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Jugado Rese
Jugado Rese
RELATÓRIO
5007943-38.2018.4.04.7102
40000944757
.V32
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300 - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone:
(51)3213-3232
VOTO
II - PRELIMINARES
Sem razão.
A possibilidade de desclassificação da conduta denunciada com a
reflexa alteração da competência para processo e julgamento do feito, na
primeira fase do procedimento do Tribunal do Juri, constitui hipótese
expressamente prevista na legislação processual penal (art. 419/CPP). De outra
parte, do teor do artigo 581, inciso II, do Código de Processo Penal, extrai-se a
preleção de que "Caberá recurso em sentido estrito da decisão, despacho ou
sentença... II - que concluir pela incompetência do Juízo".
Erige-se nessa senda a narrativa feita por JEAN à Polícia Civil: “[...] No dia
13 por volta das cinco horas da tarde como Ruan [sic] continuava com todos
os sintomas e cada vez mais prostrado o depoente e sua esposa foram
novamente ao HGU e lá Ruan [sic] foi atendido por Leandro Lima Seerig que
manteve o mesmo diagnóstico do médico que atendeu no dia 11 e receitou
ainda um antialérgico e determinou que a Dipirona não fosse mais utilizada de
oito em oito mas sim de seis em seis horas. A esposa do depoente então
solicitou ao médico a presença do pediatra Dr. Otávio ao que o médico
respondeu que não havia necessidade pois o caso era comum. Então a esposa
também solicitou o exame de sangue ao que o médico Dr. Leandro lhe
respondeu que não convinha fazer exame de sangue. […]” [g.n.] (EVENTO 51
– OUT2 – fls. 11/12).
Depois de 3 (três) dias sem qualquer melhora no quadro de JUAN, que seguia
sem comer, queixando-se de dor e cada vez mais prostrado, seus pais o
levaram pela terceira vez ao PAM/HGuSM, em 16 de maio de 2012, por volta
das 7h30min, ocasião em que voltou a ser atendido pelo denunciado
ANDREAS TIMÓTEO LUTZ. Na consulta, JOZEANE solicitou novamente que
o infante fosse encaminhado com urgência ao médico pediatra ou submetido a
exames radiológicos ou laboratoriais, em busca de um diagnóstico mais
preciso da enfermidade que o acometida. O indigitado médico, contudo,
mesmo dispondo de todos os instrumentos para realizar uma investigação mais
profunda do agravo e/ou acionar o especialista com a premência que o caso
requeria (EVENTO 51 – OUT8 – fls. 21/26), optou não apenas por deixar de
atender ao clamor da genitora que lhe suplicava pela adoção de condutas
médicas básicas, como também por limitar-se a prescrever a administração de
“Paracetamol” e “Amoxicilina” ao menor, expedindo um pedido de consulta
ambulatorial eletiva para pediatria, sem data para ser atendido antes do dia
23 daquele mês (EVENTO 51 – OUT2 – fls. 20/22 e 49). Fê-lo, cônscio do
risco de, com o seu comportamento, vir a ocasionar o óbito do paciente e
anuindo com esse possível resultado.
Isso só foi ocorrer por iniciativa da mãe de JUAN, que, no mesmo dia 16 de
maio, em torno das 10h da manhã, convicta da gravidade da situação e diante
das sucessivas omissões dos denunciados ANDREAS e LEANDRO, conduziu a
criança ao Pronto Atendimento – PA Municipal do Patronato, onde recebeu
atendimento de urgência pela médica pediatra ALCIMARA OLIVA MIOLO.
Dita profissional, observando estar ele “bem prostrado e desidratado” e sem
responder à medicação, com sugestão de “uma infecção importante”
(EVENTO 51 – OUT2 – fl. 37), providenciou, de imediato, a realização de
exames laboratoriais e de Raio-X, cujos resultados iniciais desvelaram uma
opacificação importante na base pulmonar esquerda, compatível com uma
pneumonia, acompanhada de possível derrame pleural (EVENTO 51 – OUT2 –
fls. 23/27 e EVENTO 51 – OUT8 – fls. 9/12).
