sentia que não
deveria estar tão incomodado por causa da sonolência; deve-
ria ser capaz de aceitar isso sem problemas. Ele estava can-
Pausa sado, mas havia mais alguma coisa além disso.
Analista: "O sono, portanto, está relacionado a algo diverso,
Analista: Fiz uma interpretação bastante ampla, lllostrando o seu como agressividade, ódio ou simplesmente um medo desco-
desenvolvimento recente rumo a uma situaçúo triangular, e nhecido."
ligando a sonolência à ansiedade que ck nüo é capaz de sen- Paciente: Ele disse que estava flutuando, muito cansado, sonolento.
tir, mas que está relacionada a essa nova pos1çiio. Disse que
sabia que ele estava realmente cansado, mas que ele não gos-
taria que eu permitisse que essa fosse a cxpltcaçfio total. Quarta-feira, 23 de fevereiro

Ele chegou vinte minutos atrasado. O atraso de hoje ocorreu


Pausa por causa de uma emergência no hospital.
Paciente: Ele falou sobre a sessão do dia anterior. Seu cansaço
Paciente: "Minha mente parece estar vagueando; é dificil eu me era somente parte da história. Depois da sessão, ele só estava
concentrar ou chegar aos pensamentos que quero expressar." wn tanto cansado, o que era bastante diferente. (Ele reconhe-
Analista: "Minha longa interpretação reprimiu seus pensamentos." ceu o cansaço como uma resistência.) "Muitas vezes eu não
Paciente: "Não, hoje eu poderia muito bem rnlo produzir absolu- me lembro do que aconteceu no dia anterior. Não consigo
tamente nada." me lembrar da sessão de ontem e sinto que deveria ser capaz
Analista: Eu retomei o tema da sabotagem e a 1111l·rpretação que de fazê-lo." Ele estava preocupado com a sua amnésia. Mes-
fora adequada no momento em que sur~trn. e mostrei-lhe mo durante a sessão anterior ele não estava entendendo nada
que o tema tinha agora um equivalente 1111 ansiedade de cas- do que eu dizia.
tração, já que o pai havia aparecido, pelo llll'IIOS teoricamen- Analista: Eu fiz uma interpretação, fiz uma ligação com a sessão
te, na nova situação triangular. Também li~lll'I o final da últi- de ontem, e lembrei-lhe a sugestão de ansiedade por trás do
ma sessão com a palavra "abandono" e com o foto de ele ter cansaço.
ouvido uma voz de homem quando deixei II outro paciente Paciente: Ele então relatou o fragmento de um sonho que tivera
entrar, depois de "abandoná-lo". na noite anterior. Ele se vira dizendo: "Provavelmente não é
Paciente: Ele disse que estava cansado. importante, mas ..." No fragmento do sonho a namorada ti-
Analista: "Talvez eu tenha falado demais." nha os títulos MD e MRCP *. Ela os conseguiu sem esforço;
Paciente: "Não, eu só queria dormir."
Analista: (Certamente fui influenciado pelo dcsc10 que ele mani- * MD significa Doutor em Medicina, e MRCP, Membro do Colégio Real de
festara no início da sessão, de ter um trut11mc11to mais rápido. Medicina. (N. da T.)
56 l loldi11g e interpretação Fragmento de uma análise 57

ele nem sabia que ela se candidatara aos títulos; não é algo minha esposa; que eu nunca vou dominar, planejar um feria-
do seu feitio . Ela não é intelectual nem acadêmica, e chega do ou qualquer outra coisa. Sempre senti a necessidade, co-
até a ser considerada incompetente. Ela parece fazer questão mo posso perceber agora, de ter certeza de que ela é igual-
de não pensar com clareza. O ponto fundamental na relação mente capaz."
com essa moça é que ela se aproxima do pal'icnte para obter Analista: Fiz mais uma interpretação, e ele comentou:
apoio. Ele se angustiava com a idéia de nüo ser automatica- Paciente: "Você repetiu o que havia dito antes."
mente superior, isto é, na medicina. Ela n.;cotrc a ele em bus- Analista: Eu concordei.
ca de ajuda. Em outras palavras, ele novarnente se tornou Fiz mais uma interpretação, dizendo que ele era incapaz
uma figura paterna. de pensar numa moça como sendo diferente de um homem
Analista: "Isso está intimamente relacionado co111 o fato de a mo- porque isso aumentava o seu medo da perda do pênis.
ça não gostar de homossexualidade." Paciente: "Ela tem muito medo de ser masculina. Para ela, a cla-
Paciente: "Sim."
reza de pensamentos é uma característica masculina."
Analista: No que diz respeito à psicologia da moça, eu disse que
Analista: "A questão é: quem tem o pênis?"
Paciente: "Ela é muito criticada pelo Dr. X, st•m mi sericórdia, e
não estávamos lidando apenas com o problema dele, mas
também com a identificação dela, com o modo de ser do pai
eu sempre a defendo."
dela, etc.
Analista: "Mas uma pessoa tem de defender uni rnlega, e isso pa-
Paciente: "Mas nossa preocupação não é a psicologia dela. Ela só
rece que implica que ela seja um homem."
está aqui na medida em que lança alguma luz sobre as mi-
Paciente: "Existe também uma dificuldade que posso prever. Nós
nhas dificuldades."
só falamos de assuntos médicos. Se não tivi·sscmos esse as- Analista: Lembrei-lhe que a clareza de pensamento, de que ele
sunto, ficaríamos sem conversa." era particularmente capaz, era uma característica masculina
Analista: "Parece que o sonho nos dá uma pista , A moça tem me- para a moça e também para ele.
do da homossexualidade e finge uma certa incompetência, Paciente: "O problema é que, para ela, ser impetuoso, o que ve-
numa tentativa tremenda de não parecer masculina, e isso, de nho tentando me tornar através da análise, é uma caracterís-
certa forma, ajusta-se às suas necessidades < > sonho oferece tica feminina, indesejável num homem."
a outra metade da situação total." Analista: Eu disse que ele não seria capaz de dizer de imediato se
Paciente: "A partir disso, consigo perceber todos as dificuldades eu concordaria com a moça ou se teria uma opinião pessoal
que os homens têm com colegas mulhcl'l·s Para mim, até sobre o assunto. Eu tinha certeza de que, para ele, a capaci-
agora, as moças sempre tiveram status iJ,tll iil e eu sempre dade de se tornar espontâneo referia-se igualmente a homens
apreciei isso. Primeiro, eu sempre me irrik1 rnm os homens e mulheres. Ao fazer uma interpretação sobre as moças de
que chamavam as moças de incompetentes l' , depois, era sa- acordo com a sua fantasia , eu disse: "É como se, para você,
tisfatório pensar numa moça trabalhando cm pi'.· de igualdade as cabeças das moças estivessem cortadas."
com homens." Paciente: "Bem, essa é a sua fantasia, e bastante drástica."
Analista: Fiz uma interpretação relativa à sun tentativa de lidar Analista: Tentei relacionar a clareza de pensamento com as ca-
com as diferenças entre os sexos partindo dl· 11111 fundamento racterísticas especiais de seu pai, mas ele me lembrou que
que se aplica mais à relação de dois homens 1111 dois irmãos seu pai conseguia ser espontâneo e que isso não fazia com
competindo. que ele deixasse de ser masculino.
Paciente: "Pela primeira vez, posso aceitar n idéin de dominação. Eu lhe perguntei então sobre a versão feminina de si mes-
Lembre-se de que essa é uma das principuis n·clamações de mo que o acompanhava quando ele era criança.
58 I Jolding e interpretação Fragmento de uma análise 59

Paciente: "É muito difícil porque, embora cu me lembre de ter com pênis.) "Sua relação com a namorada é, portanto, parte
lhe contado sobre isso, não é muito fácil recuperar essa lem- dessa análise, tão valiosa quanto um sonho."
brança. Acho, porém, que ela tinha um pênis. Na adolescên- Paciente: "A moça, em primeiro lugar, não é segura de si e, em se-
cia, eu notei que todas as meninas tinham pênis nos meus so- gundo lugar, ela não é, intelectualmente, uma companhia pa-
nhos. Eu não ficava assustado no sonho, mns ficava quando ra o futuro. Eu não estou certo disso. Parece muito esnobe de
acordava. Na fantasia, por sua vez, que requeria esforço de minha parte. Nós só temos em comum:
pensamento, eu era capaz de reproduzir us meninas como 1 - um desejo pela relação sexual, por prazer, e ambos
elas realmente são." usamos isso para restaurar a confiança;
Analista: Eu disse que era uma pena que tivéssemos tão pouco 2 - como médicos, nós discutimos assuntos médicos; e
tempo, mas eu não podia evitar. No entanto, havíamos che- 3 - ela fez algum tempo de análise.
gado ao seu sonho de adolescência, no qual ns meninas apa- Mas realmente o relacionamento não tem futuro. Eu não
reciam com pênis e, portanto, havíamos rlwgado ao lugar acho justificável abandonar minha esposa por causa dela.
para o qual apontava o sonho. Mas a relação é muito valiosa. Eu encontrei com essa moça
Eu havia lhe dado 10 minutos extras L' tki por encerrada
uma capacidade para o prazer muito maior, sem tensão. Isso
a sessão. se deve em parte à análise. Com minha esposa, eu faço um
esforço consciente para ter prazer; é mais uma técnica do
que um instinto. Com a moça não existe romance, mas tudo
Quinta-feira, 24 de fevereiro
é tão natural. Nós ficamos relaxados e aceitamos as coisas
como elas são. Existem e existirão outros homens na vida
Tive de fazê-lo esperar dez minutos.
dela, mas eu não tenho que lidar com este tipo de complica-
Paciente: "Em primeiro lugar, estou ciente dL· que estávamos no
meio de alguma coisa importante. Fui emhorn com relutân- ção. Eu não quero depender dela, e seria perigoso fazê-lo.
cia. Tenho apenas uma vaga idéia do que M' tratava, mas tal- Ela me serviu como um objeto, para que eu afiasse minhas
vez pudesse pensar a respeito. garras, e isso não tem importância, porque ela própria é in-
Em segundo lugar, estou ciente do prnhlcma da dura- fiel e insegura (embora sincera, à sua maneira) e franca. Eu
ção. Quanto tempo vai levar o tratamento" Como se sabe também posso ser franco e duro sem culpa. Eu contrasto isso
quando o tratamento deve terminar? Se h1111wsse uma meta, com o que aconteceu com a moça que eu encontrei no hospi-
talvez fosse mais fácil. Que tal o verão. por l'xuinplo? Como tal quando eu estava doente. Ela queria se apoiar em mim, e
se sabe até onde ir? Naturalmente o trutu11w1110 produz uma se eu o houvesse permitido, não poderia decepcioná-la sem
série de perturbações de forma que ll!lo i: possível esperar conseqüências desastrosas para ela."
bons efeitos antes de certo tempo depois do L·11ccrramento da Analista: "Aqui é importante que você tenha a certeza, o tempo
terapia. Existem dificuldades relativas aos 1111anjos dos meus todo, de que não me apoiarei em você. A única coisa que
programas futuros, mas não vou forçar este 11specto. Eu não conta é o seu próprio beneficio."
gosto de perspectivas indefinidas." Paciente: "Quando eu o deixei da outra vez, pensei que fosse para
Analista: (Dei detalhes sobre minhas férias de Vl:n)o ) sempre; fiquei surpreso quando soube que você manteve seu
"Estou a par de suas dificuldades reaiH." interesse por mim. Fico imaginando se o mesmo aconteceria
(Recapitulei a sessão de ontem, que lei 111111ou abrupta- novamente, se você se lembraria de mim se eu fosse embora,
mente na observação dos sonhos adolcHccnll'S de meninas e se esperaria que eu voltasse."
60 / /oldi11g e interpretação Fragmento de uma análise 61

Analista: "Sim, se eu soubesse, como da última vez, que você ha- Paciente: "Creio que sim, mas eu tenho que me reassegurar, por
via partido sem estar pronto para fazê-lo." isso vou em frente."
Lembrei-lhe também as condições de guerra, que me Analista: "Você encontrou os seus sentimentos por vias indiretas."
restringiam na época. Paciente: "É o mesmo com o meu chefe. Fico ansioso, com medo
Paciente: "É o mesmo com a briga doméstica ." de não considerar um caso seriamente, de me sentir tolo com
Analista: Insisti no tema de estar pronto para o final. as críticas. Sinto que serei rejeitado e, por isso, tenho de as-
"Ainda existe a fantasia da menina t·om o pênis, e se sumir responsabilidades; é como o destino, ser perfeito."
você partisse agora estaria evitando o tema." Analista: Minha interpretação incluía o seguinte: "Você só pode
Paciente: "Sim. Com as moças, eu não odeio outros homens; só encontrar o cuidado perfeito de sua mãe através da ansiedade
me aborrece pensar neles. Minha postura atual cm relação às de perfeição. Por trás disso, o que existe é a falta de esperan-
mulheres depende de tomarem ou não alguma atitude indi- ça de amar e de ser amado, e isso se aplica agora, aqui , na
cando interesse por mim, para que eu não tl'nha de tomar a sua relação comigo."
iniciativa. Isso ocorre, em parte, porque sei da hostilidade de Paciente: "Tenho consciência de que sinto aversão e repugnância."
minha esposa em relação a mim, espe1:ial111entc no que diz
respeito à minha incapacidade de tomar a i1111:iativa. Eu sou
Segunda-feira, 28 de fevereiro
obrigado a implorar. Eu não permito que isso ocorra outra
vez; eu não quero que outra moça se torne uma necessidade.
Paciente: "No caminho para cá estive pensando: não é realmente
Não quero me ver pedindo e implorando outra vez." Pausa.
útil ficar falando sobre a realidade, sobre coisas reais. Essas
"Agora já não sou mais o suplicante com 111111ha esposa; tam-
coisas parecem menos reais do que os sonhos. Estou pensan-
bém já não sinto tanta necessidade de tentar ugradá-la o tem-
do em coisas reais. Vale a pena tentar trazê-las para a análi-
po todo. Então, ela fica cansada, aborrec:·ida. De qualquer se? Parecem menos úteis do que os sonhos. Eu estava depri-
forma, ela não gosta de mim e agora tem n1da vez menos mido hoje, especialmente, ou mesmo superficialmente, por
motivos para manter as coisas acontecendo" Pausa. "É difi- causa da situação em casa, que agora está mais dificil. Até
cil dizer qualquer outra coisa agora. Nào hú nada de útil - é muito recentemente, eu aceitava a situação, ficava triste, mas
só encher o tempo, falar por falar, sem l'11t·gar a lugar ne- achava que ela mudaria através da análise. Agora eu me de-
nhum." Pausa. "Não tive nenhum sonho do qual me lembre; paro com o fato de ter de tomar uma decisão. Logicamente,
isso manteria as coisas acontecendo." 1'1111.m "Sei que exis- eu deveria abrir mão da namorada. Mas eu não quero desistir
tem coisas a serem feitas. Lembro agora lllll' você dizia que dessa relação e voltar às condições antigas."
minha mãe sentia uma ansiedade constunll· quando eu era Analista: "Isso parece real e é real. Você realmente está num di-
pequeno, de forma que ela tinha necessidtllk de ser perfeita. lema."
É semelhante à ansiedade que vivo aqui. l111agino que isso Paciente: "Eu falei com a moça sobre a situação em casa. É difi-
contraste com a forma de ser de outros pUCll'lltcs; a necessi- cil chegar à moça, na prática. Eu estava planejando umas fé-
dade consciente de continuar desses pucit·nll's talvez seja rias de verão com ela - mas seria necessário contar à minha
menor; pode ser que eles sejam capazes de RCnt ir um conten- esposa. Teríamos de discutir o assunto: ela entenderia ou ha-
tamento saudável. Eles podem adotar a uti111de "Por que di- veria um rompimento. Mas o que é que eu tenho para ofere-
zer a esse velho tolo tudo o que me vem i\ 1m:11tl''?" cer à minha esposa? Somente a renda e alguma lealdade, e,
Analista: "Talvez você sinta exatamente isso." se nem mesmo a lealdade eu puder oferecer, bem, eu sou
62 l loldi11g e interpretação Fragmento de uma análise 63

inútil. E eu não tenho nenhuma vontade de ser maldoso. Não uma defesa. Eu descobri que tenho menos interesse pelo meu
que eu seja muito compreensivo a ela, até porque ela não dis- trabalho. O trabalho não é um substituto da vida. A pressão
cute os meus problemas, só os dela, e com o seu namorado. do Dr. X poderia me levar a wna vida de devoção ao trabalho.
Não há espaço para falarmos de mim e de minha namorada. Aqui, estou perdendo meu tempo, só pensando em voz alta,
Eu gostaria de poder dizer que é tudo culpa dela. Ela poderia usando o tempo para esclarecer meus pensamentos."
romper, e eu não poderia reparar o estrago. l'alvez ela saiba,
mas não acredite, ou talvez não saiba, mas suspeite o tempo
todo. Tenho esperança de que haja uma forma de poder co- Pausa
meçar a falar com ela. Mas aí, eu só falaria para conquistar
um determinado fim, e eu não sei qual é esse fim, por isso Analista: Eu disse que essas coisas reais não haviam alterado o
não arrisco. Eu poderia fazer perguntas l'apciosas, mas ela fato de que existe uma fantasia muito importante no "rompi-
conhece este truque. Há também o problema das dificulda- mento" e ansiedade relacionada a isso. Existe a fantasia das
des da minha esposa etc., etc. Então, eu lllt..' opus a ver a mo- meninas com pênis dos sonhos da adolescência. Talvez a si-
ça a noite passada porque eu não gosto de vC:-la com muita tuação real houvesse se ordenado de acordo com a fantasia,
fi;eqüência. Mas depois disso, eu senti..." (Perdi os detalhes.) de forma que sua esposa tinha um pênis e representava um
Analista: "Há uma superposição dos seus intcrl·sses e os da sua
problema por causa disso, ao passo que a namorada estava
namorada, e, quando existe a superposição. você pode brin-
sendo usada como a moça do devaneio, que é uma mulher
car. Com a sua esposa, por sua vez, não há lmncadeira."
comum.
Paciente: "Há uma história de um autor americano sobre um ho-
Paciente: "Nesse aspecto existe uma dificuldade no domínio do
mem que tem uma esposa infiel. Por fim. o homem viajou
real. Existe um espaço para a brincadeira com a moça. Eu
para a Europa, modificou-se e arrumou 1111\U namorada. A
esposa, que já não era capaz de tolerar a si mesma, abando- necessito de brincadeira na situação real. Aqui, nós temos
nou sua vida promíscua, foi viver com sua filha, tornou-se uma relação profissional, e a única brincadeira é através dos
apegada a ela e sofreu wn colapso. Pode Sl'I' que a minha es- sonhos e do trabalho que fazemos com eles."
posa continue incólume por conta da mi11h11 lealdade. Há o Analista: "Sim, compreendo isso. E você acha que eu reluto em
risco de que ela não consiga manter o namorado e entre em brincar, como você já disse em outras situações. A questão é:
colapso se eu a abandonar. Será que eu a mkio tanto para fa- onde está o pênis? Como ainda não existe um rival homem,
zer isso a ela? Será que eu suportaria quL· l'la ficasse bem e ninguém tem o pênis, e você espera que a moça o tenha. No
feliz ou que entrasse em crise? Minha esposa disse uma vez: sonho da relação sexual, no qual a mãe era, até certo ponto, a
'Nunca deixarei você.' Acho que ela qucrin dl/cr que não po- mulher, você quase alcançou a idéia do homem-pai."
deria tolerar tamanha desgraça, etc. Ela _jo~nria isso na mi-
nha cara. No início, ela queria saber se cu rnmeteria suicí-
dio. Agora eu acho que ela talvez quiscssl' snber se valia a Terça-feira, 1.0 de março
pena esperar ou se era provável que eu a aba11donasse, caso a
análise tivesse sucesso. Isso me faz pensar l(lll' a sua falta de Paciente: "A depressão por causa do dilema continua. Eu tinha
interesse talvez não seja tão genuína; talw1 ela tenha sido esperanças de discutir o assunto com minha esposa, mas não
obrigada a esconder o seu interesse. Ela ni\o poderia enfrentar o fiz; estou contente, mas ao mesmo tempo aborrecido por
a situação de outra forma. A sua falta <lc intl·rcsse pode ser ter novamente engavetado o problema."
64 l/oldinge interpretação Fragmento de uma análise 65

Analista: "O problema é que você não sabe qual resultado deseja novo, ela nunca ligou para esse tipo de discussão. Seria ideal
e, portanto, acha que evitar o assunto é mais conveniente." soltar a bomba nesse momento dramático, dizer que eu esta-
Paciente: "Que atitude faria as coisas melhorarem? Eu espero ga- va planejando ir embora com a minha namorada. Mas eu não
nhar duas coisas com a demora: desanuviar a minha mente e sou desse tipo. Não gosto de crueldade. Isso me lembra algo
esperar que alguma coisa aconteça. Tudo se resume ao fato de que aconteceu quando eu ainda não conhecia a minha espo-
que o meu casamento é um fracasso, e, embora eu considere sa. Eu havia planejado passar um feriado com uma namora-
esse fato intelectualmente, não consigo m:çitá-lo. Também da. Antes que o feriado chegasse, descobrimos que não gos-
estou deprimido por causa da fase de cxc1tação, que durou távamos um do outro. Ali estava um dilema - cancelar ou dar
pouco tempo." continuidade aos planos? Eu era fraco e levei o plano adian-
Analista: "Quando está esperançoso, você nchn que deveriam te, achando que talvez conseguíssemos aproveitar o feriado,
ocorrer mudanças não apenas em você, nrns também na sua mas é claro que aquele dia não foi um sucesso. Será assim -
esposa." minha esposa não aceitará que as coisas aconteçam por cau-
Paciente: "Eu tentei isso - mas minha esposa nüo demonstrou in- sa da minha fraqueza."
teresse. Também estou deprimido porque, l'lllbora o relacio- Analista: "A fraqueza parece indicar um medo da sua esposa, um
namento com a minha namorada seja llll't1os falso do que medo que você ainda não entende, e que você nem sente
com a minha esposa, ele também é irreal. Fxiste certa dose como medo."
de pressão e tensão. O que eu realmente (.jlll'nl é uma relação Paciente: "E como comer quando não se está com fome? Fraque-
sem fingimento. E também, embora eu tc11ha mudado muito, za significa não aceitar o risco de ser abandonado. Os heróis
ainda existe a dificuldade de falar." aceitam esse risco. É como mergulhar, que para mim signifi-
Analista: "Você está usando o padrão das suns defesas como um cava romper com minha mãe. Eu vivia agarrado às saias da
fator estável, algo em que você pode se npoiar quando não minha mãe."
existe mais nada." Analista: "É uma questão de não ter ninguém para quem voltar,
Paciente: "Eu imaginava que me tomaria mais frio em relação à como se você estivesse andando pela primeira vez e não ti-
minha esposa por causa da moça, mas não foi isso que acon- vesse o pai presente para ajudá-lo quando você se aventuras-
teceu. Eu a quero tanto quanto antes. Antes. o único remédio se a deixar sua mãe. Deixá-la significaria simplesmente afas-
era ficar em casa deprimido. Como pretc11do sair com a mi- tar-se dela sem ter nenhum lugar para onde ir."
nha namorada, eu disse à minha esposa qul' não ficaria em Paciente: "Isso parece válido, mas é como um assunto novo. Mi-
casa esta noite. Antes de lhe dizer isso, tivl·tnos uma discus- nha filha repentinamente ficou de pé e andou."
são por causa de alguma outra coisa. Eu l'stnva aborrecido. Analista: "Sua filha foi mais longe do que você e, na época em
Aquela era a oportunidade para informá-la de tudo, mas eu que começou a andar, já havia alcançado o estágio de desen-
fui desonesto - eu não queria ficar me lksrulpando; é me- volvimento em que você está agora ."
lhor ser firme ." Pausa. "Talvez minha esposa também sinta o Paciente: "Eu aprendi a andar de bicicleta, mas somente com meu
que está acontecendo. Há sinais disso. Pela primeira vez em pai segurando por trás e me soltando sem que eu soubesse.
muitos anos ela colocou meu pijama paru aquecer. Existem Quando descobria que estava sozinho, eu caía. Era o mesmo
outros detalhes. Isso foi depois da discui1sü11 u antes que eu com a natação. Primeiro, eu tinha de boiar; depois, eu podia
dissesse que não voltaria para casa à noite. 1-tt não quero per- fazer movimentos, e, só depois de algum tempo, eu conse-
der essas oportunidades. Isso confunde minha relação com a guia nadar. É a idéia de não ser sustentado que é importante.
moça. Minha esposa também falou sobre as ferias - isso é O sentimento é de que não há lugar nenhum para onde ir ou
66 l lolding e interpretação Fragmento de uma análise 67

para onde voltar. Mergulhar era a mesma coisa. Eu sempre vez. É como 'soltar-se' . Uma criança anda, e isso quer dizer
tentava encobrir a minha ansiedade - Rimplesmente fechava que ela se solta. Mas ela tem de ser capaz de se segurar. Co-
os olhos e mergulhava, mas na verdade cu continuava muito meçar novamente significa 'soltar-se' novamente. Parece ha-
ansioso. Eu às vezes fico ansioso quando trabalho sozinho. ver um obstáculo aqui ... "
Isso acontece com todo o mundo, eu digo, mas eu tenho me- Analista: "Uma forma seria dizer que você tem trinta anos, e de-
do do abandono - lá fico eu, em estado de pânico." pois dois, e depois trinta novamente, e esse vai-e-vem é do-
Analista: "Na sua série de sonhos, logo depois do momento de loroso por causa da alternância entre dependência e indepen-
retraimento (na interpretação ' média'), você teve um que ti- dência. Ou poderíamos dizer que eu não mereço sua con-
rava félias no exterior. Era um fim de semana e você vol- fiança, que você acha que não posso segurá-lo, já que eu o
tou." (Chamei a atenção para isso porque fuzia parte da série abandono entre uma sessão e outra."
- 'médio', 'colo', e então a idéia de ter algum lugar para Paciente: "Eu poderia simplesmente deitar (sem dormir) durante
onde voltar)'º. toda a sessão. Eu não estou sentindo nenhum desejo enorme
Ele se recordou gradualmente do sonho. Havia uma hoje. Pode ser que eu simplesmente não esteja me sentindo
moça nesse sonho, uma médica do hospital. muito bem."
Paciente: "De fato, era justamente essa moçn , antes que o nosso Analista: "Se estiver fisicamente doente, você sabe, por expe-
relacionamento começasse. É a mesma <.:oisa que o final da riência, que o melhor seria receber tratamento adequado."
análise - o que acontece no final? Ela si111plcsmente acaba?
Eu sinto que ficaria apavorado."
Analista: "Você sente que o final seria como se soltar e não ter Pausa
ninguém para quem poder voltar. Isso se aplica especialmen-
te ao final como 'mordida'- que nós já experimentamos an- Paciente: "Estou só planejando o final de semana; esqueci que
tes. De fato, a fase atual da análise é unrn longa digressão a estava aqui. Eu simplesmente preenchi o tempo planejando
partir do tema de me 'engolir' no final da sessão ou no final e pensando em detalhes triviais do trabalho. Parece que sou
da análise. Eu seria destruído e você teria 1111siedades sobre o preguiçoso; acho que outra pessoa deveria fazer isso por
seu lado interior." mim, falar por mim, como acontece quando estou doente e
outra pessoa faz o trabalho por mim. Teria que ser você,
acho eu."
Sexta-feira, 4 de março Analista: "Que coisas triviais, por exemplo?"
Paciente: "Bem, parece que não há nada. Talw:, porque eu tenha
uma inflamação de garganta. Talvez po1q11l' seja sexta-feira,
Pausa
o que significa uma lacuna antes e depois A sexta-feira pa-
rece destacada do correr normal da anúlisc" J>ausa. "Existe
Paciente: "Não é nada mesmo. Só que eu não aceito o desperdí-
uma dificuldade por conta da quebra (k rnnlinuidade. Eu
cio. É improdutivo. Por que vir até aqui perder tempo?"
poderia unir isto àquilo que estávamos l.il11ndo na última
Pausa. "Não há nada de útil. Estava só pensando no hospital
e, depois, no que vou fazer esta noite."
1O. Ver "Retraimento e regressão", no apêndice dcsll' ,111111111• . Analista: "O que você planeja fazer?"
68 1/olding e interpretação Fragmento de uma análise 69

Paciente: "Bem, eu vou me encontrar com a namorada. Mas o Paciente: "Sim." (Ele discorreu novamente sobre o tema, confir-
que vai acontecer vai depender do que cu sentir. Mas não era mando a interpretação.) "É a mesma coisa que segurar-se a
esse o ponto. Eu também estava pensando sobre a minha algo. Eu não quero largar alguma coisa até que eu saiba que
casa e o hospital. Foi mesmo uma estranha coincidência a tenho outra, confiável, na qual eu possa me apoiar. Ontem à
noite passada, eu pensei; desde que estive doente, antes de noite, pensei em cancelar a sessão de hoje."
retornar à análise, eu não tomo pílulas para dormir, embora Analista: "Mas você conseguiu vir, o que significa que o sentido
tenha acesso a elas; quando estava no hospital como pacien- de cancelar a sessão pode ser discutido e que você pode des-
te, eu não dormia e precisava muito de st:dativos. Mas já faz cobrir o efeito de me deixar saber..." (O paciente disse um
um ano. E agora eu fico com essa inflamaçüo de garganta e "sim" forçado e adormeceu. Depois de alguns minutos, fiz
quase passo a noite em claro. Mas primt:iro eu tratei de um um pequeno barulho, sem querer, e ele acordou.)
caso dificil e pouco comum e tive que ficar acordado até Paciente: "Estou relutante em falar hoje."
meia-noite e meia, concentrado, fazendo anotações; depois Analista: "Você adormeceu enquanto falava."
tive essa inflamação de garganta. Fiquei acordado duas horas Paciente: "Acho que fui eu quem falou por último."
e só então levantei e tomei um remédio para dormir." Analista: "Não." (Eu repeti a interpretação, e ele se lembrou de
Analista: "Talvez não tenha sido uma coincidência; você já não ter forçado o "sim" antes de dormir.)
estava se sentindo seguro de si." Paciente: "Sim, é melhor que eu venha, mesmo que não fale, para
Paciente: "Bem, sim, é verdade. À tarde, antes de atender esse
que possamos compreender. Não vir seria realmente desper-
caso, já não estava me sentindo bem e me lembrei que já
diçar tudo. Eu também não queria faltar e tomar ainda maior
não vinha dormindo bem nas últimas noites. Claro que não
a lacuna entre uma sessão e outra. Eu não estaria levando a
é como no tempo em que eu estava doente. bra simplesmen-
análise a sério. Não seria profissional."
te porque eu achava que não valeria a pena ir para a cama
Analista: "Mas o que você busca é o impulso, e ao não vir você
cedo, pois eu ficaria deitado e acordado por algum tempo.
Na verdade, eu não venho me sentindo tilo estável, de uma tornaria o vir mais real. Se é por uma questão profissional,
forma geral, nos últimos dias. Perdi o desc,10 de fazer meu você vem por outras razões, que não o impulso."
trabalho bem feito, embora eu o tenha frito tão bem como Paciente: "Sim. Com a moça, a maior parte das conversas é jar-
sempre. Há um paradoxo aqui. Eu estava preocupado por gão profissional. É muito importante para mim quando con-
não ter preocupações. Desde que estou com essa moça a mi- sigo falar com ela de uma forma que não tenha nenhuma re-
nha ambição diminuiu, ou talvez eu tenha passado a dispor lação com nossa profissão. Às vezes, sinto que as brigas em
de menos tempo para trabalhar; e no dilema, vida ou traba- casa são melhores do que os momentos de calma, nos quais
lho, escolhi a vida." me volto para mim mesmo. Com a minha namorada, a con-
Analista: "Talvez você tenha tido alguns sonhos nessa fase." versa é em termos técnicos, e sempre há alguma tensão, mas
Paciente: "Não, seria mais correto dizer que a 111111ha consciência - isso me lembra uma coisa muito dificil na relação com a
foi prolongada." minha esposa. Depois de cada relação sexual, no tempo em
Analista: "Pode haver uma relação entre a fasl' atual e o rompi- que elas ocorriam com regularidade, minha esposa parecia
mento de uma dissociação - seus assuntos domésticos não embaraçada, não dizia nada e queria dormir. É justamente
foram perturbados pela sua aventura com essa moça, e então nesse momento que me sinto livre de tensões, e, com a mi-
(como surgiu na última sessão) você collll\:ou a sentir os nha namorada, é justamente nesse momento que conversa-
dois assuntos ao mesmo tempo e a sofrer a dm do conflito." mos com naturalidade e sem o uso da linguagem técnica."
70 _ / /olding e interpretação Fragmento de uma análise 71

Analista: "Esse período depois da relação sexual 6 muito impor- a entender que gostaria de morar comigo etc., etc. Ontem à
tante para você porque, pelo menos nesse momento, você noite, quando eu estava meio dormindo, devo ter colocado a
conquista a capacidade de amar naturalmente. Essa dificul- mão na minha esposa. Ela a empurrou. Eu acordei, e ela es-
dade da sua esposa, portanto, é muito real para você. Esse tava furiosa. Eu me senti rejeitado, mas não disse nada e,
fato sugere que existe sempre certa ansiedade nas suas rela- com raiva, virei para o outro lado. Alguns minutos depois,
ções com as mulheres, baseada num medo inconsciente da ela tentou se aconchegar junto a mim, e eu fiquei confuso. O
impotência, um medo de uma exigência que lhe pode ser fei- que ela tem em mente? Foi muito constrangedor porque sig-
ta pela mulher. Por um breve período, depois da relação se- nificava que ela ficara preocupada por ter me rejeitado.
xual, você se sente livre dessa ameaça, sente-se livre para Hoje, quando telefonei para ela, a sua voz estava mais calo-
amar e ser amado, que é o que você estú sempre procuran- rosa, como há muito tempo não estava."
do." Pausa. "É preciso lembrar também que você teve duas Analista: "Foi mais fácil lidar com a rejeição dela; quando ela pa-
sessões mais curtas esta semana; isso pode ter afetado sua receu preocupada, o dilema e o conflito dos seus sentimentos
postura aqui." voltaram a incomodá-lo."
Paciente: "Acho que não. As sessões foram mais curtas porque eu Paciente: "Minha namorada disse que quer um bebê e que gosta-
me atrasei. E, depois, eu tenho uma hora inteira de análise, ria que eu fosse o pai. Ela nunca mais engravidou desde o
quando o tempo normal de uma sessão é rniqüenta minutos." aborto e sente que, se quiser ter um filho, deve fazê-lo logo
Analista: "Mas e os sentimentos ilógicos?" por causa da idade. Meu pessimismo crescente quanto à si-
Paciente: "O engraçado é que eu acho que sinto 11111 certo ressen- tuação na minha casa talvez tenha deixado a moça otimista,
timento maior pela perda do início, quando estou atrasado." mas acho que minha esposa está descobrindo e começando a
Analista: Eu não fui adiante, mas pude percchl·r n relação entre o reagir."
que ele dizia e as exigências que podem Sl'r feitas pelo ana- Analista: "O problema fundamental é a sua idéia dupla sobre as
lista, e também o atraso enquanto símbolo de um "não vir" mulheres: a namorada como a mulher sem pênis, e a sua es-
que foi trazido para a análise e que indicava a necessidade do posa, talvez, como a mulher com pênis."
paciente de me ter no impulso, que é o aspecto positivo da Paciente: "Talvez o mesmo aconteça com minha mulher. Ela
ansiedade quanto às minhas solicitações. sempre odiou ser obrigada a assumir o papel de homem, e,
no entanto, foi isso que eu fiz com ela. Ela sempre quis ser a
fêmea."
Terça-feira, 8 de março Analista: "Surge a questão: como será a sua namorada daqui a
dez anos, caso você se case com ela?"
Paciente: "Estou imaginando se a sessão de hojl· será tão impro- Paciente: "Ela tem medo de dominar. No passado, eu sentia que
dutiva quanto a de ontem. Cheguei à concl11s;"10 de que sexta- seria gradualmente dominado por ela, mas acho agora que
feira é diferente, porque há uma lacuna anll'S c depois. Mas isso não aconteceria. Eu costumava ser facilmente domina-
hoje não há lacuna depois. A única coisa sohre a qual posso do. Acho que queria ser dominado. Com minha esposa, acho
falar hoje é sobre a minha casa, dando continuidade ao meu muito difícil inverter a situação e passar a ser dominador."
dilema. Devo contar à minha esposa sobre a moça? A situa- Analista: "É sempre muito difícil modificar um padrão quando
ção lá em casa parece irreparável. Logicuilll'llte, eu deveria há uma outra pessoa envolvida."
reconhecer esse fato e não tentar uma rcconl'iliação. Agora Paciente: "O engraçado é que ter uma índole bondosa, como
percebo que terei de tomar logo uma dccii.i'io, A moça já deu acham que tenho, está associado ao desejo de ser dominado."
72 l lolding e interpretação Fragmento de uma análise 73

Analista: "Em algum lugar nisso tudo está a relação com uma ou descobriu a tristeza por seu segundo filho não ter sido um
com ambas as suas irmãs, uma relutância da sua parte em ser menino."
aquele que tem o pênis." Paciente: "Sim, fiquei contente com a menina, o que foi em parte
Paciente: "Duas coisas me ocorrem. Uma delas é: como você en- uma simples negação, e também porque me fez sentir que
tra nisso? Você vai me dominar ou o quê? Eu às vezes tenho seria mais fácil abandonar minha esposa. Mas senti que não
medo de dominar a sessão." merecia ter um menino, e, portanto, eu ficaria feliz em dar à
Analista: "Aqui eu sou a menina, com ou sem o pênis. Você fica moça um filho ilegítimo. Seria perverso, e essa perversidade
imaginando como eu vou ficar sendo a menina sem o pênis, é importante. A única forma de fazer o mundo aceitável é
quando você tem um." desafiá-lo. A idéia, de certo modo, é rebelde e, portanto, é
Paciente: "É verdade. E há também a dificuldade sobre a namora- excitante. Isso me atrai."
da, que me considera um macho para frvcr amor com ela e Analista: "Anteriormente, você falou de seu self obediente, e po-
não tem nenhum interesse real por mim como pessoa." de-se dizer que isso esconde o seu selfverdadeiro. O self ver-
Analista: "Pelo que você diz, ela talvez pudesse fazer uso de dadeiro está correndo um grande perigo, porque é simples-
qualquer homem, porque o homem representa o seu self mente um menino com um pênis, que é importante na famí-
masculino no esforço de evitar a sua bissexualidade. Ela pode lia por causa do pênis. O se(f falso, obediente, esconde e pro-
estar mais interessada no seu orgasmo masculino do que no tege o self verdadeiro do perigo esperado. Entretanto, o self
seu próprio clitóris." verdadeiro pode ter a permissão de se mostrar ativamente
Paciente: "Sim, ela fica especialmente preocupada com meu or- anti-social, rebelde e mal comportado."
gasmo. Muitas vezes acho isso bastante curioso, já que ela é Paciente: "O que ajuda é que esse comportamento anti-social é
fundamentalmente uma pessoa egoísta." irreal."
Analista: "Esse impulso dela seria especialnu:nlc valioso para Analista: "Sim, mas está muito próximo do seu verdadeiro self
você agora, já que ela precisa fazer você reconquistar a con- masculino."
fiança na sua potência." Paciente: "Isso me faz lembrar que o problema atual começou
Paciente: "O que me ocorre é que o interesse atual dela em ter wn quando eu me graduei e me encontrei pela primeira vez nu-
bebê é uma tentativa de se estabelecer corno mulher." (Adi- ma posição de responsabilidade, tendo de tomar decisões
cionar: implicitamente, apesar de um orgasmo feminino não como médico. Era exatamente isso que eu não podia aceitar,
muito forte.) e a minha esposa reclamava do mesmo em mim, que eu nun-
Analista: "O futuro, portanto, é um assunto separado do valor que ca decidia nada."
cada um de vocês têm para o outro agora." Analista: "Isso se aplica a você enquanto menino e jovem, com
Paciente: "É engraçado, mas acho que a idéia da gravidez me suas irmãs. Existe uma complicação que deve ser examinada
agrada como travessura. Seria um desafio ao mundo e à mi- - a questão da atitude de sua mãe. Pode ser que, enquanto
nha esposa. Além disso, sinto que seria 11111110 bom se o bebê menino, você tenha sonhado com uma relação sexual com
fosse um menino. Percebo agora que gostaria de ter um filho sua mãe e, dessa forma, tenha temido seu pai. Mas não é as-
homem. Minha esposa não quer mais ter filhos e eu havia sim que você está colocando as coisas. Seu pai ainda não
perdido a esperança de ter um menino." apareceu no setting. Isso me faz pensar que quando se tornou
Analista: "Além disso, um filho para a moça ou para sua esposa um menino, com excitação sexual e sonhos incestuosos,
é quase como dar a elas um pênis, o que alivia você da ilu- você descobriu sua mãe avaliando você de uma maneira es-
são sobre o pênis. O que é importante nisso ludo é que você pecial, de forma que você estava em perigo de ter sua mascu-
74 l lolding e inte,pretação Fragmento de uma análise 75

linidade roubada. Sua mãe também podia querer que você quando eu fiquei doente. Em parte, senti que tudo isso afeta-
fosse o pênis dela. Você recuou diante disso e, portanto, não ria a minha vida. Em parte, também, fiquei emocionado por
passou para o estágio seguinte, de conflito com o pai." me deparar com a dor em forma abstrata. Eu não pude evitar
Paciente: "Eu não me lembro de ter tido consciência de mim que isso me afetasse, e esse foi o motivo mais forte."
como um menino com um pênis, mas seria lógico, acho, que Analista: "Sim."
eu houvesse esquecido tudo isso. A imagem de mim como Paciente: "Depois disso, fiquei especulando sobre o futuro, sobre
menino parece remota." o resultado provável. Por um lado, nossa relação poderia me-
Analista: "O fato de se vestir como uma menina também viria lhorar. Por outro lado, é mais provável que venha a se deterio-
como uma negação de sua masculinidade. Aparentemente, rar. Minha esposa não terá nada para ocupá-la ou mantê-la fe-
você não podia suportar o fato de suas irmãs não terem pê- liz, e então a tendência será a de sentir-se mais intensamente
nis, uma provação, já que você não sabia que elas tinham ressentida do que antes, quando podia esconder o possível e
provável ressentimento decorrente da culpa de seu próprio
qualquer outra coisa. Eu também gostaria de lembrar-lhe que
comportamento. Ela será mais crítica e menos compreensiva.
você chupava o dedo e sentia a necessidade de agarrar algu-
Por que eu estou dizendo isso? Só estou conjeturando."
ma coisa. Ao chupar o dedo, em vez de agarrar o seu pênis,
Analista: "Você não sabe qual alteração seria melhor ou pior."
você evitou a questão de ter ou não ter pênis, e não fez dis-
Paciente: "Tudo depende do grau em que poderia haver uma me-
tinção entre você e suas irmãs." lhora. Se as coisas melhorassem muito entre nós, então eu
saberia que alteração preferir. Eu voltaria a ter de dizer que é
a sua falta de afetividade que me leva a abandoná-la, já que
Quarta-feira, 9 de março não existirá mais o namorado. Isso é muito lógico, mas mui-
to difícil de justificar para ela. Eu gostaria muito de ser ca-
Paciente: "Hoje não vou falar sobre mim; aconteceu algo que paz de conversar sobre isso com ela, como de homem para
confimde a situação. Ontem à noite, eu havia planejado ficar homem, ou desapaixonadamente, mas isso é impossível (sem
em casa, com a idéia de hoje ir a wna fosta com a minha na- considerar a crise). Eu quero que ela me desafie, para que eu
morada, o que provavelmente vou fazer. Mns a minha esposa possa me justificar. É muito perturbador ela não dizer nada
voltou para casa mais cedo, chorando. Ela havia visto o na- sobre a minha infidelidade." Pausa. "Eu o interrompi? Você
morado e ele havia ficado doente - ficou cego e teve um ata- ia dizer algwna coisa."
que. Ele está morrendo (isso aconteceria 111ais cedo ou mais Analista: "Talvez você tenha pressentido que eu estava tentando
tarde; ele sofre do coração, tem estenose 1111tral e endocardi- decidir se ia ou não dizer alguma coisa. O que eu ia dizer é
te). Isso complica a minha situação. Parcn· mesquinho que que você talvez sinta dor pela morte desse homem, já que
eu me divirta, mas, por outro lado, não posso ser de muita você o conhecia."
valia para minha esposa, já que não nos falamos. Qual a van- Paciente: "É possível, mas descartei essa idéia. Acho que a dor é
tagem de me sacrificar por ela quando n:10 posso esperar indireta. No hospital, eu descobri que não sofro com a morte
agradecimentos? No passado, eu o faria. como símbolo de de um paciente; o que me preocupa é ter de contar aos fami-
martírio, mas agora sinto-me menos disposto a devotar mi- liares. Será que é pelo fato de ver a reação deles? Foi muito
nha vida a ela. Mas fiquei perturbado com a notícia e ela me difícil ter de dizer à mãe e à filha de certo homem que ele ti-
perguntou por que eu deveria ficar assim. l•ra difícil respon- nha uma doença grave, e é especialmente difícil comunicar a
der. Em parte, por vê-la preocupada com aquele homem. uma mãe a morte de seu filho, embora a sua morte não passe
Fiquei aborrecido, pois ela nunca ficou pn:m:upada comigo de um assunto técnico."
76 Ilolding e interpretação Fragmento de uma análise 77

