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AUTISMO NA INFÂNCIA: HIPÓTESES PSICANALÍTICAS


Fúlvio Holanda Rocha1

A partir de um rápido exame, podemos constatar que o autismo está presente


em diversos âmbitos da nossa cultura. É objeto do cinema, da literatura, da ciência…
Porém, abordá-lo é se inserir num campo ainda hoje fortemente polêmico e
permeado por acaloradas disputas teóricas. A situação chega ao ponto que,
dependendo dos critérios e/ou da teoria em pauta, uma mesma criança pode ser
tomada como típica autista, atípica ou não-autista, fazendo com que encontremos
incluídos no campo do autismo desde um lactente que não apresenta aninhamento;
sujeitos que não falam; outros que falam em demasia e até mesmo personagens
como A. Einstein e A. Hitler (Maleval, 2003). Essa situação faz as taxas de
prevalência do autismo oscilarem de 0,5 a 16 por 10.000 – sendo que se
considerarmos a noção de espectro, chegaria a 50/10.000 (Gadia, Tuchman e Rotta,
2004) – bem como contrapõe até os que seguem as mesmas referências
bibliográficas (Rocha, 2003).
É preciso dizer que as controvérsias permeiam a história desse conceito desde a
cunhagem do termo autismo por E. Bleuler. Esse ato representou, por um lado, uma
negação das teses freudianas, mas, por outro, foi influenciado por essas (Rocha,
2003). Já no texto de Leo Kanner que inaugura a invenção da síndrome autística –
ou seja, quando deixa de ser apenas um sintoma da esquizofrenia – existem algumas
contradições que ressoam em muitas das querelas atuais ao serem aprofundadas por
diversas e conflitantes teorias (Cavalcanti e Rocha, 2001). Além disso, o
engendramento da noção de autismo foi efetuado principalmente por duas narrativas
sobre as crianças aí incluídas: a primeira, fomentada por uma psicanálise de viés
psicogenético, que fez do autismo a patologia do precocíssimo, situando o dito
autista no grau zero de subjetivação, num mundo primitivo, pré-verbal e dominado
por sensações; a segunda, possibilitada por relatos mais recentes que visavam à
inclusão das habilidades dos autistas, negando a imagem de nulidade psíquica, mas
que apreende o atualmente chamado espectro autista também pelo déficit, que
agora seria cognitivo e não mais uma vicissitude do desenvolvimento afetivo ou da
constituição subjetiva. O efeito disso tudo é que existem atualmente várias definições
do que seria o autismo e de quem são os sujeitos incluídos nesse campo.
No entanto, parece-nos que, apesar da diversidade de teorias e querelas, os
fenômenos associados ao autismo, desde Kanner até hoje, põem em jogo a relação
com a alteridade. O fato de que crianças ditas autistas demonstram que certos
objetos – principalmente quando trazem a marca do imprevisto – podem ser
ameaçadores e causar reações extremadas de fuga ou mesmo terror e que pessoas
podem não as afetar – desde que sejam tratadas como objetos – parece significar
que se trata menos de um rejeição às pessoas e apego aos objetos do que
alterações na relação daquilo que se apresenta a elas como alteridade. Sendo assim,
consideramos que a leitura lacaniana da Psicanálise pode contribuir efetivamente
para o debate e quiçá promover uma reordenação desse campo, por tratar o tema
da alteridade de uma forma que a distingue dos demais saberes.

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Membro do Corpo Freudiano, seção Fortaleza, Professor substituto do Departamento de Psicologia da
Universidade Federal do Ceará e Psicólogo Escolar do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará. E-
mail: rochafh@yahoo.com.br; (85) 3288-3655.
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A partir das teses lacanianas, para pensar a constituição subjetiva é preciso ir