Nota-se, pois, que a conduta omissiva imprópria dos implicados foi o elemento
fulcral desencadeante da morte da vítima menor de 14 (quatorze) anos, JUAN
GABRIEL VIEIRA CARDOSO COELHO, na medida em que, ao
deliberadamente omitiremse de adotar condutas médicas essenciais durante o
atendimento prestado, assumiram o risco de matar a criança e assentiram com
o resultado, restando, afinal, ceifado o supremo bem jurídico penal da vida.
E dita omissão foi penalmente relevante, na forma do art. 13, § 2º, do Diploma
Repressor1, uma vez que ostentavam por lei2 o dever cuidado, na condição de
garantes, incumbindo-se-lhes adotar as medidas necessárias para evitar o
resultado morte, ou, ao menos, reduzir as chances do desfecho fatal.
Pediu, assim, a condenação dos Réus pela prática dos delitos capitulados no
artigo 121, caput, e § 4º, parte final, do Código Penal.
É o relatório. Decido.
i) Ofício nº 089 – Div. Med. HGuSM (evento nº 51, anexo “OUT8”, páginas 21
a 26).
Com efeito, em que pese os Acusados tenham sido denunciados pela prática do
delito descrito no artigo 121, caput, e § 4º, parte final, do Código Penal, o
próprio Parquet Federal, em seus memoriais, afirma que “a análise do caso
concreto não permite concluir que os réus tenham anuído, arriscando-se
conscientemente a produzir o resultado morte, renunciando – também de forma
consciente – a ministrar o tratamento adequado à vítima, violando o dever
específico de cuidado que lhes era legalmente exigível”.
Segundo a prova constante dos autos, o menino Juan Gabriel, com dois anos e
dez meses, foi primeiramente atendido pelo Acusado Andreas, no Pronto
Atendimento Médico (PAM) do HGuSM, no dia 11.05.2012, com história de
febre há um dia e hiperemia no ouvido esquerdo, conforme consta no boletim
de atendimento médico (evento nº 51, anexo “OUT2”, página 47), tendo o ora
Réu prescrito ibuprofeno, paracetamol e solução fisiológica nasal (evento nº
51, anexo “OUT2”, página 18).
(...)
TESTEMUNHA: Sim.
(...)
TESTEMUNHA: Ele chegou às 9h:30min que ele passou pela triagem, a gente
tem um esquema de triagem, todas as crianças que chegam no PA são triadas
pela enfermagem, pesadas, medidas, verificado o que é o atendimento e aí
depois passa para a consulta médica, ele no caso como chegou sem febre não
foi passado na frente, na verdade quando ele chegou eu lembro, era de manhã,
não tinha muito atendimento e eu fui atendê-lo às 10h, deve ter tido mais
crianças, eu deveria estar atendendo alguém no meio do horário, então ele
chegou às 9h:30min eu o atendi as
10 horas.
(...)
TESTEMUNHA: Está. Quando ele chegou ela veio com a história de um dia
estar com o quadro mais de gastroenterite, episódio de gastroenterite normal
sem sangue, porque a gente sempre pergunta para ver se é uma
gastroenterite viral ou não a gente vai destacando, estava urinando, não
tinha febre, não tinha relato de febre e tinha uma história de tosse (IVAS),
mas assim ela não deu muita ênfase a isso, eu examinei, achei assim
prostrado, meio desidratado...
