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PERIGOSAS NACIONAIS

TRILOGIA

Amor nas Alturas

C. Caraciolo

PERIGOSAS ACHERON
PERIGOSAS NACIONAIS

Ficha Técnica

Copyright 2018 Clara Caraciolo Taveira

Todos os direitos reservados.

Trilogia Amor nas Alturas

Autora: C. Caraciolo

Revisão: Raphael Pellegrini (Capitu Já Leu)

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Sumário
Primeiro encontro

Convite

Chegando na mansão

Estranho

Primeiro café

Work³

Pesquisas de tendência

Desconfiança

A viagem

Barcelona

Pré-show
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Madrid

Paris

Presentinhos

Zurique

Bruxelas

Amsterdã

Oslo

Estocolmo

Sorriso Secreto

Prólogo

Copenhague

Munique

Berlim

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Depois de todo esse tempo

Moscou

Dublin

Londres

Manchester

Alexandro

Glasgow

Atenas

Roma

Milão

Lisboa

Sevilha

Madrid (de novo)

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Arrumações

De volta

Vingança

Máquinas de costura

No apartamento

Mergulho indesejado

Dezembro

Paixão Antiga

Prólogo

Rio de Janeiro

Júlia

Sensei

Rio Sul

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Pré-natal

Cortadores de biscoito

Presentes de natal

Na casa de Roberto

Nova aposta

Onze de janeiro

Antigos namorados

Voltando para Londres

Contemplação

Conhecendo o sogro

Amiga antiga

Mil fotos

Última noite

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Muito de você

Despedida

Primeiro Mês

Segundo Mês

Terceiro Mês

Melange

Café bom

Um pouco de ação

Abre mão de algo?

Conflituoso

Era óbvio

Rua Boquete Pinto

Epílogo

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Bônus: Via de mão dupla

Capítulo 1

Capítulo 2

Capítulo 3

Capítulo 4

Capítulo 5 – Final

Agradecimentos e redes sociais

INVISÍVEL

Sinopse

Parte 1

Capítulo 1

Capítulo 2

Parte 2

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Capítulo 1

Capítulo 2

Parte 3

Capítulo 1

Capítulo 2

Agradecimentos

Conheça outros livros da autora

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Find me in the forest, in the fire

Find me in the midst of your desire

I got love in high places

Love in high places

Find me in the secrets, in the lies

Find me in the darkest place, in the light

I got love in high places

I see the love in all the faces[1]

Love in high places — Kimbra

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Primeiro encontro
Há muitas coisas sobre minha vida que eu
não costumo contar a ninguém. Ninguém mesmo,
salvo amigos muito próximos. Já notei que há
certos colunistas de revistas de fofoca que têm um
desejo imenso de saber de minha relação com
Alexandro ou mesmo o motivo para eu não falar
mais com meus pais. Soube, inclusive, que um
deles já tentou entrevistar minha irmã nos Estados
Unidos! Júlia me contou que precisou de uma força
de vontade imensa para não fazer a Britney em
2006 e tacar um guarda-chuva nele.

Mas, estranhamente, houve uma pessoa que


conseguiu derrubar esse meu lado silencioso.
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Jamais, jamais mesmo, eu entendi o motivo de ter


contado tudo o que houve comigo para ele. Não sei
se foi sua profissão, se foi o clima de intimidade —
provavelmente não, há uma diferença muito grande
entre intimidade sexual e intimidade afetiva — ou
se simplesmente sua figura imponente me causava
algum tipo de segurança. O ponto é que naquela
manhã eu despejei tudo que sentia em relação aos
meus receios em Gabriel como se ele fosse meu
amigo de anos.

Vamos por partes.

A primeira coisa que você precisa saber é


que eu não fui penetra naquele show, como muita
gente diz. Antônia, vocalista da Trophy Husband e

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uma de minhas melhores amigas, cansada de me


ver deprimida pelo que Alexandro fizera comigo,
decidiu, de última hora, me enfiar na lista de staff
de sua banda, que abriria o show da incrível Sissy
Walker. Assim, do nada: “Lena, você vai viajar
comigo para outro país como figurinista da banda,
e Luciana vai como nossa maquiadora. Seu
passaporte tá ok?”

Felizmente, estava. Tanto eu quanto


Luciana, minha sócia, temos dupla cidadania, então
conseguir tudo às pressas foi mais fácil do que
poderia ser para outras pessoas. Ainda assim, mal
tivemos tempo para refletir quão doida era aquela
situação.

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Ora bolas, a Trophy Husband, banda de


nossa melhor amiga, ia abrir o show da maior
banda de rock indie da atualidade! Não era uma
loucura? Sim, com certeza!

Luciana estava em êxtase. Mesmo sendo


uma pessoa normalmente blasé, madura demais
para seus vinte e um anos, uma prodígio, já
formada em Administração de Empresas e, na
época, cursando Marketing, ela não conseguia
esconder a felicidade. Sissy era uma de suas bandas
preferidas, e ela tinha uma paixonite imensa em
relação à vocalista, Betty. Se eu não tivesse certeza
absoluta que Lu é heterossexual, pensaria que
estava na hora de minha amiga sair do armário!

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Eu estava achando tudo bacana, mas nada


de muito sensacional. Claro, viajar de graça para
outro país, ouvir um show incrível em um festival
de rock badaladíssimo e ainda conhecer um monte
de gente famosa e, quem sabe, fazer contatos, era
incrível. Mas, naquela época, nada me animava
totalmente. Sempre havia um certo receio, um
monstrinho ali, pendurado no meu ombro, sempre
sussurrando no meu ouvido “tá feliz por quê? Não
abaixa essa guarda não, bruaca! Olha o que
aconteceu com você há dois anos, quando você
relaxou! Não aprendeu a lição?”

O monstrinho me acompanhou durante a


gigante viagem de avião — como Londres é
distante do Brasil, meu Deus do céu! — e fez
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questão de ficar em alerta quando eu fui deixada


sozinha no backstage do show: a Trophy Husband
foi para um lado, Luciana para outro, e eu,
distraída, fiquei parada, observando o caos dos
bastidores.

Confesso: a culpa foi minha. Estava


fascinada com aquela correria. Já era familiarizada
com o backstage de eventos de moda, claro,
levando em conta que eu mesma organizei alguns
para minha marca, a Wings, e para outras que me
contratavam como consultora. Mas eu nunca havia
estado atrás das cortinas de um show de rock. A
energia era outra, era tudo muito intenso! Nada de
modelos seminuas ou araras de roupas a cada cinco
metros. O lance ali, obviamente, era outro.
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Por um momento, o monstrinho em meu


ombro tentou encher meu saco, até que cansou e
sossegou, de tão imersa eu estava, acompanhando o
caos, a correria, a gritaria, ouvindo a multidão ao
longe gritando pela Sissy Walker.

Foi aí que eu o notei.

E, de repente, a multidão silenciou, ao


menos para mim e pelo menos por meio minuto, até
Tony me encontrar.

— Lena!! Lenita, você precisa ver o


camarim, eu me sinto uma rockstar famosíssima
nele e...! — Antônia parou de me puxar pelo braço
e seguiu meu olhar, dando uma risada quando
entendeu o que eu estava tanto olhando. — Eu

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sabia que você ia se interessar por ele, sua vadia! É


o segurança da Sissy Walker, Gabriel! Conheci
meses atrás, quando começamos a negociar esse
show!

A voz de Tony, rouca, sexy, potente,


parecia um zumbidinho de criança.

Eu realmente estava mesmerizada olhando


aquele homem. Era o espécime masculino mais
atraente que eu já vira em todos os meus então
vinte e quatro anos de idade. Confesso que de
imediato fiquei tão impressionada com seu rosto,
que não prestei atenção no restante. Foquei
principalmente em sua boca, rígida numa linha fina
que mostrava sua concentração, e em seus olhos

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emoldurados por cílios escuros. Suas sobrancelhas


eram levemente arqueadas na pontinha externa,
fazendo com que seu olhar parecesse eternamente
severo.

Desci os olhos por seu corpo e fiquei muito


satisfeita com o que vi. Ele tinha um porte muito
bonito, com braços fortes e um corpo do jeito que
mais me atraía: grande, mas sem parecer um pote
de Whey ambulante.

— Helena! — Tony exclamou, e eu parei de


mirar o homem delicioso que nem notara a minha
presença. — Escuta o que eu tenho a dizer,
mocreia!

— Perdão, querida, pode dizer. Desculpe,

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eu só... — tentei explicar, mas não consegui, então


só apontei para o tal do Gabriel. — Ele é britânico?
Não me parece um nome inglês...

Tony deu um meio sorriso irônico e afastou


a franja ruiva da frente dos olhos, ajeitando seu
cabelo repicado enquanto explicava:

— Não, não, ele também é brasileiro, como


Betty e Aline. Do sul do país, se não me falha a
memória, mas mora em Londres há uns vinte anos.
Eu, se fosse você, amiga, desistia. Betty me contou
que ele é praticamente assexuado. Vive para o
trabalho, e nesses anos de banda, quase não foi
visto acompanhado.

Dei um suspiro, ligeiramente decepcionada,

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até que, como se estivesse nos escutando, apesar da


distância, ele voltou o rosto em minha direção.

Dessa vez, não somente a multidão


escandalosa silenciou, como minha amiga também.

Que olhar, que aparência, que porte. Que


homem!

Ele parecia intrigado com algo enquanto me


olhava, até que um mínimo sorriso despontou em
seus lábios, sumindo imediatamente quando
alguém parou em frente a ele e perguntou alguma
coisa.

— Opa! Ele sorriu para você! Viu? — Tony


perguntou, a animação tão nítida na voz, que
ultrapassou a bolha de desejo que estava me

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isolando acusticamente do mundo inteiro. — Há


esperanças, então. Bom, querida, pare de querer se
dar bem e venha! Vamos lá ajudar sua melhor
amiga no planeta a se arrumar, que eu não sei vestir
aquele troço que você costurou pra mim.

— Ei! — exclamei quando me dei conta de


suas palavras. Até parei de encarar como uma
tarada o segurança, que estava dando ordens, ainda
estacado no mesmo lugar. — Foi inspirado em uma
peça da Vivienne Westwood, sua...

— Tanto faz, Lena, vamos! — implorou, e


eu não tive opção a não ser seguir Tony até o
camarim, perdendo o segurança de vista.

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***

Horas depois, quando o festival já havia


acabado, eu o encontrei de novo, dessa vez no
hotel. Dali para o seu quarto, foi um pulo: pelo que
parecia, Gabriel não era tão assexuado quanto a
vocalista de sua banda achava...

Vou poupar você dos detalhes da noite


estupenda que passamos juntos. Ou, caso prefira,
eu conto depois. Não há problema nenhum em
contar isso, até porque uma noite como aquela
deveria ser relembrada para sempre.

Ok, eu conto, prometo. Mas, por agora,


vamos nos concentrar no dia seguinte à noite de

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sexo.

Imagina a situação: eu, na época sempre em


estado de alerta, não somente relaxei ao lado do
segurança da banda, como dormi — literalmente —
com ele. Isso era algo muito fora do meu padrão.
Eu nunca dormia com ninguém que não tivesse
saído do mesmo útero que eu. No máximo, Luciana
ou Tony, que eram minhas amigas queridas. Mas
homens? Jamais. Sempre segui a ordem sexo-táxi-
casa.

Acordei seis da manhã no quarto dele,


impressionada por nem me assustar ao vê-lo ali.
Parecia tão natural, que eu confesso ter ficado um
pouco confusa. Eu havia acabado de conhecê-lo!

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Enfim, após tomar um bom banho, decidi


acordá-lo antes de ir embora de seu quarto — eu
tinha um voo para pegar, afinal de contas. O
problema foi que eu esqueci de uma das lições
aprendidas com meu tio: jamais pegue
desprevenido alguém que tenha porte de arma.
Normalmente, segundo ele, são pessoas que sempre
estão em alerta, mesmo durante um momento de
relaxamento, como o sono.

Ignorando essa dica valiosa, coloquei a mão


em seu rosto relaxado e... bem... Gabriel, no susto,
a torceu para trás, abrindo os olhos imediatamente.

Já deixo bem claro que não foi culpa de


ninguém. Ele estava dormindo, eu estava ainda

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meio distraída com tudo, meu monstrinho estava


em coma, então aconteceu o acidente.

Gabriel se desmanchou de pedidos de


desculpas, foi buscar gelo na cozinha do hotel e,
quando viu que eu ainda estava tensa, ofereceu uma
caminhada no parque mais próximo do hotel.
Acabei aceitando, o que fez meu monstrinho
enlouquecer: “o cara quase quebra teu pulso, e você
confia nele mesmo assim?”

Foi aí que aconteceu tudo: chegando no


parque, sentamos em um banco e eu simplesmente
contei tudo o que acontecera comigo:

— Há quase dois anos, eu e Lula fomos


num bar na cidade onde moramos. Um cara idiota,

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Alexandro, deu em cima dela e foi prontamente


recusado. Depois, veio tentar a sorte comigo, foi
agressivo, e eu o empurrei. Os seguranças retiraram
ele do bar, mas quando decidimos ir embora, ele
surgiu não se sabe de onde e me deu um soco aqui
— apontei para minha nuca. — Eu acordei no
hospital, com parte do cabelo cortado e sete pontos.

Gabriel desviou o olhar quando eu terminei


de falar. A raiva contida estava nítida em seu rosto.
Seu maxilar estava cerrado e uma pequena veia
estava saltada em seu pescoço.

— O cara, o que aconteceu com ele?


Alguém o segurou?

— A Tony estava tocando naquele dia na

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Lyubov, e ela sempre andava com um desses


aparelhos de choque, sabe? Eu estava com ela no
estacionamento quando ele veio por trás e me
bateu. Ela sacou o taser e fritou o cara. Ele foi
preso e continua preso até hoje, até onde eu sei.
Não era réu primário, era traficante de drogas de
universidade particular, sabe?

Gabriel balançou a cabeça concordando.


Seu rosto deixava transparecer uma irritação
fortemente contida, o que me causou um certo
conforto.

— O dono do bar mexeu seus pauzinhos


para que Alexandro fosse preso e permanecesse
assim. Não pegava bem para a imagem de seu

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estabelecimento saber que um cara nocauteou uma


garota só porque ela o recusou. Em época de
boicotes organizados no Facebook, isso seria
suficiente para que o dono perdesse metade de seus
clientes.

Continuei contando para ele como fora


minha rotina após a agressão e tudo o que eu fiz.
As consultas com psicólogos, psiquiatras, analistas,
os remédios de depressão, o corte de açúcar da
dieta e tudo que havia feito para sair do fundo do
poço. Até conseguira ensaiar uma olhada para fora
desse poço, mas o problema maior estava naquilo
que eu não compartilhava com ninguém: na minha
cabeça, era obrigação minha melhorar, superar tudo
o que havia acontecido.
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Larguei todos os tratamentos, todos os


médicos, tudo, quando notei que nada me ajudava a
superar a agressão, nada me ajudava a superar o
trauma, o estado de alerta. Nada matava o meu
monstrinho, e as crises de ansiedade eram
frequentes por isso.

Foi aí que, com uma frase, Gabriel apertou


o gatilho para que eu iniciasse meu processo de
aceitação do meu passado:

— Mas esse tipo de coisa não se supera,


Lena. O que esse imbecil fez é muito sério e muito
pesado. Fisicamente e mentalmente, e eu consigo
imaginar quão exaustivo foi. Exatamente por isso
não dá para você achar que pode seguir em frente

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como se nada tivesse acontecido. É impossível


apagar uma memória sua assim, com essa
facilidade. Isso faz parte da sua história.
Inicialmente, quis desdenhar de suas
palavras. O que ele poderia saber sobre superação
de traumas ou coisas do tipo? Ele...
Foi aí que me dei conta de que ele não
somente tinha uma profissão de risco, ou seja,
provavelmente já presenciara situações
semelhantes, como também não havia prova
alguma de que ele não vivera nenhuma. Eu não o
conhecia, afinal de contas. Todo mundo luta contra
um monstro interno, a gente só não sabe como ele
é.
— Então eu vou ter que entrar em modo de
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defesa ninja a cada vez que um homem se


aproximar de mim? — perguntei sem desviar o
olhar de seus lindos olhos cor de terra, sérios, mas
brilhantes ao mesmo tempo.
— Por que não? Há muitos homens escrotos
no mundo, você precisa saber que não dá para
confiar em qualquer um. Descer a guarda para
todos pode ser prejudicial para você.
— Mas e se eu quiser superar isso e não
conseguir? Porque é algo bem incômodo achar que
eu já superei e depois voltar tudo com força
máxima, sabe? Sempre que eu penso que tudo está
bem, acontece alguma coisa, e a crise volta, as
lembranças voltam, as... tudo volta. Nada é
superado — rebati.
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— Esse tipo de coisa não se supera, Lena —


Gabriel repetiu e virou o corpo em minha direção,
apoiando a lateral do joelho no banco e
aproximando seu rosto do meu — Esse tipo de
coisa a gente aprende a conviver. É algo que faz
parte de você agora e que, graças a diversos fatores,
como sua amiga, sua força física e sua força
interior, te mudou, e não só de um modo negativo.
Aprenda a conviver com tudo isso, não tente apagar
tudo desse modo. Só vai causar uma frustração
injusta em você.
Essas frases, ditas em um local até então
desconhecido para mim, no meio do Reino Unido,
ditas por um homem com leve sotaque britânico no
fundo de suas palavras em português, um homem
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que eu nunca havia conversado antes do dia


anterior, soaram como um ronco de motor em meu
coração.
Foi como se eu desse a partida de minha
vida.
Voltando daquela viagem, eu retomei a
busca por ajuda profissional, tendo em mente tudo
aquilo: não é obrigação minha ou de ninguém
superar nada. Não se supera um problema: se
aprende a conviver com ele, até que, assim como
uma cicatriz, ele deixa de incomodar.
A partir desse primeiro passo, tudo
melhorou imensamente. As crises diminuíram
quase que por completo, eu voltei a ser uma pessoa
sociável, pude dedicar mais tempo aos meus
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amigos e, principalmente, consegui relaxar desde


aquele dia horrível em que Alexandro, um homem
que, assim como Gabriel, eu jamais vira antes,
resolveu fazer o oposto que o segurança fizera.
Enquanto um me socou para dentro de um poço de
tristeza e ansiedade, o outro iluminou o caminho de
volta.
Não vou dizer que Gabriel foi o responsável
por tudo isso. Não foi. Ele poderia falar quaisquer
palavras bonitas, que não adiantaria nada se eu não
estivesse pronta e disposta a me ajudar. Mas que
ele foi uma peça importantíssima nisso e que eu
guardei em meu coração um espacinho para ele por
causa de sua pequena lição de vida, dita após quase
fraturar meu pulso sem querer, ah, isso não tenho
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dúvidas.
Exatamente por isso que, quando recebi
aquele convite de trabalho que me faria
supostamente conviver diariamente com o
segurança da Sissy Walker, quase quatro anos após
meu primeiro e único encontro com ele, eu fiquei
confusa.
Meu coração batendo com força no peito
não me deixou raciocinar direito.

