You are on page 1of 18
meter, Pererettte ts ao William A. Edmundse bra foi publicada originalmente em inglés com o titulo J RODUCTION TO RIGHTS pelo The Press Syndicate of the University of Cambridge ~ Cambridge University Press, em 2004, Cambridge, Gra-Bretanha. Copyright © William A. Edmundson 2004. Copyright © 2006, Lioraria Martins Fontes Editora Lida, ‘Sao Paulo, para a presente edicio. 1 edigao 2006 ‘Tradugio EVANDRO FERREIRA E SILVA Revisio da traducao Newton Roberval Eichemberg ‘Acompanhamento editorial Luzia Aparecida dos Santos Revisées gréficas Marisa Rosa Teixeira Toani Aparecida Martins Cazarim Dinarte Zorzanelli da Sitoa Producio grafica Geraldo Alves Paginacio/Fotolitos Studio 3 Desenvolvimento Editorial ‘Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Edmundson, William A. ‘Uma introdugio aos direitos / William A. Edmundson ; tradugéo Evandro Ferreira e Silva ; revisdo da tradugio New- ton Roberval Eichemberg. — Sao Paulo : Martins Fontes, 2006. = (Colegio justica e direito) ‘Titulo original: An introduction to rights. Bibliografia. ISBN 85-336-2310-0 |. Direitos civis 2. Direitos humanos I. Titulo. II. Série. wee cos {Indices para catélogo sistemético: 1. Direitos : Ciéncia politica 323 I ‘ , nso dicts desta edict para 0 Brasil reservados & ua Conse rts Martins Fontes Editora Ltda Ter Ramalto, 30 01325-000 Sto Paulo SP. Brasil emai inoonc 2D 32813677 Fas (1) 31056993 nsfontes.com.br_ttp://coww.martinsfontes.com.br Capitulo 1 A pré-histéria dos direitos / CoRR Ly QU399L Muitas pessoas dizem que os direitos sao universais, que todos nés possuimos certos direitos fundamentais decorren- tes do simples fato de sermos humanos. Hé também muitos que dizem que os direitos sio uma invencao do Ocidente modemo, algo “construido” em um determinado momento hist6rico, por uma determinada cultura — no caso, a burgue- sia ocidental moderna — que, em defesa dos préprios inte- tresses, busca a disseminacao de suas idéias, sua exportagao e até a imposicao delas sobre outras culturas, ignorando as tradigdes destas. Outros, ignorando a evidente incoeréncia de sua afirmagao, parecem reconhecer os direitos como uma inveng&o da cultura ocidental moderna e, ao mesmo tempo, como algo pertencente a todos nés pelo simples fato de ser- mos humanos. Uma das maneiras de tentar a reconciliagdo dessas opi- nies conflitantes quanto a natureza do direito é rastrear a histéria do discurso dos direitos, para verificar se estes — ou algo equivalente — sao reconhecidos em todas as culturas e em todas as épocas. Em caso afirmativo, o problema esta- r4 resolvido: os direitos, independentemente do que se- jam, nao séo uma mera invencdo do Ocidente moderno. Se, ao contrario, descobrirmos que os direitos nao sao uni- versalmente reconhecidos pelas diferentes culturas, esta- remos diante de um inquietante dilema: podemos dizer que as culturas morais particulares que nao reconhecem, ou UMA INTRODUGAO AOS DIREITog ’ 0s direitos $4, por eee aad A reconheceram devernos dizer que ato de que trent defeituosas? Ou ora a idéia de direitos Ndo nos ay. tia cultura rejeta O° sobre seu valor moral? (Por hora, toriza a tecet com ideracao uma terceira possibilidade, a sa. consideragi™" jireitos como uma forma def. er, a visao ae e decadente 40 ricacdes praticas. Se estivermos con- Odile *deitos nao sao reconhecidos em todas vencidos de que a a pergunta: que postura devemos ado- 3c Ee culturas que Nao OS reconhecem? Em se See cultura histérica - como a da Grécia anti- ga, por exemplo -, a questao é se devemos admiré-la e até imité-la ou se, ao contrario, devemos considera-la moral- mente primitiva e até condendvel. Se, por outro lado, a cul- tura é contemporanea - como a da China ou do Ira, por exemplo -, a questao é se devemos ou nao considera-la co- mo uma candidata a reformas, censura e