além da relação com o semelhante, o outro, o parceiro imaginário, sendo
fundamental levar em conta a relação com o Outro. Lacan fez vários usos da noção
de Outro desde que a introduziu nos anos 50. Nesta época, baseia-se na
primariedade do simbólico sobre os registros do imaginário e real, de forma que “a
realidade é marcada de saída pela aniquilação simbólica” (Lacan, 1955-56, p.171). A
noção de Outro representa aqui o lugar da cultura, o campo da linguagem
preexistente ao sujeito (onde se inscrevem as relações de parentesco, o nome, os
traços da história familiar, da comunidade…), sendo o próprio sistema de
referenciação das manifestações fenomênicas. O Outro é aí o tesouro dos
significantes, o lugar de uma rede, de um todo, de um conjunto interdependente
desses elementos diferenciais mínimos da estrutura de uma linguagem, de onde se
toma emprestado as palavras para que se possa dizer algo. É um lugar terceiro de
onde vêm em uma mensagem invertida os significantes que fundam a posição do
sujeito. O Outro pode, então, ser entendido como o universo prévio da palavra,
sendo, segundo Miller (1988, p.22), “o grande Outro (A) da linguagem, que está
sempre aí. É o Outro do discurso universal, de tudo o que foi dito, na medida em que
é pensável”.
O Outro é o lugar em que a constituição subjetiva se dá, sendo o elemento
anterior necessário e o regulador da relação imaginária. Para se instaurar a
antecipação ortopédica da totalidade corporal no estádio do espelho, é preciso o
cone simbólico, como apontado nos esquemas ópticos, isto significa que para haver
a alienação à imagem do outro, eixo de toda relação simétrica com o semelhante – é
necessário que antes o Outro invista libidinalmente, afirme com seus significantes
uma imagem (Lacan, 1949; 1961). Para haver a constituição dessa imagem
narcísica, o infans tem que lidar com o lugar reservado no desejo de quem ocupa
primordialmente a posição de Outro, ou seja, com o fato de já antes do nascimento
biológico a constituição subjetiva se iniciar, visto que o infans representou algo, um
objeto valioso ou mesmo um desconforto, para outros.
Podemos dizer que o primeiro ato do Outro é pôr sob seus significantes o
infans, é submetê-lo a seu saber. A posição inicial na constituição subjetiva é a de
ser falado por esse Outro que representa a estrutura prévia da linguagem. Parece-
nos que é a isto que corresponde a ação do Outro na operação de alienação. Para
Lacan (1964, p.178), “o sujeito provêm de seu assujeitamento sincrônico a esse
campo do Outro”, sendo “determinado pela linguagem e pela fala, isto quer dizer
que o sujeito in initio, começa no lugar do Outro, no que é lá que surge o primeiro
significante” (ibid., 187). Então, será fundamental escutar no discurso de quem cuida
da criança os significantes aos quais este sujeito está suposto - sub-posto, posto de
baixo (Soler, 1999) – na medida em que é representado, falado por seus cuidadores.
Esse Outro, sendo a estrutura a priori da linguagem, também é composto de um
resto, um não-todo logicamente necessário para haver um todo, o que implica que
sua oferta de significante para o sujeito não captura a totalidade do ser vivente
desse sujeito, deixando algo não-representável (resto de gozo), ao mesmo tempo
em que transforma o vivente em sujeito do significante, ao petrificá-lo sob o
significante (Lacan, 1964; Freire, 2002).
Mas, para haver engendramento de um sujeito do desejo, Lacan (1964)
assinala a necessidade de um outro momento lógico: a operação de separação. Esta
operação só é possível se a falta no Outro é afirmada, consentida mediante a
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operação da função paterna, diferindo daquele Outro que se pretende pleno da