Analista: "Há dor reprimida por causa da morte de seu pai. Tal- nha esposa, eu não tinha provas de meus próprios poderes e
vez a sua reação indireta pertença a isso." sentia dúvidas: Seria prudente correr o risco? E se eu fosse
Paciente: "Sim. É significativo que eu não tenha sentido nenhu- impotente? E se eu não fosse capaz de satisfazê-la comple-
ma dor quando meu pai morreu. Talvez eu ainda não tenha tamente? Depois de descobrir que podia confiar na total sa-
sentido dor por causa disso." tisfação que proporcionava à moça, eu pude acabar com as
Analista: "Há duas coisas acontecendo simultaneamente por cau- dúvidas."
sa da doença do homem. Por um lado, você foi confrontado Analista: "O que costumava sempre ser um teste é agora uma coi-
com uma dor para a qual ainda não está pronto; e, por outro sa natural."
lado, como você disse, o seu dilema tornu -se mais intenso." Paciente: "Também não estou mais na posição de suplicante.
Paciente: "Mais uma vez fatos externos vierum obstruir o que há Agora sei que sou capaz, e hoje não se trata tanto de necessi-
de fundamental, e isso não ajuda em nada; mas não há como dade, mas sim do fato de que seria bom. Agora estou numa
evitar, eles têm de ser examinados." posição de maior dominância."
Analista: "Ainda resta a fantasia da menina com o pênis, e parece Analista: "Isso se liga ao fato de ser um homem na família."
provável que sua namorada seja considcradn como tendo ne- Paciente: "Sim, pela primeira vez eu começo a descobrir que sou
cessidade de homens, enquanto sua esposa é controlada e tem um homem. Isso soa como exibição, exibição de proeza se-
um pênis." xual, excluindo tudo o mais; aqui, excluindo o progresso da
Paciente: "Compreendo a primeira parte, mas núo a parte sobre a análise."
minha esposa." Analista: "A questão é: quem sou eu, para quem você está se exi-
Analista: Eu admiti a confusão e disse que não estava suficiente- bindo? Eu poderia ser irmã, pai, mãe ou wn irmão - acho
mente seguro para continuar com essa interpretação." que neste exato momento sou a mãe."
Paciente: "Tenho observado há uma ou duas semanas que sinto Paciente: "Sim, você é a mãe. Quando eu era pequeno, provava o
um desejo relativamente grande de ter relações sexuais com meu sucesso ao andar, ler e então eu dizia a minha mãe:
minha esposa. O que se pensa e o que se sente são evidente- 'Veja, mamãe, eu já consigo.' Ela prestava atenção. Mas isso
mente coisas diferentes. Eu pensei: agora que tenho um es- é o que acontece no meu trabalho. Se eu tenho um caso pou-
coadouro para o meu impulso sexual, cu me sentirei mais co comum, dificil e excitante, em vez de completar a investi-
frio; mas na verdade, quando estou na cama com minha es- gação e tomar as notas necessárias, eu chamo um colega
posa, eu a desejo, embora meu intelecto diga 'não, agora não simplesmente para me 'exibir', e não posso esperar. É exci-
há necessidade de atormentá-la'. Parece llllC o meu desejo é tante me 'exibir' ."
menos intelectual e mais instintivo, pontUl' cu não tenho ne- Analista: "Para a mãe."
cessidade de exigir o que sei que é inaceitúvcl. No passado, Paciente: "Sim, estou certo de que é para a mãe, porque cheguei
eu me limitava a dizer que, se tinha de manter relações se- nisso indiretamente através de uma história para crianças: um
xuais, devia fazê-lo com minha esposa; era o lógico, e, por- menino teve uma polução noturna e correu para o quarto dos
tanto, eu abordava o assunto como uma 411cstão de direitos. pais gritando: 'Veja, mamãe, sem as mãos.' Você vê, a abor-
Agora posso ignorar meus direitos e per~d,o que existe um dagem direta com minha mãe está enterrada."
sentimento novo e natural no lugar dos direitos. Eu certa- Analista: "Você também poderia estar falando sobre evacuação.
mente poderia dizer que existe uma outra l'Xplicação. Antes Primeiro existe a excitação pelo fato de defecar, e depois o
de começar a ter relações sexuais com a moça, eu tinha sen- prazer de reter o excremento, de forma que o resultado seja
timentos de impotência. Como não conscgu111 satisfazer mi- um grande defecar. Se for imposto um treinamento, a criança
78 I/o/di11g e interprelação Fragmenlo de uma análise 79

não tem tempo de fazer progressão natural e permanece en- esperar até o final e escrever uma pequena anotação depois
tão certo grau de necessidade de retornar ú excitação com o de ter integrado o material."
defecar. Poderia dizer o mesmo em termos de dinheiro, etc." (Não me arrisquei a fazer anotações nesse momento. A
Paciente: "Pode ser que você esteja certo, mas cu ainda acho que questão óbvia era saber se ele tinha ouvido ou não.)
é ilógico exibir um quadro pela metade, cm vez de esperar Ele continuou dizendo que isso o tornava muito cons-
até ser possível apresentá-lo completo. hu corro o risco de ciente da sua dependência em relação a mim.
parecer tolo, e, no meu trabalho, de dar um diagnóstico erra- Analista: Eu me referi ao assunto da seguinte maneira: "Funda-
do. Eu salto para as conclusões e fico tentando fazer tudo o mentalmente, não faz nenhuma diferença se eu estou ou não
mais caber nelas. Isso me lembra o dilema infantil das refei- fazendo anotações detalhadas; o fato é que eu tenho de escu-
ções. Quando havia um petisco delicioso, cu devia comê-lo tar e compreender tudo o que você diz e tudo o que acontece,
primeiro e achar o resto da refeição mu110 ruim, ou devia e ter uma técnica para selecionar e integrar o material, inde-
deixá-lo para o fim? Normalmente eu o t·omta primeiro." pendentemente das anotações."
(N.B. Este foi o tema do primeiro período da análise.) Paciente: Ele disse que tinha esperanças de um dia poder exami-
nar o seu material e como as modificações haviam aconteci-
do; ele sentia isso especialmente agora, quando ele estava
Quinta-feira, 1 Ode março tão melhor e, mesmo assim, era incapaz de compreender o
que estava acontecendo.
Paciente: "Acho surpreendente que eu me lc111bre de tão pouco.
Eu esperava ou mesmo antecipava isso no mício, quando es-
tava muito perturbado e confuso e quando mio estava falando Pausa
muito. Pensei que agora fosse começar a saber onde estou na
análise, etc. É como um sonho que podc sl'r muito claro num Analista: Voltei ao material da última sessão. Disse-lhe que ha-
momento, etc." víamos parado nos petiscos das refeições; ele se lembrou.
Analista: "Certamente, é muito parecido co111 sonho. Na análise, Fui mais atrás ainda e lembrei-lhe a história do menino e a
de alguma forma, você se torna retraído Poderíamos dizer idéia de mim mesmo como a mãe para quem ele podia se
que a análise opera numa camada que es1:1 mais próxima do exibir em todos os tipos de desenvolvimento. Lembrei-lhe
sonho do que da vigília, especialmente quando você não está também que ele havia dito que estava começando a sentir-se
falando sobre a vida real e, também, dcp111s de a sessão ter um homem pela primeira vez.
começado há algum tempo." Pausa. "Ú darn que eu poderia Paciente: "Quando me casei, eu gostava muito de mostrar ao
fazer você lembrar." mundo que a minha esposa era uma mulher, e tive muitas di-
Paciente: "Não, eu sei que essa não é a queslúo principal no mo- ficuldades com isso."
mento. Da última vez, eu achei que isso 11.ío era fundamen- Analista: "Isso coincidiria com a sua fantasia da mulher com o
tal. Eu saí com uma vaga insatisfação. ( ·n:10 que havia algu- pênis." (Notei que ele estava começando a adormecer e que
mas idéias de dominação. Se eu esquecer o que aconteceu da era improvável que houvesse escutado a interpretação.)
última vez, posso começar um assunto novo e isso pode ser Paciente: "Essas coisas estão ligadas a essa idéia, e eu estava pen-
dificil para você. Muitas vezes eu sinto q11l' lhe dou um tra- sando nisso antes de vir para cá. Com essa moça, eu tenho a
balho e tanto. Ou você tem de tomar notas detalhadas o tem- sensação de que posso ter wn interesse real por meu traba-
po todo ou faz como eu faço com os meu:-. pacientes, isto é, lho. Isso nem sempre é verdade. A relação com ela me faz
80 Iloldi11g e interpretação Fragmento de uma análise 81

sentir real, mais interessado no trabalho e mais masculino. Analista: "Você tem um bom cirurgião?" (Fiz isso deliberadamen-
Isso também está relacionado com o fato de a moça ser mé- te, já que ele havia levantado a questão do estado de "meio-
dica, interessada nas coisas que eu faço, etc. de forma que sonho" e também porque mencionou a palavra "truque".)
não há uma interrupção absoluta, e, como cu havia dito, tudo Paciente: "Tive um pensamento interessante. Perguntas como es-
isso porque detesto guardar as coisas para mim." sas sobre trabalho - isso aconteceu antes -, elas sempre me
Analista: "O lado positivo disso é que, quando você consegue en- surpreendem. Você faz de propósito? Fazem parte do traba-
contrar a pessoa para quem se exibir, vod· se exibe orgulho- lho? Ou então são o quê? Você está querendo dizer que eu
samente. Fico imaginando se você não cst{1 suprimindo algu- deixei passar alguma coisa? Eu poderia estar ressentido com
ma coisa sobre o hospital que poderia estar me contando."
isso. De qualquer forma, é uma grande surpresa quando você
Paciente: "Sim, de fato estou. Em primeiro lugar, existe um caso
faz coisas assim. Isso me deixa em parte contente, em parte
muito interessante e, em segundo lugar, decidi fazer uma
ressentido. Acho errado falar do hospital."
coisa hoje absolutamente sozinho, sem saber exatamente por
Analista: "A questão é: quem eu estou representando? Talvez a
quê, e fiquei muito satisfeito comigo mcs1110. De fato, o dire-
sua esposa, que não sabe nada sobre o hospital?"
tor do hospital não teria aprovado, mas o resultado foi bom.
Paciente: "Sim, ou, mais provavelmente, meu pai, um tipo de
Eu deixei algum ar no peito do pacientt· ,kpois de recolher
examinador."
um pouco de líquido, e isso possibilitou 11111 bom raio X."
Analista: "De forma que foi um diagnóstico hL•111 foi to." Analista: "É claro que eu sabia que a minha observação estava
Paciente: "Sim, estávamos fazendo um diagnóstico por exclusão, fora da análise; que não era própria de uma técnica analítica
agora nós podemos fazê-lo de forma ma,s rnnclusiva." boa; mas você estava lidando com a questão do estar meio
Analista: "E o caso?" adormecido."
Paciente: "Sim." Ele me falou então sobre u111 homem idoso que Paciente: "Eu realmente gosto disso. Eu realmente quero qual-
tinha tanto líquido no pulmão que o seu dragnóstico, prova- quer coisa que possa ser considerada um 'atalho' para a psi-
velmente câncer, era obscuro. Não havia provas. Novamente, canálise."
ele encheu o seu pulmão de ar e o contrn 1111 do pulmão apa- Analista: "O fato é que eu o acordei." (Levei em consideração o
receu pela primeira vez no raio X. "h, isso sem que nin- aviso de que ele estava querendo um "truque", mas não acre-
guém sugerisse coisa alguma." ditei que essa fosse a principal reação ao que eu havia feito.)
Analista: "Você quer que eu seja capaz de filll~' esse tipo de coisa Paciente: "Sim, isso é que é irritante. É como ser acordado quan-
aqui." do trabalho no hospital à noite. Não tanto pela perda do sono.
Paciente: "Sim, eu quero que você tenha unrn kcnica para escla- A initação é porque a vida onírica foi interrompida. Isso me
recer as coisas, talvez até mesmo usnndo nlgum tipo de lembra uma história dos chineses antigos. A idéia ensinada
'truque'." era a de que o espírito saía durante o sono e que existe um
Analista: "Existe nesse caso uma identificaç1l11 rnmigo. Você em perigo real quando se acorda uma pessoa abruptamente; o
seu trabalho é como eu no meu trabalho.< >11 será que eu de- espírito nunca volta para o corpo acordado." (Outro material
veria colocar de forma inversa?" foi perdido aqui.)
Paciente: "Perdi algumas das coisas que vot·i· t•slava dizendo. O Analista: Novamente eu lhe disse que a análise, de certa forma, é
fato é que eu estava ficando entusiasmado mm aquele caso. feita no lado onírico da fronteira entre o sono e a vigília, e
Como resultado do que fiz, pode ser que SL' descubra que o que ele está evidentemente chegando à posição a partir da
câncer é operável." qual pode sentir simultaneamente o chamado para adorme-
82 I/oltli 11g e interpretação Fragmen/o de uma análise 83

cer e o chamado para ficar acordado. (l!ll' pressentiu o final vremente com ela antes da relação sexual. Então, outra vez,
da sessão.) eu perdi o valor do nosso encontro."
Paciente: "É o mesmo que não trazer matei 1;11 novo e no final Analista: "Você já estava zangado, e isso complicou o assunto?"
sentir-se rejeitado. Quando surge material novo e não há tem- Paciente: "Eu não estava preocupado com ela, eu pensei, a não
po para lidarmos com ele, há um riseo e sinto como se hou- ser quando ela chegou. Ela esteve sempre disponível. Agora
vesse um perigo real." tenho de encarar a perspectiva de que ela talvez não queira
Analista: "Na última sessão, realmente, tiVl' 11 sensação de que estar disponível a qualquer hora. Antes, eu não me preocu-
você não estava esperando o final e ljlll', portanto, o en- pava com a competição de outros homens. Entretanto, se ela
cerramento foi traumático, como se cu o acordasse repen- não está disponível, isso só pode significar que ela tem ou-
tinamente." tros interesses." Pausa. "Existe um dilema aqui. Primeiro, eu
acho a atividade sexual realmente muito importante; em se-
gundo lugar, outras coisas parecem mais importantes."
Segunda-feira, 14 de março Analista: "Você realmente precisava da experiência que lhe deu
confiança sexual antes de poder chegar a um 'equilíbrio'
O paciente chegou atrasado e teve de sai, 1111 hora por causa (palavra dele)." Pausa. "Você precisava de confiança na sua
de uma consulta com o dentista. própria potência sexual antes de poder considerar a questão
Paciente: "Bem, sinto que deve haver uma pausa. Existe alguma do equilíbrio." Pausa. "Aqui estou eu, impotente, no sentido
coisa a ser dita sobre a realidade, e se L'll romcçasse imedia- de não estar sendo capaz de fazer a interpretação que você
tamente pareceria errado, como impaL'H'lll'ia. Quando exis- quer, porque eu não sei qual é."
tem coisas reais acontecendo, não há lL'lltpo para sonhos nem Paciente: "Eu preciso ter certeza de que isso não será desperdiça-
para discuti-los. É preciso tempo para o ,;onho. Ocorreu um do antes de partir para outro assunto qualquer e esquecer
novo desenvolvimento: eu combinei u111 l'IIC0ntro com a mi- isto."
nha namorada ontem durante o meu pl1111l ,10 no hospital. Ela Analista: "Você terá que confiar em mim para lembrar e enfrentar
deveria aparecer por volta das dez, niio rlll'gou na hora, e eu isso no momento certo."
comecei a especular; fiquei perturbado l" -;urpreso por ficar Paciente: "Eu não quis ser rude ao forçar a moça sem prepará-la."
perturbado, já que ela não significa n1111to para mim emocio- Analista: "Aqui você tem o seu analista representando a moça
nalmente, é apenas uma pessoa útil. lalvl'/ ela não sentisse que tem de ser 'preparada'. Uma coisa mais positiva seria di-
vontade de vir ou talvez houvesse pL·rd1do o interesse. Ela zer que a experiência da noite passada revelou que você nor-
chegou às onze e trinta. Começamos n lit tl"I nmor imediata- malmente se preocupa em 'preparar' a moça. Se ela estivesse
mente, e eu fiquei impotente. Em partli, 1-.so aconteceu por excitada no começo, essa excitação pertenceria a uma expe-
causa da sua falta de entusiasmo e tu111hfo1 por causa da mi- riência que ela teria tido antes de se encontrar com você."
nha abordagem extremamente rude. i'- L'rn110 se eu fosse dire- Pausa. "Isso introduz a idéia de outros homens."
tamente ao assunto ao chegar aqui, coii:;i1 que eu disse que Paciente: "Eu estava pensando em outra coisa." Pausa. "É estra-
não poderia fazer no início da sessão lk 111\ll' seria abrupto nho. Eu estava realmente acordado ao chegar. Repentina-
demais. Eu comecei a ficar angustiado Sei ú que a utilidade mente, fiquei com sono. Parece que depois de falar com você
dela estava chegando ao fim? Eu gostnvu d1·la porque ela res- sobre coisas imediatas eu fiquei esperando que você fizesse
taurava a minha confiança e agora a situ.11;,H1 parecia ter mu- alguma coisa." Pausa longa. "Quero começar outra vez, mas
dado. Será que a impotência vai co11t111111u '' f: dificil falar li- estou com sono. O que eu disse seria desperdiçado se eu co-
84 Ilolding e interpretação Fragmento de uma análise 85

meçasse a falar sobre outra coisa. É preciso lidar antes com o oito anos e quer filhos, mas eu simplesmente não posso dei-
que eu disse. Se eu recomeçar, tudo scd, t•squccido. Tenho a xar minha esposa sem mais nem menos."
sensação de que você não quer dizer nuda i'~como se você Analista: Eu continuei com o tema da sua impotência como sen-
estivesse escondendo alguma coisa." do parte de uma ampliação da relação e da sua potência ante-
Analista: (Não estava claro para mim o que 111tt·rprctar.) "Surge a rior como algo intimamente associado a um tipo limitado de
questão: já que eu estou identificado co111 a moça, o que ela relação. O mesmo pode ser dito sobre a alimentação e a in-
disse? Ou, então, o que ela poderia ter dito'/" fância. Partindo de um princípio teórico, existe somente o
Paciente: "Estou num dilema, e acho mais lút·ll di zer o que ela instinto, mas, com o tempo, surge uma relação que torna im-
poderia ter dito. Eu estava angustiado co111 él possibilidade de possível a satisfação total.
que ela não me quisesse pessoalmente. Pt•11s1.·i que estava en- Paciente: "Eu sinto que um estágio foi alcançado. Eu agora não
volvido de uma forma leve e alegre, uprnn-1lando uma rela- posso mais manter a situação artificial e tenho de conside-
ção em que não havia espaço para exigê11c 1,1s de nenhuma das rar se ela pode ou não me oferecer mais. Ela realmente tem
partes. Eu disse a ela que estava perturhitdo com a demora e uma personalidade pouco profunda. A conseqüência é que
senti que isso soava como um protesto. 1-\1 parecia arrasado. não tenho esperanças quanto a um futuro desenvolvimento
Eu também lhe falei sobre a minha csp11s,1 1.· a sua total indi- da relação."
ferença desde o acontecimento trágico n1111 seu namorado.
Ninguém consegue falar com ela. Minha llillllorada disse: 'O
que você quer é ser amado.' Eu não q11t·1111 que ela soubesse Terça-feira, 15 de março
sobre as minhas necessidades emocio11a1 ,q, ,i:'1 que a minha es-
posa, nesse aspecto, é uma figura lllntt·1 na. Eu não queria Paciente: "Não consigo me lembrar da sessão de ontem. Parece
que ontem eu queria dizer alguma coisa e a sessão acabou
que a moça fosse assim. A relação d1.•1:t·11tTa cm dependên-
antes."
cia. Um relacionamento satisfatório s1g11d 1t·a igualdade."
Analista: "Parece então que a relação colll l",m moça passou por
um desenvolvimento. Agora é mais do q11L' hiologicamente
Pausa
satisfatória. A moça surgiu como unw p1·•,soa e você surgiu
como uma pessoa para ela, e a impott:·m·ia veio como um si-
Analista: "Devo ou não lembrar-lhe?"
nal dessa mudança."
Paciente: "Eu realmente não lembro."
Paciente: "Parece que até agora eu tenho 1g11111,11l0 a questão das Analista: "De fato, nós acabamos cedo, já que você tinha de ir ao
necessidades dela. Ela, de fato, quer st· li\ 1;11 da sua superfi- dentista. Você queria que eu fizesse uma interpretação sobre
cialidade. Ela quer uma relação pcrn1a11c11tt', mas eu não me o seu relato acerca de acontecimentos reais."
sinto seguro em relação a ela, nem ela l'llt I dação a mim. Ela Paciente: "Sim. Eu estava tentando ajudá-lo a interpretar. Tudo
gostaria que eu me unisse a ela def111iti\.11m·nte e estabele- girava em torno dos sentimentos de impotência que inespe-
cesse bases concretas. Realmente, L' é 1111prnvável que isso radamente surgiram. A questão era saber se essa experiência
pudesse funcionar. Eu quase menti parn cl:i , dizendo coisas emocional poderia ser produtiva."
sobre as férias, etc., e eu senti que isso e, a p11ro fingimento. Analista: "A ansiedade que você sentiu estava relacionada à sen-
A descoberta da dependência onll-111 t\ 1101k aguçou a sua sação de que uma fase havia acabado, já que a impotência in-
preocupação com uma relação penna11c1111,. Hla tem vinte e dicava uma expansão da sua relação com a moça."
86 I/old111g e interpretação Fragmento de uma análise 87

Paciente: "Estes sentimentos continuaram ,kpois que eu saí. Analista: "Isso indica uma mudança real em você, especialmente
Depois do dentista fui para casa deprimido, imaginando que porque o primeiro sinal da sua doença surgiu exatamente
encontraria a minha esposa apática e qt1L' L'll não poderia ter quando você teve de assumir uma responsabilidade."
nenhum tipo de expectativa. Tive entilo um sentimento de Paciente: "Isso também significa não assumir mais postos infe-
impotência generalizada, com total des111tcresse por mulhe- riores; agora é seguro ter objetivos mais elevados."
res, que contrastava tremendamente com lmkl a excitação dos Analista: "O trabalho entra como parte da análise, e você espera
dias anteriores. Para minha surpresa, 111111ltn esposa queria ir que eu fique muito empolgado também."
ao cinema (nessas ocasiões, o paciente atu11 como uma babá) Paciente: "Para mim é mais fácil agora poder dar conselhos do
e isso me deu muito prazer; pelo me110~ isso diminuiria a que fazer o trabalho; depois de dois anos, o trabalho de roli-
tensão em casa, etc., etc. A seu pedido, liguei para o hospital
na tornou-se muito entediante."
e fiquei sabendo que seu namorado 11:10 l~stnva tão doente
Analista: "Você também vai dar aulas?"
como ela pensava e, imediatamente, se11t1 111e mais alegre. O
Paciente: "Sim, mas a questão é: será que estou maduro o suficien-
dilema ficaria 'engavetado'. Quando llw rnntci, ela ficou ali-
te para ensinar? Antes eu não estava suficientemente maduro
viada, e eu fiquei deprimido, muito mais do que antes. Real-
ou seguro para dizer às pessoas o que fazer."
mente, eu não sei por quê. Talvez porque isso ressaltou o
Analista: "Você será o titular?"
conflito com a moça. Logo chegaria um 111omcnto de deci-
são, e eu não me sinto muito feliz com II moça. Fiz algwnas Paciente: "Não. O homem que está na posição agora não é tão
insinuações a respeito da possibilida(k dL• passarmos as fé- bem qualificado quanto eu e tem menos experiência."
rias separados, ela aceitou a idéia mais rnp1damente do que Analista: "Você está dizendo que a potência geral não é anulada
eu imaginava possível, de forma que estou novamente num por uma impotência específica localizada."
dilema. E percebo que ainda estou muito upegado à minha Paciente: "Ontem você falou sobre o meu ciúme dos homens,
esposa, mais do que estou preparado pm :t admitir, embora disse que mal se notava. Mas começou a se manifestar duas
não haja esperança." Pausa. "Parece o 111L·s1110 de ontem. Será noites atrás, quando fiquei impotente, ainda que apenas como
que você compreende essa história? l .antl'IIIO, mas acho que pano de fundo. Mas isso me desagrada muito. Eu não gosto
não pude oferecer muito." de competições com os homens."
Analista: "Só estou imaginando por que é ((lll' l'tl não tenho nada Analista: "Parece que está tudo certo em competir quando você
a dizer." Fiz uma revisão na sessão de rnttL'lll e falei sobre o sabe que é superior."
dilema; como continuar a fazer uso da mrn;a scm se envolver Paciente: "Por outro lado, eu não gosto de competir na situação
em complicações próprias de um rclacii11111mcnto e de uma inversa."
dependência mútua mais ampla? Analista: "No espaço analítico é importante para você que seja-
Paciente: "Ainda existe outra coisa, mas cu dl'l11orei a falar por- mos somente nós dois - como quando você era criança e es-
que queria saber se haveria alguma scqikl11 para o que fize- tava com sua mãe - ou que sejamos três, mas que o terceiro
mos ontem. Surgiu a questão: que trnhnlh11 fitzcr depois des- seja excluído."
te? Sugeriram que eu fosse para a espcd:il11ação, no mesmo Paciente: "Agora eu percebo que com minha esposa eu não admi-
grupo, no outono. Eu teria um aumento dé salário e poderia tia a idéia de um rival. Com a moça, mesmo sabendo de ou-
continuar o tratamento. Tenho de tomar 11111:1 decisão. Acho tros homens em sua vida, eu não os levava muito a sério. Só
que poderia dar conta do trabalho. liru 111,so que eu vinha me divertia com essa idéia. Era como se eu brincasse de
pensando no caminho para a análise; 11dw1 a idéia empolgan- competir. Aqui, na análise, eu tomo a grande liberdade de
te e por isso não me apressei a coloeú-ln c111 paula." pressupor que não existe mais ninguém e me recuso a reco-
88 l lo/di11g e interpretação Fragmento de uma análise 89

nhecer que exista alguém antes ou depoi s. Eu esbarro com Pac!ente: "Não, eu simplesmente tive essa atitude. Eu acho que
eles na porta, mas só os vejo acidentalnwntc, e eles só exis- não fui produtivo nas últimas sessões; não tinha muito adi-
tem de forma abstrata. Eu nego a exisll·nua deles." zer. Se você aceita a responsabilidade, não pode dizer que eu
Analista: (Um tanto inadequadamente) "Quando consegue admi- fui culpado por não ter acontecido nada. Talvez não seja só
tir três pessoas, é possível sentir o alív111 de que a terceira isso. É demais aceitar a responsabilidade pela forma como a
pessoa pode ter o pênis rival; você entiio nüo precisa da idéia sessão transcorre, decidir o que é de interesse e o que não
da mulher com o pênis." (Elevei a voz, prns o paciente come- deve ser dito. Há uma porção de coisas que têm de ser rejei-
çava a donnir.) "Da última vez você cstav,1 zangado comigo tadas por não serem importantes. Existem algumas coisas
pela interrupção ou com o dentista por Sl' ter interposto entre que não quero discutir. Antes eu achava que devia falar sobre
nós dois." Pausa. (Ele acordou depois (k trcs ou quatro mi- tudo, mas, com a chegada de mais idéias, eu tive que encon-
nutos.) "Creio que você dormiu." (Ek rnncordou. Eu repeti trar razões para a repressão. Eu sinto excitação aqui. A ques-
a interpretação e ele perdeu o sono, nu nwd ida em que come- tão é: 'Quem deve ser o pai?'"
çou a compreender a interpretação.) Analista: "Realmente!?"
Paciente: "É estranho. Ontem eu achava l]lll' 11 status de um den- Paciente: "A idéia de estar no papel de pai me deixa ansioso,
tista é inferior ao de um analista, mas l'U tenho de ser mais preocupado com o que você sente sobre isso. Está aconte-
cuidadoso com os horários dele do qul' rn111 os da análise. O cendo uma modificação e você é menos impessoal, é menos
dentista é muito impertinente quando l'spura que eu seja um analista puro. Esta modificação está acontecendo tam-
pontual." bém num plano geral. Eu me tornei mais consciente do efei-
Analista: "É sensato ser pontual com o dunt1st.1 , já que você só o to produzido nas pessoas pelo que eu digo, isso fora da análi-
visita ocasionalmente ... embora, provawl111enle, tenha sido se. Também existe a dificuldade de falar com a minha espo-
necessário você ter de esperar." sa, quando eu seleciono cuidadosamente o que vou dizer,
Paciente: "Sim." medo de estar dizendo alguma coisa simplesmente por conta
Analista: "Mas o importante é que a nossa rl·l.1ç:io foi interrompi- do efeito esperado."
da por um dentista, que, imaginariamenll', <.· um homem peri- Analista: "Você está começando a perceber que a escolha do que
goso, que pode arrancar os seus denlL'li pura puni-lo porque dizer pode ser parte da ansiedade (resistência)."
você morde, porque você tem impulsos l' idéias canibalescas Paciente: "No início, não havia problemas de repressão, havia
- uma forma de castração." muito a dizer, e então eu esquecia ou dormia. Estes métodos,
Paciente: "Sim." agora, estão muito desgastados, e se o assunto apresenta tra-
ços desagradáveis, é necessário um novo método."
Analista: "Eu estou bastante associado a sua esposa." (Uma inter-
Sexta-feira, 18 de março pretação duvidosa no contexto.)

Paciente: "No caminho para cá senti que nílo queria dizer coisa
alguma; seria melhor se você comL'l;a'llil' se você fizesse Pausa
perguntas."
Analista: "Sim, é bastante estranha essa forn 1.1 de transferir toda a Paciente: "Há mais uma coisa: a outra técnica, da profusão de de-
responsabilidade. Você realmente su ll·111l11 .ida sessão de on- talhes, todos muito óbvios, muito insignificantes para serem
tem? Essa idéia está relacionada com os l\\ l'llfos de ontem?" levados em conta individualmente."
90 l lolding e interpretação Fragmento de uma análise 91

Analista: "Você pode me dar algum exemplo'?" Paciente: "Aí está o dilema. É dificil para um bebê decidir em
Paciente: "Bem, foi só uma idéia passageira, alguma coisa acerca qual seio vai começar a mamar." (Neste momento o paciente
de contar botões. A idéia me veio como essencialmente in- parecia um bebê, realmente revivendo suas experiências, e
significante." tinha um dedo da mão direita na boca. Ele costumava chupar
Analista: "Você associa alguma coisa a essas palavras?" o polegar da mão esquerda.)
Paciente: ''Não, nada, somente que eu estava discutindo com a mi- Analista: "Certamente, temos aqui o início da aritmética."
nha esposa e a sua mãe o número de botc"ics no uniforme de Paciente: "Dois poderiam significar eu e minha mãe."
um guarda. Eu não tinha idéia de que cada regimento tinha Analista: "Há mais um problema: mais cedo ou mais tarde o bebê
um número específico de botões." toma conhecimento da existência de dois mamilos; porém,
Analista: "E sobre a palavra 'contar'?" num momento anterior (não importa a data) só havia um, re-
Paciente: "Bem, minha filha está aprendendo a contar e gosta mui- duplicado, por assim dizer."
to de jogos que tenham contas, de conlm objetos e coisas as- Paciente: "Com minha filha, sempre me preocupei em dar-lhe ba-
sim. Há também a idéia de 'contar carnl'II 1nhos', uma práti- nho e em começar bem cedo a fazer parte da sua vida - uma
ca que nunca uso quando estou sem sono" idéia que o meu pai teve, pelo que me lembro. Ele disse haver
Analista: "A idéia dos botões surgiu na anúl1Sl' há pouco tempo. tomado parte no cuidado dos filhos tão cedo quanto lhe foi
Você lembra?" possível, a fim de ser reconhecido e aceito como pai e estabe-
Paciente: "Não." lecer seus direitos enquanto pai. Sinto muita culpa por não ter
Analista: "Você falou da referência de Ernest .fones a um botão, e participado tanto quando nasceu o segundo bebê, por diver-
isso faz parte da idéia de canibalismo." 11 sos motivos. Fico pensando: será que ela vai me reconhecer
Paciente: "Ah, sim!" enquanto pai, como faz a mais velha?" Pausa. "Tenho um
Analista: "E acontece que no final da últi111.i -;cssão havia o den- desejo de puni-lo por não falar, por não dizer o que penso."
Analista: "Primeiro você precisa estabelecer o seu poder de reter
tista, que na imaginação é facilmenk confundido com a
idéias, para descobrir que eu não descubro o que você pensa
idéia de um homem que pune a mordida mrancando os den-
de forma mágica."
tes. Então, a contagem dos botões pmk ser uma forma de
Paciente: "Na psicanálise, se eu o punir, você pode me punir fi-
reassegurar-se de que todos os botões l''oliln presentes ou en-
cando doente ou não vindo; você tem os meios para infligir
tão de explicar os botões que foram plll .i dentro depois de
uma punição extrema." (O oposto direto de um impulso.)
uma orgia canibalesca."
Analista: "Este poder da psicanálise de punir de uma forma cruel
Paciente: "Ah, sim! e depois também tenho l'rtl mente a idéia do
- você está dormindo?"
umbigo*, que significa despido. Naqlll·ll· momento eu pen- Paciente: "Eu espero ser dominado; portanto, esforço-me para
sei em mamilos. A idéia dos mamilos w10 antes da idéia do evitar punições, para evitar recusas. Eu não quero punir nin-
umbigo." guém, mas recentemente tornei-me capaz, até certo ponto,
Analista: "Surge a questão: há dois mamilm, 1111 11111 mamilo duas de me zangar. Existe um tipo de reconhecimento de rivalida-
vezes?" de nisto."
Analista: "Você está lidando com a transição da pena de Talião para
1J. Ver p. 34. uma concepção humanizada de um pai batendo em você."
*Trata-sede um jogo de palavras com b1111011 (h111n111, /tl'/l1"-b11tton (umbigo). Paciente: "Sim ... sim ..." (Dorme e acorda, provavelmente sem
(N. da T.) consciência de que dormiu.) "A punição pode assumir tantas
92 l lolding e interpretação Fragmento de uma análise 93

formas diferentes. Numa ala comum de hospital, pode fazer Analista: "O seu pai costumava chamá-la pelo nome?"
parte do esquema de punição manter um paciente por muito Paciente: "Bem, só muito raramente - normalmente era 'mamãe'.
tempo na ala; é como fazer filas." Com minha esposa, depois de dois ou três anos, eu tentei
Analista: "Você pensou em punição escolar?" chamá-la 'mamãe' e me censurei por tê-lo feito; percebi que
Paciente: "Sim, mas eu também evitava a punição na escola. As ela ficou zangada com isso. Isso só faz sentido na presença
punições não eram freqüentes na escola que escolheram para das crianças, para dar a ela um rótulo que descreve uma fun-
mim." ção especial; não é reconhecê-la enquanto esposa. Eu me es-
Analista: "Não encontrando fora da mãe um rival na forma de forço para chamá-la pelo nome de batismo e sinto que ela
uma pessoa separada, o pai, e tendo o pa1 como uma versão prefere que seja assim. Na verdade, ela não chegou a dizer
alternativa da mãe, você teve de encontrar o rival em sua pró- isso. É uma questão de função ou de pessoa. Em contraste,
pria mãe; às vezes isso poderia se manikstar simplesmente chamar minha própria mãe de 'mamãe' estaria certo, mas
naquilo que, aos seus olhos, seria uma rl'l·usa de sua mãe ao chamá-la pelo nome de batismo seria frio, distante."
desempenho do seu papel." Analista: "Você lembra como começamos. Eu sou um analista ou
Paciente: "Essa expressão, 'recusa ao desempl•nho do seu papel' uma pessoa? Você, na verdade, nunca usou meu nome quan-
aplica-se com exatidão ao que eu sinto l'111 relação à minha do fala comigo."
esposa. Essa é a atitude dela; recusar inkrcsse e compreen- Paciente: "É mais conveniente usar o título não específico."
são. Eu cheguei a essa idéia indiretamcntl'" (O paciente sem- Analista: "Você pressente um perigo por trás de tudo isso. Vou
pre se sente mais convencido quando clwgu à idéia indireta- colocar da seguinte forma: se você perde o seio, corre o risco
mente.) "Com a minha namorada, tenho dificuldades para de também perder a boca, a menos que mantenha a boca li-
usar o seu primeiro nome, especialml·nlc quando estamos vre de contato íntimo com o seio."
tendo relações sexuais, quando então esqueço o seu nome e Paciente: "Não consigo compreender isso ..."
normalmente penso no nome da minha esposa. Eu geralmen- Analista: "Talvez eu tenha sido muito rápido, mas ..." (Eu repeti a
te não uso nomes de batismo, embora knha experimentado interpretação e relacionei o conflito com a sua tendência de
introduzir essa prática no hospital hú ulgum tempo. Isso tentar resolver problemas adormecendo.)
pode ser visto como uma negação da int11111dade." Paciente: "Antes de entrar, eu pensei: 'Se eu posso mudar minha
Analista: "Creio que você está se referindo 11,diretamente à sua atitude e querer que você comece a falar, isto será semelhan-
mãe e à forma como você a chamava. V11cê não a chamava te às mudanças que aconteceram durante o relacionamento
pelo nome de batismo?" com a minha namorada.' Algum tempo atrás, você disse que
Paciente: "Talvez, ocasionalmente, mas apenas por causa da difi- eu representava fantasias masturbatórias, e eu fiquei horrori-
culdade em dizer 'mamãe', que é ICrrt\'l'llllente íntimo. Eu zado com a idéia. Eu quero coisas que sejam reais, não re-
acabava com a dificuldade evitando usnr qualquer nome que presentações. Eu estava alternando a fantasia pura e falar so-
fosse. Eu acabo com dificuldades sc1m·lhuntes da mesma bre ela. A representação da fantasia ainda era irreal. Agora
forma- evitando usar os nomes." não é mais falar, é fazer."
Analista: "'Mamãe' é uma palavra meio 'ho1nhústica'. Deixe-me Analista: "Quanto ao uso da boca, você chegou a um ponto onde
ver, qual é o nome de sua mãe? Tem algu111a 11nportância?" falar, representar e fantasiar podem coincidir. Parece que seu
Paciente: (Ele disse o nome.) "Não, provnvclllll·nte não é signifi- pai entrou na sua vida muito cedo, antes que você pudesse
cativo." contar até dois, ou quando você só podia contar até dois, mas
94 l lo/di11g e interpretação Fragmento de uma análise 95

ainda estava amando pela boca e amando o seio. Se o pai é isto é, fechado para relações - ou a namorada, embora com
uma pessoa distinta, ele é associado aos temores da punição ela exista um grande elemento imaginativo. Há romance na
pela atividade da boca. Isto significa que ele está unido à relação, há mais realidade. A relação com minha esposa che-
perda da boca em contato com o seio, um perigo tão sério gou a um impasse, mas eu não quero jogar tudo fora. De uma
que você tem de evitar a intimidade entre o seio e a boca forma ou de outra, eu ainda mantenho a esperança, embora
através do sono e de outras medidas. Num momento poste- não ache que possa acontecer alguma coisa. Posso compreen-
rior, isso prejudica o uso do pai como um ser humano que der o ponto de vista da minha esposa, mas não posso aceitar
podia punir e tornar-se um castrador na l'antasia associada à a sua atitude, a sua falta de sentimento, e o fato de nunca
ereção do pênis no seu amor pela sua màl•," conseguir discutir nada com ela. Ela estabeleceu condições.
Sem dúvida, eu fiquei muito irritado por ela ter desligado,
por ter se recusado a discutir."
(Isto levou aproximadamente um terço da sessão.)
Terça-feira, 22 de março
"Tenho uma razão para não dizer mais nada. Não quero
que isso continue a sessão toda, mas eu não posso passar
Paciente: "Bem, vou começar falando sobre o que aconteceu hoje
para outra coisa sem um intervalo. O acontecimento de hoje
à tarde. Eu havia combinado sair com minha namorada e não
foi muito importante para mim."
queria contar para minha esposa. Na verdade, eu queria, mas Analista: "O que você sentiu quando ela desligou continua a afe-
sabia que não ajudaria em nada. Só serviria para provocar tá-lo. Possivelmente raiva, como você disse."
atritos. Eu sabia que ela estava ansiosa pnrn sair à noite (opa- Paciente: "Sim, o fato de ter desligado - fui jogado num estado
ciente tomaria conta das filhas), mas tdefonei e disse a ela de impotência. Não pude fazer nada. Eu deveria ficar neutro
que não estaria em casa. Minha esposa ficou muito aborreci- ou achar engraçado e dizer que a culpa é dela, mas estou fu-
da e desligou, recusando-se a discutir o nssunto. Fiquei furio- rioso comigo mesmo. Talvez eu esteja com raiva de estar
so, ou talvez muito perturbado, e, depois de três horas, ainda aborrecido."
estou assim. Eu, definitivamente, não quero precipitar uma Analista: "O antagonismo antes existente era entre a atitude de
crise agora. As alternativas são extremas paz significa desis- sua esposa e a análise; agora você percebe que o antagonis-
tir da namorada; então surge o dilema: continuar tendo crises mo é entre ela e o seu relacionamento com a moça."
intermináveis ou voltar humildemente, embora a existência Paciente: "Sim, que afeta assuntos mais fundamentais." Pausa.
em casa só possa ser fria. A relação c11111 a namorada não é "Eu esperava que você, de alguma forma, fosse capaz de en-
ideal, mas, à sua maneira, é bastante sul 1sfotória no momen- contrar uma maneira de lidar com essas coisas e tirá-las do
to." Pausa. "O problema é semelhante ao que tivemos antes. caminho, mas certamente você não pode."
O que você pode fazer com esse tipo de 1111,terial?" Analista: "Um dos aspectos essenciais é a existência de uma rela-
Analista: "Você está contando comigo para integrar dois aspectos ção triangular em que não há nenhum outro homem presen-
de sua vida que você ainda não consegue integrar: a relação te. O ódio potencial é entre duas mulheres."
com sua esposa, com todo o seu potcnrnil, bom e mau, e a Paciente: "Inicialmente, a moça não estava preocupada com a mi-
relação imediatamente satisfatória com ;1 moça." nha esposa. Nunca pretendemos levar muito a sério a nossa
Paciente: "Parece que no momento estou 11H11s próximo de forçar relação. Agora, porém, ela quer algo mais profundo e teme
um rompimento do que antes; por isso 1.· mais perturbador." ser desapontada outra vez. Mas nós dois temos incertezas
Pausa. "Existem as duas alternativas: 1111w delas é o lar, que quanto a relações permanentes ... Acho suas exigências co-
só funciona na base da completa irreal1dnde sem amizade, moventes, assim como a sua dependência em relação a mim
96 I/oldi11g e interpretação Fragmento de uma análise 97

e o seu modo direto de expressar a sua necessidade; e, dessa vista. O problema é que a culpa pode ser minha. Ela pode ter
forma, entramos cada vez mais num beco sem saída onde desenvolvido isso como uma forma de lidar com a minha
não há soluções. Mais uma vez sou obrigado a escolher entre inépcia e com a minha incapacidade de ser excitante. Seria
dois becos sem saída." Pausa. "Também é inédita a forma bom poder discutir isso com ela. Eu não posso aceitar a idéia
como passei a considerar o ponto de vista dela na relação. O de renunciar às relações sexuais caso eu fique melhor. Mi-
fato é que ela tem outros homens, e um deles é especial. nha esposa disse que eu não devo considerar a possibilidade
Estou começando a achar isso excitante competir com um de voltar a manter relações sexuais com ela, mas isso se de-
outro homem e tentar eliminá-lo. Competir com um homem ve, em grande parte, às experiências insatisfatórias do passa-
é certamente uma novidade. Em primeiro lugar, a rivalidade do. Ela já sugeriu a possibilidade de um sentimento superior
é algo novo, é parte do meu desenvolv1111ento, e, em segun- à experiência sexual, que ela diz estar abaixo dela. Acho que
do lugar, existe a excitação imediata de lutar com um ho- o relacionamento com o namorado é o que ela chamaria es-
mem por causa de uma moça. Nunca fui capaz de lidar com piritual. Tenho pena dela, mas ela tem de rejeitar aquilo que
isto antes." eu estou começando a ser capaz de oferecer em termos de
Analista: "Num determinado sentido, você csttí sempre procuran- prazer e excitação. Se eu ficar bem, o que pode acontecer é
do o homem que você odeia por causa do amor de uma mu- eu descobrir que existe alguma coisa errada com ela e que
lher. No final das contas, trata-se de seu pai, um novo aspec- nada pode ser feito, já que ela ficaria horrorizada com a
to do pai que você não conheceu, pois ck· entrou muito cedo idéia. Até agora todas as dificuldades dela foram ocultadas
em sua vida e se estabeleceu como uma múe alternativa para pela minha doença, antes disso, pela minha incapacidade de
você." (Nesse momento o paciente colocou o pé no chão.) lhe proporcionar satisfação."

Pausa Quarta-feira, 23 de março

Paciente: "Existe um outro fator que eu nüo discuti aqui: o rela- (Reorganização de horários)
cionamento sexual com a minha namornda. Há muito mais Paciente: "O que me vem à mente é o início de uma curiosa mo-
excitação e satisfação verdadeiras do qut· com a minha espo- dificação na natureza do meu problema. No início, eu não ti-
sa, mesmo quando o nosso relacionanwnto ia bem. Em par- nha consciência de sintomas específicos, e tratava-se apenas
te, isto se deve à modificação produml.i t'm mim pela análi- de uma questão de não ser capaz de trabalhar ou de assumir
se. A dificuldade é: se eu conseguir bons resultados no trata- responsabilidades. Agora o trabalho não é uma dificuldade,
mento, como a minha esposa vai poder me acompanhar? Ou embora eu sinta que ainda não alcancei o máximo da minha
tudo irá por água abaixo? Eu realmentt• nao estava preparado capacidade - talvez por causa da natureza do trabalho. O cer-
para isso. Antes eu pensava que, se cu l tt·asse melhor, pode- ne da questão repousa agora sobre problemas sexuais e pes-
ria lidar com minha esposa. Agora veio me às voltas com a soais. Seria dificil para minha esposa compreender que os
sensação de que ela talvez possa ficar (kprimida como resul- maiores problemas sejam os sexuais e os pessoais; ela acharia
tado das mudanças em mim, de que ela possa se arruinar. Há essa abordagem frívola. Mas, no momento, eles são muito
muitas coisas que não podem ser abordadas diretamente com mais importantes. Ocorreu-me a idéia de mencionar a atitu-
a minha esposa. Ela nem mesmo senil' a expectativa de um de da minha esposa. Não sei por quê, mas o contexto parece
orgasmo, e, por isso, o sexo não é dcst:ihwl do seu ponto de adequado. Até muito recentemente, eu me recusava a reco-
98 l lo/ding e interpretação Fragmento de uma análise 99

nhecer o papel fundamental do sexo, provavelmente porque namorada nova como solução permanente; mas você está
se tratava de uma área inativa na minha vida. Ultimamente, preocupado com a perspectiva de duas mulheres abandona-
tenho estado mais propenso a ver as questúcs pessoais como das sofrendo."
as únicas questões reais. Eu tenho em mente que a imaturi- Paciente: "Eu encontrei a minha namorada chorando e senti-me
dade sexual era a chave para a comprecnsuo da minha inca- responsável - mas isso pode ser vaidade - embora ela tenha
pacidade de aceitar responsabilidades." dito que conversar comigo a ajudou."
Analista: "Você não podia exibir um sintoma mais específico no Analista: "É importante para você sentir que a moça o ama e que,
início porque você não existia como pessoa e, portanto, não portanto, você poderia magoá-la."
podia ter dificuldades sexuais. Uma parll' do seu surgimento Paciente: "Sim. E então minha esposa desliga o telefone na mi-
enquanto pessoa é o fato de você poder apresentar esses sin- nha cara e eu fico perturbado. Eu não fiquei apenas irritado;
tomas pessoais." senti também que ela estava com ciúme de mim. É apenas
Paciente: "Houve um tempo em que a atividade sexual com mi- um palpite, mas acho que ela já sabia da namorada e pode ter
nha esposa parecia satisfatória, mas agora percebo que, no ficado magoada."
momento crucial da relação sexual, eu t111ha consciência da Analista: "Então ela o ama."
impersonalidade - eu pensava em coisas banais, eu me entre- Paciente: "Eu me imaginei chegando em casa tarde e encontrando
gava a fantasias masturbatórias para me estimular e conse- a porta trancada - foi só fantasia. Eu cheguei em casa e a en-
guir ejacular. Com a minha namorada nüo é assim. Eu aceito contrei dormindo - um silêncio impiedoso, porque ela certa-
a relação sexual por seu próprio mérito Minha esposa deve mente sabia quando eu iria chegar. Sinto que muitas coisas
ter percebido (talvez inconscientemente) o quanto a expe- aconteceram para aumentar minha vaidade; portanto, preciso
ter cuidado. Sempre fui compreensivo e capaz de ajudar os
riência era incompleta. Agora eu me deparo com um dilema,
outros. Minha namorada disse que eu era o primeiro que ela
agora eu conheço as possibilidades de urna relação sexual.
conhecia capaz de ser promíscuo e, ainda assim, gentil e aten-
Eu ainda quero minha esposa intelectual e socialmente. No
cioso ao mesmo tempo... Será que eu fui atencioso e gentil
entanto, o sexo é bom com a namorada, mas existem as com-
em demasia? (Eu sei que odeio ser rejeitado. Em bailes, por
plicações sociais."
exemplo, não ser aceitável é uma idéia que me preocupa)."
Analista: "Sim, você certamente tem um grundc problema."
Analista: "Indo ao extremo, você é amado e por isso precisa ma-
Paciente: "É improvável que minha esposa aceite uma relação di-
chucar caso escolha uma pessoa. Poderia ser o quadro de sua
vidida - não funcionaria. Minha namoruda também não gos- primeira infância."
taria; ela reagiu ao mesmo problema com a promiscuidade, Paciente: "Seria mais correto dizer que eu não podia escolher por-
mas não considera essa solução satisfatória." que não queria perder nada; de fato, ontem à noite eu estava
Analista: "Ocorreram mudanças em você; por exemplo, você está pensando e reconheci que tenho poucas dificuldades para to-
apenas começando a se deparar com a 1dt'.·w de homens como mar decisões acerca de pequenas coisas. Eu acredito que as
rivais; além disso, você está se tornando consciente da fanta- pessoas neuróticas sejam assim. Como eu disse à minha na-
sia da menina com pênis e vagina." morada, eu só tenho dificuldades para tomar grandes deci-
Paciente: "É possível que eu me torne promíscuo, a menos que sões, para solucionar situações em que existem dificuldades
minha esposa melhore ou que a relaçüo eom a minha namo- genuínas; agora, pela primeira vez em minha vida, sinto que
rada amadureça e se torne mais estável" posso lidar com o futuro. Não há dúvida de que haverá muita
Analista: "Não fosse pela crueldade implkila, você precisaria preocupação, muita tristeza, mas eu posso superar isso. Sin-
apenas da sua esposa, depois, da namorada e, então, de uma to que isto é o resultado de dois anos de psicanálise."
100 Holding e interpretação Fragmento de uma análise I OI

Analista: "Você está dizendo que se sente capaz de tomar deci- Pausa
sões, mas essas decisões envolvem magoar pessoas."
Paciente: "No meu caso, parece-me que magoar outras pessoas é Paciente: "Estava aqui pensando: sinto-me culpado por trazer tan-
o mesmo que me magoar." tos problemas. Por que eu deveria achar isso errado? Talvez
(Em seu tom de voz, ele deixou implícito que a sua por ter observado várias vezes que os fatos são menos produ-
preocupação ao machucar outras pessoas não era tanto o so- tivos na análise; fico imaginando se isso é realmente verdade
frimento dos outros, mas o seu próprio sofrimento.) e se precisa ser."
"Acho que eu me projeto nas outras pessoas." Analista: "Não vejo nenhuma razão para que isso seja verdade."
Analista: "É possível que, quando falou sobre a despreocupação Paciente: "Exceto na medida em que os acontecimentos reais -
dos amantes excitantes, sua namorada quisesse dizer que eles (nesse momento ele colocou o pé no chão) - tenham menos
não se identificavam com ela. Seria interessante saber se eles influência no desenvolvimento da personalidade do que
eram capazes de lhe oferecer satisfação ou se eles estavam aquilo que você tem na mente. Talvez todas sejam impes-
preocupados principalmente com a sua própria satisfação." soais. Fatos imediatos não ultrapassam a barreira do impes-
Paciente: "Acho que também havia certo interesse pela satisfação soal como os sonhos."
sexual dela, mas nada além disso." Analista: "Você está me usando na análise de várias formas dife-
Analista: "Você se magoa ao escolher uma pessoa. Como você rentes. Eu integro o material que você me apresenta, mas você
mesmo disse, você pode perder alguma coisa ao eliminar os também me utiliza de maneiras específicas. Num determina-
outros." do momento, você vai se lembrar, eu estava muito identifica-
Paciente: "A masturbação revelou ser a minha necessidade de do com sua esposa. Mais tarde, fui identificado com sua na-
promiscuidade, que, desse modo, foi resolvida sem compli- morada, e houve um momento importante, quando fiz essa
cações sociais ou de outro tipo. A dificuldade em parar tinha interpretação depois de ter feito uma que havia sido incorre-
relação com o não querer perder coisa alguma ao escolher." ta." (Eu o lembrei dos detalhes.) "Agora parece que existe
Analista: "Isso me parece estar ligado ao que estávamos falando uma nova fase, e eu me tomei o homem que o preocupa na
sobre contas e o começo da aritmética." (Eu recapitulei a sua relação com a moça."
sessão em que me contara que a filha estava aprendendo a Paciente: "Então, tudo o que eu venho dizendo é pura exibição. É
fazer contas e toda a interpretação que eu fizera: a idéia de curioso, mas nos últimos dias tenho sentido vontade de 'co-
um seio reduplicado ou de dois seios, de uma mãe e um fi- nhecer o homem', quer dizer, o outro homem que é tão im-
lho, etc. Dei-lhe uma descrição detalhada, porque estava cla- portante na vida da namorada. Eu poderia acabar com ele.
ro que isso era novidade para ele.) Anteriormente, quando eu não tinha consciência dos proble-
Paciente: "Engraçado! Eu havia esquecido completamente e, no mas sexuais, não havia muito sentido em conhecer o homem
entanto, tudo estava bastante claro há três dias. Não sobrou misterioso, e eu não queria identificá-lo com você simples-
nenhuma impressão. Tudo foi bloqueado." mente porque tinha de fazê-lo; mas agora faz sentido, porque
Analista: "Além disso, mencionamos o fato de seu pai ter entrado posso me exibir e ficar orgulhoso."
em sua vida muito cedo, como talvez você se lembre de me Analista: "Nesta análise houve pouquíssima transferência negati-
ter dito, e de ter se unido à mulher, e, finalmente, o modo va, mas estamos chegando a ela, e a análise tem de ser capaz
como tudo isso foi utilizado na sua dificuldade para lidar de abarcá-la. Existe a luta entre os dois homens que amam a
com ele como um homem." moça. Você está chegando a esse ponto numa posição muito
/Ol _________________ Holding e interpretação Fragmento de uma análise l 03

forte, a do 'homem triunfante' que pode enfrentar o outro ho- Quinta-feira, 24 de março
mem baseado na exibição do próprio sucesso."
Paciente: "Acho que eu já sabia disso tudo de uma forma muito Paciente: "Eu estava pensando quando vinha para cá: não exis-
vaga, já há algum tempo, mas senti que você poderia ficar tem assuntos imediatos, de forma que o caminho está aberto
com ciúme. Isso estava lá o tempo todo." para coisas mais profundas. Mas eu pensei numa coisa a noi-
Analista: "Você não estava apenas preocupado comigo desta for- te passada. Está um pouco confuso agora; eu posso ter lhe
ma; você também tinha de lidar com a excitação da boca e a dado uma idéia errada sobre a minha posição em relação à
idéia de wn dentista o punindo de forma direta. Foi apenas minha esposa. Já fiz isso diversas vezes porque a minha pos-
gradualmente que você se tornou capaz de lidar comigo co- tura aqui é diferente da minha postura em casa. Aqui e no
mo wn ser humano rival. A princípio, parece que você está trabalho, eu sinto que ela é responsável pela diferença; sinto-
nwna posição de triunfo, mas isto só é verdade se conside- me então numa posição de domínio, como se eu pudesse dar
rarmos a moça. Creio que a situação é diferente em relação à as cartas. Ela depende de mim; eu não dependo dela. Eu pos-
esposa. Sei que existem dificuldades reais que não podem so dizer a ela para melhorar - mas, quando estou em casa, tu-
ser resolvidas com a análise, dificuldades que se relacionam do fica diferente. Eu não posso nem pensar em pôr as cartas
com a capacidade da sua esposa de se modificar e de se recu- na mesa. A dificuldade surge assim que ponho os pés em
perar do passado. No entanto, na situação imaginária, ao casa; eu fico paralisado. Há, portanto, wn contraste entre
mesmo tempo em que me derrota na disputa pela moça, você tudo isso e a minha afirmativa inicial; quando eu estava nwn
aceita, em relação a sua esposa, uma completa ausência de estado de dependência, isso não importava. Eu simplesmente
sexualidade no futuro. Em outras palavras, você aceita wna ia para casa ficar triste. Agora, quando existe uma alternati-
va, eu me pergunto por que eu deveria ir para casa e ser wn
proibição de cem por cento da atividade sexual, como se es-
mártir. Com a minha esposa, eu só falo sobre os assuntos que
tivesse me oferecendo o seu triunfo."
ela propõe, enquanto com a namorada tudo é diferente; nun-
Paciente: "Sim, mas há também outra idéia: você é o rival da mi-
ca fui livre para falar. Às vezes eu fico wna hora no telefone
nha mulher na disputa pela minha atençüo, daí a hostilidade
com ela."
dela. Existe este outro ponto de vista que me parece impor-
Analista: "Como já dissemos antes, não existe espaço para brin-
tante no momento. Eu só posso vir à anítlisc em detrimento cadeira entre você e sua esposa."
da não permissão dela. Neste caso, vocC:· (· uma mulher, wna Paciente: "Saber da existência de uma rival talvez estimulasse
figura materna, do ponto de vista da 1111 nha esposa." minha esposa a ser mais atenciosa, mas eu não permito que
Analista: "Aqui, sua mãe o reivindica, e, ckssa lbrma, sua esposa ela saiba e não sei realmente o que quero. Só wna modifica-
não tem chance algwna." ção razoavelmente completa teria valor." Pausa. "Eu ainda
Paciente: "Isso me lembra que, quando cu est11va no hospital, doen- não estou preparado para a responsabilidade de wn esclare-
te, wn médico disse que eu não estava apaixonado pela minha cimento completo."
esposa; foi como se ele dissesse: 'Você llll' pertence', embora Analista: (Voltei à interpretação do final da última sessão.) "Da
não tenha soado assim naquele momento l'udo que eu sabia última vez, eu falei da minha posição enquanto o homem que
então era que eu me sentia muito perturbado e, de fato, insul- proíbe a sexualidade com a sua esposa." Pausa. "Você dor-
tado, mas parece que há muitas coisas ao ll\l·srno tempo aqui." miu?" (Ele provavelmente dormiu.)
Analista: "Sim, existem muitas coisas ao 11\l'"'"º tempo, e a rela- Paciente: "Não. Eu senti wn estado de tensão anormal. Em parte
ção entre sua esposa, você e eu con!l-111 111,iitos significados isso se relaciona às minhas dificuldades em casa, onde eu
diferentes. É wna situação que comp111ta v;'11 HIS relações." evito deliberadamente a decisão que terá de ser tomada em
104 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 105

breve. Existe um tipo de situação triangular aumentada, uma pouco lendo histórias ou, como há alguns meses, indo ao ci-
situação pentagonal: duas mulheres e três homens. O traba- nema, e, às vezes, com a música, como aconteceu na semana
lho vai acabar daqui a dois meses e, então, eu preciso me passada, quando fiquei empolgado com uma palestra sobre
orientar no sentido de poder me encontrar com a moça. É Elgar e as Váriações Enigma. Foram tocadas duas variações.
preciso pensar também no feriado. Eu não quero urna repeti- Foi a primeira vez, depois de muito tempo, que a música me
ção de feriado do Natal, quando fiquei em casa. Sinto que emocionou. Havia mais um motivo além da música em si, já
está realmente chegando um momento decisivo, aqui e ago- que as Variações foram escritas sobre os amigos de Elgar e,
ra, neste minuto." portanto, representavam as suas amizades, etc."
Analista: "Então, Elgar era capaz de amar e de sentir afeto pelos
amigos."
Pausa Paciente: "Fico preocupado porque o interesse da minha namora-
da resume-se quase que exclusivamente à excitação sexual,
Analista: "Você está me mostrando o quão urgente é este assunto embora ela possa ser pessoal, solitária, por exemplo. Eu po-
e o quanto você quer que eu faça tudo o que é possível na deria ficar insatisfeito com as suas limitações. Ela não vê
análise antes de esclarecer a situação com a sua mulher. Só nada em música - só se interessa por medicina e sexo. Uma
que, se eu ignoro as dificuldades de sua esposa e a sua capa- coisa que me preocupa é a possibilidade de que você talvez
cidade de modificar e se recuperar do tratamento que você não esteja apenas banindo a atividade sexual com a minha
lhe dispensou anteriormente, eu posso dizer que você a está esposa, mas também reprovando a continuidade das relações
usando para se aproximar o máximo possível de sua mãe, com a moça. Você seria o guardião do meu bem-estar moral,
com quem o sexo era proibido por seu pai.. Se eu for para o e, portanto, eu não lhe contaria as minhas pretensões para o
seu sonho adolescente, de relação sexual com a mãe, ou futuro. Você poderia tornar-se menos acadêmico e dar con-
mesmo para sua primeira infância, eu diria que você precisa- selhos. Eu gosto dos seus conselhos, mas não gostaria que
va que seu pai lhe dissesse: 'Eu sei que você ama sua mãe e eles fossem contrários ao meu relacionamento."
quer ter relações sexuais com ela, mas eu a amo e não permi- Analista: "Então, ao não proibir, eu estou permitindo. Você só con-
to isso.' Desta forma, o seu pai o teria libertado para amar segue pensar em mim numa ou noutra posição."
outras mulheres. Se isso não for resolvido, sua mãe conti- Paciente: "Sinto-me entusiasmado com a minha namorada; o re-
nuará aparecendo nas suas mulheres; se você se casar com lacionamento com ela é como um salto em águas profundas,
sua namorada, as dificuldades aparecerão no novo casamen- algo que nunca fui capaz de fazer antes. É uma coisa boa,
to. Além disso, você não experimentou a rivalidade com ho- urna conquista."
mens e as amizades que surgem de tal rivalidade." Analista: "Você nunca viu seu pai como um homem a ser odiado,
Paciente: "Isso é uma idéia nova para mim, a de que não experi- um rival, alguém que você temesse. Quer isso tenha ocorrido
mentei a amizade com homens, embora csleja preparado pa- por sua causa, por causa dele ou de ambos, o fato é que você
ra acreditar que seja verdade. Já percebi que não me interes- não teve essa experiência e, portanto, nunca se sentiu maduro."
so por jogos de habilidade. As cartas sfio mais um exercício Paciente: "Se nunca experimentei a proibição de meu pai, tive de
técnico para mim, e eu nunca quis assistir ao futebol. Recen- encontrá-la em mim."
temente, na verdade esta semana, percebi que, excetuando a Analista: "Era exatamente isso que eu estava querendo dizer."
relação sexual, não há muitas coisas quc consigam me deixar Paciente: "Isso explicaria a incapacidade para a excitação duran-
empolgado, embora eu ocasionalmente 111c emocione um te todo o meu casamento."
106 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 107

