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Poder Judiciário

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO


Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300 - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone:
(51)3213-3232

RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 5007943-


38.2018.4.04.7102/RS
RELATORA: DESEMBARGADORA FEDERAL CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
RECORRENTE: LEANDRO LIMA SEERIG (RECORRENTE)
RECORRENTE: ANDREAS TIMOTEO LUTZ (RECORRENTE)
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (RECORRIDO)

RELATÓRIO

01. Cuida-se de recursos em sentido estrito interpostos pelas


defesas de ANDREAS TIMOTEO LUTZ e LEANDRO LIMA SEERIG e pela
assistência da acusação, contra a decisão que desclassificou a conduta
denunciada como sendo o crime do art. 121, caput e §4º, parte final, do Código
Penal, homicídio doloso, para aquela prevista no art. 206, §1º do Código Penal
Militar, qual seja, a de homicídio culposo, com violação de dever de ofício,
afastando a competência do Tribunal do Juri para processo e julgamento do
feito, e declinando-a para a Justiça Penal Militar.

02. De acordo com a denúncia, os fatos tratam, em suma, da morte


de uma criança de 02 (dois) anos e 10 (dez) meses de idade, a qual teria falecido
em decorrência de grave falha no atendimento médico ofertado pelos
denunciados, em consultas alternadas, por três oportunidades, entre os dias 11 e
16 de maio de 2012, em nosocômio mantido sob a administração do exército, no
Município de Santa Maria - RS. Segundo a acusação, os denunciados
ANDREAS TIMOTEO e LEANDRO LIMA assumiram o risco de matar o
infante JUAN GABRIEL VIEIRA CARDOSO, ao deixar de solicitar exames
médicos complementares que permitiriam a identificação da patologia que
culminou na morte do menor, na madrugada de 24/05/2012, mesmo diante da
solitação materna, e da ocorrência de consultas de retorno, nas quais foi
informada a ausência de melhora no quadro clínico da criança, conquanto
submetida à medicação que lhe fora prescrita.

03. O feito foi regularmente instruído com a produção de provas


técnicas, juntada de documentos e oitiva de diversas testemunhas.

04. Encerrada a fase instrutória, sobreveio decisão  em que o


magistrado singular consignou que, a despeito da prova da materialidade
existente nos autos, os fatos denunciados não se amoldavam às hipóteses
previstas como de competência do Tribunal do Juri, notadamente por não ter
sido evidenciado comportamento doloso dos acusados, na prática do crime de
homicídio. Em seus fundamentos, reportou-se à decisão proferida pelo Superior
Tribunal de Justiça, no Conflito de Competência nº 130.779-RS, na qual aquela
Corte assinalou a existência de fundada dúvida quanto à existência de dolo,
relativamente ao crime de homicídio imputado aos réus, fato que, aliás,
justificou a tramitação do processo perante a Justiça Federal, exatamente para a
aferição do elemento subjetivo, mediante a análise do conjunto probatório. 
Observou que o próprio Parquet, em seus memoriais, admitiu que "a análise do
caso concreto não permite concluir que os réus tenham anuído, arriscando-se
conscientemente a produzir o resultado morte, renunciando - também de forma
consciente - a ministrar o tratamento adequado à vítima, violando dever
específico de cuidado que lhes era legalmente exigível". (Autos originários,
evento 01 - DEC1, p.07).

05. Respaldando-se, ademais, no conjunto cognitivo dos autos,


com forte âncora no depoimento das testemunhas ouvidas no feito, e também
com amparo nas considerações do Parquet, confluentes com a orientação
adotada, concluiu o magistrado pela inexistência de suporte probatório
mínimo a indicar a existência de crime doloso contra a vida. E, diante desse
quadro, desclassificou a conduta denunciada para homicídio culposo, bem
como declinou da competência para o julgamento do feito, sob o argumento
de que "Em se tratando de homicídio culposo, a competência para o julgamento
do presente feito cabe à Justiça Castrense, uma vez que cometido por militares
da ativa, em lugar sujeito à administração militar (Hospital da Guarnição de
Santa Maria), contra civil, nos termos do disposto no art. 9º, II, "b", do CPM".
(Autos originários, evento 01 - DEC2, p. 13).

06. Assim, a conduta imputada aos réus ANDREAS TIMOTEO


LUTZ e LEANDRO LIMA SEERIG (art.121, caput e §4º, parte final, do CP) 
foi desclassificada pelo Juízo a quo,  que a enquadrou como sendo, em tese, 
aquela  prevista no art. 206, § 1º, do Código Penal Militar, afastada a
competência do Tribunal do Juri para o julgamento do feito, em favor da Justiça
Militar de Santa Maria - RS.

07. Contra a decisão, a defesa de ANDREAS LUTZ interpôs


recurso em sentido estrito, pretendendo o reconhecimento da absolvição
sumária do réu, sob o fundamento de que o fato atribuído ao acusado não
constitui infração penal.  Amparou-se a defesa nos seguintes fundamentos: (a)
as condutas adotadas pelo recorrente seguiram a melhor técnica médica,
apresentando-se o evento trágico como um desdobramento inesperado e
indesejado, que não foi causado pelo recorrente; (b) laudos periciais produzidos
no feito apontaram que o primeiro atendimento médico efetuado pelo acusado,
no dia 11/05/2012, foi absolutamente adequado, tanto no que respeita ao
diagnóstico, como à terapêutica escolhidos; em relação ao segundo atendimento,
ocorrido seis dias após o primeiro, salientou particularidades afetas ao
nosocômio onde realizado, que, à época, contava com uma estrutura precária,
sem informatização dos prontuários, de modo que ao médico não era
possibilitado o acesso às informações concernentes aos documentos pretéritos;
(c) era profissional jovem, com pouca experiência, efetuando atendimentos sem
preceptor; (d) a mãe era pouco informativa, deixando de prestar informações
elementares; (e) o Juiz de primeira instância indeferiu o pleito de exibição das
imagens das câmeras de segurança instaladas no nosocômio, por ocasião do
interrogatório do acusado, cujas imagens poderiam demonstrar que,
contrariamente ao alegado pelo Ministério Público Federal, a criança não estava
prostrada na data do atendimento; (f) ainda no segundo atendimento o acusado
prescreveu o uso de amoxicilina, enquanto, no mesmo dia, a médica Alcimara
Oliva Miolo prescreveu penicilina, ambos, antibióticos de mesmo espectro, com
finalidades muito próximas; (g) houve violação da direito à ampla defesa do
acusado, uma vez que, além do pedido de exibição das imagens das câmeras de
segurança, também foi negada a realização de perícia; (h) a única falha que,
eventualmente, poderia ser inquinada ao recorrente, consistiu-se no não
preenchimento adequado do prontuário, o que ocorreu devido ao fato de que
teve que prestar atendimento emergencial, ocasionado pela entrada de paciente
com sintomatologia de acidente vascular cerebral; (i) o irmão da vítima, João
Henrique Vieira Cardoso, quando do segundo atendimento, também apresentou
queixas de diarreia, sintoma inexistente na primeira oportunidade em que
atendeu JUAN, fator que reforçava a possibilidade de que pudesse se tratar de
uma infecção bacteriana, a sugerir a desnecessidade de exames complementares
na ocasião;  (j) não há nexo causal entre o atendimento prestado pelo acusado e
o resultado ocorrido com o menor (Evento 01 - RAZRECUR4);

08. A defesa de LEANDRO LIMA SEERIG requereu a


impronúncia do acusado, sob o fundamento de que inexistiu conduta criminosa.
Alegou, ademais, que (a) a atitude do réu pautou-se segundo as recomendações
da doutrina médica; (b) os exames que supostamente teria se omitido o acusado
de solicitar não eram obrigatórios para a hipótese diagnóstica do paciente; (c) ao
contrário da conclusão assentada no parecer médico do PRO-VIDA, os sintomas
apresentados pelo menor não demonstraram exacerbação, sendo que outros
surgiram durante a evolução do quadro clínico: em um primeiro momento havia
apenas febre, diarreia e vômito; em um segundo momento, surgiram também
sintomas catarrais; (d) a ficha de atendimento médico da criança indicava que
ela permanecia em bom estado geral, hidratado, ativo e reativo, com sinais vitais
dentro da normalidade, sem indicadores que pudessem sugerir que estivesse
infectado por uma pneumonia, no momento em que fora atendido no hospital;
(e) a sindicância de nº 22/2015, que tramitou no Conselho Regional de
Medicina, avaliou a conduta do acusado como coerente com as hipóteses e
orientações necessárias e, ainda, como desprovida de ilícito ético, tendo sido
proposto o seu arquivamento; (f) o resultado morte se deu por complicações
imprevisíveis no quadro clínico e não por erro do acusado (Autos originários,
evento 01 - RAZRECUR6).

  09. Por sua vez, a assistente da acusação, genitora do menor


falecido, JOZEANE MARIA VIEIRA, apesar de ter interposto recurso em
sentido estrito (autos originários, evento 1 - RSE7), deixou de apresentar as
razões recursais. 

10. Apresentou, contudo, contrarrazões aos recursos interpostos


pelas defesas de ANDREAS e LEANDRO. Arguiu, em preliminar, (a) que, no
caso, o recurso cabível seria o de apelação, uma vez que a decisão recorrida tem
força de definitiva, nos termos do art. 593, II, do Código de Processo Penal.
Postulou o não conhecimento dos recursos em sentido estrito interpostos pelas
defesas. Citou precedente do Tribunal de Justiça. No mérito, (b) aludiu às
inovações trazidas pela Lei 13.491 de 13 de outubro de 2017, que assentou
alterações concernentes à definição de crime militar, aduzindo que, no caso
concreto, têm-se militares pertencentes ao quadro funcional da União Federal,
em local de abrangência limitar, a saber, o Hospital de Guarnição de Santa
Maria, situação enquadrável como crime militar apenas no período anterior à
vigência da Lei 13.491; (c) aduziu que o comportamento dos acusados não
observou a mínima cautela médica exigível, em face do cenário fático que se
erigiu, em que foi devidamente relatada a ausência de melhora do menor,
mesmo tendo sido seguidas, com exatidão, as recomendações dos profissionais
da saúde, inclusive com a medicação ministrada, além de mais de uma consulta
de retorno; (d)  em vista da nova redação do inciso II do artigo 9º da Lei 13.491,
para que um crime seja qualificado como militar, além de o delito ter sido
praticado de acordo com as circunstâncias previstas no citado dispositivo legal,
é imperioso que ela agrida, direta ou indiretamente, um bem jurídico próprio e
peculiar da atividade e organização militar, o que não se aplica ao caso do
menor Juan, e que a saúde não é o bem a ser tutelado pelo órgão militar; (e) a
Lei 9.299/96 alterou o art. 9º do CPM e o art. 82 do CPPM, excepcionando da
competência da Justiça Castrense os crimes dolosos contra a vida, atribuindo-a
ao Tribunal do Juri. Consignou que tal assunto foi responsável pela instauração
de uma polêmica acerca da constitucionalidade da indigitada alteração, restando
o embate sepultado apenas com a edição da emenda constitucional nº 45, que
incluiu, expressamente, na Carta Política, a competência do Tribunal do Juri
para procesar e julgar os crimes dolosos contra a vida de civil praticados por
militares estaduais. Aduziu que a disposição foi estendida aos militares das
forças armadas, porquanto já estava prevista no Código Penal Militar. Na
sequência, alega que foi editada a Lei 12.432/11, que excepcionou do Tribunal
do Juri a competência para julgar crimes dolosos contra a vida de civil
praticados por militares das Forças Armadas, nas circunstâncias previstas no art.
303 do Código Brasileiro de Aeronáutica, ou seja, relacionadas com o abate de
aeronave hostil em sobrevoo no espaço aéreo brasileiro e que não obedeça às
ordens para pouso. A Lei 13.491/17 apenas ampliou as hipóteses de exceção da
competência do Tribunal do Juri, relativamente aos crimes dolosos contra a vida
de civil, dilatando o espectro da jurisdição militar. E Concluiu: em regra, os
crimes dolosos contra a vida de civil continuam da competência do Tribunal do
Juri e somente nas circunstâncias excepcionais incluídas no CPM, pelas Leis
13.491/17 e Lei 12.432/11 competem à Justiça Castrense (p.09). Acrescentou,
ainda, não se poder olvidar outra alteração trazida pela Lei 13.491/17,
consistente na nova redação dada ao inciso II do artigo 9º do CPM, e que
modificou substancialmente as infrações que se enquadram no conceito de crime
militar, aduzindo que a decisão recorrida é injusta, pois contempla a facilidade
dos médicos serem julgados por seus pares em detrimento ao direito de uma
crinaça que morreu por total desídia dos acusados (p. 10). Ao fim, limitou-se a
requerer "a modificação da decisão", para, presumo, que seja preservada a
competência do Tribunal do Juri para o julgamento do feito (Autos originários,
evento 01 - CONTRAZ9).