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Convite
Terminei o pedido de diversas metragens de
tecidos e enviei por e-mail para o fornecedor,
finalizando minha última tarefa do dia. Eu estava
me espreguiçando, sentindo um sorriso brincando
em meus lábios, quando Shirley, minha assistente,
apareceu da copa segurando minha caneca e seu
famoso café com espuminha de leite.

— Ai, Ley, diz que é para mim esse café,


por favor! — eu implorei, sorrindo, e ela balançou
seus cabelos longos enquanto assentia com a
cabeça. — Você é um tesouro na minha vida!

Shirley deu um sorriso tímido e foi sentar

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em sua estação de trabalho, logo ao meu lado. Sua


mesa obviamente era a mais próxima da minha,
mas, no fundo, todo mundo trabalhava junto no
segundo andar do escritório. Aquele andar do
quartel-general da Wings era exatamente do jeito
que nós havíamos planejado, eu e minhas sócias:
Luciana, presidente da empresa, relações-públicas,
responsável pela administração e por mil coisas
distintas e complicadas, e Sophia, a estilista
responsável pela parte de alfaiataria e acessórios da
marca. Era um ambiente amplo, sem divisórias ou
barreiras.

A Wings, nossa amada marca de roupas,


prosperava a cada dia. Até aquele momento, havia
vinte e oito lojas por todo o Brasil, doze somente
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no Rio de Janeiro, além dos planos de lançarmos


outras em breve.

As vendas continuavam crescendo, e a


quantidade de funcionários só aumentava.
Contratávamos os serviços de uma empresa
terceirizada para cuidar da parte de recursos
humanos, mas eu mesma tinha a função de verificar
como andavam os vendedores das lojas do Rio duas
vezes por semana, sempre com cuidado para não
meter medo em ninguém. Além, é claro da função
principal: estilista/diretora de estilo e costureira,
claro.

Sophia era a responsável pela decoração e


vitrine de todas as filiais, então, no final das contas,

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nós três vivíamos transitando pelos espaços


ocupados pela Wings, logo, podíamos dizer com
certeza que tudo ia muito bem, obrigada.

Parei de pensar no sucesso de nossa “filha”


querida e, com meu café com espuminha em mãos,
praticamente me joguei em um dos pufes, o rosa-
choque, que ficava ao lado da minha mesa. O dia
tinha sido cheio, mas lembrei de um detalhe
importante, então chamei minha assistente:

— Ley, você poderia chamar o motoboy e


pedir que ele leve as peças-piloto para a fábrica?

— Já estão prontas? — Shirley exclamou,


parecendo surpresa.

— Já, distraída, eu terminei mais cedo.

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Anda, leva essa sua bunda linda até o Weskley e


diz que eu mandei um beijo. Aproveita e vê com a
Luciana a performance da jaqueta que você
desenhou, por favor. E pede pra gerente do Nova
América forçar a vitrine da saia Ariel.

Shirley corou ao notar sua desatenção e


sorriu antes de assentir com a cabeça e ir fazer o
que eu havia pedido. Fiquei olhando ela ir embora e
sorri, contente ao pensar na vitória que foi trazer
aquela senhora para Wings. Ela era extremamente
dedicada e atenciosa, mas a vida havia sido cruel
com Shirley até Luciana a encontrar em uma loja
de tecidos no Centro. Ela transbordava talento, e eu
já estava louca para promovê-la. Só estávamos
esperando que concluísse seus estudos antes.
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Mal pensei nisso, Luciana entrou pela porta


que nem um raio, assustando todos os funcionários
presentes.

— Lena!! Sala de reunião. Agora!! — ela


gritou e correu para o espaço, deixando todos
espantados.

Luciana, Lula, para os íntimos, era uma


coisinha pequena, magrinha, parecia uma versão
nacional daquela atriz que fez “O Ódio que Você
Semeia”. Era confuso que alguém tão pequenino
conseguisse gritar tão alto.

Olhei para meus funcionários, deixando


evidente minha surpresa.

— Eu fiz algo de errado? — ouvi algumas

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risadas e me levantei, agarrada em minha caneca


como um adolescente com medo de levar esporro
do professor. Odiava levar broncas de Lula, ela era
tão assustadora quanto... Bom, quanto eu quando
estava trabalhando.

Essa vibe de “modo profissional ativado”


realmente é medonha.

Bebi meu café de uma vez, entrei na sala e


fechei a porta, vendo Lula ligar a tomada do
carregador de seu notebook de modo apressado.

— Lula, o que houve? — perguntei


calmamente enquanto sentava na cadeira principal,
no lado oposto à tela de projeções.

Minha sócia e amiga não respondeu, apenas

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ligou seu notebook, conectou no projetor e abriu


um vídeo no YouTube, aumentando o volume das
caixas de som do aparelho.

Deixei meu copo de café na mesa e entrei


no modo workaholic, apoiando os cotovelos na
mesa e prestando atenção no vídeo que passava.
Não pude conter um sorriso ao ver que era um
canal de fofocas que anunciava uma bomba: a Sissy
Walker faria uma turnê europeia de sete meses para
comemorar os dez anos de banda.

Impressionada com aquela informação,


ergui as sobrancelhas e olhei para minha sócia, que
assistia o vídeo em silêncio.

— Uau, eu nem sabia que eles já tinham

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uma década...! E essa turnê, anunciada assim, do


nada? De onde veio?

— Foi tudo feito em segredo, mas os fãs


desconfiavam pelas pistas largadas pelas redes
sociais dos integrantes. Diego, por exemplo, que é
muito ativo no Instagram, coisa que você deveria
ser também, passou a postar várias fotos com
referências, como um chaveiro com uma pequena
torre Eiffel, fotos de malas de viagem, essas coisas.

— Entendi... Bacana! Mas... o que isso tudo


tem a ver com a gente? Pierre solicitou algo de
diferente? — perguntei, tentando puxar na memória
se o figurinista da banda havia feito algum pedido
no último mês que não fosse o usual: roupas para

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Betty, a vocalista, amiga íntima — íntima até


demais — de Antônia, e Aline, a baterista brasileira
da Sissy Walker.

Lula parou o vídeo e deixou rolando um


clipe da banda, diminuindo o volume enquanto se
virava para mim:

— Você abriu seu e-mail hoje?

— Óbvio, sua trouxona. Tem dez minutos,


no máximo. O que é que tem?

— Ok, abra agora, então — ela disse


enquanto checava uma informação em seu celular.

Desconfiada, peguei o meu e abri o


aplicativo. Vi um e-mail que havia chegado tinha
uns dois minutos. Era... de Betty!

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Olhei para Lula, que manteve o rosto


impassível, e abri a mensagem. Tratava-se de um e-
mail de negócios, extremamente formal, em que a
líder da banda solicitava uma reunião via Skype
comigo.

— Lula, o que isso quer dizer?

Luciana abriu o Skype em seu notebook,


conectou, e em poucos segundos a imagem de
Betty apareceu projetada na parede.

— Boa tarde, Luciana — ela disse com um


pequeno sorriso enquanto prendia seus longos
cabelos azuis em um rabo-de-cavalo. Lula a
cumprimentou e virou o notebook em minha
direção.

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— Ei, Betty! O que houve? Tá todo mundo


bem? — eu perguntei, totalmente confusa. Era
extremamente raro aquele tipo de situação. Em
geral, só fazíamos videoconferências quando a
Wings lançava coleções novas, pois nós
mandávamos o catálogo e conversávamos sobre o
que seria ou não enviado.

— Sim, querida, tá tudo ok. É o seguinte, eu


andei conversando com Luciana e Sophia, e elas
aceitaram a proposta que eu tenho para fazer.

Olhei para Lu, que ainda estava concentrada


em seu modo profissional, e voltei minha atenção
para a tela do notebook, puxando o equipamento
para perto de mim e ignorando que a imagem de

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Betty estava projetada bem grande na parede.

— Pois não, estou ouvindo... — disse, um


pouco incerta, e Betty prosseguiu:

— Nós anunciamos a turnê de


comemoração dos dez anos da Sissy Walker, você
soube?

— Sim, parabéns!

— Obrigada, vai ser ótimo. O problema é


que nosso responsável pelo estilo, Pierre,
provavelmente não poderá nos acompanhar a turnê
inteira, pois sua mãe descobriu um problema de
saúde delicado, e ele está com dificuldades para
encontrar alguém que fique com ela.

— Sinto muito — disse com sinceridade.

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Não conhecia Pierre pessoalmente, mas sabia que


ele era um jovem adorável. E mesmo se não fosse,
ninguém merecia esse tipo de situação, não é?

— É, bem delicado isso tudo. Enfim, a


questão é que eu não consegui pensar em ninguém
que o substituísse como figurinista da banda, a não
ser você. Também precisamos de uma consultoria
de estilo e de alguém que resolva certas questões
que Pierre não está apto a resolver, como consertos
rápidos de peças muito exclusivas. Aline recebe
roupas de um fornecedor da Vivienne Westwood,
por exemplo, mas sempre ficam imensas nela, e
Pierre não é costureiro. Luciana está em mãos com
um contrato de trabalho de doze meses que eu
enviei por e-mail hoje cedo. É um contrato para
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você trabalhar conosco. Gostaria que lesse,


conversasse com as meninas e me ligasse em
seguida.

Fiz um esforço imenso para não mostrar


minha surpresa ao ouvir aquela proposta, assenti
com a cabeça e avisei que analisaria tudo. Betty e
eu nos despedimos rapidamente, e Lula encerrou a
chamada. Mal deu tempo para ela dizer algo e a
metralhei com perguntas:

— Lula, você pirou? Como assim, trabalhar


de figurinista para uma banda de rock? Por que
mandaram para você primeiro? Onde está a
Sophia? Eu vou enforcar vocês duas!

— Estou aqui! Desculpem, parei para

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comprar café e a fila estava imensa! — So-so, a


terceira ponta da Wings, nossa bonequinha de
porcelana, entrou correndo na sala, nos entregando
copos com a logo da Starbucks estampada enquanto
se equilibrava em seus saltos boneca imensos.

Peguei um dos copos e bebi metade do


conteúdo de uma vez, ignorando a temperatura
elevada e tentando não reclamar do sabor horrível
de açúcar puro que aquela bebida tinha.

Odeio café da Starbucks. Sempre vou odiar.


Tem gosto de carvão adoçado.

Lula, que estava com seu modo profissional


completamente ativado, não sorriu nem quando
Sophia entregou a ela o outro copo, apenas

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agradeceu e começou a me explicar:

— Lena, eu analisei o contrato junto com a


Anya — anunciou, citando Anastácia, minha amiga
da época da escola e advogada principal da Wings
— É ótimo e vantajoso. Você vai viajar por vinte e
tantas cidades da Europa e a Wings vai aparecer
nos créditos da gravação de um documentário sobre
a relação do rock com a moda. Ouviu bem? Sobre
moda! Além disso, Betty autorizou que você
tivesse plenos poderes na escolha, seleção,
confecção e encomenda de peças. Você pode
comprar o que quiser para a banda. De aviamentos
a roupas da Wings.

Dei uma bufada de desdém.

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— Grande coisa, isso é o básico para o


serviço que eles querem. Ou você achava que eu ia
comprar as roupas da banda do meu bolso ou
fabricar aviamentos?

— Além disso, Lena — Sophia começou a


dizer, interrompendo minha rabugice. — Seu
contrato não é só para escolher, reformar ou
costurar roupas. Não sei se foi mencionado no
Skype, mas Betty quer que você faça pesquisas de
tendência para vestir a Sissy Walker e o staff todo.
Esse trabalho será feito em conjunto com o moço
de olhos puxadinhos, o figurinista, quando ele
puder comparecer aos shows. Pierre o nome dele,
certo?

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Balancei a cabeça concordando, e ela


prosseguiu:

— Você será paga também para pesquisar


sobre o estilo de cada uma das cidades, o que é
excelente para a Wings, já que Betty concordou em
nos ceder seu material de pesquisa. E ela quer
montar uma coleção de roupas licenciadas da Sissy
Walker, e está disposta a investir nisso, queridinha.
Vai custear a assinatura da WGSN durante o seu
contrato, inclusive. Isso significa que
economizaremos uma boa grana mensalmente por
causa disso.

Ok, agora sim é interessante! Ia ser de uma


riqueza absurda para as futuras coleções da Wings

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esse material produzido. E, poxa: assinatura da


WGSN, uma plataforma de previsão de tendências
mundialmente famosa, cuja assinatura custa a
bagatela algumas dezenas de milhares de dólares.

Mensais.

Não seria nada mal a Wings não pagar essa


assinatura por um ano.

— Quanto eu vou receber? — eu perguntei,


ainda meio impressionada com aquele monte de
informação.

Lula estendeu uma pasta, eu a peguei, ainda


meio desconfiada, e abri. Era o contrato: doze
meses, mais ou menos nove de turnê e o restante
dos meses realizando os serviços contratados na

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mansão de Betty e... Uau. Eles realmente estavam


me querendo ali.

Bom, a Sissy Walker era lançada por uma


das maiores gravadoras do mundo. O que eu
esperava? Um salário mínimo e vale-refeição?

Sophia e Lula me olharam com a mesma


expressão impassível no rosto. Elas aguardavam
uma resposta, e aguardavam naquele exato
momento.

— Bom, meninas... Eu... Uau, eu... Nem sei


o que dizer...

— Você vai rever Gabriel — Luciana disse


e me deu um sorriso irônico.

Meu coração deu um pequeno salto ao ouvir

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o nome do segurança da Sissy Walker.

Uau.

Rever o Gabriel.

Não tinha pensado nisso! Realmente, seria


muito bom, eu poderia revê-lo, quem sabe tomar
uns cafés com ele e...

O que eu estou pensando, meu Deus? Foco


no trabalho, Helena!!

Ignorei a sensação de euforia que se


espalhou no meu corpo, bufei e respondi com
sarcasmo:

— Ah, sim, agora eu me decidi, era essa a


motivação que eu precisava! Minha vida
profissional inteira é falocêntrica! Vai cagar, Lula.

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— Falando sério, Lena — Sophia disse,


contendo um sorriso. — É uma imensa
oportunidade para a gente, em termos de pesquisa
de campo e de marketing. Sabe a propaganda que
vai gerar para Wings? Já viu quantos prêmios a
Sissy Walker ganhou nesse ano? Eles têm fandom
por tudo quanto é canto do mundo, em especial na
Europa, é óbvio, já que eles são de lá. Fora os
Grammys, MTV Awards e tudo aquilo que você tá
careca de saber que eles têm.

Mordi o lábio e tamborilei os dedos na mesa


enquanto ponderava.

— Ok, eu entendo que é bacana, mas... um


ano longe daqui? Como a Wings...?

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— Eu e Lula não vamos com você, ué. A


Wings continua. Skype, FaceTime e Slack estão aí
para isso.

— Mas...

— Anastácia já fez uma procuração. Você


assina e a gente resolve sozinhas o que necessitar
de sua assinatura. Quase nada, na verdade, já que
somos maioria, mas... Por via das dúvidas...

— E eu quero promover Shirley. Já está na


hora — Lula anunciou. — Ela ficaria com a função
de Sophia, que te substituiria na parte de criação e
avaliação das lojas sozinha, ao menos por doze
meses.

Refleti sobre o que elas diziam. Era algo

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extremamente válido e todas as saídas delas eram


ótimas. Porém...

— Ok, eu vou ligar para Anastácia e


perguntar... — tentei dizer para ganhar tempo, mas
Lula abriu o Skype e conectou imediatamente com
Anastácia, que surgiu na tela, sorrindo e gritando:

— Vai logo, cachorrona, o contrato tá


limpíssimo e sem pegadinhas! Já verifiquei sua
situação e requisitei seu visto de trabalho.

Uau! Nem sabia que ela poderia fazer isso


por mim!

— E aí, Lena? — Sophia disse e me deu um


sorriso iluminado.

Respirei fundo, pedi que Sophia chamasse

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Betty no Skype de novo e avisei que já tinha lido


uma parte do contrato, mas que iria levar para casa
e estudar com calma a proposta. Todas os presentes
na conversa reviraram os olhos, estivessem comigo
pessoalmente ou por videoconferência.

— Ah, gente, dá um tempo. Vocês sabem


que eu não sou a rainha dos impulsos. Deixa eu
pensar com carinho, dou a resposta amanhã, ok? —
perguntei à Betty, que assentiu:

— Sem problemas, querida. Eu espero.

Encerramos a ligação, eu peguei o contrato


e pedi licença a todos. Peguei minha bolsa, meu
celular e minhas coisas espalhadas na mesa e avisei
que tiraria o dia de folga para pensar sobre a

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proposta.

Fui para casa com o coração apertado de


ansiedade. Será que eu deveria concordar com tudo
aquilo? Havia motivos suficientes para eu aceitar a
proposta, mas eu realmente precisava refletir sobre
o assunto. Era um trabalho longo, que me deixaria
um ano longe de casa, dos meus amigos, das
minhas lojas...