Analista: "Teria afetado até a escolha da esposa." Terça-feira, 29 de março


Paciente: "Casei-me com ela por causa da sua seriedade; isso me
atraía. Ela era pouco feminina, bem arrumada, carrancuda. (Ele faltou na sessão de segunda-feira. Notificou-me
Ela tem traços severos, rosto pequeno, e usa óculos. Ela pode pelo telefone.)
ser resmungona e tirânica com a maior facilidade. É prová- Paciente: "Bem, acho dificil começar. Em primeiro lugar, não há
vel que o seu namorado tenha sido atraído pelas mesmas coi- problemas imediatos; em segundo lugar, é curioso, mas o
sas. Ele é bastante irresponsável e queria alguém que pudes- fato de estar com gripe parece interferir. É como se as coisas
se dominá-lo. Ele permitiu que ela tomasse decisões impor- ficassem nebulosas, como se a associação livre e o relaxa-
tantes - abandonar ou não a esposa, cuidar da saúde, que ele mento fossem um grande esforço, algo como um exercício
havia negligenciado. Eu hoje estava pensando - que tipo de fisico."
moça eu acho atraente? Certamente não o tipo delicado ou Analista: "Se você está com gripe, é compreensível que não se sin-
inocente, mas o tipo severo e dominador. Minha namorada é ta disposto para a análise. Trata-se realmente de um esforço."
alta, angulosa e perde a calma com muita facilidade. É o Paciente: "Isso aconteceu antes; ter uma gripe tende a encobrir o
oposto do tipo doce e bonzinho." assunto principal. Sinto mais vontade de me enrolar na ca-
(Nesse momento, o paciente colocou o pé no chão.) ma, dormir e não fazer nenhum esforço mental."
Analista: "E há também a moça com pênis do sonho adolescente." Analista: "Seria mais oportuno você se retrair."
Paciente: "Imaginei que você ia mencioná-la. Isso me preocupa. Paciente: "Sinto que, se estou aqui, deveria relaxar e que isso de-
Eu devo estar procurando um homem, o que seria um tipo de veria ser simples; mas isso me parece um trabalho."
homossexualidade, que implicaria que eu fosse um tipo afe- Analista: "Sim. A limitação do trabalho a uma hora não é só para
o bem do analista."
minado de homem."
Paciente: "Isto me faz imaginar qual é o tempo ideal para a ses-
Analista: "Não, não creio. O fato é que você está procurando pelo
são e qual o intervalo ideal. Será que sessões diárias signifi-
seu pai, o homem que proíbe a relação sexual com a sua
cariam muita freqüência e pouca eficácia para a análise?"
mãe. Lembre-se do sonho no qual a sua namorada surgiu pela
Analista: "Você não veio ontem por causa da gripe?"
primeira vez. Era sobre um homem, um homem que estava
Paciente: "Não, não foi por causa dela; foi simplesmente porque
doente."
havia um caso especial que precisava ser atendido. A gripe
Paciente: "Isto explicaria a falta de sofrimento e pesar quando ainda não havia começado. Nós falamos sobre assuntos ime-
meu pai morreu. Ele não me vira como um rival e por isso diatos, e é dificil voltar para os assuntos mais profundos. Eu
deixou-me com a terrível incumbência de fazer eu mesmo as não consigo voltar ao que interessa. É como quando se acor-
proibições." da uma criança de um sonho e ela fica aborrecida porque é
Analista: "Sim, por um lado, ele nunca lhe deu a honra de reco- muito dificil voltar ao sonho."
nhecer a sua maturidade proibindo as relações sexuais com Analista: "Há algo no que você diz que realmente se vincula à
sua mãe, mas ele também o privou da alegria e do prazer da sua análise: ela é feita num estado que tende ao estado de so-
rivalidade, assim como da amizade que surge da rivalidade nho. Nos últimos meses, parece que você vem gradualmente
entre homens. Então, você teve de desenvolver uma inibição saindo do estado de sonho, rumando para algo semelhante à
geral. Você não poderia sentir dor por um pni que você nunca situação da primeira análise que, pode-se dizer, foi feita com
'matou'." você acordado, isto é, como parte da realidade do estado de
vigília."
/(I
~~- -- - -- - - - - - - - Holdi11g e interpretação Fragmento de uma análise 109

"l loje fui visitar um hospital por motivos de trabalho e


1\11 1,•11/1'. Analista: "Existe certamente o cuidado básico do psiquiatra, mas
notei que era capaz de falar mais livremente do que antes, em meio a tudo isso existe amor e ódio."
até mesmo com os residentes de outros hospitais, que eu não Paciente: "É estranho. Eu também estava pensando em dois ou
conhecia. Consegui até tomar a iniciativa de conversar. Pen- três outros assuntos. Um deles é o que vou fazer esta noite. O
sei que isto nunca fosse acontecer comigo; significa uma outro é quase um sonho meio confuso sobre um paciente que
enorme modificação não ter de esperar até conhecer as pes- está no hospital. Havia muita gente envolvida. Era uma re-
soas intimamente para poder tomar a iniciativa." Pausa. "Al- produção em miniatura de um caso preocupante que ocupou
gumas noites atrás, eu tive um sonho, mas senti que não tinha o final de semana. Eu estava discutindo o caso com outras
de me lembrar dele; era um sonho comum." pessoas."
Analista: "Sim, um sonho é simplesmente uma ponte entre a rea- Analista: "Portanto, é importante para você que na psicanálise
lidade interna e a externa, e nesse aspecto você estava bem e exista uma pessoa, no caso eu, e que não haja consulta."
não tinha necessidade de análise, porque você tem a sua pró-
Paciente: "Era sobre isso que eu estava conversando com a minha
pria ponte, tal como representada no sonho."
namorada: se era seguro discutir os problemas com um psi-
Paciente: "Isto está misturado com a idéia de não vir aqui. Parece
canalista. Ela disse que não é seguro dizer tudo aos psicana-
que está havendo uma diminuição da necessidade de vir."
listas, mas que, mesmo assim, é o que temos de fazer. Eu acho
Analista: "Quer dizer, não necessitar de psicanálise, já que o prin-
que é perfeitamente possível esconder detalhes desagradá-
cipal sintoma que você tinha era uma dissociação entre os
estados de sono e de vigília, e você resolveu parcialmente veis. Ela disse que isto arruinaria a análise."
esse problema nunca ficando realmente acordado." Analista: (Nesse momento pareceu-me importante parar de fazer
Paciente: "Eu queria interromper esta discussão. Eu estava discu- anotações. Era certamente possível que o paciente soubesse
tindo meu futuro com um amigo, as várias alternativas para a e precisasse que eu o informasse abertamente. Por outro lado,
especialização médica e a clínica geral, e eu mencionei a psi- era possível que ele não houvesse percebido, e seria impor-
quiatria. Existe, porém, uma grande dificuldade a ser venci- tante não interromper o curso da análise através da introdu-
da para que eu me dedique à psiquiatria: eu não estou prepa- ção desta idéia. Percebi que o paciente estava sob forte in-
rado no momento porque ainda não estou certo de minha ha- fluência da interpretação principal da última sessão, e, por-
bilidade para evitar a identificação. Eu definitivamente não tanto, tenho de sacrificar as anotações em prol do trabalho
gosto de pessoas prolixas, sem uma doença definida. Eu as que tenho nas mãos. Compreendi que ele estava me dando
negligencio. Talvez eu observe um paciente com a esperança material oferecido pela namorada e que eu só poderia utili-
de encontrar alguma coisa errada porque sei que não estou zá-lo indiretamente. Ainda assim não posso desperdiçá-lo.)
interessado no paciente enquanto pessoa. Na psiquiatria, eu Eu falei sobre as discussões acerca do material clínico que
estaria lidando exatamente com essas pessoas. Eu teria de os analistas certamente têm.
considerar cada um pelos seus próprios méritos." Paciente: "Eu estava me referindo somente ao medo de fofoca."
Analista: "Para você é um alívio quando existe doença fisica." Analista: Salientei que o assunto é uma preocupação definida
Paciente: "Para um psiquiatra, a sessão pode ser um fardo into- para a sua namorada. Fofocas da minha parte poderiam tor-
lerável." nar públicos detalhes da vida particular da moça e até mes-
Analista: "Acho que você está pensando na nossa situação." mo atingir outras pessoas que ela conhecesse.
Paciente: "Suponho que sim. Eu evito pensar nisso. A idéia às ve- Paciente: Ele falou sobre os médicos do hospital onde ficara quan-
zes surge, eu não digo nada. Não gosto de falar com você so- do estivera doente. Eles comentavam outros casos com ele,
bre a minha preocupação com o que você sente." acreditando que, por ele ser médico, estariam seguros; mas
11 O Holding e inletpretação Fragmento de uma análise 111

isso o preocupava muito porque ele era um paciente e o que Disse-lhe que ele agora conhecia um pouco desse medo
tinha diante de si eram fofocas de médico, não uma discus- de mim e que, portanto, podia me desafiar disfarçadamente
são científica entre médicos. alegando ou exagerando a necessidade de seus serviços no
Analista: Eu disse que os psicanalistas, como as outras pessoas, hospital.
fazem fofocas, já que são seres humanos imperfeitos. Mas Falei então que, pela primeira vez na análise, ele tinha
na prática psicanalítica essa "fofoca" era reconhecida como um motivo para suspeitar de mim, já que, na sessão anterior,
sendo algo a ser evitado. eu havia surgido no papel do pai que proíbe incesto. Na ses-
Paciente: Ele disse que sua namorada tinha discutido a questão são anterior, ele havia pensado no pai como evitando a ques-
da falta de ética. O que o analista faria se o paciente relatasse tão principal, na qual havia ódio entre ele e seu filho e que,
conduta anti-social? Ela teme ir a outro analista porque teria portanto, o filho não temia o pai. Foi essa novidade na sua
de contar ao segundo analista sobre o comportamento do pri- relação comigo que o tornou capaz de trazer a suspeita, tal
meiro psicoterapeuta, que ela evidentemente considera pou- como expressada pela sua namorada. Pode-se dizer que ele
co profissional. ainda não estava pronto para trazê-la diretamente.
Analista: Concordei que ela teria de falar disso abertamente ou,
caso contrário, não deveria fazer uma nova análise.
Ao que parece ela se sentiria capaz de falar livremente, Pausa
se tivesse certeza de que o segundo analista não agiria a par-
tir de suas acusações. Sexta-feira, 1.0 de abril
Disse-lhe que, durante uma análise, o paciente tem que
ser capaz de falar livremente, o que significa nem sempre li- As anotações desta sessão foram feitas quatro dias depois. Até
mitar as observações àquilo que é estritamente objetivo. Tem certo ponto, houve uma retomada das anotações durante a sessão.
que haver espaço para delusões, e não há espaço para essas Paciente: "Bem, aconteceu algo que me deixou desconcertado.
coisas se o analista atuar, já que todo o material trazido para Estou muito aborrecido com a minha namorada. Ela está no
a análise tem um único propósito: a análise do paciente. hospital e não quer que eu a visite porque tem medo de abor-
Segui uma outra pista dizendo que era importante para recer um outro namorado. Estou muito zangado com ela e
mim reconhecer que o que ele estava dizendo vinha de sua com minha esposa. A questão é saber se o homem sabe de
namorada. Ele poderia querer dizer alguma coisa semelhante mim. Obviamente ela quer ficar com os dois, mas sem con-
em outra ocasião, e o material deveria então ser trazido para tar a ele sobre mim. É a mesma coisa com a minha esposa:
a análise. Com o tempo, talvez, olhássemos para trás e des- ela não queria aborrecer o namorado e esperava que eu fosse
cobríssemos que ele faltara à sessão por suspeitar de mim; capaz de suportar tudo ... Eu certamente não quero um envol-
no momento, porém, estava claro que ele não viera porque ti- vimento amoroso exclusivo; fico alarmado com a idéia."
nha trabalho a fazer. Analista: Fiz uma interpretação sobre a repetição do setting em
Paciente: Ele disse que era possível que houvesse um pouco de que ele fica zangado com a moça por frustrá-lo e não com o
verdade no que eu dizia, já que num estado anterior da análise homem.
ele teria deixado o trabalho de lado e comparecido à sessão. Paciente: "Aparentemente, tudo ficaria bem se eu encontrasse
Analista: "Então é possível afirmar que anteriormente você tinha uma outra moça, mas essa certamente não seria a solução."
medo de mim, um medo sobre o qual você não sabia nada e Analista: "Isto tornaria a acontecer da mesma forma como está
que só conseguia controlar sendo bom." acontecendo agora, isso porque você está o tempo todo pro-
112 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 113

curando sua mãe, e seu pai não cumpriu o seu papel: colo- com a minha esposa. O uso do nome de batismo, exceto
car-se entre você e sua mãe. Se o houvesse feito, ele seria quando adultos estão falando sobre crianças, é um pouco de
uma pessoa frustrante; você teria aprendido a lidar com ele, afetação. Saber como chamar os pais é um dilema para os
e ele o teria libertado para todas as outras mulheres." adolescentes. Pelo nome de batismo ou 'mamãe' e 'papai'?
(O paciente adormeceu.) Dependência ou independência na relação? Existem pala-
"Você estava dormindo?" vras artificiais como 'mater' , mas são muito desajeitadas."
Paciente: "Não, acho que não." (Mas ficou bastante claro que ele Analista: "Mas há dificuldades de relacionamento com os pais
estivera.) "Eu não consigo ver para onde ir agora. Ultima- ocorridas durante a adolescência que são refletidas nessas
mente tenho descarregado nos outros, tenho perdido a calma considerações sobre nomes."
no hospital. No passado eu era muito indulgente, muito ino- Paciente: "Sim, está certo uma menina dizer 'papai' , mas, para
fensivo , muito tolerante com todos; agora eu perco a paciên- um menino, dizer 'mamãe' é quase incestuoso. A sociedade
cia. Eu queria brigar também com a minha namorada mas
parece tolerar a idéia do incesto entre uma menina e seu pai
penso que poderia fazer a mesma coisa em casa, com um
mais facilmente do que entre um menino e sua mãe. Acho
propósito melhor."
que a antropologia apóia isso."
Analista: "Você pode ver que você só perdeu seu humor aqui co-
Analista: "Você está falando sobre idéias ou sobre uma relação
migo, e, até certo ponto, na situação imaginária, eu sou a
sexual real?"
pessoa que o proibiu de visitar a moça. Na sessão anterior,
Paciente: "Acho que me refiro a tudo, inclusive à relação sexual.
você disse que estava mais ou menos esperando que eu lhe
dissesse para se afastar dela." Mãe e filho é muito inaceitável. A palavra 'querido' pertence
Paciente: "Eu pensei nisso, achei que você talvez tivesse ciúmes. a essa relação íntima. A questão é: o que quer dizer incesto?
Eu não gosto quando ela usa a palavra 'benzinho'. É a pala- Eu poderia ter dito 'amor' ou uma relação emocional. Com a
vra que as prostitutas usam - é impessoal. Ela provavelmente moça a relação sexual é aceitável, mas o amor é mais duvi-
tem mais intimidade com o outro homem, já que o conhece doso. Hoje ela disse: 'É claro, eu me irritaria se você não fi-
há mais tempo que a mim. Eu prefiro 'querido', se for dito casse aborrecido."'
no tom certo. Tudo depende. Pode ser artificial ou genuíno ... Analista: "Você está usando a proibição da sociedade do incesto
Eu também tenho a tendência de esquecer o nome dela quan- entre mãe e filho porque você não consegue encontrar o ho-
do fazemos amor." mem que ficará entre você e sua mãe. Isso significa que seu
Analista: "Você disse que às vezes lembra o nome de sua esposa pai não cumpriu o seu papel, e você, portanto, não tem ódio
nesse momento." nem medo do homem e está de volta à antiga posição: ser
Paciente: "Sim, eu havia me esquecido. Eu esqueço as coisas com frustrado pela mulher ou desenvolver uma inibição interna."
muita facilidade, especialmente nomes. Eu às vezes chamo as Paciente: "É a moça que proíbe."
pessoas pelo primeiro nome, quando eu as conheço bem." Analista: "O tempo todo você está procurando pelo homem que
Analista: "Como seu pai chamava sua mãe?" dirá 'não' no momento certo; alguém que você poderia odiar
Paciente: Ele deu o nome de batismo da mãe. "Às vezes ele usava ou desobedecer e com quem você poderia chegar a se enten-
a palavra 'mamãe' quando falava dela... Com a minha namo- der. Pouco a pouco, ao zangar-se comigo, você está permi-
rada, eu sinto que deveria usar o seu primeiro nome, mas não tindo que eu ocupe essa posição."
consigo ou então me esqueço dele. No telefone, eu digo 'alô Paciente: "Nossa sessão deve estar terminando; isso, de certa for-
querida', e, dessa forma, evito o problema. É a mesma coisa ma, quer dizer 'não'."
114 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 115

Analista: Neste momento, como já estava na hora, eu disse: "Nes- sua habilidade." Pausa. "Tenho percebido uma habilidade
se caso, estou dizendo 'não', o que quer dizer que, por hoje, maior de sentir as coisas que me cercam. Ontem à noite, ao
chega de análise. Estou me interpondo entre você e a análise ouvir discos, eu fiquei emocionado e, em certo momento,
e mandando-o embora." até mesmo sentimental. Eu já conheço esses discos há muito
tempo e nunca havia sentido esse tipo de emoção. Agora
percebo também que tenho uma capacidade real de sentir
Terça-feira, 5 de abril ciúme emocionalmente em vez de intelectualmente. Defini-
tivamente, estou com ciúme deste outro homem que está na
Paciente: "Não me ocorre nada, a não ser repetir que os proble- vida da minha namorada. Eu costumava agir como se esti-
mas atuais não parecem muito produtivos; há, porém, duas vesse com ciúme, mas agora estou realmente."
coisas a serem ditas sobre isso: uma delas é que essa é uma Analista: "É muito desconfortável sentir ciúme, mas você prefere
boa maneira de começar, e a outra é que, recentemente, os o desconforto à falta de sentimento de antes."
problemas atuais começaram a parecer mais úteis. Fico ima- Paciente: "Sim, no passado havia uma falta geral de reação emo-
ginando por que isto teria acontecido." cional." (O paciente colocou o pé no chão.) Pausa. "Às vezes
Analista: "Acho que é porque você está menos dissociado, se é eu coloco o pé no chão e penso que isso talvez seja impor-
que posso usar essa palavra." tante. É como se estivesse colocando 'os meus pés no chão' e
Paciente: "Sim." fazendo um leve protesto. Por que eu devo ficar neste divã?
Analista: "Tem sido menos uma questão de fenômeno externo ou Isso simboliza alguma coisa."
interno; tenho sido capaz de ficar no limite e de falar sobre Analista: "Nas últimas semanas você colocou o pé no chão meia
ambos por causa das mudanças em você." dúzia de vezes, e, em cada ocasião, creio ter sido capaz de
Paciente: "Ah, compreendo. De vez em quando sinto vontade de perceber que isso estava relacionado com algum novo tipo
ficar quieto e avaliar a situação. Descobri que me sinto mui- de relação com a realidade externa."
to mais real no meu manejo com os pacientes e ao falar sobre Paciente: "Eu não sabia que havia feito isso antes. Tem alguma
eles. Há um ano eu me sentia como duas pessoas, e agora es- relação com o que surgiu anteriormente, como pular ou sair
sas duas parecem se mesclar uma com a outra. Pode ser coin- do divã dando uma cambalhota." 12
cidência, mas, desde que comecei a namorar com essa moça, Analista: "De certa forma, esse é o primeiro passo para o final da
passei a sentir menos necessidade de me retrair. Eu também análise e, de outra, é o estabelecimento de uma igualdade co-
tenho me preocupado menos em ter que tomar decisões. Além migo, que é o oposto da dependência."
disso, sou capaz de me sentir realmente orgulhoso quando
consigo bons resultados com um paciente; antes eu ficava
simplesmente contente, achando que havia tido sorte. Ago- Pausa
ra parece que sou capaz de perceber quando faço alguma
coisa bem." Paciente: "Ultimamente eu tenho sido menos estável, tenho me
Analista: "Isso pode capacitá-lo a reconhecer que posso me sair irritado com mais facilidade, e sinto isso como um desenvol-
bem com você."
vimento na análise. É uma fase nova."
Paciente: "Sim, agora você não é um mágico. Eu tive de pressu-
por que você era um profissional perfeito, mas agora consi-
go vê-lo como uma pessoa fazendo o melhor possível para 12. Ver " Retraimento e regressão", no Apêndice deste volume.
116 Holding e i11te1pretação Fragmenlo de uma análise 117

Analista: (O paciente ficou sonolento.) Fiz uma interpretação em brar de uma coisinha. Eu disse algo a você sobre um pacien-
que ligava o encerramento da sessão à idéia de encerramento te, e alguém estava me criticando por eu ter feito isso."
da análise. Analista: "Isso me faz lembrar que você recentemente falou so-
Paciente: "Eu estava com sono. É difícil chegar às idéias. Con- bre a possibilidade de que eu viesse a falar de você."
sigo chegar às idéias quando sonho, mas, à medida que acor-
do, elas parecem ser inadequadas. De qualquer modo, a fan-
tasia não pode ser descrita em palavras. É mais uma forma Pausa
de ação. Parece que estou à deriva."
Analista: "É verdade que a sonolência pode ter dois lados. Por um Paciente: "Enquanto estava sonhando, percebi que ia acordar, mas,
lado, você está procurando idéias que não podem ser atingi- antes de acordar, senti que acordar era menos urgente. O tra-
das através do esforço intelectual direto. Por outro lado, você tamento do paciente era mais importante. É muito estranho
está se defendendo contra a ansiedade, quando não sabe do eu ter dito que não há nada na situação imediata que possa ser
que se trata." discutido hoje, quando, na verdade (agora ele estava comple-
Paciente: "As coisas que acontecem quando estou dormindo não tamente acordado), eu tive uma briga tremenda com a minha
esposa no final de semana, uma briga como eu nunca havia
são fatos completos. É difícil torná-las coerentes para relatá-
tido. Foi algo muito perturbador, já que afetou minha filha.
las. Faço menos esforço em falar do hospital do que em falar
Fiquei definitivamente alarmado. O fato é que minha esposa
sobre os pensamentos." (O paciente disse que havia se perdi- sabe que eu preciso proteger minha filha e explora essa situa-
do. Ele bocejou.) "O problema é que eu tenho de acordar ção. Ela faz tudo para que nunca fiquemos sozinhos e à noite
para dizer o que está acontecendo." recusa-se a conversar comigo, de forma que não há como re-
Analista: "Acho que por trás da sonolência que você sente agora solver o problema, e eu fico com raiva. Desta vez eu fiquei
existe o medo de mim, que faz parte do ódio que você sente furioso, mas percebo que tinha a esperança de que ela come-
por mim por eu ter encerrado a sessão." çasse a discussão. Mas o que eu tenho de me lembrar é que
Paciente: "Acho que eu deveria estar mais alarmado. É mais pro- com minha esposa não existe nada que possa ser dito."
dutivo ficar alarmado, é mais eficaz do que simplesmente ter Analista: "De urna forma ou de outra, na situação imaginária eu
a idéia de uma situação amedrontadora. Recentemente fi- estou presente." (Abandonei esta interpretação quando per-
quei surpreso de ter a confiança de ficar alarmado, de sentir cebi que não compreendia claramente o significado da trans-
que eu podia lidar com a situação. Além disso, não consigo ferência na briga.)
uma resposta definida de você. Quando estava internado eu Paciente: "Minha esposa e eu não temos urna linguagem comum."
não tinha nenhuma idéia do que estava acontecendo e não Analista: "Vocês têm algo em comum: de sua parte, a dificuldade
podia ficar alarmado." associada à ausência de um pai proibidor; da parte dela, adi-
ficuldade com os pais e a sua tentativa de alcançar indepen-
Analista: Eu interpretei o meu "não" levando em conta as idéias
dência, que parece estar fracassando."
de interrupção da sessão, a minha interposição entre ele e a
Paciente: "Sinto-me deprimido quando reconheço que minha es-
análise, a sua raiva e seu medo de mim.
posa realmente não quer relações sexuais; ela despreza a
Paciente: "Eu dormi . Esqueci o que foi dito. Existe alguma coisa idéia e despreza-me por sugeri-la. No entanto, tento me lem-
sobre dormir nesta posição. Eu posso relaxar aqui e posso brar o tempo todo que ela pode estar nessa situação por mi-
também lidar com coisas quando estou adormecido." (O pa- nha causa, por eu ter fracassado com ela. A dificuldade de
ciente adormeceu por alguns instantes.) "Acabo de melem- discutir com ela é que eu não sei sobre o que estamos discu-
li ~ ~ - - -- - - - - - Holding e interpretação Fragmento de uma análise 119

li11dc, , Srn1 que quero relações sexuais com ela? Sim, mas lico'.) É verdade que eu não tenho um sentimento realmente
111111.•111~ se ela quiser. Forçá-la não teria nenhum valor para profundo pela minha namorada; é possível que eu logo me
1111111, e cu sei que não posso fazê-la querer. Nesse aspecto canse."
ela é como a mãe." Analista: "Você tem dúvidas sobre a capacidade da sua namorada
para criar um lar."
Paciente: "Minha esposa não compreende o contraste entre essas
Quarta-feira, 6 de abril posturas - romance com desprezo por relações sexuais ou
mesmo oposição a elas. Está certo na teoria, mas na prática
Paciente: "Acho que fiquei excitado com alguma coisa que sur- não, e traz infelicidade. Na verdade, o que eu realmente que-
giu no final da sessão de ontem, mas não consigo lembrar o ro é ser leal e fiel a uma mulher." Pausa. Outra pausa. "Es-
que era."
tou tentando me lembrar de wn sonho que tive esta manhã.
Analista: (Depois de alguns rodeios, numa tentativa de chegar ao
Eu me lembrava e sentia que era um daqueles sonhos que
detalhe significativo:) "A relação de sua esposa com a mãe."
não são muito significativos em si. Ter tido o sonho é que é
Paciente: "Ah, sim, era isso. Senti muita raiva da minha esposa
importante. Minha mãe estava dirigindo um carro, e eu esta-
por causa do seu desprezo pela atividade sexual, que ela
compartilha com o namorado, e que é também a postura de va com ela. Minha esposa também estava lá. Esqueci."
sua mãe. Isto me coloca num dilema, porque não estou pre- Analista: "Que tipo de carro sua mãe tem?" (Deliberadamente
parado para aceitar uma vida em que a relação sexual seja não perguntei pelo carro do sonho.)
suprimida." Paciente: "Ela tem um Hillman, mas não era o carro que estava
Analista: "A atitude de sua esposa confere-lhe uma identificação no sonho; era um mais velho, decrépito. Não era isso que im-
com a mãe, ou seja, de uma criança com um adulto, mas ao portava no sonho, mas sim o fato de que a situação era peri-
preço de uma renúncia à verdadeira relação sexual." gosa, e eu tinha de controlar o carro. Minha mãe, de fato , não
Paciente: "Eu a privei de relações sexuais ou fracassei em satisfa- dirige bem. Mas eu não admitiria de boa vontade se ela fosse
zê-la. Foi por isso que ela passou a desaprovar e desprezar a uma boa motorista. Minha esposa não dirige. Antigamente
idéia." eu queria que ela dirigisse, mas agora a idéia não me agrada.
Analista: "Se sua esposa se tornasse independente da mãe e con- Não gosto de pensar que ela poderia dirigir melhor do que
seguisse suportar a idéia de se rebelar contra ela, você teria eu; prefiro ser superior. No início, eu achava que ela era per-
de fazer com que isso valesse a pena para ela, e você sente feita, mas agora fico feliz quando ela não consegue fazer al-
que fracassou. Ela retornou à dependência da mãe e a certo gumas coisas."
tipo de identificação. No seu caso, isso é comparável à falta Analista: "Isso me faz lembrar da menina com pênis."
de uma relação de rivalidade e rebeldia com seu pai, que, ao Paciente: "Minha esposa começou tendo um pênis, mas agora ela
que parece, foi provocada pela própria atitude dele." o está perdendo. No início, eu queria que ela fosse igual, mas
Paciente: "Há uma nova dificuldade nesse contexto. Ela não quer agora eu quero dominar. Eu quero fazê-la ficar com ciúmes."
relações sexuais e é, portanto, incapaz de ciúme. Ela me re- (Algumas descrições de interação nesse sentido.)
preendeu por estar atrasado. Eu disse: 'Você não pode recla- Analista: "Existe algum tipo de brincadeira sexual nisso tudo?"
mar por eu ter chegado ao seu nível.' Em vez de ficar com Paciente: "Sim, mas ela sente esse desprezo pela atividade se-
ciúme, ela respondeu: 'Oh, você nunca vai chegar ao meu ní- xual. Ela pode sentir ciúmes, mas esconde isso."
vel.' (Provavelmente querendo dizer 'alto nível de amor idí-
I J(J __________________ Holding e inlerpretação
Fragmenlodeumaanálise 121

Pausa
que sim, mas não consegui incentivá-Ia. Isso afeta a vida e é
Analista.· "N;lo s1.:1 exatamente o que você está querendo dizer, difícil de conciliar com o trabalho. Além disso, também afeta-
pmqlll' l'la pode ter ciúmes de você enquanto homem quando ria a utilidade que ela tem para mim. Senti wn pouco do que a
vol'l' está com a sua namorada - assim como o oposto." minha esposa sente: achei que recorrer à análise seria frívolo."
!}1r 1,•11te: "Ah, compreendo. Eu não havia pensado nisso. Há nis- Analista: "Na situação imaginária, eu sou o analista que a namo-
so wn contraste com o que aconteceu há um ano e meio, rada vai procurar, e, nesse aspecto, você e eu somos rivais, e
quando eu estava doente no hospital e falei à minha esposa você, portanto, impede que ela venha a mim."
sobre uma aventura amorosa daquela época. Ela disse: 'Bem, Paciente: "Sim, embora eu saiba que ela não fez e não faria análi-
é bom para você, pode ajudar a resolver seus problemas.' se com você. Sinto ciúme porque a análise faria ela me que-
Agora ela está simplesmente aborrecida. Isso me lembra que, rer menos, por causa da dependência que se desenvolveria
depois que o seu namorado ficou doente, ela não procura durante a análise."
mais nenhuma qualidade". - Interrupção abrupta - Pausa -
Sono. "Foi alguma coisa de um filme que eu vi ontem à noi-
te, que é adequada: um homem que detestava ser feito de PAUSA PARA. A PÁSCOA
idiota. Eu não quero ser feito de idiota."
Analista: "O problema é que o tempo todo você tem de ser frus- Terça-feira, 3 de maio
trado por sua mãe (sua esposa) ou então desenvolver inibi-
ções internas, porque não há nenhum homem que possa se Depois de três semanas
colocar entre vocês."
Paciente: "Houve o final da sessão recentemente." Paciente: "A primeira coisa que quero dizer é que parece que pas-
Analista: "Hoje há mais do que isso, já que hoje é a última sessão sou muito mais tempo do que três semanas. Mentalmente
antes do feriado da Páscoa. Logo estarei entre você e a análi- houve um rompimento real. Pela primeira vez, senti como
se, dizendo que está na hora de encerrar a sessão." seria encerrar a análise. Durante uma semana fiquei deprimi-
Paciente: "Sim. Eu realmente fiquei satisfeito com a idéia de tirar do por não estar vindo aqui, mas depois abandonei completa-
umas férias de você, mas ao mesmo tempo isso me aborrece." mente tal idéia. Pergunto-me agora se deveria interromper a
Analista: "Há espaço para os dois sentimentos de urna só vez."
análise ou passar a vir com menos freqüência. Não posso di-
Paciente: "O problema com a psicanálise é que muita coisa de-
pende dela." zer que o resultado é perfeito, mas já estou num estado aceitá-
vel. Em relação a trabalho, sinto agora que posso definitiva-
Analista: "Dessa forma, enquanto você está em análise, eu conti-
nuo sendo uma figura parental." mente lidar com as coisas. A questão é: será que eu quero
análise? E me vejo fazendo planos para tirar férias daqui a
um mês, algo que preciso fazer se quiser ter férias remunera-
Pausa das. Antes, eu nunca teria sonhado em planejar férias durante
o período em que estivesse em análise. Quanto à situação em
Paciente: "Eu estava conversando com minha namorada. Ela fez casa, cheguei a um entendimento com minha esposa. Esta-
algum tempo de psicanálise (não sei com quem) e estava espe- mos num impasse. Consegui aceitar que não existe futuro
culando sobre a possibilidade de retomá-la. Eu deveria dizer para o nosso casamento e agora levo esse fato em conta ao fa-
zer meus planos; não há nada que eu possa esperar."
I'' __________________ Holding e inte,pretação
Fragmento de uma análise 123

l1,a/ista: "Ao dizer isso, sei que você está levando em considera- Analista: "A relação com a moça também está relacionada com a
ção as dificuldades de sua esposa e também a história da di- análise e tornou-se possível na medida em que você come-
ficuldade entre você e sua esposa, que você já me contou." çou a existir e, portanto, a ter a capacidade de sentir-se real."
Paciente: "Sim, percebo agora que o nosso casamento foi um Paciente: "Sim. Hoje, por exemplo, quando vinha para cá fui à
erro. Sinto que ele estava destinado ao fracasso desde o iní- Academia ver alguns quadros. Eu poderia dizer que, pela
cio e que não fomos feitos um para o outro. Sinto agora certo primeira vez, apreciei tal tipo de experiência. Nestes dois
ressentimento por ter de vir aqui. É uma coisa ilógica. Eu te- anos, eu certamente não fui capaz de lidar com coisas desse
nho a idéia de que você está me mantendo contra o meu de- tipo. Eu teria fingido, mas isso seria uma fraude e uma perda
sejo. Percebo que estou esperando você dizer: 'Você não de tempo. Gostei dos quadros sem o desespero de procurar
pode ir', e eu estarei lutando pelo meu direito de ir." • sentir-me real. Normalmente tentaria pensar em algo para di-
Analista: "Se eu tiver uma atitude definida deste tipo, então, de zer. Eu poderia ter ido ao cinema ou ao teatro, onde existem
qualquer forma, há algo a ser desafiado." pessoas com quem me identificar, mas não em uma exposi-
Paciente: "Sim. Não se trata simplesmente de uma decisão só mi- ção de quadros. Os quadros exigem da pessoa um grau muito
nha." (Isto é, a decisão não é baseada no pensamento abstra- maior de estabilidade pessoal e independência."
to, mas em sentimentos e reações.) "Sinto que estou sendo Analista: "Os quadros não se dão a conhecer com tanta facilida-
hipocondríaco a fim de prosseguir baseando-me na necessi- de. É preciso acrescentar-lhes algo."
dade. Eu tenho de alegar doença para prosseguir." Paciente: "Tudo isso me faz pensar, na medida em que posso ver
Analista: "Parece ter ocorrido uma mudança, do necessitar para o o enorme progresso que foi alcançado na análise, se não é
querer; e, junto com o querer, vem o não querer." tolo querer parar por aqui, já que podemos conseguir mais
Paciente: "Cheguei, portanto, a uma posição em que posso ava- ainda. O problema é que a decisão pode ser bastante arbitrá-
liar as coisas." ria. Quando eu o procurei pela primeira vez, durante a guer-
Analista: "Em conformidade com esse fato, estou me modifican- ra, a decisão foi arbitrária, e eu interrompi a análise simples-
do, deixando de ser um terapeuta para me tornar uma pessoa, mente por conveniência. Foi insatisfatório. Quando eu o pro-
e aqui entra a morte do seu pai e o fato de eu estar vivo, de curei pela segunda vez havia uma razão definida. Eu estava
ser um ser humano. Você disse que a doença e a morte de seu doente e tinha necessidade de análise. Agora voltei ao pri-
pai, assim como a sua atitude geral, deixaram-lhe um fardo meiro estado, no sentido de que não preciso mais da análise
de decisões pessoais numa época em que você precisava de e que, portanto, ela se tomou um jogo. Então eu me pergun-
um pai com o qual se identificar e contra o qual reagir." to: será que ela é necessária?"
Paciente: "Sim, e também é importante lembrar como a minha Analista: "Ser capaz de jogar dessa forma também é uma modifi-
atitude se modificou desde que a minha namorada entrou em cação produzida pela análise."
cena. Foi isso que deu sentido à minha vida, embora dizer tal Paciente: "Sim, eu tinha uma enorme dificuldade para jogar e
coisa pareça um tanto quanto pomposo. É claro que me sinto sempre que o fazia ficava pensando: 'Será que é permitido?
consideravelmente angustiado quando imagino o que pode Não será frívolo? Arrisco-me a brincar?' Quando não era sé-
acontecer se esse relacionamento terminar. Será que eu vou rio eu tinha de assumir deliberadamente a responsabilidade.
voltar me arrastando para a análise? De certa forma, a moça Sempre parecia brincadeira, ou seja, eu sempre achava que
toma o seu lugar, porque existe um elemento de desafio tan- algo mais sério deveria estar acontecendo. Fico imaginando
to em não vir para a análise quanto em continuar com a mo- se a minha educação foi séria demais e se foi dada pouca im-
ça. Fico imaginando o quanto da vida é real." portância às brincadeiras. Estive discutindo com alguém se a
124 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 125

brincadeira deveria ou não ser construtiva. Vi-me dizendo, O problema no hospital, quando eu fiquei doente, foi, em
acho que por influência do que foi descoberto na análise, que parte, porque eu não sabia o que fazer no momento seguinte."
não deveria haver um elemento construtivo tão evidente. O Analista: "Você já se sentiu impelido a seguir alguma linha de de-
princípio montessoriano pode destruir a idéia do valor da senvolvimento?"
brincadeira. É como se alguém estivesse inculcando a idéia Paciente: "A maioria das respostas seria negativa. Eu considerei a
de que brincar é feio ou imoral. Sei que o brincar tem um va- clínica geral, mas senti que, depois da decisão, toda a minha
lor em si e tenho consciência de que algo me faltou durante vida estaria determinada. Tenho a possibilidade de trabalhar
toda a infância. Eu brincava, apesar dos meus pais, e também no atendimento de emergência, o que antes me deixaria an-
na brincadeira eu estava sozinho. Com minha esposa, se exis- gustiado. Hoje eu acharia emocionante. O horizonte está nu-
te alguma brincadeira, ela é sempre séria, enquanto com a na- blado por considerações práticas. Eu considerei a patologia e
morada o brincar é espontâneo e agradável por si só." a anestesia, nessas especialidades eu ficaria numa posição
Analista: "Os quadros também têm um valor por si mesmos -
segura, mas limitada. Sinto que não preciso mais da seguran-
creio que é isso que você está dizendo - e não são parte do
ça oferecida por um espaço limitado e seguro."
manejo da realidade externa ou de um tipo direto de manejo,
como o trabalho."
Paciente: "Eu gostaria de ir para casa e contar à minha esposa so-
bre os quadros, mas o simples fato de contar a ela faria com Quarta-feira, 4 de maio
que o ato voltasse a ter um propósito. Eu estaria falando para
mostrar a ela que estive em algum lugar. Só teria valor falar Paciente: "Senti a situação de ontem como um desafio. Eu real-
sobre os quadros se isso acontecesse de forma espontânea." mente queria uma opinião sua e não obtive."
Analista: ''Não sei exatamente o que você sente sobre sua esposa; (Tivemos uma longa discussão, em bases reais, sobre a
se ela era originalmente capaz de brincar ou se a seriedade situação geral, o trabalho, a vida particular e a análise.)
dela tem relação com o casamento com você." Analista: "Incluí nessa discussão uma interpretação sobre a idéia
Paciente: "Ela tem o mesmo tipo de postura que eu, mas há muito de interromper a análise como sendo uma defesa contra a an-
de conciliação nisso. Ela poderia provavelmente ser espontâ- siedade e falei-lhe sobre a sua necessidade de esclarecer o
nea. Ela, sem dúvida, deve ter achado muito entediante a mi- tema do masculino e do feminino em comparação com a fi-
nha incapacidade de brincar. Eu realmente estou me afastan- gura combinada. (Durante essa discussão, o paciente colo-
do do problema urgente, que tem de ser resolvido em poucos cou o pé no chão.)
dias. A questão do trabalho novo tem que ser decidida. Será Mencionei então a possibilidade de que ele viesse a se
que devo conciliar meu novo trabalho com a psicanálise ou tornar psicanalista. Deixei claro que, embora já houvésse-
será que eu agora posso pensar num futuro e numa carreira e mos falado sobre o assunto, eu não tinha provas definitivas
conciliar a psicanálise com esses planos? Isso implicaria vir de que ele realmente tinha isso em mente. No entanto, o as-
aqui com menos freqüência ou mesmo interromper a análise sunto estava presente na condição de algo sendo omitido.
por um tempo. Outro dia, quando eu estava conversando com Paciente: Ele disse que considerava a psiquiatria e a psicanálise
minha esposa a respeito de um trabalho, ela disse: 'Você não somente de forma negativa. Sua mãe e algumas outras pes-
acha que esse trabalho vai ser muito preocupante?' Eu defi- soas sugeriram que ele poderia se valer da própria análise
nitivamente não me importo mais com a possibilidade de um para abraçar a psiquiatria. Ele tinha três objeções a isso. Pri-
trabalho ser preocupante. Sei que posso dar conta do recado. meiro, era uma matéria muito dificil. Em segundo lugar, im-
126 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 12 7

plica ficar muito tempo sentado, falar muito e fazer pouco. ria. Finalmente encarar o futuro com prazer. Ocorre-me de
Em terceiro lugar, o fato de exigir muitas horas de trabalho agora e acho que nunca pensei nisso antes: meu pai não que-
e, comparativamente, apresentar poucos resultados. Além ria ser engenheiro. Ele queria seguir uma carreira universitá-
disso, ele era definitivamente hostil à psiquiatria; sabia que ria, mas seu pai faleceu, e ele teve de assumir a direção dos
era inepto nesse ramo da medicina, não conseguia compreen- negócios. Ele nunca ficou satisfeito com a engenharia. Ele
dê-la e desconhecia a terminologia básica. Nesse mesmo dia, poderia ter sido advogado ou professor; sua matéria era a
ele teve um paciente que necessitava de tratamento psiquiá- matemática. Infelizmente, ele tinha uma caligrafia ruim e
trico e que devia ser classificado. "Eu não tinha idéia de qual não sabia soletrar direito, e parece que eu herdei essas carac-
abordagem adotar. Se usei a palavra 'mania' foi simplesmen- terísticas. Ele desejava algo mais erudito do que a engenha-
te para impressionar os outros. Eu não sabia como classificá- ria; deveria ter sido um professor. No início, eu escolhi a me-
lo clinicamente e, para ser honesto, deveria ter escrito ' - dicina por causa da minha necessidade de me justificar, mas
maluco'. Isso, porém, não teria impressionado o Departa- agora esse motivo desapareceu, e sinto cada vez mais que eu
mento. Gostaria de acrescentar que é bastante difundida a re- quero cuidar da minha própria felicidade e isso implica não
sistência à compreensão da medicina psicológica. Encontro ficar encurralado num campo muito restrito. Agora eu acho
esse tipo de postura entre todos os meus colegas. Além dis- que quase todos os ramos da medicina serviriam. Se alguém
so, tenho de considerar a importância que devo atribuir aos apresentasse argumentos convincentes a favor de qualquer
aspectos sociais na definição da minha carreira. Com um lar linha, creio que eu me deixaria convencer. Mas ninguém me
tão insatisfatório, parece que existem certos ramos da medi- convenceria a abraçar o comércio ou a engenharia."
cina em que não seria bom entrar." Pausa. "Sinto que deveria Analista: "É bem provável que todas as pessoas, ao escolherem a
ter um objetivo mais definido, mas nada surgiu. Parece que sua carreira, sejam influenciadas, em maior ou menor grau,
estou esperando algum trabalho aparecer e acho que isso é pelas oportunidades que lhes são oferecidas."
um sinal de fraqueza." Paciente: "Sim, mas não gosto disso." Pausa. "Sinto que gostaria
Analista: "Poderia ser útil considerarmos mais uma vez a sua mu- de voltar a falar da minha esposa e da sua responsabilidade
dança da engenharia para a medicina." neste meu dilema. Eu tenho de considerar os fatores sociais
Paciente: "Bem, fiz outra escolha, em primeiro lugar, porque não na minha carreira porque eles não são satisfatórios na minha
gostava dos alunos de engenharia; em segundo, porque não vida familiar. Até que ponto posso culpá-la por isso? Prova-
era bom em engenharia e, por último, porque odiava a idéia velmente é errado acusá-la. Até certo ponto, a culpa é certa-
de trabalhar num escritório. Senti que precisava lidar com mente minha. Sei que não posso culpá-la, mas nunca conse-
pessoas. Seria um campo mais satisfatório e mais amplo. Eu gui nada no meu casamento." (Pé no chão.) "Será possível
estava desanimado com a perspectiva de trabalhar em fábri- obter algo ou sempre faltará alguma coisa? No meu casa-
cas e lidar com objetos inanimados o tempo todo. Optar pela mento, eu procurei amizade sem esforço, mas não deu certo.
medicina eliminou essa perspectiva sombria. Existem tam- Devo continuar essa tremenda luta? Ou será que devo me
bém outras circunstâncias, tal como a doença do meu pai e acomodar, sem aborrecimentos, sem amigos e sem sexo?
certa motivação de natureza política, algo que herdei do meu Sinto que minha esposa faz com que tudo pareça minha cul-
pai. Acho que tenho um pouco do espírito missionário e, pa; então, eu reajo e faço parecer que seja dela." Pausa. (A
portanto, preciso de uma ocupação em que ele possa se ma- sessão havia chegado ao fim, mas havíamos começado mais
nifestar. Assim, foi um grande alívio abandonar a engenha- tarde.) "Sinto que não quero dizer mais nada; eu poderia fa-
/lH _________________ Holding e interpretação Fragmento de uma análise 129

lar demais e ultrapassar o limite da sessão. Minhas últimas ciente ou alguma coisa assim. Parece que estou tentando pro-
observações não evocaram nenhuma resposta. Sinto que elas duzir a coisa certa. Muitas vezes sinto-me culpado por sentir
não caíram bem." que estou perdendo tempo ou inventando, elaborando coisas
Analista: "Em primeiro lugar, estou aqui no papel de uma pessoa sem sentido."
viva, com quem você pode discutir em bases reais, e isso me A nalista: "Eu lhe sustento o tempo todo. Além disso, existem vá-
coloca na posição de seu pai. Em segundo lugar, há um ele- rios métodos; por um lado, o manejo de forma geral, e, por
mento pendente da sessão de ontem, quando você teve a sen- outro lado, a interpretação do material."
sação de que eu estava me agarrando a você, não querendo Paciente: "Estou pensando no meu pai. É possível que eu tivesse
que você se fosse. Creio que é este o tema que você quer que a impressão de que meu pai me rejeitava e minha mãe me
eu introduza na análise; você vem esperando por ele e ficou inibia. Sinto certa hostilidade pela idéia de ser inibido pela
insatisfeito quando ele não surgiu. Através dessa idéia, você
minha mãe em vez do meu pai." Pausa. "É apenas possível
estava expressando o desejo de que eu o mantivesse aqui.
que meu pai tenha me desapontado quando eu era um bebê
Desta posição você poderia sair, mas você não pode abando-
ou mesmo uma criança. Não é certeza. Trata-se de uma idéia
nar alguém que não quer sustentá-lo porque você não quer
que me foi sugerida há alguns anos: uma criança encontran-
ser sustentado nem aceitar a dependência."
do seu pai e sendo desapontada. Não acho, porém, que seja
verdade no meu caso."
Quinta-feira, 5 de maio Analista: "Creio que podemos inserir neste contexto algo que, de
certa forma, me foi sugerido por sua mãe. Já falei sobre isso
(Estas anotações foram escritas com algum atraso.) antes. Quando sua mãe me falou sobre seu pai pela primeira
Paciente: "Vou começar dizendo que depois da última sessão fi- vez, antes que você começasse a análise comigo, ela me dis-
cou difícil produzir mais material para análise. Se temos só se que ele era perfeito. Ela certamente o idolatrava. Acho que
mais um mês antes da próxima interrupção, que talvez seja ela se recuperou ao fazer análise e penso que você está ten-
definitiva, valeria a pena produzir mais material? A situação tando definir os seus sentimentos a respeito disso."
é semelhante àquela que eu vivenciei antes da interrupção da Paciente: "Sim, é verdade. Em retrospecto, meu pai parece ter se
Páscoa. Parece ser urna barreira bastante potente. Sinto que tornado cada vez menos perfeito. Sua postura em relação à
não é necessário pensar em nada. Talvez a idéia de um en- educação de criança era muito teórica; também em outros
cerramento esteja baseada numa avaliação irreal do estado aspectos as suas imperfeições e inadequações sempre foram
de coisas presente. Antes eu tinha a expectativa de conquis- descobertas abaladoras. Percebo que a idéia que eu tinha a
tar a habilidade de superar dificuldades futuras." Pausa. respeito da perfeição de meu pai era a idéia que a mãe tinha e
"Lembro que nas últimas duas sessões passamos muito tem- que eu aceitava como verdade evidente. Quando era criança,
po discutindo detalhes práticos. Houve pouco material de achava estranho descobrir imperfeições. Lembro-me de uma
natureza mais pessoal." ocasião quando ele jogou cricket na escola - pais contra fi-
Analista: "Lembre que algumas vezes você reclamou que coisas lhos. Seus movimentos, comparados aos dos outros pais,
reais não pareciam importantes na análise; você está compa- eram desajeitados. Por wn lado eu pressupus a perfeição e
rando-as agora com outro tipo de material." achei dificil aceitar a imperfeição. Por outro lado, havia difi-
Paciente: "Às vezes, parece-me que o material mais profundo não culdades decorrentes dessa idéia de perfeição. No geral, eu
é tão produtivo. Talvez ele seja muito frívolo, muito cons- suprimia as imperfeições que eu percebia."
0() _____________ _____ Holding e interpretação
Fragmen10 de uma análise 131