sangoes diplo- maticas, econdmicas e até militares, pois seria surpreenden- tese uma cultura que nao reconhece a existéncia de direitos ae ee Sart capa de tratar seus membros com dig- srmies com di ae que uma cultura trate seus inte- Proprio fato, tte tesa exibir, como decorréncia deste Porém,o simples ee dos direitos deles? : tenia de dietosnio ésucionte pars dente eeeceeoe, ‘e para diminuir nossas pos- siveis preocupacé membros, ponerse do tratamento que ela dé a seus ela, bem como a dist vel que os direitos reconhecidos pot plo, uma determinada iCa0 destes, seja deficiente. Por exem- mento de praticas reli cultura pode tolerar o nao-cumpti- i 8losas, mas ser intolerante para com 2 divergéncia ireitge 2 aberta; em diteitos sejam concedia Outta, pode ser que determinados minoria de indiys 08 a todas as castas, exceto a uma 1as. Nao obstante, 408 We Ni discurso moral. reconthece tae devemo, <0 Pertencem a nenhuma de- direitos «2° Menos que, em uma cultura que ‘08, as possibi; iS Possibilidades de Te as seus membros tém certos 'Zacao de reformas morais ‘AERA DA PRIMEIRA EXPANSAO 9 so bem maiores que em outra para a qual é estranha a pr6- ptia idéia de direitos. Serao os direitos uma inveng4o moderna? Alasdair MacIntyre faz a seguinte observagao sobre os direitos “na- turais” ou humanos: Obviamente, seria um pouco estranho que existissem de- terminados direitos atribuiveis aos seres humanos simples- mente enquanto seres humanos, a luz do fato (...) de que, até o fim da Idade Média, nao havia nenhuma expressio em qualquer idioma antigo ou medieval cuja traducio fosse equi- valente a expresso “um direito”. Até o ano de 1400, aproxi- madamente, 0 conceito carece de quaisquer meios de expres- sao nos idiomas hebraico, grego, latino e arabe, classicos e medievais. No caso do inglés antigo e do japonés, a auséncia se prolonga até meados do século XIX. (67) A observagao de MacIntyre pode explicar por que os historiadores das idéias, ao apontarem o pensador medieval que, escrevendo em latim, introduziu o conceito moderno de direitos, freqiientemente discordam entre si: alguns dizem que foi Guilherme de Ockham, outros apontam Duns Scot e outros atribuem a autoria a Jean Gerson. Os pensadores medievais exprimiam-se em uma lingua classica — 0 latim — para transmitir uma idéia que nao encontrava expressdo na linguagem. Portanto, era de se esperar que entrassem em desacordo, uma vez que nenhum deles anunciou aberta- mente: “Estou introduzindo um conceito sem precedentes nesta lingua.” 3 Outros escritores teceram comentarios semelhantes so- bre o conceito de direitos, entre os quais Benjamin Constant ~ que, escrevendo logo apés a Revolucao Francesa, afirmou que os direitos eram uma inovagao dos tempos modernos. No século XX, 0 estudioso da Antiguidade Classica Kenneth Dover escreveu: Os gregos [da Antiguidade Classica] nao se viam, em momento algum, como detentores de nenhum outro direito UMA inTRODUGAO AOS DIREITOs 10 jdade natal até entao; e estes : ua cid . ecebidos desu? coberania era da comu. aim dager reduZid0® PP endvel. A idéia de que os end nen direito et ins hos (.) ou de que os in. Ee rte ee ogat (..) 040 direito de ocupar “dys tem 0 4H jras por nao usarem o cinto ne médicos eenqoaum ea algo demasiada- de seguranca teT8 PP cutido. (157-58) mente ridiculo par@ ser esta altura, paar € ponderar cuidadosa- com esses argumentos. Supondo tages sobre 0s recursos lingiiisticos e o qe ee na Grecia antiga estejam corretas, que conclu- sées podemos tirar com respeito a natureza e a existéncia dos direitos? ae Dificilmente a disponibilidade de uma idéia aos falantes de uma lingua estrangeira pode ser definida a partir da cons- tatagio da presenga ou auséncia, nessa lingua, de uma pa- lavra, frase ou locucao capaz de traduzir uma expressao que usamos na nossa lingua. Os