operação de alienação. É um Outro que deseja além da criança como seu objeto de
satisfação. Desse modo aquele resto, falta prévia só agora produz seus efeitos na
causação de um sujeito falante, na medida em que é recoberta por esta segunda
falta, em que é no produto destas duas faltas que há a queda do objeto a,
subtraindo de gozo o Outro. Surge, separado do Outro, um sujeito do desejo que,
por sua fantasia, tenta representar o gozo no interior do Outro, mas, só conseguindo
inscrever aí um gozo parcial, ou seja, protegendo-se da invasão do gozo pleno do
Outro (Freire, 2002). Das vicissitudes na alienação e na separação é que são
possíveis as diferentes formas de um ser humano se situar no mundo, seja na
psicose, neurose ou na perversão. Desta forma, a preexistência do campo do Outro é
elemento imprescindível e determinante para que alguém possa nascer
subjetivamente.
Dividindo assim o campo da alteridade entre o outro e o Outro, nossa questão
passa a ser se o que se chama de autismo se explica melhor por uma ausência de
relação com o Outro ou se seria exatamente a existência de um laço peculiar com o
Outro que o tornaria inteligível.
Para Laznik-Penot (1997; 1998), o autismo representa o fracasso da alienação,
o que impediria o fechamento do circuito pulsional. Segundo a autora, para se fechar
este circuito seria necessário um outro concreto para pôr em jogo seu gozo. Daí,
continua, o infans poderia se fazer objeto desse outro e, assim, o campo do Outro se
abriria. Sem isso, Laznik-Penot afirma que o corpo do autista não seria pulsional, os
orifícios corporais não funcionariam como zonas erógenas, não fazendo borda, o que
explicaria a hipotonia e o escorrer incontinente da saliva de muitos autistas. A autora
assinala ainda que haveria apenas o corpo da necessidade, comprovando que,
segundo ela, a vida humana seria possível sem pulsão em funcionamento. Isto
permite Laznik-Penot (2000, p.84) repetir o ato de Bleuler e afirmar: “ora, se
retirarmos eros, auto-erotismo se lê: autismo”.
O responsável pelo fracasso da alienação e, assim, pelo autismo, para Laznik-
Penot, seria a incapacidade de alguém do entorno da criança sustentar o lugar de
Outro. Este é denominado de Outro real para apontar que é um Outro sustentado
por um outro de carne e osso. Conforme a autora, seria essa ausência de Outro que
também explicaria a sintomatologia unanimemente associada pelos psicanalistas ao
autismo, a saber, a carência de uma unidade imaginária corporal. Laznik-Penot
também assinala o autismo como anterior ao Estádio do Espelho, uma problemática
pré-especular. A falta de uma representação unitária do corpo seria a razão de se
verificar empiricamente que muitos autistas tratam o próprio corpo como partes
isoladas e o corpo do outro como um contínuo corporal. Na identificação especular, o
Outro ofereceria uma imagem ao infans em relação à qual este demandaria em
seguida a confirmação de que a imagem é sua a esse mesmo Outro.
Segundo Laznik-Penot, no autismo, sem Outro não haveria imagem nenhuma
em relação a qual o infans pudesse demandar reconhecimento. Não haveria aí um
Outro que investisse de libido o corpo do bebê, ou seja, segundo a autora, um Outro
que, a partir de sua falta, recortasse o infans à imagem do objeto de desejo do
Outro. Novamente, esta autora afirma que os adultos do entorno veriam a criança
somente ao nível da necessidade, o que produziria o não-olhar muito relatado
naqueles denominados de autistas (Laznik-Penot, 1997; 1998; 2000).
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Esses argumentos de Laznik-Penot nos parecem representativos dos que