11. A Procuradoria Regional da República ofereceu parecer nos


autos, alegando, em suma: (i) que uma vez admitido o recurso em sentido estrito
interposto pela assistente da acusação, deve este ser analisado, conforme firme
entendimento da jurisprudência pátria, no sentido de que a omissão das razões
não impede o conhecimento da inconformidade, sendo a matéria devolvida em
sua totalidade para a apreciação perante a instância superior; (ii) a decisão
proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência nº
130.779-RS, assentou a presença, no caso concreto, de indícios de crime doloso
contra a vida, confirmado com as declarações das testemunhas e dos próprios
denunciados; (iii) para impronunciar os acusados ou proceder à
desclassificação, como no caso dos autos, são necessárias provas claras e firme
convencimento, de modo a elucidar certeza jurídica, sob pena de ofensa à
soberania dos veredictos e à competência constitucional do juri para apreciar
crimes dolosos contra a vida; (iv)  a patologia que gerou a morte da criança
poderia ter sido diagnosticada com um simples raio-x, mas o exame não foi
solicitado pelos réus, que optaram por medicar o menor, sem qualquer
investigação complementar; (v) a ausência de solicitação de exames
complementares, a insuficiência de medicação prescrita e o não
encaminhamento ao médico pediatra foram determinantes no resultado morte da
criança.

12. Esse o resumo dos pleitos.

13. É o relatório. À revisão.

Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal


Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF
4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível
no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do
código verificador 40000944757v32 e do código CRC cc6439c9.

Informações adicionais da assinatura:


Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA
CRISTOFANI
Data e Hora: 12/3/2019, às 17:44:49

 
5007943-38.2018.4.04.7102
40000944757
.V32

Conferência de autenticidade emitida em 05/06/2022 23:32:29.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300 - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone:
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RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 5007943-


38.2018.4.04.7102/RS
RELATORA: DESEMBARGADORA FEDERAL CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
RECORRENTE: ANDREAS TIMOTEO LUTZ (RECORRENTE)
RECORRENTE: LEANDRO LIMA SEERIG (RECORRENTE)
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (RECORRIDO)

VOTO

Trata-se de recursos em sentido estrito interpostos pelas defesas de


ANDREAS TIMOTEO LUTZ e LEANDRO LIMA SEERIG e pela assistência
da acusação, contra a decisão que desclassificou a conduta denunciada como
sendo o crime do art. 121, caput e §4º, parte final, do Código Penal, homicídio
doloso, para aquela prevista no art. 206, §4º do Código Militar, qual seja, a de
homicídio culposo, afastando a competência do Tribunal do Juri para processo e
julgamento do feito, e declinando-a para a Justiça Penal Militar.

O recurso em sentido estrito interposto pela defesa de ANDREAS


TIMOTEO LUTZ pretende o reconhecimento da absolvição sumária.

A defesa de LEANDRO LIMA SEERING, por sua vez, requereu a


impronúncia do acusado.

Em contrarrazões, a assistência da acusação pretende que não


sejam conhecidos os recursos interpostos pelas defesas, em face da errônea
escolha da espécie manejada - recurso em sentido estrito - em vez de apelação.
Refuta, ademais,  a questão atinente à competência para o processo e julgamento
do feito, que aponta como sendo, de fato, do Tribunal do Juri e não da Justiça
Castrense, como decidiu o magistrado singular.

Neste Tribunal, a Procuradoria Regional da República argumenta


que, apesar de a assistência da acusação não ter instruído o recurso em sentido
estrito interposto com as devidas razões recursais, deve ser apreciada a
insurgência, considerando a orientação jurisprudencial consolidada no sentido
de que, em hipóteses como a presente, ocorre a devolução in totum da decisão
ao segundo grau. Opina pela pronúncia dos acusados.

Atenho-me, primeiramente, às questões de cunho processual, uma


vez que visualisei entrave desta índole, para a apreciação do mérito, conforme
explicarei a seguir.

II - PRELIMINARES

1. Quanto à espécie recursal manejada pelas defesas (RSE)

Em contrarrazões, a assistência da acusação pretende o não


conhecimento das insurgências interpostas pelas defesas, sob o fundamento de
que o recurso apropriado para o tipo de decisão vergastada, que tem força de
definitiva, é o de Apelação.

Sem razão.
A possibilidade de desclassificação da conduta denunciada com a
reflexa alteração da competência para processo e julgamento do feito, na
primeira fase do procedimento do Tribunal do Juri, constitui hipótese
expressamente prevista na legislação processual penal (art. 419/CPP). De outra
parte, do teor do artigo 581, inciso II, do Código de Processo Penal, extrai-se a
preleção de que "Caberá recurso em sentido estrito da decisão, despacho ou
sentença... II - que concluir pela incompetência do Juízo".

Como visto, a decisão guerreada desclassificou a conduta


denunciada como sendo aquela prevista no art. 121, caput e § 4º, do Código
Penal - homicídio doloso - para aquela capitulada no art. 206, §1º, do Código
Penal Militar - homicídio culposo, com violação de regra técnica de ofício -
afastando, após a instrução do feito, o elemento subjetivo dolo, e, por
conseguinte, a competência do Tribunal do Juri para processo e julgamento do
feito.

A hipótese em tela estampa situação perfeitamente amoldável aos


artigos 419 e 581, II, do Código de Processo Penal, conjugadamente, sendo,
portanto, atacável por Recurso em sentido Estrito e não por Apelação, do que se
extrai a correção da espécie recursal manejada pelas defesas. Interessante notar
que a própria assistência da acusação interpôs, contra a decisão, recurso em
sentido estrito, apesar de não ter instruído a insurgência com as competentes
razões recursais, o que elucida comportamento claramente contraditório com
seus fundamentos recursais.

Sendo assim, rejeito a alegação da assistência da acusação e


conheço dos recursos em sentido estrito interpostos pela defesa, porque
tempestivos e apropriados para a hipótese em tela.

2. Ausência de razões do recurso em sentido estrito interposto


pela assistência da acusação. Legitimidade e Capacidade recursais.
Impossibilidade de conhecimento da insurgência.

Do exame dos autos, verifiquei certo desalinho no ponto em


questão, apto a acarretar importante reflexo na marcha processual implementada
no feito. Explico.  

A Procuradoria Regional da República argumenta que, apesar de a


assistência da acusação não ter instruído o recurso em sentido estrito interposto,
com as devidas razões recursais, deve a insurgência, ainda assim, ser apreciada,
considerando a orientação jurisprudencial consolidada no sentido de que, em
hipóteses como a presente, ocorre a devolução in totum da decisão, ao segundo
grau. Opina pela apreciação do recurso, a bem do desfecho de pronunciar os
acusados ANDREAS e TIMÓTEO.

Apesar de não ter apresentado as razões do RSE interposto, a


assistência da acusação contra-arrazoou os recursos das defesas.

Ative-me, pois, à leitura das contrarrazões aos recursos


apresentados pelas defesas dos réus, oportunidade em que pude concluir que, em
verdade, a assistência da acusação se utiliza da peça não para rechaçar os
argumentos veiculados nas insurgências dos acusados, mas sim para expor os
fundamentos pelos quais também pretende a reforma da decisão prolatada na
primeira instância. Com efeito, nas contrarrazões (Autos originários, evento 01 -
CONTRAZ9), a parte controverte acerca da declinação da competência para
processo e julgamento do feito, em favor da Justiça Militar, aduzindo que,
contrariamente ao posicionamento adotado pelo magistrado singular, há severas
evidências da prática de crime doloso contra a vida. Argumenta que a
competência para o julgamento do caso pertence ao Tribunal do Juri e que não é
razoável permitir que os réus sejam julgados por seus pares, a sugerir que tal
medida lhes garantiria sanção mais complacente.

Ocorre que, na primeira instância, o Ministério Público Federal, no


exercício das atribuições que lhe competem, como titular da Ação Penal, na qual
goza de independência funcional, requereu a desclassificação da conduta que
denunciou como sendo de homicídio doloso (art. 121, caput,§4º, do Código
Penal) para a de homicídio culposo, com arrimo nos elementos probatórios
adunados aos autos, por ocasião da instrução processual. Esse pedido foi
acolhido pelo juiz singular, após percuciente análise do cenário processual
desenhado com a ultimação da instrução. Endossada a pretensão ministerial, a
competência para julgamento do feito foi declinada para a Justiça Castrense,
tendo em vista se tratar de crime cometido por militar em exercício, em local
sumetido à administração militar.

Não houve interposição de recurso pelo Parquet.

Pois bem. Penso que o recurso em sentido estrito interposto pelo


assistente da acusação, bem como os argumentos por ele vertidos em
contrarrazões recursais, não merecem ser conhecidos.

Ab initio, destaco que a análise da problemática apresentada nos


autos tangencia um sintético exame da figura processual atinente à assistência da
acusação.

De disciplina consignada na legislação processual penal, nos


artigos 268 a 273,  o assistente da acusação exerce papel de ordem
essencialmente supletiva. A lei processual estabeleceu incontestável limitação à
sua atuação processual, moldando seu comportamento de acordo com os
aspectos teleológicos que justificaram a criação da figura, cuja natureza é de
índole patrimonial.

Isso porque o ingresso do assistente de acusação no feito possui o


escopo de contribuir na perseguição da reprimenda, com o intuito de garantir,
reflexamente, a reparação do dano ex delicto, já que a sentença penal
condenatória constitui título executivo judicial, nos termos do art. 515, VI, do
Código de Processo Civil. Nesse passo, a atuação do indigitado litisconsorte está
limitada pelas faculdades que lhes foram legalmente conferidas pelo art. 271 do
Código de Processo Penal, que assim dispõe:

  Art.  271.  Ao assistente será permitido propor meios de prova, requerer


perguntas às testemunhas, aditar o libelo e os articulados, participar do debate
oral e arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele
próprio, nos casos dos arts. 584, § 1º, e 598.

§  1º  O juiz, ouvido o Ministério Público, decidirá acerca da realização das


provas propostas pelo assistente.

§  2º  O processo prosseguirá independentemente de nova intimação do


assistente, quando este, intimado, deixar de comparecer a qualquer dos atos da
instrução ou do julgamento, sem motivo de força maior devidamente
comprovado.

Por seu turno, o parágrafo primeiro do artigo 584 do Código de


Processo Penal faz remissão (i) à sentença de impronúncia e (ii) à decisão  que
decreta a prescrição ou reconhece a existência de outra causa de extinção da
punibilidade. Nenhuma dessas hipóteses espelha o cenário processual dos
autos. Consoante relatei, o Juízo de primeira instância declarou-se incompetente
para o julgamento do feito, porquanto a instrução processual revelou o
alijamento dos elementos que levariam os acusados a julgamento pelo Tribunal
Popular.