gregos nao tinham uma palavra para quarks, mas a idéia de quark poderia ser transmitida a eles como um tipo de componente de determinadas parti- Sates afinal de contas, tomamos emprestados deficit esos nce ae electron e proton, entre outros, para rar como um f sas. Portanto, nao se pode conside- forte x y argumento a afirmagao de que o conceito de direitos na idioma falte ae pode estar presente em uma cultura a cujo im termo equivalente preciso. Porém, 0 ar; admi y © atgumenti A A “mite que suas observay talvez seja mais sutil. Macintyre a inexisténcia dos direit, Oes lingiiisticas nao demonstram tae ue inguém pod, 0s humanos: “Pode-se concluir ape- Ue Isto significa? Boge ve AEE que eles exi tiam.” (67) O caso de a existan, Signific, existiam. ( : Fein 2180 muito importante, 0° 2 Ode si do fat "ncia dos direi 0 de eles sere reitos depender, de algum mo do, - Alguns entes, com certe- 2a, 86 existem sob a conhecid, " ie Serem conhecidos. Dores Precisamos, @ mente sobre 0 que fazer condics ’ Por exemplo me a NEO ex xistem j m independentemente dé AERA DA PRIMEIRA EXPANSAO sal nés as sentirmos como tais. Poderiamos imaginar uma tri- bo de pessoas isoladas do restante da raga humana, e cujos membros tivessem a felicidade de nunca terem tido dores de cabeca. Em sua lingua, certamente, nao haveria uma expres- sao para dor de cabega. Concluiriamos ent&o que o conceito de dor de cabeca simplesmente nao se aplicaria a essa cultu- ra? Talvez hesitdsserhos antes de chegar a essa conclusao, pois ha duas formas possiveis de introduzir 0 conceito na cultura dessa tribo. Uma delas seria por analogia. Caso a tribo soubesse 0 que sao dores — talvez devido ocorréncia de dores de es- témago entre seus membros — e também soubesse o que é cabeca, poderfamos explicar a dor de cabeca como uma dor de estémago na cabega. Outra forma seria introduzir 0 con- ceito simplesmente batendo “em cima” da cabeca dessas pessoas, e apresentando-lhes, assim, o fendmeno propria- mente dito. O conceito de direitos, do mesmo modo, pode- tia ser introduzido tanto por analogia quanto pela instituigao dos direitos entre os membros de uma cultura nao-familia- rizada com estes. Os dois métodos, porém, requerem um exame mais aprofundado. Se quiséssemos introduzir 0 conceito por analogia, an- tes precisarfamos ter uma nogao clara do que sao os direi- tos e a que eles sao andlogos. E aqui pode surgir uma di- ficuldade: se nao conseguirmos encontrar outra coisa estrita- mente andloga a eles, nao serd possivel fazer analogia algu- ma; mas se, por outro lado, os direitos forem estritamente andlogos a alguma outra coisa, eles podem acabar se redu- zindo a ela. Se, por exemplo, os direitos se assemelham a obrigacées legais individuais de nao causar dano, e essa idéia é familiar a uma determinada cultura, a qual, por outro lado, nao esté familiarizada com a idéia de direitos, surge a difi- culdade: talvez fosse melhor pararmos de nos referir a di- reitos, a nao ser como um sinénimo abreviado de obrigagdes legais individuais de nao causar dano. Em vez de introduzir 0 conceito em outra cultura, talvez devéssemos elimind-lo da nossa. Isso pode ser chamado de problema da redugiio. UMA INTRODUGAO AOS DIREITog 12 de intto dugao do ee ae meio da 7 + teri outra —cria Aoutra aoe no int erior da Seg | uma instituigao dos CHO" « igualmente Sera. @ pancadas na dificuldade @ pare soa é um método questionAvel de lhe cabeca de or, ie de cabeca. Da mesma forma, pode ser ensinar 0 gue’ rovavel ensinar a uma cultura estrangeira 9 considerado F 3 humanos simplesmente forgando-a ates- que sao direito parece particularmente cen- as ipo de imposigao oar se dos diets, por serem eles um exemplo de a moral. Pode parecer hipocrisia impor um conceito moral aoutra cultura. Isso pode ser chamado de problema do om i ja nos familiarizamos