Em compensação, seria muito rentável e


proveitoso para mim e para a Wings.

Chegando em meu apartamento, fui logo


fazer café para ajudar a clarear os pensamentos.
Sentada em meu sofá, contemplando a solidão do
apartamento, vazio desde a época em que minha

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irmã se mudara dali para fazer doutorado na


Caltech, nos Estados Unidos, pensei nos prós e
contras.

Não era raro eu me sentir totalmente


sozinha, mesmo morando em uma cidade grande.
Aceitar esse trabalho de figurinista, não seria
somente bom para os negócios: seria excelente para
que eu conhecesse pessoas novas também.

Mas era tão clichê! Essa história de “fulano


ficou doente, você pode substituí-lo”? Pelo amor
de Deus, minha vida não é um romance erótico!

Fiquei pesando as vantagens e desvantagens


de aceitar a proposta de trabalhar com a banda que
eu tanto admirava à distância, até que finalmente

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consegui tomar uma decisão. Apesar da quantidade


de cafeína que ingeri, o melhor a fazer naquele
momento era tentar dormir e torcer para que a
decisão tomada fosse a mais acertada.

***

Assim que cheguei no escritório, fui


recebida por todos com olhares ansiosos. Balancei
a cabeça para os lados, respirei fundo e tomei
coragem para anunciar minha decisão:

— Ok, suas quengas. Vamos fazer isso. Na


pior das hipóteses, vou ter conhecido a Europa
quase toda, né?

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Todos bateram palmas e deram gritinhos


animados, me fazendo rir da empolgação geral.
Sophia pediu para sua secretária comprar pizzas e
champanhe para que pudéssemos comemorar.
Revirei os olhos, imaginando a combinação
esquisita caindo no estômago de cada um naquele
escritório tão maravilhoso.

Enquanto pensava no contrato novamente e


ouvia todos comemorando, meu peito se apertou de
nervoso, mas eu não pude refrear minha felicidade.
Era realmente uma oportunidade incrível de
crescimento. Profissional e pessoal.

Sorri, vendo Lula colocar a banda para tocar


no sistema de som do segundo andar, e pensei em

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como seria conviver com todos da Sissy Walker.


Não pude refrear o pensamento seguinte: com um
pouco de sorte, quem sabe eu realmente não
pudesse rever o Gabriel? Não ia me fazer mal
algum.

Pelo contrário.

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Chegando na mansão
Cheguei no banheiro do aeroporto
totalmente enjoada, pensando que talvez eu
realmente não tivesse nascido para viajar de avião.
Já tinha tomando alguns comprimidos de Dramin
antes do voo, mas, mesmo sabendo que o remédio
não funcionava quando a pessoa já está enjoada,
engoli mais um, por via das dúvidas.

Calma, Lena. Seu estômago se revirando é


apenas um detalhe. Tudo está ok, regularizado e
pronto para acontecer. Isso é só um desconforto
estomacal após um voo demoníaco.

Ajoelhei na frente do vaso sanitário e

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implorei ao meu estômago que não me mostrasse


meu café da manhã ingerido horas antes. Tentei me
distrair das ânsias que começaram a surgir
respirando fundo várias vezes enquanto pensava em
coisas boas, como orquídeas, suco de manga,
filhotes de gatos, cheiro de grama recém-cortada e
de café encorpado feito em prensa francesa. Foram
alguns minutos tensos, mas aos poucos, meu
estômago rebelde se acalmou, e eu pude deixar de
abraçar o vaso.

Nem cogitei passar uma maquiagem.


Sephora nenhuma ia tirar a cara de defunto que me
encarava no espelho. Deixei o banheiro beliscando
as bochechas, entretanto, torcendo para conseguir
um pouquinho de cor.
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Agradeci à senhora que ficou cuidando das


minhas malas enquanto eu estava flertando com a
privada e fui em busca da pessoa que vinha me
buscar, torcendo para que fosse Gabriel, ainda que
eu soubesse que ele era chefe de segurança da Sissy
Walker, não motorista.

Mal comecei a procurá-lo, meu celular


vibrou com uma mensagem do chefão da gravadora
avisando que um homem chamado Ferdinand
estava à minha espera havia longas horas.

— Droga, dei chá de cadeira para o pobre


funcionário...

Ainda trôpega, voltei para a área do


desembarque, dei uma olhada ao redor e

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imediatamente encontrei um homem segurando


uma placa com meu nome. Era o homem mais
britânico que já vi pessoalmente: parecia o
mordomo de uma das gêmeas de “Operação
Cupido”.

Fui até ele já pedindo mil desculpas pelo


atraso. Não somente o voo não chegou no horário
previsto, como meu enjoo acabou por piorar a
situação. Gentilmente, ele conteve a bateria de
desculpas que eu soltei em poucos segundos e
pegou minhas malas, me levando diretamente para
a mansão, onde eu ficaria hospedada até o início da
turnê da banda.

Ficar lá tinha sido uma decisão em

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conjunto, minha, de Betty e de Tony por alguns


motivos. Primeiro porque faltavam poucos dias
para a viagem para a Espanha, ponto de partida da
turnê. Segundo porque o apartamento que a
gravadora ficou de alugar para mim não ficou
pronto a tempo, então cancelaram o contrato
faltando dias para eu chegar em Londres.

Também tinha o fato de a mansão ser


gigantesca, e todo mundo — literalmente todo
mundo — da banda estar hospedado lá, para
aquecerem os motores. E isso também incluía
minha amiga linda, Tony, a mais nova vocalista da
SW na turnê. Fazia sentido que eu ficasse junto de
todos. Seria bom conhecer mais a banda.

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A viagem felizmente foi rápida, e eu não


contive um suspiro quando vi a enorme residência.
De dentro do carro já dava para ver que era muito
grande, linda e imponente.

— Nossa, Ferdinand! A Betty mora na


mansão da Adele? — disse, rompendo o silêncio
que havia permanecido em boa parte da viagem.

Pela primeira vez desde que eu vira o


motorista, quase uma hora antes, pude ver um
sorriso.

— Não, senhorita, a mansão da senhorita


Adele fica em Sussex. Mas são parecidas, é
verdade.

Assim que estacionamos, o motorista abriu

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a porta do carro, todo educadão, e eu saí meio


trôpega de enjoo — e de remédio contra enjoo.

Ugh... O chão tá se mexendo, ou sou eu que


estou bêbada sem ter bebido?

Segurei no braço de Ferdinand, que


prontamente me deu o apoio necessário. Ele me
apoiou no caminho até o interior da casa, o que se
mostrou necessário: um pequeno deslize seria o
suficiente para que eu me estatelasse naquele lindo
gramado.

Se a casa já parecia exuberante por fora, foi


só dar os primeiros passos por aquela sala digna das
melhores revistas de decoração que imediatamente
minha cabeça pareceu esquecer a tontura e se

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concentrou somente em como tudo ali era lindo,


amplo, moderno, rotativo...

Opa, espera, rotativo?

Ok, não esqueci a tontura coisa nenhuma.

— Ferdinand, deixa eu te perguntar uma


coisa: é normal o chão daqui rodar?

Com uma expressão que parecia um tanto


preocupada, ele me guiou, sem que eu percebesse,
para um grande sofá. Pela cara dele, eu devia estar
da cor de uma folha sulfite.

— Acho que estou meio chapada.

— A senhorita tomou alguma coisa? —


disse num tom calmo e ponderado.

— Tomei, um sonífero que chamam de

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remédio de enjoo. Mas acho que foi demais... —


respondi enquanto me ajeitava no sofá
maravilhosamente confortável.

Ferdinand ofereceu um copo de água, que


eu recusei, e foi anunciar minha chegada à dona da
casa, me deixando sozinha naquela sala gigantesca.

Assim que ajeitei minha bolsa no colo e


encostei o rosto no estofado macio, relaxei os
ombros, suspirando de alívio por meu estômago
não ter se revirado do avesso. Viajar de avião era
um tormento para mim por causa desse tipo de
enjoo recorrente. Em dois terços das viagens que
fiz, passei mal como uma grávida no primeiro
trimestre, e no restante eu estava chapada de

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remédio contra enjoo ou extremamente nervosa,


com medo de fazer a menina d'O Exorcista e
vomitar na frente de todos.

Ou em cima de todos...

Enquanto pensava se deveria fazer o Papa e


beijar o chão da mansão em agradecimento a Deus
por estar em terra firme, fechei os olhos por um
segundinho, sem intenção de dormir, apenas...

— Lena? Tá tudo bem? — uma voz


feminina me perguntou, me fazendo acordar
repentinamente.

Ai, droga!

Ótimo, Lena, excelente começo: babar no


sofá da chefona e ser acordada por ela!

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Abri os olhos, enxugando o filete de saliva


que sensualmente escorria da minha boca, e vi a
líder da Sissy Walker parada na minha frente, seu
rosto mostrando uma preocupação evidente.

— Betty! Desculpa, eu cochilei! Não, está


tudo ótimo, só estou um pouco cansada por causa
do voo... Eu não tomo um café decente há muuuitas
horas... — expliquei e me levantei do sofá
rapidamente. — Nossa, você é mais bonita
pessoalmente, Betty. Não me lembrava mais disso.

Puxei a vocalista para um abraço e sorri ao


ouvir sua risada pessoalmente, depois de anos de
conversas online. Mesmo que não fôssemos amigas
muito próximas, havia um laço de afeto entre nós

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duas.

Um laço ruivo, baixinho e mignon como a


Twiggy.

Um laço de voz desproporcional ao


tamanho.

Um lacinho chamado Antônia, conhecida


como Tony.

— Digo o mesmo de você, Lena! Quero


dizer, salvo essa sua cara cansada... Voo tenso?

— Você não faz ideia. Eu precisei fazer


umas cinco escalas diferentes em aeroportos
totalmente na contramão. Tava chovendo no Rio,
fiquei horas parada dentro do avião, um saco.

Betty balançou a cabeça assentindo e

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apontou para minhas meias pretas estampada de


nuvens e gotas de chuva. Sempre amei meias
temáticas.

— Pelo menos combinou com suas meias-


calças... — brincou e em seguida se desculpou por
não ter mandando o jatinho da banda me buscar.

Pelo contrato que Betty apresentara, dava


para perceber que ela era muito cuidadosa com seus
funcionários. Oferecer um jatinho particular para
me buscar era um enorme exagero, aquilo não faria
diferença para a banda, mas, mesmo assim, foi
muito educado de sua parte se desculpar por isso.

O pequeno cochilo tinha sido suficiente


para que eu melhorasse um pouco, então aproveitei

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para pedir à Betty que me mostrasse a mansão


inteira e onde eu ficaria naqueles dias. Nem
descansar eu quis, estava ansiosa não só para
conhecer cada pedaço daquela casa, como também
para rever todos da banda, abraçar Tony, que eu
não encontrava pessoalmente havia mais de um
ano, e... bom...

Gabriel.

Estava ansiosa para reencontrá-lo também,


ver como ele estava, sei lá.

Eu sou uma tarada-barra-saudosista.

Betty me mostrou os cômodos da mansão, a


parte externa, a piscina, os quartos principais e me
contou sobre a ala dos funcionários, onde eu

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dormiria. A tour durou mais de uma hora.

Era a mansão da Adele, na boa.

Enquanto me mostrava tudo, a vocalista foi


me contando das novidades da banda e de sua vida
pessoal, e eu não interrompi, ainda que soubesse de
quase todas aquelas histórias. Estava tão feliz por
estar ali, que nem lembrei a moça que Tony me
contava aquilo tudo toda hora.

Betty me levou até a ala dos funcionários,


me perguntando se eu teria problema em dormir ali.
Eu tive vontade de rir daquilo, pois, de todos os
espaços da mansão, eu me senti mais em casa
exatamente lá. Era muito clara, convidativa, com
janelas grandes, móveis modernos, uma cozinha

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americana equipada e funcional e uma sala imensa,


com sofás tão convidativos quanto aquele em que
eu cochilara havia minutos. Fora que as portas de
vidro davam para o jardim lindo da mansão.

Fomos até os quartos da ala, um de frente


para o outro, e Betty me apontou o quarto do lado
direito da ala. Por um momento, pensei em
agradecer o tour e ir dormir até o dia seguinte, mas
meu lado workaholic nunca me deixaria cometer
um deslize desses.

— Esse é o seu quarto. Ferdinand já levou


sua bagagem para o closet, então você pode ficar à
vontade para arrumar do jeito que você quiser, ok?
— Betty me explicou.

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Dei uma olhada rápida no interior, mas não


prestei muita atenção, nem fiz menção de organizar
alguma coisa. O que eu queria mesmo era saber
quando começaria a trabalhar, e por isso aproveitei
a oportunidade para perguntar isso à Betty.

— Mal chegou e já quer serviço, sua


viciada? Ok, vamos no escritório para que eu te
passe algumas das informações.

Conversamos sobre orçamentos de roupas,


pedidos, as medidas de cada um dos membros e
tudo mais que eu precisava saber — ou reforçar o
que eu já sabia. Betty me passou a agenda de shows
daquele mês e uma pasta imensa com fotos,
documentos e notas das roupas recebidas que eu

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precisaria ajustar, pois vieram com numerações


maiores — algo que nunca aconteceria na Wings,
mas obviamente não comentei isso.

— Pronto, agora que você já sabe de tudo,


vá arrumar seu quarto. Ficaremos aqui até o dia da
viagem, daqui a uma semana, ok?

Balancei a cabeça, animada. Era a primeira


vez que eu moraria, de certo modo, no exterior,
portanto estava exultante, apesar do sono. Fuso
horário é um saco, e Dramin é uma droga.

Betty me acompanhou de volta até o quarto


enquanto conversávamos sobre algumas das
cidades por onde a turnê passaria. Entramos juntas
no cômodo, e só naquele momento eu pude notar os

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detalhes do imenso quarto.

De frente para a entrada, um pouco para a


esquerda, havia uma porta que dava para um
banheiro todo trabalhado na modernidade: era
praticamente todo preto, com granitos e
aquecedores e milhões de botões. Era daqueles
banheiros de rico, com chuveiros que emitem luzes
coloridas, sabe? Uma coisa de louco.

À direita, um pequeno sofá branco,


encostado na mesma parede da cama, dividia
espaço com uma bancada e duas cadeiras cor de
carmim. No canto oposto ao lado da porta do
quarto, vi uma cama de casal quase encostada nas
janelas cobertas por blackouts escuros. Duas

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mesinhas de cabeceira brancas ao redor dela


serviam de apoio para duas luminárias modernas e
minimalistas. Notei uma grande televisão presa à
parede em frente à cama e, ao seu lado, uma última
porta dava para, provavelmente, o closet.

O quarto não tinha decoração alguma,


nenhum quadro ou flor, vaso, nada. Parecia um
pouco impessoal demais, o que fazia sentido,
afinal, era praticamente um quarto de hóspedes.
Ainda assim, parecia meio masculino demais. Tudo
muito... frio. Neutro. Imenso. O tipo de lugar que
implora por um mural de fotografias instantâneas e
um pouco de bagunça de costura.

Adorei.

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— Uau. Acho que é maior do que meu


apartamento... É muito espaço para uma pessoa
só... — comentei. Betty riu de meu assombro e
respondeu:

— E quem disse que é para uma pessoa só...


Ops! — Betty começou a falar, mas se
interrompeu, como se tivesse falado demais, o rosto
revelando um deslize.

Confusa, perguntei:

— Eu vou dividir o quarto com alguém?


Numa mansão desse tamanho, sua mão-de-vaca? É
assim que a sua gravadora faz para economizar e
fazer a Sissy Walker prosperar? Explorando seus
funcionários? — brinquei, apesar do rosto sério.

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— Não, claro que não, o quarto é seu! É


modo de dizer, eu pretendo te perturbar várias
vezes aqui, precisamos matar as saudades, não é?
— ela disse, num tom meio desesperado de
justificativa, mas riu ao ver que eu estava só
sacaneando a pobre coitada.

Notei que ela estava escondendo alguma


coisa, mas preferi não dizer nada.

— Ok, então! Cadê a Tony? — perguntei,


colocando minha bolsa em cima da cama e
afundando no colchão.

— Tony está resolvendo umas penden...


pen... Como se diz isso? — perguntou, franzindo as
sobrancelhas e colocando as mãos na cintura.

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Achei graça e respondi:

— Pendengas? Achei que português fosse


sua língua materna, flor.

— Achou errado! — ela riu e explicou em


seguida. — Eu nasci no Brasil, mas vim pra cá com
um ano, dois. Português é minha segunda língua, e
Aline e Tony nunca treinam muito comigo... —
disse e fez um beicinho, como se aquilo a deixasse
triste.

Era engraçado ver uma mulher adulta,


alternativa e glamorosa como ela fazendo beicinho.

— Enfim, vou treinar meu português com


você! Suas malas já estão no closet, ok? — repetiu,
me deixando com a pulga atrás da orelha. Por que

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raios ela queria tanto que eu arrumasse o closet? —


Arrume-o do modo que achar melhor.

— Sim, chefa — brinquei enquanto tentava


segurar um bocejo. Pedi desculpas com um sorriso
e disse que ia tomar um café para começar a
organizar tudo e adiantar o trabalho.

Betty assentiu e me informou que eu teria o


dia de folga, para que eu pudesse me acomodar e
organizar meus horários. Eu ainda desejava saber
onde estavam os outros membros da Sissy Walker,
mas ela insistiu que eu descansasse.

— Deixa que amanhã você vê todo mundo,


eles estão no estúdio ensaiando, e você tá caindo de
sono. Que horas são? — perguntou, olhando no

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relógio e se espantando. — Cinco horas! Até você


arrumar seu closet e se ajeitar, já deu o horário de
dormir!

Dei um meio sorriso irônico para ela, mas


não falei nada.

De novo ela me mandando arrumar o


closet!

— É bom te ver de novo, garota. Vamos


passar um ano bem divertido juntas! Você é
praticamente minha cunhada, né? — ela disse, me
puxando para um abraço e sorrindo.

Retribuí seu abraço, me sentindo à vontade


com todo aquele carinho.

