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Fúlvio Holanda Rocha - Autismo Na Infância e Psicanálise
Fúlvio Holanda Rocha - Autismo Na Infância e Psicanálise
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Membro do Corpo Freudiano, seção Fortaleza, Professor substituto do Departamento de Psicologia da
Universidade Federal do Ceará e Psicólogo Escolar do Centro Federal de Educação Tecnológica do Ceará. E-
mail: rochafh@yahoo.com.br; (85) 3288-3655.
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significantes como podem definir alguns, falam dessas crianças, inclusive afirmando
saber com certeza sobre as razões das vicissitudes subjetivas de seus filhos (o que
tem levado alguns a se tornarem especialistas no tema). Soler (1999, p.222) afirma
que, desse modo, a posição subjetiva dessas crianças é a de ser puro significado do
Outro, o que implica que “essas crianças são sujeitos, mesmo que elas não falem,
uma vez que são tomadas no significante pelo fato de se falar delas; no Outro há
significantes que os representam”. Soler relembra que esta é a primeira emergência
de todo sujeito: a submissão ao saber do Outro, ou seja, ser efeito do surgimento de
um significante primeiro no campo do Outro.
Mas nesta posição de signo para o Outro, o autista está submetido a uma
pulverização, fragmentação dos significantes, do S1. Por essa razão, Soler (ibid.,
p.226) afirma, primeiro, que o autista busca “travar a dialética da palavra, em
manter-se na relação com uma ou duas demandas absolutamente esterotipadas,
repetitivas, sem enunciação. Tudo que se move do lado do Outro, tudo o que
multiplica suas demandas” ameaça a frágil estabilidade desse sujeito. Isso quer dizer
que se o autista se sustenta sob o S1 isolado, se é puro significado para o Outro, a
dialética da palavra só pode produzir a queda desse sujeito que não tem o suporte
de uma cadeia significante articulada. Em segundo lugar, Soler assinala que não se
trata aí de Outro da paranóia, com seu desejo enigmático e persecutório, mas de um
Outro que se pretende sem furo, sem resto.
É por isto que Soler propõe representar essa posição subjetiva dos ditos
autistas como uma peculiar escolha alienante na qual são ou puros viventes, sem
libido (portanto inertes) ou uma máquina significante. Isto explica a oscilação do
autista entre a desvitalização (na qual, encontra-se a passividade, o corpo
hipotônico) e a mecanização, automatização (na qual o autista se apresenta ativo),
visto que, posto embaixo de seus significantes, o Outro invade o vivo, capturando
por completo o autista, o que faz com que, quando o autista surge animado
libidinalmente (ativo), a libido só possa ser do Outro. Esse laço do autista com o
Outro também produz o funcionamento fora-das-normas que se manifesta tanto nos
deficit quanto nos desempenhos superiores que sempre surgem nos relatos clínicos,
bem como os problemas na constituição imaginária, ou seja, “no balizamento das
fronteiras entre seu corpo [do autista] e do Outro” (Soler, ibid., p.227), de modo que
é como se o autista estivesse em contínuo com o Outro.
Assim, os fenômenos autísticos desvelam que essas crianças se comportam
como se os sinais de presença do Outro fossem intrusivos. A voz, o olhar, mas
também tudo que é imprevisível pode ser tomado como signo da presença do Outro,
o que explica a heterogeneidade de eventos que podem perturbar os autistas. Mas
também, há os fenômenos de anulação do Outro (a recusa, a evitação do olhar, da
voz etc.). Haveria ainda a rejeição da palavra do Outro, no que esta pode ter de
intimação, tendo como reverso a ausência de apelo. Por último, a adesividade
concreta a esse que ocupa o lugar de Outro que, ao se afastar pode provocar a
queda, a desvitalização do dito autista (Soler, ibid.).
Assim, parece-nos que o autista se defende de um Outro que não foi esvaziado
de gozo. Isso que dizer que não há para o autista a garantia de que haverá um resto
não-significantizável. Há uma não-delimitação do que se apropria do vivo, esse Outro
ameaça capturar em seu campo o autista de modo absoluto. Talvez seja isto que nos
diz o adulto que cuida do autista quando rispidamente e em silêncio retira da boca
da criança um objeto como se retirasse da própria boca. Ora, mas isto nos impede
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Referências Bibliográficas
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de Mestrado, Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
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