com 0 dilema a ser enfrentado - 0 fato de os direitos nao se encontrarem entre 0s recursos conceituais de todos os povos em todas as épo- cas -, voltemos a pergunta: os direitos sao universais? Em outras palavras, pode-se dizer que todas as culturas conce- bam algum modo de apreender a idéia de direitos, ou algo bem préximo a ela? Podemos entender melhor esta questao se analisarmos dois pontos de controvérsia. O primeiro diz respeito Europa medieval e o segundo, a {ndia. A Europa medieval e a possibilidade da pobreza A primeira dessas co ica dos franciscanos, Pobreza e sey exemy ntrovérsias envolveu a ordem mo- . Sdo Francisco levou uma vida de nome. Para og lanai ePitON a ordem que traz 0 seu mundo, simul a ‘0s, a mundanidade (apego a est Pelo mundo espiri pe acompanhado de um despre2° © pobreza, um gi que esta além da morte) era um vio Sao neo Wel a pobre . berdade com relagao a esse vicio- 20 Francisco Precisava Perfeita? Obviamente, até mesm°? impunh, © dominio go} eee Ao fazé-lo, nao estaria dle UM Problema i,t alimento? Essa constatas@? ‘a in ‘uietante aos franciscanos, Po AERA DA PRIMEIRA EXPANSAO 13 parecia que até Sao Francisco se vira obrigado a ser um Ppro- prietdrio - mesmo que apenas em escala reduzida - e que a pobreza “apostélica” (a pratica austera que os francis- canos atribufam aos apédstolos) nao era, de modo algum, um estado de pureza alheio as preocupacgdes mundanas. A so- lugao para esse problema dos franciscanos foi apresentada por Duns Scot, um dos membros da ordem. Scot enfatizou a distingdo entre dominium, ou dominio (aquilo a que pode- mos chamar simplesmente de direitos de propriedade), e uso ou mera posse de algo (“imperium”). Muito embora, para que possamos sobreviver, precisemos usar coisas, nao pre- cisamos possui-las nem impedir outros de usd-las. A pro- priedade nao é um dom natural, e o mundo pertence a toda a humanidade, em comum, ao menos até o surgimento da sociedade civil, que jogou quase todos nds nessa rede de re- lag6es artificiais que caracteriza a propriedade privada. Afi- nal, a pobreza apostodlica é possfvel, e a visao franciscana foi, durante certo tempo, a visao oficial da Igreja Catélica Apos- télica Romana. A visao franciscana era, em um aspecto importante, coerente com a teoria dos antigos juristas romanos, na opiniao dos quais a propriedade nao ocorria na natureza — era, ao contrario, algo que s6 passava a existir por meio das instituigdes humanas que a definem e impdem. Os romanos (com excegdo de Cicero) nao concebiam os direitos como preexistentes, restritivos ou possivelmente divergentes em telagdo as leis outorgadas ou “positivas” (e, evidentemen- te, nado compartilhavam de nossas preocupacées com res- peito ao imperialismo). Os cristaos, por outro lado, leva- vam bastante a sério a idéia de que Deus administra um reino moral independente e superior a qualquer institui- go ou convengdo meramente temporal e a de que deve- mos guiar nossa vida a partir do projeto “natural” que Ele fez para o mundo. A doutrina da pobreza apostélica, porém, nao gozava de prestigio em meio a todos os membros da Igreja. Ela im- UMA INTRODUGAO AOS DIRErTog 14 ue t te 4 odos nés deveriamos Se. venientemen'’’ © viver em uma condiggo de cava, inconV®, Francisco € VI" bro d plica emplo de S40 FFE Guino, membro de uma or. ox jsmo. Tomas ja havia reconhecido que a ‘ : se, em certo sentido, ag m rival, «imo, ambigua: S& del ano SO dinadas apenas ao poder moral ateriais est40 eB to sujeitas, em outro sentido, pelo de Deus, elas tam em 0 de fato, sempre que sao usadas ou poder human érsia finalmente foi resolvi- i 29, a controv' ae bane XXII emitiu uma bula papal declaran- quan f {nio do ser humano sobre as & ctr ca reduzida, é idéntico ao odode Deus sobre o universo. Com isso, a Pees ofi- cial da Igreja, contrariando meio