— Pode apostar esse seu cabelo de sereia

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que sim, boneca — disse e a soltei. — Ah, Betty!


Só uma pergunta antes de você ir!

— Diga! — ela respondeu prontamente,


dando meia-volta e me olhando.

— O Gabriel, onde ele está?

Assim que perguntei, uma expressão de


tristeza meio canastrona tomou conta do rosto de
Betty.

— Ah, eu não te contei? O Gabriel não vai


viajar com a gente nessa turnê, ele está trabalhando
com outra banda agora! Quem vai substituir vai ser
a Erika, a outra segurança. Desculpa, esqueci de te
avisar...

Fitei os olhos dela e busquei algo que me

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dissesse ser uma brincadeira aquilo tudo. Não


encontrando, dei um muxoxo de tristeza, guardando
meus pensamentos para mim mesma.

Droga. Eu sou uma besta mesmo.

— Você precisa de mais alguma coisa? —


ela perguntou gentilmente.

— Sim, do Gabriel... Ops, desculpa. Não,


de nada, obrigada — consertei antes que falasse
mais besteira.

Betty segurou um sorriso e saiu do quarto.


Pude ouvir sua risada contida do corredor, mas não
a acompanhei. Estava desanimada demais para
sorrir, ou mesmo para pensar no motivo de ela
achar graça de... mim? Sei lá.

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Deitei na cama e olhei para o teto, me


sentindo estranhamente triste. Passei tanto tempo
pensando em como seria rever o segurança, que
nem cogitei a possibilidade de ele não trabalhar
mais com a Sissy Walker. Por que Tony não contou
isso?

De repente, a turnê não parecia mais tão


colorida e animada quanto antes...

Resolvi não pensar nessas coisas, afinal


meu contrato traria benefícios astronômicos à
Wings, além de uma incrível experiência de vida.

Não fui contratada para dormir com


ninguém, fui contratada para ajudar a banda! Não
importa se o Gabriel tenha sido uma pessoa

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importante na minha vida, que tenha me ajudado a


virar uma página traumática e que tenha sido uma
das melhores noites da minha vida!

Ai, merda, ficou tudo meio cinza de


repente...

Não, Lena. Larga de ser besta. Anda, vai


arrumar tudo!

Levantei da cama de uma vez, decidida a


arrumar logo o closet antes que Betty me mandasse
uma segunda — ou terceira, quarta? — vez ajeitar
o cômodo. Porém, fiquei totalmente tonta com o
movimento rápido, e acabou sendo melhor deixar
para depois, quando eu não estivesse tão sonolenta
e cheia de remédio correndo nas veias.

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Vinte minutos e um banho rico depois, saí


do banheiro com o cabelo enrolado numa toalha e
vestindo um robe que encontrei lá mesmo. Sem
acender a luz do closet, puxei a mala principal e
comecei a escolher o que usaria para dormir.

Peguei uma calcinha com estampa de


nuvens, uma cópia exata da calcinha da sorte que
eu costurava e estampava desde a adolescência, e
me lembrei de um detalhe: na noite em que conheci
Gabriel, eu usava uma das versões dessa calcinha, a
que tinha um furinho na lateral e que ele rasgara.

Poxa...

Não, Lena, para de frescura. Não era para


ser, então não foi! Esquece Gabriel, é passado!

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Como o clima estava confortável — e por


confortável eu quero dizer frio, mas sem lembrar as
geleiras do Himalaia —, não precisei aumentar a
temperatura do quarto. Deixei o controle do
aparelho em cima do pequeno móvel ao lado da
porta, aquele que creio se chamar aparador e que
sua função seja a mesma das mesinhas de centro,
nenhuma.

Eu estava exausta, mas não adormeci assim


que deitei na cama. A notícia de que não
encontraria mais Gabriel me deixou desanimada,
ainda que eu nem soubesse se ele estaria
disponível, ou mesmo interessante...

Não, interessante ele sempre estaria.

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Mesmo que não estivesse disponível sexualmente,


sua presença seria muito importante para mim
nessa turnê devido a tudo que acontecera no
passado. A conversa, a confiança e tudo mais que
ocorrera foram pontos importantes para mim
quando pensei na proposta.

Abracei um travesseiro e forcei minha


mente a pensar que estava ali a trabalho e que
aqueles doze meses seriam fenomenais, apesar de
não poder ver o segurança. Pensei nisso tudo até
que a exaustão me consumiu, e eu adormeci,
mesmo não passando das cinco e pouco da tarde de
um dia repentinamente cinzento.

Acordei algumas horas depois com um

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barulho estranho perto de mim.

Alguém entrou no quarto!

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Estranho
Abri os olhos e tentei me acostumar com a
escuridão, mas não fui muito bem-sucedida. O
quarto estava um breu por causa das pesadas
cortinas blackout. Enquanto tentava ainda me
situar, ouvi novamente os passos de alguém
andando pelo quarto tranquilamente. No mesmo
instante, fiquei apreensiva, mas respirei fundo e
tentei pensar de forma racional.

Ora, quem poderia querer fazer algo de


ruim comigo? Provavelmente é um funcionário da
casa que entrou no quarto errado, ou Diego, o
guitarrista, querendo fazer alguma brincadeira
boba. Pelo que Tony sempre me contou e eu me
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lembro da única vez em que o vi, ele é dado a


piadinhas sem graça.

Quando meus olhos se acostumaram um


pouco com a escuridão, acompanhei com o olhar o
vulto deixar suas coisas em cima do aparador, tirar
algum tipo de casaco e os sapatos, entrar no
banheiro, fechar a porta, acender a luz e ficar por
lá.

Ora, mas que pessoa mais atrevida! Entra


no meu quarto, larga suas coisas e ainda vai
defumar o meu banheiro! Olha, se até o capeta faz
pacto para entrar no corpo das pessoas, o que leva
essa pessoa a achar que não precisa de permissão
para entrar no meu quarto e responder ao

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chamado da natureza?

Pensei em ir bater na porta — que pelo


menos ele fechou, imagina se fosse mandar um
número 2 de porta aberta? — e pedir ao estranho
que fosse fazer suas necessidades em outro lugar,
mas ouvi o barulho do chuveiro sendo ligado.

Bom, ao menos isso, não era dor de


barriga, era só um banho.

Levantei da cama, acendi a luz da luminária


na mesinha de cabeceira, peguei minha bolsa e fui
em busca do meu celular. Acabei achando um
chiclete muitíssimo bem-vindo — eu devia estar
com um hálito de múmia vingativa — enquanto
checava as horas no smartphone e fechava a bolsa.

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Duas da manhã! Que audácia desse ser,


entrar no meu quarto a essa hora!

Mal-humorada por aquela invasão


repentina, masquei o chiclete intensamente e prendi
meu cabelo numa trança enquanto pensava no que
fazer, até que um barulho me assustou: a mochila
do vulto havia caído do móvel como uma fruta
madura no chão.

Bem feito, tomara que tenha um celular aí


dentro e que tenha trincado a tela toda!

Mesmo desejando o mal para o invasor, fui


até suas coisas e comecei a recolhê-las com
cuidado. Coloquei a mochila de volta no aparador e
fiz menção de voltar para a cama e aguardar uma

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explicação do homem abusado, mas quando vi um


coldre com uma arma despontar de dentro do que vi
ser um terno, não um casaco, como eu tinha
imaginado, parei imediatamente.

Olha, até que é um bom terno, o tecido...

Espera, eu tô pensando em roupas? Tem


uma arma no meu quarto!

Meu coração disparou de nervoso, e eu


pensei em correr do quarto e chamar a segurança.
Logo afastei a ideia, já que, se tudo fosse um
engano, eu soaria como louca histérica. O estranho
invasor poderia, inclusive, ser um dos seguranças
da mansão.

E foi só a ideia de ter um segurança

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tomando banho no meu banheiro vir a mente, que


um pensamento passou pela cabeça: e se fosse
Gabriel? Betty disse que ele não viria, mas e se
aquilo tivesse sido uma brincadeira dela? Ela
realmente estava agindo de modo suspeito com
aquela coisa de arrumar o closet!

Achei melhor conferir. Peguei meu celular e


disquei o número dele, que Betty havia me passado
na lista de contatos de todos da banda. Na hora,
nem me dei conta do que isso significaria, para ser
sincera.

Fiquei em silêncio, esperando o celular


tocar, mas não ouvi nenhum som vindo de dentro
da bolsa, nem mesmo uma vibração. Olhei para a

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tela do meu aparelho e vi que alguém havia


atendido a ligação.

Ou seja: não era Gabriel quem estava


tomando banho no meu quarto.

Meu peito se apertou com o medo mais uma


vez, mas não me deixei abalar. Afinal, a chance de
a pessoa ser mal-intencionada era minúscula, tendo
em vista que nenhum ladrão ou assassino
profissional entraria no quarto da vítima e largaria
sua arma para tomar um banho! Fora que a
segurança era impecável na mansão, eu sempre
soube disso.

— Estarei ferrada de algum modo? —


perguntei para mim mesma, em voz baixa.

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Desliguei o celular sem dizer nada para


Gabriel e comecei a pensar no que fazer. Sair do
quarto, ligar para Betty ou esperar a pessoa se
explicar? Minha intuição dizia que não havia
motivos para sentir medo do vulto. Talvez fosse
tudo um mal-entendido, e ele realmente tenha
entrado no quarto errado sem querer. Havia outro
quarto em frente ao meu, afinal de contas.

A mochila tombou para frente mais uma


vez, e eu a segurei num reflexo. Mochila
inconveniente igual ao dono, pensei enquanto a
encostava na parede para que não caísse mais. Dei
uma olhada de relance no coldre e contive a
respiração. Droga, quero saber qual arma é.

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Não, Lena.

Não pegue na arma alheia.

Não é sensato.

Você vai deixar suas digitais num revólver


de alguém que você nem conhece.

A voz da razão tentava me impedir de fazer


aquela besteira, mas a curiosidade de ver qual arma
o possível segurança tinha foi maior do que meu
bom senso. Meu tio é entusiasta — ou melhor,
totalmente viciado — de armas, foi ele quem me
ensinou a atirar quando eu era adolescente, e eu
tinha certeza que ele soltaria fogos de artifício ao
saber que eu fiquei curiosa sobre uma arma, mesmo
não sabendo quem era o dono.

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Tirei a arma do coldre, verifiquei se estava


com o pente de balas e dei uma olhada geral. Não
pude conter uma risada: era uma G22, a preferida
de meu tio. Uma Glockinha. Chequei o peso da
arma e sorri ao pensar em como ele ficaria
orgulhoso ao saber que a sobrinha soube
reconhecer uma pistola sem precisar recorrer ao
Google.

Bom... ou isso, ou ele diria “não fez mais


que sua obrigação, Maria, é a minha arma
preferida. Com ela, eliminei vários vagabundos
que...”

É, provavelmente seria a segunda opção...


Velho esquisito.

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Estiquei o pescoço para olhar melhor a


porta do banheiro, e como o chuveiro permanecia
ligado, virei de costas e apontei a arma para a
janela, para senti-la melhor em minhas mãos. Era
uma arma boa de se pegar, se comparada com
aquela Taurus horrível que meu tio me obrigava a
praticar. Nossa, como eu odiava aquela arma.

Não sou exatamente entusiasta de armas,


mas é difícil você não se animar quando se tem um
tio muito rabugento que se desmancha em sorrisos
quando sua sobrinha predileta acerta seu quiz de
nomes e marcas de pistolas. Era o jogo favorito
dele, me mostrar fotos e sons de tiros e esperar que
eu adivinhasse qual pertencia a qual...

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Pensando bem, meu tio realmente é meio


maluco...

Distraída, chequei novamente o gatilho,


local onde existe o único mecanismo de trava da
arma, e fui até meu celular, tirei uma foto,
pensando em mandar para meu tio, quando uma
voz irritada me tirou de meus devaneios e me fez
dar um salto no mesmo lugar:

— Que merda é essa?! — gritou o intruso,


fazendo meu coração disparar no peito.

Ai, droga!

Estou ferrada.

Adeus, turnê...

No alto da minha distração, nem ouvi o

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chuveiro sendo desligado e nem a porta do


banheiro sendo aberta. Com o susto, deixei meu
celular cair no chão de novo, larguei a arma em
cima da cama e levei as mãos ao rosto, de tanta
vergonha. Só não levantei as mãos para o alto
porque já não estava mais armada.

E porque seria ridículo.

Droga, droga, droga.

Eu quebrei alguma lei?

Ai, cara, aposto que quebrei.

Legal, vou ser presa, ainda por cima.

Sua burra! Por que nunca consegue


segurar seus impulsos? Quase trinta anos na cara,
Helena! Por que pegou o raio da arma de alguém

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que você não conhece??

Fiquei reunindo coragem para girar nos


calcanhares e começar a pedir desculpas para o
dono da arma, mas senti toda ela se esvair quando o
intruso ralhou comigo em uma voz muito grosseira:

— O que você tá fazendo aqui?! —


perguntou o dono da voz, totalmente mal-
humorado.

Vi de canto de olho ele se aproximar e


pegar a arma em cima da cama. Desviei o rosto
quando ele se voltou para mim e me abaixei para
pegar meu celular. Tela trincada, de novo. A ironia
das ironias: desejei que o suposto celular do invasor
trincasse a tela, mas acabei fazendo isso com o

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meu... de novo. Bom, de qualquer modo, não era a


primeira vez, não seria a última, aquele aparelho
havia caído no chão no aeroporto no Rio, mais
cedo, vivia despencando da máquina de costura,
enfim. Era impressionante como ainda ligava
apesar disso tudo.

— Esse é o meu quarto, senhor invasor,


acho que a pergunta certa seria... — tentei rebater
com firmeza, mas minha voz falhou. Estava me
sentindo uma idiota por ter sido flagrada segurando
a arma alheia.

— Seu quarto? Seu quarto é o da frente!


Você é a Maria, figurinista nova, não é? — a voz
irritada perguntou enquanto se afastava. Ouvi uns

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barulhos que me soaram como se ele estivesse


guardando a Glock em alguma gaveta, ou coisa
parecida.

— Sou, como você sabe? — perguntei,


ainda sem olhá-lo, indo na direção da janela e
fingindo interesse em abri-la.

Lena, pelo amor de Deus, olha para o


homem e resolve logo isso. Para de ser criançona.

Ignorei meu bom senso pela segunda vez e


permaneci de costas enquanto tentava destravar a
janela.

— A segurança aqui é impecável, você


nunca teria entrado se não fosse autorizada. Além
do mais, não tem nada que eu não saiba aqui,

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senhorita — ele retrucou, irritado.

Não pude deixar de rolar os olhos. Que


prepotente!

— Ah, claro, todo poderoso, onisciente e


onipotente! Sabe de tudo, só não sabia que o quarto
não era o seu! — respondi enquanto tentava abrir a
droga da janela.

— O quarto é meu. Você que entrou no


lugar errado. Posso saber por que você estava
segurando a minha arma?

— Posso saber por que você entrou no meu


quarto armado? — retruquei enquanto destravava a
janela.

— O quarto não é... — ele começou a

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responder, mas eu o interrompi quando finalmente


consegui abrir a janela, fazendo com que o metal
que emoldurava o vidro fizesse um barulho alto e
uma brisa gelada entrasse no quarto. Terminei de
abrir o blackout e olhei o belíssimo céu estrelado,
me enchendo de coragem para olhar nos olhos do
meu invasor, pedir desculpas pela arma, mas brigar
pela posse do quarto.

— Ok, temos um impasse aqui, Bruce


Nolan — disse, fazendo referência ao personagem
de Jim Carrey em Todo Poderoso. Girei o corpo
para falar com o invasor de quartos e continuei. —
A dona da mansão me colocou nesse quarto,
então... Gabriel?

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Espantada, reconheci o segurança da Sissy


Walker, que me olhava com o rosto fechado.
Percebi que demorou alguns segundos para ele me
reconhecer e que sua expressão relaxou quando isso
aconteceu.

— Quem...? Lena...? Lena! O que você...?

— Você não faz parte mais da segurança da


banda! — eu o interrompi, totalmente surpresa —
A Betty disse que você tinha saído, que você era
segurança de outra banda! E o seu celular, você não
atendeu quando eu liguei!

Gabriel franziu as sobrancelhas, o rosto


rígido enquanto tentava entender o que estava
acontecendo ali.

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— Eu deixei meu celular com o Diego, o


dele quebrou, e ele precisava resolver algumas
coisas. Aliás, como você tem meu número?

— A Betty me deu um dia desses, por via


das dúvidas.

— E por que a Betty te daria meu número


se eu supostamente não trabalho mais para a
banda?

Abri a boca para responder, mas vi que


fazia sentido. Não tinha me dado conta daquilo
mais cedo, quando fiquei toda tristonha por saber
que não o veria.

Achei que não ia ser trouxa, fui trouxa.

Gabriel relaxou o rosto um pouco e arriscou

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um pequeno sorriso ao me ver contrariada.

— Acho que a Betty te colocou aqui de


propósito, Lena. Se bem me lembro, o sonho dela
era juntar nós dois... Ou me juntar com qualquer
mulher no planeta. Senhorita Antônia
provavelmente deve estar envolvida também. Ela
passou os últimos meses conosco apenas falando
em você.

Botei as mãos na cintura, tentando lidar


com a profusão de sentimentos que acontecia no
meu peito. De euforia à vergonha, de vergonha à
surpresa, de surpresa à felicidade, de felicidade à
euforia de novo... Afastei todos eles e exclamei:

— Que mulher louca! Ela colocou minhas

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coisas no closet, disse que era meu o quarto...! —


falei com os olhos semicerrados, sentindo a raiva
invadir meu peito.

Girei nos calcanhares e fui ao closet tentar


entender o motivo de ela ter repetido tanto que eu
arrumasse minhas coisas. Gabriel ficou no mesmo
lugar, ainda com o minúsculo sorriso no rosto e os
braços cruzados. Liguei a luz e entrei no cômodo,
ficando de boca aberta ao entender tudo.