Noutro quadrante, o artigo 598 do Código de Processo Penal 


estabelece que "Nos crimes de competência do Tribunal do Júri, ou do juiz
singular, se da sentença não for interposta apelação pelo Ministério Público no
prazo legal, o ofendido ou qualquer das pessoas enumeradas no art. 31, ainda
que não se tenha habilitado como assistente, poderá interpor apelação, que não
terá, porém, efeito suspensivo. Parágrafo único.  O prazo para interposição
desse recurso será de quinze dias e correrá do dia em que terminar o do
Ministério Público." (grifei). Ou seja, da exegese do dispositivo citado decorre
que o recurso do assistente da acusação, na hipótese em questão, depende da
inércia do órgão ministerial. 

No ponto, esclarecedora a lição de Antônio Pacceli de Oliveira e


Douglas Fischer, in Comentário ao Código de Processo Penal e sua
Jurisprudência, 6ª ed.rev.e atual.São Paulo: Atlas, 2014. p. 556,  da qual colho a
seguinte passagem (grifei):   

"271.2 Legitimidade recursal. Há claros condicionamentos acerca da


capacidade recursal do assistente.

Em primeiro lugar, ele somente poderá arrazoar os recursos do Ministério


Público nas hipóteses específicas das decisões de (a) absolvição definitiva
(art. 598, CPP); (b) absolvição sumária, por extinção de punibilidade (art.
397, IV, CPP), e, (c) decisão de impronúncia (art. 416, CPP).

Em todas essas hipóteses o recurso será o de apelação .

Observe-se, então, que houve modificação tácita da norma prevista no


dispositivo em comento: a antiga redação do CPP (art. 584, § 1º) se referia ao
recurso em sentido estrito contra a decisão extintiva da punibilidade e de
impronúncia. Agora, por força do disposto no art. 416, CPP, referidas decisões
são apeláveis, por cuidarem, ambas, de hipóteses de absolvição sumária, isto
é, de verdadeiras sentenças, e não mais de decisões interlocutórias.
Tecnicamente, a opção é bastante discutível: a sentença é ato judicial no qual
se julga o mérito da imputação penal (para absolver ou condenar, art. 593, I,
CPP) e o mérito de incidentes processuais (art. 593, II, CPP). Tanto a
impronúncia quanto a extinção da punibilidade não configuram decisões sobre
o mérito das imputações, limitando-se a admitir a competência do Tribunal do
Juri (impronúncia) ou a extinção da punibilidade, independentemente de existir
ou não responsabilidade penal imputável a alguém.

E, em segundo lugar, somente na hipótese de o órgão do Ministério Público


não oferecer recurso contra as citadas decisões (sentenças) é que poderá o
assistente interpor o recurso cabível , isto é, a apelação, seja com fundamento
mp art. 598, seja com base no art.416, ambos do CPP.

O que efetivamente importa, portanto, em tema de capacidade ou legitimidade


recursal do assistente, é o conteúdo das questões vertidas no processo. Por
isso, em relação a essas matérias (e decisões) pode o assistente opor embargos
declaratórios e até interpor recurso extraordinário ou especial, no caso de
permanecer inerte o Ministério Público. É nesse sentido a Súmula 210 do
Supremo Tribunal Federal."

Ocorre que, no caso concreto, além de o recurso cabível não ser o


de apelação, a inércia do Ministério Público Federal deu-se por um motivo
lógico: o desfecho processual acolheu o seu pleito. Não ocorreu absolvição,
tampouco a impronúncia do acusado, apenas a constatação de que outro era o
Juízo competente para o processo e julgamento do feito, em face da ausência de
indicativos mínimos da prática de crime doloso contra a vida.

Em suma, a situação que vislumbro nos autos é de que há um claro


impeditivo processual a que os argumentos da assistência da acusação sejam
conhecidos. A uma, porque os fundamentos vertidos em sede de contrarrazões
não refutam aqueles aventados pelos acusados em seus respectivos recursos,
mas sim, embasam legítima intenção de reforma da decisão atacada, pretensão,
por seu turno, vedada, por desbordar à legitimidade recursal do assistente.
Rememoro, no ponto, que o desfecho adotado pelo Juízo é confluente com
aquele almejado pelo titular da Ação Penal. A duas, porque ainda que se
considerasse a devolução in totum da decisão guerreada, ao segundo grau, não
está o recurso em sentido estrito albergado pelas hipóteses em que a lei garante
ao assistente capacidade recursal autônoma, notadamente pela questão de
fundo que é discutida, que condiz com a desclassificação da decisão e o
afastamento da competência do Tribunal do Juri. 

Não se pode conceder ao assistente da acusação faculdades


concebidas como prerrogativas exclusivas do titular da Ação Penal, como, a
meu ver, está a  ocorrer no caso concreto. Veja-se que o assistente está
pretendendo a alteração do desfecho, cuja correção foi apontada pelo próprio
dominus litis e em relação ao qual não possui autorização legal para litigar pela
reforma.

A respeito do tema, não dissente a jurisprudência do Superior


Tribunal de Justiça (grifei):
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE
RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO. LESÃO CORPORAL SEGUIDA
DE MORTE. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. RECURSO EM SENTIDO
ESTRITO INTERPOSTO PELO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO. AUSÊNCIA
DE LEGITIMIDADE. EXEGESE RESTITIVA. HIPÓTESE NÃO INCLUÍDA
NO ROL DO ART. 271 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
SUBSTITUIÇÃO DO TITULAR DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE.
HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONHECIDA DE OFÍCIO.

I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira


Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a
impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação
que implica o não-conhecimento da impetração, ressalvados casos
excepcionais em que configurada flagrante ilegalidade apta a gerar
constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício.

II - o assistente de acusação detém legitimidade restrita às hipóteses


taxativamente previstas no art. 271 do Código de Processo Penal (AgRg no
AG 1378822/ES, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe
22/09/2015);

III - Esta Corte Superior de Justiça adota exegese restritiva quanto à


intervenção de assistente de acusação, admitindo sua participação apenas
nos atos taxativamente previstos no rol do art. 271 do Código de Processo
Penal. Assim, a legitimidade recursal do assistente de acusação depende da
inércia do Ministério Público, bem como da natureza da decisão a ser
impugnada.

IV - In casu, a assistente de acusação interpôs recurso em sentido estrito


contra a decisão que rejeitou parcialmente a denúncia em relação aos
pacientes e outro réu, com fundamento na inépcia e ausência de justa causa
para a ação penal, mesmo não tendo havido recurso por parte do Ministério
Público.

V - Se o próprio dominis litis da ação penal deixou de recorrer, conformando-


se com a decisão que rejeitou a denúncia quanto aos pacientes, mostra-se
manifesta a ilegitimidade do assistente da acusação para interpor recurso em
sentido estrito, buscando o recebimento da denúncia, pois tal hipótese não está
prevista no rol do art. 271 do Código de Processo Penal. Habeas corpus não
conhecido. Ordem concedida, de ofício, para cassar o v. acórdão do eg.
Tribunal de Justiça do estado do Espírito Santo no recurso em sentido estrito n.
0004963-54.2016.8.08.0014, e, assim, restabelecr a decisão proferida pelo
Juízo da 3ª Vara Criminal de Colatina/ES, que rejeitou parcialmente a
denúncia em relação a ALEXANDRE MAGNO AMARAL FERREIRA e MÁRIO
GIURIZATTO. (STJ - HC: 430317 ES 2017/0331114-0, Relator: Ministro
FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 07/08/2018, T5 - QUINTA TURMA,
data de Publicação: DJE 14/08/2018)

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 886.752 - RJ (2016/0093688-7)


RELATOR: MINISTRO ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ. AGRAVANTE: LIGHT
SERVIÇOS DE ELETRICIDADE SA ADVOGADOS: ROGÉRIO MARCOLINI
E OUTRO (S) - RJ 076173 PATRÍCIA GAMARANO BARBOSA E OUTRO (S) -
RJ 181052 AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO AGRAVADO: LEONARDO BENTRO CINTRA DA SILVA CALDAS
ADVOGADO: PATRICK CHARLES WUILLAUME - RJ071763. DECISÃO.
LIGHT SERVIÇOS DE ELETRICIDADE.S.A agrava de decisão que inadmitiu
o recurso especial, fundado no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal,
contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na
Apelação n. 0226110.98.2010.8.19.0001. Depreende-se dos autos que o Juízo
de primeiro grau homologou a suspensão condicional do processo proposta
pelo Ministério Público relativa à acusação de haverem os agravados
praticado furto de energia elétrica, mais tarde desclassificada para estelionato.
O Tribunal de origem não conheceu da apelação da assistente da acusação.
Nas razões do recurso especial, alega a defesa que o acórdão recorrido violou
o art. 598 do CPP, ao argumento de que deixou de reconhecer  a legitimidade
da assistente da acusação para interpor apelação contra decisão
homologatória de suspensão condicional do processo. Requer "a essa colenda
Corte que reforme o acórdão da Quarta Câmara do Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro por negar vigência ao disposto no artigo 598 do
Código de Processo Penal (fl. 751). Não admitido o recurso especial na origem
e interposto o recurso de agravo, o Ministério Público Federal opinou pelo seu
não provimento. Decido. O agravo é tempestivo e infirmou os fundamentos da
decisão agravada. O acórdão recorrido asseriu o seguinte: Além de a
atividade do assistente da acusação ser supletiva, ela é restrita aos casos
previstos no artigo 271 do Código de Processo Penal, quais sejam a
impugnação de sentença absolutória e extintiva da punibilidade, bem como as
decisões de impronúncia. Feitas essas considerações, entendo que não há
como conhecer da insurgência. Inicialmente, saliento que, nos termos da
Súmula 210/STF, o assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive
extraordinariamente, na ação penal, nos casos dos arts. 584, parágrafo 1º e
598 do Código de Processo Penal. Contudo, é firme o entendimento da Corte
Superior no sentido de que o assistente de acusação detém legitimidade
restrita às hipóteses taxativamente previstas no art. 271 do Código de
Processo Penal (AgRg no Ag n. 1.156.187/RJ, Ministro Adilson Vieira Macabu
(Desembargador convocado do TJ/RS), Quinta Turma, DJE 16/12/2011).
Assim, a atuação recursal do assistente limita-se às seguintes hipóteses: a)
impronúncia; b) extinção da punibilidade; c) sentença absolutória; d) sentença
condenatória, para o fim de aumentar a pena (NUCCI, Guilherme de Souza.
Código de Processo Penal Comentado. 12 ed. rev. atual, e ampl. São Paulo:
Editora revista dos Tribunais, 2013, p. 610). No presente caso, porém, trata-se
de recurso interposto, como já dito anteriormente, contra a decisão que
desclassificou a conduta imputada ao réu no artigo 155, § § 3º e 4º, para a do
artigo 171 ambos do CP. Dessa forma, verifica-se facilmente que a presente
hipótese não se enquadra naquelas previstas no artigo 271 do CPP. (fls. 711-
712, destaquei) Quanto à legitimidade recursal, esta Corte Superior assentou
que "O assistente de acusação só está autorizado a recorrer em nome próprio
nas hipóteses descritas no rol taxativo do artigo 271 do Código de Processo
Penal (AgRg no Ag n. 1.279.447/RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, 5ª T. DJE
21/2/2011, destaquei). Com efeito, a jurisprudência do STJ considera taxativo
o rol do art. 271 do CPP,  de maneira que o assistente de acusação tem
legitimidade para impugnar apenas a absolvição, a impronúncia (art. 584, §
1º, do CPP) e a extinção da punibilidade (art. 581, VIII, do CP). Em linha
desse entendimento, ressalto que a Súmula n. 210 do STF assegura que "O
assistente do Ministério Público pode recorrer, inclusive extraordinariamente,
na ação penal, nos casos dos arts. 584, §1º, e 598 do Cod. de Proc. Penal". Na
espécie, a agravante insurge-se contra a decisão que não conheceu de sua
apelação, interposta contra a sentença que homologou a suspensão
condicional do processo proposta pela acusação, depois da desclassificação do
furto de energia elétrica para estelionato. O tribunal local, com razão, afastou
a legitimidade recursal da assistente da acusação, tendo em vista que a
homologação da suspensão condicional do processo não extingue, por si só, a
punibilidade. Para tanto, é necessário o esgotamento do período de prova, em
que se verifica o cumprimento das condições estabelecidas. E não há registro
de que esse lapso haja decorrido totalmente. Assim, sem o decurso total do
período de prova, não há falar em extinção da punibilidade, o que afasta a
legitimidade recursal do assistente de acusação, para cuja análise a
desclassificação da conduta é irrelevante....