século de inspiracao fran- ciscana, passou a ser a seguinte: a propriedade é natural e inevitavel e a pobreza apostélica é impossivel, assim como ocomunismo primordial. Deus nos criou a todos como pro- prietarios privados, ainda que pequenos, ab origine, isto é, desde o principio. Mesmo no Jardim do Eden, Ado jé exer- cia seu poder moral e fisico sobre as frutas que colhia, ao me- nos sobre aquelas que no Ihe eram proibidas. Embora a batalha estivesse terminada, varias questées aout se sedimentaram quando da téplica do francis- nee en : de Ockham a Jodo XXII (e até mesmo an- buir autoria wae aliies Na questao controversa de atri- listing crucial cee alone tamentos conceituais). Uma sa entre o direitoobjtiog eg dine Poe eta a que se fa- Jetivo de “diteito” era © © direito subjetivo. O sentido ob- fato real eSponde sun Pela formula “E direito que sejam compote como em, ne eseeo que descreve um lestino”, ou, ainda ‘E diteito ‘ito que as promessa: coisas mé Blackacee ire} gue haja um Estado pa- tipo “Edict Go exer? mer herde as terras de Penhada pelag ev ® P” Poderia die qualquer expressio do qUeP" ou tale Tre ssGes » = {Sualmente bem desem- ®Ptoptiadg ae re p”, ou “t ioe - formula “E direi- AERA DA PRIMEIRA EXPANSAO 15 to que p” expressa o que os légicos chamariam de opera- dor sentencial: operando em uma sentenga que expressa a proposicao p, ele produz outra sentenga; e, neste caso em particular, a veracidade da sentenga resultante (‘E direito que p”) nao depende da veracidade de p. Em outras pala- vras, dependendo de qual proposicao p nds escolhermos, p pode ser falsa, enquanto “fi direito que p” sera verdadei- ra, e vice-versa. Por exemplo, é falso que as criancas nunca sofram abuso sexual, mas é verdadeiro (ainda que a frase soe mal) dizer que é direito que as criancas nunca sofram abu- so sexual. O direito subjetivo é diferente, pois expressa a telagao entre uma pessoa e um estado de coisas. A forma tradicio- nal é “X tem direito a uma coisa ou a fazer alguma coisa” - onde X corresponde a um individuo ou grupo de indivi- duos. A diferenca crucial esta no fato de que o conceito de direito objetivo é uma avaliagao moral global de um esta- do de coisas, enquanto 0 de direito subjetivo é uma relacao moral entre uma pessoa (tipicamente) e uma coisa, uma agao ou um estado de coisas. Uma questao que precisa ser resolvida pela teoria dos direitos é a da possibilidade de descrigéo completa da realidade moral em conformidade com. direito objetivo, isto é, por meio da formula “E di- teito que o mundo seja como se segue...”, seguida de uma descrig&io. O Decdlogo pode ser visto como um exemplo de cédigo moral expresso unicamente em fungao do direi- to objetivo — os Dez Mandamentos: “Nao fards isto e faras aquilo, e assim por diante”, ou (traduzindo): “E direito que isto seja feito e é direito que aquilo nao seja feito, e assim por diante.” O direito subjetivo acrescenta um elemento que nao faz falta ao direito objetivo: ele se refere a individuos e de- fine os fatos morais essenciais que os envolvem. Suponha- mos que eu pegue as sandilias de Sao Francisco sem a per- missao dele. “Nao roubards” — terei violado o direito ob- jetivo e transgredido o mandamento de Deus. Mas onde aparece Sao Francisco nessa histéria? Precisaremos acres- UMA INTRODUCAO AOS DIRErTog * co tem direito as sandalias dele.” Nag . "$40 Francie ieito que Sao Francisco receba suag e ve ois est] maneira de descrever a situa. e volta’ in de lado, pot assim dizer. De algum 5 mai visa8 envolvidas na situacao do que 0 fato modo, ha mais ¢¢ co precisa de sandalias e eu tenho um par , am me tomei dele. E preciso dizer que Sto extra que, erader andalias, pois, desse modo, o focoes- Francisco tom drt que nao aconteceria se é i te para ele, 0 tard voltado diretamen' i simplesmente disséssemos que 0 meu ato