nalista: "O importante é que essa idéia de perfeição vinda de Paciente: "Sinto que você está introduzindo um grande proble-
sua mãe significaria que ela não amava seu pai; não estando ma. Nunca me tornei humano. Perdi essa experiência."
preocupada com a pessoa real, ela enfatizava a idéia da per- Analista: "Lembro que você não considerou a possibilidade de
feição. Acho que você sentiu a coisa toda como uma ausên- fazer carreira em psiquiatria ou psicanálise porque achava
cia de amor entre seu pai e sua mãe." que não seria perfeito quase que imediatamente."
Paciente: "É exatamente a mesma situação que existe entre mim Paciente: "Eu realmente nunca aceitei a idéia de não ser bom em
e a minha esposa. Eu tinha a idéia de que ela era perfeita e a alguma coisa."
construí desta forma, mesmo sabendo que isso era ilógico. Analista: "Sua vida foi fundada sobre uma base de perfeição-im-
Quando descobri que ela não me queria, toda essa estrutura perfeição. Isso teria de se manifestar algum dia e acabou por
se quebrou, não tinha mais utilidade." fazê-lo na forma de doença."
Analista: "Você sente algo semelhante em relação a mim." Paciente: "Imperfeito, para mim, significa rejeitado."
Paciente: "Bem, sim. No início, eu pressupus que você era perfei- Analista: "Quando penso no que você já me disse sobre sua espo-
to e novamente coloquei de lado qualquer indício de imper- sa, percebo que não conheço nada sobre ela, a não ser as suas
feição. Acho que qualquer pessoa na minha posição faria o perfeições e imperfeições. Não tenho um quadro dela en-
mesmo. Se você fosse imperfeito, eu acharia que não era um quanto mulher. Acho que não é falha minha."
expert. Na situação analítica, se você não é perfeito eu tenho Paciente: "Não sei se poderia descrevê-la. Minha tendência tem
de ser. Acho que surgem situações em que podemos discutir sido pressupor que você não está interessado nela como mu-
as coisas em pé de igualdade; piadas por exemplo. Eu fico lher. Além disso, tenho dificuldades para descrever pessoas.
entusiasmado e acho divertido. Sinto que você fica desapon- Nunca consigo descrever uma personalidade, a cor do cabelo
tado ou aborrecido. A idéia de perfeição é insatisfatória." de uma pessoa, essas coisas. O que me ocorre é que outros
Analista: "A idéia da minha perfeição pode ser usada como uma talvez consigam descrever pessoas nas suas análises e, por-
defesa quando você fica angustiado com uma relação onde tanto, eu imediatamente sinto que você está me criticando.
existe sentimento e toda uma imensidade de resultados pos- Eu sempre relutei em usar nomes de batismo, mas notei que
síveis." ouh·o dia usei um nome de batismo masculino que soava
Paciente: "O que há de alarmante na igualdade é que, se somos como o nome de batismo de minha esposa. Por h·ás desse
ambos crianças, onde está o pai? Se um de nós é o pai, nós erro, está a descrição da minha esposa, que, para mim, tem
sabemos onde estamos." qualidades masculinas."
Analista: "Você está hesitante entre duas idéias: o relacionamen-
to com sua mãe, sozinho, e o relacionamento triangular com
seu pai e sua mãe. Se o pai é perfeito, não há nada que você Segunda-feira, 9 dOe maio
possa fazer além de ser perfeito também, e, dessa forma,
você e seu pai se identificam um com o outro. Não há con- Paciente: "Da última vez, saí daqui com um sentimento de impo-
fronto. Se, por outro lado, vocês são dois seres humanos que tência, de impotência sexual. Não sei exatamente o que acon-
gostam da mãe, então há um confronto. Creio que você teria teceu, mas saí daqui diferente, e essa mudança, definitiva-
descoberto isso em sua própria família se não tivesse duas mente, está relacionada com a sessão. Eu tinha um encontro
filhas. Um filho teria trazido à luz essa rivalidade entre ele e com a minha namorada, e a mesma coisa aconteceu a ela.
você por causa da mãe." Fiquei muito perturbado. O comportamento dela mudou; ela
132 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 133

está se tornando fria, está encontrando mais prazer com o normalmente não acontece nada. Certo ou não, preocupa-me
outro namorado. Ele a excita mais do que eu, e, portanto, es- descobrir que minha mãe via meu pai propenso a esperar que
tou me tornando inconveniente. Isto produz um dilema: lutar os outros olhassem para mim da mesma forma e não tinha
ou ir embora? Ir embora significa ficar sem nada, o que, no nenhuma esperança de ser considerado perfeito. Assim que
entanto, não é uma justificativa satisfatória para continuar. recebia a menor crítica ou percebia qualquer indício de que
Expliquei a ela que não gostava de ficar em segundo plano, eu estava em segundo plano, eu ficava deprimido ou excessi-
mas não sei até que ponto estava sendo genuíno. Quando vi- vamente preocupado. Só existe uma forma de alcançarmos
nha para cá, ocorreu-me que eu talvez ainda precise de análi- qualquer coisa, e é através da perfeição."
se, que eu talvez tenha sido muito otimista em relação ao fi- Analista: "O tempo todo você está dizendo que não tem nenhuma
nal. Por outro lado, deve ser errado usar as minhas sessões esperança de ser amado."
como uma ajuda direta para sair de uma situação difícil. É o Paciente: "Sim, com outras pessoas, especialmente com moças,
tipo de coisa que minha esposa me acusa de fazer e é uma tudo está bem no início, quando existe uma perspectiva de
critica geral feita contra a psicanálise: é uma forma pregui- ser perfeito: então, gradualmente, à medida que fica óbvio
çosa de resolver dificuldades." que existem imperfeições, a situação vai escapando ao con-
Analista: "Uma forma de encarar a situação é perceber que exer- trole e eu perco a confiança. Com essa namorada, eu lutei
ço duas funções como analista. Numa delas, é como se eu contra o problema pela primeira vez e consegui uma relação
fosse seu pai, vivo novamente, ou um tio, e você tem uma mais normal. De qualquer forma, sexualmente, eu pareço ser
pessoa com quem discutir os seus problemas. Não é minha perfeito, mas depois da última vez sinto que não posso mais
função principal, embora seja muito importante. Além disso, lidar com a situação. Uma ilusão se desfaz, e eu volto à posi-
sou o psicanalista em relação ao qual acontecem as mudan- ção original de competir com os outros, uma posição que
ças que o afetam de uma maneira mais geral, e que não se re- nunca apreciei. Quando estou em segundo plano, eu fujo."
lacionam com a solução efetiva do problema imediato." Analista: "Parece que a dificuldade está em pensar nos homens
Paciente: "Sinto que a primeira forma de usá-lo é errada; é uma como seres humanos que lutam por uma posição por causa
extravagância." do amor de uma terceira pessoa. Nessa posição, os homens
Analista: "Uma não exclui a outra, e é importante que você des- têm de considerar. 'A terceira pessoa vale a pena?'"
cubra que eu não estou rigidamente colocado em nenhuma Paciente: "Creio que só luto quando tenho certeza de vencer."
das duas posições." Analista: "Você não está lutando pela moça e, sim, para estabele-
Paciente: "As dificuldades antigas voltaram, como acordar cedo cer quem é o perfeito."
pela manhã. Será que perdi os benefícios que consegui na aná- Paciente: "Surgiu uma palavra importante na última sessão, que é
lise? O que foi que aconteceu na última sessão? Sei que tinha rejeição. Imperfeição significa rejeição."
alguma relação com meu pai e minha mãe." Pausa. "Minha Analista: "Você disse que ter alcançado um estágio de perfeição
mãe idolatrava meu pai, de forma que eu não podia competir. seria um motivo para justificar o encerramento da análise."
Por que isso teria produzido impotência?" Paciente: "A rejeição entra nesse contexto. Devo prosseguir até
Analista: "A primeira coisa que temos que considerar é a seguin- alcançar a perfeição e parar porque alcancei esse objetivo?
te: estava certo o que eu disse?" Ou devemos trabalhar numa base na qual a perfeição não
Paciente: "Bem, se não estava certo, era razoável. E eu sinto que seja importante? Nesse caso, eu sou rejeitado em algum pon-
o fato de ter provocado uma reação significa que provavel- to ou decido que não quero mais vir aqui. O perigo é pensar
mente estava certo. Quando você diz alguma coisa errada, em não vir mais aqui só para evitar a rejeição." Pausa. "Eu
134 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 135

estava justamente evitando pensar na minha presença aqui. Analista: "Do seu ponto de vista, esse tema só pode ser discutido
Estava pensando em coisas sem importância - devo tomar em termos de lutas reais. Você não é capaz, no presente, de
banho hoje à noite? Devo lavar meu cabelo? O essencial é empregar a fantasia, o jogo, ou o valor de distensão que o
que eu não estava aqui." touché do duelista representa para a situação. No caso de
Analista: "A meu ver, você realmente conseguiu se afastar de luta entre você e seu pai, você só consegue pensar na morte
mim. Você foi embora e foi capaz de me contar isto por cau- real de wn de vocês. Portanto, antes de lutar, você tem de ter
sa do que conversamos antes." certeza de que o prêmio vale a pena."
Paciente: "Tive uma idéia inteiramente nova: Se eu fosse embora Paciente: "É a mesma coisa que acontece quando fico imaginan-
você me seguiria ou não? Se eu saísse, eu teria que me virar do se a sessão está ou não perto do final. É parte da mesma
e voltar, ou seja, teria de contar a você. A questão é: se uma coisa. Se eu continuar, posso ser interrompido, e isso signi-
pessoa for embora, alguém ficará preocupado? Alguém vai fica perder ou ser rejeitado. Quando estou deitado no divã e
querer trazê-la de volta? É bastante desconfortável a idéia de chega o fim da sessão, sinto que você está me colocando pa-
ir embora e ninguém pedir para voltarmos. Isso me faz pen- ra fora." (Isto aconteceu sete minutos antes do término da
sar nas diferenças na educação de crianças. O que você faz sessão.) "Nós efetivamos um compromisso pelo qual eu
quando uma criança é malcriada? Meu pai, por exemplo - gradualmente chego ao fim e não tenho mais nada a dizer.
acho, porém, que não estou descrevendo meu pai com exati- Nesse momento você diz que a sessão chegou ao fim. Estou
dão -, ele lidaria com o ataque de má-criação de uma criança preparado antecipadamente, mas, mesmo assim, tenho wna
ignorando-o. Não, não especialmente o meu pai. Dizem que desagradável surpresa."
isto produz resultados; se uma criança percebe que está sen- Analista: "Não é comum você lidar com esse assunto alguns mi-
do ignorada, ela pára. Do ponto de vista da criança, posso nutos antes do final."
Paciente: "Eu normalmente fico quieto, mas não me sinto confor-
compreender que isso é um insulto."
tável. É muito ruim ser interrompido no meio do assunto."
Analista: "Ela tem a sensação de que se for embora, será abando-
Analista: "Sei que a expressão 'interrompido no meio do assun-
nada."
to' é wna metáfora, mas é o mais próximo que você conse-
Paciente: "Na verdade, eu me lembro que meu pai fazia o contrá-
guiu chegar da idéia de castração. Eu diria que é como se
rio. Se os filhos fossem levados, ele dizia: 'Eles estão infeli-
você fosse interrompido ao urinar. Isso nos traz à mente três
zes e precisam de compreensão', e agia baseado nesse prin- níveis de rivalidade. Nwn deles existe a perfeição, e a única
cípio. (Obs.: o analista lembra-se de ter ouvido isso na pri- coisa que você pode fazer é ser perfeito também. No segun-
meira parte da análise.) Ele não repreendia nem ignorava." do, você e o seu rival se matam. No terceiro, que foi introdu-
Analista: "Isto certamente produziria um tipo de paralisia no que zido agora, um dos dois é mutilado."
diz respeito à rivalidade. Sei que é positivo dizer que uma Paciente: "Eu aceito a idéia de ter sido interrompido ao urinar; é
criança temperamental é infeliz, mas acho que seu pai evita- algo que se aproxima muito da idéia de ser interrompido no
va os confrontos próprios da relação pai-filho." meio de uma relação sexual."
Paciente: "Acho que ele era parecido comigo. Ele só permitia o Analista: "Chegamos então ao uso da palavra impotência na des-
confronto se soubesse que iria vencer. Nesse contexto de crição dos seus sentimentos depois do final da sessão de on-
luta, parece absurdo lutar se sabemos que vamos perder. Não tem. Eu gostaria de associar a idéia de ser interrompido no
consigo compreender como alguém podia satisfazer a honra meio de uma relação sexual com os seus impulsos infantis
morrendo em duelo. Parece tão sem sentido." para interromper os pais quando eles estavam juntos."
136 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 13 7

Terça-feira, 1 Ode maio Paciente: "Parece-me intolerável que tenha de existir rivalidade
na sedução da moça."
Paciente: "Eu estava muito agitado ontem à noite. Suponho que Analista: "Se a moça não o escolhe, você se sente abandonado."
existam muitas razões. Uma delas é a deterioração do rela- Paciente: "Foi o que aconteceu na relação com a minha esposa e
cionamento com a minha namorada, que tomou a casa me- com a minha namorada. Agora que me tornei uma amolação,
nos tolerável. Há também o que aconteceu aqui, mas não ela só pode ter pena de mim."
consigo compreender bem por quê. É alguma coisa real ou Analista: "Há uma situação semelhante na sua relação com os
simplesmente uma confusão entre desejo e realidade? É cla- seus pais quando você era criança. Você era rival do seu pai
ro que eu quero me sentir perturbado pela sessão analítica. É na disputa pela afeição de sua mãe."
a única prova que tenho de que algo está acontecendo. Fico
muito desapontado quando não há nenhuma perturbação,
pois isso significa que não está havendo nenhum progresso. Pausa
A angústia das duas últimas sessões foi bastante satisfatória,
desse ponto de vista." Paciente: "Não acho que exista alguma relação deste tipo."
Analista: "Devo falar sobre o que vem acontecendo?" Analista: "Talvez você tenha alguma outra coisa em mente."
Paciente: "Sim, claro." (Em dúvida.) "Acho que seria uma boa Paciente: "Sim, eu estava tentando decidir o que fazer no futuro.
idéia." Minha namorada sugeriu que eu trabalhasse na Emergência,
Analista: "A idéia de rivalidade com um homem, que foi tão difi- já que há uma vaga disponível no hospital em que ela traba-
cil para você perceber, parece ter surgido na relação comigo. lha. Existe, portanto, uma vaga na Emergência no hospital
Você se sentiu impotente depois da penúltima sessão e, na de 'X', para um médico não-residente. Estou pensando se
última sessão, você introduziu a idéia de ser interrompido no devo me candidatar. Existem algumas vantagens. Por exem-
meio do caminho. Assim, surgiu na fantasia a idéia de dois plo, eu teria tempo para prosseguir com a análise, se os horá-
homens, um dos quais mutila o outro. Anteriormente havia rios noturnos estivessem disponíveis. Há também considera-
apenas a morte e, portanto, não valia a pena aceitar a situa- ções práticas em jogo. Eu não teria de pagar a taxa de resi-
ção de rivalidade." dente e economizaria uma libra por semana. Seria extenuan-
Paciente: "Não sei explicar por que é especialmente dificil para te; significaria ter de acordar cedo toda manhã. Eu também
mim elogiar moças. Afinal, faz parte das técnicas de sedu- ficaria mais tempo em casa e teria de me defrontar com as
ção. É algo que me parece irreal. Com as moças, eu pareço dificuldades domésticas. Ainda assim, a perspectiva é atraen-
incapaz de tecer elogios. Talvez eu esteja exagerando na in- te. O trabalho na Emergência não me conduziria diretamente
terpretação, mas acho que existe uma ligação entre isso e a para urna carreira, mas seria uma fonna satisfatória de adiar
minha fuga da situação de rivalidade." a decisão."
Analista: "Uma ligação seria o fato de que a moça tem de desejá- Analista: "A idéia de querer continuar a análise está incluída nes-
lo sem que você tome a iniciativa de conquistá-la." ses planos?"
Paciente: "Sim, tem sido assim - a moça tem de vir até mim e me Paciente: "Sim, a psicanálise toma parte do meu tempo livre. So-
conquistar." bra pouco tempo para os anúgos, mas eu quero continuar."
Analista: "Você está se referindo à rivalidade no processo da se- Analista: "Em que medida isso afetará a relação com a sua namo-
dução." rada?"
138 Holding e inte1pretação Fragmento de uma análise 139

Paciente: "Isso já não tem importância. A relação fracassou. Eu rante algum tempo, ter dificuldades para se deter em outro
não posso pesar isto seriamente com os outros fatores." assunto? Agora eu quero me levantar e começar imediata-
Analista: "Quais são as perspectivas se você se candidatar?" mente a agir. Sinto-me preso, como se estivesse amarrado
Paciente: "Eu já telefonei para o atual chefe da Emergência para numa coleira. Quero lidar com isso."
conversannos sobre o trabalho. As perspectivas são boas. O Analista: "É muito mais fácil ter algo assim, com o qual você
único problema é que nunca fiz uma cirurgia antes. De qual- pode lidar ativamente, do que este negócio de psicanálise,
quer forma, posso me candidatar e ver o que acontece. Isso em que você tem de esperar as coisas acontecerem."
significa mais um ano de psicanálise." Paciente: "Sinto-me culpado pela forma como consegui trabalho
Analista: "Isso lhe dará tempo para que você defina, à sua pró- nos últimos dois anos. Os empregos surgiram sem que eu fi-
pria maneira, a idéia de objetivo final." zesse nenhum esforço real, exceto uma vez, quando fui à
Paciente: "Sim." (O tema foi desenvolvido.) "Há também privilé-
Associação Britânica de Medicina. O resto foi acontecendo.
gios nesse trabalho. Há mais um detalhe muito curioso. Sin-
Eu não quero mais ficar à deriva. É uma vergonha. Sinto-me
to-me atraído geograficamente; o trabalho é no outro lado de
um fraco, alguém que se deixa levar pelas circunstâncias. De
Londres, e eu conheço 'X', é claro, por causa do hospital.
qualquer forma, não decidi qual carreira seguir. Mesmo ao
Talvez isso não seja muito importante, mas torna o trabalho
tentar conquistar uma moça, eu não tomo iniciativas. Sim-
mais atraente. Provavelmente é mais perto daqui."
plesmente espero que as coisas aconteçam. A mesma coisa
aconteceu depois que saí da escola. Eu não entrei na faculda-
Pausa de: deixei que me levassem até ela. A decisão de estudar me-
dicina foi, até certo ponto, da minha mãe. Ela me deu um
Analista: "Aconteceu alguma coisa. Você foi embora e descobriu empurrãozinho. Eu concordo com minha esposa quando ela
que eu não o abandonei. Você foi embora ao considerar a se queixa e diz que eu nunca decido nada quando faço com-
possibilidade de encerrar a análise, e também, alguns meses pras. Nunca consigo escolher um presente. Minha esposa me
atrás, ao ter pensamentos que obviamente escapavam ao que despreza. Por isso estou entusiasmado com a idéia de ir e
estávamos vivendo aqui, nesta sala." 13 conquistar o que surgiu agora em meu caminho. Minha es-
posa também se queixa de ter de escolher aonde ir quando
saímos juntos."
Pausa (O importante nessa sessão foi a recuperação da deses-
perança, revelada numa mudança geral de estado de espírito
Paciente: "Eu sinto um certo entusiasmo com a atual situação: a comparada à sessão anterior.)
idéia de um novo trabalho e, com ele, a possibilidade de su-
perar algumas dificuldades relacionadas à interrupção da
análise. Essa excitação, porém, faz com que seja dificil que Sexta-feira, 13 de maio
eu me concentre em alguma coisa. Mas isso é comum, não
é? Alguém ver-se diante de alguma coisa absorvente e, du- (Ele chegou dez minutos atrasado, o que era bastante
raro; isto significava que, no final da sessão, haveria, inevi-
tavelmente, a sensação de "ser interrompido no meio do ca-
13. Ver "Retraimento e regressão", no Apêndice deste volume. minho".)
140 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 141

Paciente: "Não há nada a dizer, a não ser que continuo a me sentir risco de dormir, porque não sinto a necessidade de dizer
ligeiramente melhor. Parece que a tensão e a ansiedade pas- nada. Então eu começo a vaguear e esqueço que estou aqui."
saram. Isto se deve em parte ao rompimento com a moça, que Pausa. "Ocorreu-me agora uma analogia curiosa: aqueles ho-
me deixou aliviado. Tenho consciência de que havia uma boa mens nos andaimes, limpando o muro em frente. Eu me vejo
dose de fingimento na coisa toda." fazendo o mesmo, oscilando preguiçosamente para dentro e
Analista: "Intelectualmente você esteve preparado para este final para fora daqui, como se estivesse num andaime. Não posso
o tempo todo, mas emocionalmente é um caso de vivência. deixar de sentir que eu quero dizer alguma coisa, mas que te-
Você está triste?" nho medo de fazê-lo. Achei a última sensação satisfatória
Paciente: "Não é bem tristeza. É mais desolação, desespero, uma por causa da angústia da tensão - agora, no entanto, eu me
sensação de 'acabou, agora nunca mais'. Olhando para•trás, sinto melhor e acho que não quero correr o risco de uma si-
percebo que eu sabia que estava participando de um jogo e
tuação nova. É curioso, mas sinto-me também como se eu
que o jogo era manter a ilusão. Foi algo positivo para mim, já
fosse um assistente que está aqui para ajudar a aconselhar
que antes eu não conseguia jogar."
uma outra pessoa."
Analista: "Jogar com prazer."
Analista: "De certa forma, isso é verdade. Pode-se dizer que mui-
Paciente: "Sim." Pausa. "Algwna coisa aconteceu nos últimos
tas vezes você traz a si mesmo para a análise. Falamos de
meses. Eu certamente tenho uma capacidade maior para ser
frívolo ou leviano, embora isso ainda me deixe constrangido. você, e você está presente."
Mas o jogo tinha de ser leviano, e o tempo todo eu neguei "Você quer que eu o ajude a perceber como as suas difi-
isso. Eu era leviano disfarçadamente. É claro que existem culdades estão relacionadàs à idéia de rivalidade, que surgiu
momentos em que fico cansado ou deprimido, quando então recentemente. Você reconheceu que poderia ocorrer a morte
a tensão retorna; é como se fosse muito grande o esforço ne- de wn ou dois homens numa situação de rivalidade e que, por-
cessário para criar essa outra pessoa, esse eu frívolo. Portan- tanto, a luta não valia a pena. Depois, você se aproximou da
to, eu não sou inteiramente espontâneo." idéia de confronto em que um dos homens poderia ser mutila-
do e sobreviver. Além disso, temos o outro tema: o abandono."
Paciente: "O que posso dizer sobre isto é que, se eu trago parte de
Pausa mim para a análise, essa parte reluta em vir. Eu tenho de ir
buscá-la sempre."
Analista: "E você aqui, comigo?" Analista: "Essa parte não consegue suportar a possibilidade de ser
Paciente: "Bem, é diferente. Não há nenhum problema em ser ar- abandonada."
tificial aqui, nem em ser frívolo. Posso me livrar de todas es- Paciente: "Sim." (Pouca convicção.) O paciente adormeceu logo
tas coisas aqui e ser eu mesmo. Algumas vezes eu tenho de em seguida.
me afastar daqui para poder ir mais fundo e então vou para Analista: "Você dormiu."
algum outro lugar. É como se eu deixasse o meu corpo aqui e Paciente: "Não sei por quê, pois não estou cansado."
vagueasse na minha mente." Pausa. "É difícil explicar essa Analista: "Existe algo realmente perigoso em mim, e foi a pala-
deriva em palavras. (Comparar com retraimentos anteriores.) vra impotente que você usou e quis usar alguns dias atrás
Eu tenho uma imagem, e parte de mim quer falar, mas uma para descrever o estado em que eu o deixei. O caso com a
outra parte diz: 'Não, você não pode', e o resultado é o silên- moça acabou ao mesmo tempo, e agora fico imaginando que
cio. Neste momento, encontro-me nesse estado, e correndo o o que aconteceu naquela sessão talvez tenha sido tão impor-
142 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 143

tante para que ocorresse o rompimento quanto a mudança ção muito maior para capturar a atenção de uma mulher. A
que você disse ter ocorrido na moça." frase 'não estou pronto para isso' me ocorre. É tudo muito
Paciente: "Sim." Ele adormeceu momentaneamente. "É uma ta- vago."
refa muito difícil evitar adormecer. Se fico acordado, repri- Analista: "Parece que você conservou o seu pênis e a sua potên-
mo meus pensamentos; se afrouxo o controle, eu durmo." cia física em parte porque desistiu de fazer amor e de atrair
Analista: "Então, de forma geral, dormir é a alternativa mais pro- ativamente a atenção."
dutiva." Paciente: "Eu ainda acrescentaria a essas coisas negativas o fato
Paciente: "Pela primeira vez em semanas, sinto que não existe de não ficar à vontade ou alegre. É curioso como é difícil
nenhum problema imediato, nenhuma distração, e é por isso para mim ficar alegre, exige muito esforço."
que se manifestou a minha relutância. Eu gostaria de saber Analista: "Parece que existem estas duas alternativas, e se você
do que eu tenho medo." agora começa a ser capaz de fazer amor ativamente, em vez
Analista: "Tem medo de permitir que você mesmo venha, entre
de se deixar escolher passivamente, você descobre que tem
em contato comigo, e seja mutilado."
um novo medo - a impotência."
Paciente: "Quem será mutilado? Eu ou o outro?"
Paciente: "Tive uma idéia curiosa. Tudo isso parece fútil porque
Analista: "Você." Ele adormeceu momentaneamente.
meu pai está morto. Eu nunca me deparei com isso antes. Se
Paciente: "Existe wna analogia entre deixar a moça e deixar a
é um caso de rivalidade, então o problema é acadêmico, já
análise. Eu luto para continuar aqui, e fujo da idéia de ser
mutilado." que meu pai está morto. Sinto que sua morte afeta as coisas
Analista: "Logo chegará o final da sessão, quando a minha posi- de duas maneiras: primeiro, eu reconheço que ele está mor-
ção será literalmente a de alguém que o está mutilando. Digo to; segundo, o assunto foi discutido."
isto enquanto você está aqui e antes que chegue o momento Analista: "Parece engraçado, mas neste momento eu acho que
de parar. Creio que você sentiu como uma séria mutilação você está esquecendo que eu estou vivo. Está na hora."
que lhe impus."
Paciente: "A questão do sono está sendo excepcional hoje. Deve
ter alguma relação com a perfeição do meu pai, a minha in- Terça-feira, 17 de maio
capacidade de competir, e tudo o mais."
(Apesar de ter dito "sim" todas as vezes que adormece- Paciente: "Eu tenho muita coisa a dizer hoje, mas vou começar
ra, era como se o paciente não houvesse realmente escutado com aquilo que você falou da última vez. Você disse que es-
a minha interpretação.) tava vivo. Eu havia percebido que na última sessão você não
Analista: "Sim, a rivalidade entre você e seu pai traz alguns peri- me serviu de nada. Acho agora que isso já simbolizava o fato
gos, especialmente se estiver incluída na situação a idéia de de que você não estava vivo. Você estar vivo significa estar
fazer amor ativamente. Não estou certo: você sente seu pai fazendo coisas, fazendo alguma diferença. Eu percebi que
como sendo capaz de fazer amor?" não tinha nenhum tipo de sentimento por você; nem admira-
ção nem amor nem ódio. É como se eu achasse que você não
estava vivo."
Pausa Analista: "Então, dizer que eu estava vivo não fez muita diferença."
Paciente: ''Não, não é isso que eu queria dizer. Essa declaração
Paciente: "Não tenho nada a acrescentar, a menos que diga o mes- trouxe o assunto à tona e pôs em relevo algo que surgiu a
mo em outras palavras. É necessário um trabalho de adapta- partir de uma discussão que tive com minha esposa. Eu a
..
144 Holding e inte1pretação Fragmento de uma análise 145

forcei a falar e a fazer confissões. Eu perguntei por que ela latão.' E, se fosse honesto e achasse que o tratamento não es-
havia desistido da idéia de vir aqui visitá-lo. Ela sempre se tava surtindo nenhum efeito, você já o teria interrompido. Se
recusou a dizer por que desistiu e chegou mesmo a dizer: 'Eu a minha esposa prometesse que ficaria comigo caso eu aban-
nunca vou contar.' Eu imaginava que na época ela estava donasse a análise, eu tentaria não vir mais. Só que ela não
pensando na possibilidade de que eu cometesse suicídio, caso prometeu. Além disso, se prometesse, será que conseguiria
ela me deixasse. E ela agora admitiu que queria lhe pergun- manter a palavra? Fico me perguntando o que nós consegui-
tar o que eu poderia fazer se ela me deixasse. Só que ela não mos aqui. O problema é que eu sempre tento forçar os outros
levou o plano adiante porque decidiu não me abandonar na- a tomar decisões por mim. Eu gostaria de obrigá-lo a dizer
quele momento, apesar de ter um namorado. Há algwn tem- algo, mas, por outro lado, se você tomar uma decisão, eu me
po você disse que não sabia como era a minha esposa porque
sentirei infantil."
eu nunca a havia descrito enquanto pessoa. Achei que você Analista: "Acho que, ao falar sobre estes assuntos, você não está
estava insinuando que sentira vontade de fazê-lo e depois ha-
levando em conta a cooperação inconsciente. Se não conse-
via desistido. Ao mesmo tempo cheguei a pensar que vocês
guisse nenhuma ajuda comigo, acho que você já teria ido
haviam se comunicado sem que eu soubesse."
embora."
Analista: "O que você sentiria se descobrisse que eu entrei em
Paciente: "Eu sempre espero o momento em que você vai dizer
contato com ela?"
que, embora ainda haja muito a ser feito, chegamos ao final
Paciente: "Eu ficaria abalado, embora não tenha me incomodado
por minha mãe ter falado com você sem que eu soubesse. Foi daquilo que você podia fazer."
uma atitude razoável, pois eu não era capaz de dirigir a mi- Analista: "Sim, é possível."
nha própria vida. Agora, porém, eu ficaria muito aborrecido. Paciente: "Na última sessão eu tive dúvidas: 'Será que Winnicott
Minha esposa tentou me persuadir a não ir para o hospital, a consegue?'"
não parar de trabalhar e a não fazer psicanálise. Ela me ofe- Analista: "Existem duas formas de encarar a situação. Uma delas
receu mais um motivo para explicar por que não queria que é a racional, sobre a qual você já falou. Mas devemos consi-
eu fosse para o hospital como paciente. Ela temia que, por derar também a manifestação iminente de muitas angústias
causa do seu namorado, ela não fosse capaz de resistir à ten- decorrentes do reconhecimento de que pode haver rivalidade
tação de me abandonar. Naquele momento eu não tinha ne- entre homens e de que, no confronto entre dois homens, um
nhuma força. Quanto à sua hostilidade pela psicanálise, ela deles pode ser mutilado, em vez de morto. Incidentalmente,
se deve em parte ao fato de que eu sempre lhe disse que era você se atrasou na última sessão, o que é bastante incomum.
contra a psicanálise, e ela ficou horrorizada com a minha Eu sabia o tempo todo que você se sentiria interrompido ao
fraqueza. Ela considera a psicanálise uma forma dispendiosa final da sessão."
de charlatanice. Isto levanta uma questão: O que eu consegui Paciente: "Eu notei que, ultimamente, não tenho me preocupado
na análise? Será que eu não conseguiria o mesmo resultado muito em ser pontual. Hoje é terça-feira, dia em que você
sem vir até aqui? Até certo ponto eu concordo com a minha normalmente me deixa esperando. Antigamente, eu teria
esposa. Eu me lembro da minha doença três vezes por sema- corrido o risco e chegaria no horário. Hoje eu cheguei alguns
na, e é isso que minha esposa diz, e a implicação é que eu minutos atrasado e foi por minha própria culpa. É só uma
não deveria vir e que o melhor seria deixar o desenvolvimen- questão de alterar a ênfase."
to normal acontecer. Acho que você não pode me dar uma Analista: "O seu medo de chegar atrasado parece estar realmente
resposta. É claro que você não vai dizer: 'Sim, sou um char- diminuindo."
J46 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 14 7

Paciente: "Sinto que me atrevi a chegar muito atrasado. Os pou- recado? E também: Será que não estou entrando num cami-
cos minutos que eu cheguei atrasado hoje simbolizam estar nho sem retorno? Será que não estou tornando inevitável a
incrivelmente atrasado. Foi um protesto silencioso. Parece carreira acadêmica?"
que eu ainda não havia lidado com isto antes. Nunca me per- Analista: "Isso certamente significaria nunca fazer um serviço
miti olhar as horas durante a sessão. Eu nunca olho o meu re- cirúrgico."
lógio. Sinto que não devo fazê-lo. O fato de não haver ne- Paciente: "Não, isso não é importante. O problema é que esse tra-
nhum relógio exposto deve fazer parte da técnica de induzir balho me daria muitas oportunidades de ser indisciplinado.
o relaxamento. Ultimamente eu tenho olhado para o relógio No meu trabalho atual, fico preso pelos meus pacientes e por
disfarçadamente, mas achei que estava sendo rude. Não sei suas necessidades. Se aceitasse o convite, eu poderia me tor-
por quê." nar indolente. De muitas formas, eu demonstro a mim mes-
Analista: "Incidentalmente, o que você quer dizer é que olhar para mo que não tenho disciplina. Por exemplo, eu decidi parar de
o relógio significa verificar se o dinheiro da análise está sen- fumar, mas continuo fumando. Em parte, isso é fraqueza,
do bem empregado." mas também é desafio. Eu tenho de fumar para desafiar a
Paciente: "Bem, depois do arranjo atual eu às vezes recebo mais minha própria disciplina."
tempo. Quando isso acontece é como se você estivesse me Analista: "Há alguma coisa dentro de você que o controla e é tão
dando um presente. Se eu olhasse para o relógio eu me senti- forte que você sente que ela pode paralisá-lo. Assim, você
ria na obrigação de avisar que estava na hora de encerrar." tem de desafiá-la para preservar a liberdade."
Analista: "Com esses procedimentos, você está se colocando Paciente: "Às vezes, quando eu tenho tempo livre, não consigo
simbolicamente em situações de rivalidade comigo." me fazer trabalhar. Não fosse assim, esse impulso interno me
Paciente: "Gostaria de voltar ao ponto em que estava, sobre minha tornaria desumano. O tempo todo eu sinto que não quero
esposa. Eu certamente não sei o que quero e não sei o que perder alguma coisa, e eu posso perder tudo se me deixar do-
devo querer. Acho que seria irreal fazê-la voltar atrás em sua minar por essa força interior que me disciplina."
decisão, tentar uma barganha com ela. Não valeria a pena." Analista: "Se puder esperar até realmente querer fazer alguma
coisa, seja lá o que for, você se sentirá melhor em relação a
isso."
Pausa Paciente: "Mas eu quero tantas coisas. Por exemplo, há o desejo
momentâneo, mas também a necessidade de ser bom. O de-
Analista: "Sua esposa ainda é contrária à psicanálise?" sejo primitivo não é o mais importante. Eu sinto uma neces-
Paciente: "Sim, é provável, mas ela não diz isso abertamente. Se sidade de ser bom que está baseada no medo. Eu não quero
o fizesse, ela teria de oferecer alguma coisa em troca. Ela di- ser bom por causa do medo, já que isso me torna mais solitá-
ria que gostaria de me ver sobre meus próprios pés. O pro- rio. Se eu me sair bem no novo trabalho, eu me tornarei dis-
blema é que ela nunca acreditou que eu estivesse doente ou tante, e essa perspectiva é terrível. No final do dia, eu sim-
precisando de ajuda. Conseqüentemente, o que quer que plesmente vou para casa e a vida pára. Percebo que não que-
aconteça agora, do seu ponto de vista, será uma falha do tra- ro ficar sozinho com minha esposa porque eu me sinto isola-
tamento psicanalítico. Já me convidaram para o estágio de do, e ela praticamente não tem amigos. De certa forma, isto
especialidade no hospital. Fiquei muito entusiasmado. Signi- é uma oposição à idéia de crescer, de ser um pai. Quando so-
fica mais prestígio e mais dinheiro. Mas aí eu percebi que mos crianças, somos crianças todos juntos; os pais, porém,
era muito perigoso. A questão é: será que posso dar conta do são solitários. A minha dificuldade em falar com as pessoas
148 Holding e inte1pretação Fragmento de uma análise 149

é a mesma coisa. Eu tenho medo de dominar; eu disfarço, também uma dúvida consciente: será que eu tenho capacida-
não tenho nada a dizer, e eles começam a conversa, e então de? Alguma coisa aconteceu naquele momento, uma ima-
eu entro no meio e evito a solidão." gem: alguém, vindo de fora, entrou na casa. Existem fatores
desconhecidos do lado de fora, mas é possível lidar com a
ansiedade interna. Portanto, eu fecho a porta para evitar a in-
Quarta-feira, 18 de maio terferência de fatores externos." Pausa. "Parece que eu estou
indo embora. Pensei, por exemplo, num filme que eu vi on-
(Nesse dia eu estava muito cansado, e foi com grande esfor- tem à noite. Parece que estou preferindo a fuga. Eu poderia
ço que consegui chegar ao final. As provas disso são claras. Opa- dizer que, se produzo idéias, isto é trabalho. Mas o relaxa-
ciente não estava sonolento.) mento que parece ser exigido de mim aqui é o oposto; não
Paciente: "Ontem nós paramos no meio de alguma coisa. Não con- surge nenhuma idéia ou então eu divago e me perco."
sigo lembrar o que era. Sei que eu disse algo sobre olhar para Analista: "Ontem você saiu e foi para onde exatamente? Que fil-
o relógio e sobre as técnicas para evitar ser interrompido." me você viu?"
Analista: "No momento, eu não sei dizer o que houve no final da Paciente: "Bem, eu fui ver Carmen Jon es."
última sessão, mas, assim que lembrar, eu aviso." Analista: Eu disse que havia visto o filme.
Paciente: "Não sei o que era. Sinto que meu esquecimento é um Paciente: "Uma caricatura de Carmen. Tem relação com o pro-
protesto definido contra alguma coisa. Houve alguma coisa blema do hospital, onde as enfermeiras negras estão gradual-
sobre a atitude da minha esposa, e você falou sobre formas mente substituindo as brancas. Todo o elenco do filme é ne-
inconscientes de cooperação." Pausa. "Acho que não tenho gro, e isto em si é anormal. Mesmo nos Estados Unidos você
mesmo nada a dizer." não encontraria só negros. Por isso, o filme era remoto, era
Analista: "Lembro agora que, no final da sessão, você disse que diferente do real, de forma que os negros e as enfermeiras
se sentiria sozinho se estivesse na posição de pai, mas que, negras não preenchem o papel da amizade."
se estivesse na posição de criança, teria outros com você." Analista: "Você saiu esperando encontrar crianças com quem
Paciente: "Ah, sim, isso faz sentido quando minha esposa diz que brincar, mas não havia nem irmãos nem irmãs adequados."
eu sou infantil e reclamo muito. Sinto isto inconscientemen-
te. Pode-se dizer que faço isso de propósito."
Analista: "Isso é um tipo de jogo. Parece que há na sua mente Pausa
uma distinção bastante nítida entre estar na posição de pai e
estar na posição de filho, como se as duas fossem mutua- Paciente: "Há algo que entra nesse contexto. Eu fui ao cinema
mente exclusivas." com a minha namorada, e ela me contou que teve um caso
Paciente: "Também existe o medo de falar das coisas. A questão com um egípcio, só para experimentar. Aí eu pensei: Será
é: será que o que eu vou dizer vai cair bem? Sinto que meu que eu também não sou uma experiência? Tudo fica muito
discurso é artificial e rígido." impessoal. Será que eu conseguiria tentar uma experiência
Analista: "Nos dois extremos, ou você é dirigido ou você dirige." com uma mulher negra? Existe aqui um contraste em relação
Paciente: "Não, é mais a sensação de que os outros vão depender à minha esposa, que, apesar do namorado, ainda tem horror
de mim. Não é exatamente a mesma coisa. É a mesma idéia à infidelidade. Ela nunca consideraria a hipótese da infideli-
dita de forma diferente. Eu devo dizer que a ansiedade acer- dade, mesmo num nível abstrato. Ela se sente muito descon-
ca do novo trabalho não é só do inconsciente profundo. É fortável por ter um namorado porque, em sua mente, ela não
/ .f{J _ ________________ Holding e interpretação Fragmento de uma análise 151

consegue admitir a idéia de ter dois ao mesmo tempo. A Paciente: "Estava desligado de novo, pensando no hospital." (Eu
idéia de fidelidade absoluta parece-me muito abstrata e, por- mesmo estava achando difícil prestar atenção.)
tanto, sem importância. Minha infidelidade não importa, en- Analista: (Fiz esta interpretação mais para me manter do que por
quanto eu for ideologicamente fiel. Acho que esse foi um qualquer outra razão.)
dos motivos que a levou a pensar que iria me deixar; ela não "Quando chegamos a idéias de rivalidade entre mim e
podia suportar a idéia de infidelidade." (Anotações não mui- você, você se vê em dificuldades. Por exemplo, você nunca se
to claras neste trecho.) Pausa. "Deixando de lado por um referiu ao modo como me utiliza no nosso relacionamento."
momento a situação das crianças, não consigo entender por Paciente: "Minha esposa me despreza e eu compartilho seus sen-
que me apego a wna situação sem esperança na relação com timentos. Se dependo de você ou dela para uma decisão,
a minha esposa. Talvez porque eu veja a minha esposa como como está acontecendo, não posso decidir se devo ou não in-
uma mãe. E como se eu estivesse me agarrando a uma figura terromper a análise. Há duas noites, ela me disse que o na-
materna." Pausa. "Fico paralisado." morado havia decidido abandonar a esposa e que ela achava
Analista: "Você parece capaz de ser uma criança em relação à
isso importante. Foi a primeira vez que ela deixou isso claro.
mãe; mas, se você se torna uma criança, não existem outras
Ela estava em posição de decidir o que fazer em relação ao
crianças."
namorado. Ele certamente não lhe disse, como sinto que es-
Paciente: "Tenho quatro coisas a dizer sobre isso. Primeiro, ao
tou fazendo, que, se ela fosse morar com ele, ele abandona-
me agarrar à minha esposa, eu sou a única criança. Em se-
gundo lugar, agarrar-me à esposa dessa maneira é anormal; a ria a esposa. Primeiro, ele tomou a sua própria decisão. Mi-
sociedade não aceita, mesmo que a esposa assim o deseje, o nha esposa gostaria que eu tomasse uma decisão sobre a psi-
que certamente não é o caso. Em terceiro lugar, sei que mi- canálise, e não que tentasse fazer uma barganha, dizendo
nha esposa despreza essa atitude. Em quarto, mesmo eu des- que abandonaria tudo se ela decidisse ficar comigo."
prezo tal coisa. Então, eu a abandono para carregar o peso da
decisão de vir aqui. Isso não tinha importância quando eu es-
tava doente. Na época eu podia ignorar o julgamento da mi- Quinta-feira, 19 de maio
nha esposa, mas agora sinto que as idéias dela oferecem um
desafio real. Ao vir aqui, eu me torno desprezível. Isso aos Paciente: "Mais uma vez esqueci o que aconteceu ontem. A mi-
olhos dela, e ela pode ver que minha mãe e minha irmã, que nha tendência é sempre esquecer, mas isso se manifestou de
fizeram muito tempo de análise, não são normais e, na ver- maneira especialmente nítida nas duas últimas sessões. Além
dade, voltaram a fazer análise. Minha mãe ainda é extrema- disso, estou com sono outra vez, embora não exista nenhum
mente instável, e isso reforça a idéia de que psicanálise é motivo para isso, isto é, não posso dizer que estou cansado."
charlatanice." Analista: "Acho que hoje seria melhor eu não tentar lembrá-lo e,
Analista: Tentei expor-lhe os dois lados da idéia de abandonar a sim, deixar as coisas acontecerem. Contudo, gostaria de di-
análise: o racional, que ele estava descrevendo claramente, e zer que ontem eu estava muito cansado e isto pode tê-lo afe-
o outro, os medos próprios do desenvolvimento, na análise, tado. Vou mencionar também que, no final da sessão, você
de uma situação triangular, da situação de rivalidade e do me- fez uma crítica ao excesso de branco por aqui, depois que
do de castração. Minha interpretação não foi dada claramen- mencionei que a casa em frente estava sendo pintada."
te porque eu estava cansado e também porque não sabia exa- Paciente: "Eu gostaria de falar sobre esse último tema. Eu real-
tamente qual seria a melhor interpretação a ser dada. mente gostava do amarelo daquela casa. Eu pensava que fos-
J52 Holding e inlerpretação Fragmen/o de uma análise 153

se a cor natural da pedra, mas agora sei que era pintura. O Analista: "Ao pensar em si mesmo como sendo entediante, você
fato é que sinto que você tem uma política deliberada de não está simplesmente atribuindo o meu cansaço a alguma coi-
usar cores e oferecer uma atmosfera neutra." sa em você e rejeitando a idéia de que eu tenho uma vida
Analista: "Sim, há alguma verdade no que você diz. Os meus privada."
quadros, por exemplo, não são muito gritantes." Paciente: "Pela primeira vez na análise eu reconheço que sinto
Paciente: "A questão é: Será que isso é uma técnica ou Winnicott ciúme: você tem outros pacientes."
é assim mesmo? É esta a sua forma de ver as coisas? Por Analista: "Isto me faz lembrar: Você disse que, se sua esposa as-
exemplo, às vezes você tem aqui um vasinho com uma só flor sume o papel maternal, você se vê como filho único. Na últi-
dentro. Parece-me um tanto mesquinho ou impotente, como ma sessão você também disse que a sua esposa havia lhe fa-
se você não pudesse produzir, como se você fosse estéril. O lado sobre o namorado, que não havia tentado fazer uma bar-
que eu temo é que no final da análise eu fique com essa pers- ganha com ela."
pectiva estéril. Por exemplo, eu não tenho fotografias na mi- Paciente: "Ah, sim, lembro-me de tudo isso. Certamente sinto que
nha sala. Nada da família. Eu não quero que isso seja a ver- devo ser cuidadoso. Antes de desistir de alguma coisa, preci-
dade para sempre. Uma vez eu li um romance e, na parte mais so ter outra disponível." Pausa. "Parece que cheguei a um im-
significativa, havia uma enfermeira, num navio, que não ti- passe." Pausa. "Lembro que na semana passada eu disse que
nha nenhum sentimento. Para expressar a dureza da persona- não podia me sustentar em meus próprios pés, e você disse
gem, o autor disse que na sua cabine não havia nenhum or- que eu tive de me sustentar em meus próprios pés muito cedo.
namento, nenhuma fotografia. Eu não quero descobrir que Isto parece se ajustar à idéia de que tenho de ter certeza da
sou realmente assim." existência de algum apoio antes de caminhar sozinho."
Analista: "Existe então um risco: se eu for assim, a análise irá Analista: "A expressão 'sustentar-se nos próprios pés' me faz
deixá-lo tal como está." lembrar da cena que você descreveu certa vez: Um bebê no
Paciente: "Sim. Há o risco de que eu permaneça, de certa forma, colo de sua mãe, tentando ficar de pé em seus próprios pés, o
despersonalizado. Quando estive na Suíça, percebi o quanto que produzia dor em seus membros inferiores."
o país era limpo e desinteressante. O povo suíço me parece Paciente: "Isso é realmente parte do retrato de uma criança an-
muito sem graça. Não há nenhum sinal de grande cultura. Há dando e se segurando nas coisas."
mais um episódio sobre o mesmo assunto. Eu vi um docu- Analista: "Se as pessoas deixam de segurar uma criança nos está-
mentário italiano que mostrava trens elétricos, sem fuligem gios iniciais, então a criança tem de se segurar sozinha."
nem sujeira. Eficientes, mas faltava a poderosa máquina, Paciente: "Depois da última sessão, fiquei achando que a mastur-
que é um símbolo romântico. Haverá uma perda dramática bação funciona como um amortecedor, algo que se coloca
se as máquinas a vapor forem abolidas." entre você e a ausência de relações sexuais. É algo em que se
Analista: "Isto me faz lembrar de algo que aconteceu na última pode segurar. Eu não posso tolerar a idéia de não ter relações
sessão, quando eu disse: 'Eu estou vivo.'" sexuais, e uma das maneiras de superar esta dificuldade é
Paciente: "Isso foi há duas sessões. Eu também estou descobrin- fingir que não há necessidade. E isso é segurar-se em algu-
do coisas sobre você que transcendem a idéia do psicanalista ma coisa também."
perfeito. Eu costumava pensar que o psicanalista sempre ti- Analista: "Você pode estar falando também sobre chupar o dedo."
nha o comando. Fico imaginando se você conseguiria pros- (Eu sabia que o paciente e eu estávamos nos comunicando
seguir cansado. Eu devo ser muito entediante." sem direção. Senti que, enquanto analista, estava confuso, li-
154 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 155

dando simplesmente com os pontos imediatos que haviam abandonado e, de qualquer forma, ser independente e ter de
sido levantados, e imaginando como voltar para o processo desenvolver a dependência todos os dias durante a hora ana-
do próprio paciente, que eu sentia ter sido afetado em algum lítica deve ser exaustivo."
momento que eu não poderia determinar com exatidão.) Paciente: "Eu certamente me sinto abandonado quando você não
"Acho que você está me dizendo que voltou a se masturbar." diz nada depois que eu faço alguma observação."
Paciente: "Sim, mas eu nunca parei totalmente. De certa forma, Analista: "A atitude de sua namorada também deve ser levada em
eu usei isso como parâmetro de progresso. Não conseguir consideração, já que você deve senti-la como uma rejeição,
deixar de praticá-la parece-me ser um símbolo de progresso não só dela, como também minha, já que ela representa al-
incompleto. Supostamente, o relacionamento com a moça guns aspectos de mim. Eu mencionei que estava cansado da
tornaria a masturbação desnecessária, mas não foi isto que última vez porque achei que você se sentiria rejeitado, já que
ocorreu. E, na verdade, não deveria ocorrer, já que isso sig- é muito sensível nesse aspecto."
nificaria que o objetivo da relação era simplesmente livrar- Paciente: "Para dizer a verdade, eu nem havia reparado. Eu não
me da masturbação, e não obter algo positivo do relaciona- estava aqui por inteiro."
mento em si. De qualquer forma, considero a masturbação Analista: "Sim, acho possível você não ter percebido, mas eu não
um vício inofensivo." tinha certeza. Você falou também sobre os negros do filme e
Analista: (Deveria existir uma relação entre a masturbação e o do hospital, e do experimento. A questão que surge é saber
medo de castração, e era importante que ele me revelasse o se a análise é ou não um experimento. A neutralidade da at-
retorno da masturbação. Achei que esta não era a interpreta- mosfera psicanalítica parece se associar ao sentimento de
ção adequada para este momento.) que os negros não poderiam lhe proporcionar wna relação."
Paciente: "Eu reconheço que a psicanálise não é infalível. No iní-
cio, eu tive de pressupor que as falhas do analista, que eu re-
Pausa conhecia intelectualmente, não se aplicavam ao meu analis-
ta. Eu compreendo que acreditar num grande progresso é
Paciente: "Eu percebo uma contradição. Estou tentando conquis- uma aposta."
tar a independência, mas, vindo aqui, estou mais dependen- Analista: "Eu acho que quando você veio até mim, era fundamen-
te. Minha esposa não compreende isso, e, para dizer a verda- tal que eu o procurasse e, portanto, que assumisse toda a res-
de, eu também não." ponsabilidade. Você estava doente e aceitou isso facilmente,
Analista: (Julguei que este era o momento de tentar unir todos os mas agora, que está comparativamente bem, você tem de to-
elementos e, portanto, fiz uma longa interpretação, possível mar a decisão de vir aqui me ver e de assumir todos os ris-
porque ele estava inteiramente desperto.) cos, e isso é muito doloroso."
Eu disse que havia ocorrido um retorno à relação entre Paciente: "É wna questão dificil. Quando é seguro ir embora?
duas pessoas, ele como wn menino e a sua mãe, algo que ti- Não posso saber até que eu tente. É como aprender a patinar;
vera início com a palavra "meio" e que persistira até o surgi- enquanto você se segura, você não consegue patinar. Então,
mento de uma terceira pessoa. o que eu vejo é que não será uma transição, mas wna quebra
Paciente: "Minha esposa critica a psicanálise por causa da depen- repentina. Eu terei de tomar uma decisão dramática, a menos
dência. que você me diga para não vir mais aqui. Aconteceu o mes-
Analista: "Para você é muito doloroso ser dependente, especial- mo quando eu aprendi a nadar e a andar de bicicleta. Meu
mente agora que está melhorando. Você corre o risco de ser pai me segurava e, de repente, me soltava. Eu achava que ele
156 l lolding e interpretação
Fragmento de uma análise 157

estava me segurando, mas, na realidade, não estava. Funcio-


nou, mas eu temo que o mesmo aconteça aqui. Você pode re- disponho de poucas pessoas úteis, e agora eu sinto que o nú-
pentinamente dizer: 'Bem, você agora está sozinho.' Embora mero de pessoas de quem me posso valer está aumentando
gradualmente."
tenha funcionado com a bicicleta, seria um choque para mim
se acontecesse aqui." Analista: "Se você pode suportar a solidão, então você está numa
Analista: Eu disse que havia certas dificuldades desde o surgi- posição melhor para fazer contatos, porque, se você teme a
mento da terceira pessoa e que o curso da análise fora afeta- solidão, esse temor estraga todos os contatos logo de início."
do por um recuo diante das angústias decorrentes da situação Paciente: "As pessoas só apreciam a sua companhia quando você
de rivalidade. O alívio que poderia ser oferecido por uma si- não fica preocupado se vai ou não encontrá-las. Mas agora
tuação triangular era algo que ele não podia obter por causa eu estou exigindo menos dos outros. Além disso, estou mui-
desse recuo. Portanto, a questão do momento era a dicotomia to menos tenso. Conversar com as pessoas não é uma tarefa
dependência/independência ou, alternativamente, o medo de fácil; requer esforço, e o tempo todo eu tenho a sensação de
ser abandonado. que devo estar entediando todos." Pausa. "No início da ses-
"Se partisse agora, neste momento, você estaria estabe- são eu pensava sobre a atitude de não falar. É algo que acon-
lecendo a independência ou evitando o abandono, mas isto tece aqui. Fico quase que obcecado com a idéia de que eu
significaria o rompimento da relação bipessoal e, no seu devo produzir algo interessante. Lembro-me que nos tempos
caso, significaria evitar os novos aspectos da situação trian- da Queen Anne Street (o primeiro tratamento), eu vivia di-
gular. Na situação triangular, você tem a chance de vencer ou zendo: 'Não tenho nada que valha a pena ser dito.' Se eu fa-
de perder no sonho de lutar com o pai, e o medo de ser rejei- lava de coisas comuns, achava isso idiota, frívolo, mas aqui
tado é substituído pelo medo de ser morto ou mutilado. A eu às vezes não digo as coisas porque sinto que elas não va-
sessão importante foi aquela que fez você sentir-se impoten- lem a pena. Fora daqui, eu vejo outras pessoas falarem sobre
te. Foi como se eu houvesse danificado a sua potência e ter- coisas sem importância e, portanto, tenho de admitir que
minado a relação com a sua namorada." isso é normal; então, eu faço um esforço para aprender a
'matraquear'. Aqui eu não me sinto constrangido por causa
disso. Talvez eu pudesse falar sobre as coisas que eu vejo e
Segunda-feira, 23 de maio outras ninharias; se considerar essas coisas seriamente, você
será paternalista, como se estivesse lidando com as divaga-
Paciente: "Novamente, não tenho nenhuma idéia definida. Posso ções de uma criança delirante - 'Claro, claro, está tudo bem,
dizer, porém, que, desde a última sessão, encontro-me num querido', etc. Você levaria isso a sério só aparentemente.
estado mental em que sinto que poderia lidar com os meus Existe uma dificuldade inerente às situações analíticas. Você
problemas sem ter de vir aqui, embora eu compreenda que constrói uma atmosfera de formalidade. Você finge ser sério
ganharei muito mais se vier. Ou seja, eu conseguiria 'me e coisas assim. Talvez você esteja evitando dar risadas. Eu
arranjar'. Essa capacidade depende, em parte, de fatores ex- sinto que toda a minha verborréia é imensamente valiosa,
ternos, mas eu tenho de considerar o que aconteceria se as mas você poderia estar dando risadas. Se você dissesse que
dificuldades externas se repetissem. Contudo, a minha capa- alguma dessas coisas era bobagem, eu me sentiria arrasado."
cidade para lidar com adversidades agora é maior. A princi- Analista: "Existem dois elementos no seu discurso, a tagarelice e
pal adversidade é a solidão, e acho que agora ela é menos o conteúdo. A tagarelice, que é diversa do conversar e que
preocupante do que já foi. Sinto-me mais solitário quando deriva do balbuciar, é algo que um bebê faz como prova de
estar vivo."
158 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 159