— O closet está cheio de roupas!! Ternos,


ternos, ternos... Só tem ternos aqui? São suas
roupas!! Ah, como eu sou burra! — disse ao ver as
roupas e sapatos de Gabriel arrumados nos cabides
e sapateiras. — Por isso ela enfatizou tanto que eu

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arrumasse minha bagagem, ela sabia que eu ia


entender tudo quando visse esse monte de roupa de
segurança!

Saí do ambiente repleto de ternos escuros


com o maxilar cerrado, me sentindo uma tonta de
marca maior, e irritadíssima, não pela brincadeira
de Betty, mas sim por não ter percebido tudo antes.

Gabriel ainda estava no canto oposto do


quarto, próximo ao aparador. O sorriso em seus
lábios desapareceu, e ele me olhou com o rosto
sério, mas não notei raiva em sua voz quando ele
comentou:

— Você sabe segurar uma arma.

Cruzei os braços, ficando um pouco na

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defensiva, como se aquilo fosse uma acusação.

— Sei, por quê? — perguntei.

— Você sabe atirar? — ele rebateu, o rosto


ainda impassível.

Ainda com as defesas ativadas, respondi,


com o nariz um pouco em pé:

— Qualquer um sabe atirar com uma Glock.


Ela pesa menos de um quilo, sua trava é no gatilho,
o que a torna extremamente segura, e quase não dá
coice. É óbvio que eu sei atirar com uma G22.
Consigo desabotoar seus ternos com essa sua
Glockinha, se quer mesmo saber.

Gabriel piscou algumas vezes, e a surpresa


em seu rosto surgiu rapidamente, mas logo foi

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embora. Ele tentou, sem sucesso, segurar um


sorriso, e acabei rindo junto e caminhei em sua
direção.

Parei na sua frente e olhei seu rosto pela


primeira vez em quatro anos. Era exatamente do
jeito que eu me lembrava: o queixo forte, as
sobrancelhas arqueadas na pontinha, os olhos
brilhantes, os lábios lindos, carnudinhos e curvados
em um meio sorriso e a pele levemente bronzeada
de sol.

Gabriel não se moveu, mas retribuiu meu


olhar e pareceu devorar meu rosto com os olhos,
como se quisesse memorizar cada parte dele,
exatamente do mesmo jeito que havia feito quando

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nos conhecemos.

— Não quer tirar uma foto? Pode facilitar a


sua vida — brinquei, dando mais um passo em sua
direção com o coração martelando no peito. Fiquei
a centímetros de seu rosto, mas não me aproximei
mais.

— Quero, Maria. Por sinal, por que você


usou esse nome? — perguntou, me brindando com
seu sorriso relaxado mais lindo.

— Porque é o meu nome, Gabriel. Me


chamo Helena Maria. Betty deve ter usado meu
segundo nome para que você não percebesse quem
eu sou nos formulários da segurança.

— É, foi o que ela fez. Ela abreviou o

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primeiro nome e entregou tudo para a Erika, a


segurança pessoal dela, conferir. Mal pude chegar
perto da última atualização da lista dos novos
funcionários, Lena... — ele disse, inclinando o
rosto na minha direção.

— Hm, é um bom artifício... Betty sempre


tentou ser cupido assim? Checa na sua mesa de
cabeceira, vê se não tem uma certidão de
casamento esperando pela sua assinatura... — disse
enquanto inclinava o rosto em resposta. Senti seu
hálito em meu rosto e coloquei o chiclete no canto
da boca, já aguardando o tão esperado beijo.

— Provavelmente tem, junto da escritura de


uma casa com cerca branca... — ele respondeu,

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sorrindo e encostando os lábios no canto da minha


boca.

Não foi necessário dizer mais nada. Toda a


dúvida de como seria nosso reencontro se esvaiu
quando nos atraímos como polos, ainda que não
nos falássemos há tantos anos.

Fechei os olhos enquanto sentia sua boca


quente encostar em minha pele, que estava fria pela
lufada de ar gelado que entrou pela janela, e agarrei
as laterais da camisa que Gab usava. Ele trilhou
uma série de beijos lentos no meu rosto, descendo
para o queixo e parando no pescoço. Senti sua mão
puxando meu cabelo e ergui o rosto, facilitando o
acesso dele ao meu colo.

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Gabriel passou a mão na minha cintura e me


puxou para perto, encostando meu corpo no seu, e
eu gemi quando ele me virou de costas para a
parede e me pressionou contra ela, sem deixar de
beijar a base do meu pescoço.

Coloquei a mão em seu peito e abaixei o


queixo, fazendo com que ele subisse o rosto e me
beijasse nos lábios. Respirei fundo quando nossos
lábios se entreabriram e se encostaram e ouvi
Gabriel fazer o mesmo.

Mal nossas línguas se roçaram, um barulho


na porta nos interrompeu. Deixei os ombros caírem
de frustração quando Gabriel encostou a testa na
minha e suspirou.

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— Gab? Trouxe seu celular! — gritou


Diego do lado de fora. Gabriel me soltou e eu vi
seu maxilar enrijecendo de impaciência.

Aproveitei que ele se afastou e corri para o


banheiro. Não queria que ninguém me visse ali.
Não no primeiro dia de trabalho, ainda que Betty
tivesse criado aquela situação e, provavelmente,
contado para todos do plano.

Fiquei em silêncio esperando Gab falar com


Diego e refleti sobre o que poderia acontecer
naquela noite. Eu estava morrendo de desejo pelo
segurança, mas também estava morrendo de sono.
No dia seguinte, eu começaria meu trabalho com a
banda e precisava estar descansada para não fazer

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besteira.

Decidi que era melhor deixar o reencontro


para outro dia. Não podia correr o risco de alguma
coisa atrapalhar a primeira impressão que eu queria
passar para meus colegas de trabalho.

Ouvi Gabriel me chamando e voltei para o


quarto, quase suspirando de alívio — ou
frustração? — ao ver que ele estava distante da
porta do banheiro, checando o celular.

— Você me ligou mesmo... — disse com


um sorriso enquanto olhava a tela do smartphone.

— Liguei, queria saber se o maluco que


entrou no meu quarto às duas da manhã era ou não
você... — respondi enquanto me sentava na cama.

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Opa, péssima escolha, Lena. Levanta dessa


cama, não dê ideias para seu corpo flamejante.

Levantei imediatamente e cruzei os braços,


menos pelo frio que entrava pela janela e mais por
não saber o que fazer com eles. Gabriel me olhou,
parecendo confuso, e me corrigiu:

— Não são duas da manhã, Lena, são onze


horas da noite...

— Não, são duas da manhã, eu... —


comecei a argumentar, mas esqueci o resto da frase
quando ele se virou de lado para guardar o celular e
eu tive um relance sua tatuagem no braço, mal
escondida pela camiseta que ele usava. Gabriel
continuava tão gostoso quanto antes. As coxas

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maravilhosas escondidas em uma calça de pijama


xadrez, os braços fortes, as tatuagens... Ah, as
tatuagens...

Desgraça de homem irresistível!

— Gabriel, me ajuda a levar minhas malas


para o quarto? — pedi antes que mudasse de ideia,
me ajoelhasse na sua frente e fizesse coisas que
deixariam minha mãe horrorizada.

O segurança fechou a gaveta da mesa de


cabeceira e me olhou com a dúvida estampada no
olhar.

— Eu preciso dormir, tive um voo péssimo,


me droguei... — tentei explicar, mas ele me
interrompeu:

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— Se drogou? — ele perguntou, o rosto


ficando sério de novo.

— Remédio para enjoo, Gabriel. Aquilo


bate e dá um barato que só vendo... — brinquei ao
ver sua expressão preocupada. — Enfim, eu
realmente preciso dormir, senão não existo amanhã.
E amanhã é meu primeiro dia, né?

Gab balançou a cabeça concordando e me


deu um sorrisinho desanimado. Mais corta-clima
que isso? Em seguida, foi até o closet e tirou as
duas malas maiores, deixando para mim a mala
média e a de Magic Manson, minha máquina de
costura, que eu trouxe por ser mais compacta e
prática.

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Fomos em silêncio até meu quarto, e eu


esperei Gab guardar as malas no final do quarto
enquanto desfazia a minha trança e olhava ao redor.
Ele terminou de arrumar as coisas, saiu do closet e
me olhou sentada na cama e procurando por algo.

— O que foi? — perguntou enquanto se


aproximava de mim e sentava ao meu lado na
cama.

— Não sei, o quarto... é igual ao seu, mas...


parece estranho... Como se faltasse algo. Acho que
falta cor nele. E fotos. E vida — respondi enquanto
olhava cada canto do espaço. Voltei meu olhar para
Gab e sorri ao ver que ele me olhava com uma
expressão divertida no rosto. — Olha, ele tem

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dentes! Senti saudades de constatar isso — disse,


olhando fixamente para sua boca. Gabriel diminuiu
o sorriso, e eu pude notar o desejo em seus olhos.

— Bom ver que você continua a mesma...


— ele comentou.

Sorri e balancei a cabeça negando.

— Imagina, mudei bastante. Agora sou uma


mulher forte, mais independente ainda, dona de
uma marca de roupas maravilhosas e de uma
pontaria que te faria sentir vergonha por andar com
aquela Glockinha de quinta que você tem.

— Sei... Quero ver se essa pontaria é isso


tudo mesmo — provocou, me dando um sorriso
irônico e se levantando da cama.

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— Você vai ver. Há muitos locais bons para


te provar isso na Europa, segurança-todo-poderoso
— respondi me levantando também e o
acompanhando até a porta do quarto. — Muito
obrigada, senhor cavalheiro, por trazer minhas
malas até aqui. Tenha uma boa noite e guarde bem
as suas armas.

— Pode ter certeza que guardarei. Tente


não invadir o quarto de mais ninguém, senhorita —
brincou, se virando para ir embora.

— Isso eu não garanto, moço.

Gabriel me olhou por cima do ombro e


sorriu.

— Boa noite, segurança.

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— Boa noite, costureira.

Sorri e fechei a porta do quarto, me


controlando para não ir atrás dele, para não o puxar
de volta para dentro e arrancar aquela calça xadrez
maravilhosa.

Não, Lena, controle-se. Vai tomar mais um


banho e dormir. Devem ser quase três da manhã e
você precisa trabalhar daqui a algumas horas!

Ouvi a voz da razão pela primeira vez na


noite e fui até o banheiro tomar o banho mais
gelado que o chuveiro conseguisse me oferecer sem
me adoecer, antes que eu entrasse em
autocombustão.

Confesso que o frio até acalmou meus

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nervos, mas não havia tempestade de neve no


Alasca que conseguisse acalmar as batidas nervosas
do meu coração. Era só pensar em Gabriel, que
nem um iceberg assassino de Titanic sendo
colocado dentro da minha calcinha de nuvens me
esfriaria o suficiente para tirar o sorriso bobo do
meu rosto. Pensa comigo: eu viajaria por toda a
Europa e ainda teria a companhia do homem cuja
lembrança aqueceu meu corpo em vários momentos
dos últimos anos.

Eu sou uma sortuda filha da mãe.

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Primeiro café
Acordei com o alarme do meu celular
gritando e vibrando na mesa de cabeceira.
Totalmente tonta de sono, me levantei, xingando
mentalmente o raio do fuso horário. Mas, como
reclamações não lubrificam minha máquina de
costura, fui me arrumar assim mesmo. Havia muita
coisa a ser feita naqueles dias antes de começar a
turnê, não podia perder nem um segundinho sequer.

Tomei um banho morno — era fim de


inverno em Londres, infelizmente não poderia
tomar meus amados banhos trincando de gelados...
—, fiz a fitagem de sempre no cabelo, sequei e
terminei de me arrumar, escolhendo um vestido
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confortável e meias de lã 7/8, minhas preferidas

Olhei para o relógio do celular e fiquei


satisfeita ao ver que estava adiantada. Planejara
iniciar meus afazeres antes das nove horas da
manhã, meu celular marcava oito em ponto.
Perfeito! Ainda estava meio lesada de sono, mas
nada que um bom copo de café não fosse resolver.

Ajeitei as meias no lugar, apaguei a luz e saí


do quarto, toda contente, empacando em seguida ao
ver que estava tudo escuro na mansão.

— Ué, que horas o sol amanhece aqui, na


hora do almoço? Oito horas e tá esse breu? —
perguntei sozinha.

Fechei a porta do meu quarto, tentando

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entender o que estava acontecendo, e fui até a


cozinha principal da mansão ver se encontrava
alguém. Fiquei perdidinha ao entrar no cômodo e
não encontrar nenhuma pessoa, nem um membro
da banda, um funcionário, um cozinheiro, a
governanta, qualquer um. Nada.

Gente, será que meu celular está maluco?


Que horas devem ser, então, se não são oito?

Conectei no wi-fi da mansão e procurei um


daqueles sites que dizem a hora certa no mundo
todo. Revirei os olhos e falei uns cinco palavrões
ao perceber que provavelmente a queda no
aeroporto (ou no quarto de Gabriel?) tinha avariado
o aparelho: eram cinco horas da manhã. É óbvio

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que eu estava com sono, era um horário desumano


de se acordar.

Bom, não tem tu, vai tu mesmo, né? Já tinha


despertado, tomado banho e me arrumado. De nada
ia adiantar deitar e tentar recuperar as três horas de
sono perdidas.

— Gabriel tinha razão, pelo visto... Que


toupeira eu sou.

Voltei para a ala dos funcionários e fui até a


cozinha modernosa, dando a volta no balcão e
procurando nos armários alguma embalagem de pó
de café. Encontrei uma prateleira com três pacotes
de café diferentes. Não conhecia nenhuma marca,
até porque estavam todas em línguas que eu não

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reconhecia, então escolhi a que tinha “torra clara”


escrito na embalagem, torcendo para que fosse boa.

Se tem uma coisa que eu entendo, além de


tecidos e costuras, é café. Odeio torra escura,
prefiro não beber a ter que provar suco de carvão.

Depois de quase ferver a água, escaldei um


filtro de papel antigo que encontrei no fundo do
armário, coloquei o pó e inalei o aroma que o café
exalou. Maravilhoso!

— Café de milionário, que beleza! — falei


sozinha e, para completar, ainda ri de minha
própria piada enquanto servia o café em uma
garrafa térmica.

Não adocei meu café. Salvo alguns tipos,

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como o de minha irmã ou alguns cappuccinos,


sempre tomei bebidas com cafeína sem nada. O
açúcar costuma tirar o gosto divino de um bom
blend, então eu sempre preferi o gosto real da coisa.

Sentei em um banquinho, apoiei os


cotovelos na bancada da ilha, tomei um gole da
bebida e suspirei de prazer. Que café divino!

— Tem café para dois nessa garrafa? —


perguntou uma voz masculina.

Abri os olhos e olhei ao redor, vendo


Gabriel entrar na cozinha, usando um de seus
maravilhosos ternos e um de seus perfeitos sorrisos.
Não reclamei nem um pouco de ter companhia,
ainda mais sendo ele.

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Que homem, que homem.

— Sim, pode pegar, acabei de fazer —


disse, abaixando a caneca por um momento. — É
um dos melhores cafés que eu já tomei na vida.

— É, dá para ver... — ele comentou, ainda


sorrindo enquanto pegava uma caneca no armário e
se sentava no banco em frente ao meu, a ilha entre
nós dois.

Fiquei olhando Gab colocar café em uma


caneca igual à minha e beber em silêncio.

— Sem açúcar? — perguntei.

Gabriel apenas balançou a cabeça


afirmativamente, enquanto eu sorria e tomava mais
um gole.

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— Seu cabelo cresceu... — ele constatou


antes de levar a caneca aos lábios.

Botei a mão em meu cabelo e afofei um


pouco meus cachos.

— Cresceu, né? Tá imenso, não corto tem


uns quatro, cinco anos...

Omiti a informação de que eu não cortava


desde o evento na Lyubov, aquele evento
desagradável. Não queria trazer o passado à tona.

— Ficou bonito também. Gosto do cheiro


dele — disse em um tom neutro.

Entortei a cabeça para o lado enquanto


tentava me lembrar de quando ele poderia ter
sentido o cheiro do meu cabelo, mas não consegui

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pensar em nada muito concreto. Eu estava de trança


quando nos beijamos e não me aproximei muito
dele quando desfiz o penteado, no meu quarto.

— O cheiro ficou no meu travesseiro — ele


explicou ao ver minha confusão. — Você deitou na
cama com ele molhado?

— Ah, sim... Entendi. Deitei, perdão... —


eu me desculpei com um sorriso tímido.

Tentei afastar da cabeça a resposta que eu


realmente queria dar, uma nem um pouco ortodoxa
que envolvia outras partes do meu corpo que
poderiam estar molhadas, e voltei minha atenção
para minha bebida.

— Não, não precisa pedir desculpas. Foi um

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pouco difícil de dormir sabendo que a dona do


cheiro estava no quarto ao lado, mas não tem
problema.

Dei uma olhada na expressão séria, porém


relaxada de Gabriel, e sorri com o canto da boca.
Coloquei o café na mesa, apoiei os cotovelos na
bancada e me inclinei em sua direção.

— Escuta, Gabriel... Eu preciso te fazer


uma pergunta, posso?

Gabriel imitou meu gesto com a caneca,


mas não se inclinou na minha direção, apenas
balançou a cabeça assentindo. Retribuí o pequeno
sorriso que ele deu e soltei a pergunta de uma vez,
tentando não rir da reação dele em seguida:

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— Há algum coração que possa ser partido


com a minha presença?

Gabriel levantou as sobrancelhas, as franziu


e me perguntou, com um sorriso despontando em
seus lábios:

— Como assim, um coração...?

— Eu quero saber, Segurança, se tem


alguém que você esteja vendo ou que esteja
perdidamente apaixonada... ou apaixonado, sei lá,
que vá me caçar com um rifle por eu querer pegar
você. Se sim, me avisa logo, porque eu não tenho
muita paciência para ficar esperando algo que não
vai vir.

Terminei de falar e aguardei com um sorriso

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inocente no rosto. Era bom colocar logo as cartas


na mesa e definir o que podia ou não ser feito ali.