(STJ. AREsp: 886752 RJ 2016/0093688-7, Relator: Ministro ROGÉRIO


SCHIETTI CRUZ. DATA DA PUBLICAÇÃO: 29/05/2018)

Então, com amparo nesses fundamentos, a conclusão é de que não


assiste razão à Procuradoria Regional da República, ao referir que o recurso em
sentido estrito interposto pela assistência da acusação dever ser conhecido e
apreciado com devolução in totum. De outro lado, considerando que as
contrarrazões apresentadas pela assistente da acusação não rechaçam os
argumentos da defesa, mas constituem verdadeiras razões de reforma do
julgado, em hipótese excepcionada daquelas em que está legalmente autorizado
a recorrer, é caso de também não considerá-las.

Sendo assim, não conheço do recurso em sentido estrito


interposto pela assistência da acusação.

3. Recursos das defesas. Alcance do efeito devolutivo.


Supressão de instância. Impossibilidade.

Desassistidos de melhor sorte os recursos em sentido estrito


interpostos pelas defesas,  cujos objetos não estão albergados pelo efeito
devolutivo. Explico.

Na primeira fase do Procedimento do Tribunal do Juri,


denominada Judicium Accusationis, após a regular instrução do feito, deve o
Juiz proceder ao exame das hipóteses previstas no art. 413 do Código de
Processo Penal, pronunciando ou impronunciando o réu, ou, ainda, absolvendo-
o sumariamente, acaso entender como provada (i) a inexistência do fato; (ii) não
ser o réu o autor ou o partícipe do fato; (iii) o fato não constituir infração penal;
(iv) demonstrada causa de isenção da pena ou exclusão do crime. 

Cogita-se, ainda, de um quarto possível desfecho, previsto no


artigo 419 do Código de Processo Penal, consistente na desclassificação do
delito, para outro que não aquele denunciado, o que poderá ocasionar a alteração
da competência, acaso a tipificação desborde às possibilidades não sumetidas a
julgamento pelo Tribunal Popular. Foi o que ocorreu no caso concreto.

Para efeito de bem elucidar o panorama do feito, rememoro a


decisão prolatada pelo magistrado singular, que, após a avaliação do conjunto
cognitivo do feito, convenceu-se da existência de crime diverso daquele
imputado pela acusação. E, em face da ausência de elementos mínimos de
indicação da conduta dolosa dos acusados, desclassificou o delito para aquele
previsto no art. 206, §1º, do Código Penal Militar (homicídio culposo) do que
restou defenestrada a competência do Tribunal do Juri para processo e
julgamento do feito. Confira-se o pertinente excerto da decisão (Autos
originários, evento 577):
"... O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, com base no Inquérito Policial nº
665/2012/150510/A e no Inquérito Policial Militar – IPM nº 0000056-
06.2012.7.03.0303, ofereceu denúncia contra ANDREAS TIMÓTEO LUTZ,
brasileiro, casado, médico, nascido em 9.4.1987, natural de Pelotas/RS, filho
de Erna Elisabete Lutz e Ronald Lutz, RG nº 5081763021, inscrito no CPF sob
o nº 017.220.540-93, residente na Rua Voluntários da Pátria, nº 1516/403,
Centro, Pelotas/RS; e LEANDRO LIMA SEERIG, brasileiro, solteiro, médico,
nascido em 22.9.1987, natural de Santa Maria/RS, filho de Paula Lima Seerig
e Mauro Seerig, RG nº 030115277-3-MF, inscrito no CPF sob o nº
012.666.640-76, residente na Avenida Ipiranga, nº 8400/601, bloco 5, Porto
Alegre/RS, imputando-lhes a responsabilidade penal pela prática do seguinte
fato delituoso (evento nº 57, anexo “DENUNCIA2”):

Entre os dias 11 e 16 de maio de 2012, no município de Santa Maria/RS,


ANDREAS TIMÓTEO LUTZ e LEANDRO LIMA SEERIG, violando o dever
específico de cuidado que lhes era legalmente exigível na condição de médicos
plantonistas do Pronto Atendimento Médico do Hospital de Guarnição de
Santa Maria (PAM/HGuSM), assumiram conscientemente o risco de matar o
infante JUAN GABRIEL VIEIRA CARDOSO COELHO, então com 2 (dois
anos) e 10 (dez) meses de idade, e anuíram com o resultado óbito, que acabou
ocorrendo na madrugada do dia 24 de maio de 2012, por “Insuficiência
órgãos, insuficiência respiratória, pneumotórax bilateral, derrame pleural,
pneumonia”.

Deveras, segundo desvelam as apurações havidas nos cadernos inquisitivos


suso epigrafados, na data de 11 de maio de 2012, por volta das 18h, JUAN
GABRIEL VIEIRA CARDOSO foi levado por seus genitores, JEAN
HENRIQUE CARDOSO COELHO e JOZEANE MARIA VIEIRA, ao
PAM/HGuSM, em busca de atendimento médico, devido a um quadro de tosse,
dor abdominal, vômito, diarreia e febre alta. Na oportunidade, restou
examinado pelo denunciado ANDREAS TIMÓTEO LUTZ, que lhe prescreveu o
uso de “Ibuprofeno 100mg/mL”, “Paracetamol 200mg/mL” e “Solução
fisiológica nasal” (EVENTO 51 – OUT2 – fls. 18 e 47).

Como os sintomas apresentados por JUAN não cederam à medicação


ministrada conforme a orientação médica, JEAN e JOZEANA procuraram
novamente o PAM/HGuSM em 13 de maio de 2012, aproximadamente às 16h,
para que a criança fosse submetida a uma reavalição. Desta vez, a anamnese e
o exame físico foram realizados pelo denunciado LEANDRO LIMA SEERIG,
que, mesmo ciente de que se tratava de uma consulta de retorno e de que JUAN
estava há 3 (três) dias com febre, diarreia e vômito e há 2 (dois) dias com
sinais catarrais, negou-se a atender os pedidos da mãe do paciente no sentido
de que houvesse um encaminhamento ao pediatra de sobreaviso na Unidade ou
de que fossem realizados exames clínicos adicionais, todos disponíveis e em
pleno funcionamento no nosocômio (EVENTO 51 – OUT8 – fls. 21/26), e
cingiu-se a alterar parcialmente a prescrição médica anterior, com a indicação
de “Paracetamol”, “Dipirona gotas”, “Loratadina 1mg/mL” e “SRO”
(EVENTO 51 – OUT2 – fls. 19 e 48). Assumiu, com essa postura, o risco de
matar o menor e aquiesceu com o possível resultado.

Erige-se nessa senda a narrativa feita por JEAN à Polícia Civil: “[...] No dia
13 por volta das cinco horas da tarde como Ruan [sic] continuava com todos
os sintomas e cada vez mais prostrado o depoente e sua esposa foram
novamente ao HGU e lá Ruan [sic] foi atendido por Leandro Lima Seerig que
manteve o mesmo diagnóstico do médico que atendeu no dia 11 e receitou
ainda um antialérgico e determinou que a Dipirona não fosse mais utilizada de
oito em oito mas sim de seis em seis horas. A esposa do depoente então
solicitou ao médico a presença do pediatra Dr. Otávio ao que o médico
respondeu que não havia necessidade pois o caso era comum. Então a esposa
também solicitou o exame de sangue ao que o médico Dr. Leandro lhe
respondeu que não convinha fazer exame de sangue. […]” [g.n.] (EVENTO 51
– OUT2 – fls. 11/12).

E, igualmente, o relato de JOZEANE: “[...] Comenta que perguntou ao Dr.


Leandro se o Dr. Otávio, pediatra estava de sobreaviso, 'ou qualquer outro' e
se poderia chamá-lo para examinar Ruan [sic], ao que o Dr. Leandro
respondeu que era ele quem avaliava a necessidade de chamar o pediatra e
que no caso de Ruan [sic] isso não era necessário. […]” (EVENTO 51 – OUT2
– fls. 13/15).

Depois de 3 (três) dias sem qualquer melhora no quadro de JUAN, que seguia
sem comer, queixando-se de dor e cada vez mais prostrado, seus pais o
levaram pela terceira vez ao PAM/HGuSM, em 16 de maio de 2012, por volta
das 7h30min, ocasião em que voltou a ser atendido pelo denunciado
ANDREAS TIMÓTEO LUTZ. Na consulta, JOZEANE solicitou novamente que
o infante fosse encaminhado com urgência ao médico pediatra ou submetido a
exames radiológicos ou laboratoriais, em busca de um diagnóstico mais
preciso da enfermidade que o acometida. O indigitado médico, contudo,
mesmo dispondo de todos os instrumentos para realizar uma investigação mais
profunda do agravo e/ou acionar o especialista com a premência que o caso
requeria (EVENTO 51 – OUT8 – fls. 21/26), optou não apenas por deixar de
atender ao clamor da genitora que lhe suplicava pela adoção de condutas
médicas básicas, como também por limitar-se a prescrever a administração de
“Paracetamol” e “Amoxicilina” ao menor, expedindo um pedido de consulta
ambulatorial eletiva para pediatria, sem data para ser atendido antes do dia
23 daquele mês (EVENTO 51 – OUT2 – fls. 20/22 e 49). Fê-lo, cônscio do
risco de, com o seu comportamento, vir a ocasionar o óbito do paciente e
anuindo com esse possível resultado.

Precisamente acerca desse atendimento, JOZIANE reportou à Autoridade


Policial Civil: “[…] Diz que então falou ao Dr. Lutz que gostaria que Ruan
[sic] fosse examinado por um pediatra ao que ele respondeu que ele que
avaliava o quadro e que não havia a necessidade de chamar o pediatra. Diz
que então insistiu dizendo que queria que Ruan [sic] fizesse algum exame
dizendo que não era possível ele estar desde a sexta-feira com febre e apático,
estar sendo medicado e não haver nenhuma melhora, que comentou com o
médico que não sabia do que Ruan [sic] estava sendo tratado. Que Dr. Lutz
perguntou que tipo de exame a depoente queria ao que respondeu exame de
sangue ou RX ou qualquer outro 'que a gente pudesse ver alguma coisa porque
ele estava com febre, se tinha febre algum problema tinha que ter' ao que o Dr.
Lutz respondeu que não, que não era necessário, que ele encaminharia Ruan
[sic] para um pediatra e que se o pediatra achasse necessário, pediria o
exame. Informa que o Dr. Lutz lhe deu o encaminhamento não observando
nada a respeito da urgência no atendimento, que foi no agendamento e
somente conseguiu consulta para o dia 23 de maio, que não lembra o nome da
médica e que com Dr. Otávio só havia consulta disponível para o mês de julho
[...]” [g.n.] (EVENTO 51 – OUT2 – fls. 13/15).