Paciente: "Mas eu sinto que preciso me convencer de que o que Paciente: "Eu me referia à segunda opção."
não é sério também é aceitável, embora, teoricamente, eu Analista: "Podem muito bem ter ocorrido situações em que você
saiba muito bem que, para o analista, é aceitável. A única tagarelou e a outra pessoa foi embora. Se a conversa fosse
coisa que me resta é esforçar-me para ser frívolo e depois re- interessante, ela ficaria."
pudiar essa atitude rapidamente, especialmente se ela não Paciente: "Isto deve ocorrer com muita freqüência na infância."
funcionar." Pausa. "Parece que eu estou procurando urna for- Analista: "Talvez estejamos lidando com a primeira vez que isto
ma de começar. Como posso expressar a dificuldade que te- aconteceu; alguém que estava preocupado com você repenti-
nho para tagarelar ou conversar sobre coisas sem importân- namente ficou preocupado com alguma outra coisa. Para ilus-
cia? Eu posso chegar repentinamente a um final. Não exis- trar isto, posso mencionar as suas preocupações ocasionais,
tem mais palavras. É urna situação absurda. Parar significa quando, nas suas palavras, você se afasta de mim."
mostrar que estou envergonhado." Pausa. "Outra vez me Paciente: "Talvez eu tenha tentado atacar, ou melhor, atrair a
ocorre a idéia de esperar, na esperança de que outros falem. atenção de minha mãe, ela fez pouco caso e eu me senti ig-
É um método de evitar responsabilidades. Se o outro come- norado. Então, eu decidi não dar mais oportunidades para
ça, ele não pode objetar. De qualquer forma, desse jeito que fizessem pouco caso de mim."
pode-se evitar que os outros riam de nós." Analista: "Provavelmente você sente que me insulta ao me aban-
Analista: "Parece muito provável que wna vez, ou muitas, num donar."
determinado período, você tenha tagarelado, e as pessoas te- Paciente: "Não, não é essa a impressão que tenho. Quando eu vol-
nham rido de você. Isso deve ter sido traumático, e, na sua to, não estou preocupado com isso. Eu posso voltar para con-
mente, você deve ter dito: 'Nunca mais.'" tinuar com a análise. Às vezes seria bom poder falar sobre
Paciente: "É claro que posso ter passado por uma ocorrência es- coisas triviais, não ter de trabalhar tão sério."
pecífica do tipo que você está descrevendo. O problema é Analista: "Você não acredita que eu possa achá-lo infantil e, ain-
que não conseguimos descobrir ocorrências específicas aqui da assim, permitir isso. Na verdade, você nunca foi capaz de
- e com isso a situação perde em dramaticidade." fazer isso aqui."
Analista: "Neste caso pode haver algo específico, algo que se re- Paciente: "Um paciente no hospital descreveu uma sessão com o
laciona com a questão de ser amado ou ser amado sob certas analista. Ele não tinha nada a dizer e, então, falou sobre ópe-
condições. A segunda opção só lhe servirá se a primeira já ra. Ele não achava certo fazer isso, mas fez porque sentia
prevaleceu. Lembro-me também das palavrns 'interrompido desprezo pelo analista. 'Você não serve para nada, portanto,
no meio do caminho'. A idéia é de algwn dano sendo causa- vou tratá-lo como merece.' Só que ele ficou surpreso quando
do a você." descobriu que aquilo que havia dito foi levado a sério e que
Paciente: "É intolerável pensar em conversar com alguém, a pes- algo surgiu dali."
soa não estar presente, e eu falar com o vazio." Analista: "Na medida em que você se traz para a análise não se
Analista: "Para mim sempre existe o problema de saber se devo pode esperar que vá tagarelar porque, ao vir aqui, como você
me preocupar com o que você diz ou o fato de você estar faz, para apresentar um relato, você pode expressar o conteú-
conversando." do 'no outro aspecto do conversar'."
Paciente: "A questão é saber se você se importa em me ouvir Paciente: "Num certo sentido, é uma posição absurda porque ve-
ou não." nho aqui para ser capaz de fazer o que eu não posso fazer,
Analista: "Existem duas possibilidades: a outra pessoa ir real- para ser capaz de fazer exatamente aquilo que você espera
mente embora, e a outra pessoa estar preocupada." que eu faça."
160 Holding e interpretação
Fragmenlo de uma análise 161
Analista: "Estamos falando sobre a sua incapacidade de me confiar
o cuidado infantil, de forma que você possa ser a criança." Paciente: "Isto me faz lembrar da brincadeira de esconder. Quan-
do eu era criança, eu achava esta brincadeira muito perigosa.
Se uma criança não é encontrada, os outros ficam preocupa-
Pausa dos. A sensação de abandono é intolerável."

Paciente: "É muito dificil ir adiante. Eu tenho de fazer uso de qual-


quer situação absurda, mas é a única forma. Sinto-me como se Terça-feira, 24 de maio
houvesse tentado ser espontâneo, e então fracassado."
Analista: "Eu gostaria de chamar sua atenção para o erro que Paciente: "Outra vez, eu não tenho nada em mente. Devem existir
você cometeu, quando disse atacar em vez de atrair." * momentos em que não surge nenhuma idéia. Se eu falasse
Paciente: "Ah, sim, eu me lembro."
apenas sobre trivialidades, seria o mesmo que nada. Lembro
Analista: "É possível que essa seja a palavra significativa da ses- que ontem você disse que talvez houvesse uma palavra signi-
são, a palavra 'atacar'."
ficativa para toda a sessão. Portanto, tudo o mais talvez não
Paciente: "Sim. Se for espontâneo, eu sinto que não serei aceito; precisasse ser dito."
então eu ataco para restaurar a situação. Isto deixa implícita Analista: "De certa forma, eu caí na minha própria armadilha, ao
a idéia de que os meus ataques de humor representam o im-
lidar com o conteúdo e ignorar temporariamente a tagarelice
pulso destrutivo dirigido à minha mãe porque ela não dava ein si."
ouvidos à minha tagarelice."
Paciente: "É muito raro surgirem dados valiosos, e eles são mais
Analista: "Pode ser que você esteja falando de um grau muito
elevado de raiva." importantes que horas de discussão. Sonhos e erros são tão
raros."
Paciente: "Novamente, existe o risco do final da sessão; isso re-
Analista: "O erro foi uma evidência de que você existe fora do
produz wna situação na qual a minha mãe, ou outra pessoa
qualquer, não está preparada para continuar a ouvir." seu discurso. Foi a evidência de um conflito com você mes-
Analista: "Ao pensar as coisas antecipadamente, você está se pro- mo e da existência de um contato em algum lugar."
tegendo de situações intoleráveis. Intoleráveis em parte por- Paciente: "Eu sinto que deveria tentar evitar a censura, mas isso é
que produzem raiva." muito dificil."
Paciente: "É como mergulhar. Se não me escutam, é como se eu Analista: "Uma coisa que sabemos é que você tem um enorme
me jogasse na água em vão e me afogasse. O autocontrole é medo de que riam de você e de ser interrompido no meio do
necessário, a menos que alguém me sustente." caminho. Assim, você se protege desses perigos. Noto que
Analista: "É como se você estivesse falando em se jogar para estamos falando novamente sobre a relação direta com a sua
alguém e descobrisse que essa pessoa não estava realmen- mãe ou com algwna outra pessoa que pode frustrá-lo. De
te pronta para você porque estava pensando em outra pes- uma forma ou de outra, você está perto da idéia de ser detido
soa. De nada valeria o seu pai soltar a bicicleta se o motivo pelo pai na relação com a sua mãe."
não fosse ajudá-lo a aprender e, sim, a preocupação com Paciente: "Isso me faz lembrar que o meu pai tinha o hábito de
outra pessoa." me provocar. Ele me deixava muito zangado e, a partir daí,
acho que surgiu um desejo destrutivo, de forma que eu que-
* No original, attacke attract. (N. da T.) ria matá-lo. Eu ficava muito aborrecido e ele continuava a
me provocar."
/61 _________________ Holding e interpretação Fragmento de uma análise 163

11alista: "Temos de lidar aqui com algo em seu pai, que evitava o Paciente: "Sim, meu pai faz o papel de censor. Eu só tenho suces-
confronto direto com você, mas que, no entanto, permitia so fingindo que o que eu digo não parte de mim." Pausa.
que seu antagonismo se manifestasse de forma indireta, atra- "Um dos elementos do sarcasmo e da sátira é o duplo sentido,
vés de provocações. Existe uma mágica na 'provocação' que que a outra pessoa pode não perceber; eu visualizo pessoas
tem um efeito para além do significado das palavras." feridas , realmente machucadas pelo sarcasmo. É mais eficaz
Paciente: "Existe algo nisso que me atrai muito: a sátira, o sarcas- que um ataque direto e, assim, eu tento ferir dessa forma."
mo, que eu uso contra a implicância. O efeito pode ser arra- Analista: "É importante que tudo possa ser feito dissimulada-
sador. É uma anna poderosa. A sátira me atrai muito mais do mente."
que um ataque direto. Se estou aborrecido, eu me expresso
através do sarcasmo, que pode ser muito sutil e que não pre-
cisa ser reconhecido pela vítima."
Pausa
Analista: "Então, através do sarcasmo e da sátira, você tem o po-
der de arrasar o seu oponente, e é muito importante para
Paciente: "Uma coisa dificil de expressar é o elogio amoroso; é
você partir do princípio de que eu não serei sarcástico."
mais dificil encontrar uma forma indireta de expressá-lo.
Paciente: "Eu fico imaginando se você é ou não eficiente, ou se
está ou não completamente vivo, porque você nunca se zan- Não consigo encontrar uma forma equivalente à sátira.
ga, nunca faz provocações, nunca é sarcástico e nunca é dog- Quando não consigo dar presentes é porque não estou pre-
mático. Você até se desculpa, está sempre disposto a recuar, sente na hora de comprar o presente. Se eu pudesse fazê-lo
a pedir desculpas. Se você está vivo, tem de ser mais domi- dissimuladamente talvez funcionasse. Por exemplo, se quero
nador. De um modo geral, antes de fazer uma interpretação, comprar flores para minha esposa, isso significa, em parte,
você espera. Se estivesse vivo, não esperaria. Além disso, que eu quero demonstrar afeição dissimuladamente. Há, po-
você nunca me orienta. Tudo isso é negativo." rém, o perigo de que ela ria de mim. A oferta pode ser recu-
Analista: "Isso significa que estou morto." sada. De certa forma, o quadro que eu faço é o de um meni-
Paciente: "O contraste com meu pai é total. Quando estava vivo, ninho, orgulhoso por presentear a mãe defecando, sendo ig-
ele fazia todas essas coisas que eu mencionei, ele assumia norado e sofrendo wna terrível decepção. Esta situação me
posições fortes . Assim, você está sendo a mãe, que não era vem à cabeça como uma idéia do que a psicanálise espera e
sarcástica, etc., etc." diz: a criança presenteia a mãe defecando e fica muito orgu-
Analista: "Portanto, é fácil para você relacionar-se com a sua mãe lhosa, mas o ato é ignorado, depreciado ou reprovado. Esta é
aqui." a minha interpretação em termos psicanalíticos."
Paciente: "O que me ocorre é que, se você for minha mãe, não Analista: "Não quero que passe despercebida a importância dessa
terá a menor utilidade porque eu já tenho uma. É pai que eu mesma coisa nos atos de balbuciar, tagarelar e conversar. E
não tenho." talvez no ato de urinar."
Analista: "Você vai perceber que sou sempre seu pai ou sua mãe, Paciente: "O ato de urinar não me ocorre neste contexto. Todas as
de forma que nunca há mais de duas pessoas aqui. Portanto, coisas que estou dizendo poderiam ser expressas na palavra
o que o perturba é, ora sua mãe, que pode se preocupar e 'preguiçoso'. Eu sei que a psicanálise não aceita a preguiça
fazê-lo sentir-se abandonado, ora seu pai, que está morto. A como uma coisa que existe por si só, e que a preguiça é a ex-
idéia do pai que se interpõe entre você e sua mãe não ocorre, pressão de objeções escondidas, etc. , mas muitas das minhas
a menos que pensemos no pai vivo, dentro de você, inter- dificuldades podem ser explicadas superficialmente como
rompendo a sua tagarelice." preguiça. Por exemplo, outro dia eu joguei tênis muito mal
164 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 165

porque estava com preguiça. Eu não corria para o lugar onde migo, o que quero dizer é que meu pai está zangado comigo.
sabia que a bola iria cair. Em vez disso, eu substituía o ato Quando digo que estou discutindo alguma coisa comigo
pela idéia de estar no lugar certo. Então eu descobri que te- mesmo, é meu pai e eu que estamos discutindo. Às vezes, eu
nho de agir e não apenas saber." sinto quase como se eu fosse meu pai."
Analista: "De uma forma ou de outra, isso impede o risco do fra- Analista: "A dificuldade é que você não consegue pensar no seu pai
casso." entrando no seu mundo ou mesmo respaldando esse mundo."
Paciente: "Eu pensei: 'Se eu correr e acertar a bola, ótimo, mas se Paciente: "A minha crítica a meu pai é válida. Ele nunca conse-
não acerto, vou passar por tolo. Se eu pensar em ficar mais guiu entrar no mundo de quem quer que fosse. As pessoas
para a esquerda, mas, na verdade, não me mover, poderei ex- simplesmente tinham de entrar no mundo dele."
plicar o fracasso.' O resultado final é ridículo: nem chego
perto da bola. Mas dessa forma eu evito um perigo ainda
mais sutil e também evito a culpa. Além disso, ao sacar, se eu Sexta-feira, 27 de maio
jogar a bola no lado errado e souber que está errado, ainda as-
sim, eu acerto. Afinal, poderia dar certo. A alternativa é mos- Paciente: "A questão é onde começar. Até onde posso ir através
trar que não sei nem mesmo jogar a bola para cima." do esforço consciente? No início, a análise era a esperança.
Analista: "Isso poderia se aplicar ao ato de 'conversar', não pode- Agora, acontece muito pouco aqui."
ria? Ao se abster, você evita cometer erros, como o que ocor- Analista: "Eu acho que você está considerando a possibilidade de
reu quando usou a palavra 'atacar'." se levantar e andar enquanto está aqui."
Paciente: "É a mesma coisa. Eu não quero me soltar. Eu não que- Paciente: "Isso tomaria menos importante o que acontece aqui. O
ro correr para o lugar onde a bola vai cair. Sair do lugar sig- ideal é quando o assunto é sexo - às vezes eu gostaria de não
nifica soltar-se. Permanecer imóvel, pensando no movimen- me preocupar com sexo, de apagar tudo isso. Mas deixar
to, é seguro. Mover-me significa largar o lugar onde estou. guardado não é resolver." Pausa. "Isto é incidental. Eu pode-
Conversar livremente significa correr um risco. Tudo fica ria falar sobre idéias e objetivos abstratos, mas seria impro-
fora de controle." dutivo. É especialmente dificil em casa, quando eu falo, mi-
(Ele estava brincando com um elástico e começou a es- nha esposa não responde, e eu fico zangado."
ticá-lo e a fazer barulho. Ele raramente se comporta de tal Analista: "Existe um contraste entre conversar sobre as coisas e
modo durante as sessões.) discutir problemas."
Analista: "Parece que existe um pai vivo que o domina e que o Paciente: "Há uma barreira em algum lugar. Eu preciso encontrar
impede de ser uma criança com movimentos espontâneos." uma forma de colocar essa barreira abaixo. Depois da inter-
Paciente: "A idéia de carregar meu pai dentro de mim parece-me rupção, a barreira parece ser ainda maior."
correta. Ele está sempre pronto a atacar se eu fizer um movi- Analista: "Sei que você ficou desapontado no final da última ses-
mento em falso ou cometer alguma indiscrição." são. Você esperava que alguma coisa acontecesse repentina-
Analista: "Isso quer dizer que você não consegue manifestar o mente. Estamos procurando a razão da barreira."
seu selfreal."
Paciente: "É estranho. É como se eu tivesse um pai em vez de um
superego. Ou, talvez, um superego seja isso mesmo." Pausa
Analista: "Bem, pode ser um superego patológico."
Paciente: "Às vezes eu me sinto como se estivesse mesmo carre- Paciente: "Tive uma idéia. Eu estava num mundo de sonho,
gando meu pai comigo. Quando digo que estou zangado co- apresentando um resumo ou um relatório escrito. Seria mui-
166 Holding e interpretação Fragmento de uma análise I 67

to difícil apresentar tudo por escrito, porque eu não gosto Paciente: "Se eu acertasse meu pai, ele se fecharia. Ele simples-
desse tipo de coisa. Eu tinha de deixar o relatório em cima mente não estaria presente. É diferente de brincar, onde a
de sua mesa. O relatório era ilegível. Estou num dilema aqui. agressão pode entrar."
Se não falo, sinto-me frustrado no tratamento. Isso é motivo Analista: "Na brincadeira comigo, que você descreve, nós estáva-
para raiva. A idéia abstrata que me ocorre é que um perfeito mos nos batendo sem nenhum objetivo."
relacionamento sexual depende de uma outra pessoa entrar Paciente: "Sinto-me tentado a lembrar uma discussão no hospital
no meu mundo. Então eu preciso falar ou acordar. É a mes- sobre o alívio das tensões pela descoberta de formas de ex-
ma coisa aqui. Você deveria saber o que está na minha cabe- pressar a agressão. Não adianta nada. A agressão não está
ça e o que eu estou sentindo." (Ele provavelmente adorme- presente."
ceu.) Pausa. "Estou brincando com a idéia de dormir para Analista: "Creio que você está falando de seu pai."
ver até onde você pode agüentar sem que eu diga uma pa- Paciente: "Sim, ele era realmente um pacifista."
lavra. Na prática, isto é uma bobagem." (Material não re- Analista: "E, ao mesmo tempo, você não tinha irmãos com quem
gistrado.) dividir amor e ódio, ou brigar."
Analista: "Aqui, eu o faço lembrar da incapacidade do seu pai de Paciente: "Sinto que é isso que eu estou fazendo com você: pres-
entrar no seu mundo imaginativo." sionando, pressionando. Acho, porém, que você se mostraria
Paciente: "Ah, sim, eu tinha esquecido. Ele falava demais. Era o terrivelmente pacífico, mole, sem firmeza. Se eu batesse em
seu passatempo predileto." você, meu braço não voltaria. Mas eu respeitava a força do
Analista: "Isso quer dizer que todos vocês ouviam." meu pai. Com você, bater seria despropositado."
Paciente: "Estou tentando me libertar da abordagem intelectual Analista: "Parece que você nunca conseguiu encontrar alguém
do meu pai. O ideal seria poder brincar. Isso ainda é irreali- com quem medir forças."
zável para mim. A minha tensão faz parte do esforço para
abandonar a discussão intelectual sobre a brincadeira. Quan-
to mais eu tento, menos capaz de brincar eu me torno. Sei Terça:feira, 31 de maio
que sou entediante porque falo em vez de brincar. Não sou
capaz de efetivar o uso de substitutos do real. Então, tive a Paciente: "Duas coisas me vêm à cabeça. A primeira tem relação
idéia de que falar sobre bater em você é como bater em você. com aquilo que você disse sobre a supressão do meu selfver-
Só não sei por que estou batendo em você." dadeiro por causa da censura que eu me imponho antes de
Analista: "Esse é um exemplo do tipo de ação repentina que você falar. Isso torna tudo muito impessoal, e não existe nenhuma
teme." raiva, excitação ou felicidade, e eu não quero me levantar e
Paciente: "É como se você fosse o obstáculo. Você não está eli- bater em você. É só o que nós falamos; eu não sinto nem de-
minando a barreira. Bater em você seria forçá-lo a fazer al- monstro nada. Há outros que se ofendem, ficam com raiva e
guma coisa." evitam ser influenciados. É uma falha, mas não pode ser ma-
Analista: "Nesse caso você teme descobrir que teria batido em nipulada. A segunda coisa é sobre a noite passada - bem,
seu pai." nem sei se vale a pena falar. Não acrescenta nada à situação;
Paciente: "Não consigo me lembrar de ter realmente feito tal coi- mas reproduz o atual estado de coisas. Tem relação com a
sa. Eu certamente queria fazê-lo. Era difícil atingi-lo porque minha esposa e o namorado dela. Num sonho, a mãe da mi-
ele não mostrava nenhuma resistência." nha esposa era a culpada de tudo. Eu não queria vê-la. Já
Analista: "Ele era contra a idéia de oposição." senti isso algumas vezes. No sonho, ela era muito distante e
168 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 169

impessoal. Não que eu não goste da minha sogra - ela ape- te de uma necessidade de demqpstrar a ela que eu era um ho-
nas me irrita." mem que não precisava de uma transferência positiva com
Analista: "No sonho, você e sua sogra entram em confronto. Nes- um outro homem. Você sabe, eu tinha de levar em considera-
se caso, trata-se de alguém real e externo, fazendo um papel ção o ponto de vista dela."
que você não consegue atribuir facilmente ao seu pai."
Paciente: "Estou pensando nos meus sentimentos aqui. A única
expressão emocional parece ser o sono, que significa ir em- Pausa
bora - é uma expressão negativa."
Analista: "Você lembra que uma vez você teve a idéia de me evi- Analista: "Você descreveu uma grande quantidade de sentimen-
tar e de sair correndo?" tos represados e um dique que contém lágrimas de dor."
Paciente: "Minha postura na época era a mesma da minha espo- Paciente: "E amor também. Minha esposa não seria capaz de aju-
sa. Eu não quero ficar envolvido. Aqui eu sou dependente e dar. Ela só pode remendar o vazamento na parede. Minha es-
descubro que preciso vir." posa tentaria se opor à idéia de derrubar a barreira. Ela pre-
Analista: "Há uma parte de você entre mim e o seu self verda- feriria que eu enterrasse definitivamente esse conteúdo re-
deiro." primido. Ela não está interessada nessa liberação. A questão
Paciente: "Muitas vezes eu gostaria de poder acrescentar alguma é: Isso vai acontecer? É necessário?"
coisa à psicanálise para obter reações dramáticas. A idéia é Analista: "A barreira está entre mim e você, e uma das coisas que
atravessar a barreira da falta de sentimento. Minha sogra ten- ela impede é a idéia de eu amá-lo."
ta ser amigável, mas isso me faz tremer e eu a mantenho a Paciente: (Sonolento) "Há somente fragmentos soltos difíceis de
definir. Havia menos controle, e, portanto, as coisas eram
distância. Ela me irrita. Eu continuo com a idéia de botar
muito mais rápidas."
abaixo a barreira. É como quebrar um dique; há uma torrente
Analista: "Temos de pressupor que a diminuição de controle pro-
presa por trás dele; uma torrente de água. Quando eu voltei
duz água, xixi e choro."
aqui pela primeira vez, eu disse que queria ser capaz de cho-
Paciente: "A lentidão do discurso também faz parte do controle.
rar. Faz parte disso. Eu preciso de algo externo para romper a Isso explica por que eu deixo as pessoas entediadas."
barreira. Não tenho coragem de fazê-lo sozinho. É preciso Analista: "Isso dá à conversa um ritmo uniforme porque nenhum
dinamismo, situações emocionais, para trazer o choro. Mas impulso consegue se impor."
isso só acontece ocasionalmente e sempre fora daqui. Nós Pausa. (O paciente provavelmente adormeceu.)
deveríamos planejar a quebra destas barreiras. Eu o imagino Paciente: "O pensamento se perdeu. Algo foi dramatizado. Algo
relutante ou incapaz de fazer alguma coisa para liberar essas sobre a relação entre conversar e tagarelar. Minha sogra é o
forças." Pausa. "Ainda estou pensando na mesma coisa, como oposto de mim na questão do controle do pensamento. Ela
se estivesse andando na beirada de um muro explorando os fala rápido o tempo todo, sem pensar no que diz. Boa parte
seus limites." do que ela fala é pura bobagem. Ela diz a primeira coisa que
Analista: "Você sempre disse que não gosta da idéia da transfe- lhe vem à cabeça, e eu não gosto disso, porque eu a invejo. O
rência." que ela diz pode ser bobagem, mas as pessoas param e escu-
Paciente: ''Não sei até que ponto isso era verdade. Será que foi só tam, enquanto comigo elas ficam entediadas."
uma fase? Minha namorada tinha alguma influência sobre Analista: "Suponho que isso que ela faz seja algo genuinamente
mim quando eu disse isso. Ela desprezava o homossexualis- dela, tal como a tagarelice que você descreveu como sendo
mo. Portanto, a minha hostilidade pela transferência era par- uma característica sua quando você era pequeno."
170 Holding e interpretação
Fragmento de uma análise 171

Paciente: "Sinto-me inquieto, como se algo fosse surgir de repen-


te. Ou será que eu quero ficar inquieto? Ou será que é apenas Paciente: "Sim, estar deitado simboliza estar sob controle. É tran-
a idéia de querer ficar inquieto?" qüilo, e não é isso o que eu quero. Fico imaginando como se-
Analista: "Agora tudo é impessoal, e isto tem sido wn traço mar- ria o que você me sugeriu: levantar e jogar algum jogo."
cante durante toda a sua vida."
(Referi-me ao poema 'Ode on the Intimations oflmmor-
Quarta-feira, 1.0 de junho
tality from Recollections ofEarly Childhood' de Wordsworth
- "As sombras da prisão" 14 , etc., mas, para minha surpresa,
ele não o conhecia.) Paciente: "Pela primeira vez, sinto que eu mesmo estou aqui. Isso
Paciente: "Hoje eu brinquei com minha filha. Crianças têm es- significa que perdi a noção do tempo no final da última ses-
são. Eu perdi o controle."
pontaneidade. Logo de início, eu invejei a sua capacidade de
Analista: "O seu self verdadeiro tem o seu próprio tempo, em
confiar em si mesma. Minha sogra preservou alguma coisa
da infància." contraste com o seu self falso, que se orienta por relógios."
Paciente: "Quando minha filha acorda, percebo que ela não tem
Analista: "Adultos que preservam alguma coisa da inf'ancia po-
nenhuma noção de horário. Ela imagina que é dia no meio da
dem ser irritantes."
noite. Os meus horários de acordar têm sido menos regulares
Paciente: "Quando o meu pai monopolizava a conversa, não ha-
nestes últimos dias. Normalmente, eu sei exatamente que
via espaço para mais ninguém. Eu me sentia cerceado. Nin-
horas são. Hoje eu não tinha a menor idéia da hora e acordei
guém tinha tempo para mim quando eu falava. Portanto, era por acaso, por causa de um ruído. Senti-me entusiasmado
melhor não falar nada."
depois que saí daqui ontem. A barreira quase se rompeu. A
Analista: "Lembre-se da transição da tagarelice para a necessida- questão de ocupar tempo conversando ainda me preocupa,
de de pensar primeiro, para que o conteúdo fosse apreciado, mas a pressão já não é tão forte. No trem eu não tinha nada
ninguém risse, e você não passasse vergonha. É semelhante para ler e foi difícil pensar em outra coisa que eu pudesse fa-
a uma gagueira, essa sua forma de falar; ela é estudada, ela zer, a não ser dormir. Percebi, porém, que a maioria das pes-
mantém as pessoas a distância." soas não se preocupa com isso e é capaz de ficar sentada du-
Paciente: "Mesmo agora parece que existe uma excitação escon- rante uma hora sem fazer nada. Houve algum progresso nes-
dida. É algo incerto. Será que a barreira será destruída? Isso se sentido; estou menos preocupado. No hospital onde estive
vai acontecer quando eu estiver seguro, quando eu estiver internado, eu ficava preocupado com a dificuldade de preen-
longe?" (Nesse momento, o paciente colocou o pé no chão.) cher o tempo. Mesmo que uma pessoa pudesse viver sozi-
Analista: "Você colocou o pé no chão, e acho que você sente, nes- nha, como lidar com o problema do tempo? A conversa des-
te momento, que poderia tomar uma atitude, como por exem- compromissada, suficiente para a maioria das pessoas, esta-
plo ir embora. Essa é uma expressão do seu selfverdadeiro." va fora de questão."
Paciente: "Sim, isto faz parte da inquietação. Este é o momento Analista: "Você está me dizendo que, pela primeira vez, você talvez
crucial, a chance de uma vida, e está perdida." seja capaz de ficar sozinho. A capacidade de ficar só é a única
Analista: "Estar deitado no divã tem relação com essa sua atitude." base satisfatória para se estabelecerem relacionamentos." 15

14. "As sombras da prisão começam a cair/sobre o menino que cresce ... "
15. Cf. "The Capacity to be Alone" (A capacidade de estar só, Winnicott, 1958).
172 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 173

Pausa diferença, já que estou acordado mesmo, isso me aborrece.


Eu sempre tenho a esperança de que ela vai levantar e prepa-
Paciente: "Acho uma pena termos parado ontem, quando tudo es- rar o café da manhã. Mas não vale a pena criar confusão; isso
tava fluindo tão bem. O problema é como voltar." (O pacien- não leva a lugar nenhum. Hoje de manhã, no hospital, eu es-
te estava brincando com o seu cachimbo.) "Fico imaginando tava com vontade de dar alta para os pacientes. Eu estava ir-
quanto tempo vamos levar para romper essa barreira proteto- ritado com o fato de estarem ocupando camas. Na hora a idéia
ra. A culpa pela demora é sua ou minha? O tratamento está me parecia bastante razoável, mas agora é óbvio que ela es-
começando ou acabando? Como é possível saber? Eu não sei." tava relacionada com a sensação de ter sido expulso daqui."
Analista: "A questão da barreira e de sua remoção não é algo que Analista: "Há também a questão do final do tratamento e dos
surgiu repentinamente. Houve um desenvolvimento gradual seus sentimentos a respeito desse final."
no curso da análise que o levou a essa posição." Paciente: "Quanto à questão de dar alta para os pacientes, em
que me baseio para mandá-los embora? É por minha causa
ou por causa deles? Nós queremos vê-los bem, tornando-se
Pausa independentes o mais breve possível, ou queremos nos li-
vrar deles?" Pausa. "Fico também imaginando se vou me
Paciente: "Tive pensamentos confusos durante esta pausa. Foram modificar drasticamente, de forma que os outros percebam.
pensamentos abstratos, e eu não poderia reproduzi-los." Haverá resultados? Os outros devem ser afetados pelas dife-
Analista: "Esse estado de não integração que você descreve é, de renças em mim. Até que ponto sou diferente para os outros?
qualquer modo, o seu verdadeiro self." Quando eu estava internado, as pessoas perguntavam: 'O
Paciente: "Nesse pensamento confuso havia extrema irritação, que há de errado com você? Por que precisa de análise?' Eu
agressividade, alguém deitado numa cama, que eu não sei nunca pude explicar. Será que, se fosse mais fácil conversar
quem é. A idéia surgiu porque hoje um paciente foi admitido comigo, as pessoas perceberiam uma diminuição de tensão?
no hospital sem que eu soubesse. Eu estava dramatizando a O teste crucial é: Será que a minha esposa vai perceber?
cena. Eu me vi entrando furioso no pavilhão, retirando as Provavelmente não. Ela já decidiu que eu não tenho jeito
roupas da cama e empurrando o paciente para fora. Percebo mesmo. Não posso esperar que ela se modifique. É muito
que isso pode ter relação com o divã, aqui. De certa forma, tarde."
foi o que você fez no final da última sessão. Eu fui expulso. Analista: "Sua filha perceberia."
Uma coisa que cabe aqui é o aborrecimento que eu sinto Paciente: "Sinto que tive de esperar ela começar a brincar e achei
quando chego em casa tarde da noite e percebo que minha difícil acompanhá-la. O tempo todo eu sentia: 'Eu não quero
esposa já foi dormir. Eu nunca reclamo, é claro, mas, de cer- ler nem brincar.' Sentia-me irritadiço, mas agora sinto-me
ta forma, acho que ela deveria esperar de pé." menos pressionado e consigo até gostar de brincar. Não sei
Analista: "O centro de tudo isso é o modo como reagiu ao ser se ela percebeu."
posto para fora no final da última sessão, exatamente quando Analista: "Acho que, se você estiver gostando, ela deve perceber."
era realmente você quem estava se manifestando. Você se Paciente: "Descobri que agora posso finalmente começar a gos-
encontrava num estado vulnerável." tar da minha filha mais nova. Ela ainda não havia entrado em
Paciente: "Há algo que se encaixa aqui. Eu tive de tirar a minha cena. Sua importância era apenas teórica. Nunca senti que
filha da cama hoje de manhã. Minha esposa nunca se levanta ela me pertencia. De certa forma, eu teria ficado realmente
até que eu a chame duas vezes. Apesar de não fazer a menor contente em descobrir que ela não era minha filha. No entan-
174 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 175

to, sinto que está ocorrendo uma mudança; não sei se posso Quinta-feira, 2 de junho
atribuí-la à psicanálise. Pode ser simplesmente um processo
intelectual. Eu não quero tomar a decisão de aceitá-la. Qual- (O paciente chegou quinze minutos atrasado.)
quer mudança na minha relação com ela terá de acontecer Paciente: "Estou num dilema. Eu deveria ser capaz de começar
emocionalmente." de forma diferente, já que há dois dias eu aparentemente des-
Analista: "Decidir aceitá-la seria operar a partir do intelecto, que, cobri uma nova forma de trabalhar. Não me agrada a idéia de
para você, é o selffalso." wn retrocesso, não ter nada a dizer outra vez, de utilizar aber-
Paciente: "Isto se aplica a todas as relações. É o caso de decidir e, turas formais, etc. Eu deveria começar sem rodeios. Sei que
aí, não adianta. Isso me lembra outra pessoa, a minha mãe. este não é um sentimento realista, etc. Eu tive a idéia de que
Eu me sinto culpado por tê-la negligenciado recentemente. é importante romper a barreira e encontrar o caminho mais
Na verdade, eu não tenho pensado nela. Por que deveria? Mas rápido. Você disse que a abordagem mais formal conseguiu
é claro que vale a pena. Ela é um apoio e, portanto, não posso algwna coisa, mas, ainda assim, ela deve ser um caminho
eliminá-la. Por muito tempo ela não me pareceu uma figura mais lento. Observei esta manhã que a consciência de ter so-
materna. Eu rejeitava tal idéia e não queria nem mesmo cha- nhado era maior. Esqueci o sonho logo depois de acordar,
má-la de mãe. Eu não sei como chamá-la, e isso condiz com a mas não imediatamente, e restou-me a consciência de ter
idéia de que ela não é uma figura materna para mim." sonhado bastante. Tive a sensação de 'estar mais perto da
Analista: "A sua figura materna, a partir de um determinado pon- normalidade'."
to da análise, tem sido o analista." Analista: "Você sentiu que havia vida em você enquanto dormia,
Paciente: "Eu gostaria de saber quando minha mãe deixou de ser de forma que a dissociação da qual falamos outro dia não es-
tava completa. Dessa forma, parte da função do sonhar foi
uma figura materna para mim. Você poderia me ajudar?"
alcançada, a formação de uma ponte entre o mundo interno e
Analista: Eu selecionei vários exemplos: quando ele foi até a mãe
a vida exterior."
e descobriu sua innã no colo dela, quando ele lutou para ficar
Paciente: "Suponho que eu poderia ter tentado escrever os so-
de pé, no momento em que sua tagarelice não foi aceita, etc.
nhos, mas parece que faz parte da técnica psicanalítica não
Paciente: "Isto me lembra que meu pai não era capaz de brincar e
admitir nenhum outro recurso que não a fala. É mais fácil
levava tudo muito a sério, e, que, portanto, eu tive de tentar
acreditar no trabalho feito através de outros métodos, espe-
ser adulto. Eu, ocasionalmente, especulei sobre a condição cialmente porque eu desconfio da conversa, uma atividade
dos órfãos. Eles têm as mesmas dificuldades? Trata-se de em que meu pai era muito bom, apesar de não sê-lo em vá-
uma questão acadêmica." rias outras. Lembro-me de uma discussão recente, quando re-
Analista: "Quando você tem pais que pode incorporar, muito vai jeitei a idéia de me tomar analista; foi mais um sentimento
depender de como são esses pais, se eles são, de certa forma, de hostilidade à idéia de conversar."
rígidos ou adaptáveis. Se você só pode contar com pais rígi- Analista: "Realmente, parece que, se for feito um esforço cons-
dos, sua posição é quase a de um órfão, que perdeu algum ciente para ajudar o analista, podem surgir novas defesas,
aspecto humano nos cuidados iniciais. Em vários momentos mas eu não diria que não há lugar para o esforço consciente."
da análise, você vem me usando para ocupar a posição de Paciente: "Eu gostaria de encontrar uma outra forma; por exem-
seu pai e de sua mãe." plo, descobrir que você sabe o que está acontecendo, algo me-
nos trabalhoso do que ter que escrever as coisas para depois
reproduzi-las."
I 76 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 177

Analista: "A ponte que foi providenciada tem de ter duas mãos. haveria motivo para parar. Eu não teria nenhum prazer. Não
No momento, usando a linguagem das últimas sessões, não há nenhuma emoção nisto."
sei se estou falando com seu self verdadeiro ou com o seu Analista: "Eu gostaria de lembrá-lo que você chegou atrasado e
se/ffalso." não sei exatamente se isso teve algum significado. Poderia
Paciente: "É com o falso self. As pessoas podem ouvir de duas ser algo mais intimamente relacionado a você do que a sua
formas diferentes - pode-se dizer que são dois aspectos da conversa."
personalidade: o intelectual e o emocional. É possível estar Paciente: "Não, acho que isso não foi significativo. Talvez tenha
distraído e as pessoas falarem com você ao mesmo tempo - sido simplesmente rude. Percebo que eu poderia ter ganho
uma parte se responsabiliza pelo aspecto emocional e a outra alguns minutos, mas o importante é que eu poderia ficar mais
pelo intelectual, na mesma frase. Quando as coisas vão bem, preocupado com o fato de estar atrasado. Há algo de signifi-
ambas as partes reconhecem a situação, ambas trabalham cativo nesse aspecto. Ao vir para cá, eu pensei: 'Será que
juntas. De certa forma, sinto que a preocupação pela falta de Winnicott está ofendido?' Este ponto de partida é novo. An-
emoção só pode ser intelectual." teriormente, eu só ficava preocupado com a idéia de ser pu-
Analista: "No início, quando você falava, a conversa tinha a sua
nido. Desta vez, fiquei menos preocupado com o efeito que
própria importância, como você mesmo disse, distinta do
isso teria sobre mim e muito mais com o efeito que teria so-
conteúdo. Significava que você estava vivo, desperto, com
bre você. Será que você ficaria aborrecido? Hoje, portanto,
expectativas."
faz sentido pedir desculpas. Antes eu só me desculpava para
encobrir o que havia acontecido."
Pausa Analista: "Você parece que está menos sob uma compulsão."
Paciente: "Meus sentimentos são menos distantes do que eram há
Paciente: "Eu me senti angustiado. Uma dificuldade é que, apesar dois anos, quando eu era simplesmente intelecto. Eu achava
de poder proporcionar um grande alívio, uma brecha nas de- que tinha a obrigação de me preocupar. Agora eu não penso
fesas poderia me tornar mutável, sujeito a cada faceta emo- nisso, mas, se me atraso, fico preocupado, achando que vou
cional que se apresentasse. Por isso eu me mantenho ocupa- aborrecê-lo." Pausa. "Eu estava pensando: Será que os outros
do falando, e isso não me dá tempo para absorver o que você vão perceber como eu mudei nos últimos dias?"
diz. Tenho a impressão de estar sendo bastante cuidadoso Analista: "Você gostaria disso. A mudança pareceria mais real."
para que a conversa não fique toda por minha conta, e você Paciente: "Especialmente se a minha esposa percebesse a mudan-
não se aborreça em ficar ouvindo." ça. Seria a prova definitiva de que houve progresso, já que
Analista: "O que aconteceria, então? Isso seria unilateral, como a ela não reconhece a utilidade da psicanálise." Pausa. (Opa-
alternativa de esperar que toda a conversa ficasse por sua ciente colocou o dedo indicador da mão direita na boca.) "Eu
conta." estava pensando: Ficar preocupado com os sentimentos dos
Paciente: "Se eu pudesse falar sem nenhuma inibição, não have- outros é arriscado. Anteriormente, quando a minha preocu-
ria a menor necessidade de vir aqui. Eu poderia conversar pação era mais intelectual, eu podia ignorar o que os outros
comigo mesmo. Ontem à noite foi dificil conversar com mi- pensavam. Eu podia dizer 'dane-se' para qualquer pessoa.
nha esposa. Ocorreu-me que, se eu estivesse falando sem Mas, se me importo com os outros, eu fico mais preocupado
inibição, falando sobre as mesmas coisas e não desenvolven- e é natural que notem as minhas imperfeições. Antes eu dizia
do uma idéia, não haveria nenhuma razão para eu parar. Não que estava doente e não pensava mais nisso, mas agora que
178 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 179

não estou mais doente, tenho de encarar a idéia de ser imper- Pausa
feito, se isso sou eu."
Analista: "Há algo que é perfeito porque não foi usado ou viven- Analista: "Você acha que a sessão está quase acabando e não quer
ciado e que você deseja manter perfeito em você. Se não está começar nada novo."
mais doente, então o que você teme é que descubram que Paciente: "Sim. Eu estava pensando como seria importante se a
você não conseguiu preservar essa imperfeição." (Esta inter- minha esposa percebesse alguma mudança em mim."
pretação foi quase errada, neste momento.) Analista: "Mas aqui, como você mesmo está deixando implícito,
Paciente: "Não me parece que no momento eu esteja preocupado é o lugar onde você não pode atuar. Pois eu lhe digo que você
com a idéia de destruir algo perfeito. O que quero dizer é que não pode atuar deixando de atuar."
ela não me serve de nada agora. Eu estava pensando em ou-
tra coisa e só ouvi metade do que você falou. Estava lem-
brando que hoje à tarde eu comecei a ler um livro sobre o sé- Segunda-feira, 6 de junho
culo XVIII nos Estados Unidos, com personagens vestidos à
moda da época. Esqueci o livro no hospital e não vou ter Analista: Eu avisei que precisaria sair dez minutos antes do final
nada para ler hoje à noite. Tenho de escolher outra coisa para da sessão.
ler: uma pequena catástrofe. O livro fala de wn homem alto Paciente: "Há dez minutos eu poderia dizer que não estava com
e magro que estudou em Harvard. Ele foi convocado para o vontade de vir. Vir aqui é um aborrecimento; não é mais uma
exército, o que mudou inteiramente a sua carreira. Meu pró- necessidade minha, é uma exigência sua. Agora, que a situa-
prio trabalho está prestes a acabar. Uma mudança em minha ção é menos urgente, eu só venho aqui porque a tarefa ainda
vida está para acontecer através de forças que estão fora do está incompleta. Há menos motivação, e, como o meu traba-
meu controle. Aqui, eu às vezes também tenho a mesma difi- lho vai acabar em dez dias, serei obrigado a alterar os horá-
culdade com mudanças abruptas." (Dedo indicador da mão rios. Isso vai acontecer em breve. Talvez seja conveniente eu
direita na boca.) "Eu ia esquecendo que outro elemento im- interromper a análise em vez de alterar os horários. Não me
portante é a fuga. A leitura é uma boa fuga, especialmente sinto preparado para discutir as alterações agora. Na última
agora, que existe algo de que fugir - o meio ambiente." sessão, foi como se um fluxo de excitação houvesse se esgo-
Analista: "O que você acha que aconteceria se você estivesse bem tado, de forma que não sei se estou prestes a passar por algu-
hoje à noite e a sua esposa reagisse de maneira favorável?" ma modificação. Isso me dá uma razão para querer conti-
Paciente: "Primeiro, eu falaria mais facilmente. Em segundo lu- nuar. Acho que, inconscientemente, eu fiquei alarmado com
gar, ela estaria mais interessada nos assuntos do hospital. Em o que estava acontecendo e, inconscientemente, eu mesmo
terceiro lugar, eu estaria mais interessado nos afazeres dela. esgotei o fluxo. Ocorreu algo há duas noites que me mostrou
A conversa fluiria. Nós seríamos felizes. Ficaríamos senta- que ainda havia um bom caminho a ser percorrido. Houve
dos conversando durante uma ou duas horas. Mas o que vai uma festa no hospital, em que eu me senti deslocado, mas
acontecer é que nós vamos ter uma conversa tensa, ou então percebi que todos estavam se divertindo. Quando voltei para
ficaremos tensos em silêncio. Eu sinto o silêncio como uma a saleta, onde estavam duas ou três pessoas, senti-me seguro
negação ativa da conversa. É uma atitude deliberada. Se eu a outra vez. Novamente, parece que estou me 'esgotando'. Pa-
reprovo, ela passa a não ter nada a dizer. Isso significa que rece que vejo um quadro de mim mesmo, deitado, de onde
eu não quero conversar. Eu fugi." saem palavras, mas, na verdade, não está acontecendo nada.
Hoje, o tempo todo, sinto que gostaria de estar livre de tudo
180 Holding e i11te1pretação Fragme11to de uma a11álise 18 I

isto. Mas resta a questão: Será que eu seria capaz de usufruir Analista: "É claro que não sei como você machucou o dedo,
a liberdade?" mas, de certa forma, o que você descreve parece simbolizar
Analista: "A questão da liberdade não surge neste momento." uma ameaça: o dedo sofreria dano se você não parasse de
Paciente: "Parece que estou percebendo um final." chupá-lo."
Analista: "Há algo importante neste contexto: a administração do Paciente: "Eu não me lembro do acidente, mas cabe dizer aqui
tempo é trawnática para você. Quando o seu self verdadeiro que venho fumando menos há uma semana. Sempre quis di-
aparece, o único significado de tempo que você pode supor- minuir o fumo, mas nunca tive sucesso. Toda a vez que eu
tar é você mesmo começar e acabar alguma coisa. Este é um resolvia parar, algo me dizia: 'Por que parar?' Mas nos últi-
dos bloqueios. Você percebe que o seu self verdadeiro corre mos dias tem sido diferente. Parar ficou muito mais fácil. Eu
o risco de ser afetado pelo meu tempo, que é controlado por deixei que os cigarros acabassem, não fiquei desesperado e,
um relógio, e esse perigo é bastante real." depois disso, consegui controlar o fumo. Parece que existe
Paciente: "Isso me dá certo alívio. Percebo agora que, mesmo wna associação lógica entre fumar e chupar o dedo: ambos
quando estava internado, o encerramento de uma sessão era surgiram como uma resposta à tensão. Quando você disse
algo que me afetava muito, embora eu não tivesse consciên- que teria de interromper a sessão dez minutos mais cedo,
cia disso na época. Agora percebo que eu ficava furioso pensei imediatamente: 'Oba! Isso é uma novidade. Agora vou
quando era interrompido, uma irritação extrema que se fez poder fumar.' O que me ocorre é que a minha primeira rea-
sentir até mesmo quando minhas sessões foram diminuídas ção foi negar que estava alarmado com o que você disse. O
de três para duas." fato de você sair da sala me deixaria com um problema: o
Analista: "Você está me dizendo que toda esta raiva esteve dentro que eu deveria fazer?"
de você o tempo todo, mas nunca pôde aparecer." Analista: "Pode-se dizer que o cigarro me simboliza parcialmen-
Paciente: "Isso me faz lembrar que meu pai estabelecia horários te, ele é algo que pode me substituir. Mas, parcialmente, ele
para brincar. Era inútil. Eu não conseguia brincar quando era também indica tensão, algo que é usado compulsivamente.
hora de brincar, nem parar quando era hora de parar. As ve- Então, é possível que o que você fez com o seu dedo seja sig-
zes, meu pai dizia: 'Você não pode brincar agora.'" nificativo, e que a interrupção da sessão não pode, do seu
ponto de vista, ser algo bom, embora você pareça ter aceita-
do o fato com bastante facilidade. É um fato que faz você
procurar formas de lidar com a tensão." (Nesse momento,
Pausa
ele começou a brincar, batendo um dedo minirno contra o
outro.)
Analista: "Resta algo da última sessão que talvez seja importante.
Num dado momento, você colocou um dedo da mão direita
na boca. Não tenho muita certeza do momento em que isto
Pausa
aconteceu, mas deve ter sido bastante significativo. Acho
que era o dedo da mão esquerda que você chupava." Paciente: "Eu não lembro quando começam as suas férias. Não
Paciente: "Não, acho que eu chupava o dedo da mão direita. Sei sei se vale a pena arranjar alguma outra coisa, fazer novos
disso por causa de uma cicatriz que tenho neste dedo. Lem- planos para quando eu começar no novo emprego. Como há
bro que quando me cortei ficou dificil chupar o dedo por cau- pouco tempo, talvez não valha a pena tanto transtorno. Em
sa do curativo. Eu usei o fato para parar de chupar os dedos." setembro, quando você voltar, devo saber se realmente vou
182 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 183

ficar nesse novo emprego em caráter permanente. Acho que Analista: "Então é isso que você tem em mente quando fala em
seria bom não fazer nada nessas quatro semanas. Com uma não vir. Faz parte do seu desejo de descobrir como você é."
pausa mais prolongada talvez eu consiga descobrir se quero Paciente: "Anteriormente, tudo era discutido, e eu não tinha ne-
ou não continuar. A questão é: Será que isso é honesto? Será nhum desejo de proteger a minha intimidade."
que uma ausência prolongada pode realmente me ajudar a Analista: "Acho que o problema era que você não tinha onde co-
tomar uma decisão desse tipo? Eu me lembro que você disse locá-la."
que durante todos os anos entre os dois tratamentos, o meu Paciente: "O intelecto era simplesmente uma área para discussão,
desenvolvimento foi suspenso de forma que, do ponto de vis- não um lugar onde se podia esconder alguma coisa."
ta do tratamento, foram anos perdidos. Além disso, há o fato Analista: "Então, parece que você 'surgiu' e que tem um interior e
de que vir aqui significa uma investigação constante na mi- um exterior."
nha vida particular." Paciente: "Acho que se eu mudasse de analista, todo o trabalho
Analista: "Em meio a tudo isso está a idéia de que você poderia teria sido em vão, mas isso tem relação com o meu selfinte-
realmente ser capaz de chegar à sua própria conclusão sobre lectual. O único lugar onde eu poderia me esconder seria ou-
o assunto." tra pessoa em quem eu pudesse confiar. Lembro que quando
Paciente: "Sim, mas não sei exatamente se eu simplesmente não você saiu da sala eu fiquei surpreso, embora estivesse prepa-
quero vir ou se estou tentando evitar alguma coisa." rado para isso. Fiquei perplexo. Eu racionalizei isso ao pece-
Analista: "Nós falamos sobre algo que você pode estar tentando ber que eu o havia forçado a me oferecer um cigarro. Achei
evitar: a fúria que você tem dentro de si e que não é sentida engraçado porque isso indicava perda e privação."
no momento adequado." Analista: "O cigarro que lhe ofereci realmente deteve a sua fúria."
Paciente: "Sim, eu quase recusei num gesto de raiva." Pausa. "É
difícil decidir o que dizer agora. Já lidei com o mecanismo
Pausa da interrupção e agora tenho de lidar com a interrupção em
si, o que é muito mais dificil. Tenho de começar tudo outra
Paciente: "Ocorre-me que eu talvez pudesse ter pensamentos que vez. Eu posso não gostar da idéia de ser compelido a falar."
me pertencessem. Tomaria muito tempo explicar isto. Seria Analista: "A idéia de ser compelido a falar parece excluir a idéia
algo que eu poderia manter só para mim. Não é absoluta- de falar por vontade própria."
mente colocar Winnicott na história. Tudo isto faz parte do Paciente: "E também a idéia de saber se quero parar ou não. A
gesto de não vir." questão é: será que vou enfrentar alguma situação que me
Analista: "Não vir parece indicar que você não sabe se tem o di- obrigue a vir? Alguma coisa relativa a tempo? Eu realmente
reito de manter algo em segredo." nunca aproveito porque isso depende de eu vir aqui."
Paciente: "Antigamente eu falava o tempo todo e tentava contar Analista: "Fica cada vez mais claro que não vir tem relação com
tudo. Nunca me ocorreu não querer dizer alguma coisa. A a sua descoberta de si mesmo e a sua capacidade de guardar
idéia de ter pensamentos secretos é completamente nova. No um segredo, e que é apenas não vindo que você pode sentir o
relacionamento com a minha namorada, todos os detalhes desejo espontâneo de vir."
entraram na análise. Sempre achei que tudo pertencia a Wim1i- Paciente: "Isso parece verdade, mas não é real agora. Não posso
cott. Acho que agora quero fazer alguma coisa por mim. reconhecer que eu simplesmente queira vir. É algo com que
Ficar aqui falando sobre as coisas dificulta a minha liberda- eu ainda não me acostumei."
de lá fora."
184 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 185

