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Português – 12ºAno - 2022/2023

Fernando Pessoa – A fragmentação do “eu”

Não sei quantas almas tenho.

Não sei quantas almas tenho.


Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,

Atento ao que sou e vejo,


Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo


Como páginas, meu ser
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa, 24-8-1930


Novas Poesias Inéditas. Fernando Pessoa. (Direção, recolha e notas de Maria do Rosário Marques
Sabino e Adelaide Maria Monteiro Sereno.) Lisboa: Ática, 1973 (4ª ed. 1993).

Atividades:

1. Neste poema a fragmentação do eu assume um carácter múltiplo e contínuo.


1.1. Identifica os processos linguísticos utilizados para o dizer.
2. A alma fragmentada do poeta transporta consigo o desconhecimento de si mesmo, a
perda de identidade, a estranheza, a angústia, a solidão.
2.1. Transcreve as expressões que ilustram estas consequências psíquicas da
pluralidade.
3. O poeta assiste à sua fragmentação, como um espetador distanciado.
3.1. Analisa e interpreta as metáforas utilizadas nas estrofes 2 e 3 para transmitir essa
distanciação.
4. Alheado e distante de si mesmo, como se relaciona o poeta com o tempo?
Seleciona a opção que completa de modo correta cada afirmação / pergunta.

1. O verso 1 traduz
a) a dúvida do sujeito lírico acerca da sua alma.
b) a estranheza do sujeito poético relativamente ao seu número de almas.
c) a dúvida e a indefinição do sujeito lírico relativamente à sua identidade.

2. O verso 2 remete para


a) a constante fragmentação e a divisão do sujeito poético.
b) a mudança que se opera momentaneamente no sujeito poético.
c) a criação dos heterónimos, em consequência da tendência do sujeito poético para a
despersonalização.

3. O verso 3 é uma “consequência” dos dois anteriores. A alternância presente /


passado e o uso do advérbio “continuamente”
a) expressam a oposição entre a vida passada e presente do sujeito poético.
b) exprimem a continuação do estado de espírito do passado no presente, com projeção
para o futuro.
c) estão ao serviço da expressão da sensação de estranheza do sujeito poético
relativamente a si mesmo, consequência da constante mudança.

4. O verso 4 remete para


a) a tendência para a autoanálise, para a reflexão por parte do sujeito poético e para a
incapacidade de se encontrar.
b) a incapacidade de o sujeito poético definir um rumo para a sua vida.
c) as consequências do facto de se considerar um estranho no próprio corpo.

5. O recurso ao vocábulo «Nunca» (v. 4) significa que


a) apesar da autoanálise, o sujeito poético não é capaz de se encontrar e pacificar.
b) apesar da autoanálise, o sujeito poético não consegue atingir um momento que seja de
conhecimento integral.
c) é um estratagema para despistar a angústia que o sujeito poético sente pela tendência
para a despersonalização.

6. O verso 5 significa que


a) o sujeito poético sente não ter vida, mas só alma, dado que a sua vida é (foi) toda
racionalizada («sente na alma, mas não no corpo»).
b) a multiplicidade de «eus» conduz o sujeito poético à ausência de ser, limitando a sua
existência.
c) o sujeito poético deseja a morte, transformar-se em alma / espírito, pois só assim pode
alcançar a calma que a instabilidade da vida lhe nega.
7. «Quem tem alma não tem calma» (v. 6) quer dizer que
a) quem apenas é capaz de sentir e não racionaliza antes de agir vive em permanente
instabilidade.
b) o espírito do sujeito poético é incapaz de encontrar a paz e o sossego em qualquer
circunstância.
c) a instabilidade domina a vida do sujeito poético, dado que, porque é constituído
apenas por alma, vive na ânsia de se encontrar, daí não ter calma, sossego.

8. Os dois versos que encerram a primeira estrofe assentam


a) no pressuposto de que os sentido enganam e limitam a perceção do ser humano
acerca do significado da vida.
b) na antítese viver / pensar, isto é, entre os que vivem a vida sem a pensar e os que a
pensam.
c) na ideia de que a vida deve ser pensada e só posteriormente vivida de acordo com os
ditames da razão.

9. Os versos 9 e 10 confirmam
a) a despersonalização do sujeito poético, que se transforma noutras figuras.
b) a divisão do sujeito poético entre ver e ser, isto é, sentir e pensar.
c) que Pessoa era, de facto, um lunático.

10. Os versos 11 e 12 acentuam o traço do sujeito poético identificado na pergunta


anterior, pois
a) “eles” constituem um sinal das suas “visões” e loucura.
b) “eles” sonham e desejam independentemente de si mesmo.
c) “eles” constituem o sinal da sua divisão entre o sentir e o pensar.

11. As metáforas dos versos 13 e 14 sugerem o papel do sujeito poético:


a) observador de paisagens.
b) observador da realidade circundante, ao jeito de Cesário Verde.
c) espetador de si mesmo.

12. A tripla adjetivação do verso 15 sintetiza os traços da personalidade do sujeito


poético:
a) múltiplo e fragmentado (“_____”), volúvel e inconstante, causa e agente de outras
personalidades (“_____”), e, por isso ou apesar disso, solitário (“_____”).
b) múltiplo e fragmentado (“_____”), causador da sua própria instabilidade (“_____”) e
agente da solidão das diferentes personalidades (“_____”).
c) com diversas atitudes face à vida (“_____”), em permanente mobilidade e errância
(“_____”) e, por isso, solitário (“_____”).

13. O verso 16 traduz


a) a incapacidade de o sujeito poético sentir.
b) a constante inadaptação do sujeito poético.
c) nenhuma das hipóteses anteriores-

14. O adjetivo «alheio» (v. 17) exprime


a) o sentimento de estranheza e de autodesconhecimento face a si próprio.
b) o modo distraído como o sujeito poético lê.
c) a atitude intelectual do sujeito poético.

15. A metáfora da vida como um livro (vv. 17-18) sugere


a) a despersonalização do sujeito poético, que se distancia para se ver.
b) a cultura livresca do sujeito poético, que se apresenta como um escritor da própria
vida.
c) o ensimesmamento do sujeito poético, perdido na leitura metafórica do seu percurso
de vida.

16. Na última estrofe, o sujeito poético apresenta-se como


a) um ser material e corpóreo em permanente mutação.
b) um ser semelhante aos demais que procura a unidade na diversidade.
c) um livro com várias páginas escritas pelos diversos «eus» do «eu».

17. Dada a sua despersonalização e tendência para a mudança contínua, o eu lírico


a) é incapaz de prever o futuro e o passado.
b) esquece o passado e é incapaz de prever o futuro.
c) sente a angústia do presente pelas diversas páginas do livro que é a sua vida.

18. O sujeito poético não sabe verdadeiramente quem é ou quem foi que
a) causou a permanente volubilidade que caracteriza a sua existência.
b) o conduziu àquele estado de confusão e à sensação de estranheza face a si mesmo.
c) sentiu o que supõe que sente, pois vê-se como um palco no qual atuam diferentes
atores, os seus outros «eus».

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