O pediatra referenciado, OTÁVIO BUBOLZ BRAGA, também oitivado em sede


policial, esclareceu: “[...] Refere que no pronto atendimento durante o período
diurno, que vai das sete da manhã até uma da tarde com um pediatra e da uma
da tarde até as sete horas da noite com outro pediatra. […] Refere que via de
regra chega a criança no pronto atendimento é atendida pelo pediatra que está
lá naquele momento, porém nos horários de sobreaviso a criança é atendida
primeiramente pelo clínico que após a avaliação verifica a necessidade de
acionar o pediatra que está de sobreaviso. Refere que o clínico geral tem
autoridade para a requisição de exames tais como RX, exames de sangue e de
urina, etc... até mesmo uma tomografia. […] Enfatiza o depoente que mesmo o
pediatra estando na sala de parto, dependendo da gravidade do quadro da
criança que chega ao pronto atendimento, o clínico geral aciona a pediatra e
poderia também acionar o depoente ainda que o depoente não estivesse de
sobreaviso. Mas não houve comunicação no caso em tela, nem para o depoente
nem para a médica Marcele. Refere que, em termos de conduta pediátrica, se a
criança apresenta febre alta intermitente por alguns dias, tosse, apatia,
realiza-se no mínimo um exame de RX ainda que a ausculta seja satisfatória,
também se requisita um exame de sangue pois através do mesmo verifica-se se
a criança apresenta algum tipo de infecção. Refere que via de regra quando a
criança chega com uma febre de um ou dois sias sem outra intercorrência, se
examina e pede para voltar no outro dia para uma reavaliação se não
confirmar o diagnóstico. Esta é a conduta dos pediatras e dos clínicos gerais.”
[g.n.] (EVENTO 51 – OUT2 – fls. 35/36).

Em suma, ambos os imputados, podendo e devendo agirem para evitar o


fatídico resultado morte do pequeno JUAN, simplesmente assumiram o risco de
produzi-lo e com ele aquiesceram, quando deixaram de adotar condutas
médicas básicas para salvaguardar a saúde e higidez física da criança,
omitindo-se em requisitar exames laboratoriais e radiológicos triviais para o
possível diagnóstico da moléstia que a debilitava e, igualmente, em
providenciar o encaminhamento urgente da vítima a um especialista na área de
pediatria, com condições de prescrever o melhor tratamento.

Isso só foi ocorrer por iniciativa da mãe de JUAN, que, no mesmo dia 16 de
maio, em torno das 10h da manhã, convicta da gravidade da situação e diante
das sucessivas omissões dos denunciados ANDREAS e LEANDRO, conduziu a
criança ao Pronto Atendimento – PA Municipal do Patronato, onde recebeu
atendimento de urgência pela médica pediatra ALCIMARA OLIVA MIOLO.
Dita profissional, observando estar ele “bem prostrado e desidratado” e sem
responder à medicação, com sugestão de “uma infecção importante”
(EVENTO 51 – OUT2 – fl. 37), providenciou, de imediato, a realização de
exames laboratoriais e de Raio-X, cujos resultados iniciais desvelaram uma
opacificação importante na base pulmonar esquerda, compatível com uma
pneumonia, acompanhada de possível derrame pleural (EVENTO 51 – OUT2 –
fls. 23/27 e EVENTO 51 – OUT8 – fls. 9/12).

O menino JUAN, então, foi transferido ao Setor de Internação do PA e


submetido a um novo hemograma e a uma radiografia em decúbito dorsal, que,
examinados pelo também pediatra VINÍCIUS BEZZI RODRIGUES, trouxeram
achados compatíveis com pneumonia e quadro infeccioso agudo (leucocitose
dom desvio à esquerda), motivando a remoção emergencial do paciente ainda
em 16 de maio, em torno das 22h30min, à Unidade de Terapia Intensiva – UTI
Pediátrica do Hospital de Caridade Astrogildo de Azevedo – HCAA, onde,
mesmo submetido aos cuidados intensivos de especialistas como as médicas
LETÍCIA HADLICH CORREA DE BARROS e MARIA CLARA DA SILVA
VALADÃO (EVENTO 51 – OUT2 – fls. 50/72, EVENTO 51 – OUT5 – fls. 4/46,
EVENTO 51 – OUT6 – fls. 1/89, EVENTO 51 – OUT7 – fls. 1/4 e EVENTO 51
– OUT12 – fls. 1/66), veio a falecer em 24 de maio de 2012, tendo por causa
mortis: “insuficiência de órgão, insuficiência respiratória, pneumotórax
bilateral, derrame pleural e pneumonia” (EVENTO 51 – OUT2 – fl. 17).

Nota-se, pois, que a conduta omissiva imprópria dos implicados foi o elemento
fulcral desencadeante da morte da vítima menor de 14 (quatorze) anos, JUAN
GABRIEL VIEIRA CARDOSO COELHO, na medida em que, ao
deliberadamente omitiremse de adotar condutas médicas essenciais durante o
atendimento prestado, assumiram o risco de matar a criança e assentiram com
o resultado, restando, afinal, ceifado o supremo bem jurídico penal da vida.
E dita omissão foi penalmente relevante, na forma do art. 13, § 2º, do Diploma
Repressor1, uma vez que ostentavam por lei2 o dever cuidado, na condição de
garantes, incumbindo-se-lhes adotar as medidas necessárias para evitar o
resultado morte, ou, ao menos, reduzir as chances do desfecho fatal.

Pediu, assim, a condenação dos Réus pela prática dos delitos capitulados no
artigo 121, caput, e § 4º, parte final, do Código Penal.

O feito em tela foi instaurado em face do recebimento da Ação Penal nº


0000056-06.2012.703.0303, proposta pelo Ministério Público Militar (MPM) e
encaminhada a este Juízo pela 3ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária
Militar de Santa Maria/RS e da Ação Penal nº 027/2.12.0010004-0, proposta
pelo Ministério Público Estadual (MPE) e encaminhada pela 1ª Vara Criminal
da Comarca de Santa Maria, em decorrência da decisão proferida pelo
Superior Tribunal de Justiça no Conflito de Competência nº 130.779-RS, a
qual reconheceu a existência de indícios de homicídio doloso, razão pela qual
declarou competente o Juízo Federal de Santa Maria - RS.

Recebidos os autos neste Juízo, o Ministério Público Federal manifestou-se


pela declinação de competência ao Juízo da 3ª Auditoria da 3ª Circunscrição
Judiciária Militar de Santa Maria (evento nº 08).

Tendo em vista o decidido no CC nº 130.779-RS, foi determinada a remessa de


cópias dos autos à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público
Federal, em Brasília/DF, em analogia ao disposto no art. 28 do CPP (evento nº
11).

A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal votou


pela designação de outro membro do MPF para prosseguir com a persecução
penal (evento nº 28, anexo “OFIC1”).

No evento nº 57 o MPF ofereceu denúncia.

A denúncia foi recebida em 08.07.2016 (evento nº 60).

O Réu Andreas apresentou resposta à acusação no evento nº 80, resguardando-


se o direito de provar o alegado em momento oportuno. Arrolou testemunhas.

O Réu Leandro apresentou resposta à acusação no evento nº 82, requerendo a


realização de prova pericial e testemunhal.

Foram certificados os antecedentes criminais dos Réus no evento nº 83.

O MPF apresentou parecer no evento nº 87.

Foi indeferida a realização de nova perícia e deferida a produção de prova


testemunhal (evento nº 89).

Joseane Maria Vieira, genitora da vítima, requereu sua habilitação no feito na


qualidade de assistente de acusação, bem como a produção de prova
testemunhal (evento nº 156).

Intimado, o MPF não se opôs à habilitação (evento nº 170).

Restou admitida a intervenção de Joseane para atuar como assistente de


acusação, oportunidade em que foi indeferida a apresentação de rol de
testemunhas (evento nº 177).
Foram inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, assim
como interrogados os Réus, constando os termos de audiência nos eventos nº
189, 190, 333, 340, 381, 385, 461 e 501 e as transcrições dos depoimentos nos
eventos nº 243, 358, 386, 401, 477, 535, 546 e 558 dos autos eletrônicos.

Em memoriais (evento nº 563), o Ministério Público Federal requereu a


desclassificação para outro delito diverso dos dolosos contra a vida. Postulou
pela declinação de competência.

Joseane Maria Vieira, assistente de acusação, apresentou memoriais no evento


nº 564. Sustentou que o fato dos Réus estarem em início de carreira não os
exime de tomarem as mínimas cautelas no cuidado ao paciente. Sustentou que
os Acusados, tendo todos os recursos à disposição, deliberadamente deixaram
de usá-los. Alegou que os Denunciados negaram os pedidos da mãe da vítima
de tomada de providências, ainda que esta tenha relatado a piora no quadro de
saúde da criança. Requereu o julgamento de procedência da denúncia.

O Réu Andreas apresentou memoriais no evento nº 569. Requereu a sua


absolvição sumária ou a desclassificação da imputação para outra que não de
competência do Tribunal do Júri.

O Réu Leandro apresentou memoriais no evento nº 575. Alegou que a sua


conduta deu-se dentro daquilo que a doutrina médica recomenda frente ao
caso concreto. Requereu a impronúncia.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Decido.

Inicialmente, cumpre salientar que a apreciação das provas, neste estágio do


processo, destina-se exclusivamente a um juízo de admissibilidade da
pretensão acusatória perante o Tribunal do Júri.

Assim, encerrando esta primeira fase do procedimento, chamada judicium


accusationis, caberá ao juiz: (a) pronunciar o Réu ao verificar a presença de
provas da existência do crime e de indícios suficientes de autoria ou de
participação (art. 413 do CPP); (b) impronunciar, acaso não se convença da
materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria (art.
414 do CPP); (c) absolver sumariamente quando (c.1) provada a inexistência
do fato, (c.2) provado não ser ele o autor ou partícipe do fato, (c.3) o fato não
constituir infração penal ou (c.4) demonstrada causa de isenção de pena ou de
exclusão do crime (art. 415); (d) desclassificar o delito, acaso se convença da
existência de crime diverso daqueles arrolados no art. 74, §1º, do CPP,
remetendo, então, os autos para o Juízo competente (art. 419).

Com estas considerações iniciais, passo à análise os requisitos versados no


art. 413, CPP.

No que tange à materialidade delitiva tenho como evidenciada pelos seguintes


elementos:

a) Certidão de óbito de Juan Gabriel Cardoso Coelho, a qual atesta o seu


falecimento, em 24.05.2012, acarretado por “insuficiência de órgão,
insuficiência respiratória, pneumotórax bilateral, derrame pleural e
pneumonia” (evento nº 51, anexo "OUT2", página 17);
b) Boletins de atendimento de Juan Gabriel Vieria Cardoso Coelho pelos Réus
Andréas e Leandro, no Hospital de Guarnição de Santa Maria – HGuSM, nos
dias 11, 13 e 16 de maio de 2012 (evento nº 51, anexo "OUT2", páginas 47 a
49) e as respectivas prescrições e receitas médicas (evento nº 51, anexo
"OUT2", páginas 18 a 22);

c) Fichas de atendimento do Pronto Atendimento – PA Municipal do Patronato


(evento nº 51, anexo "OUT2", páginas 23 a 27) e os resultados dos exames a
que submetido o menor Juan Gabriel naquela Unidade de Saúde (evento nº 51,
anexo “OUT8”, páginas 9 a 12);

d) Prontuário médico de Juan Gabriel no Hospital de Caridade Dr. Astrogildo


de Azevedo – HCAA e exames realizados (evento nº 51, anexo “OUT2”,
páginas 50 a 72), fichas de evolução (evento nº 51, anexo “OUT5”, páginas. 4
a 40), nota de internação no HCAA e prescrição médica do paciente (evento nº
51, anexo “OUT12”, páginas 1 a 66);

e) Boletim de Ocorrência nº 15073/2012 (evento nº 51, anexo “OUT2”,


páginas 9 e 10);

f) Parecer médico da Promotoria de Justiça Criminal de Defesa dos Usuários


dos Serviços de Saúde do Distrito Federal – PRÓ-VIDA (evento nº 51, anexo
“OUT4”, páginas 17 a 26 e páginas 32 a 34);

g) Parecer da Comissão de Ética Médica do HGuSM (evento nº 51, anexo


“OUT7”, páginas 29 a 30);

h) Perícia indireta realizada pelo Departamento Médico Legal do Instituto


Geral de Perícias do Estado do Rio Grande do Sul – DML/IGP/RS (evento nº
51, anexo “OUT7”, páginas 36 a 40);

i) Ofício nº 089 – Div. Med. HGuSM (evento nº 51, anexo “OUT8”, páginas 21
a 26).