Terça-feira, 7 de junho Analista: "Não sei se alguém reconheceu, quando você era criança,
que era natural a dificuldade de acompanhar sua conversa."
Paciente: "Não me ocorre nada. Ter descoberto uma possibilida- Paciente: "Acho que fui censurado pelos absurdos. Provavelmen-
de de falar de forma diferente deveria significar uma outra te pelo meu pai, que costumava dizer que eu era um tagarela.
abertura. Sinto-me desapontado." (O paciente colocou os de- Houve wn período especial, aos nove ou dez anos, mas pode
dos da mão direita na boca.) ser que tenha acontecido um pouco antes também."
Analista: "Sinto que você não dá tempo a si mesmo. Se você está
Analista: "Veja como você se preocupa com a atitude que vou
fazendo uma comunicação a partir do seu self intelectual,
adotar caso você fale como uma criança. A conversa de uma
então, não faz sentido esperar e é natural começar imediata-
criança mais se parece com o agir, com o fazer, enquanto
mente. Entretanto, se é o seu self emocional que está aqui,
uma conversa de adulto tem como elemento mais importante
então é improvável que você sinta o impulso de falar assim
o conteúdo."
que estou disponível."
Paciente: "Sim, é um tipo de protesto porque só tenho três ses-
sões na semana inteira. Se estou funcionando emocional-
mente, então devo ter o direito de vir quando quero. Portan- Pausa
to, começar de imediato é um ajuste para fazer face a um ho-
rário insatisfatório. O que eu temo é não falar durante a ses- Paciente: "Agora, como antes, estou tentando me libertar da abor-
são inteira como protesto." dagem intelectual, que representa uma barreira, mas, ao
Analista: "É como se viesse aqui para me avisar que não quer vir." fazê-lo, corro o risco de cair no sono. Não sei se posso negli-
Paciente: "Eu tenho medo de não ser capaz de começar. Cada se- genciar a compulsão intelectual e ficar acordado."
gundo de demora aumenta a dificuldade. E falo porque não Analista: "Entretanto, cair no sono é realmente você."
suporto o desperdício de tempo, embora falar sobre triviali- Paciente: "Mas isto esconde todo o resto. Se eu fosse dormir a
dades possa ser um desperdício também. Isto se aplica à mi- sessão toda ..."
nha relação com outras pessoas. Eu sinto a necessidade de Analista: "Até isso seria alguma coisa. Você não iria dormir em
encontrar algo para dizer, embora a minha vontade seja não qualquer lugar. Dormiria porque está aqui."
dizer nada por horas seguidas. Eu gostaria de uma relação em Paciente: "Talvez eu dormisse em qualquer lugar. Já observei
que não fosse necessário falar ou em que pudesse haver ape- essa tendência na presença da minha mãe e da minha sogra.
nas um amontoado de palavras e frases. Isso acontece com Entretanto, existe a necessidade social de permanecer acor-
minha esposa. Tento dizer o que me vem, tento ser natural, dado. Eu não quero me importar com isso. Eu já dormi na
mas o resultado é um amontoado de idéias. Parece artificial, presença de outros, e minha esposa ficou irritada, disse que
conversa fiada. Eu falo, tento ser alegre, mas o resultado é isso era falta de educação." Pausa. "Um problema do sono é
confusão. É por isso que as pessoas perderam o interesse por que corro o risco de desperdiçar a sessão. Além disso, sinto-
mim. Isso poderia ter acontecido aqui, e, se acontecesse, vo- me culpado por desapontá-lo. Então, eu fico acordado du-
cê talvez não conseguisse me compreender porque seria mui- rante algum tempo por sua causa."
to confuso. É por isso que eu 'preparo' tudo o que vou dizer." Analista: "Mas você não pode ter certeza de que estou aqui, a me-
Analista: "Mas 'preparar' o que você vai dizer é algo que o irrita." nos que o seu intelecto esteja ativo." (O paciente dormiu,
Paciente: "Eu realmente quero falar como wna criança; como a roncou e acordou repentinamente.)
minha filha, por exemplo. Às vezes é dificil acompanhá-la, Paciente: "Parece não ser simplesmente culpa; é também um de-
mas isso é comum em crianças dessa idade." safio a você, uma demonsh·ação de desprezo."
186 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 187

Analista: "Isso é você e é real." (O paciente dormiu novamente.) sente e o que eu quero saber é como o dormir se relaciona
Paciente: "Parece que você está me desafiando a ir dormir se eu com o agora." (O paciente estava completamente acordado.)
quiser. É como se você estivesse me dando permissão para Analista: "Neste ponto, posso lembrá-lo da fúria que você desco-
dormir, só que isso não vai nos levar a lugar nenhum. Só po- briu existir em você e que não encontra expressão, e que,
demos conseguir algum progresso falando." provavelmente, está por trás do sintoma do sono."
Analista: "Isto me faz lembrar de seu pai." Paciente: "É engraçado; eu estou justamente pensando que estava
Paciente: "Sim, hum, hum." Pausa. (O paciente provavelmente protegendo você de um acesso de cólera. Eu mostrei muito
adormeceu.) "É especialmente desconcertante eu ficar pen- pouco do meu temperamento aqui. Há um sentimento meio
sando no hospital e desperdiçando o pouco tempo que tenho escondido, que agora eu vejo como uma extrema fúria. Eu te-
aqui, dormindo." Pausa. "Às vezes eu penso sobre os proble- nho medo de um acesso violento. Talvez eu expresse uma tre-
mas do hospital para evitar alguma outra coisa, porque eu menda raiva, que deveria ter sido dirigida contra o meu pai,
posso dizer que não preciso discuti-los. Mas não é sobre tra- tempos atrás. De certa fonna, eu perdi a ocasião adequada."
balho que devo falar com você." Analista: "Agora posso lhe falar novamente do seu pai como um
Analista: "Você tem pontos de vista bastante fortes quanto ao que obstáculo entre você e sua mãe. Eu gostaria de lembrá-lo do
deve ou não ser discutido aqui." corte no dedo que você descreveu corno um acidente e que
Paciente: "Como ontem, quando eu disse que não queria vir e me usou para parar de chupar o dedo. Você era incapaz de lutar
senti culpado por isso. É bastante sutil, mas não é a mesma com o pai e a ameaça que ele lhe fazia. Seu pai, na condição
coisa que demonstrar que não vale a pena vir." de obstáculo entre você e sua mãe e entre você e o que sim-
Analista: "Em relação ao seu selfintelectual, há em você alguém bolizava a sua mãe, não foi forte o suficiente."
que decide o que vai ser discutido. Estou interessado em sa- Paciente: "Sinto-me inquieto. Eu realmente não quero me deitar.
ber como é esse alguém e o que ele acha importante." Isso significaria cair no sono. Eu gostaria de poder virar de
Pausa. (O paciente dormiu por alguns instantes.) bruços."
Paciente: "Eu tive um sonho em que, em vez de não dizer nada, eu Analista: "Evidentemente você pressupôs que eu o proibi de ficar
falava muito, e as pessoas ficavam aborrecidas com a liberda- de bruços." (Era para isto que estávamos trabalhando há tan-
de que eu estava tomando ao esperar que elas me ouvissem." to tempo.)
Analista: "Portanto, você está falando sobre a repressão de uma Paciente: "Lembro que entre doze e quatorze anos ficar deitado
compulsão, uma compulsão como o impulso de roubar." (O de barriga para cima significava estar morto. Era quando eu
paciente provavelmente dormiu.) "Você tem direito à minha estava na escola. Acho que significava estar desamparado,
deitado num caixão. Se eu estava acordado, do lado de fora,
atenção e o direito de dispor do meu tempo." Pausa. "Eu
embaixo de alguma árvore, não havia problema. Mas na ca-
acrescentaria ainda o direito de poder desperdiçar o meu
rna era perigoso."
tempo; como sintoma, isso faz sentido e indica que você se
Analista: "Será que isso está relacionado com a posição da mu-
sente privado de todos esses direitos." 16
lher durante a relação sexual?"
Paciente: "Apesar disso tudo, existe um impasse. Ou são os pro-
Paciente: "Não, acho que não."
blemas do hospital ou é o sono. O que me preocupa é o pre-
Analista: "Então vamos ver outras coisas. Eu gostaria de lembrá-
lo, como já fiz anteriormente, que durante a primeira análise
16. Cf. "Psychotherapy of Character Disorders" (Psicoterapia dos distúrbios de você apresentava um sintoma muito importante, a incapaci-
caráter, Winnicott, 1963b ). dade de se deitar. Essa fase analítica chegou ao fim quando
188 Holding e interpretação Fragmenlo de uma análise 189

você foi capaz de se deitar e de tolerar a angústia associada à teressar, mas depois de urna hora estava muito agitado. Não
posição, que, naquele tempo, relacionava-se ao fato de você consigo sentir-me normal lá, um contraste marcante com o
ter sido satisfeito enquanto criança por uma mãe perfeita. A que sinto no hospital. Na sala de aula, eu não sabia o que
satisfação aniquilava o objeto. Em outras palavras, até a aná- olhar e limitei-me a imitar os outros. Sinto que deveria ter
lise você não sabia que, se esperasse, o desejo voltaria e, achado tudo fascinante. O fato de não ter me comovido é algo
com ele, o objeto de seus desejos." (Nas outras ocasiões em que me perturba. Achei o edi ficio mais interessante. Isso me
que eu mencionara o fato, o paciente recordara-se dele ape- faz lembrar que quase me tornei professor e fico horrorizado
nas vagamente, e a lembrança não havia produzido nenhum só de pensar nisso ...
material novo.) "Em compensação, fiquei entusiasmado, até mesmo
Paciente: "Isso teve um significado especial, porque estava bem fascinado, ao perceber como crianças de cinco ou seis anos
perto do meu medo de me deitar, que persistiu desde os doze são capazes de pensar, de lidar com idéias abstratas, como
anos até aquela data." aprender a ler, escrever, etc. Parece que estou descobrindo
Analista: "Você seria capaz de me contar alguma coisa sobre o pela primeira vez aquilo que os adultos têm como pressupos-
período entre os doze e os quatorze anos?" to. Fui capaz de me imaginar na escola como criança, mas
Paciente: "Sim, eu me lembro das gravatas berrantes, mas isso não consegui participar como adulto."
também era uma atitude de desafio. Eu não me sentia real- Analista: "Eu gostaria de lembrá-lo que ontem você estava falan-
mente à vontade com elas, mas confiava muito pouco em do de dificuldades que começaram com a morte de seu pai,
mim. Acho que, o tempo todo, eu tinha medo do que meu pai quando você era adolescente."
iria dizer." Paciente: "Lembro que você disse que só recentemente eu havia
Analista: "Você provavelmente já ouviu o termo 'retomo do admitido a morte de meu pai. Eu então perguntei: 'Isso já
reprimido'. A raiva e o desafio ao pai não estavam disponí- aconteceu ou está acontecendo agora?' Agora é como se eu
veis, mas surgiram dessa forma." houvesse aceitado o fato e voltado ao período anterior à
Paciente: "Você lembra que, quando vim aqui pela primeira vez, morte do meu pai, quando as coisas começaram a parecer ir-
ele já tinha morrido, não lembra?" reais. Foi provavelmente no período em que eu estava apren-
Analista: "Sim, eu sei, mas você não havia aceitado sua morte e, dendo a ler. A mesma idade que a minha filha tem agora."
na verdade, só veio a aceitá-la nessa fase da análise, há apro- Analista: "Portanto, quando era criança, você se sentia irreal na
ximadamente um ano." escola, quando estava aprendendo a ler, etc."
Paciente: "De fato, só estou começando a aceitar agora." Paciente: "Era dificil trabalhar com crianças, e o mesmo aconte-
Analista: "É impossível aceitar a morte de seu pai, a menos que ce hoje quando tento me entrosar com o que os outros estão
você seja capaz de incluir a sua raiva por ele e a morte dele no fazendo. Eu quero ser sociável, mas há algo que me impede.
sonho em que você o mata. Ele, estando doente, tinha de ser Isto começou com a idade de cinco ou seis anos, época em
protegido, e sua proteção o manteve vivo todo este tempo." que eu comecei a ficar sozinho, e persiste desde então. Sei
que hoje eu deveria sentir vontade de ir à escola com minha
filha, mas não foi o que aconteceu."
Sexta-feira, 1Ode junho Analista: "E as suas lembranças de quando tinha cinco ou seis
anos? Por exemplo, o primeiro dia na escola?"
Paciente: "Estive na abertura do ano escolar de minha filha e fi- Paciente: "Lembro-me vagamente de quando tinha sete anos. Vo-
quei desconcertado. Tive de fazer muito esforço para me in- cê lembra que minha mãe dirigia uma escola e que eu tinha
190 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 191

uns sete ou oito anos quando fui para a escola. Quando tinha Analista: "Descobrimos que, quando era adolescente, você teve
cinco anos, eu ia para a escola da minha mãe com as minhas de proteger o seu pai da sua raiva, mas que, com quatro ou
duas irmãs e as crianças da vizinhança." cinco anos, isso não era necessário, pois ele evitava o papel
Analista: "Então, essas outras crianças da escola que sua mãe di- do pai forte." (Durante esta interpretação o paciente adorme-
rigia eram intrusos na sua casa." ceu rapidamente.)
Paciente: "De fato, por um bom tempo, eu me recusei a participar. Paciente: "Parece que hoje eu caí no sono várias vezes. Isso deve
Um dos motivos era o ressentimento - esta é uma idéia nova ser importante."
para mim. Ressentimento porque as outras crianças estavam Analista: "Acho que você não ouviu o que eu disse. Eu falei que,
entrando na minha família. Eu simplesmente 'caí fora'." como o seu pai estava doente, você tinha de protegê-lo." (Eu
Analista: "Você se lembra de ter se retraído em alguma ocasião repeti a interpretação.)
específica, como, por exemplo, ao ver a sua irmãzinha no Paciente: "Esta observação talvez seja não tanto abstrata mas
colo de sua mãe?" despropositada: a dificuldade aqui é que não pode haver um
simples retraimento, como, por exemplo, num encontro so-
cial onde eu não preciso conversar se eu não quiser fazê-lo.
Pausa Aqui, eu tenho que ir mais adiante para escapar da situação.
O fato de não falar é muito bem compreendido."
Paciente: "Sinto agora uma tendência de enfrentar a situação, de Analista: "Não falar é o equivalente de matar."
pensar no futuro, mas não de aceitar. É o mesmo que não ir à Paciente: "Parte do silêncio é uma necessidade de manter alguns
escola, e o mesmo que me retrair com a idade de quatro ou sentimentos longe daqui. Eu tenho o direito de não dizer al-
cinco anos." Pausa. (O paciente provavelmente adormeceu.) gumas coisas, mas não tenho consciência dos sentimentos
"É diftcil ficar acordado aqui. É o mesmo que fugir da esco- profundos. Eu só posso ter como pressuposto a fúria."
la. Sempre que me vejo diante de um dilema, eu fujo." Analista: "Sim, nós ainda não temos certeza."
Analista: "Você está protegendo todo o mundo da sua raiva e,
dessa forma, salvando o mundo. Se você não fugir, todos
morrerão." Pausa
Paciente: "Por quê?"
Analista: "Por causa da raiva da qual estamos falando." Paciente: "O que parece também é que nwna idade muito remota,
Paciente: "Ocasionalmente, fico imaginando se naquela época eu digamos quatro ou cinco anos, eu substituí o self emocional
tinha vontade de destruir as crianças que iam à escola da mi- real por um self intelectual, porque aquele não era capaz de
nha mãe." se fazer sentir."
Analista: "Ao se retrair, você faz duas coisas. Você mantém a oni- Analista: "E, conseqüentemente, ele não foi experimentado."
potência e salva a vida das crianças." Paciente: "Hoje está mais dificil concentrar-me e ficar acordado.
Isso significa que existe alguma coisa especialmente perigo-
sa? Em parte, isso acontece porque não sei por quanto tempo
Pausa serei capaz de manter nosso horário quando mudar de em-
prego. E claro que, se eu precisar vir, arranjarei uma forma
Paciente: "Sinto que o obstáculo é tão grande que não serei capaz de fazê-lo." Pausa. "Existe uma outra idéia sobre o silêncio.
de ultrapassá-lo." Ele é improdutivo. Você disse que ele podia ser útil. Hoje,
192 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 193

parece que estou desafiando você. Tudo bem, você diz que é alguma coisa; talvez houvesse algo perigoso a caminho. Te-
útil. Vejamos o que acontece se eu não falar. Comprove! A nho duas coisas a dizer: em primeiro lugar, hoje estou mais
idéia de você ter sido capaz de fazer uso do silêncio deve cansado, mas, em segundo lugar, sinto que a possibilidade de
provocar certa angústia. Quando desafiado, então, não há eu cair no sono é menor, pois, estando realmente cansado,
como não vir. É impossível não vir." não corro o risco de me aproximar de coisas realmente peri-
Analista: "Eu acho que, no momento, eu sou a sua mãe, e você gosas. É uma posição curiosa. Externamente, não sinto que
tem quatro ou cinco anos." tenha feito progressos ultimamente, ou seja, não me sinto
Paciente: "Um fato muito importante é que a minha mãe não sa- melhor. Contudo, fico imaginando se e quando colherei o
bia dos meus sentimentos porque havia alguma coisa que eu fruto do trabalho feito aqui. Se eu tiver de parar, todo o tra-
não ousava contar a ela, pois envolveria a sua destruição." balho recente será perdido? Ou ele poderá ser consolidado?
Pausa. "Minha única esperança naqueles dias era crescer de Sei que a psicanálise produz uma área de perturbação, que se
repente e evitar uma porção de situações desagradáveis. Eu mantém durante o processo. Portanto, eu não posso ter ex-
tentei me tornar um adulto aos cinco anos. Queria ser sociá- pectativas de me sentir bem enquanto estiver vindo aqui."
vel, mas dispensando os estágios intermediários entre a in- Analista: "Você se lembra da última sessão e do trabalho que fize-
fância e a vida adulta. Era a única forma segura e possível." mos sobre o tema do silêncio e do seu significado positivo?"
Analista: "Aquilo que as pessoas chamam período de latência pa- Paciente: "Vagamente. Eu não converso com minha esposa por-
rece ter sido eliminado completamente. A morte de seu pai que ela não discute, não briga. Falamos apenas sobre coisas
parece ter tido uma versão toda própria durante aquele perío- sem importância. Já desisti de tentar. Já não é mais urgente, e
do." (A julgar pela ausência de uma reação, a interpretação a experiência me mostrou que é inútil. Não vale a pena ten-
era provavelmente incorreta. O paciente estava quase dor- tar. Ela deliberadamente não conversa, e eu sou forçado ajo-
mindo.) gar da mesma forma. Não falar é uma coisa ativa."
Paciente: "Há duas semanas, quando eu repentinamente fui capaz Analista: "Aqui, eu reuni todo o trabalho que fizemos recente-
de falar livremente, sem me preocupar com o tempo, isso, de mente sobre o silêncio."
certa forma, foi algo artificial, um truque. O que aconteceu Paciente: "É cmioso, mas eu havia esquecido tudo o que nós fala-
encerrava em si a idéia de não falar absolutamente nada. mos. Mesmo agora, tudo parece tão remoto."
Estou começando a descobrir o que estava por trás do não fa- Analista: "Portanto, você sente a necessidade de que eu me lem-
lar do passado. Eu sempre considerei esse sintoma um sim- bre, mesmo quando nós concordamos."
ples aborrecimento, embora você sempre tenha se referido a Paciente: "É mais do que provável que eu concorde sempre. A
ele como potencialmente valioso. Creio que ele ocultava al- menos que eu discorde inequivocamente, a minha tendência
guma coisa. Eu agora acredito no que estou dizendo; o silên- é aceitar. Eu concordo de boa vontade; quase nunca recuso
cio, em si, é a coisa significativa." categoricamente. Eu raramente discuto."
Analista: "Lembre que você disse que eu era mole, que, se você
me batesse, seu braço entraria no meu corpo e se perderia."
Terça-feira, 14 de junho Paciente: "Eu tinha uma imagem na minha mente - eu lutava
com você e mantinha-o a distância. Tal situação seria ideal -
Paciente: "Da última vez eu dormi muito. Se eu não me contives- isso se você não fosse agressivo o tempo todo, se apenas es-
se, dormiria o tempo todo. Sinto que isso pode ter sido muito tivesse num estado agressivo. Seria um tipo de luta de boxe,
importante; talvez eu estivesse evitando inconscientemente só que os socos não o atingiriam. Há nisto um pouco de anti-
194 Holding e inte1pretação Fragmento de uma análise 195

patia por você. Você se adapta completamente e produz uma ro. Eu não pensei na possibilidade de você fazer uma inter-
atmosfera negativa - é por demais parecido com o meu pai. pretação errada (ela seria uma simples opinião e eu a aceita-
É como uma mãe que se adapta muito facilmente, que se es- ria como tal). Então, não é tanto a interpretação que eu temo,
força para ser perfeita." (A própria mãe, pouco antes do iní- mas a descoberta de alguma coisa, como se eu fosse levar
cio da primeira análise, disse ter sido assim durante a infân- uma pancada na cabeça."
cia do paciente.) Analista: "Recentemente você disse que o silêncio poderia ser
"O resultado é mole e desagradável." Pausa. "Eu me uma pancada."
lembro de uma diferença notável na última sessão entre o de- Paciente: "Eu tive então uma idéia curiosa: alguém estava comen-
sejo de ficar em silêncio e o desejo de parar de tagarelar. Ta-
do alguma coisa, comendo idéias. Assim, se você produz al-
garelar tem as suas limitações. Essa atitude tem um propósi-
guma coisa (uma interpretação), você está vomitando. Por-
to, mesmo que não faça nenhum sentido. Eu gosto da idéia
tanto, aceitar uma idéia sua é repugnante. Existe o perigo de
de tagarelar, mas a tagarelice pura e simples não tem sentido,
que eu só reconheça estas idéias depois que elas já estão par-
não tem propósito. Tagarelar é o mesmo que conversar com
cialmente consumidas e então eu vomite tudo. Por um ins-
ninguém. O efeito é um pequeno prazer temporário." Pausa.
tante, eu tive uma imagem clara de tudo isso: você sentado
"Fiquei em silêncio porque reconheci o fato de não falar co-
diante de um prato de comida e, enquanto você come, a co-
mo uma coisa boa em si. Não falar em beneficio do falar.
Antigamente, eu fazia um enorme esforço para tentar dizer mida vai crescendo no prato, o que significa que você está
tudo." Pausa. "Sinto que, se ficar calado, corro o risco de não vomitando tudo, vagarosamente." Pausa. "Esse silêncio pare-
falar mais nada e dormir. Eu não posso confiar no silêncio." ce tão problemático. É perigoso, nada acontece. Isto faz al-
Analista: "Você dormiu agora há pouco, enquanto estava em si- gum sentido para você? É muito fácil nunca falar. Lembro-
lêncio?" me agora que ontem, quando saí, fiquei imaginando: será
Paciente: "Não, realmente, não." que vale a pena continuar se o não falar é viver?"
Analista: "Há algo real nesse seu silêncio. Ele é você mesmo, en- Analista: "Isto se relaciona à idéia de ser amado com sanções
quanto falar simplesmente por falar significa que você não ou de ser amado como um equivalente de ter a existência
tem certeza de que existe ou de que eu existo." avaliada."
Paciente: "A dificuldade é que, se eu não falo ou se não quero fa- Paciente: "Eu posso tentar acreditar e supor que sou amado. Mas
lar, isto necessita de uma interpretação. Em geral, eu não o que vou fazer se isto não for verdade? Eu me sinto como
gosto de conversar." Pausa. "O cansaço tem alguma relação se estivesse na água, sem saber nadar e sem ter quem me
com o não conversar. Serve como desculpa, de forma que, ajude."
no momento, eu não tenho de falar nem de explicar por que Analista: "É exatamente isso - foi o que aconteceu com você."
não vou falar." (O paciente bocejou.) Paciente: "Existe uma grande diferença. Eu devo tentar (embora
Analista: "Você precisa de uma interpretação minha, e eu direi que seja impossível) não fazer as coisas e sim fazer com que os
você está exigindo algo de mim." (O paciente adormeceu.) outros as façam em abstrato, sem que eles realmente as fa-
"Acho que você queria ouvir a minha interpretação, mas aca- çam. É uma contradição. Só pode acontecer por mágica."
bou dormindo porque estava com medo dela. Talvez você Analista: "Você sente falta da identificação de sua mãe com você,
tema a interpretação certa." com o bebê dela."
Paciente: "Se a interpretação é feita, eu pressuponho que ela seja
correta. O medo é do que eu posso descobrir como verdadei-
196 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 197

Pausa tinha certeza se devia falar sobre ontem ou não; é muito difi-
cil falar sobre isso sem tornar a coisa toda muito intelectuali-
Paciente: "Dormir não é algo puramente negativo ou uma simples zada."
fuga. É um elemento que lhe dá uma chance de avançar." Analista: "É aí que entra o silêncio, se for compreendido."
Analista: "Sim, a minha única chance." Paciente: "Mas como posso demonstrar a importância disso em
silêncio? No final da sessão de ontem, eu também fiquei im-
pressionado com a descoberta, talvez mais pelo seu caráter
Quarta-feira, 15 de junho dramático que pela sua veracidade, ou seja, mais pelo que
ele tinha de categórico que pelo seu conteúdo. Parece muito
Paciente: "Ontem, depois que saí daqui, fiquei pensando sobre a importante, mas simples demais para explicar tudo." Pausa.
nossa conclusão. Encarei o problema durante um bom tempo "Aparentemente, pode-se concluir (eu já havia reconhecido
e me vi diante da perspectiva sem esperança de ser amado ou o fato há muito tempo) que eu estive obcecado por uma ne-
desejado pelo que sou e não pelo que faço ou realizo. Já dis- cessidade de agradar todo o mundo, sendo que tudo isso faz
cuti isto antes, quando falávamos sobre perfeição. Eu não re- parte da perfeição e do impulso para conseguir amor e res-
conhecia a possibilidade de ser amado ou respeitado pelo peito. Eu me preocupo em não aborrecer os outros, mais do
que sou, de forma que a perfeição era a única alternativa, e que com os aspectos positivos das relações. Se eu faço uma
qualquer outra coisa significaria um fracasso completo. En- afim1ação categórica que não é aceita, eu fico perturbado.
tão, quando reclamei que estava doente, eu estava horroriza- Hoje mesmo isso aconteceu, quando eu estava no telefone
do com o dilema, já que eu me sentia muito distante da per- com um clínico geral. Ele queria um conselho sobre uma
feição, o que significava fracasso absoluto. Antes disto, me criança e, em vez de aceitar sem reservas o que eu disse, ele
retraía e, desse modo, evitava o ataque direto e, portanto, os apresentou argumentos contrários. Era um caso simples, um
problemas de ser amado e desejado ou mesmo de ser perfei- bebê de três meses que talvez estivesse com rubéola, e o mé-
to. Eu não acreditava na possibilidade de ser amado, e foi as- dico pôs em dúvida o diagnóstico. Eu senti que ele estava me
sim que surgiu a dificuldade de conversar, porque não fazia vencendo na argumentação. Ele era mais preciso do que eu,
sentido exigir deixando de exigir. e eu me senti errado, inseguro e, depois, aborrecido. Eu po-
"Então, tendo descoberto a situação, fiquei imaginan- deria ter sido mais firme."
do: Qual seria o próximo passo a ser dado? O que resolveria Analista: "Na minha interpretação de ontem havia não só o con-
o problema? Nenhum passo prático teria utilidade porque, teúdo do que eu dizia, mas também a firmeza da minha atitu-
pela natureza das coisas, eu não podia agir. Nesse dilema, de e da minha afirmação. Você foi afetado pela forma como
será que é possível superar o fato de algo ter me faltado du- expus os meus sentimentos."
rante anos, o fato de não ter sido amado ou de não ter perce- Paciente: "Eu apreciei a natureza categórica da sua afirmação
bido que me amavam? Ocorreu-me então que minha mãe tal- porque eu não consigo fazer o mesmo. Muitas vezes você é
vez houvesse sofrido da mesma incapacidade, que talvez ela cauteloso, compreensivo, procura não se comprometer e ad-
não tivesse esperança de ser amada pelo que era- daí, talvez, mite quando está errado, mas eu não acho isso tão satisfató-
o seu desejo de perfeição. rio. Seria melhor que você fosse gloriosamente errado do que
"Além disso, qual era o papel desempenhado pelo meu vagamente certo."
pai? Eu não consigo enquadrá-lo na mesma categoria. Ele Analista: "Bem, eu fui categórico e isso foi satisfatório. Agora,
parecia não ter nenhum problema." Pausa. "No início, eu não temos de considerar: Eu estava gloriosamente errado?"
200 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 201

Analista: "Então, você conseguiu brincar comigo, e, nesta brinca- Paciente: "Sei muito bem que uma coisa não pode resolver tudo."
deira, eu sou o monstro." Analista: "Existe uma diferença entre a fúria e a privação. Nas úl-
timas semanas, você chegou à fúria teoricamente e à priva-
ção concretamente."
Sexta-feira, 17 de junho Paciente: "Sim, a fúria até certo ponto foi teórica: eu me senti um
tanto quanto irritado. Senti que podia haver raiva em algum
Paciente: "Eu achava importante discutir como eu estava me sen- lugar. Uma outra coisa sobre a raiva: ela é sempre um estado
tindo; agora isso tem apenas urna importância relativa. Sen- temporário, nunca dura muito. É assim mesmo, ou a raiva é
timentos e estados de espírito são instáveis, transitórios, de- reprimida porque não posso suportá-la?"
pendem de fatores variáveis. O mais importante é descobrir Analista: "O que vemos é você se aproximando e se afastando da
o que está por trás dos estados de espírito." raiva, o que produz seus próprios perigos, e a desesperança,
Analista: "Sim, você está dizendo urna coisa sobre a qual eu não cujo maior perigo é fazê-lo achar que a vida é fútil." Pausa.
havia pensado antes. Seu estado de espírito foi o mais próxi- "Na análise você se deparou com certos perigos associados à
mo que você conseguiu chegar de seu selfverdadeiro." raiva, que o levaram de volta à desesperança."
Paciente: "Acho que as pessoas não estão interessadas em saber Paciente: "A raiva é mais produtiva do que a desesperança, que é
como os outros se sentem, e isso enfatiza essa relativa falta negativa."
de importância de meu estado de espírito." Analista: "Você se sente mais real quando está com raiva, mesmo
Analista: "De fato, quando as pessoas dizem: 'Como vai você?' quando as idéias decorrentes da raiva implicam uma noção
elas não querem que você diga como se sente. Não se costu- de perigo."
ma seguir o significado literal da pergunta." Paciente: "A raiva implica um objeto, mas a desesperança - bem,
Paciente: "Isso me lembra algumas brigas que tive com a minha não há nada a ser conquistado. Assim, a raiva da nossa dis-
esposa, quando eu a censurei por não me perguntar como eu cussão de hoje talvez seja mais útil. Sinto-me excitado com a
me sinto. Ela diz: 'Para quê? Você está sempre triste.' Há idéia de chegar à desesperança, mas parece que cheguei a um
mais uma coisa. Antes de vir para cá, eu me senti um tanto beco sem saída; há dois dias que a raiva se perdeu. Sinto que
confuso quanto ao motivo que me leva a relutar em falar. Há estou ficando um pouco repetitivo. Fico imaginando se você
dois fatores: o medo da fúria e a desesperança quanto a ser não fica cansado de me ouvir sempre discutindo a mesma
amado. Suponho que, se urna está certa, a outra tem de estar coisa. Socialmente, sei que sou entediante porque me repito,
errada. Nas duas últimas vezes, a raiva desapareceu." mas não consigo evitá-lo. A alternativa é o desespero, o si-
Analista: "Pode haver uma relação entre as duas coisas. Você pre- lêncio absoluto."
cisa ter alguma esperança para poder ficar com raiva. Para Analista: "Pode haver raiva quando se constata a privação: sente-
ficar com raiva você deve ter em mente aquilo que você es- se esperança e desespero quase ao mesmo tempo."
perava obter e reagir à sua ausência." Paciente: "O desespero é só relativo; se for completo, não é reco-
Paciente: "Nesse caso, a idéia de que não tenho absolutamente nhecível."
esperança alguma é um exagero. A pessoa exagera para che- Analista: "Sim."
gar a uma simplificação, para encontrar urna causa para to-
dos os nossos problemas."
Analista: "Muitas vezes nós constatamos que o esclarecimento
de um problema nos leva a um outro."
202 Holding e inlerpretação
Fragmenlo de uma análise 203
Pausa
coisa primeiro. Agora, eu vejo que é mais do que simples-
Paciente: "Acho que eu deveria começar a pensar no próximo mente conveniência."
passo, fazendo uso dessas descobertas. Percebo que, em con- Analista: "Não faz a menor diferença eu começar, pois, ao fazê-
traste com as últimas semanas, já não sinto sono. Isto é desa- lo, estou apenas seguindo o seu desejo. Para me adaptar à
pontador, se o sono for um indício de algum novo dado. Se sua necessidade, eu tenho de chegar até você com amor antes
estou acordado, começo a pensar claramente sobre o futuro, que você se dê conta da sua necessidade."
e isso pode não ser produtivo." Paciente: "Isto me faz lembrar do meu relacionamento com as
Analista: "A situação nova vem da idéia oposta à privação, ou mulheres, que só começa quando a mulher dá o primeiro
seja, a idéia de que eu, de alguma forma, aqui e agora, sinto passo. Eu acho inútil tentar fazer uma conquista. Se tento, é
amor por você - uma nova versão da série de eventos da sua com a convicção de que não vai dar certo. O estímulo tem de
análise que começou com a idéia do 'meio fluido' 17 • Aqui, ser externo. Mas por que isso é importante? Talvez porque
eu quero dizer amor sem ressalvas ou sanções, nem mais não tenha sido sempre assim?"
nem menos do que a minha capacidade de me identificar Analista: "Do seu ponto de vista, sendo verdade ou não, sua mãe
com você." foi incapaz de se identificar com você, o seu bebê. Você vai
Paciente: "O que me ocorre é que cheguei à situação em que eu compreender o que eu estou dizendo se pensar na palavra
estava quando começamos a primeira análise. Eu não sabia 'restringir'. Ela deixa implícito que a mãe, como a criança,
sobre que diabos falar." está inserida num processo e demonstra a identificação tem-
Analista: "Ou seja, se o conhecesse de verdade (e eu teria de ser porária da mãe com a criança, que é quase completa. Da
um mágico), eu poderia ter feito o comentário que estou fa- mesma forma, eu também estou inserido, junto com você, no
zendo agora. Poderia ter dito: 'Você só pode começar se eu processo da análise e do seu retorno à dependência infantil e
for até você com amor, mas você não sabe disso.' Isso foi ao seu crescimento emocional subseqüente. Você só pode co-
dramatizado no início da segunda análise, quando você não meçar a existir se eu estiver envolvido nesses processos."
me queria, e não teria vindo a mim, se eu não fosse buscá-lo. Pausa. "Isto nos leva a considerar os motivos do analista."
É claro que eu não altero o fato da primeira privação, sofrida Paciente: "Sim, eu estava mesmo pensando: 'Em termos amplos,
durante a primeira infância; eu simplesmente ofereço amor o que você pretende fazer? Até que ponto você acredita na
simbolicamente." sua capacidade?' Recentemente, um amigo médico estava fa-
Paciente: "Eu acho que não podia começar porque não havia lando sobre seus planos para o futuro e disse que havia pen-
nada que pudesse ser trabalhado. Eu nunca imaginei que as sado em seguir a psiquiatria. Ele acha que a carreira pode ser
coisas deveriam começar a partir de você." lucrativa, mas duvida de que tenha qualquer utilidade. Disse
Analista: "Então, chegamos a um significado positivo do silêncio - que é tudo pura perda de tempo. Fiquei aborrecido com o
a expressão da idéia de que o começo deveria partir de mim." que ele disse, mas também tenho dúvidas. Fico imaginando
Paciente: "Isso não é novidade. Lembro que cheguei a julgar inú- se você não considera a psicanálise um experimento de re-
til tentar produzir alguma coisa, mas eu achava que isso sultados incertos."
acontecia só porque eu queria que você produzisse alguma Analista: "Eu poderia estár fazendo isto por dinheiro ou sem
acreditar em minha capacidade de chegar a algum lugar, mas
17. Ver "Retraimento e regressão", no Apêndice deste volume. o que o preocupa é: Será que eu vou sofrer com você caso a
análise seja um fracasso?"
204 Holding e interpretação Fragmento de uma análise ____________________ _
205
Paciente: "Sim, porque é muito fácil você decidir que a psicanáli-
agradasse e me desse mais prazer, e ignorar que eu deveria
se é a melhor linha a ser seguida. Você poderia não acreditar obter algo do primeiro?"
nela e, no entanto, continuar a praticá-la como um exercício
Analista: "A idéia de existir como você mesmo entra, aqui, em
de técnica, pronto para abandoná-la assim que descobrisse contraste com a idéia de viver de acordo com as expectativas
algo mais promissor." de uma outra pessoa."
Paciente: "As expectativas podem vir de dentro."
Analista: "Sim, certamente, de pessoas que existem dentro de nós
Pausa e que, de certa forma, se estruturaram a partir de pessoas que
estão fora de nós, como o seu pai, que você tanto quis agra-
Analista: "Ao comparar o trabalho de um analista ao de um médi- dar. Mas você teve de manter essas pessoas introjetadas por-
co, você está observando uma diferença. O médico lida com que você não tinha consciência de existir por si próprio."
doenças e, se ele cura o paciente da doença, o trabalho está Paciente: "Isso resume a questão. Ao tentar ser eu mesmo, tive de
terminado. O analista, ao contrário, precisa ter um sentimen- usar sustentáculos que já não são necessários. Sinto agora
to positivo, algo na sua relação com o paciente que não aca- uma esperança muito mais positiva. Posso visualizar uma
ba com a cura da doença. Esta preocupação com a existência nova situação, um futuro previsível, não tão remoto, em que
do ser humano é a base de qualquer desejo de curar que o eu talvez possa dizer que consegui. Antes eu achava que não
analista possa ter." havia perspectivas para mim, que eu existiria realmente. Era
Paciente: "Nós já falamos sobre isso antes, alguns meses atrás, como se eu fosse um desafio a você: 'Faça o que quiser, pois
eu duvido que algo realmente aconteça.'"
logo depois de discutirmos as causas imediatas da tensão.
Tudo estava ligado à questão: 'Por que fazer psicanálise?' Já
que o necessário é apenas o alívio dos sintomas, eu não pre- Terça-feira, 21 dejunho
cisava ter vindo. Isso responde um problema que eu nunca
havia solucionado antes: como decidir se uma pessoa precisa Paciente: "Você poderia começar perguntando sobre o meu novo
ou não de análise? O cerne da questão é descobrir se os sin- trabalho. Acho, porém, que eu não gostaria, não sei por quê.
tomas são importantes ou se são um fator secundário se É a idéia de ser parabenizado por você. Aconteceria o mes-
comparados com alguma outra coisa. Hoje de manhã, antes mo se a minha mãe e a minha irmã me parabenizassem. Se-
de vir para cá, eu pensei: Eu devo ser mais ambicioso e lutar ria uma intromissão, e você não teria nenhum direito de fa-
mais ou será que alcancei um estágio no qual a melhor políti- zer um comentário. Se o comentário viesse de pessoas que
ca é viver dentro das minhas limitações? Será que, ao abrir trabalham comigo ou mesmo de algum conhecido eu não me
mão das suas ambições, uma pessoa pode ficar satisfeita ou, importaria. Nã.o seria uma invasão."
pelo menos, encontrar uma existência viável?" Analista: "Existe uma ligação, aqui, com o tema de ser amado
Analista: "Você está chegando a uma posição de onde você pode- sem ressalvas. Você julgaria estar sendo amado por causa do
rá considerar estes aspectos." seu sucesso, algo que para você é o oposto de ser amado."
Paciente: "Será que existe um estado em que o esforço é tão gran- Paciente: "Sim. Em geral, qualquer referência sua a eventos e ob-
de que a pessoa não existe? Existe uma analogia: eu vejo um jetos externos é inoportuna, é indesejável. Minha mãe se en-
quadro e ele não me agrada. Será que eu deveria ficar tentan- quadra bem aqui porque, em parte, ela é responsável por eu
do gostar dele ou simplesmente passar para um outro que me estar fazendo análise, mas não vejo como minha irmã entra
nisso. Refiro-me à irmã que está fazendo análise."
206 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 207

Analista: "Como você acha que ela está?"


de métodos fisicos . Parece-me errado tratar uma perturbação
Paciente: "Está bem, trabalhando. Conversar com ela é fatigan-
mental através de um método empírico. Alguns médicos che-
te. O tratamento está incompleto, e o comportamento dela
garam mesmo a afirmar que a esquizofrenia é uma doença
é irreal."
orgânica com uma patologia fisica. A base desse argumento
é a constatação de que certas drogas produzem ataques de
esquizofrenia. O que me deixa angustiado, portanto, é a pos-
Pausa sibilidade de que eu não tenha cura."
Analista: "Você está diante de duas alternativas, e elas envolvem
Analista: "Você está, inevitavelmente, comparando o estado de
questões de grande importância. Você pode ser tratado, o que
sua irmã com o seu. Se você passasse por uma mudança mui-
implica que todos os médicos estão errados e que a visão ofi-
to profunda, ficaria preocupado com a possibilidade de que
cial da esquizofrenia está errada; ou os psiquiatras estão cer-
o mesmo acontecesse à sua irmã." tos e você é incurável."
Paciente: "Não estou bem certo; pode ser. Estou pensando sobre
Paciente: "Novamente, numa discussão com a minha esposa, ela
isto. Estava pensando, antes de vir para cá: houve no hospital
teria ajudado se eu não estivesse fazendo psicanálise. O ar-
uma aula para pós-graduandos; sobre casos de doença men-
gumento que ela usou originalmente foi a possibilidade de
tal. Algo na discussão me fez lembrar das minhas angústias
que eu piorasse muito com a terapia psicanalítica. Por outro
quando fui internado, quer dizer, antes da segunda análise.
lado, ela não aceitaria nenhuma culpa caso eu piorasse por
Eu era um esquizofrênico? Será que o sentimento de irreali-
não estar fazendo psicanálise. Novamente, lembro-me que
dade era parte de uma esquizofrenia verdadeira? Esses senti-
quando estava no hospital eu tinha medo de me alienar a tal
mentos irreais foram discutidos na aula. Pensei que já hou-
ponto que nenhum tratamento pudesse ser eficaz."
vesse lidado com isso, mas agora tenho de considerar nova-
Analista: "Quando estava muito doente, eu, a sua mãe e a sua ir-
mente essa parte do meu problema. O médico que estava
mã acreditávamos na natureza psicológica da sua doença.
dando a aula disse que a psicoterapia tinha pouca utilidade
Você dependia disso, e é isso que une nós três."
no tratamento da esquizofrenia. Certa vez você disse que eu
Paciente: "Outro dado alarmante é a sensação de que um colapso
tinha antes uma psicose que uma neurose, e eu acho esta
poderia ocorrer se eu viesse a enfrentar mais tensões. Assim,
idéia inquietante."
fico imaginando se não devo ser cuidadoso ao escolher um
Analista: "Sim, eu realmente disse isso."
novo trabalho e tentar evitar o perigo da tensão emocional. A
Paciente: "Estou angustiado quanto à história natural da doença.
desvantagem, nesse caso, é o tédio resultante."
Pode ser que o pior ainda esteja por vir; há casos de remissão
Analista: "O tédio, em si, já é uma forma de tensão."
espontânea na esquizofrenia, e talvez eu deva contar com a
Paciente: "Sim, mas há o risco de 'engavetar' o problema. O risco
possibilidade de recaídas. A taxa de recaídas é muito alta,
de ficar escondendo o problema principal é algo que me
mesmo quando os pacientes apresentam melhoras depois de
preocupa. Eu ofereço como desculpa a necessidade de justi-
um tratamento físico. Portanto, talvez estejamos simples-
ficar o fato de ser irresponsável, uma desculpa que me con-
mente adiando o colapso final; embora eu às vezes me sinta
forta no momento e que me afasta da alternativa: reconhecer
bem, tenho momentos de irrealidade. Eu evitei dar um nome
que eu apresento uma sintomatologia esquizofrênica. Então,
a essa situação porque considero a esquizofrenia uma propo-
esquizofrenia declarada é uma variação do comportamento
sição sem esperança. Por outro lado, percebo que me oponho
normal. Portanto, os episódios esquizofrênicos não merecem
à afirmação de que a esquizofrenia deve ser tratada através grande preocupação."
208 Holding e inte,pretação Fragmento de uma análise 209