— Acho que me lembro desse seu lado que


vai bem no ponto, Lena...

Tirei as mãos da caneca e as coloquei na


bancada.

— Lembra? Que bom... Do que mais você


lembra de quatro anos atrás? Só para eu ficar
sabendo, minha memória está um pouco nublada
pelo sono, sabe? — comentei enquanto cruzava os
braços, sabendo que esse movimento destacaria
meus seios no decote em formato de coração. Uma
provocação pequena não faria mal a ninguém,
faria?

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Gabriel desceu os olhos imediatamente e


concentrou o olhar no meu decote. Sorri, satisfeita,
e estalei os dedos na frente de seus olhos.

— Ei, Segurança, meus olhos estão aqui, ó


— apontei para meu rosto e tentei segurar a risada.
Gabriel desviou o olhar dos meus peitos e voltou
para meu rosto com um pequeno sorriso.

— Lembro de muita coisa. De tudo, para


falar a verdade — disse enquanto se inclinava em
minha direção. Pelo tamanho da bancada, não
adiantaria de nada se eu não me apoiasse nos
cotovelos e o puxasse caso quisesse beijá-lo, mas
me controlei para não resolver esse impasse. Ele
ainda não havia respondido uma de minhas

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perguntas, a principal.

— Sei. Tenta lembrar agora de responder a


minha questão, Gabriel.

— Eu não acabei de responder? —


perguntou, olhando para meus lábios.

— A primeira, Gabriel. Eu preciso manter


minhas mãos longe de você? Ontem você não fez
objeção, mas quem me garante que não tenha sido
um deslize? É difícil resistir a isso que existe entre
nós dois... — disse sem nenhum traço de
insegurança. Era nítido que eu ainda exercia nele o
mesmo efeito que ele exercia em mim, então não
era momento para falsa modéstia.

Gabriel desviou o olhar de meus lábios e

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voltou a me fitar nos olhos, sem dizer nada por uns


instantes.

— Depende — respondeu, simplesmente.

Acertei minha postura e peguei minha


caneca de café, sem desviar do seu olhar. Estava
ficando impaciente, e não tinha nem vinte e quatro
horas que eu reencontrara aquele homem.

— Depende do quê? Do seu horóscopo,


Segurança? — perguntei com ironia.

Gabriel sorriu, me mostrando seus dentes


lindos, e respondeu:

— Quase isso, Costureira.

Revirei os olhos, mas não pude deixar de


sorrir. Gabriel estava me provocando, mas eu não

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iria ceder tão fácil assim. Se o lance era fazer doce,


eu encheria o café dele de açúcar se continuasse
com aquele joguinho de palavras.

Terminei meu café sem desviar meu olhar


do dele e me levantei em seguida, indo lavar minha
caneca. Guardei a louça e enxuguei as mãos no
meu vestido, ainda de costas para Gabriel. Quando
me virei, ele estava colocando mais café em sua
caneca.

— Eu fiz esse café bem forte, Segurança,


pega leve na cafeína — alertei em tom de
brincadeira

— São cinco e meia da manhã e eu não


dormi direito, Lena. Preciso de cafeína. Aliás,

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falando nisso, por que você está de pé tão cedo?

Levantei os ombros e sorri.

— Vontade de trabalhar, quem sabe? Ah,


por sinal, você teria um adaptador de tomada?
Minha máquina de costura é meio louca, não
encaixou de modo algum na tomada daqui... —
pedi.

— Tenho sim. Deixo no seu quarto daqui a


pouco.

Ele respondeu isso de modo tão sério, que


eu quase zombei. Modo profissional ativado! Bom
saber que ele tem um tão intenso quanto o meu; seu
humor mudou em segundos!

Apertei os olhos, sorri e balancei a cabeça

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negando.

— Nem pensar, Segurança. Você vai me


dizer onde tem um, e eu vou lá pegar. Você está
proibido de entrar no meu quarto enquanto eu
estiver presente.

Gabriel bebeu seu café e me perguntou em


seguida:

— Qual é o seu medo? Que eu te ataque lá


dentro? — perguntou, e eu notei uma breve sombra
em seu olhar, como se minha pergunta tivesse
tocado em um ponto delicado.

Ergui as sobrancelhas, surpresa com sua


pergunta.

— Óbvio que não. Meu medo é que eu vá

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contra meus princípios e te ataque, Segurança. Não


gosto de encostar em pessoas que não estejam
totalmente certas do que querem comigo, então
preciso que você pare de me enrolar e me diga logo
se há algo que me impeça de desabotoar seu terno
com sua arma — expliquei com um sorriso travesso
no rosto.

Gabriel suavizou a expressão e comentou:

— Você é muito, muito direta, já te


disseram isso alguma vez?

— Ao menos duas vezes por semana. Bom,


pelo tanto que você está me enrolando para
responder, eu já entendi. Prometo que vou ser uma
boa menina e respeitar sua vontade, Segurança.

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Não esquece o adaptador de tomada, ok? — disse,


sentindo uma pontada de decepção ao ver que
Gabriel não tentou me corrigir.

Pelo visto, ele estava comprometido, e a


noite passada havia sido um erro.

É óbvio que ele está, Lena, sua anta. Um


homem como ele iria ficar sozinho, te esperando,
quatro anos depois? Você não ficou sozinha!
Ingenuidade é uma coisa, burrice aguda é outra,
Helena Maria.

Mas, se isso for verdade, por que Betty


armou para que ficássemos juntos no quarto? Não,
hoje eu não estou lesada por causa das drogas,
algo de errado não está certo aqui. Betty sempre

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me disse que Gabriel é um homem honrado, ele


não iria trair alguém assim, tão facilmente.

Dei um sorriso falsamente compreensivo


para ele — quando no fundo, queria mandar ele
plantar batatas em uma ladeira por ousar me enrolar
quando eu queria ele na minha cama em cada um
dos países que iríamos visitar durante os próximos
meses —, peguei sua caneca de suas mãos, bebi o
resto do líquido dos deuses e me virei para sair da
cozinha.

Mal cheguei na porta da cozinha, ouvi a voz


de Gabriel:

— Depende do horário, Helena.

Girei nos calcanhares e olhei para o

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segurança da Sissy Walker, ainda sentado em sua


banqueta na ilha do cômodo modernoso, e contive a
vontade de gritar “ahá, eu sabia!”

Calma, Lena.

Uma coisa de cada vez.

Tentei entender o comentário, o coração


retumbando no peito. Euforia? Tesão? Felicidade?
Expectativa? Tudo junto? Sim.

— O que depende do horário, Segurança?


Para de enrolar, eu não tenho o dia todo, aqueles
vestidos da Aline não vão se apertar sozinhos,
sabia?

Gabriel girou nos banquinhos da bancada,


ficando de frente para mim e sorriu.

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— Depende do horário que você queira


desabotoar meu terno com a minha arma.

Gabriel costumava ser mais direto, não?


Ou eu que estou viajando? Será que eu não o
conheço como acho que conheço? Bom, é óbvio
que não, só o vi uma vez, burra.

Voltei para a cozinha e caminhei em sua


direção, repetindo o mantra “não encoste nele,
Lena, não encoste nele, Lena!” mil vezes até parar
a poucos centímetros de seu rosto. Como estava
sentado no banco de metal, o rosto de Gabriel
estava poucos centímetros abaixo do meu, fazendo
com que eu inclinasse a minha cabeça para me
aproximar dele.

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— Segurança, não me enrola, vá direto ao


ponto, que minha paciência é tão pequena quanto a
quantidade de açúcar que você colocou no seu café.

— Eu gosto dele puro — ele disse,


erguendo o rosto na minha direção.

— Eu sei, eu também... — respondi


enquanto colocava as mãos na bancada atrás de
Gabriel e aproximava meus lábios dos seus. —
Gabriel, se você não me impedir, eu vou beijar
você.

Ele não falou nada, apenas ergueu o queixo


devagar e mirou meus lábios. Entendi aquilo como
uma permissão e liguei meu foda-se para tudo.

Fechei os olhos quando minha boca

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encostou de leve na de Gab e inalei profundamente


quando ele entreabriu a boca e passou a língua no
centro dos meus lábios, quase como se estivesse
pedindo licença. Separei os lábios e senti a ponta de
sua língua encostar na minha, trazendo o sabor do
café gourmet junto.

Dei um passo para frente, tirei as mãos da


bancada e as deslizei pelas coxas dele, me
encaixando entre suas pernas enquanto sua língua
entrava em minha boca. Suas mãos agarraram
minhas pernas, e ele acertou a postura, facilitando o
contato de sua pele com a minha.

Agarrei seu cabelo curto com uma mão e


passei o outro braço pelo seu pescoço. Gabriel

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deslizou as mãos de minha cintura para o meu


traseiro e parou uma mão em minha coxa, sentindo
a faixa de pele que a ⅞ não escondia e apertando o
local.

Sem deixar de me beijar, ele se levantou do


banco, me agarrou pela cintura e me puxou para
mais perto ainda. Sua língua buscava a minha com
urgência, e eu precisei de muita força de vontade
para lembrar que estávamos na cozinha da mansão
de nossos chefes.

Não que isso tenha surtido algum efeito, já


que não fiz menção de interromper o beijo nem
quando ele ergueu minha coxa, subiu o meu vestido
e me colocou sentada na bancada, parando para

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olhar minhas coxas parcialmente cobertas pelas


meias de lã.

Passei a mão em seu pescoço e o puxei,


retomando o beijo e enfiando a outra mão por
dentro de seu terno, na tentativa de encostar em
algum pedaço de pele. Obviamente não consegui,
mas não era exatamente algo ruim, levando em
consideração que Gabriel conseguia encostar em
várias partes da minha pele ao mesmo tempo. Era
uma boa compensação sentir aquelas mãos ásperas,
cheias de calos, subindo pelas minhas pernas.

Quando Gabriel passou a mão pela lateral


da minha calcinha, parou de me beijar e mordeu o
lóbulo da minha orelha, me fazendo gemer de

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surpresa, a sensatez bateu em mim como uma dose


de tequila.

Gabriel, que era mais ajuizado do que eu,


tirou imediatamente as mãos de mim e se afastou,
me deixando atônita, ofegante e sentada na
bancada. Tentei controlar a respiração e abaixei
meu vestido, sem deixar de olhar para o pedaço de
homem na minha frente.

— Isso não é muito legal de se fazer,


Gabriel... — reclamei, passando as costas das mãos
nos lábios e descendo da bancada.

Gabriel se afastou mais de mim com os


punhos cerrados e a respiração entrecortada.

— Depende do horário, Lena... E quase seis

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horas da manhã nunca é um bom horário para


isso... — ele se justificou, me deixando confusa.

Abri a boca para perguntar o que ele queria


dizer com aquilo, quando ouvi um barulho vindo da
sala. Corri para longe de Gabriel e me encostei na
pia, fingindo estar secando uma louça qualquer.

Um funcionário da mansão entrou na


cozinha e nos deu bom dia, tranquilamente,
aparentando não ter visto nada. Retribuímos o
cumprimento, e eu me virei para ir embora, o
coração aos pulos pelo quase-flagra. Olhei por cima
do ombro e vi Gabriel me olhar por trás da caneca
de café que levava aos lábios. Havia um projeto de
sorriso em seus lábios quando ele pegou os óculos

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escuros de dentro de um bolso do terno e colocou


no rosto.

Encarei o segurança por uns instantes e


balancei a cabeça, entre contrariada e satisfeita. O
desgraçado sabia que os funcionários da mansão
começariam seu trabalho naquele horário, mas
mesmo assim me deixou beijá-lo como resposta
para minha pergunta.

Ah, Gabriel... Mal você sabe que nesse jogo


de War que você está tentando jogar comigo, eu já
conquistei o oriente inteiro e uma boa parte das
Américas. Conquistar a Europa é só uma questão
de tempo.

Com um sorriso irônico dançando nos meus

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lábios, eu saí da cozinha e fui começar meu dia de


trabalho, pensando em como aqueles doze meses
provavelmente seriam divertidos e cheios de
nuances de diferentes cores.

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Work³
Meu celular tocou, me avisando que estava
na hora de beber água. Como estava em uma fase
ligeiramente mais viciada em trabalho do que o
usual, eu precisava de aplicativos que me
lembrassem de me hidratar e, dependendo do
serviço, de comer. Eu sei, é ridículo, mas o que
fazer quando o bichinho workaholic te morde e não
te larga mais?

Ok, eu sei que ele me mordeu há mais de


dez anos, mas...

Ok, eu sei, eu nasci com ele agarrado em


mim.

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Levantei da cadeira e me espreguicei,


girando os pulsos, enquanto dava uma olhada no
cômodo que eu estava utilizando de ateliê. Era um
quarto menor, mas com espelhos em todas as
paredes, o que tornava o ambiente menos
claustrofóbico — caso isso fosse um problema para
mim. Estava uma bagunça, cheio de retalhos,
aviamentos, tesouras distintas, fitas métricas e
papéis espalhados de croquis, desenhos técnicos e
moldes.

Dei uma olhada no meu celular e subtraí as


três horas de diferença que o pobre e danificado
aparelho insistia em acrescentar. Anotei na minha
agenda um lembrete para comprar um modelo novo
na viagem e me levantei para finalizar o trabalho do
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dia.

— Ok, Lena, hora de arrumar essa loucura!

Organizei um pouco o ambiente, separando


as peças ajustadas em montinhos de seus
respectivos donos, e arrumei a papelada enquanto
chutava os retalhos para debaixo da mesa em que
coloquei a Magic Manson.

Peguei meu celular e mandei uma


mensagem para Betty, perguntando se os outros
membros da banda já haviam voltado do almoço.
Ela respondeu rapidamente que todos estavam no
estúdio, no porão, então eu desceria em breve com
as roupas, já que precisava provar os modelos.

Dobrei as trinta peças, fruto do trabalho de

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ajuste das últimas horas, coloquei em duas pilhas


imensas e fui até o estúdio, feliz da vida por poder
finalmente reencontrar os integrantes da banda.
Assim que entrei, fui recebida por todos com
cumprimentos animados. Alguns, como Diego, o
guitarrista engraçadinho, e Aline, a baterista que
mais parecia atriz de novela, de tão linda, vieram
me abraçar, e eu retribuí o gesto de carinho, ainda
que estivesse com as pilhas de roupas nas mãos.

— Piranhaaa! — uma voz rouca ressoou


pelo estúdio, e eu quase larguei as roupas no chão.

Tony!

— Vadia, deixou todo mundo surdo! —


exclamei enquanto me abaixava para que ela me

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abraçasse. Era difícil retribuir com aquele monte de


roupas na mão, mas eu fiz o meu melhor. Estava
azul de saudades da pequena!

Gabriel estava encostado num canto,


conversando com uma mulher desconhecida, que
eu logo imaginei ser a tal da Erika, a outra
segurança. Ela era muito bonita. Tinha o mesmo
estilo da minha irmã: alta, esbelta, e dona de lindos
olhos de peixe morto — olhos que, assim como a
pele negra, eu não herdei. Se ela e Júlia tivessem
uma filha, seria, sei lá, a Rihanna. Ou a Joan
Smalls. Um ser humano desnecessariamente belo.

Uma pequenina pontada de birra me


cutucou ao ver a proximidade dos dois, mas eu logo

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ignorei. Não fazia meu estilo sentir ciúmes de


ninguém, ainda mais um colega de profissão.

Sim, eu sei separar as coisas.

— Aline, suas peças estão todas ajustadas


nas medidas que você passou para o Pierre. Você
pode experimentar quando der e me dizer se
ficaram boas? Diego, para você falta aquele colete
e uma camiseta. Tony, amoreco, suas roupas estão
prontas, não tinha muito que acertar nelas... E Jim...
— peguei minha agenda no bolso do vestido e
conferi as roupas do tecladista da banda, um
irlandês com cara de velho, apesar de ser novo. —
Não, você está com tudo pronto também.
Experimentem, por favor!

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Betty ergueu as sobrancelhas ao ouvir a


sequência de informações que eu havia passado.

— Você ajustou essas peças em uma tarde?

Jim e Tony pegaram sua parte das roupas,


me fazendo suspirar de alívio. Estava difícil
equilibrar aquilo tudo nos braços. Só aí pude
abraçar minha amiga e a erguer no ar, como sempre
fazia. Assim que a soltei, ouvindo suas risadas,
perguntei para a baixista da banda:

— Demorei? É que precisei lubrificar a


máquina e não conseguia encontrar onde deixei o
óleo na mala...

Aline me olhou com as sobrancelhas


erguidas e riu da minha expressão culpada.

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— Não, Lena, a Betty tá impressionada de


você ter feito isso tudo em uma só tarde! Você
ainda queria fazer mais rápido do que isso? —
perguntou, risonha enquanto pegava a sua pilha.

— Ah, entendi... Em geral, faria essas trinta


peças em menos tempo, eram ajustes simples. Acho
que ainda não me acostumei com o ambiente, tem
muita coisa me distraindo aqui — respondi sem
olhar para Gabriel, minha maior distração naquela
casa.

— Sei... Falando nisso, passou uma noite


boa? Esqueci de te perguntar mais cedo. — Betty
perguntou com um sorriso irônico no rosto.

Entreguei a última pilha de roupas para

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Diego, que me agradeceu batendo continência, sabe


lá o motivo, e me voltei para Betty.

— Não, claro que não. Você me colocou no


quarto do Gabriel de propósito, como esperava que
eu dormisse bem? — respondi com tom de voz de
mãe dando bronca.

Tony olhou de mim para Betty e riu da


travessura dela.

— Uai, a gente não combinou isso, querida!

— Improvisei, uai — respondeu, imitando a


gíria de Tony e rindo quando Jim reclamou de não
estar entendendo o que estávamos falando, já que,
do nada, o inglês virou português.

— Vamos combinar uma coisa? Gabriel,

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Tony, Lena e Aline são brasileiros. O restante, não.


Que tal tentar falar a língua materna da maioria,
hein?