errado 0 deixou em estado de necessidade. Se nos esforcassemos, talvez até conseguissemos evitar a linguagem do direito subjetivo, mas seria trabalhoso fazé-lo, e provavelmente também seria int- til. Nao precisamos chegar a uma conclus&o sobre a exata relacdo l6gica entre direito objetivo e subjetivo para sermos capazes de perceber 0 fato de que este tiltimo poe em pri- meiro plano um detentor do direito, de uma maneira que Primeiro nao consegue fazer. ; jel ange etal objetivo sdo termos infelizes, um direito objetivo e que od 7 i e a de mais ee Servador, 0 que nao é verdad ‘eito subjetivo depende do ob- do direito subjetivo é 0 d ade de modo algum. O “sujeito” es do direito; ¢ Sere do direito, nado o observa Sangean nde ben no dacone oan uma avaliago nee material ou qualquer : ot 1 me ea Prescricao moral encara- ce we a Ii depo do sun © entendg, i dos direitos, tal com? ietivo, oeMeNto da gi °°. tenha passado a vigor! So me Istineg i anter = cite as impli © entre direito subjetiv? a3 ie ae = diteito Ee a AgGes disto? Se o surgr Taneas? 88 to de diraiy hvO em uma cultura for eito. : ra ied Sigticay y © que isso nos diz 8° tradicionais contemp” AERA DA PRIMEIRA EXPANSAO 17 A india do século Il e a tolerancia Segundo alegou Lee Kuan Yew, ex-Primeiro-Ministro de Singapura, a imposi¢ao do conceito de direitos huma- nos as nag6es asiaticas demonstra uma falta de sensibili- dade para com os valores culturais do Oriente e repre- senta, portanto, um tipo de imperialismo cultural. Singa- pura, aos olhos do Ocidente, é um pais préspero, mas cujo regime de governo se caracteriza como autoritdrio e até repressivo; um lugar onde é proibido mascar chiclete e onde a pena para pequenos atos de vandalismo é a fus- tigag4o. Deve esse pais se alinhar com o pensamento oci- dental sobre os direitos humanos, ou deve o Ocidente aprender a respeitar as tradicGes orientais, geralmente mais autoritarias? O economista Amartya Sen, ganhador do Prémio Nobel, discorda da visao de Lee, segundo a qual as tradicdes do Oriente seriam invariavelmente indiferen- tes ou hostis aos direitos humanos. Em outras palavras, a preocupacao com o problema do imperialismo nao pro- cede, pois os direitos j4 encontrariam esteio nas tradigdes orientais. Mas sera que encontram mesmo? Sen apresenta pro- vas de que a liberdade e a tolerancia — senao com todos, pelo menos com alguns — foram valorizadas, no passado, por poderosos lideres indianos. Por exemplo, o imperador Ashoka, no século II a.C., decretou que “um homem nao deverd reverenciar sua seita ou depreciar a de outro ho- mem sem que haja razao para tal. A depreciagao deve ocor- fer somente por motivos especificos, pois as seitas de todos os homens merecem reveréncia (...)” (Sen, 1999). Com édi-* tos como esse, o imperador pretendia guiar os cidadaos na vida cotidiana, bem como os sacerdotes em seus atos &ficiais. Convertido ao budismo, Ashoka énviou missio- narios para além da {ndia, projetando assim sua influéncia’ Por toda a Asia. . Porém, por mais que aprovemos a promogao da tole-” rancia e da diversidade por parte de Ashoka, sera esta ra- UMA INTRODUGAO AOS DIREITOg 18 jbuir a ele um conceito de direitos ra a reflete necessariamente uma per. non subjetivO, ou seja, dos Girsiioe 4 ‘48 Pessoas ao do direitos e hes aprouver? Ou sera que a de- e se deve estender a tolerancia a igualmente, ser entendida como ia, a um poderia, 18 iando, por assim dj uma questao de direito obje us —anunciando, por assim dj- i “Nao deveras... ‘ | zer, mais um “N ue o conceito de direito que nos inte- i 0s Nos ee Sere ie que forma pode ele contribuir para 2 abordagem do problema do relativismo? Alguns diriam que a concepsao tipicamente moderna ; de direitos vaj muito além da idéia de direito subjetivo; outros, que os direitos so “trunfos” obtidos contra maiorias politicas