Analista: "Se a esquizofrenia estivesse relacionada com a normali-


Analista: "Talvez você tenha escolhido sua esposa porque ela era
dade dessa forma, isso excluiria a teoria da doença orgânica."
diferente de sua mãe num aspecto importante."
Paciente: "Seria bastante confortador."
Paciente: "Sim, ela tem bastante senso comwn, algo que não exis-
Analista: "Então, na sua análise, você está descobrindo as respos-
te na minha família. Embora esteja preparada para mergu-
tas para este vasto problema da doença esquizofrênica."
lhar no desconhecido, ela mantém os pés no chão. Ela sabe o
Paciente: "Eu também fico imaginando se não sou uma carga mui-
que quer, e sai em busca disso. Então, eu reconheço que a es-
to pesada para os outros. Minha esposa, ao falar sobre o meu
colhi por causa do contraste com a minha família."
colapso, insinuou que, se eu fosse esquizofrênico, ela não
Analista: "É provável então que as crianças não sejam afetadas,
poderia continuar a viver comigo. Eu tenho, portanto, cons-
embora seja difícil para você o fato de não conseguir dela
ciência do grande peso que represento para ela. Um pouco
aquilo que naturalmente as crianças conseguem de seu senso
da angústia entra aqui, especialmente se existir a possibilida- de realidade."
de de que eu venha a me dedicar à psicoterapia no futuro . Se
Paciente: "Repentinamente, eu me lembrei de uma citação nwn
eu aceitasse a idéia de que a maioria dos pontos de vista so-
jornal que li três dias atrás: 'Pessoas fechadas em si mesmas
bre a esquizofrenia está equivocada, seria imoral não fazer
fazem um embrulho muito pequeno.' Isso sou eu, ou aquilo
nada a respeito. Eis aqui, então, uma imensa tarefa, que exi-
que estou tentando evitar. Sou capaz de me desprezar pelas
ge um entusiasmo missionário, algo que eu realmente não te-
minhas limitações. A minha desconfiança da psiquiatria é
nho. Não é nada confortável ficar de braços cruzados en-
parte da minha postura total em relação à medicina psicoló-
quanto um monte de pessoas está fazendo coisas erradas."
gica e à esquizofrenia. Ela se fundamenta numa postura in-
Analista: "Você está lidando com um problema abstrato da teoria
correta. Inconscientemente, eu sabia disso antes mesmo do
geral da esquizofrenia, quando o problema verdadeiro é você
meu colapso. Se eu aceitar a idéia de trabalhar com a maio-
mesmo e a questão de saber se você pode ficar bom."
ria, então eu também tenho de aceitar o que está errado ..."
Paciente: "Não é fácil aceitar que isso seja justo."
Analista: "As duas primeiras, depois de você, seriam a sua mãe e
a sua irmã." Quarta-feira, 22 de junho
Paciente: "Sim. Se uma delas admitir que a minha doença é a es-
quizofrenia, então, a delas também é. Afinal, existe o ele-
Paciente: "Os sentimentos que se manifestaram durante a última
mento familiar (quando digo familiar, não quero dizer neces-
sessão continuaram. Depois de ter chegado a um rótulo, fi-
sariamente hereditário). Está implícita aqui uma angústia
quei angustiado, imaginando o que vai acontecer no futuro.
quanto ao estado das minhas filhas, embora eu ache impro-
A implicação talvez seja um tratamento bastante prolonga-
vável que elas sofram do mesmo mal. Eu não tenho nenhu-
do. No entanto, além da angústia, senti também wn certo alí-
ma base racional para afirmar tal coisa, mas a hipótese pare-
vio e até achei graça na situação. Alívio porque achar um
ce improvável."
nome para a doença faz com que ela se tome menos obscura,
Analista: "Existe a questão da sua esposa. Por exemplo, de uma
mais fácil de manipular, de forma que eu me sinto mais con-
forma geral, você diria que ela é acessível ou inacessível para
fiante; engraçada porque penso nos tolos que discutem se a
as crianças?"
esquizofrenia pode ou não ser tratada pela psicoterapia.
Paciente: "Ela é inacessível para mim por causa da sua reação ad-
Muitos deles não conhecem a verdadeira natureza da doença
versa à minha doença, mas ela não é assim com as crianças.
esquizofrênica. Seria interessante ver a cara que eles fariam
Eu gostaria que ela fosse terapeuticamente mais firme."
se eu dissesse que sou esquizofrênico. Eu, que consegui che-
210 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 211

gar tão longe na medicina, a ponto de ocupar um posto de re-


eu perderia o interesse. A escolha da carreira médica me preo-
sidente. Eles ficariam horrorizados - as pessoas com quem
cupa. É preciso resolver problemas dificeis o tempo todo, e
trabalhei recentemente, os meus colegas de medicina, espe-
os horários não são regulares. Quando penso na estabilidade
cialmente aqueles que me entrevistaram no início e que que-
absoluta, nos horários incertos, no pagamento inadequado
riam um relatório seu. Eles já devem ter esquecido."
pela responsabilidade assumida, fico imaginando se a esco-
Analista: "Se tudo corre bem, as pessoas esquecem; se dá errado,
lha foi correta. Mas eu não tive alternativa. É preciso ter um
elas lembram?"
entusiasmo missionário. Há também o problema da adminis-
Paciente: "Sinto-me angustiado, inseguro quanto ao meu novo
tração feita pelo pessoal médico. Um médico odeia que um
trabalho. Não tenho meios de saber o que vai acontecer."
leigo lhe diga o que fazer e, no entanto, também detestaria
Analista: "Você também tem dúvidas quanto à minha capacidade
ter de se responsabilizar pela organização. Eu acho que gos-
profissional."
to de ter uma administração perfeita por trás de mim. Sou
Paciente: "Dos seis ou sete consultores com quem trabalho, ape-
dependente e, ao mesmo tempo, não gosto de intromissões.
nas um está no grupo de seleção. Eu sinto que ainda preciso
Eu me desprezo por isso."
de ajuda no meu trabalho, que ainda preciso de um empurrão
Analista: "Sua dependência da administração é uma dependência
para seguir em frente. Competir de igual para igual me deixa das pessoas."
inseguro. Eu não tive de competir, exceto no meu primeiro
emprego (quando entrei em colapso). Além disso, no estágio
Paciente: "Faz parte da disputa com a minha esposa. Eu gosto de
considerá-la como a administradora que me obriga a fazer a
atual, eu não posso me candidatar a um novo emprego antes
coisa certa na hora certa. Ela espera isso de mim. Minha or-
de sair do anterior, de forma que posso ficar desempregado e
seria muito dificil ficar em casa o dia todo. E, por fim, ainda ganização viria abaixo se ela não estivesse presente para cui-
dar de tudo. Ela se ressente disso."
estou muito preocupado com o futuro. Eu estou me defron-
Analista: "O seu novo trabalho, ele é mais administrativo?"
tando com problemas práticos. Eu não queria ser clínico ge-
ral, mas parece que não há alternativa. A idéia não me atrai Paciente: "Não sei ainda. De início, eu achei que seria mais fácil
porque o clínico geral é auto-suficiente." estar numa função com menos ansiedade diária quanto à res-
Analista: "As pessoas parecem ignorar este aspecto da clínica ge- ponsabilidade direta. Eu me preocupo quando um médico diz:
ral: o isolamento do médico." 'Providencie a internação deste paciente.' Eu tenho de arran-
Paciente: "Sim. Por exemplo, o hospital pode encaminhar um pa- jar tudo, e isso é pior do que um problema médico."
ciente seu para o clínico geral sem problemas, mas não o clí- Analista: "É como o problema do meio ambiente e de você num
meio ambiente."
nico indicar que o paciente volte para o hospital. Isso é um
paradoxo. Algo que me deixa alarmado na carreira de clíni- Paciente: "Acho que não compreendi bem o que você quis dizer.
co geral é a segurança, a estabilidade de um trabalho perma- O trabalho administrativo me deixa aflito - é como cuidar dos
nente. É horrível estar comprometido. O que há de atraente filhos - você não pode simplesmente deixar as coisas acon-
tecerem. Se você tem filhos, tem de cuidar deles. Você não
no hospital é a insegurança. Não é necessário tomar nenhu-
pode dizer: 'Bem, agora chega.' É por isso que a administra-
ma decisão quanto ao futuro; é possível contemporizar. Mas,
ção é terrível. Não sei se isso é um reflexo do sentimento de
uma vez clínico geral, clínico geral para sempre.
inadequação da minha mãe. Talvez eu me sinta inseguro en-
"Voltando ao assunto de ontem, há algo que eu esqueci,
quanto pai porque ela é insegura. Os problemas administrati-
que me escapou no momento. Trata-se do que aconteceria se
vos são como filhos, e como jogos de xadrez. Outro dia eu
eu tivesse um trabalho fácil, monótono e regular; acho que
estava pensando sobre isso. Os problemas de xadrez são difí-
212 Ho/di11gei11terpretação Fragmento de uma análise 213

ceis porque os seus movimentos dependem dos movimentos Paciente: "Sinto-me confuso, perdido. Sim, eu dormi. O sono é
de outra pessoa. É, portanto, um problema vivo. No tênis pa-
uma forma de escapar de um dilema." Pausa. "Lembrei-me
rece diferente. Antes de poder enfrentar um problema, quero
de algo associado ao sono. A perplexidade que me domina
que toda a situação esteja bem definida, de forma que não
quando não consigo enfrentar a situação, quando perco a es-
haja urgência - nenhuma insegurança dinâmica."
perança de ficar melhor - caio no sono."
Analista: "Esse quadro pode ser aplicado à situação analítica, à re-
Analista: "Você compreende intelectualmente que a solução do
lação entre analista e paciente."
Paciente: "Sim. É uma relação em que qualquer coisa que um faça problema depende parcialmente de mim. Contudo, o proble-
pode afetar o futuro do outro. Esse é o elemento mais preo- ma não foi resolvido e você se encontra num estado de per-
plexidade."
cupante, e o mais interessante, da psicoterapia."
Analista: "Você tem esperanças de integrar esses dois aspectos
ainda não integrados em você."
Sexta-fe ira, 24 de junho
Paciente: ''No momento mais agudo da minha doença eu me sen-
tia como se estivesse num atoleiro ou tentando escalar uma
montanha de areia ou pedrinhas, perdendo terreno a cada Paciente: "Está dificil começar hoje. Parece que estou numa situa-
passo que eu dava. O ambiente que me cercava estava longe ção estacionária . Não há nenhuma perspectiva de algo acon-
de ser estático, era uma dramatização da insegurança dinâ- tecer. Percebo que, de uma forma geral, apesar de todo oca-
mica. Mas, mesmo naquela época, eu já sabia que ansiava minho que já percorremos, eu sinto o mesmo que há dois
por uma segurança básica. Eu tinha consciência de não ser anos, quando o procurei, embora esteja mais confiante e me-
feliz e, portanto, queria me tornar capaz de lidar com a situa- nos deprimido. Sinto-me tão irreal quanto no começo. Um
ção dinâmica." fator que pode influenciar é que o nível no meu trabalho está
Analista: "Você queria uma segurança básica e, ao mesmo tempo, insatisfatório. Agora eu tenho menos contato com os pacien-
queria muito não necessitar dessa segurança básica." tes, mais tempo para ficar à toa, nenhum lugar definido para
Paciente: "Eu reconhecia esse problema intelectual. Agora eu o ir. Pode ser que agora, morando em casa, fique mais dificil
sinto; não se trata apenas de saber ou de estar prestes a saber. manter contato com outros médicos. Como residente, isso
Ainda assim, tudo isso parece uma aposta, um jogo em que era fácil. A tensão agora é menor lá em casa. Nós não briga-
as conseqüências do fracasso podem ser muito altas. Não é mos, mas, mesmo assim, a situação não é satisfatória. Isso
essa a excitação que eu quero. Dizem que o meu pai implica- significa que não fiz progressos, já que não estou conseguin-
va comigo quando eu tinha de escolher alguma coisa e sem- do lidar melhor com a situação atual." Pausa. "Depois que
pre dizia: 'os dois'. A idéia de perder alguma coisa sempre cheguei aqui, achei que seria interessante deitar, não dizer
me deixou horrorizado. Isso corresponde à minha incapaci- nada e ver o que aconteceria. Provavelmente não aconteceria
dade para lidar com a insegurança dinâmica. Deixar tudo ao nada. Você ficaria aí sentado e aceitaria o meu silêncio, e isso
acaso é uma solução insatisfatória para o problema, um mé- me deixaria insatisfeito."
todo incorreto, não uma decisão sensível." Analista: "Você quer algo, mas se sente desesperado com o que
Analista: "Suas alternativas são: ser um indivíduo que aceita o quer que esteja acontecendo."
meio ambiente sem discussão ou então ser dirigido pelo meio Paciente: "Eu vejo uma ligação entre isso e a desesperança quan-
ambiente e perder a identidade. Você está me dizendo que to a ser amado que discutimos recentemente. De certa forma,
não consegue resolver o dilema destas duas alternativas." (O eu posso confirmar isto na prática; fora da análise, se eu não
paciente dormiu.) fizesse nada, se eu simplesmente esperasse, nada acontece-
214 Holding e interprelação Fragmento de uma análise 215

ria. Então, eu não posso simplesmente ir embora. As pers- go." (O paciente estava sonolento.) "É dificil para você per-
pectivas seriam desanimadoras." Pausa. "Além de não teres- manecer aqui e manter-se isolado."
peranças de ser amado, também não tenho esperanças de ser Paciente: "Sim, quando eu ouço você falar palavras ternas, a idéia
capaz de lidar com a situação se o amor surgir." de estarmos juntos aqui, eu e você, torna-se muito remota."
Analista: "Você não sabe se poderia aceitá-lo." Analista: "A precondição para o estágio seguinte é superar esta
Paciente: "Eu nunca fui capaz de aceitá-lo nem de ter sentimen- dificuldade: você está aqui comigo e, ainda assim, permane-
tos. É por isso que tenho dúvidas." ce isolado." (O paciente dormiu por alguns minutos.)
Analista: "Se eu o amasse, a sua dificuldade pessoal seria posta à Paciente: "É como se parte da dificuldade de falar se devesse a
prova. Mas, enquanto nada acontece, você permanece incó- um isolamento inconsciente da minha parte. Eu tenho uma
lume e pode manter viva a esperança de que poderia dar cer- necessidade de não estabelecer contato."
to. Você diz que não tem nenhuma experiência nesse campo, Analista: "Sim. Só que você parece estar atacando a abstração,
mas ... Quem sabe?" (O paciente estava sonolento.) "Você tentando torná-la real."
me falou sobre essa profunda divisão em sua natureza que Paciente: "Sim, é isso que venho tentando fazer: converter a abs-
bloqueia os seus impulsos, mas o fato é que a sua aceitação tração nm11a realidade. É tentador evitar alguns assuntos dor-
da realidade é feita por mn selffalso, que não parece real." mindo, mas é inútil fazê-lo. De certa forma, sinto que você
Paciente: "Sim, e, se for esse o caso, o que se pode fazer? Reco- está contra mim, pois já havia dito que dormir poderia ser
nhecer o fato altera a situação? É fácil compreender, mas como valioso por causa dos sonhos. Sinto que dormir produz um
é possível lidar com a ausência de sentimentos?" tipo de impasse."
Analista: "Digamos que é esse o caso e que você não vê nenhuma Analista: "A alternativa é muito dificil para você; é estar acorda-
saída." (O paciente estava sonolento outra vez.) do, mas isolado."
Paciente: "Mas esta sonolência não tem nenhuma relação direta Paciente: "Sim, parece que só existe uma solução: dormir com a
com o que está sendo dito; ela é uma reação à falta de pers- esperança de que vou acordar e encontrar tudo modificado e
pectivas da situação geral." o problema resolvido." (O paciente estava sonolento ... Ele
Analista: "Dada a natureza da situação, você não consegue enxer- colocou a mão no rosto e na testa, uma ocorrência rara; tal-
gar nenhuma saída." vez tenha acontecido pela primeira vez.) Pausa. "Às vezes -
Paciente: "Durante dois anos nós descobrimos idéias interessan- mas eujá disse isto antes - é como se eu fizesse uma avalia-
tes e tudo o mais, mas ainda estamos longe de poder enfren- ção geral; quando descubro que dormi, quero me punir por-
tar este problema fundamental." (O paciente dormiu.) "Tive que sou um inútil. É uma perda de tempo."
uma impressão curiosa, quase um sonho. Alguém estava ten- Analista: "Agora há pouco, você colocou a mão no rosto. Se eu
tando entrar em contato comigo para discutir problemas do fosse uma mãe sensível e você uma criança, eu saberia que o
hospital. O que você faria se isso acontecesse, se o mundo seu rosto precisava de contato e eu o teria aconchegado ao
externo entrasse na situação analítica?" meu peito. Você, porém, teve de ser a mãe e a criança, e a sua
Analista: "O sonho é justamente sobre o tópico que estávamos mão teve de desempenhar o papel de mãe." (Ele se rendeu ao
discutindo. Você traz um contato que se iniciou a partir do sono no início desta interpretação.)
hospital, e está tudo certo porque não é sobre você. Aqui, nada Paciente: "Permanecer aqui ainda é mna dificuldade. Parece inútil."
tem valor se não for sobre você, e, portanto, você não temes- Analista: Eu repeti a interpretação.
perança. Isto mostra que o que você teme é estar acordado e, Paciente: "Eu compreendi isso, mas eu deveria especular sobre o
simultaneamente, perder a esperança de mn contato comi- que você faria; eu ficaria horrorizado se você realmente fi-
216 Holding e inte,pretação Fragmento de uma análise 217

zesse alguma coisa. A impressão que você me transmitiu foi aqui. Mas acho que eu devo desejar esse contato em algum
a de que teria de haver um contato tisico." outro lugar."
Analista: "Você se lembra do dia em que segurou a cabeça de Analista: "A namorada proporcionou-lhe wn contato tisico que
uma criança? E daquela dor de cabeça fora da sua cabeça foi importante para você. Esse contato era parte da nossa re-
que eu interpretei como sendo a necessidade de que alguém lação, mas foi obtido fora daqui. Agora você enfrenta um
lhe segurasse a cabeça?" 18 conflito; você sente a necessidade e fica horrorizado diante
Paciente: "Há um paradoxo que se enquadra aqui, que eu já dis- da perspectiva de satisfazê-la. Durante a infãncia, a necessi-
cuti com os meus colegas. Trata-se dos pacientes que vão dade era bastante definida e simples. A questão é em que me-
procurar o ambulatório. Eu não quero continuar vendo pes-
dida você é uma criança aqui e agora, e até que ponto é legí-
soas pelas quais eu não posso fazer muita coisa. Mas muitos
timo dizer que estamos falando sobre uma criança."
gostam de vir ao hospital e até da longa espera. Agora eu tra-
Paciente: "É um avanço importante reconhecer a necessidade de
balho mais com pacientes de ambulatório e sempre tenho de
contato fisico. De início, tratava-se apenas de wna abstração
tornar decisões quanto a atendimentos futuros. Percebi que
intelectual, uma questão de saber se o contato era atraente ou
eles querem é que alguém segure as suas mãos, isto é, eles
não enquanto idéia."
não ficam satisfeitos com o contato verbal; eles necessitam
Analista: "Agora, porém, você está falando sobre necessidades
de contato tisico."
reais."
Analista: "Eles sentem falta do exame físico, não sentem?"
Paciente: "Isto pode parecer um tanto quanto óbvio, mas, em al-
Paciente: "Quando nós só conversamos, eles acham que a consul-
ta foi um desperdício de tempo. Um exame, por mais breve guns casos, o contato que eu necessito pode ser verbal, isto
que seja, faz muita diferença." é, se vier na hora certa. De uns tempos para cá, eu às vezes
Analista: "Creio que o tema seja a solidão, que é mais ou menos chego em casa, e a minha esposa não demonstra o menor in-
universal e que é a situação que temos aqui. Você está aqui, teresse por mim. Às vezes ela nem mesmo me cumprimenta.
mas isolado, sem contato comigo." (Sonolência?) Fico preocupado, mas não faço absolutamente nada porque
Paciente: "Estou tentando ter uma visão geral de tudo isso. A sei que não adianta. Mas penso que, se alguma coisa partisse
idéia do contato físico. A sonolência que eu sinto hoje é algo dela no momento certo, bastaria ser uma simples palavra."
novo, isto é, ela está ocorrendo numa situação diferente. A Analista: "Eu diria que uma interpretação certa no momento cer-
sonolência de hoje tem origem nwn conflito; querer o conta- to equivale a um contato fisico."
to tisico e ficar horrorizado diante da possibilidade de que Paciente: "Algo me ocorreu agora. Nas últimas semanas, notei
ele se realize." wna grande modificação. Há um ano, eu gostava de ir ao ci-
Analista: "No incidente da dor de cabeça fora da sua cabeça, vo- nema porque lá eu podia esquecer os meus problemas duran-
cê disse que, se eu realmente a segurasse, você consideraria te algum tempo. Eu me identificava com os personagens do
essa atitude uma aplicação mecânica de técnica. Lembra-se filme e ficava ressentido com os intervalos, quando as luzes
disso? O importante era que eu compreendesse e sentisse a se acendiam. Hoje em dia, se eu vou ao cinema, o que é bas-
sua necessidade." tante raro, quando volto para casa sinto-me pior, mais isola-
Paciente: "No nível do sentimento, eu necessito de contato tisico, do e mal-humorado. Eu não quero mais me confundir com
mas sinto-me horrorizado diante da perspectiva de obtê-lo os personagens de um filme. Não há problema se eu for ao
cinema com alguém; ao sair, sei que tivemos uma experiên-
cia em comum. Hoje eu percebo que ia ao cinema para me
18. Ver "Retraimento e regressão'', no Apêndice deste volume. isolar mais ainda. A minha esposa não gosta de discutir fil-
218 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 219

mes e isso me irrita. Ou ela ainda não foi ver o filme e, por- perdido alguma coisa convenci-me de que ela podia ser al-
tanto, não quer conhecer a história, ou então ela já foi e não terada."
quer discuti-lo porque acha tedioso." Analista: "A única coisa satisfatória seria se isto acontecesse."
(Por causa das crianças, os dois raramente podem ir jun- Paciente: "Minha filha fez wn ano e eu esqueci, embora tenha fa-
tos ao cinema.) lado sobre isso uma noite antes. Minha filha mais velha men-
cionou o aniversário assim que acordou, e eu fiquei chocado
com a minha falta de entusiasmo. Como posso aprender a
Terça-feira, 28 de junho sentir entusiasmo? Não é possível instilar wn processo sub-
jetivo fundamental, e, no entanto, foi exatamente para isso
Paciente: "Não tenho nada a dizer, e isso parece ter alguma quali- que vim aqui." Pausa. (O paciente dormiu?) "No momento,
dade positiva." eu me defronto com a dificuldade de não saber para onde ir
Analista: "Já é algo." ou o que fazer. Eu poderia ficar em silêncio por um bom
Paciente: "Sim. Desde que falamos sobre esquizofrenia, tenho tempo, não por piada, mas porque não tenho nada a dizer."
estado mais atento aos sentimentos alterados. Tenho estado Analista: "Você parece não se dar conta de que, ao estar aqui e não
alerta. Tenho sido mais crítico ao reconhecer a normalidade. ter nenhum contato comigo, você está vivenciando algo."
Antes eu podia acreditar que a análise poderia me capacitar a Paciente: "Estou ciente da natureza geral do problema, mas não
voltar a ser o que eu era há alguns anos. Mas isso seria um dos aspectos específicos do momento. Talvez não exista ne-
retorno à irrealidade, pois agora reconheço que sempre fui nhuma boa razão para justificar a referência a problemas es-
anormal. Eu não tenho, portanto, um padrão de normalidade pecíficos durante o tratamento. Neste exato momento, não
para fazer comparações. Seguir em frente, pura e simples- faz o menor sentido dizer o que me vem à mente. Eu esqueci
mente, não é satisfatório, e isso, mais uma vez, contribui para que era a resposta esperada (associação livre). É inútil lem-
o meu desespero. Se devo chegar a algum lugar, mas não te- brar de coisas. O tempo todo eu tento evitar o uso desneces-
nho a experiência, a perspectiva da chegada é menos tangí- sário de palavras."
vel. Nós podemos remover obstáculos aqui, mas e quanto Analista: "Neste caso, a associação livre é não falar e estar iso-
aos passos positivos? Quando vim aqui pela primeira vez eu lado."
não tinha consciência de nenhum problema. Meu único obje- Paciente: "As idéias desaparecem como antes, mas agora, para
tivo era chegar a algum lugar diferente, tornar o progresso poder pensar, eu tenho de me distanciar. Eu não consigo ta-
possível. Minha mãe ofereceu-me o tratamento sem nenhu- garelar, só com muito esforço. O que eu digo, portanto, não
ma justificativa. Ela disse que eu poderia me beneficiar, mas tem a espontaneidade da tagarelice. O meu sentimento de ir-
não tinha consciência alguma da minha necessidade. Talvez realidade vem do esforço para ser espontâneo. O esforço em
ela soubesse que havia algo errado. No momento, eu pareço si já é artificial."
uma fraude pedindo que a transformem em algo diferente. Analista: "Estar distante é real, só que leva ao isolamento."
Trata-se de algo sem paralelo na medicina comum." Paciente: "A mesma solidão ocorre lá fora por causa da falta de
Analista: "Na medicina comum a saúde é tida como pressuposto contato. As pessoas se distanciam e não fazem amigos. Mi-
essencial, e o esforço é no sentido de alterar a doença." nha esposa acha que sou assim. Ela reclama que eu não repa-
Paciente: "Antes de começar, eu tinha a idéia de saúde positiva, ro nas coisas. Por exemplo, quando alguém fala comigo, a mi-
mas, desde que me tornei médico, isso se acabou, pois a saú- nha primeira reação é não dizer nada. Não há nada a ser dito.
de não tem significado. Seria uma idéia intelectual, tendo Mas eu quero ter amigos e então eu converso, num esforço
220 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 221

para ser amável. Mas o tempo todo eu sei que é inútil." Pau- ou deitar. Parece que eu não posso me preocupar em ficar
sa prolongada. "Quando eu acordei, sentia-me sufocado, todo acordado." Pausa. "Mais uma vez eu me pergunto se o sono
representa o reconhecimento de um desejo frustrado de ter
coberto de cabelos."
Analista: "Trata-se, possivelmente, de algo relacionado a sua mãe sido acariciado enquanto bebê. A dificuldade é o medo da
raiva . Nós já falamos antes sobre a raiva escondida. Isto me
e a você."
Paciente: "Sim, parece que é isso, mas e daí? Sinto que existe uma faz lembrar que certa vez senti-me irritado comigo mesmo
por ser tão cuidadoso, por não deixar a raiva escapar. Eu po-
relação entre maternagem e sufocamento*."
Analista: "Uma mãe pode ser capaz de manter o contato mesmo deria suportar uma liberação bem maior de raiva, e fico irrita-
do por manter essa barreira tão grande para o progresso. Para
quando você se distancia."
melhorar eu só precisaria deixar as coisas acontecerem."
Paciente: "Se é assim, então a dificuldade é considerável. Não
Analista: "Você acha necessário sentir-se suficientemente inte-
existe ninguém lá fora que saiba do que eu necessito. Aqui
grado para poder suportar os efeitos da raiva."
dentro, quando eu dou a entender que quero que você diga
Paciente: "Agora, eu sinto que posso suportar mais rupturas."
alguma coisa, você nunca a diz. Parece que você faz questão
Analista: "Se o que eu disse estiver certo, você está com raiva de
de não fazê-lo. É desesperador saber que você decidiu não
mim por eu não segurá-lo. É o fracasso original manifestan-
fazer aquilo que é necessário."
do-se no presente."
Analista: "Como eu posso saber o que é necessário? Você está
Paciente: "Eu também sinto que, quando não tenho nada a dizer,
buscando a experiência de não ser encontrado por não haver
há um mecanismo em mim dizendo: 'Você está bem. Vale a
ninguém para entrar em contato com você."
pena correr o risco de uma perturbação? Pode seguir em fren-
Paciente: "Aonde isso tudo vai levar?" te sem problemas.' Mas não adianta recorrer a essa voz. Es-
Analista: "Creio que você está quase sentindo raiva. Se você esti-
tou preparado para o risco, mas a outra parte de mim é muito
ver próximo de momentos em que houve fracasso, a raiva
cautelosa."
deve estar presente." (O paciente adormeceu.) "Você sentia
necessidade de que alguém o segurasse, de que alguém cui-
dasse de você durante o sono." Quarta-fe ira, 29 de junho
Paciente: "Eu tenho dificuldades porque o mecanismo usado
aqui é essencialmente verbal. É dificil visualizar o progresso Paciente: "Tive um sonho na noite passada. Está meio nebuloso
num nível verbal. Para mim, esperar algum proveito disso é agora. Tratava-se de algo semelhante a um episódio real en-
quase como acreditar em mágica. É possível, porém, que não tre minha esposa e um certo homem. Foi quase um pesadelo.
seja tão ilógico." Talvez eu estivesse lutando com ele. Nas duas ou três últi-
Analista: "O divã sou eu, muito mais do que se eu o segurasse mas noites, eu sinto que deveria ter sido menos fraco e luta-
realmente. A inadequação de toda esta situação poderia mui- do com esse homem com mais vigor logo no início. O sonho
to bem fazê-lo lembrar que não é a criança que sente ser." é uma dramatização daquilo que eu desejava que houvesse
Paciente: "Na casa da minha mãe ou na da minha sogra, eu não acontecido."
só não tenho nada a dizer, como também sinto muito sono. Analista: "Parece que há algo se fortalecendo em você, tornando-
Talvez eu esteja pedindo apoio e tenha um desejo de sentar º capaz de alcançar a luta que sempre esteve implícita."
Paciente: " Sim. Às vezes sinto que o relacionamento com a mi-
• No original, mothering e smothering. (N . da T.)
nha esposa poderia mudar. Sinto que, se me aproximasse dela
222 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 223

e fosse mais afetuoso, ela talvez pudesse me achar aceitável. questão de saber se esse confronto valia ou não a pena. Como
Ela não tem falado muito sobre o homem. Talvez não o este- o seu relacionamento com a sua mãe não era forte o suficien-
ja vendo com tanta freqüência. Eu não tenho nada mais do te nem suficientemente fundamentado, a fraqueza da relação
que um sentimento subjetivo." fez-se sentir novamente." (O paciente estava sonolento.)
Analista: "Muitas vezes você se aproxima da idéia de luta entre Paciente: "Eu não estava realmente dormindo. Fiz uma pausa
dois homens e depois recua. Parece que você se aproximou porque você estava indo depressa demais. Como não estava
novamente." conseguindo acompanhá-lo, eu parei . Foi uma reação à sua
Paciente: "Lembro-me que falamos uma ou duas vezes sobre o rapidez."
meu desejo de ser maternado ou acariciado. Ontem, quando Analista: "Se eu continuasse, seria uma aula, não uma sessão de
fui embora, imaginei que talvez fosse isso o que eu queria psicanálise."
das mulheres. Só que a minha esposa não quer saber disso; Paciente: "É dificil aceitar a responsabilidade de ter de determi-
ela quer os cuidados de um pai. No ônibus, eu pensei: Eu te- nar o ritmo, mas compreendo por que deve ser assim."
nho medo de ser maternado. Lembra-se da professora de mú-
sica na primeira análise que fiz com você? A maternagem
seria aceitável se fosse feita pela pessoa certa. Minha sogra é Pausa
a pessoa errada. Em parte, eu desprezo as minhas atitudes
infantilizadas ou afeminadas. Infelizmente, eu escolhi minha Analista: "Agora há pouco, quando fui rápido demais, eu estava
esposa, que não gosta de matemar. Se aparece alguém dis- reproduzindo a conduta da sua mãe no que ela tinha de pior,
posto a me dispensar afeição e a ser maternal, eu brinco com ou, pelo menos, uma conduta que você julgou inadequada
a idéia e fico totalmente alarmado." num momento crítico da sua infãncia. O presente está repe-
Analista: "Comigo, você consegue alguns exemplos limitados de tindo o passado, e a raiva de mim está implícita na situação."
maternagem, mas eles o levam a perceber que a maternagem Paciente: "Estou tendo um problema prático com a minha filha,
não foi feita pela pessoa certa na hora certa." que está sendo alimentada na mamadeira. Nós já tentamos
Paciente: "Não sei se compreendo bem o processo. Na análise, a alimentá-la com uma xícara, mas ela não aceitou muito bem.
pessoa vivencia simbolicamente aquilo que não teve? Isso eu Não sei se devo forçá-la, para que o seu desenvolvimento não
posso compreender. Parece razoável." seja retardado. Não quero que ela dependa da mamadeira até
Analista: "Existe uma relação entre o que você sente pelas mulhe- ficar grande o suficiente para as pessoas começarem a criti-
res e o que sente pela análise. Quando eu trabalho bem, você cá-la. Por outro lado, quero evitar o trauma de privá-la da ma-
se sente fortalecido para enfrentar os fracassos que o distor- madeira. Existem duas escolas de pensamento: forçar e não
ceram e o fizeram ter raiva. A raiva não se manifestou sim- privar. Nos hospitais, quando as crianças chegam com chupe-
plesmente porque você não estava organizado numa posição tas, a primeira coisa que as enfermeiras fazem é privá-las da
suficientemente forte." chupeta. Não me parece uma boa política tirar-lhes a chupeta
Paciente: "Então, eu só consigo ver duas alternativas. Uma delas é justamente quando elas estão sendo privadas do seu meio am-
passar por um processo de matemagem, e a outra é sentir raiva biente, do seu lar. Isso deve tornar a separação ainda mais di-
pela ausência de uma boa matemagem no momento certo." ftcil. No caso das minhas filhas , eu percebo que a minha ex-
Analista: "É o que veremos no decorrer do tratamento." (O pa- periência contribui para tornar ainda mais diftcil o dilema."
ciente dormiu.) "Parece que, ao se aproximar da idéia de um Analista: "As crianças no hospital geralmente têm mais de um ano
confronto com o seu pai, você se viu novamente diante da e, com um ano, que é a idade de sua filha, apressar o desen-
224 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 225

volvimento pode ser nocivo. Mas, no seu caso, o problema Houve várias ocasiões em que eu estava tendo relações com
ocorreu num estágio muito anterior, quando você simples- uma moça e, de repente, me senti sozinho, como se houvesse
mente não podia ser forçado e existiam falhas de adaptação." parado de vê-la. Eu também deixei a minha esposa preocu-
Paciente: "É melhor enfrentar o escárnio das pessoas do que cor- pada quando saímos de férias pela primeira vez depois de ca-
rer o risco de magoar uma criança." sados. Fomos com outras pessoas, e eu não queria ficar sozi-
Analista: "O escárnio das pessoas não conta quando se é respon- nho com ela. Eu não queria me sentir excluído da companhia
sável por uma criança tão pequena." dos outros ou então temia o que poderia acontecer se ficás-
Paciente: "A conclusão é que a idéia de luta com uma criança é semos a sós."
ruim. Mais tarde, quando, por exemplo, a criança se recusa a Analista: "Um pouco de cada."
comer ou a estudar, ela sabe o que está acontecendo, e a luta Paciente: "Eu também compreendo a dificuldade que tenho com
é menos nociva. Eu agora percebo que pode existir algum a minha esposa por causa do tratamento. Eu quero falar com
valor na luta quando ela ocorre num estágio posterior e ela sobre o que acontece aqui; eu quero mais alguém na his-
quando as coisas foram bem no início. Os filhos da minha tória. Eu não quero uma pessoa em detrimento de outra. O
irmã são levados, e a minha irmã teme que o modelo familiar problema com a minha mãe é que ela exclui o meu pai."
esteja reaparecendo. Eu percebo que ela realmente está alar- Analista: "Certa vez você disse que precisava que os dois pais o re-
mada com a luta, que não é anormal na idade deles; significa conhecessem como criança, de forma que vocês fossem três."
que eles não desistiram. Tudo isso parece muito distante do Paciente: "A idéia da mãe perfeita parece excluir o meu pai. As
meu problema, mas imagino que exista alguma relação. A palavras 'mãe' e 'sufocar'* me parecem ser relacionadas."
questão é como retornar. Resumindo, meu problema é como Analista: "Você está tentando lidar com a mistura de ódio e amor
encontrar uma luta que nunca houve. No sonho, a luta era o da sua mãe."
que estava faltando." Paciente: "Não é assim. Ela elimina a luta com o pai porque ele
Analista: "Você não conseguiu o alívio que a situação triangular foi esperto e se juntou a ela."
traz quando a criança está em confronto com o pai; o alívio
de não ter de lutar só com a mãe."
Paciente: Houve uma nova parada quando ele disse: "Isto é como
ir embora. O que está implícito é sua aniquilação." Pausa.
"Eu às vezes percebo que existe um perigo no excesso de ex-
Sexta-fe ira, 1.0 de julho
-
Paciente: "A primeira coisa que me ocorre é algo que eu observei
citação porque a idéia de excitação envolve a fuga. Acontece na semana passada. Trata-se da dúvida quanto a como come-
o mesmo com a raiva. Se eu ficasse repentinamente excita- çar. Você disse que eu me esforço muito no início da sessão,
do, eu me levantaria e diria coisas e faria coisas. A excitação e então eu pensei: Falar no início da sessão é quase um erro.
não é útil aqui." Preciso ficar atento."
Analista: "O risco é muito grande para você por causa do con- Analista: ''Parece-lhe artificial você começar."
fronto." Paciente: "Nas duas últimas sessões eu comecei muito depressa,
Paciente: "A falta de intimidade é uma característica da excitação mas, de uma forma geral, eu estava pensando nisto no cami-
que me irrita. Isso se aplica às questões sexuais. Uma difi- nho para cá; seria uma forma natural de comportamento."
culdade que eu sempre tive nas relações sexuais é o fato de
uma relação sexual sempre exigir a presença de duas pessoas
- falta a segurança do isolamento; não é algo desejável. * Ver nota de rodapé na p. 220. (N. da T.)
226 Holding e interpretação Fragmenlo de uma análise 227

Analista: "Ser cuidadoso como você é certamente previne tanto o Analista: "Você está me falando sobre os aspectos positivos de me
silêncio quanto as surpresas." manter afastado, de exercer o seu direito de preservar o seu
Paciente: "Lembro também que tive um sonho bem nítido ontem interior. Creio que existe aqui alguma relação com a sua mãe."
à noite, embora já o tenha esquecido. É curioso, lembrei-me (O paciente estava com sono.)
dele uma hora depois de acordar; depois esqueci. Há duas coi- Paciente: "Hoje eu estou com sono e tenho uma desculpa. Sexta-
sas associadas ao sonho: uma aparência de verdade e também feira é um dia muito ocupado, mas não é esse o único motivo."
uma luta, mas pode ser tudo artificial." Analista: "Não estou certo de você ter compreendido o que eu es-
Analista: "Uma ponte entre a sua realidade interna e a sua vida tava dizendo."
externa, embora você tenha esquecido o sonho. Você acha Paciente: "Acho que compreendi, mas eu estava pensando em ou-
que ele foi agradável ou desagradável?" tra coisa enquanto você falava."
Paciente: "Não tão desagradável quanto os sonhos anteriores." Analista: "Acho que não deveria tê-lo acordado."
Analista: "Parece que ocorre uma luta nele." Paciente: "Estou me sentindo acusado. Não gosto de ser 'apanha-
Paciente: "Sim, creio que com o namorado da minha esposa." Pau- do em flagrante'."
sa. "No momento estou examinando as diversas idéias para Analista: "Você estava dormindo 'secretamente' e sente que eu
descobrir por onde começar. As idéias vêm, e eu as rejeito descobri esse segredo."
como incoerentes, sem importância." Paciente: "Há vários motivos. Por um lado, eu o ofendo com o
Analista: "Você está evitando idéias ainda não fonnadas para não meu sono; por outro, não me agrada vê-lo pedir desculpas
ver até onde elas vão. Talvez elas nem mesmo cheguem a ser por ter me feito dormir. Não quero você sempre disposto a
palavras, mas simplesmente sons." recuar e se desculpar. Isso me coloca na posição de ter de
Paciente: "É uma mixórdia de palavras, de fragmentos desencon- cuidar de você."
trados, lembranças; não quer dizer coisa alguma." Analista: "E também estraga a idéia de luta."
Analista: "Estou pensando no período sobre o qual falamos, quan- Paciente: "Se peço desculpas à minha esposa, ela se aborrece. Às
do você ainda não conseguia expressar idéias, quando tudo o vezes, um pedido de desculpas pode ser exagerado. Um pe-
que você podia fazer era balbuciar. Que tipo de audiência dido de desculpas exige ser reconhecido. Não pode ser dei-
você tem e o que você acha que eu espero?" xado para trás; ele exige ação." Pausa. "Acho que não confio
Paciente: "Há também o medo de deixar que você tenha acesso a no sono. Este não é o lugar correto para dormir. Alguém me
coisas que eu ainda não examinei. Tenho medo de desorien- observaria enquanto durmo; por isso tenho de ficar acordado
tá-lo e fazê-lo seguir idéias erradas. Há também um medo e evitar comentários."
ainda mais profundo de me colocar numa situação descon- Analista: "Quando dorme, você me abandona, como ocorreu há
fortável." Pausa. "Muitas destas idéias estão relacionadas ao alguns dias, quando você se deteve porque eu estava indo de-
trabalho. Na verdade, não existe uma causa real para a ansie- pressa demais."
dade. No passado, você interpretava esses tipos de situação Paciente: "Sim, eu não podia acompanhar; então achei que não
dizendo que eu não queria incomodá-lo com assuntos do valia a pena tentar. No momento, estou pensando em termos
hospital. Pode-se dizer que agora eu o mantenho afastado de- de progresso na análise. Adormecer é irritante porque não
liberadamente. Eu não quero que você tenha acesso a todas pode haver comunicação enquanto estou dormindo. De uma
as partes do meu mundo. Eu sinto o perigo de que você possa forma ou de outra, a dificuldade de falar aqui está relaciona-
se tornar onipotente. Deve haver alguma forma de mantê-lo da a dificuldades externas, que são razoavelmente novas. Ho-
afastado." je eu tive um dia cheio. Minhas anotações estão atrasadas, e
228 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 229

isso me preocupa. A novidade é que estas preocupações ex- idéia meio vaga, mas eu me aborreço porque ela não me de-
ternas estão se manifestando no caráter desconexo da análise seja boa noite. Eu gostaria que a conversa fluísse até que um
de hoje." de nós caísse no sono."
Analista: "Esse é outro indício de que a distinção entre os dois as- Analista: "Então, há algo de positivo quando falo e você dorme.
pectos da sua vida diminuiu." A ausência deste elemento positivo pode ter contribuído para
Paciente: "Geralmente, os problemas externos me estimulam aqui. o seu hábito de chupar o dedo." Pausa. (Neste momento ele
Agora eles simplesmente me levam à confusão e ao sono. tinha a mão sobre a boca e o rosto.)
São as coisas de fora que estão se tornando muito confusas." Paciente: "Além disso, se eu o deixar com muito receio de me
Pausa. "Tive uma idéia associada a essa fuga. Em primeiro acordar, eu posso criar uma situação na qual você teria medo
lugar, o silêncio e o sono significam a mesma coisa que fu- de fazer qualquer coisa. É um perigo indefinido que surge a
gir. Em segundo lugar, e isto é novidade, sinto que hoje eu partir do meu sono - talvez você não faça nada, e eu nunca
me meti numa confusão e gostaria de fugir. Uma vez eu lhe mais acorde. Em parte é por isso que o fato de você pedir
disse algo sobre passar por você e fingir que não o conhecia. tantas desculpas e não estar no comando me causa angústia."
O que eu não percebi naquele momento foi que eu estava Analista: "Eu faço duas coisas. Sou bom o suficiente e substituo
farto de tudo. Agora eu sinto que a confusão era de tal natu- a sua mãe e os outros que fracassaram, ou então sou mau e
reza que não podíamos lidar com ela. Eu queria ir embora e reativo o passado ruim que então se manifesta no presente."
tentar outra vez, num outro momento. Isto me lembra um so- Paciente: "Parte da ansiedade é que, se me colocasse na sua si-
nho infantil. As pessoas dizem que é simplesmente um so- tuação e - pensei nisto quando vinha para cá -, eu não seria
nho. O problema é acordar. É a mesma coisa; eu queria acor- capaz de administrar estes assuntos difíceis. Recentemente,
dar, isto é, levantar-me e ir embora." você chamou a atenção para os efeitos das suas próprias
Analista: "O sonho parece levá-lo ao desconforto." ações. Se eu estivesse fazendo a mesma coisa, o que eu faria
Paciente: "Você me critica por eu não desempenhar o meu papel, estaria cheio de erros. Parece que você tem de estar sempre
por desperdiçar o seu tempo e não justificar a minha vinda por cima."
aqui." Analista: "Eu certamente cometo erros, mas existem momentos
Analista: "Em que medida a sessão foi perturbada pela interrup- em que eles podem ser valiosos se reconhecidos."
ção do seu sono? Parece-me que o que eu fiz é similar ao
trauma original que o dissociou."
Paciente: "E fui encorajado a ser precoce. Eu comecei a ler muito Terça-feira, 5 de julho
cedo e agora acho que as vantagens de tal procedimento são
muito duvidosas." (Cheguei atrasado, e a sessão já fora transferida antes. Isso
Analista: "Ao aprender a ler muito cedo você deixou de ter al- não teve nenhum efeito perceptível no material. O barulho
guém que lesse para você donnir." foi excepcional por causa de uma festa na casa ao lado.)
Paciente: "Uma coisa que me irrita na minha esposa já há dois Paciente: "Ah! vindo para cá, hoje, não fiquei pensando em como
anos é que ela não gosta de conversar antes de dormir." começar, porque não existe nenhum problema imediato ou
Analista: " Se ela falasse, talvez você dormisse." urgente, além do vago problema do objetivo."
Paciente: "O irritante foi ela ter dito com toda a franqueza: 'Eu Analista: "Essas palavras, 'o vago problema do objetivo' , pare-
não vou conversar.' A comunicação está acabando. Há nisso cem-me fundamentais na sua doença."
também a idéia de que preciso dela até eu dormir. É urna Paciente: "Eu não sei ao certo qual é o meu objetivo."
230 Holding e interpretação Fragmenro de uma análise 23 J

Analista: "Isso se manifestou de várias maneiras. Na segunda Paciente: "Parece que tenho de aprender a encontrar um objeti-
análise, por exemplo, você não foi capaz de vir até mim dire- vo. Não tenho nenhum objetivo atualmente, e sinto que de-
tamente; de certa maneira, eu tive de procurá-lo. Além disso, veria ter."
você disse que, na sua primeira análise, você não tinha ne- Analista: "Você está revelando que não tem esperança e por que
nhum objetivo. No início, como as outras crianças, você não não tem esperança. Trata-se da questão do objetivo."
tinha objetivos, e esse problema persistiu." Paciente: "O tempo de mudar é agora. Talvez eu tenha de tomar
Paciente: "Não sei exatamente o que você quer dizer com 'no uma decisão consciente."
início'." Analista: "Acho que não."
Analista: "Grosso modo, quando uma criança provou leite, ela Paciente: "Então, talvez eu tenha de tentar obter algo de você."
sabe que o seu objetivo é conseguir leite, mas, se o leite não Analista: "Você depende de mim e está me dizendo que acha que
lhe é apresentado, o objetivo fica sem direção. Esta idéia eu o estou decepcionando. Você tem se concentrado na idéia
pode ser aplicada à totalidade dos detalhes do cuidado infan- de como começar a sessão, mas é o trabalho feito no meio
til. Acho que as suas palavras, 'o vago problema do objeti- que elucida este problema."
vo', definem a situação toda, e não há solução para você a Paciente: "Eu gostaria de dizer que o início nem sempre é cons-
menos que eu lhe apresente algo." trangedor. Nas últimas semanas, a dificuldade em começar
Paciente: "Essa parece ser a expressão geral de uma série de pro- tem sido pequena ou mesmo ausente."
blemas da minha vida, em que eu não tenho nenhum objeti- Analista: "Você disse que, em duas ocasiões, sentiu que havia co-
vo. Por exemplo, que tipo de trabalho eu vou escolher? E o meçado com uma torrente. As modificações acontecem como
meu futuro? Até agora, tudo dependeu de fatos acidentais." decorrência do trabalho realizado durante toda a sessão, e o
Analista: "Possivelmente, essa foi a única falha da sua mãe - ir ao que se espera é que esse problema de objetivo possa desapa-
encontro de seus impulsos originais e dar uma direção aos recer. O que fazemos durante a sessão depende de sutilezas
seus objetivos. Assim, uma dificuldade inerente ao desenvol- do nosso relacionamento."
vimento humano foi exacerbada em você. Parece que sua Paciente: "Reconheço a necessidade de sutileza. Isso apresenta
mãe não conseguiu ser sensível o suficiente no início, sensí- wna nova dificuldade ou ênfase. Não faz muito sentido eu
vel como só poderia ser através de identificação com o filho." fazer perguntas específicas ou abordar problemas concretos.
Paciente: "Eu não entendo como." Hoje, por exemplo, quando estava esperando, eu pensei: 'Eu
Analista: "Você lembra quando colocou a mão no rosto e eu dis- poderia discutir um tópico específico, mas qual seria a utili-
se: 'Se eu fosse uma mãe sensível, saberia que o seu rosto dade? O tópico não me afeta diretamente e poderia encobrir
precisa de contato'?" a dificuldade de falar. Seria urna forma ruim de começar'."
Paciente: "Portanto, a questão agora é tentar corrigir o erro oure- Analista: "Questões específicas impõem limites."
conhecer que faltou algo no meu desenvolvimento?" Paciente: "E queria a sua opinião sobre um assunto interessante,
Analista: "Você tem duas alternativas: eu posso ser bom o suficien- mas acho que isso não levaria a lugar nenhum."
te para você ou decepcioná-lo; neste último caso, a raiva está Analista: "A questão pode conter algo valioso, embora eu com-
implícita, embora você não tenha alcançado esse estágio." preenda o que você está querendo dizer; se eu simplesmente
Paciente: "Eu tenho de descobrir se é possível corrigir a omissão." respondesse, não estaria sendo útil."
Analista: "A psicanálise não nos leva de volta a alguma coisa boa Paciente: "Acho que o que importa não é tanto a sua resposta,
que foi esquecida, mas a um fracasso ou à falta de alguma mas despertar o seu interesse pela questão. Ela poderia fazê-
coisa." lo falar. É a mesma tática que você usa quando encontra al-
232 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 233

guém por acaso. Você introduz um tema, que será abandona- Paciente: "De certa forma, sim, mas muitas vezes ela é truncada
do posteriormente, só para dar início à conversa. A questão ou estática. O processo se interrompe, e nós começamos ou-
era sobre uma carta que eu li esta semana no British Medical tra vez."
Journal. Falava sobre o tratamento de perturbações da pele Analista: "Nesses momentos de ruptura, eu reproduzo a situação
através da hipnose. Há algum tempo, eu li alguma coisa de insatisfatória original, e você é afetado no presente da mes-
Freud sobre hipnose; parece que ele começou a usar e depois ma forma que o foi no início."
abandonou, mas nunca explicou muito bem por que fez isso. Paciente: "Muitas vezes eu venho aqui sem esperanças de come-
A idéia da hipnose sugere que eu estou querendo algo de çar e de encontrar wna solução. Então, no meio da sessão, eu
você, um atalho, ou que você tome a iniciativa. A questão, repentinamente percebo que estive fazendo o que julgava
portanto, deve ter importância." fora do meu alcance - conversando e chegando a algum lu-
Analista: "Se eu me torno a figura dominante, fica eliminado o gar. É como se eu acordasse de repente e percebesse que es-
problema de fazer face ao seu objetivo pessoal. Isto parece tou fazendo algo que julgava impossível."
representar, novamente, sua extrema desesperança quanto a Analista: "Nós dois estamos envolvidos nessa questão da troca su-
podermos nos encontrar de maneira sutil e em termos de til. Creio que a experiência da troca sutil é prazerosa por cau-
igualdade." sa da sua convicção de que ela é impossível."
Paciente: "Quanto à hipnose, eu sempre achei que não daria certo Paciente: "Eu diria mesmo que ela é excitante."
comigo. Não sei como alguém pode se submeter a isso. Eu Analista: "A palavra 'amor' significa muitas coisas diferentes, mas
seria totalmente cético, desde o início. Eu não entraria num tem de incluir esta experiência de troca sutil. Podemos dizer
estado hipnótico." que você está vivenciando amor e cuidado nesta situação."
Analista: "É interessante, pois é exatamente isso que você parece
querer quando fica sonolento, e quer que eu domine. Isso re-
vela algo que você mesmo já expressou: a enorme hostilida- Pausa
de contida nessa sonolência. A verdade é que tudo isso é uma
expressão contínua do seu desespero quanto à possibilidade Paciente: "Mais uma vez eu percebo que alguma coisa parece di-
de um encontro e de uma troca sutil entre nós dois." ferente hoje. Há mais barulho do que de costume?"
Paciente: "Creio que a idéia da troca sutil sempre esteve na mi- Analista: "Sim, há uma festa na casa ao lado, e, além disso, as
nha mente, pois reconheço que estive procurando algo as- crianças que costumamos ouvir estão fazendo mais barulho
sim, sem que realmente soubesse disso. Eu poderia expres- hoje. Você não fez nenhum comentário sobre o barulho no
sar a minha dificuldade com as mulheres da seguinte manei- início da sessão."
ra: eu só consigo pensar em duas formas de estabelecer uma Paciente: "Achei que não valia a pena mencionar."
relação; por um lado, tudo parte de mim; por outro, o que Analista: "O fato de não ter feito nenhum comentário é uma con-
certamente não acontece, tudo parte da moça, e eu não gos- tribuição positiva para a sessão, porque, se o fizesse, você
taria que fosse assim. Então, acho que eu sempre soube que estaria simplesmente fugindo do vago problema do objetivo.
poderia existir um compromisso satisfatório, algo que pode- Você teria começado reagindo a um evento externo."
ria ser descrito como uma 'interação sutil'." Paciente: "Isso expressa parte da dificuldade que tenho com a mi-
Analista: "Isto que nós agora chamamos interação sutil vem nha esposa. Quando tento conversar com ela, faço exatamen-
acontecendo o tempo todo na análise. Não é algo que talvez te isso. Falo sobre coisas concretas que sei que não são do in-
aconteça amanhã, mas algo que está acontecendo agora." teresse dela, e isso não leva a lugar nenhum. Acho que ela
234 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 235

percebe que estou procurando uma forma de quebrar o silên- formal - uma discussão sem o exame dos pacientes. Seria to-
cio, e ela rejeita tudo. Ela se recusa a contribuir. Às vezes, te- lice examiná-los porque já sei o bastante sobre eles. De certa
nho vontade de repreendê-la por não reconhecer minha ne- forma, tenho uma espécie de exame na semana que vem: a
cessidade de trocar idéias. De fato, eu a repreendi." entrevista sobre o cargo que já ocupo provisoriamente. A li-
Analista: "Não estou em posição de julgar como seria sua esposa gação com o sonho é que essas entrevistas sobre trabalho
caso você fosse normal, mas o que se percebe aqui é que a não têm nada a ver com medicina. É uma tradição curiosa mas
sua esposa não quer atuar como terapeuta." nunca fazem perguntas sobre clínica médica."
Paciente: "Eu não tenho meios de julgar como ela seria." Pausa. Analista: "Eu destacaria do sonho a expressão 'conversa infor-
"A dificuldade nesse contexto é que ela espera que eu seja mal'. Você lembra como ela surgiu recentemente? Parece que
mais resoluto. Sinto que não faz sentido. Tem de acontecer existe um tipo de idéia de contato com o professor numa área
naturalmente, mas ela não compreende tal postura. Estive de brincadeira."
pensando: se eu chegasse em casa e encontrasse o namorado Paciente: "Ele é um homem alegre e conhecido por sua bondade.
dela? No passado, eu simplesmente fui embora. Eu deveria Acabo de lembrar que eu o vi recentemente, quando fui ao
adotar uma linha mais dura e insistir que ele se fosse? Mas hospital. Na verdade, fiquei desapontado, porque ele não me
eu não sei se vale a pena ser mais firme. Eu realmente não sei reconheceu. É claro que eu não podia mesmo esperar que ele
o que quero que aconteça. Eu imagino uma situação em que o fizesse, já que eu era simplesmente um aluno. Outros tal-
sou posto à prova. Mas qual é a prova e qual é a resposta que eu vez lembrassem. Talvez ele seja meio esnobe. Ele poderia
quero? Será que quero que ela se arrependa? Será que quero representar uma figura paterna para mim."
ser durão com o homem? Será que quero desafiá-la a me de- Analista: "Ele é um homem com o qual você gostaria de poder
safiar? Eu não gosto da idéia de não ser capaz de enfrentar a estabelecer uma boa relação."
situação caso ela surja." Paciente: "Sim, mas ele é inacessível. No momento, eu não gos-
Analista: "O que falta na relação com a sua esposa é urna troca taria de desafiá-lo."
sutil, a qual, nós já sabemos, depende em parte da sua capa- Analista: "O fato de ele ser uma pessoa alegre torna a posição an-
cidade de aceitá-la como um pressuposto. De certa forma, gustiante."
nós agora temos uma resposta para a pergunta. Pode-se dizer Paciente: "Sim, porque outros realmente parecem mais dispostos
que Freud abandonou a hipnose e desenvolveu a psicanálise a reconhecer os alunos."
porque percebeu o valor da troca sutil entre analista e pa- Analista: "Se houvesse um exame sobre os seus próprios pacien-
ciente e compreendeu que ela era eliminada pela hipnose." tes, você conseguiria um bom resultado, não?"
Paciente: "O Professor 'X' seria bastante crítico. Ele estabelece
um padrão muito alto. Além disso, embora tenha uma perso-
Quarta-feira, 6 de julho nalidade jovial, ele exige um padrão de trabalho muito alto
dos seus médicos, de forma que eles não têm nenhum tempo
Paciente: "Estava só pensando. Tive um sonho na noite passada, livre. Quando comecei a trabalhar, eu precisava dos finais de
e, no momento, só me lembro de um trecho dele. Eu estava semana, e a perspectiva de um trabalho com o Professor 'X'
fazendo uma prova (não sei de que tipo) no hospital. Ela es- era aterrorizante, pois não me sobraria nenhum tempo livre.
tava sendo dirigida pelo Professor 'X' da minha escola médi- A simples idéia é alarmante. É curioso que ele exija um pa-
ca. A prática era feita com pacientes que estão sob os meus drão tão alto dos seus médicos e não tolere a mesma exigên-
cuidados, de forma que o exame era mais uma conversa in- cia da parte dos seus próprios pacientes. Uma tradição en-
23 6 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 23 7

graçada: tirar partido da grande procura por esse tipo de tra- pensei nos outros como pessoas. Eles eram apenas adversá-
balho e exigir muito do funcionário. Então, existe muita in- rios. Tive uma satisfação intelectual."
dignação quanto ao seu caráter 'delicado'. Eu quase o culpo Analista: "Naquela época você não estava em posição de vencer
por eu não ter procurado um emprego com ele. Eu preciso de as pessoas."
descanso." Paciente: "Tive apenas uma percepção vaga da rivalidade primiti-
Analista: "Então, você, na verdade, gostaria de trabalhar no seu va. Parecia muito infantil ficar satisfeito com o fracasso dos
próprio hospital." outros. Quando era menino, eu posso ter me permitido tal
Paciente: "Sim, há muitas vantagens. É urna questão de prestígio, tipo de sentimento ao ser favorecido em detrimento dos ou-
mas, quanto à experiência, o trabalho não é bom - menos pa- tros. Não era, porém, um comportamento digno, e, certa-
cientes e menos responsabilidade - , mas não se pode ignorar mente, não é adequado para um adulto."
o elemento prestígio. Além de tudo isto, entra um filme que Analista: "Você também sentiu isso na infância?"
s
vi ontem à noite. The Women World. O presidente de uma Paciente: "A primeira idéia que me vem é que, certa vez, compe-
grande fábrica de motores convida os três melhores vende- tindo com minhas irmãs, eu consegui a atenção de meu pai e
dores e as suas esposas para passar um feriado com ele. A fiquei orgulhoso de tê-lo feito."
partir do comportamento dos casais ele deve decidir a quem Analista: "Você acha que isto tem relação com o fato de você ser
dará um importante trabalho." um menino, enquanto elas eram meninas?"
Analista: "Que situação terrível!" Paciente: "Pode ser. Eu acho que a competição perde o sentido se
Paciente: "É igual à minha - uma entrevista e três outros can- as meninas forem diferentes. A competição não é justa. Se
didatos." fosse com um irmão, a vitória teria sido real."
Analista: "Então, a palavra 'luta' também está presente." Analista: "Mas você está sugerindo uma vitória inevitável. Sim-
plesmente por ser homem e, portanto, superior."
Paciente: "Eu não havia pensado nesse aspecto. Durante todo o
Paciente: "Acho que sim." (Em dúvida.) Pausa. (Pensando.) "Es-
tempo em que trabalhei no hospital, eu não lutei por coisa al-
tou paralisado. Acho que estamos indo longe demais."
guma. Sempre tive a esperança de ser encaixado em algum
Analista: "Talvez a culpa seja minha."
lugar. É uma sensação bastante desconfortável. Parece que
Paciente: "Eu enfatizei em excesso a falta de competitividade. As
não tenho a capacidade de abrir caminho pelas minhas pró-
partes parecem suficientemente genuínas. Existe uma ausên-
prias forças." cia geral de preocupação."
Analista: "A idéia da luta e da rejeição dos candidatos sem suces- Analista: "Parece haver aqui algo verdadeiro, mas que não é o
so manifestou-se no presente através do filme." principal no momento."
Paciente: "Sim. Um dos personagens do filme disse: 'Que pena Paciente: "Não sei ao certo se o fato de ser homem realmente se
sermos forçados a odiar amigos.'" ajusta ao contexto, a não ser para enfatizar a solidão. Além
Analista: "Então, você é forçado a odiar os outros três candidatos disso, a incapacidade de enfrentar a competição é uma das
que estão pleiteando o trabalho." coisas que me fez vir aqui."
Paciente: "Eu não estava consciente disso, mas posso perceber.
Nunca fui capaz de reconhecer esse ódio. O ciúme sempre
esteve ausente, e, no entanto, eu sei que ele deveria existir. Pausa
Então, eu volto a meu ódio contra o sistema que compele as
pessoas a competir. Lembro que no meu primeiro trabalho Analista: Eu comecei a fazer urna interpretação, mas ele me in-
eu competi com três candidatos e gostei de vencer. Nunca terrompeu.
238 Holding e inte1pretação Fragmento de uma análise 239