afirmam a ausência de Outro no autismo e consideramos que, no geral, poderiam
explicar os sintomas relativos a uma possível passividade dos autistas. Essa
passividade se veria na indiferença à presença ou quando se os chama pelo nome,
na não sustentação do olhar, na fragmentação corporal, no corpo inerte… No
entanto, esta postura nos parece, por um lado, problemática, pois conduz muitos
autores a recusar aos autistas o que é peculiar à condição humana, na medida em
que sem a instituição do campo do Outro a subjetivação não se inicia. Não é por
acaso que vimos surgir nos textos dos defensores da ausência de Outro a idéia de
que o autista estaria no grau zero da subjetivação, no limiar humano/infra-humano,
fora do campo da linguagem, definindo a clínica do autismo como a do precocíssimo,
na qual se veria a instauração primeira do psiquismo e a entrada do autista na
humanidade. Enfim, parece que para esses autores o dito autista desvelaria os
segredos da origem, uma vez que representaria o mítico elo perdido (Rocha, 2003).
Por outro lado, chamou-nos a atenção que os relatos clínicos inclusive desses
autores não parecem corroborar a tese de não-constituição subjetiva no autismo
(ibid.). Primeiro, porque se admite que são raros os casos em que se possa ir tão
fundo nessa negação da constituição subjetiva. Depois, porque essa tese não nos
parece explicar o fato de que essas crianças não são só passivas, hipotônicas; mas
também se mostram ativas. Se tais crianças não sustentam o olhar em certas
situações, podem fazê-lo em outras, o que indica uma seletividade; além disso, elas
também evitam, desviam o olhar, muitas vezes torcendo o pescoço para o lado
contrário ao do rosto do adulto que as segura. Ora, isto é mais um não poder
olhar/não poder não desviar o olhar, ou seja, uma exclusão ativa do outro. O
evitamento do contato, a surdez específica à voz humana – ainda que suas reações
indiquem que acompanham atenta e seletivamente o que se diz – apontam também
menos uma negatividade da ação (não-olhar) do que uma ação negativa (rejeitar,
evitar o olhar).
A hipótese de que o evitamento do olhar pelo autista seria uma defesa por não
encontrar a imagem de totalidade no olhar de alguém do entorno não nos parece
plausível. Isto exigiria supor que o infans demandaria a imagem antes de ser
ofertada pelo Outro. Também não nos parece aceitável a idéia desse evitamento do
contato, do olhar pelo autista decorrer da não-constituição do aparelho psíquico em
virtude da ausência do Outro, pois isto não explicaria a seletividade do que é evitado.
Ademais, se os adultos do entorno tratam o autista somente ao nível da necessidade,
não dando a ele valor em suas dinâmicas subjetivas, como entender o fenômeno
descrito por Laznik-Penot (1997) de que o autista, impassível ante uma interpretação
endereçada a si, mostra-se muito atento quando a interpretação incide na dinâmica
subjetiva de sua “mãe”? O que explicaria esse “parasitismo do inconsciente materno”
(Laznik-Penot, 1997, p.84), se não haveria nenhum investimento psíquico dessa
“mãe”? Seria uma ligação natural mãe-filho? Enfim, se não se institui o Outro para o
infans se destacar da indiferença, do que, então, essas crianças denominadas de
autistas se defendem?
Zenoni (1991) afirma que, ao contrário de uma ausência de Outro, os sintomas
do autismo desvelam uma tomada absoluta, sem limite da criança no campo prévio
da linguagem que nos especifica como humanos. Os ditos autistas se protegem de
um Outro absoluto, intrusivo que os toma como meros objetos. Isto nos parece se
verificar quando se vê que, em geral, os pais, ao contrário de carentes de
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significantes como podem definir alguns, falam dessas crianças, inclusive afirmando
saber com certeza sobre as razões das vicissitudes subjetivas de seus filhos (o que
tem levado alguns a se tornarem especialistas no tema). Soler (1999, p.222) afirma
que, desse modo, a posição subjetiva dessas crianças é a de ser puro significado do
Outro, o que implica que “essas crianças são sujeitos, mesmo que elas não falem,
uma vez que são tomadas no significante pelo fato de se falar delas; no Outro há
significantes que os representam”. Soler relembra que esta é a primeira emergência
de todo sujeito: a submissão ao saber do Outro, ou seja, ser efeito do surgimento de
um significante primeiro no campo do Outro.
Mas nesta posição de signo para o Outro, o autista está submetido a uma
pulverização, fragmentação dos significantes, do S1. Por essa razão, Soler (ibid.,
p.226) afirma, primeiro, que o autista busca “travar a dialética da palavra, em
manter-se na relação com uma ou duas demandas absolutamente esterotipadas,
repetitivas, sem enunciação. Tudo que se move do lado do Outro, tudo o que
multiplica suas demandas” ameaça a frágil estabilidade desse sujeito. Isso quer dizer
que se o autista se sustenta sob o S1 isolado, se é puro significado para o Outro, a
dialética da palavra só pode produzir a queda desse sujeito que não tem o suporte
de uma cadeia significante articulada. Em segundo lugar, Soler assinala que não se
trata aí de Outro da paranóia, com seu desejo enigmático e persecutório, mas de um
Outro que se pretende sem furo, sem resto.
É por isto que Soler propõe representar essa posição subjetiva dos ditos
autistas como uma peculiar escolha alienante na qual são ou puros viventes, sem
libido (portanto inertes) ou uma máquina significante. Isto explica a oscilação do
autista entre a desvitalização (na qual, encontra-se a passividade, o corpo
hipotônico) e a mecanização, automatização (na qual o autista se apresenta ativo),
visto que, posto embaixo de seus significantes, o Outro invade o vivo, capturando
por completo o autista, o que faz com que, quando o autista surge animado
libidinalmente (ativo), a libido só possa ser do Outro. Esse laço do autista com o
Outro também produz o funcionamento fora-das-normas que se manifesta tanto nos
deficit quanto nos desempenhos superiores que sempre surgem nos relatos clínicos,
bem como os problemas na constituição imaginária, ou seja, “no balizamento das
fronteiras entre seu corpo [do autista] e do Outro” (Soler, ibid., p.227), de modo que
é como se o autista estivesse em contínuo com o Outro.
Assim, os fenômenos autísticos desvelam que essas crianças se comportam
como se os sinais de presença do Outro fossem intrusivos. A voz, o olhar, mas
também tudo que é imprevisível pode ser tomado como signo da presença do Outro,
o que explica a heterogeneidade de eventos que podem perturbar os autistas. Mas
também, há os fenômenos de anulação do Outro (a recusa, a evitação do olhar, da
voz etc.). Haveria ainda a rejeição da palavra do Outro, no que esta pode ter de
intimação, tendo como reverso a ausência de apelo. Por último, a adesividade
concreta a esse que ocupa o lugar de Outro que, ao se afastar pode provocar a
queda, a desvitalização do dito autista (Soler, ibid.).
Assim, parece-nos que o autista se defende de um Outro que não foi esvaziado
de gozo. Isso que dizer que não há para o autista a garantia de que haverá um resto
não-significantizável. Há uma não-delimitação do que se apropria do vivo, esse Outro
ameaça capturar em seu campo o autista de modo absoluto. Talvez seja isto que nos
diz o adulto que cuida do autista quando rispidamente e em silêncio retira da boca
da criança um objeto como se retirasse da própria boca. Ora, mas isto nos impede
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de supor a inexistência da estrutura prévia da linguagem, pois é exatamente da