Embora revelada a materialidade delitiva, no tocante ao imputado delito de


homicídio, concluo, todavia, que falece competência ao Tribunal do Júri para
o julgamento da presente demanda, pois a prova produzida nos autos não
revelou o comportamento doloso dos Réus na prática do crime de homicício.

No ponto, aliás, em decisão proferida pela Terceira Seção do Superior


Tribunal de Justiça no Conflito de Competência nº 130.779-RS, foi reconhecida
a existência de fundada dúvida quanto à existência de dolo no delito de
homicídio imputado aos Réus, o que justificou a tramitação do processo
perante a Justiça Federal exatamente  para a aferição do tipo subjetivo,
mediante a análise do conjunto probatório (evento nº 51, anexos “OUT16”,
páginas 64 a 78 e “OUT17”, páginas 1 a 14 e 19 e 20); o que foi realizado.

Ocorre que, instruído o feito e encerrando-se a fase do judicium accusationes,


não restou caracterizado o elemento subjetivo da conduta necessário à
caracterização do crime de homicídio doloso.

Com efeito, em que pese os Acusados tenham sido denunciados pela prática do
delito descrito no artigo 121, caput, e § 4º, parte final, do Código Penal, o
próprio Parquet Federal, em seus memoriais, afirma que “a análise do caso
concreto não permite concluir que os réus tenham anuído, arriscando-se
conscientemente a produzir o resultado morte, renunciando – também de forma
consciente – a ministrar o tratamento adequado à vítima, violando o dever
específico de cuidado que lhes era legalmente exigível”.
Segundo a prova constante dos autos, o menino Juan Gabriel, com dois anos e
dez meses, foi primeiramente atendido pelo Acusado Andreas, no Pronto
Atendimento Médico (PAM) do HGuSM, no dia 11.05.2012, com história de
febre há um dia e hiperemia no ouvido esquerdo, conforme consta no boletim
de atendimento médico (evento nº 51, anexo “OUT2”, página 47), tendo o ora
Réu prescrito ibuprofeno, paracetamol e solução fisiológica nasal (evento nº
51, anexo “OUT2”, página 18).

Como a febre persistia, mesmo com o uso da medicação prescrita, os genitores


de Juan Gabriel o conduziram novamente, no dia 13.05.2012, ao PAM do
HGuSM, sendo atendidos, então, pelo Acusado Leandro, o qual registrou no
boletim de atendimento que o paciente apresentava febre, diarréia e vômito há
três dias. Apontou, ainda, que o menino tinha bom estado geral, hidratado,
ativo/reativo, tendo diagnosticado infecção de etiologia viral sem foco definido
(evento nº 51, anexo “OUT2”, página 47) e prescrito paracetamol, dipirona,
SRO e loratadina (evento nº 51, anexo “OUT2”, página 19).

Na sequência, no dia 16.05.2012, os pais da criança retornaram ao mesmo


hospital militar sendo atendidos novamente pelo primeiro médico citado e ora
Réu Andreas, queixando-se também de diarréia (evento nº 51, anexo “OUT2”,
página 49), ocasião em que o Acusado receitou paracetamol e amoxicilina
(evento nº 51, anexo “OUT2”, páginas 20 e 21).

Ainda neste mesmo dia, inconformados com o tratamento prescrito, os pais


levaram seu filho ao Pronto Atendimento – PA Municipal do Patronato, onde
Juan recebeu atendimento pela médica pediatra Alcimara Oliva Miolo,
profissional que (destaco), mesmo com mais experiência e especialista na área
pediátrica, enfrentou dificuldades para diagnosticar o quadro clínico do
menino, conforme expressou diante deste Juízo (evento nº 358, anexo
“TERMOTRANSCDEP1”):

(...)

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: A senhora é médica desde quando?

TESTEMUNHA: Que eu me formei?

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Isso.

TESTEMUNHA: Noventa e quatro.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: A senhora trabalha no pronto


atendimento do município?

TESTEMUNHA: Sim.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Desde quando a senhora trabalha ali?

TESTEMUNHA: Noventa e sete.

(...)

TESTEMUNHA: Ele chegou às 9h:30min que ele passou pela triagem, a gente
tem um esquema de triagem, todas as crianças que chegam no PA são triadas
pela enfermagem, pesadas, medidas, verificado o que é o atendimento e aí
depois passa para a consulta médica, ele no caso como chegou sem febre não
foi passado na frente, na verdade quando ele chegou eu lembro, era de manhã,
não tinha muito atendimento e eu fui atendê-lo às 10h, deve ter tido mais
crianças, eu deveria estar atendendo alguém no meio do horário, então ele
chegou às 9h:30min eu o atendi as
10 horas.

(...)

TESTEMUNHA: Está. Quando ele chegou ela veio com a história de um dia
estar com o quadro mais de gastroenterite, episódio de gastroenterite normal
sem sangue, porque a gente sempre pergunta para ver se é uma
gastroenterite viral ou não a gente vai destacando, estava urinando, não
tinha febre, não tinha relato de febre e tinha uma história de tosse (IVAS),
mas assim ela não deu muita ênfase a isso, eu examinei, achei assim
prostrado, meio desidratado...

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: O que seria prostrado, a senhora poderia


destacar?

TESTEMUNHA: Uma criança prostrada é uma criança assim, que não está
totalmente ativa, ela estava deitada no colo da mãe, eu coloquei na maca,
examinei, eu achei que a criança não estava bem, o estado geral dela era
regular, só não estava bem, estava um pouco desidratada, a minha hipótese
inicial era que ele estava com um quadro viral, está, o que eu fiz? Coloquei no
soro para hidratar, fiz medicação para vômito que tinha essa história de
vômito e deixei reavaliando para ver se ele ia responder ou não, se ia ter
diurese como é que ele ia responder, eu fiquei atendendo outras crianças
porque na verdade quando eu o prescrevi eu passo ele para a sala da
enfermagem, a enfermagem fica observando, fazendo a medicação. Mais tarde
foi feito os medicamentos, em torno de meio dia e 25 mais ou menos, depois
que foi feita a medicação durante esse período ele ficou no soro, ele teve
diurese, então, quer dizer que estava um pouco desidratado, mas nem tanto
porque na verdade ele respondeu ao soro e referia dor abdominal e tinha feito
uma dipirona, está, eu fui reavaliá-lo, achei ainda que ele não estava muito
bem, repeti o soro e pedi um exame de urina porque na verdade como ele
respondeu, eu pensei assim “não é uma gastroenterite só, essa criança deve
ter alguma outra coisa”, quando eu vi que estava normal eu fui reconversar
com a mãe, até o momento ele não tinha feito temperatura, estava com 37 no
máximo, eu comecei a reconversar com a mãe porque eu pensei assim, “não
deve ser uma coisa tão fácil porque ele está hidratando e não está
respondendo, essa criança está infectada de alguma outra maneira”, aí
conversando com ela, ela me falou que ele já tinha esse quadro de tosse, estava
respiratório já há alguns dias, eu pensei é uma pneumonia de base para ter dor
abdominal...

JUIZ: Que horas isso mais ou menos, que horas isso que a senhora está
relatando?

TESTEMUNHA: Isso mais ou menos foi assim, 12h:25min eu repeti o soro,


nesse intervalo aqui, quatro horas mais ou menos eu pedi o exame, é que na
verdade a coisa é muito dinâmica...

JUIZ: Sim, claro.

TESTEMUNHA: Ao mesmo tempo que eu estou atendendo ele, eu estou


atendendo outras crianças, eu pedi o raio-X do tórax e abdômen e pedi LAC
para ele, isso foi em torno de 4h:15min mais ou menos...

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: O que é esse último...


JUIZ: LAC?

TESTEMUNHA: LAC é um exame laboratorial, é hemograma.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: É um exame simples de ser solicitado?

TESTEMUNHA: Na verdade o exame, o eu coloquei só LAC porque abreviei,


mas eu devo ter pedido hemograma, PCR e ONO eu não lembro porque o que
aconteceu? Depois que eu pedi o exame que conversei com a mãe, as 17 horas
que foi mais ou menos o horário que eu estava saindo do plantão eu vi o raio-
X, aí eu vi aquela opacificação do lobo superior...

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Como é?

TESTEMUNHA: Quando eu vi o raio-X vi aquela opacificação da base, que é


uma pneumonia, só que como estava todo opacificado eu fiquei em dúvida se
tinha derrame ou não, aí eu pedi uma decúbito lateral.

(...)

DEFESA: No hemograma dele os leucócitos estão em 4500 e os bastões em 3


por cento, esses números são compatíveis com uma infecção?

TESTEMUNHA: Quanto está de linfócito?

DEFESA: linfócitos estão em 26 por cento.

TESTEMUNHA: E a Plaqueta?

DEFESA: Plaquetas 220 mil.

TESTEMUNHA: Hemoglobina?

DEFESA: Hemoglobina 8.7.

TESTEMUNHA: Na verdade... Para ti ver, o hemograma dele não ia me


ajudar em nada.

(...)

DEFESA: Pelas queixas que foram apresentadas, a senhora em um primeiro


momento pensou se tratar de uma virose, é isso?

TESTEMUNHA: Sim.

(...)

Denota-se, portanto, que a médica especialista - mesmo em momento posterior


ao exame dos ora Acusados - também não verificou, de início, tratar-se de
pneumonia, diagnóstico só concretizado e confirmado posteriormente, sendo o
caso tratado inicialmente como de gastroenterite viral e desidratação.

Somente após a realização de novos exames, os quais foram também


analisados pelo pediatra especialista Vinícius Bezzi Rodrigues, a criança foi
transferida Unidade de Terapia Intensiva – UTI Pediátrica do Hospital de
Caridade Astrogildo de Azevedo – HCAA.
Importante ressaltar, no ponto, o que mencionou a testemunha Letícia Hadlich
Correa de Barros, que atendeu o menino no HCAA e, por sua vez, informou
que o caso em tela destoou do "corriqueiro" (evento nº 242, anexo
"TERMOTRANSCDEP4"):

(...)

TESTEMUNHA: Sim, a criança internou no meu plantão no turno e sim, eu


atendi à criança, examinei...

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Em que condições essa criança chegou


ao Hospital assim, nessa primeira análise, nesse primeiro exame que a senhora
fez, quais eram os sintomas, o que a criança apresentava e se já tinha um
diagnóstico formado ou alguma suspeita, uma hipótese diagnóstica, o que a
senhora recorda?

(...)

TESTEMUNHA: Está, ela chegou, veio encaminhada a pedido do médico


plantonista do PA do Patronato que me ligou solicitando leito e o leito foi
cedido; a criança chegou por volta das 21h:40min pelo que está no
prontuário com... Em regular estado geral, necessitando de oxigênio, e o que
foi me passado pelo médico é que era uma suspeita de pneumonia.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Esse médico, a senhora recorda o nome


dele?

TESTEMUNHA: Vinícius.

(...)

DEFESA: Então vou lhe perguntar outra coisa: a sua avaliação do caso desse
menino era um caso grave, ou era um caso normal, corriqueiro?

TESTEMUNHA: Não, não era um caso normal corriqueiro...

(...)

A testemunha e médica pediatra Maria Clara da Silva Valadão, que também


atendeu a criança na UTI do HCAA, relatou que (evento nº 243, anexo
“TERMOTRANSCDEP7”):

(...)

TESTEMUNHA: Eu era nessa época credenciada pelo convênio, pelo FUSEX


e eu tomei conhecimento deste caso através de um telefonema de um colega
que estava atendendo no Patronato.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: O nome dele, por gentileza?

TESTEMUNHA: Vinícius.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Vinícius.