Paciente: "Desculpe, mas esqueci sobre o que estávamos falando . Paciente: "Quanto aos pacientes, eu me vejo oscilando entre o
Quer dizer que o fato de vir aqui impede os outros de virem? cuidado completo e o total abandono. Por um lado, sou im-
Não estou convencido pois acho que esse dado foi introduzi- pelido pelo sentimento de que é bom e confortador oferecer
do por você. Se for verdade, não quero reconhecer. Talvez o cuidado social. Por outro lado, sinto-me crítico. Isso é
haja algo, pois a crítica da minha esposa à minha terapia e a 'frescura'. Minha fraqueza é não conseguir formular a mi-
minha própria crítica à psicanálise devem-se justamente ao nha própria opinião. Boa parte da minha indecisão deve-se à
fato de que a psicoterapia é um tratamento ao alcance de pou- recusa em assumir a responsabilidade por mim e pelas mi-
cas pessoas. O tratamento não é justo porque as chances de nhas próprias decisões, porque elas são feitas das decisões
obtê-lo são fortuitas . Eu nunca solucionei este problema. Eu de outras pessoas. Eu escondo a dificuldade de tomar deci-
simplesmente o ignoro. Preciso do tratamento e ponto final. sões dizendo que a minha opinião não tem importância."
Às vezes, porém, essa questão me incomoda." Pausa. "Esti- Pausa. " Sinto que estive andando em círculos, sendo evasi-
ve pensando em algo que talvez seja uma extensão da idéia vo. Não me concentrei num único objeto e agora sinto-me
de querer ajuda e ter vergonha disso. Eu me lembro da crítica confuso. Sinto que não consegui impressioná-lo. Talvez eu
dos pacientes do hospital contra a assistente social, que, apa- estivesse escondendo que o critério é impressioná-lo."
rentemente, não desempenhava duas funções importantes Analista: "Parece que existem duas alternativas. Existe alguma
que lhe cabiam. Ela não mantinha contato com os parentes e, coisa no tema do sonho que eu não percebi, o que, conse-
quando mantinha, não conseguia informá-los direito. Além qüentemente, me levou a conclusões incorretas, ou eu estou
disso, depois que os pacientes recebiam alta, ela nã.o fazia certo e você está resistindo vigorosamente à idéia do ódio
muito por eles no sentido de reabilitá-los, conseguir-lhes tra- aos rivais como sendo o tema central. Creio que você acha
balho, etc. Eu não concordo. Se você quer um trabalho, saia que eu deveria oferecer-lhe apoio para a entrevista da próxi-
e procure um. Eu fico irritado quando as pessoas não fazem ma semana, como eu fiz na sua primeira entrevista. Estou
o que lhes cabe fazer." chegando a isso através do sonho com o Professor 'X'."
Analista: "Novamente, isso tem relação com a idéia de luta." Paciente: "Ele, ou alguém como ele, poderia ser um dos exami-
Paciente: "Percebo a mesma coisa no caso dos funcionários en- nadores, mas isso é pouco provável. Eu reconheço que a re-
carregados de solucionar os problemas econômicos, familia- clamação é ridícula; estou me valendo do fato de já estar no
res e sociais dos internos. Eles fazem as vezes de família, e, emprego para me convencer de que eles têm uma obrigação
de certa forma, assumem responsabilidades de pais, mas eu para comigo. Eu usei a influência de outros para obter o tra-
me pergunto se eles não estão cuidando demais dos pacien- balho. Sinto-me culpado porque não devo me valer de um pre-
tes. Isto faz parte de uma crítica geral ao estado do bem-estar tenso favoritismo para conseguir o emprego."
social. O que me irrita é que eu mesmo espero e quero uma Analista: "Porque isso, novamente, elimina a luta e a derrota dos
organização hospitalar que cuide dos pacientes e lhes dis- rivais, que é o que você vem tentando conseguir."
pense não apenas cuidados médicos, mas também sociais. Da Paciente: "Não posso ser honesto e, portanto, uso armas desones-
mesma forma, ao sair de uma escola médica, o médico re- tas, mas isto não é satisfatório."
cém-formado quer ter um emprego garantido. Isso significa Analista: "É dificil saber o que seria satisfatório para você:
fraqueza, imaturidade. Meus sentimentos a respeito deste 1. Lutar.
tema são muito confusos." 2. O seu trabalho ser melhor que o dos outros.
Analista: "O que permeia tudo isso é a sua incapacidade de su- 3. Usar as suas influências.
portar o triunfo, de aceitar a sua própria agressividade." 4. Ser você o melhor homem.
240 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 24 I

Como você se sentiria se fosse realmente o melhor candi- Analista: "As pessoas comparadas a unidades são como os rivais
dato?" mas que não surgiram nos dois últimos sonhos."
Paciente: "Não sei. Não haveria nenhuma competição." Paciente: "O outro lado da moeda é que no ambulatório eu só
Analista: "Está claro que a alternativa satisfatória é a primeira, vejo pessoas que já estiveram lá duas ou mais vezes. Assim,
mas você é incapaz de sonhar o sonho no qual você luta e o que eu vejo são os resultados de investigações; eu verifico
mata os seus rivais." se é necessário continuar o tratamento, se os pacientes po-
dem ser dispensados ou se ainda precisam de exames regula-
res. Eu não me sinto tão mal, mas tenho de ficar atento ao
Sexta-feira, 8 de julho paciente genuíno. A consciência entra em jogo nessa situa-
ção. Os médicos para quem trabalho parecem ser de dois ti-
Paciente: "A primeira coisa que me ocorre é que anteontem eu so- pos. Um deles quer ver o paciente e mandá-lo para o clínico
nhei com o exame outra vez. Era o Professor 'X' novamente, geral tão logo seja possível. A tendência do outro é nunca
mas a prova relacionava-se mais diretamente com os pacien- dar alta, de forma que o ambulatório fica repleto de pacien-
tes. Ontem à noite sonhei com o exame outra vez, mas não tes antigos. No primeiro caso, tenho de usar de certo contro-
era o Professor 'X'. Parece que o tema da prova é mais im-
le e, no segundo, faço o oposto. Eu percebo que prefiro dis-
portante para mim num nível inconsciente do que estou pre-
pensar pacientes, em parte porque não gosto de filas longas,
parado para admitir. Há três noites seguidas sonho com exa-
e eu me justifico dizendo que estou poupando as pessoas de
mes. O engraçado é que eu me lembro do sonho ao acordar e
viagens desnecessárias. Eu me vejo na posição do paciente e
uma hora mais tarde. Depois eu o esqueço completamente até
penso: 'O que eu gostaria?' É como vir aqui. Só agora eu
chegar aqui. Lembro-me dele então mas, a essa altura, apenas
vagamente. É curioso o modo como esses sonhos voltam. percebo que freqüento o seu ambulatório e que o meu objeti-
Quando acordo, o sonho está lá, mas eu ainda estou sonolen- vo é deixar de fazê-lo. Isto é um reflexo da minha necessida-
to. Então, à medida que vou despertando, ele se esvai." de de ter certeza de que o seu objetivo é ver-se livre de mim."
Analista: "O tempo todo manifesta-se o fator externo da entrevis- Analista: "O fato de você se colocar na posição do paciente é
ta da semana que vem." mais um exemplo de troca sutil."
Paciente: "Na última sessão, passamos muito tempo discutindo o Paciente: "É o que eu tento fazer. Os dois extremos podem ser jus-
assunto, mas não me lembro muito bem do que dissemos." tificados, mas tento alcançar um equilíbrio. Eu poderia ter
Analista: "Talvez você lembre que uma parte importante da dis- uma população inteira freqüentando o meu ambulatório. Um
cussão era a relação entre você e os derrotados." critério de julgamento possível é usar os sentimentos do pró-
Paciente: "Ah, sim, agora me lembro. Hoje, enquanto estava fa- prio paciente para decidir o que é razoável."
zendo o serviço do ambulatório, percebi que estava inclina- Analista: "Isto é uma descrição do que eu faço com você."
do a pensar nos pacientes mais como unidades do que como Paciente: "Sim, e é preciso ter cuidado com alguns pacientes. Eles
pessoas - como itens a serem examinados e eliminados. Per- querem ir embora, mas pode-se perceber que eles não estão
cebi que a minha expectativa, ou mesmo esperança, era não bem. Portanto, não é bastante saber o que eu sinto. Você tem
encontrar nada de errado, só para não ter de lidar com os pa- de saber mais do que eu sei."
cientes. O tempo todo eu tive de me esforçar para ter em men- Analista: "O princípio fundamental é que você vem aqui para não
te que aquelas pessoas estavam ali para receber conselhos. ter de vir aqui." Pausa. "Ainda não consigo ver a relação en-
Eu não podia esperar que todos estivessem bem." tre isto e os sonhos."
242 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 243

Paciente: "Não sei se esse tipo de julgamento que uso é adequado Paciente: "E eu finjo compreender quando estou no trabalho, mas,
ao trabalho. A consciência da pessoa entra em jogo." aqui, maneirismo e fingimento seriam percebidos como tal.
Analista: "Você disse que as entrevistas para o trabalho não levam Eu acho isto satisfatório e até útil. E, quando eu não estou
em consideração o conhecimento médico. Talvez você ache aqui, esqueço que os outros não são tão observadores, que
que, ao avaliá-lo, eles também não levam em conta a sua cons- não me conhecem, e, portanto, não podem perceber. É como
ciência em relação aos pacientes." se eu imaginasse que os outros estão ocupando o seu lugar.
Paciente: "Eles não podem avaliar tal coisa. Só há duas formas de Parte da minha sensibilidade fora daqui está relacionada a
fazer essa avaliação - consultar a opinião do meu chefe e a minha vinda aqui, onde o que interessa sou eu."
opinião dos pacientes. De certa forma, eu ainda me sinto Analista: "Sim, aqui você é o tema, mas lá fora eles têm os seus
uma fraude. Não me sinto tão capaz quanto os outros pen- próprios pensamentos e interesses."
sam que sou. Há blefes demais na medicina; eu tenho de me Paciente: "Isto me traz de volta ao trabalho e ao exame. Acho que
perguntar: será que eu blefo mais que a média?" estou com medo dessa entrevista. Ela significa muito mais do
Analista: "Na realidade, você está me examinando. Você, como que um emprego. É um julgamento sobre mim. Será que sou
meu paciente, tem a chance de descobrir se eu blefo ou não." bom ou não? Fico preocupado com os outros porque alguns
Paciente: "O paciente pode dizer que o meu blefe é bom. Ele fracassarão se eu conseguir o trabalho. Portanto, eu serei jul-
pode perceber que estou desorientado e perdido. É inevitável gado por não considerar se os outros são ou não mais qualifi-
que isso aconteça, pois não sou um bom ator. Eu não consigo cados do que eu. Esta é uma abordagem subjetiva. Eu ocupo
fingir. Quando eu não consigo entender alguma coisa, sinto- o emprego temporariamente e, assim, eles me conhecem. Se
me completamente confuso e demonstro isso. É o mesmo não me empregarem, será uma rejeição. Acho que o melhor
seria eu não me candidatar a um emprego no mesmo grupo
que você faz quando se sente perdido."
para evitar esse problema. É injusto achar que os empregado-
Analista: "Os pacientes preferem o ator ou o médico que mostra
res têm a obrigação de serem bons para um empregado seu.
estar confuso?"
E, no entanto, estou contando justamente com isso. Se não
Paciente: "Bem, o ator é bastante popular, mas, quando a atuação
sou realmente tão bom, estou na verdade tirando partido dos
é ruim, os pacientes se afastam."
meus contatos ao me candidatar para este trabalho."
Analista: "Ligado a isso está o fato de você não gostar que eu
Analista: "Temos aqui três pontos de interesse: você mesmo, o
peça desculpas." emprego e os outros candidatos. O que você não está levan-
Paciente: "Eu não gosto de me desculpar quando não tenho certe- do em conta é que essas pessoas que você está rejeitando po-
a. Além disso, ao lidar com outras pessoas, médicos e assis- dem ser amigas. Isso apareceu no filme."
tentes sociais, por exemplo, sinto que fico com um ar meio Paciente: "Eu realmente não quero continuar; não hoje, pelo me-
apalermado. A questão é: será que eles percebem? Tenho cer- nos. Gostaria de voltar amanhã. Não me sinto à vontade. Já
teza de que eles não percebem com a intensidade que eu ima- foi o suficiente; eu queria fugir."
gino. Espero que eles aceitem isso como maneirismo ou pose." Analista: "A dificuldade que você tem diante de si é a possibili-
Analista: "Gostaria de lembrá-lo da ocasião em que você parou dade de triunfo. Há um aspecto particular da entrevista que é
porque não conseguia me acompanhar (ver página 223). Ima- inaceitável para você; a idéia de que haverá luta, de que você
gino que o ar apalermado de que você fala seja semelhante vai lutar e matar."
à interrupção, ou retraimento, ou sonolência que aconte- Paciente: "Sim." (O paciente adormeceu.) "Quando você estava
ce aqui." falando sobre triunfo, ocorreu-me que parte da minha angús-
244 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 245

tia diante de situações muito dificeis ou de muita responsabi- Paciente: "Se eu estivesse me candidatando da maneira usual, de
lidade é a percepção de que tudo foi longe demais, e que, por- igual para igual, talvez fosse mais fácil."
tanto, eu estou sozinho, sem ninguém para me amparar. Sair Analista: "Talvez, mas não sei se você, no presente estágio da sua
correndo significa desistir. Eu quero ir para o colo de minha análise, administraria a situação tão facilmente."
mãe: como aquela criança que você descreveu, que caminha Paciente: "É uma hipótese. Pode ser. Eu não estou preocupado
na direção da mãe e descobre, horrorizada, que está sozinha. com a entrevista ou com o emprego em si. É uma combina-
Caminhar significa separação. Eu posso aceitar o triunfo se ção de incerteza com a sensação de que não deveria haver in-
puder compartilhá-lo com alguém, mesmo que eu tenha de certeza."
imaginar alguém, embora isso seja perigoso. A imaginação Analista: "Acho que você ainda não está pronto para uma compe-
pode falhar e eu estarei sozinho com o problema." tição aberta."
Analista: "De certa forma, isso tem relação com o fato de ser fi- Paciente: "Se fosse um trabalho externo, eu poderia ficar indife-
lho único. Você lembra que eu já lhe falei sobre isso antes?" rente. O problema é que é um trabalho 'em família'."
Paciente: "Não." Analista: "Exatamente."
Analista: "O fato de você não ter um irmão pode ser importante.
Você disse que, numa competição pelo pai, o prazer da vitó-
ria é menor quando os rivais são irmãs."
Quarta-feira, 13 dejulho
Paciente: "Eu sinto que o triunfo é vazio quando não se tem a
quem mostrá-lo."
Na terça-feira, 12 de julho, o paciente me telefonou na hora
Analista: "A dificuldade aqui é entre a realidade e a fantasia. Num
jogo competitivo, você pode compartilhar o triunfo com os da sua sessão para dizer que não compareceria porque estava
outros competidores se você vencer, mas num sonho, no qual cansado e porque fazia muito calor.
o seu objetivo é matar (o paciente dormia profundamente), Paciente: "Eu estava exausto ontem à noite. A propósito, não
você não pode compartilhar o triunfo com o rival." consegui o emprego. Depois disso, e com esse calor, não tive
(Talvez eu tenha cometido um erro técnico ao introdu- vontade de vir. Um hospital local tem muito pouco a dizer na
zir o tema da rivalidade, ou seja, talvez eu tenha sido rápido escolha do seu corpo de residentes. Quanto à entrevista, eu
demais.) me senti excepcionalmente agitado, mais do que em outras
Paciente: "Nos últimos minutos foi muito dificil permanecer aqui. ocasiões semelhantes. É curioso, pois não havia nenhuma ra-
Talvez eu tenha adormecido. Sinto-me aborrecido comigo zão para isto. Senti que eu não era a mesma pessoa das ou-
mesmo por desperdiçar tempo. É indesculpável." (Dormiu tras entrevistas. Durante meia hora eu estive excessivamente
novamente.) confuso e, depois, senti-me aliviado. Obter esse emprego não
Analista: "Temos a entrevista da semana que vem. Parece que ela seria completamente satisfatório para mim. Senti que seria
está à frente da sua análise. Na verdade, você não está preo- injusto tirar partido das minhas influências. Pelo menos ago-
cupado com a entrevista em si, mas com o que ela significa ra, com um outro trabalho, eu saberei que consegui algo atra-
para você. Em termos da sua relação comigo, ela representa vés dos meus próprios esforços. Talvez eu esteja tentando
um estágio que você ainda não alcançou, e por isso você se instilar confiança em mim mesmo. A vantagem desse empre-
deteve. Você não pode sonhar em matar o seu rival. Está go seria trabalhar no mesmo grupo e, portanto, ter a impres-
acontecendo a mesma coisa que aconteceu no dia em que são de ser popular. Afinal de contas, não é tão impressionan-
corri demais." te quanto se pode pensar."
246 Holding e interpretação Fragmento de uma análise 2./7

Analista: "Você disse essas coisas antes da entrevista, na semana tendência geral, agora, é ser mais firme. No meu trabalho
passada." isso acontece, em parte, porque agora tenho mais experiência
Paciente: "Hoje eu me sinto mais inclinado a interromper o trata- e, portanto, mais autoridade. Hoje, quando visitava um pavi-
mento por algum tempo. A vantagem é que eu ficaria mais à lhão com um médico mais novo, fui capaz de fazer o diagnós-
vontade para selecionar trabalhos. Sinto agora que vir para a tico preciso nwn caso em que ele não tinha muita certeza. E
análise depende mais do trabalho do que vice-versa. A des- fiz isso sem sentir necessidade de me desculpar. Há alguns
vantagem seria não completar o processo da análise. Eu de- meses, a idéia de ter autoridade era algo que eu só podia acei-
veria completá-lo, estou com vontade de tentar essa inter- tar na teoria. Agora ela me parece mais lógica e, sem dúvida,
rupção. Para mim, é difícil julgar." menos artificial. O diagnóstico era evidente, tanto que achei
Analista: "Existem algumas coisas que você me disse em sessões engraçado ele não perceber o que me parecia tão claro."
anteriores. Você percebe que posso julgar melhor que você. Analista: "Então, a experiência não o faz inteligente o tempo todo;
Por exemplo, eu posso apontar que, na sua descrição da en- ela simplesmente torna a verdade mais evidente."
trevista, foi deixado de lado o fato de você ter sido morto." Paciente: "Não sei por que eu não conseguia fazer isto antes."
Paciente: "Eu notei uma coisa interessante. Um dos outros candi- Pausa. "Notei que você não fez nenhum comentário a res-
datos veio me ver pela manhã, antes da entrevista. Fico ima- peito de urna eventual interrupção da análise. Talvez eu não
ginando por que ele teria feito isso. Ele me perguntou se eu queira sentir que estou vindo aqui somente porque assim o
achava que ele tinha chances de conseguir o emprego. Foi quero, mesmo que eu tenha wna boa razão. Seria mais fácil
uma tolice da parte dele. Tive vontade de dizer não, para di- se eu pudesse recusar a responsabilidade por tal tipo de deci-
minuir a concorrência. Eu senti hostilidade em relação a ele. são. Uma crítica contra o fato de vir aqui é que eu poderia di-
Acho que, pela primeira vez, eu senti hostilidade numa si- zer não; contudo, gostaria de saber o que você acha. É im-
tuação de tal tipo. Eu não tive vontade de falar com ele, e ele portante que eu continue a análise?"
não quis falar comigo." Analista: "Vou ser bem claro: prefiro que você continue. Entre-
Analista: "Ao que parece, você teve os sentimentos naturais pró- tanto, também estou contente porque você melhorou e pode
prios de uma situação de tal tipo." colocar o trabalho à frente do tratamento."
Paciente: "Já haviam me dito que as minhas influências não te- Paciente: "Então isso é possível?"
riam muito peso na decisão. Depois de sair de lá, eu me senti Analista: "Eu acho que sim."
mais simpático aos outros. Quando um dos candidatos foi Paciente: "Quando eu estava internado e falava em procurar em-
escolhido, a atmosfera entre os outros três mudou. Nós não prego, eles diziam: 'Você pode, mas não precisa.' Fazê-lo
tínhamos mais por que brigar." implicava em risco. Agora, que já fiz alguns progressos aqui,
Analista: "Você, portanto, participou da situação de rivalidade ainda é um risco?"
como nunca o fizera antes." Analista: "Acho que não haverá problemas se você quiser parar,
Paciente: "Isso se aplica também ao contexto geral; sinto-me mais mas a análise ainda pode lhe oferecer muito mais sobre o te-
capaz de perceber a rivalidade quando ela está presente. Eu ma da rivalidade, que você está apenas começando a ser ca-
consigo sentir uma hostilidade maior pelo namorado da mi- paz de aceitar com todas as suas implicações. Então, vou di-
nha esposa. Não que eu o tenha visto recentemente. Minha zer novamente, é melhor você voltar em setembro para conti-
esposa evita que entremos em conflito direto. Se nos encon- nuarmos."
trássemos agora, eu demonstraria a minha hostilidade com Paciente: "Quando estava vindo para cá, lembrei-me que me ofe-
mais firmeza. Certamente, sem pedir clemência. A minha receram um emprego importante em X e que não fiquei mui-
248 Holding e i111erprelação
Fragmento de uma análise l.J9

to entusiasmado porque ele fica muito longe da minha casa,


não porque fica longe daqui." Paciente: "Sim. Ele argumenta a partir da teoria, reconstruindo o
passado através da sociedade atual. É claro que li o livro há
Analista: "Não há dúvidas de que você tem muito para descobrir
muito tempo. Não sei se hoje eu ainda consideraria válida a
em si mesmo, como resultado das mudanças que acontece-
minha crítica."
ram recentemente na análise."
Analista: "É interessante você considerar Totem e tabu inaceitá-
Paciente: "No primeiro tratamento, você disse que, como estáva-
vel. O tema do livro não é a união dos irmãos para matar o
mos em guerra, o resultado até que era bom. Você faria o mes-
pai? A hostilidade entre os irmãos é suprimida pelo propósi-
mo tipo de comentário agora? Bom, mas incompleto? Existe
to de derrotar o pai."
a possibilidade de um colapso mais tarde?"
Analista: "Não, eu não diria isso." Paciente: (Rindo.) "Nunca pensei que houvesse um viés emocio-
Paciente: "Se eu estiver sujeito a outro colapso, não estou tão nal na minha crítica. Naquele tempo, eu criticava Freud por-
que ele dizia que o complexo de Édipo era importante na so-
bem assim. Eu vou sofrer outro colapso? Ele provavelmente
ciedade primitiva, a qual, na verdade, era matriarca!. Isso me
era inevitável quando deixei o primeiro tratamento, já que
parecia improvável, já que os meninos não conheciam os
nunca me senti normal. O que me preocupa agora é que eu
seus pais. Até mesmo as meninas não tinham pais específi-
não sei exatamente o que quero fazer da minha vida."
cos. Assim, seria impossível aplicar o mesmo tipo de regras.
Analista: "Eu já deixei claro que quero você de volta em setem-
Mas devo dizer que não penso no assunto há muito tempo e
bro. Se você não voltar, vou entender que a interrupção trou-
xe-lhe beneficios." ele está meio confuso na minha mente. Talvez eu devesse
pensar a respeito novamente."
Paciente: "Eu posso continuar comparando o meu parecer atual
Analista: "Os antropólogos podem criticar Totem e tabu, mas
sobre a psicanálise com o que eu tinha há dez anos. Eu cos-
não, acho eu, valendo-se dos argumentos que você usou para
tumava expressar pontos de vista muito fortes quanto à natu-
compor a sua crítica. Eu diria que, de modo geral, havia uma
reza não-científica da psicanálise, achava os analistas muito
consciência de paternidade, mas também certos costumes re-
dogmáticos, quase sectários. Quem discordasse do analista
lativos ao uso dos tios e outras coisas assim."
era um herege. A psicanálise, portanto, parecia ser algo ruim.
Paciente: "A idéia do pecado 01iginal tem um papel importante
Eu mantive essa opinião até sofrer o colapso. Hoje em dia,
nisso tudo, se não me falha a memória. Não me agrada nem
com a experiência que tenho, não sei onde fui buscar essas
um pouco a idéia de que, desde o início dos tempos, as crian-
idéias. Pode ter sido culpa da minha mãe. Esta é uma idéia
ças tenham se preocupado com a relação sexual dos seus
bastante recente. Hoje eu percebo que a posição dela, adepta
próprios pais. Há uma tendência quase religiosa que perpas-
incondicional de Freud, não é compartilhada pela maioria
sa e caracteriza todo o livro. Corno fui educado como ateu
dos analistas. Os analistas como um todo não dizem que
(graças ao meu pai), a possibilidade de aceitar idéias reli-
Freud está certo e que todos os outros estão errados. Eles
giosas deixou-me horrorizado e me fez ser contrário à psi-
pensam enquanto trabalham. Minha esposa usa o que eu di-
canálise."
ia na época em que era francamente hostil à psicanálise
Analista: "Creio que há um elemento do livro que você não está
para afirmar que, ao vir aqui, estou indo contra os meus prin-
levando em conta. O pecado é associado ao assassinato do
cípios. Além disso, há dez anos, li um livro de Freud cheio de
pai, mas você não disse nada sobre o tema central, ou seja, a
especulações antropológicas que me perturbou muito. Não
consigo me lembrar... noção de que todos os que se antagonizavam amavam a mãe,
Analista: Totem e tabu? e foi o amor da mãe que fez com que quisessem matar o pai
na cena originária."
250 Holding e inte,pretação Fragmento de uma análise 251

Paciente: "A noção de pecado e a forma como ele é apresentado FINAL DO PERÍODO
no livro não estão muito claras para mim."
Analista: "Creio que o pecado original surge como o amor pela (Quase nove meses depois, o paciente me enviou a seguinte carta.)
mãe."
Paciente: "Não consigo aceitar a idéia de ódio universal ao pai. A 10 de abril
idéia é bastante desagradável, mas acho que pode ser útil na
situação atual. Naqueles dias, eu era atraído por qualquer Caro Dr. Winnicott,
coisa que não fosse dogmática. Hoje eu diria que sou defini- Sinto que lhe devo um pedido de desculpas por não ter escri-
tivamente a favor de flexibilidade. O que me incomoda na to antes. Quando conversamos pela última vez, eu decidi inter-
medicina é o seu dogmatismo. Tem de ser assim porque foi romper a terapia pelo menos até a Páscoa, enquanto estivesse tra-
assim que aprendemos." balhando no ..., e fiquei de lhe dar notícias depois.
Analista: "Muitas vezes você me pediu para ser mais dogmático, De forma geral, a situação tem se mostrado bastante satisfa-
mas, como você mesmo insinuou, você valoriza a minha fle- tória e pretendo, pelo menos por enquanto, continuar como estou
xibilidade e a minha receptividade a mudanças no decorrer até que o meu contrato termine, em agosto.
do trabalho. Isso se manifesta especialmente na questão: 'De- Não sei exatamente o que vou fazer depois. Ainda não é pos-
vo abandonar o trabalho ou não?'" sível planejar as coisas com antecedência. As vezes sinto-me ten-
Paciente: "O problema com o dogma é que ele não pode estar er- tado a abandonar definitivamente a análise, pois sinto-me muito
rado. O grande mestre, Freud, o Papa, Stálin; a aceitação do bem. Por outro lado, compreendo que o processo está incompleto
dogma substitui o pai. Você pressupõe que ele não pode estar e, assim, posso decidir voltar - com você ou, caso isso não seja
errado. É uma figura paterna. É ruim permitir que o intelecto mais possível, com outra pessoa. Parece-me um grande avanço
se apóie em emoções ilógicas." Pausa. "De certa forma, pa- conseguir aceitar essa idéia com certa facilidade.
reço estar acabando com uma observação teórica. Será que Caso não voltemos a nos encontrar, gostaria de aproveitar
eu estou evitando inconscientemente, mas deliberadamente, esta oportunidade para expressar a minha gratidão por tudo o que
desenterrar alguma coisa?" fez por mim.
Analista: "Você está evitando me utilizar, de uma forma geral, Sinceramente,
como analista, ou talvez como figura materna, e ignorando
que também sou uma figura paterna na sua análise. Quando
digo que quero que volte, estou sendo uma figura materna, e
isso é valioso para você na medida em que você é uma crian-
ça. Contudo, há uma outra forma de encarar a situação: eu,
enquanto pai, digo que você tem de voltar. Agora, você está
em posição de me desafiar. Numa terceira forma de ver a
questão, a análise é a mãe que você quer e eu sou o pai. Ou
eu mato você ou você me mata, porque nós somos rivais.
Nós discutimos freqüentemente estes assuntos, mas a de-
cisão de voltar ou não em setembro coloca-o diante de uma
situação prática e de um problema antes emocional que inte-
lectual."
Apêndice
Retraimento e regressão 1

Na última década, foi-me imposta a experiência de observar


vários pacientes adultos que fizeram uma regressão na transfe-
rência durante a análise.
Gostaria de comunicar um incidente na análise de um pacien-
te que, na verdade, não regrediu clinicamente, mas cujas regres-
sões se localizavam em estados momentâneos de retraimento que
ocorriam durante as sessões analíticas. O manejo desses estados
de retraimento foi grandemente influenciado pela minha expe-
riência com pacientes regredidos.
(Retraimento, neste trabalho, significa um desligamento mo-
mentâneo de uma relação com a realidade externa durante a vigí-
lia, este desligamento tendo às vezes a natureza de um breve sono.
Regressão significa regressão à dependência e não especifica-
mente regressão em termos de zonas erógenas.)
Escolhi uma série de seis episódios significativos da análise
de um paciente esquizóide-depressivo. O paciente é um homem
casado, com família. No início da presente doença, ele teve um
colapso, após o qual passou a se sentir irreal e perdeu a pouca ca-

1. Lido na XVI leme Conférence des Psychanalystes de Langues Romanes, Pa-


ris, novembro de 1954, e para a British Psycho-Analytical Society, em 29 de junho de
1955; e publicado nos Collected Papers do dr. Winnicott ( 1958), reeditados sob o tí-
tulo Through Paediatrics to Psycho-Analysis (Winnicott, 1975). Ver a lnh·odução a
este volume, pp. l-2 e também p. 28, nota 2.
254 Holding e interpretação Apêndice 25.'i

pacidade que tinha de ser espontâneo. Inicialmente veio a mim na quando ele tinha 18 anos) e pedira-me um conselho quanto a um
condição de paciente de um hospital psiquiátrico, e, até alguns detalhe de seu trabalho. Eu, inicialmente, discuti esse detalhe com
meses depois da análise, não conseguiu trabalhar. (O paciente ha- ele, salientando, no entanto, que ele necessitava de mim como ana-
via feito um pequeno período de análise comigo durante a guerra lista e não como um substituto paterno. Ele disse que seria perda
e, como conseqüência, havia se recuperado clinicamente de uma de tempo continuar falando como costumava fazer e, então, disse
perturbação aguda de adolescência sem, no entanto, conseguir que havia se retraído e que achava que o fizera para fugir de algu-
um insight.) ma coisa. Ele não se lembrava de nenhum sonho ocorrido nesse
O principal motivo que o leva a recorrer conscientemente à momento do sono. Chamei sua atenção para o fato de que, naque-
análise é a sua incapacidade de ser impulsivo e de fazer observa- le momento, o seu retraimento era uma fuga da experiência dolo-
ções originais, embora ele consiga participar inteligentemente de rosa de estar exatamente entre o acordar e o dormir ou entre falar
uma conversação séria iniciada por outras pessoas. Quase não comigo racionalmente e retrair-se. Foi nesse instante que ele con-
tem amigos porque a sua falta de originalidade toma-o entedian- seguiu me dizer que tivera novamente a idéia de estar encolhido,
te. (Ele disse que uma vez riu no cinema, e este pequeno indício embora, na verdade, estivesse deitado de costas como sempre, ,111

de melhora fê-lo sentir-se esperançoso quanto ao resultado da com as mãos cruzadas sobre o peito.
análise.) Fiz então a primeira das interpretações que certamente não
Durante um longo período, as suas associações livres assumi- teria feito vinte anos atrás. Essa interpretação mostrou ser alta-
ram a forma de descrições rebuscadas de uma conversa que ocor- mente significativa. Quando ele falou de estar encolhido, fez mo-
ria o tempo todo no seu interior; essas associações livres eram cui- vimentos com as mãos para mostrar que a sua posição encolhida
dadosamente arrumadas e apresentadas de uma maneira que, de estava em algum lugar diante de seu rosto e que ele estava se mo-
acordo com ele, tornaria o material interessante para o analista. vimentando na posição encolhida. Eu imediatamente lhe disse:
Como muitos outros pacientes em análise, ele às vezes mer- "Ao falar de si mesmo como estando encolhido e se movimentan-
gulha profundamente na situação analítica; em ocasiões impor- do, você está ao mesmo tempo sugerindo a existência de algo que
tantes, mas raras, ele se retrai; durante esses momentos de retrai- naturalmente não está descrevendo, por se tratar de algo que lhe
mento acontecem coisas inesperadas que ele às vezes consegue escapa à consciência; você está sugerindo a existência de um
relatar. O objetivo deste trabalho determinou que eu destacasse meio." Pouco depois, perguntei-lhe se entendera o que eu havia
essas raras ocorrências da vasta gama de material psicanalítico dito. Ele disse: "Algo como o óleo no qual as rodas se movem."
comum, cuja existência deve ser levada em conta pelo leitor. Tendo assimilado a idéia de um meio que lhe fornecia um hol-
ding, ele passou a descrever com palavras o que havia mostrado
com as mãos, ou seja, que estivera girando para a frente, e con-
Episódios 1 e 2 trastou isso com o giro para trás por sobre o divã observado algu-
mas semanas antes.
Na primeira dessas ocorrências (cuja fantasia o paciente A partir desta interpretação do meio, pude desenvolver o te-
conseguiu captar e relatar), ele, deitado no divã num estado mo- ma da situação analítica e, juntos, elaboramos uma exposição bas-
mentâneo de retraimento encolheu-se e rolou por cima da cabe- tante clara das condições especializadas fornecidas pelo analista
ceira do divã. Este foi o primeiro indício direto de um self espon- e dos limites da capacidade do analista de se adaptar às necessi-
tâneo a surgir na análise. O momento de retraimento seguinte ocor- dades do paciente. Em seguida, o paciente teve um sonho muito
reu algumas semanas mais tarde. Ele acabara de fazer uma tenta- importante, cuja análise demonstrou que ele havia conseguido
tiva de utilizar-me como um substituto de seu pai (que morrera desfazer-se de uma couraça que não era mais necessária, pois eu
256 Holding e interpretação Apêndice 25

me mostrara capaz de suprir um meio apropriado no momento do fase de análise comigo (a análise terminou por causa da guerra).
seu retraimento. Parece que, ao colocar imediatamente um meio Eu lhe disse que, ao divagar, ele havia saído do meu colo. A pala-
à volta do seu self retraído, eu converti o seu retraimento em re- vra colo era adequada porque, no seu estado de retraimento e em
gressão, tomando-o capaz de usar essa experiência de maneira termos de desenvolvimento emocional, ele regredira ao estágio
construtiva. Eu teria perdido essa oportunidade no início da mi- de bebê, de tal modo que o divã transformara-se automaticamente
nha carreira analítica. O paciente descreveu essa sessão analítica no colo do analista. Percebe-se prontamente que há wna relação
como "momentosa". entre proporcionar-lhe um colo para onde voltar e proporcionar-
Esse detalhe da análise produziu resultados muito importan- lhe um meio que o toma capaz de se movimentar no espaço numa
tes: uma compreensão mais clara do papel que eu podia desempe- posição encolhida.
nhar como analista; um reconhecimento da dependência, que às
vezes tem de ser muito grande, apesar de dolorosa; e também uma
maneira completamente nova de enfrentar a situação real tanto no Episódio 4
trabalho como em casa. Incidentalmente, ele me contou que sua
esposa ficara grávida, o que tomou muito fácil para ele ligar o es- O quarto episódio que gostaria de destacar não é tão claro.
tado encolhido dentro de um meio com a idéia de um feto no úte- Surgiu em uma sessão na qual ele disse ser incapaz de fazer amor.
ro. Ele, na verdade, havia se identificado com o próprio filho e, O material geral permitiu que eu interpretasse a dissociação na
ao mesmo tempo, reconhecido a sua própria dependência original sua relação com o mundo; por um lado, a espontaneidade do self
em relação à mãe. verdadeiro, que não tem esperanças de encontrar um objeto a não
Ao se encontrar com a mãe depois dessa sessão, ele foi ca- ser na imaginação, e, por outro lado, a resposta a estímulos vin-
paz, pela primeira vez, de perguntar o quanto estava lhe custando dos de wn self algo falso ou irreal. Na interpretação, mostrei que
a análise e de sentir interesse pelo fato. Nas sessões seguintes, ele ele esperava poder restaurar essa clivagem interna na sua relação
conseguiu me criticar e expressar a suspeita de que eu fosse wn comigo. Nesse momento, ele mergulhou num breve estado de re-
vigarista. traimento; posteriormente, ele foi capaz de me dizer o que acon-
tecera enquanto estivera retraído: havia escurecido, apareceram
nuvens e começara a chover; a chuva havia caído sobre seu cor-
Episódio 3 po nu. Nessa ocasião, fui capaz de colocá-lo, wn bebê recém-nas-
cido, dentro desse meio ambiente cruel e impiedoso, e de mos-
O detalhe seguinte ocorreu alguns meses mais tarde, depois trar-lhe que tipo de meio ambiente ele poderia esperar no caso de
de um período muito rico da análise. Ocorreu numa época carac- se tomar integrado e independente. Esta foi a interpretação do
terizada pela qualidade anal do material analítico, e pela reintro- "meio" sob uma forma inversa.
dução do elemento homossexual da situação de transferência, um
aspecto da análise que o atemorizava de modo especial. Ele rela-
tou que, na infância, sentia um medo constante de ser perseguido Episódio 5
por um homem. Fiz algumas interpretações, e ele disse que, en-
quanto eu falava, ele estivera longe, numa fábrica. Na linguagem O quinto detalhe vem do material apresentado depois de um
comum, seus "pensamentos estiveram vagando". Essa divagação intervalo de nove semanas, que incluiu as minhas férias de verão.
fora muito real para ele, que se sentira como se estivesse realmen- Depois do longo intervalo, o paciente disse que não sabia ao
te trabalhando na fábrica onde se empregara depois da primeira certo por que havia voltado e que achava dificil começar de novo.
1
258 Holding e interpretação Apêndice k.'i )

O principal fato que relatou foi a dificuldade contínua de fazer Eu expandi a interpretação: o sonho mostrava como opa-
observações espontâneas de qualquer espécie, em casa ou entre ciente lidara com as férias; ele havia conseguido fruir a experiên-
amigos. Só conseguia participar de urna conversa já em curso, cia de escapar do tratamento, sabendo ao mesmo tempo que, em-
sendo isso mais fácil quando havia duas outras pessoas presentes bora houvesse ido embora, voltaria. Deste modo, o intervalo par-
que tomassem a si a responsabilidade, falando urna com a outra. ticulannente longo, que poderia ter sido sério para tal tipo de pa-
Se fazia urna observação, ele sentia estar usurpando a função de ciente, não se revelou uma perturbação muito grande. O paciente
um dos pais (isto é, na cena original), enquanto precisava que os fez questão de frisar que a idéia de ir embora encontrava-se inti-
pais o reconhecessem como um bebê. Ele me contou sobre si mamente associada em sua mente à idéia de fazer uma observa-
mesmo o bastante para me manter em contato com acontecimen- ção original ou algo espontâneo. Ele me contou que, justamente
tos correntes. no dia do sonho, ocorrera o retomo de um medo especial, o medo
Este quinto episódio foi atingido através da consideração de de descobrir que havia repentinamente beijado uma pessoa; esta
um sonho comum. pessoa seria qualquer uma que por acaso estivesse ao seu lado,
Na noite seguinte a esta primeira sessão, ele teve um sonho talvez até um homem. Se descobrisse que havia inesperadamente
que relatou no dia seguinte. Foi um sonho excepcionalmente vívi- beijado uma mulher, a vergonha não seria tão grande.
do. Ele faz urna viagem de fim de semana para o exterior, indo no Ele começou a mergulhar mais profundamente na situação
sábado e voltando na segunda. O principal era que ele encontraria analítica. Sentia que era uma criancinha em casa e que era errado
um paciente do hospital que havia viajado ao exterior para se tra- falar; se o fizesse, estaria no lugar dos pais. Ele não acreditava
tar. (Verificou-se depois que se tratava de wn paciente que teve um que um gesto espontâneo da sua parte pudesse encontrar recepti-
membro amputado. Houve outros detalhes importantes que não vidade (e isto se ajusta muito bem ao que se sabe da situação em
dizem respeito especificamente ao tema desta comunicação.) casa). Neste momento, um material muito mais profundo emer-
Como primeira interpretação, disse-lhe que, no sonho, ele vai giu e ele sentiu que havia pessoas entrando e saindo pelas portas.
e volta. É este o comentário que gostaria de relatar, pois ele vem Eu lhe disse que isso se associava à respiração, interpretação cor-
se unir aos meus comentários acerca dos dois primeiros episódios, roborada por associações posteriores feitas por ele. As idéias são
nos quais fornecia um meio e um colo, e acerca do quarto episó- como a respiração; também são como crianças e, se eu nada faço
dio, no qual coloquei wn indivíduo no meio ambiente mau surgi- por elas, ele sente que foram abandonadas. Seu grande medo é da
do nwna alucinação. Numa interpretação mais completa, disse- criança abandonada ou da idéia ou observação abandonada ou do
lhe que o sonho expressava os dois aspectos da sua relação com a gesto desperdiçado de uma criança.
análise. No primeiro aspecto, ele vai embora e volta; no outro, ele
viaja para o exterior, sendo que o paciente do hospital representa
esta sua parte. Ele vai e mantém contato com o paciente, o que Episódio 6
significa que ele está tentando eliminar a dissociação entre esses
seus dois aspectos. O paciente acrescentou que no sonho ele esta- Uma semana mais tarde, o paciente defrontou-se (na sua opi-
va particularmente interessado em fazer contato com o paciente, nião, de maneira inesperada) com o fato de nunca ter aceitado a
sinal de que ele começava a tomar consciência da dissociação ou morte do pai. Isso ocorreu após um sonho em que o pai estivera
clivagem dentro de si mesmo e desejava a integração. presente e discutira com ele problemas sexuais correntes de for-
Este episódio poderia ter a forma de um sonho ocorrido lon- ma sensata e liberal. Dois dias mais tarde, ele relatou que ficara
ge da análise, pois continha os dois elementos juntos, o selfretraí- seriamente perturbado por causa de uma dor de cabeça, comple-
do e a provisão do meio ambiente. O meio do analista havia sido tamente diferente de qualquer outra que tivera antes. Ela começa-
introjetado. ra mais ou menos na hora da sessão anterior, dois dias antes. Era
260 Holding e interpretação Apêndice 261

temporal e às vezes frontal, e era como se estivesse do lado de SUMÁRIO


fora da cabeça. Era constante, fazendo-o sentir-se doente, e, se
houvesse conseguido a compaixão da mulher, ele teria ido para a O intuito desta comunicação é demonstrar que, se tomarmos
cama, não para a análise. Ele sentia-se aturdido porque, como mé- conhecimento da regressão na sessão analítica, poderemos ir ao
dico, sabia que certamente se tratava de uma perturbação funcio- encontro dela imediatamente e, desta forma, permitir que certos
nal e, no entanto, ela não podia ser explicada em termos fisiológi- pacientes, que não estão doentes demais, façam as regressões em
cos. (Era, portanto, como mna loucura.) fases curtas, talvez até momentaneamente. Eu diria que no estado
Durante a sessão, consegui fonnular uma interpretação ade- retraído, o paciente está sustentando o self e que, se o analista
quada e disse: "A dor fora da cabeça representa a sua necessidade consegue sustentar o paciente tão logo se manifeste o retraimen-
de que lhe segurem a cabeça, o que naturalmente ocorreria se fos- to, então, o que de outro modo teria sido mn estado retraído tor-
se uma criança e estivesse num estado de profundo sofrimento na-se uma regressão. A vantagem de uma regressão é que ela traz
emocional." Inicialmente, isso não teve muito significado para consigo a oportunidade de correção de uma adaptação inadequa-
ele, mas gradualmente tornou-se claro. A pessoa que mais prova- da presente na história passada do paciente, isto é, no manejo do
velmente teria segurado sua cabeça no momento certo e da ma- paciente como bebê. Em contraste com isso, não se pode tirar
neira certa quando ele era criança, não era a mãe, mas o pai. Em proveito do estado de retraimento, pois, ao se recuperar de tal es-
outras palavras, depois da morte de seu pai ninguém seguraria tado, o paciente não apresenta nenhmna modificação.
sua cabeça, caso ele sofresse. Sempre que compreendemos profundamente um paciente e
Liguei minha interpretação à interpretação fundamental do mostramos isso através de uma interpretação correta e oportuna,
meio, e ele gradualmente percebeu que a minha idéia acerca das estamos, de fato, oferecendo um holding ao paciente e tomando
mãos estava correta. Ele relatou um retraimento momentâneo em parte de um relacionamento no qual o paciente está, em algum
que sentira que eu possuía uma máquina capaz de ativar um ma- grau, regredido e dependente.
nejo compassivo e superficial. Isso significava que, para ele, era Considera-se comumente que a regressão de um paciente na
importante que eu não segurasse a sua cabeça, pois isso seria uma análise oferece algum perigo. O perigo não está na regressão,
aplicação mecânica de princípios técnicos. O importante era que mas no despreparo do analista para fazer face à regressão e à de-
eu compreendesse imediatamente suas necessidades. pendência característica de tal processo. Quando um analista é ex-
Ao final da sessão, ele se surpreendeu ao lembrar que havia
periente o bastante para confiar na sua capacidade de manejar a
passado a tarde segurando a cabeça de uma criança. A criança ha-
regressão, então é provavelmente correto afirmar que quanto mais
via sido submetida a uma pequena intervenção cirúrgica feita com
rapidamente o analista aceitar a regressão e reagir plenamente a
anestesia local, que durara mais de uma hora. Ele havia feito tudo
ela, menor será a probabilidade de uma doença com qualidades
para ajudar a criança mas sem muito sucesso. Sentira que a crian-
regressivas.
ça precisava que lhe segurassem a cabeça.
Ele agora sentia, de forma bastante profunda, que viera à
análise naquele dia em busca daquela interpretação, e, portanto,
sentia-se quase grato à mulher por não ter sido compassiva e não
ter segurado sua cabeça como poderia ter feito.
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Teoria,. h 101I, ., d,· pNl111h•r,111l,1N
111'. CTOH IIIAN I IOUI N I
Este livro relata o processo terapêutico de um profissional
altamente qualificado que passou por um surto psicótico
acompanhado de depressão profunda, e que conseguiu
se recuperar através de análise e tratamento hospitalar
acompanhado por Dr. Winnicott. Ele demonstra extrema
habilidade ao proporcionar ao paciente um holding;
sensibilidade nas interpretações que rea liza; capacidade
de reforçar as funções sexuais e do ego; reconhecimento
intuitivo do valor do silêncio; capacidade de aceitar
o paradoxo da comunicação verbal como elemento
significativo e simultaneamente como negação da
realidade psíquica interior; e, finalmente, discernimento
para determinar o momento adequado para a interrupção
da análise, o que torna este livro fundamental para a
compreensão da obra de Winnicott em particu lar e para o
estudo da psicanálise em geral.
D. W. WINNICOTT nasceu e m Ply mo uth, em 1896. Depo is de exe rcer
a pedi atri a por mais de quare nt a a nos, espec iali zou-se e m psica náli se
in fa ntil. Conce ntro u seus estudos na relação mãe- lac te nte, co nsiderada
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é auto r de: Os bebês e suas mães, Tudo começa em casa, Privação e delinquência,
O gesto espontâneo e A família e o desenvolvimento ind ividual, todos publ icados
po r esta Edito ra.

ISBN 978-85-7827-294-4

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