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TEXTOS A vassoura e Oo diva Gilbeto Satio Os conceitos ligados ao transicional (Winnicott) e ao simbolo apresentativo (Suzanne Langer) servem aqui para pensar a funcao do objeto na constituicdo do self'e na intervengao psicanalitica eto dia, a9 sair de meu consuliério, enconwrei, no jardim da casa, ume mendiga, ‘Tratava-se le uma mulher que aparentava ter ao redor de cingilenta © poucos ‘nos, roupas escuras urastanco pelo chao, cabelos embaragados € sujos, rodleacl cle muitos objetos: peclagos de papelio, panos, panelas velhas, cordoes. Initigado, cu a olhava, ¢ ela, comespondenda ao meu olhar, me fitou com dis tristes olltos azuis. Vivi lum instante de surpresa, de compaixiio ¢ de experién- cia estética. Bla caminhou até mim; enquanto eu imagi- ava que talvez. elt me pedisse dinheiro ou comicla, me pediu uma vassoura. —Tem uma vassoura velha pirat me dar? Respondi que sim, entrei novamente no consulté- rio em busca do objeto pedido, e entreguer-Ihe a vas sou. Agnideceu, pegou a vassoura ¢ comecau a var- rer um trecho, ao laclo de um muro, dla rua, Em seguicks colocou os seus objetos sobre o chio recém-varrido, & sentou-se, procurando arrumar os contetidos dos sicos que carregava El morou nesta rus durante aproximadamente vinte cis. Inimeras vezes 2o olhar pela janeta do consult6rio, eu a via varrendo amumandlo os seus objetos; algunas vezes varia a rua toda. Era como tuma dona de casa arn manclo a sua easa; no caso a sua morada era a rua. Tivemos um outro encontro. Certo dia, quando eu chegava 20 consultério, elt estava pegando ‘gua no jatdim. Ao me ver chegar , perguntou se fazin mal ela pega igua ali, Respondi que nio e ela cise: — A vida nao € ficill J tive carro, trabalhava em escritério, mas € tuclo bobagem... Bu nao quero saber Ctbrto Sara 6 psioratia, dout am Paes Cie, peter do Irate e Picco de USP ee Programa de Etuss Bo: Grae ‘onan Pacooga Cina se PUC-P. TEXTOS. Com 0 uparecimento do obje- to transicional, ind se iniciar a enpa ccctale da erianga para 0 Uso cl bolos. © objeta tnnsicional & a pr imcira possessio nlio-cu € o primei- Fo acesso a0 simbolo. A crianga, mesmo nig aleangando os fendme- nos transicionais, poder eventual mente utilizar-se cle simbolos. Po- rém, segundo Winnicott, a aceita gio de simbolos seri deficiente, 0 que acarretari © empobrecimento de sus vid cultur En Winnicott, 0 que € objetivamente percebido é por definicao subjetivamente concebido. Em determinaco momento «lo seu proceso maturacional, a crian- a ter a possibilidade de de su vida imaginativa para recor- tar um elemento da sensorialidade, constituindo © objeto transicional Auravés desse recurso, poder lidar com a auséneia do objeto. Para Winnicott, este fenbmeno pode ser ‘compreencddo como um provorsin- bolo. © objeto ransicional mio po- deri ser decodificado, Podemos compreendler o objeto transicional ‘como um objeto parcial, 0 seio, por exemplo; como uma representagio do self cla erianca, ou ainda come uma representagi ca mite. No en- tanto, ele nio pode ser reduzidlo a qualquer desses elementos. ‘Tem importancia em si, na medida em que possibilita uma organizacio, simbsélica cla expe- rigneia da erianga, a0 mesmo tem po em que abre uma nova realida- le, a terceira drea cht experiencia humana. Através deste objeto, a cri nga poderi nio s6 lidar com auséncia da mie, mas também cons- tic relagio com o mundo, dle tal Forma que este objeto - como lum proto-simbolo - veicule 0 seu estilo cle ser, abrindo 0 espago po- Cencial, Neste nao esti em questio se 0 sujeito se encontra a: dle interna ou externa; © que real mente importa & o espago de cria- io. O objeto transicional € aban- lonado com a elfusto dos fenéme- nos transicionais por todo © espa- go cultueal Simbolo ¢ transicionalidade Cassirer* afimia que a cultura Inumana esti cliviciela em varias ati- vidades que procedem segundo li- has diferentes © perseguem fins diferentes: mitos, rtos, credos reli- giosos, obras de ane, teorias cient ficas, 6 impossivel reduzi-los a um dlenominacor comum. Para ele, agem foi identilicadla & razio, ow 4 fonte da razzio, mas na verda~ de mio cobre toclo 0 campo simbé- lico do ser humano. Suzanne Langer* também dis- cute estes aspecios amplamente, afirmanclo que mesmo a sensagio decorrente de um 6rgio do sentido pode ser compreendida sem levar-se em conta 0 universo sim- olico dentro do qual o sujeito se insere. Winnicott” afiema algo seme- Ihante, quando dliz. que a objetivi- dade & um termo relativo, porque ‘© que é objetivamente percebido € por «lefinigio subjetivamente con- cebido. Desta forma, o que Langer mostra é que uma erianga vai sign Fieando sua experiéneia tanto atra vés do uso da linguagem discursiva, que ela desenvolverd na rel lin a com sva mie, mas também pela ar- ticulagao dle formas simbélicas em seul campo seasorial Hi entio um desenvolvimento cla capacidade simbélica da erian- 1, que se dit no nivel da ling gem verbal e também no campo da sensorialidade - articulagao simbo- lica das formas, da cor, da luz, do espaco, do tempo, do fato, ¢ assim por ante. Para Winnicott simbolo nnasce no campo da wansicionalidade, © qual se caracteriza por recomtes feitos pela crianga no mundo sen- sorial (O que temos 6 uma atticulagio semfntica que se di por recortes la sensorialidade. Estes permitem que 0 sujeito nio 86 crie e mapeie © seu mundo, mas que também veicule

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