incidência dessa estrutura que estas crianças se defendem. Em outras palavras,
protegem-se do verbo, se lembramos a advertência de Lacan (ante o relato de uma
criança que não falava e tapava os ouvidos) de que não é por não falar que se está
no pré-verbal (Lacan, 1968). Em outro momento, Lacan (1975b, p.12) afirma ser
difícil de imaginar seres que nunca escutam nada, pois se é dito que alguém só
escuta o barulho, é porque tudo fala a seu redor e propõe que, “como o nome
indica, os autistas escutam a si mesmos (…) trata-se de saber por que há algo no
autista, ou no chamado esquizofrênico, que se congela”. E continua, defendendo que
não se pode dizer que o autista não fala, apesar da dificuldade para escutá-los e
entender o que dizem, uma vez que são personagens bastante verbosos. Poucos
meses depois, Lacan (1975a, p.45-6) define os autistas como “pessoas para quem o
peso das palavras é muito sério e que não estão facilmente dispostas a estar à
vontade com essas palavras”.
Assim, apontamos para a hipótese de que o dito autista se relaciona com um
Outro absoluto, o campo prévio da linguagem, o que quer dizer obviamente que não
se trata do Outro da separação. Logo, não há a extração do objeto a para designar
algo além do significante. Sem este furo, parece-nos que o dito autista vacila entre a
mecanização (ao ser englobado pelo Outro) e uma recusa do Outro, de seu
movimento, para impedir a invasão de seu gozo absoluto. O que condiz com a
condição humana, visto que, segundo Lacan (1968, p.03), “toda formação humana
tem por essência, e não por acidente, refrear o gozo”.

Referências Bibliográficas

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