ou contra consideracGes acerca do bem-estar da coletividade. Outros defenderiam ainda — juntamente com MacIntyre - que nada existe nessa nogao subjetiva que seja, por si s6, garantia de que os direitos eram levados suficientemente a sério para que possam ser equiparados 4 no¢do moderna que temos deles. Muitos também encontraram, no Cédi- go de Justiniano ena Politica de Aristételes, aspectos que activa ca a de uma nogao superficial de direito 50s ene tae a Lom que argumentassem que os anti- $ empregavam uma concepcao vigo- Tosa dos direitos, e i : ” essencialmente conti i- lizamos atualmente, ‘ontinua com a que uti solver esse tj a tivo deste lin’ ss ipo de controvérsia esté além do obje- ceito de direitos é ems do pressuposto de que o con: mais cuida [etivo, mas agora examinaremos com do out tant Tos eleme A 0, serd nj CeSSArig rate tos que o caracterizam. Para Ai au Tia intelectual . L Ait ~~ + UM pouco mais sua histd- SeaDoo ede age od Teesside determinadae® Ue as pessoas sentiram de 5¢ Mais poneitas e ndo de outras. E554 ™ entendida se tivermos 20 s be Nto béci, asi a : 60 das circunstancias hist AERA DA PRIMEIRA EXPANSAO 19 ricas e dos problemas praticos vividos por aqueles que fi- zeram uso da linguagem dos direitos de maneira mais ar- ticulada. Uma vez que 0 conceito de direitos é eminente- mente prdtico, nao podemos nos esquecer deste fato es- sencial: por sua propria natureza, os direitos influenciam o modo como nos conduzimos e como organizamos nos- sas agdes. Dois periodos de expansao da retérica dos direitos Se tivéssemos de desenhar uma linha cronolégica, da esquerda para a direita, representando a presenca da retéri- ca dos direitos ao longo da histéria, dois periodos se obser- variam, durante os quais 0 “didlogo sobre os direitos” era tao preponderante que essa prépria preponderancia tornou-se tema de comentarios e criticas. Por conveniéncia, os chama- rei de “periodos de expansao”, sem querer, com isso, deixar implicito que qualquer tipo de reacao deflacionaria foi ou é justificada. Quero apenas chamar a atengao para o fato pe- culiar de que a retérica dos direitos, como fenémeno his- térico, teve seus altos e baixos. Mais precisamente, se tra- garmos um corte esqueméatico, veremos que o perfil de sua evolugdo apresenta dois picos, lembrando as corcovas de um camelo. O primeiro pico ocorreu no tltimo quartel do século XVIIL, entre a data da Declaracao de Independéncia dos Es- tados Unidos, em 1776, e o fim do Reino do Terror na Fran- ga, em 1794. Na década de 1790, surgiram varias andlises céticas importantes do conceito de direitos, mas, antes de examind-las, daremos uma olhada rapida em alguns dos escritos filosdficos que precederam e estimularam esse pri- meiro perfodo de expansao. O fato de esse periodo ter che- gado a um fim ndo significa que o relégio tenha passado a andar para trés, ou que. os direitos tenham deixado de ser importantes. Significa apenas que — como resultado de um actimulo de dtividas céticas e problemas praticos — a retéri- UMA INTRODUGAO AOS DIREITs sahil ocadora, iri “og antes investigativa © Prov adquiriy ios direitos, ida e solene. . cad ontid Jmente, © segundo pico, ou se. 7 érica dos direitos, o gy, nsdo da retori a © qual jodo de exP# da Guerra Mundial, com a De. comegou logo pre ae Humanos, em 1948. Nao sa . Si : inar4, e quando, ou mesmo ge, ‘pemos se esse pesto iting one do século XX, houve ja terminou. fo ficativo da preocupa¢ao com a possi- um oe et 0 “didlogo sobre os direitos” tivesse se tor- nde ireontrolavel, estivesse se enfraquecendo ou fos- se algo obscuro, equivocado ou dispensavel. Algumas das reagées deflacionarias que surgiram ocasionadas pelo segun- do periodo so, como veremos, recapitulacGes das reacGes ao rimeiro. , HA duas diferencas importantes entre os dois periodos de expansio. Uma