TESTEMUNHA: Uma criança prostrada é uma criança assim, que não está
totalmente ativa, ela estava deitada no colo da mãe, eu coloquei na maca,
examinei, eu achei que a criança não estava bem, o estado geral dela era
regular, só não estava bem, estava um pouco desidratada, a minha hipótese
inicial era que ele estava com um quadro viral, está, o que eu fiz? Coloquei no
soro para hidratar, fiz medicação para vômito que tinha essa história de
vômito e deixei reavaliando para ver se ele ia responder ou não, se ia ter
diurese como é que ele ia responder, eu fiquei atendendo outras crianças
porque na verdade quando eu o prescrevi eu passo ele para a sala da
enfermagem, a enfermagem fica observando, fazendo a medicação. Mais tarde
foi feito os medicamentos, em torno de meio dia e 25 mais ou menos, depois
que foi feita a medicação durante esse período ele ficou no soro, ele teve
diurese, então, quer dizer que estava um pouco desidratado, mas nem tanto
porque na verdade ele respondeu ao soro e referia dor abdominal e tinha feito
uma dipirona, está, eu fui reavaliá-lo, achei ainda que ele não estava muito
bem, repeti o soro e pedi um exame de urina porque na verdade como ele
respondeu, eu pensei assim “não é uma gastroenterite só, essa criança deve
ter alguma outra coisa”, quando eu vi que estava normal eu fui reconversar
com a mãe, até o momento ele não tinha feito temperatura, estava com 37 no
máximo, eu comecei a reconversar com a mãe porque eu pensei assim, “não
deve ser uma coisa tão fácil porque ele está hidratando e não está
respondendo, essa criança está infectada de alguma outra maneira”, aí
conversando com ela, ela me falou que ele já tinha esse quadro de tosse, estava
respiratório já há alguns dias, eu pensei é uma pneumonia de base para ter dor
abdominal...
JUIZ: Que horas isso mais ou menos, que horas isso que a senhora está
relatando?
(...)
TESTEMUNHA: E a Plaqueta?
TESTEMUNHA: Hemoglobina?
(...)
TESTEMUNHA: Sim.
(...)
(...)
(...)
TESTEMUNHA: Vinícius.
(...)
DEFESA: Então vou lhe perguntar outra coisa: a sua avaliação do caso desse
menino era um caso grave, ou era um caso normal, corriqueiro?
(...)
(...)
TESTEMUNHA: Vinícius.
(...)
(...)
TESTEMUNHA: Muito difícil, mas como falei isso vai muito do... O médico é
o profissional que tem que ter essa...
TESTEMUNHA: Esse feeling, sabe, para ele entender quando isso vai mudar
assim, normalmente hoje em dia a gente está ensinando para os nossos
alunos a ter menos... Pensar antes de fazer sempre exames de imagem que
tenham muita radiação, não é, porque a médio e longo prazo isso está
causando, sabe-se que isso vai causar muitos problemas de saúde nas
pessoas, quanto mais raio-X fizer pior, pior... Se não precisa não vai fazer...
Se tenha uma necessidade talvez nesse caso apreçasse um pouco, mas eu não
sei te dizer, porque na verdade febre, tosse, taquipneia são sintomas de várias
doenças, e se for uma asma, por exemplo, tu não deves radiografar um
paciente com asma. Então tem toda essa nuance assim, que é muito difícil a
gente quando não avalia... Quando... Se tu me perguntares, “tu atendeste e
pediu raio-X, por que tu pediste”? Eu vou dizer: pedi porque vi isso... Mas é
difícil para o médico na hora porque não é uma receita assim, sabe.
TESTEMUNHA: Quem tem tosse, febre e taquipneia tem que fazer raio-X, não
sei.
(...)
TESTEMUNHA: Grave.
ASSISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO: É?
TESTEMUNHA: Gravíssima, acho que foi a mais grave que já vi, porque ela
evoluiu com necrose do pulmão, então destruía...
ASSISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO: É?
TESTEMUNHA: No raio-X que foi feito não tinha essas áreas de destruição
do pulmão, que foi evoluindo apesar do tratamento.
(...)
Intimem-se. Cumpra-se."
I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei
penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo
disposição especial;
Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a
vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo
quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303
da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de
Aeronáutica. (Redação dada pela Lei nº 12.432, de 2011)
4. Cerceamento de defesa
5007943-38.2018.4.04.7102
40000944758
.V166
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300 - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone:
(51)3213-3232
EMENTA
ACÓRDÃO
5007943-38.2018.4.04.7102
40000944759
.V7
Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 03/04/2019, na sequência 7,
disponibilizada no DE de 15/03/2019.