Diego ergueu a mão e corrigiu:

— Minha língua materna é espanhol. Se


formos considerar isso, o inglês está longe de ser
maioria. Na verdade, aqui, nesse estúdio, só você e
Erika são totalmente londrinos. O restante é tudo
misturado.

— Eu sou irlandês — Jim retrucou com os


olhos apertados de birra. Diego somente ergueu
uma mão e a sacudiu no ar, como se não estivesse
nem aí para aquele detalhe geográfico.

Rindo, voltei a olhar para Betty, que

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retomou o assunto, em inglês, dessa vez:

— Eu te fiz um favor, então, certo? Ao te


colocar no quarto de Gabriel — Betty provocou
enquanto sentava ao lado de Tony e passava o
braço ao redor de seus ombros.

Olhei para Gabriel, que observava a


conversa calado e com um sorriso querendo
despontar no rosto.

— Olha, não sei se devo chamar aquilo de


favor, levando em consideração como a noite se
desenrolou... — respondi, passando a bola para
Gabriel. Betty, Tony e os outros olharam para o
chefe de segurança, aguardando que ele explicasse
algo.

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Gabriel não disse nada, apenas tirou o


projeto de sorriso do rosto e ficou sério. Dei aquela
famosa revirada de olhos ao ver que ele estava
fugindo de dar explicações e respondi por ele:

— Bom, ao menos o café da manhã foi


agradável na cozinha... — disse com um sorriso
falsamente inocente.

— É, eu soube... Gabriel não te contou que


tem câmeras na ala dos funcionários, contou? —
Erika disse, me olhando com uma expressão
divertida no rosto.

Câmeras?

Havia câmeras filmando nosso showzinho?

Não acredito que logo no meu primeiro dia

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eu já fiz soft porn para toda a equipe de segurança


ver!

Espera! Gabriel é chefe da segurança! Ele


sabia disso e não me contou?

Já sentindo meu sangue ferver, me virei


para Gabriel e exclamei:

— Por que não me avisou desse detalhe, seu


ridículo? Quer que eu prove se tenho pontaria agora
e enfie uma bala no seu traseiro, ou prefere quando
ninguém estiver olhando?

Gabriel levantou as sobrancelhas e sorriu,


apesar da surpresa pela minha explosão. Erika
começou a rir de mim, me deixando confusa.

— Não, Lena, não tem câmeras ativas nessa

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cozinha. A Erika jogou um verde, e você caiu


direitinho — Betty explicou enquanto todos riam
de mim e de minha reação.

Olhei para Erika com cara de ultrajada, mas


apenas comentei:

— Olha, mas que ardilosa...! Gostei de


você, quer ser minha amiga?

Erika uniu as sobrancelhas, parecendo


surpresa, e em seguida me deu uma risada frouxa e
divertida, balançando a cabeça para os lados.

Aguardei que todos terminassem de rir e


retomei meu lado profissional em meio segundo,
em uma tentativa de mudar de assunto:

— Diego, se você tiver um tempinho, passa

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na sala dos espelhos para eu medir em você o


colete? É alfaiataria, não é meu ponto forte, então
preciso ter certeza de que vai ficar certinho. Se
alguma roupa não ficar boa, me avisem, por favor.
Estarei no meu quarto organizando a papelada e
organizando os briefings das pesquisas.

— Não quer ficar com a gente, Lena?


Vamos beber alguma coisa daqui a pouco — Betty
convidou.

Recusei educadamente, explicando da


bagunça do quarto, e me despedi de todos, não sem
antes fazer cara feia para Gabriel, que deu um
sorriso culpado — que obviamente me desarmou.

Assim você não joga limpo, senhor

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segurança!

Terminei de arrumar tudo de noitinha.


Exausta, tomei um banho, vesti uma calça jeans e
uma blusa preta com a logo da Trophy Husband
estampada e fui atrás de um café que me ajudasse a
combater o sono incômodo.

Fui até a cozinha da ala dos funcionários e


coloquei água para ferver, repassando mentalmente
os planos para os dias seguintes. Eram ótimos
planejamentos de pesquisa, e imaginei que a banda
e a gravadora ficariam muito satisfeitos com os
resultados da minha contratação. Seria ótimo para a

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Wings.

Sentei no banquinho onde tomei café com


Gabriel algumas horas antes e deitei a cabeça nos
braços, em cima da bancada, somente querendo
relaxar um pouquinho, só um...

Obviamente, adormeci.

Acordei com o cheiro de café e olhei ao


redor, quase como se estivesse farejando minha
salvação. Diego estava sentado à minha frente,
assoprando uma xícara. Quando viu que eu
despertei, sorriu para mim e apontou para uma
caneca cheinha que repousava ao meu lado,
próximo ao meu braço. Sorri e agradeci pela
gentileza.

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— Animada para conhecer a Espanha?


Tony disse que é sua primeira vez.

— Sim, muito! O início lá foi um pedido


seu, certo?

Ele bebeu um gole do café, fez careta e


puxou o açucareiro ao lado, jogando um cubinho de
veneno na bebida. Herege.

— Sim, uma homenagem à minha mãe. Ela


faleceu há alguns anos, e eu havia prometido que
um dia iniciaria uma turnê em Barcelona. Ela tinha
muito orgulho de sua terra natal, assim como eu.

Assenti com a cabeça e dei um sorriso


compreensivo. Era uma promessa bonita e foi
muito bacana da parte de Diego cumprir com sua

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palavra.

Tomamos o café enquanto conversávamos


sobre amenidades, trabalho, música e moda. Diego
era uma pessoa muito agradável quando não estava
tentando comer qualquer coisa que se movesse e
usasse uma saia. Ao menos era isso que Tony e
Betty (e os tabloides) falavam sobre ele: que o
guitarrista era um verdadeiro garanhão do rock.

Aproveitando o encontro, combinei um


horário do dia seguinte para que ele pudesse
experimentar o colete que faltava ajustar e,
agradecendo o café novamente, me encaminhei
para meu quarto. O dia havia sido cansativo, eu
precisava urgentemente de uma cama.

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Estava na porta da cozinha quando ouvi


Diego me chamar.

— Ah, Lena, você ligou para o Gabriel


ontem, não foi? Ele me emprestou o celular mais
cedo e eu esqueci de devolver. E esqueci de avisar
que você ligou, desculpa... — ele pediu e voltou a
beber em sua xícara.

Agradeci a informação, mas não comentei


que já sabia daquilo, já que estava no quarto de
Gabriel quando Diego entregou o celular a ele. Não
queria dar corda para ser sacaneada logo na minha
primeira semana, mesmo que todos já soubessem
que algo já tinha rolado entre nós dois.

Fui para meu quarto na esperança de

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conseguir assistir uns episódios de uma série


qualquer, mas minha cabeça não saía nem do
trabalho nem de Gabriel. O dia seguinte seria de
pesquisas e, pelo horário, Gabriel ainda estava a
serviço. Que saco, eu estava subindo pelas
paredes!!

Revirei na cama, frustrada ao pensar que eu


estava já morta de vontade de desabotoar o terno
dele (e a calça, e a camisa e...) no meu segundo dia
na mansão, meu primeiro dia de trabalho.

Outra coisa me vinha à mente: sei que ele


falou aquilo tudo sobre horários e tudo mais, mas
eu sempre fui direta nos meus planejamentos.
Precisa das palavras certeiras: posso, não posso,

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quero, não quero. Nada de meias palavras ou frases


soltas. Se, porventura, ele tivesse me beijado por
impulso (coisa que eu acho quase impossível, mas
nunca se sabe...) e não pudesse mais fazer aquilo,
eu precisaria de uns quinhentos banhos frios ao
longo dos meses de turnê para apagar o que ele
acendera.

Peguei meu celular e abri o WhatsApp,


pensando se deveria ou não mandar mensagem. Eu
ia parecer desesperada, mas eu realmente estava
ligando para aquilo? Em menos de dois dias,
Gabriel já tinha balançado as minhas estruturas,
exatamente como fizera há quase quatro anos, e eu
não sabia lidar com isso.

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Com o smartphone em mãos, escrevi uma


mensagem para ele:

“Segurança, que horas mesmo você tá


livre?”

Olhei a mensagem umas cinco vezes e


enviei.

Virei de barriga para cima na cama e fechei


os olhos, tentando controlar as batidas do meu
coração. Foco, Lena. Você não está aqui de férias.
Está a trabalho. Vá se ocupar com alguma coisa e
pare de agir que nem uma tarada!

Falar era fácil...

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Pesquisas de tendência
Levantei da cama decidida a parar de pensar
em sacanagens e começar a organizar o trabalho do
dia seguinte. Selecionei algumas revistas de moda e
espalhei pela cama, tentando decidir qual eu leria
primeiro. Decidi pela Vogue italiana, uma das sete
Vogues que comprei no aeroporto do Rio para
passar o tempo.

Comecei a folhear a revista, procurando por


inspiração para o que eu encomendaria para os
membros da banda — ou faria eu mesma —
enquanto ainda estivéssemos na mansão. Fazer
pesquisa de tendência era umas melhores partes de
ser estilista. Encaixar o que estava se usando no
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que as pessoas realmente queriam vestir era


divertidíssimo!

Claro: nada daquilo ali era novidade para


mim. Em geral, a WGSN, a plataforma de previsão
de tendências, mostrava o que seria in ou out no
mundo com pelo menos dois anos de antecedência.
Por exemplo, em 2017 eu já sabia o que seria moda
em 2019 tranquilamente, e isso era habitual no
mundo da moda.

Ainda assim, era divertido olhar como as


grandes revistas de moda interpretaram as
previsões da WSGN. Encontrei umas combinações
de renda preta com estampa floral que ficariam
lindas em Aline, principalmente com a saia da

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Vivienne Westwood que eu ajustara mais cedo.

Recortei da revista as peças, inspirações,


tecidos e ilustrações que mais se assemelhavam à
imagem mental que eu criara do estilo da banda.
Acrescentei um pouco de Wings, pois não faria mal
a ninguém, e comecei a colar os recortes nas folhas.

Em algumas horas, havia separado material


suficiente para bolar o início de uma solicitação de
peças para a banda, me dei por satisfeita e fui tomar
um banho. Naquele dia a temperatura havia caído
bastante, então sequei meu cabelo e o alisei, pois
estava morta de frio para perder tempo com difusor.

Eu sou do Rio, pelo amor de Deus, São


Pedro Britânico, descongela essa cidade!

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Com o cabelo trançado e outra Vogue na


mão, saí do meu quarto e fui para a sala na ala dos
funcionários enquanto cantarolava uma canção
qualquer. Meu humor estava ótimo, apesar do clima
frio, então decidi aproveitar o tempo para desenhar
um pouco.

Munida de meu caderno de desenho


surradinho e de algumas colagens, comecei a
trabalhar, até que meu celular vibrou. Dei uma
olhada e vi duas mensagens, uma antiga de Betty,
me passando algumas instruções sobre o figurino
da banda e me desejando boa noite, e outra de
Gabriel.

Oba! Tomara que seja uma chamada de

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sacanagem!!

Calma, Lena. Respira fundo. Isso, tranquila

Oba!! Tomara MUITO que seja uma


chamada de sacanagem!!

Sem largar meu caderno, abri a mensagem,


sentindo a ansiedade crescer. Uma única linha na
mensagem tinha me feito franzir os lábios e rir:
“dez horas”. Rápido e direto. Adoro. Meio seco,
mas adoro mesmo assim, pois não deixa de ser uma
possível chamada de sacanagem.

Eram nove e meia quando ele tinha


mandado a mensagem, então decidi não responder.
Como ele obrigatoriamente passaria por mim para
ir ao seu quarto, achei melhor ficar na minha. Já

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havia agido como uma louca ninfomaníaca demais


nas últimas horas.

— Foco nos desenhos, Helena Maria! — eu


me recriminei e voltei aos croquis.

Minutos depois, ouvi passos pela ala dos


funcionários e olhei por cima do ombro, saindo
imediatamente dos meus devaneios. Gabriel vinha
em minha direção com o rosto relaxado, porém
compenetrado. Notei que ele estava usando a
mesma roupa de dormir do dia anterior e sorri,
achando um detalhe interessante em nossas
escolhas de vestuário.

Sentando-se ao meu lado no sofá, mas


mantendo uma certa distância, ele me perguntou:

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— Qual é a graça?

Coloquei a revista, a caneta e o celular no


braço do sofá e apontei para suas roupas.

— Estamos combinando. Camiseta branca e


calça xadrez.

Ele olhou para suas roupas e para as minhas


e sorriu.

— Você queria conversar?

Dobrei os joelhos e abracei as pernas no


sofá, balançando a cabeça negativamente.

— No momento, é a última coisa que eu


quero fazer com você, mas acho que é necessário.

Gabriel se ajeitou no sofá, apoiando o


joelho no estofado e se virando em minha direção,

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o rosto tornando a se fechar.

— Estou ouvindo.

Entortei os lábios e tentei não soar muito


mal-humorada, mas foi inevitável.

— Nossa, que delícia. Meu segundo dia


aqui e eu já tenho uma conversa séria e chata com
alguém. Eu não quero falar, Gabriel, só quero que
você me diga o que eu te perguntei. É bem nítido
para mim que você também quer ficar comigo, mas
eu preciso saber se está tudo... legalizado.

Gabriel apoiou o cotovelo no encosto do


sofá e o rosto na mão, sorrindo para mim com os
olhos brilhando.

— Sim, Lena, está tudo... legalizado.

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Contanto que a gente se controle e não faça nada no


horário de trabalho, não vejo...

— Você realmente acha que eu seria louca


de encostar em você no horário de trabalho? Meu
amor, a coisa mais importante da minha vida é meu
trabalho, eu não posso arriscar o que eu conquistei
por algo que pode ser feito mais tarde! — retruquei,
meio revoltada.

Ora, que tipo de estagiária de primeiro ano


de faculdade ele pensa que eu sou?

Gabriel ergueu as sobrancelhas e não disse


nada. Parecia levemente surpreso, mas também
satisfeito.

— Quais são os seus horários? — perguntei

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calmamente, tentando não soar como a viciada em


trabalho que sou.

— Não tem um horário fixo, mas, em geral,


termino de checar tudo às dez. Eu sou chefe de
segurança da banda, não de Betty, meu trabalho
costuma variar entre a mansão, a gravadora e, em
alguns poucos momentos, meu apartamento.
Planejamentos, sabe? E os seus, oficialmente, quais
são?

— O dia todo, sem horário para começar ou


acabar. Eu tenho metas diárias, que envolvem
diversas etapas, desde as pesquisas até as
confecções de peças ou encomendas, então meu
trabalho só acaba quando eu termino todas.

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— Sei. Você terminou as suas metas hoje?

Balancei a cabeça concordando e sorri.

— Quer fazer alguma coisa agora? — ele


disse, me brindando com um sorriso sensual que
deu tela azul na minha cabeça.

Deslizei pelo sofá para perto dele e


perguntei num sussurro:

— Depende, Segurança... O que você tem


em mente?

Gabriel parou de apoiar o rosto em uma das


mãos e a levou até meu pescoço, mas não me
puxou, apenas encostou em minha pele. Seu sorriso
diminuiu quando eu entreabri meus lábios em
expectativa.

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— Não sei... Pensei em ver se o resto do seu


corpo continua com o mesmo gosto de anos atrás...
— ele disse enquanto me olhava intensamente, bem
fundo nos meus olhos.

Minha pele se arrepiou ao ouvir suas


palavras, e eu pensei seriamente em não seguir meu
plano de me vingar de sua atitude na cozinha, mas
consegui juntar um restinho de força de vontade e
fazer o que eu tinha que fazer.

Escorreguei pelo sofá e coloquei as mãos


nos ombros de Gabriel enquanto aproximava meu
rosto do seu. Deslizei os dedos pelas laterais do seu
pescoço e respondi:

— Me parece uma excelente ideia, Gab... —

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encostei de leve meus lábios nos seus, sem beijá-los


necessariamente, e me afastei rapidamente,
deixando Gabriel surpreso — Mas, olha que coisa,
me lembrei que eu preciso terminar a pesquisa para
as roupas da Aline. Logo, meu horário de trabalho
acaba de ser estendido para... hmm... Até meia-
noite. E, olha que triste, amanhã eu tenho que
acordar muito cedo para receber as roupas que vão
chegar aqui e em seguida tenho que organizar tudo
para despachar! Infelizmente, você vai ter que
conferir se meu gosto continua o mesmo só
amanhã, Segurança. Boa noite!

Levantei do sofá com um sorriso vitorioso


de quem acaba de conquistar um continente todinho
em War, dei a volta por trás do móvel, beijei o
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pescoço de Gab e segui na direção dos meus


aposentos. Dei uma olhada por cima do ombro e ri
ao ver Gabriel olhando para o lugar onde eu estava
com um sorriso derrotado no rosto. Fui embora
torcendo para não ter mostrado o abalo que senti ao
saborear sua pele arrepiada sob meus lábios.

Entrei no cômodo e fechei a porta. Um


sorriso idiota grudou no meu rosto e notei que não
conseguiria deixar de sorrir nem se a mansão
explodisse comigo dentro.

Fui até a cama, puxei o edredom e entrei


por debaixo dele, sentindo o frio do tecido em
contato com minha pele quente. Eu precisei respirar
fundo algumas vezes para tentar acalmar meu

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corpo, que ansiava pelo toque de Gabriel.

— Ai, Lena... Devia largar de ser boba...

Apesar do vento frio que entrava pela janela


que eu abrira mais cedo, minha pele não esfriava.
Enxuguei meus lábios com as costas da mão
esquerda, me virei de lado na cama e fiz um esforço
tremendo para não deixar minhas mãos seguirem
para o ponto onde Gabriel deveria estar. Acabei
cedendo e deixei elas fazerem o que queriam fazer.

Há coisas que a gente não deve controlar.

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Desconfiança
Alguns dias depois de minha chegada eu já
estava mais à vontade com todo mundo. Conheci
por nome todos os funcionários da mansão, do
mordomo ao pessoal da limpeza, fui apresentada às
esposas, namoradas, filhas e tudo o mais, e já havia
terminado toda a organização inicial da turnê.
Roupas catalogadas, entrevistas com os membros
feitas, encomendas prontas e ajustes finalizados.