delas é que até agora, no segundo perio- do, tém sido fracas as tendéncias que poderiam levar ao caos e ao derramamento de sangue, nos moldes daqueles que acompanharam a Revolucdo Francesa. Em geral, as conse- giiéncias da expansao da retérica dos direitos desde 1948 fo- ten Positivas, € 08 excessos, se existiram, foram meramen- pi wie agindieacap (e ha muitas delas) de a0 status quo. Além dace a retorica representa um desafio 0, a impressao de que a instaura¢d0 de certos direj ei descntentarenge endo negada pode gerar profundo Te particularmente. ae PaixGes violentas. Isso ocor- tiva e igualdade econdnies wae stoes de justiga distribu cada vez mais no que se , aS Posigdes tém sido discutidas (metas) aspiracses, Se refere aos direitos, e nao como a lutar Para manter eer €m geral, esto mais dispos- a nao 0 é~ og Psicdlon: Edelas do que para obter o que to de dotacay” 08 sociai. 3 Teitos dene : h lo eee chamam a isso de “efei- ; se, hd mas eS Si ie Sejam atendidas * Maiores ch; 10 expressas como di chan A Ces de que as expectativas AERA DA PRIMEIRA EXPANSAO 21 A segunda diferenga entre os dois periodos de expan- sio esta no cenério intelectual e cultural subjacente, no que se refere 4 questao dos direitos. O ceticismo e o niilismo mo- rais so, atualmente, opg6es perfeitamente concebiveis para aelaboragao de teorias sobre a moral. Isso, porém, nao acon- tecia no fim do século XVII, o qual, embora adequadamente chamado de “era da razao”, nao foi uma época de desen- cantamento. Durante o primeiro periodo de expansao, era quase universalmente aceita a idéia de que h4 no universo algum tipo de ordem moral, sendo que o debate girava em torno de como os direitos se encaixavam nessa ordem. Ao longo do segundo periodo, contudo, cresceu (e ainda cresce) cada vez mais a divida sobre a existéncia de qualquer ordem moral cosmica. Além disso, essa ditvida tende a ser alimen- tada pela dificuldade de se chegar a um acordo a respeito da existéncia ou inexisténcia dos direitos e a respeito de como devem ser definidos e distribuidos. Nao ha razao para supor que as pessoas n4o possam viver juntas de forma pacifica e harmoniosa na auséncia de uma ordem moral objetiva. E possivel, até mesmo, que se possa viver em harmonia sem que haja alguma crenca compartilhada na existéncia de tal ordem. Porém, é mais diffcil conceber como poderiamos viver de maneira justa independentemente de tal ordem ou de uma crenca compartilhada nessa ordem. Se a lingua- gem dos direitos é um elemento essencial de qualquer dis- curso adequado sobre a justiga, entao essa linguagem (as- sim como a nogao mesma de justiga) tem de se situar, de algum modo, no ambito de uma viséo mais abrangente de como as pessoas se encaixam na ordem natural. O que ha em nés que possa dar veracidade 4 nossa condigao de de- tentores de direitos em relacao aos outros, ainda que esses direitos sejam contrarios a todas as convencdes estabeleci- das? O que hd em nés que possa dar veracidade 4 nossa condigao de detentores de direitos em relagao aos outros, ainda que os outros se sintam satisfeitos em violar os nos- sos direitos? Essas e outras questdes similares sio ainda UMA INTRODUCAO AOS DiREITg 22 ig importantes agora que os direitos voltaram a ocupar oe 0 cenario das discuss6es morais destaque 1 ; ™ papel a nO seja possivel responder completa. mente a essa Pe! intas em um livro como este, podemos esclarecer melhor a definicao de direitos e os pressupostos fundamentais do didlogo sobre eles. Também podemos nog situar melhor nas seguintes questées: O discurso dos direj- tos - se é que ele de fato pode ser considerado uma inova- cdo hist6rica - é sindnimo de progresso moral? Em caso afirmativo, a realizacao de direitos nos compromete com progressos posteriores? Que progressos sao esses, se é que existem?

You might also like