TESTEMUNHA: Vinícius... Esqueci o sobrenome... Berdinazzi... É... O


Vinícius. Vinícius era meu aluno de... Porque eu ainda coordeno o Programa
de Residência Médica em Infectologia Pediátrica do Hospital Universitário, e
ele era meu residente na época, e trabalhava... Já era pediatra, fazia esses
plantões no Patronato e ele me telefonou que tinha atendido um paciente que
precisava ser internado. Então eu disse para ele que atenderia, mas como já
era avançado da tarde, eu não me lembro bem, que eu iria então... Que fosse
encaminhado para a UTI porque parecia que era um caso não tão simples e
que fosse internado diretamente na UTI e isso ele fez, então ligou e o
paciente foi internado na UTI, eu fui visitá-lo no outro dia.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Então o primeiro atendimento no caso,


na chegada da criança ao Hospital de Caridade a senhora não fez, foi uma
colega ou um colega?

TESTEMUNHA: Não, um colega, colega plantonista do dia.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: O nome dela, a senhora lembra?

TESTEMUNHA: Não lembro, faz muito tempo, eu não lembro mesmo.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Poderia ser a senhora Letícia Hadlich


Correa de Barros?

TESTEMUNHA: Ah sim, foi exato, foi a Letícia.

(...)

TESTEMUNHA: E de olhar o paciente assim a gente adquire no decorrer dos


anos, eu hoje em dia consigo... Sempre digo para os meus alunos assim, a
primeira coisa que a gente tem que aprender é se esse é grave ou se esse não é
grave, tu não sabes o que tem, mas tu precisas aprender a fazer isso e isso leva
anos, isso leva anos, hoje em dia eu consigo, mais ou menos sei e muitas vezes
a gente se engana, também.

(...)

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Mas assim, em uma situação em que... O


dado objetivo que estou lhe dando e não sei se a senhora pode afirmar ou não,
mas eu faço esse questionamento assim, uma criança teve um primeiro
atendimento, retornou dois dias depois para um segundo atendimento com
queixas, novas queixas e depois para um terceiro atendimento com novas
queixas... Também em algum momento seria recomendável, seria esperado
que se realizasse um exame ou um exame de urina ou um exame
laboratorial, alguma coisa assim, ou um exame clínico poderia
eventualmente...

TESTEMUNHA: Não, fica muito difícil de responder isso.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Difícil de responder...

TESTEMUNHA: Muito difícil, mas como falei isso vai muito do... O médico é
o profissional que tem que ter essa...

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Feeling?

TESTEMUNHA: Esse feeling, sabe, para ele entender quando isso vai mudar
assim, normalmente hoje em dia a gente está ensinando para os nossos
alunos a ter menos... Pensar antes de fazer sempre exames de imagem que
tenham muita radiação, não é, porque a médio e longo prazo isso está
causando, sabe-se que isso vai causar muitos problemas de saúde nas
pessoas, quanto mais raio-X fizer pior, pior... Se não precisa não vai fazer...
Se tenha uma necessidade talvez nesse caso apreçasse um pouco, mas eu não
sei te dizer, porque na verdade febre, tosse, taquipneia são sintomas de várias
doenças, e se for uma asma, por exemplo, tu não deves radiografar um
paciente com asma. Então tem toda essa nuance assim, que é muito difícil a
gente quando não avalia... Quando... Se tu me perguntares, “tu atendeste e
pediu raio-X, por que tu pediste”? Eu vou dizer: pedi porque vi isso... Mas é
difícil para o médico na hora porque não é uma receita assim, sabe.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Sim, claro.

TESTEMUNHA: Quem tem tosse, febre e taquipneia tem que fazer raio-X, não
sei.

(...)

ASSISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO: Nos casos em que tu tratas pneumonias em


crianças, como tu a identificas?

TESTEMUNHA: Grave.

ASSISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO: É?

TESTEMUNHA: Gravíssima, acho que foi a mais grave que já vi, porque ela
evoluiu com necrose do pulmão, então destruía...

ASSISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO: Mas para chegar a esse momento, para


chegar a esse ponto ela já estava bem desenvolvida, então?

TESTEMUNHA: Nos primeiros exames não se demonstrou isso.

ASSISTÊNCIA DE ACUSAÇÃO: É?

TESTEMUNHA: No raio-X que foi feito não tinha essas áreas de destruição
do pulmão, que foi evoluindo apesar do tratamento.

(...)

Diante desses importantes relatos de outros médicos- especialistas - que


atenderam o menino Juan na sequência dos primeiros três atendimentos
descritos na peça acusatória como integrantes do nexo de causalidade e
imputados ao ora Acusados, concluo que não restou demonstrado que os
mesmos tenham assumido como possível o resultado da morte da criança e
principalmente aceitado conscientemente tal resultado. O que se denota é que
os Réus podem não ter percebido a gravidade do caso (devido às suas
peculiaridades e aliada à pouca experiência dos profissionais) e por isso não
tomaram atitudes imediatas ao tratamento da pneumonia - circunstância, aliás,
que também não foi prontamente diagnosticada pela experiente médica
Alcimara Miolo, que avaliou o menino Juan, ainda no mesmo dia 16, no
Pronto Atendimento Municipal Patronato nesta cidade de Santa Maria,
conforme antes transcrito.

Logo, os elementos dos autos estão a apontar para eventual comportamento


culposo dos Acusados, conforme, inclusive, pontuou o MPF em seus
memoriais:

A peculiaridade e a dificuldade que o caso apresentava, associada à parca


experiência profissional dos réus, médicos recém-formados prestadores de
serviço militar obrigatório, torna possível inferir que – por meio do tratamento
ministrado por ambos – não houve anuência com o resultado morte e com o
risco conscientemente de produzi-lo, inexistindo mais dúvidas sobre a ausência
do dolo eventual de matar, melhor situando-se a conduta no âmbito da
imperícia e da negligência, estando evidenciado também o nexo causal em
razão da insuficiência da medicação ministrada para o tratamento da doença
que afligia a criança.

Nesse contexto, inexistindo suporte probatório mínimo da existência de crime


doloso contra a vida, como aliás conclui o próprio titular  da ação penal, a
providência adequada ao caso concreto é a desclassificação.

Em se tratando de hipótese de homicídio culposo, a competência para o


julgamento do presente feito cabe à Justiça Castrense, uma vez que cometido
por militares da ativa, em lugar sujeito à administração militar (Hospital da
Guarnição de Santa Maria), contra civil, nos termos do disposto no art. 9º, II,
"b", do CPM.

Sendo assim, cumpre desclassificar a imputação formulada pelo órgão


acusatório, efetuada com base no artigo artigo 121, caput, e § 4º, parte final,
do Código Penal para enquadrá-la, em tese, nos termos do art. 206, § 1º, do
Código Penal Militar.

Por esta razão, afastando a imputação de delito doloso contra a vida,


reconheço a incompetência do Tribunal do Júri da Justiça Federal para
julgamento do presente feito.

ANTE O EXPOSTO, com fundamento no artigo 419, do Código de Processo


Penal e diante da ausência de indícios de crime doloso contra a vida,
DESCLASSIFICO a conduta atribuída aos Réus ANDREAS TIMÓTEO LUTZ e
LEANDRO LIMA SEERIG para enquadrá-la, em tese, nas sanções previstas no
art. 206, § 1º, do Código Penal Militar, motivo pelo qual declino da
competência em favor Justiça Militar de Santa Maria - RS.

Tendo em vista que se trata de processo eletrônico, determino a impressão dos


presentes autos  e o posterior envio à Justiça Militar de Santa Maria/RS,
juntamento com os autos físicos que se encontram arquivados em secretaria.

Intimem-se. Cumpra-se."

Dessumo desse contexto, a delimitação do objeto recursal


devolvido a este Tribunal, que tem a análise e possibilidade de reforma cingidos
aos aspectos discutidos na decisão de primeira instância, afora, evidentemente,
alguma questão de que esteja autorizado a proceder à análise de ofício, como,
por exemplo, os embates de ordem pública.

Relembro que a defesa de LEANDRO LIMA SEERIG requereu a


impronúncia do acusado; a de ANDREAS TIMOTEO LUTZ, a absolvição
sumária do réu.

Ocorre que tanto a pronúncia, como a impronúncia, ou a


absolvição sumária do réu são possibilidades submetidas à eleição técnica do
juiz, no caso de restar corroborada a competência do Tribunal do Juri. Neste
feito, porém, tem-se a hipótese em que o julgador não adentrou a essa aferição,
justamente por ter se declarado incompetente, no que é de relevo destacar que
não houve recurso do Ministério Público Federal, nem das defesas, no
particular. 

Importante notar que não verifiquei divergência significativa


quanto à versão dos fatos declinada pela acusação. A controvérsia consiste em
saber se os eventos delitivos evidenciam indícios de conduta dolosa, ou se é
possível, de pronto, afastá-la, de modo a excluir a competência do Tribunal do
Juri.

Assim, a absolvição sumária, para que seja apreciada pelo


Tribunal, primeiro tem de ser analisada pelo Juiz competente. De outro lado, a
declaração de impronúncia, somente poderia ser analisada acaso tivesse sido
mantida a competência do Tribunal do Juri.

Calha ressaltar que não ignoro que a questão debatida insere-se no


arcabouço da competência absoluta, podendo, portanto, ser analisada de ofício,
acaso desnudada ilegalidade manifesta.

A competência do Tribunal do Juri, como é sabido, possui


fundamento de validade constitucional, porquanto assentada expressamente no
art. 5º, inciso XXXVIII, da Carta Política. Seu afastamento somente se justifica
em hipóteses excepcionais, assim entendidas aquelas em que evidente a ausência
do ânimus necandi dos acusados.

Não obstante tal premissa, é preciso dizer que o caso concreto


encontra-se subsidiado por farto conjunto probatório, cujos elementos
permitiram concluir, a toda evidência, pela ausência do elemento subjetivo dolo
na conduta dos acusados. Isto é, o conjunto cognitivo é extreme de dúvidas
acerca da inexistência de crime doloso contra a vida e nessa perpectiva pode,
sim, o magistrado desclassificar a conduta, sem ofender a soberania dos
veredictos. Fosse controverso o cenário resultante da instrução processual, ainda
que por mínimo lastro probatório causador de dúvida acerca do dolo, deveria a
competência ser mantida com o Tribunal Popular. 

Por outro lado, mas seguindo nessa linha de raciocínio, partindo-se


da premissa de que se está a processar o crime de homicídio culposo, praticado
por militar do exército, no exercício do seu ofício, em nosocômio submetido à
administração da guarnição, em tese, a decisão recorrida está concorde com o
que dispõe o art. 9º, II, b, do Código Penal Militar, a seguir transcrito, não
refeltindo, portanto, a revisão oficiosa:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei
penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo
disposição especial;

II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal,


quando praticados:   (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017)
a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na
mesma situação ou assemelhado;

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à


administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou
assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de


natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à
administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou
civil;              (Redação dada pela Lei nº 9.299, de 8.8.1996)

d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da


reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio


sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;

f) revogada.   (Redação dada pela  Lei nº 9.299, de 8.8.1996)

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil,


contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os
compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem


administrativa militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de


atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da
Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância,


observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou
manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em


função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância,
garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando
legalmente requisitado para aquêle fim, ou em obediência a determinação
legal superior.

Parágrafo único.  Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a
vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo
quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303
da Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de
Aeronáutica.                (Redação dada pela Lei nº 12.432, de 2011)

§ 1o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e


cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do
Júri.    (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017)

§ 2o Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e


cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da
competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:        
(Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)
I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo
Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;      (Incluído
pela Lei nº 13.491, de 2017)

II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão


militar, mesmo que não beligerante; ou         (Incluído pela Lei nº 13.491, de
2017)

III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e


da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o
disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes
diplomas legais:      (Incluído pela Lei nº 13.491, de 2017)

a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de


Aeronáutica;      (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)

b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;        (Incluída pela Lei nº


13.491, de 2017)

c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal


Militar; e        (Incluída pela Lei nº 13.491, de 2017)

d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral.      (Incluída pela


Lei nº 13.491, de 2017)

Daí porque, a partir de todos os fundamentos elencados, concluo


que descabe a este Tribunal declarar a impronúncia do acusado, como quer a
defesa de LEANDRO LIMA SEERIG, ou a absolvição sumária, como quer a de
ANDREAS TIMOTEO LUTZ, pena de, com isso, acarretar a indevida
supressão de instância, afastada, ademais, a hipótese de revisão de ofício da
questão afeta à competência. É caso, portanto, de negar provimento ao recurso
dos réus.

4. Cerceamento de defesa

A defesa de ANDREAS LUTZ alegou a ocorrência de


cerceamento de defesa, sob o fundamento de que o Juiz de primeira instância
indeferiu o pleito de exibição das imagens das câmeras de segurança instaladas
no nosocômio onde atendido o menor JUAN. Sinala que o pleito foi feito por
ocasião do interrogatório do acusado, e que as imagens das câmeras poderiam
demonstrar que, contrariamente ao alegado pelo Ministério Público Federal, a
criança não estava prostrada na data do atendimento. Outrossim, refere que
também foi negada a realização de perícia.

A alegação não merece prosperar.

Constitui faculdade do magistrado o exame da necessidade das


diligências postuladas pelas partes, podendo indeferir as que considerar
supérfluas ou prescindíveis para o deslinde do processo, na forma do art. 400, §
1º, do CPP. O juízo de conveniência quanto à indispensabilidade de sua
realização, pode-se dizer,  é próprio e exclusivo do julgador,  em face de sua
condição de destinatário da prova.

Isto é, encontra-se na esfera de poderes do magistrado, enquanto


diretor do processo e destinatário primeiro da prova, o indeferimento justificado
de atos prescindíveis ou inconvenientes para a resolução do processo. Nesse
sentido, a jurisprudência (grifos nossos):

RECURSO ORDINÁRIO EM 'HABEAS CORPUS'. LATROCÍNIO.


CONDUÇÃO DE SUSPEITO À DELEGACIA. POSSIBILIDADE. 1. 'Omissis'.
CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DA OITIVA DAS
TESTEMUNHAS DE DEFESA. FALTA DE ESCLARECIMENTO SOBRE O
HORÁRIO DA MORTE DA VÍTIMA NO LAUDO NECROSCÓPICO.
INOCORRÊNCIA. PROVAS REQUERIDAS APÓS O FIM DA INSTRUÇÃO
CRIMINAL. INDEFERIMENTO FUNDAMENTADO. 1. 5. No caso em apreço,
o indeferimento das provas pleiteadas pela defesa deu-se de maneira
motivada e após o final da instrução processual, não havendo, portanto,
qualquer ilegalidade, cuidando-se, ao revés, de providência natural no curso
do processo, já que cabe ao juiz da causa examinar a pertinência das
diligências requeridas. Precedentes. (...) (RHC 200900306468, JORGE
MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:18/06/2014).

PENAL. PROCESSUAL PENAL. 'HABEAS CORPUS'. INDEFERIMENTO DE


PRODUÇÃO DE PROVA. INCIDENTE DE INSANIDADE MENTAL.
CERCEAMENTO DE DEFESA. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE
REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE. I - O indeferimento de diligência
probatória tida por desnecessária pelo juízo 'a quo' não viola os princípios do
contraditório e da ampla defesa. II - Omissis. (grifei). (HC 88.904/SP, STF,
Primeira Turma, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, DJ 01/09/06, p. 22).

No caso dos autos, constatei que o indeferimento das provas


perquiridas pela defesa foi fundamentado pelo Juízo a quo. Além disso, a ação
penal foi instruída com três laudos periciais, produzidos por órgãos distintos,
todos abordando a situação vertida nos autos. O último parecer, aliás, fora
elaborado por peritos oficiais do Departamento Médico Legal do Instituto Geral
de Perícias do Estado do Rio Grande do Sul (Autos originários, evento 51- OUT
7, fls. 36/40). Quanto às filmagens das câmeras de monitoramento da ala do
pronto atendimento médico do HGU, verifiquei, pela certidão juntada no evento
301 dos autos originários, que encontravam-se acauteladas na Secretaria da 2ª
Vara Federal de Santa Maria-RS, estando, portanto, ao alcance das partes, a fim
de que pudessem exercer o direito ao contraditório e ampla defesa.

Acrescento que a negativa do pedido de exibição das imagens, em


audiência, foi motivado oralmente pelo julgador da causa, que, dentre outros
argumentos, assinalou a desnecessidade da medida, em razão de a prova já
constar nos autos, ao alcance das partes, exaltando, ainda, a possibilidade de
serem realizados outros apontamentos em memoriais, conforme consta do
VÍDEO 2-1, no evento 501 dos autos originários. 

Não há falar, portanto, em cerceamento de defesa.


Ante o exposto, voto por (I) não conhecer do recurso em
sentido estrito interposto pela assistente da acusação; (II) negar provimento
aos recursos em sentido estrito interpostos pelos réus.

Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal


Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF
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(51)3213-3232

RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 5007943-


38.2018.4.04.7102/RS
RELATORA: DESEMBARGADORA FEDERAL CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
RECORRENTE: LEANDRO LIMA SEERIG (RECORRENTE)
RECORRENTE: ANDREAS TIMOTEO LUTZ (RECORRENTE)
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (RECORRIDO)

EMENTA

PROCESSUAL PENAL. TRIBUNAL DO JURI. RECURSO


EM SENTIDO ESTRITO. DECISÃO QUE DESCLASSIFICA
A CONDUTA ORIGINARIAMENTE DENUNCIADA E
DECLINA A COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO
FEITO. CABIMENTO. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO
INTERPOSTO PELA ASSISTÊNCIA DA ACUSAÇÃO.
AUSÊNCIA DE RAZÕES. LEGITIMIDADE E
CAPÁCIDADE PROCESSUAIS. AUSÊNCIA DE RECURSO
DA ACUSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE
CONHECIMENTO DA INSURGÊNCIA. EFEITO
DEVOLUTIVO. ALCANCE. PRIMEIRA FASE DO
PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JURI.
CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE
JUNTADA DE IMAGENS DAS CÂMERAS DE
SEGURANÇA INSTALADAS EM HOSPITAL ONDE
ATENDIDA A CRIANÇA APONTADA COMO VÍTIMA DE
HOMICÍCIO. PRODUÇÃO DE PERÍCIA. INDEFERIMENTO
FUNDAMENTADO.

1. A possibilidade de desclassificação da conduta denunciada com


a reflexa alteração da competência para processo e julgamento do feito, na
primeira fase do procedimento do Tribunal do Juri, constitui hipótese
expressamente prevista na legislação processual penal (art. 419/CPP). De acordo
com a exegese conjugada dos artigos 419 e 581, II, do Código de Processo
Penal, tal decisão é desafiada por Recurso em sentido Estrito e não por
Apelação. 

2. Hipótese em que o Ministério Público Federal, no exercício das


atribuições que lhe competem, como titular da Ação Penal, na qual goza de
independência funcional, requereu a desclassificação da conduta que denunciou
como sendo de homicídio doloso (art. 121, caput,§4º, do Código Penal) para a
de homicídio culposo, com arrimo nos elementos probatórios adunados aos
autos, por ocasião da instrução processual, pedido que foi acolhido pelo juiz
singular, com a consequente declinação da competência para processo e
julgamento do feito para a Justiça Castrense.

3. Exercendo o assistente da acusação papel de ordem


essencialmente supletiva, radicado em aspectos de natureza patrimonial, uma
vez que seu desempenho está orientado a garantir título executivo que servirá à
reparação do dano ex delicto, sua atuação está limitada pelas faculdades que lhes
foram legalmente conferidas pelo art. 271 do Código de Processo Penal,
interpretado restritivamente. Precedentes do STJ.

4. Não se pode conceder ao assistente da acusação faculdades


concebidas como prerrogativas exclusivas do titular da Ação Penal, de modo a
viabilizar-lhe a alteração do desfecho processual, cuja correção foi apontada
pelo próprio dominus litis e em relação ao qual não possui autorização legal para
litigar pela reforma.

5. Na primeira fase do Procedimento do Tribunal do Juri,


denominada Judicium Accusationis, após a regular instrução do feito, deve o
Juiz proceder ao exame das hipóteses previstas no art. 413 do Código de
Processo Penal, pronunciando ou impronunciando o réu, ou, ainda, absolvendo-
o sumariamente, acaso entender como provada (i) a inexistência do fato; (ii) não
ser o réu o autor ou o partícipe do fato; (iii) o fato não constituir infração penal;
(iv) demonstrada causa de isenção da pena ou exclusão do crime. Cogita-se,
ainda, de um quarto possível desfecho, previsto no artigo 419 do Código de
Processo Penal, consistente na desclassificação do delito, para outro que não
aquele denunciado, o que poderá ocasionar a alteração da competência, acaso a
tipificação desborde às possibilidades não submetidas a julgamento pelo
Tribunal Popular
6. Desclassificada a conduta para crime não albergado pela
competência do Tribunal do Juri, descabe a esta Corte o pronunciamento sobre a
impronúncia ou absolvição sumária dos acusados. No primeiro caso, porque
afastada a competência do Tribunal Popular; no segundo, porque deve ser
primeiramente analisada pelo Juiz competente, sob pena de ocorrer a indevida
supressão de instância.

7. O indeferimento motivado de diligência probatória tida por


desnecessária pelo magistrado não viola os princípios do contraditório e da
ampla defesa, cuidando-se, ao revés, de providência natural a ser adotada no
curso do processo, notadamente pela prerrogativa atribuída ao juiz da causa de
examinar a pertinência das provas postuladas pelas partes.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima


indicadas, a Egrégia 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
decidiu, por unanimidade, (I) não conhecer do recurso em sentido estrito
interposto pela assistente da acusação; (II) negar provimento aos recursos em
sentido estrito interpostos pelos réus, nos termos do relatório, votos e notas de
julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 03 de abril de 2019.

Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal


Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF
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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 03/04/2019


RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 5007943-
38.2018.4.04.7102/RS
RELATORA: DESEMBARGADORA FEDERAL CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PRESIDENTE: DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ CARLOS CANALLI
PROCURADOR(A): MARIA VALESCA DE MESQUITA
RECORRENTE: LEANDRO LIMA SEERIG (RECORRENTE)
ADVOGADO: RICARDO MUNARSKI JOBIM
ADVOGADO: GUILHERME CRIVELLARO BECKER
ADVOGADO: ÁTILA MOURA ABELLA
ADVOGADO: CÉSAR TEIXEIRA
ADVOGADO: JONAS ESPIG STECCA
ADVOGADO: TAMIZE DE AZEVEDO FERREIRA
RECORRENTE: ANDREAS TIMOTEO LUTZ (RECORRENTE)
ADVOGADO: BRUNO SELIGMAN DE MENEZES
ADVOGADO: MÁRIO LUIS LÍRIO CIPRIANI
ADVOGADO: ADRIANO FARIAS PUERARI
ADVOGADO: GABRIEL DA LUZ
RECORRIDO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (RECORRIDO)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 03/04/2019, na sequência 7,
disponibilizada no DE de 15/03/2019.

Certifico que a 7ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão


realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 7ª TURMA , DECIDIU, POR UNANIMIDADE, (I) NÃO CONHECER DO
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO PELA ASSISTENTE DA
ACUSAÇÃO; (II) NEGAR PROVIMENTO AOS RECURSOS EM SENTIDO
ESTRITO INTERPOSTOS PELOS RÉUS.

RELATORA DO ACÓRDÃO: DESEMBARGADORA FEDERAL CLAUDIA CRISTINA


CRISTOFANI
VOTANTE: DESEMBARGADORA FEDERAL CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
VOTANTE: DESEMBARGADORA FEDERAL SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
VOTANTE: DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ CARLOS CANALLI
VALERIA MENIN BERLATO
Secretária

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