Tudo pronto.

Vira e mexe, Betty e Tony apareciam no


meu futuro ex-ateliê, me trazendo um café da
Starbucks — Deus me ajude... — e se sentando ao

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meu lado para bater um papo enquanto eu acertava


as peças que chegavam ou criava novas. Passamos
a conversar sobre um monte de coisas, e eu me
senti mais em casa por isso.

Não encontrei com Gabriel estando sozinha


nos últimos dias, desde quando eu o deixei,
literalmente, na mão. De vez em quando encontrava
o segurança quando eu estava provando roupas nos
membros da banda ou quando ele acompanhava
Betty e Tony na visita ao meu ateliê. Não entendia
por que a vocalista e a guitarrista da Sissy Walker
precisavam de escolta mesmo dentro da mansão,
mas não quis me sentir muito gostosona achando
que ele estava ali por minha causa.

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Confesso que até certo ponto estava fugindo


dele. Não que desejasse ficar longe, mas sim por
querer ficar perto até demais, e isso não era
profissional nem sensato. Não podia apressar as
coisas como fiz no primeiro dia. Agi como uma
desesperada, e isso poderia custar o meu emprego,
se não fossem as circunstâncias da minha
contratação. E se algum funcionário nos pegasse na
cozinha e ficasse ofendido? Já não bastava eu ter
colocado as mãos em uma arma que não era minha,
ainda iria brincar de atentado ao pudor?

Além do mais, como diria Luciana, aquela


pessoa tão sensata, quem espera mais, saboreia
melhor. Eu teria longos meses ao lado do chefe de
segurança, para que apressar tudo? Meus dedos
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mágicos sempre venciam a luta e estavam


conseguindo segurar a minha onda nos fins de noite
solitários, então pude sossegar um pouco meus
hormônios de adolescente.

Como tudo estava muito bem encaminhado


no trabalho, acabei ganhando os dias restantes de
folga. Não havia muito o que fazer, na verdade, e
no dia seguinte, eu guardaria Magic Manson em
sua caixa e terminaria de arrumar a minha mala,
ficando totalmente pronta para o início da turnê.

Munida de uma roupa quentinha, decidi ir


relaxar na beira da piscina, quando meu celular
tocou com uma mensagem:

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“Lena, faz 1 favor? Tô qse sem bateria no


celular e preciso avisar Gabriel q vamos passar na
casa de Diego e ñ voltaremos hj, faz isso p/ mim?
Peça p/ ele tirar o resto do dia de folga e avise q
Erika ficará conosco, ok? Obrigada, bjos! Betty”

— Ué, por que não avisou direto para ele?


Porque, aparentemente, ele responde suas
mensagens bem rápido, ao menos as minhas... —
comentei, falando sozinha.

Respondi a mensagem de Betty e brinquei


que seu pedido era uma ordem, mas notei que as
duas setinhas que indicam que o celular recebeu a
mensagem não apareceram, como se o celular não

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estivesse conectado à internet.

— Será que a bateria realmente acabou e eu


estou sendo paranoica?

Encaminhei a mensagem para Gabriel, mas


o celular dele também não recebeu, assim como o
de Betty, indicando que talvez estivesse desligado.

Ops! Estou realmente ficando paranoica.

Levantei do chão da área da piscina e voltei


para a mansão. Procurei por Gabriel em seu quarto,
na ala dos funcionários, na cozinha e no salão
principal, mas não o encontrei. Pensei em subir as
escadas e procurá-lo no andar de cima, mas achei
que seria abuso demais, então decidi ir para a
cozinha principal, de onde eu teria vista para a

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entrada da mansão, e fui fazer um café enquanto


aguardava.

Ah, café... Não há nada melhor para


sossegar meu facho do que café.

Estou nervosa? Café.

Estou com sono, mas preciso ficar


acordada? Café.

Estou estressada? Café.

Estou maravilhosamente bem e quero


comemorar? Café.

Estou convertendo oxigênio em gás


carbônico? Café.

Escolhi a única embalagem que havia no


armário da cozinha principal, fervi a água e coei o

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líquido maravilhoso vindo dos céus diretamente


para a garrafa térmica. Inalei o aroma, satisfeita:
era tão agradável quanto a outra marca.

Olhei pela janela da cozinha os últimos


raios de sol colorirem o horizonte e sorri, me
sentindo em paz. Fiquei alguns minutos saboreando
o café e olhando o céu, até ver Gabriel vindo da
entrada do terreno, perto da guarita de segurança.
Era só um pontinho distante no horizonte, mas eu
logo o reconheci, e meu coração deu um pequeno
salto ao vê-lo.

Que bobagem, Lena, nunca viu um homem


bonito na vida? É só o Gabriel!

Acompanhei com o olhar ele se aproximar

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da mansão até sair de minha vista e escutei


atentamente o barulho dele entrando e ativando o
alarme da casa.

— Gabriel! — gritei seu nome, antes que eu


o perdesse de vista de novo. — Vem cá, na
cozinha!

Gabriel apareceu alguns instantes depois, o


rosto rígido de quem estava no modo trabalho.

— Lena? Aconteceu algo? — perguntou, se


aproximando com a postura ereta e os lábios
cerrados.

— Não, mas vai acontecer, se você não


parar de apertar tanto o rosto. Vai encher de rugas
antes da hora — brinquei antes de tomar um gole

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de café. Sorri ao vê-lo relaxar o rosto. — A Betty


mandou te avisar que não vai voltar hoje. Ela e
Tony vão para casa de Diego e só voltam amanhã,
ok? A Erika vai cuidar da segurança deles, assim
como o segurança lá de Diego, que não lembro o
nome. Como o resto da banda está espalhada e você
é chefe de segurança da Sissy Walker, você está
oficialmente...

— De folga, entendi — ele completou,


ainda sério, mas havia um brilho de humor em seu
olhar. — Recebi sua mensagem quando liguei o
celular. Ele travou, precisei reiniciar, por isso não
respondi imediatamente.

Isso explicou ele ter ativado o alarme da

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mansão ao entrar: ele já sabia que ninguém voltaria


para casa. Em seguida, Gab deu a volta na bancada
para pegar uma caneca no armário, se sentou na
minha frente e colocou café até a borda da louça.

— Você toma muita cafeína, Segurança! —


disse enquanto bebia o restinho do meu.

Gab me deu um sorriso que dizia “olha


quem fala” e fez um gesto com a garrafa
perguntando se eu queria mais. Estendi a minha
caneca e balancei a cabeça afirmativamente.

Tomamos nossas canecas cheias em silêncio


até Gabriel me perguntar com a voz séria:

— Terminou suas tarefas?

— Sim! Demorei um pouco mais porque

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perdi um tempinho organizando a bagunça que a


filha de Jim fez. Ela deixou meu pote de botões
escuros cair no chão e, de quebra, derrubou o pote
de botões claros em cima. Foi uma delícia separar
um por um... — comentei, fingindo cansaço.

Gab sorriu, comentou que adorava a


pequena, me fazendo achar graça. Ora bolas,
Gabriel era um armário de um metro e noventa e
cara de desinteresse eterno. Era curioso que ele
gostasse de crianças, ia contra sua imagem de
malvadão.

— O convite ainda tá de pé, Segurança? –


decidi perguntar casualmente depois de algum
tempo em silêncio.

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Gab franziu as sobrancelhas, me


questionando sobre qual convite eu me referia.

— Ora, o único que você me fez. Aquele de


casar, ir morar numa casa com cerca branca... Ué,
não foi um convite? Meu Deus, eu já até comecei a
costurar meu vestido de casamento!! — brinquei,
fingindo afetação, colocando a mão no peito de
forma teatral.

Gabriel arregalou os olhos, mas riu em


seguida.

— Conhecendo você, sua roupa vai se


resumir a um monte de saia de balé por cima de
uma cinta-liga e uma calcinha com estampa
esquisita.

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Coloquei a caneca vazia em cima da


bancada e quase me engasguei com o restinho de
café, de tanto que ri.

— Olha, você sabe que tule é um dos meus


tecidos preferidos! Que bonitinho, Segurança! Mas
eu nunca me casaria com um vestido feito de tule.
Até porque casar não faz parte dos meus... —
interrompi a declaração, seria muito broxante
conversar sobre matrimônio quando eu só pensava
em bolagatos naquele momento. — Bom, eu vou
para o meu quarto colocar uma calcinha de estampa
esquisita, já que a que eu estou usando derreteu só
de você me olhar desse jeito.

Gabriel me deu um sorriso de canto de boca

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e parou de encarar o meu decote.

— Vai colocar uma cinta-liga também? —


ele perguntou com a voz rouca enquanto eu lavava
a caneca na pia e me virava para ir embora.

Virei o rosto em sua direção, depois o corpo


e fui andando de costas até a porta da cozinha.

— Não sei, Segurança. Por que não vem


conferir? — mandei um beijinho com uma pose
blasé e me virei antes que batesse as costas em
algum lugar e arruinasse o clima maravilhoso que
estava rolando.

Saí do ambiente e fui rumo à ala dos


funcionários, sabendo que o segurança viria atrás
de mim em poucos minutos.

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***

Praticamente corri até meu quarto, troquei a


calcinha comum por uma das de nuvens e ajeitei as
meias ⅞, mas não coloquei cinta-liga. Demora para
tirar, então vamos facilitar tudo, não é mesmo?
Conectei meu celular no sistema de som do quarto
e deixei tocando a playlist que normalmente uso
para fazer minhas mágicas sozinha.

Escovei os dentes, soltei o cabelo da trança


e passei um pouco de água nele, para tirar o efeito
da escova. Assim que ele voltou a ter um
movimento mais agradável, me dei por satisfeita e

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me deitei na cama com a Vogue australiana na


mão. Já tinha lido aquela revista umas três vezes,
mas não quis parecer desesperada quando Gabriel
chegasse.

Vinte minutos depois, quando eu já tinha


decorado o código de um vestido da Givenchy, de
tanto que olhava para ele, Gab bateu na porta. Meu
coração pulou no peito quando eu abri a porta e
Gabriel, sem dizer nada, me puxou para um beijo
muito, muito faminto.

Sorri contra seus lábios e tentei empurrar a


porta, mas ele me agarrou pela cintura, me virou
contra a parede e fechou a porta com o pé. Gemi
quando ele ergueu minha coxa e a segurou com

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força.

— Segurança, sua mão é pesada, pega


leve... — eu sussurrei enquanto ele beijava meu
pescoço. Ouvi sua risada e senti sua mão soltar
minha pele. — Eu disse para pegar leve, não para
me largar, Gabriel...

Sem desencostar de seu corpo, eu o


empurrei até a cama e o joguei lá, como fiz na
primeira vez que transamos. Subi em cima dele e
sorri ao ver sua boca entreaberta respirando com
dificuldade.

— Quer uma bombinha de asma? Eu devo


ter uma na mala, Seguran... Ah! — Gabriel me
pegou pela cintura e me deitou na cama, me

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fazendo dar um gritinho de susto.

— Você fala demais, Costureira... — disse


enquanto levantava meu vestido e beijava minha
barriga.

— É, já ouvi isso... Opa, nem pensar! — eu


exclamei quando vi que Gabriel fez menção de tirar
minha calcinha e descer a cabeça para o meio de
minhas pernas. — Hoje é minha vez, moço. Sai daí
— ordenei, o empurrando com o pé e me
levantando. — Deita.

Gabriel me deu um sorriso sensual e me


obedeceu, tirando a camisa antes de deitar. Tirei
meu vestido, ficando só de sutiã, meias ⅞ e
calcinha de nuvens, e joguei a peça no chão.

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Ajoelhei na cama e comecei a desamarrar o cordão


de seu pijama enquanto cantarolava a música que
tocava no quarto. Obviamente, era Hypnotic, a
mesma que tocara na noite em que nos
conhecemos.

Aquela noite foi tão sensacional, que a


música de Zela Day virou trilha sonora de todo e
qualquer movimento sexual solitário meu ao longo
dos quatro anos seguintes...

Gab reconheceu a música e seus lábios se


curvaram um pouco mais no sorriso sedutor.

— Levanta o quadril — ordenei e puxei a


calça, deixando-o só de boxer preta. — Sabe,
Gab...? — perguntei enquanto tirava a cueca dele

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com a maior calma do mundo.

Sorri ao vê-lo fechar os olhos e respirar


entre os dentes quando me curvei sobre seu corpo e
passei os lábios em seu pescoço.

— Eu passei os últimos anos me lembrando


de como era beijar você aqui... — beijei seu ombro
e sua tatuagem. — Aqui... — desci os lábios pela
sua barriga. — E me perguntando como seria beijar
você em outros lugares... — disse num fio de voz
antes de segurar a parte que mais me interessava
nas mãos.

Gabriel prendeu a respiração quando o


tomei em minha boca e colocou a mão nos meus
cabelos, segurando-os com força. Senti uma leve

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pontada de dor e reclamei:

— Mão pesada, Segurança...

— Desculpa, eu...

— Shh, você fala demais, já te contaram?


— interrompi e sorri antes de voltar para a tarefa
interrompida.

Se tem uma coisa que eu sempre gostei é


sexo oral. Adoro fazer, amo receber, mas não tenho
costume de topar com desconhecidos, por mil
motivos diferentes.

Gabriel foi o único homem que eu aceitei


receber mesmo não tendo nenhum tipo de
intimidade prévia. Porém, por falta de
oportunidade, não pude retribuir o prazer incrível

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que ele me deu naquela noite sensacional.

Não pude até aquele momento, quero dizer.


Eu o chupei como se não houvesse amanhã,
passando a língua por toda a sua ereção, a tomando
em minha boca, alternando entre sucção forte e
fraca. Parava de chupar imediatamente a cada vez
que sua respiração ficava mais forte. Na terceira ou
quarta vez em que fiz isso, ouvi sua risada rouca e
sorri quando ele reclamou:

— Lena, você vai me matar desse jeito.

— Não seja dramático, Segurança, é só uma


pequena privação de orgasmo simpática. Se quiser,
eu paro agora e a gente vai ver um filme, quer? —
brinquei enquanto fazia movimentos para cima e

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para baixo ainda o segurando em minhas mãos.

— Claro, era exatamente o que eu tinha em


mente... — ele respondeu num sussurro quando eu
voltei a chupá-lo.

Passei a língua por todo o seu comprimento


enquanto olhava a expressão de Gabriel. Seus olhos
estavam fechados e suas mãos cerradas em cima da
cama. Vez ou outra, eu notava um pequeno
espasmo muscular, em especial em seu abdômen, e
aumentava a velocidade de minha língua.

— Lena... — ouvi sua voz me chamar, mas


não dei bola — Lena... É melhor você parar...
Agora, Lena... — ele disse, sem muita certeza na
voz, como se não quisesse de verdade que eu

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parasse.

Por mim, eu continuava ali até ele terminar,


mas não quis acelerar tanto as coisas. Tirei sua
ereção de minha boca, a soltei e me ajoelhei na
cama, analisando suas feições quase contorcidas
pelo desejo.

Gabriel abriu os olhos, ergueu o corpo e me


puxou pelo braço de repente. Dei um gritinho e ri
ao cair na cama de bruços. Ele se levantou por um
momento e pegou uma camisinha que eu deixara
em cima da mesa de cabeceira, voltando para perto
de mim enquanto eu, sem me virar, empinava a
bunda para que ele tirasse a minha calcinha.

Gab facilitou o processo para mim, me

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despindo da lingerie estampada, mas me deixando


com as meias e com o sutiã. Fiz menção de me
levantar para me livrar das ⅞, mas ele me impediu
com a mão, me fazendo abaixar o tronco e ficar de
quatro para ele e me dizendo que sabia bem o que
eu queria que ele fizesse.

Ah, como eu amo as pessoas que tem boa


memória e se lembram do que as outras mais
gostam...

Apoiei meu peso nos cotovelos enquanto


Gabriel passava a mão áspera em minha pele e
deslizava um dedo para dentro de mim. Mordi o
lábio para não gemer quando senti outro dedo
entrar e sair, provocando os sons que denunciavam

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minha excitação.

Do mesmo jeito que começou a tortura,


Gabriel terminou, tirando os dedos de mim e me
penetrando rapidamente. Dessa vez não houve
mordida no lábio que segurasse o gemido de
surpresa que eu dei. Gab entrou e saiu de dentro de
mim lentamente, me provocando, me apertando
com as mãos, me arranhando nas coxas, até eu
pedir que ele acelerasse antes que eu
enlouquecesse.

— Ué, Costureira, tá com pressa? — ele


perguntou com a voz divertida enquanto me dava
um tapa de mão cheia na bunda.

Desgraçado!

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— A vingança não é uma ação bonita,


Gabriel... — eu disse com a voz entrecortada
quando ele me penetrou rápido e me deu outro tapa.
— Segurança, pare de me provocar, você não sabe
do que eu sou capaz... — ameacei, sorrindo.

Gabriel saiu de dentro de mim, abriu meu


sutiã e me agarrou pela cintura, me fazendo virar de
barriga para cima. Seus olhos brilhavam e um
sorriso brincava em seu rosto quando ele tirou meu
sutiã e se posicionou em cima de mim, mas não me
penetrou.

— Eu sei do que você é capaz, Costureira.


Eu me lembro perfeitamente... — ele disse
enquanto roçava em mim, mas não entrava.

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Sorri quando tentei mover meu quadril para


facilitar sua entrada, mas fui impedida por sua mão
forte, que me prendeu no lugar.

— Ah, querido, você não sabe da missa um


terço... — respondi e o enlacei com as pernas,
puxando-o para mais perto e fazendo-o entrar em
mim.

Soltei a respiração rapidamente quando


senti ele me preencher e sorri ao ouvir Gab fazendo
o mesmo. Sua boca encostou na minha, e eu
procurei sua língua com avidez enquanto ele
começava a se movimentar para dentro e para fora,
aumentando a velocidade a cada investida.

Passei meus braços ao redor de suas costas

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e relaxei as pernas, apoiando meus pés na cama e


afastando meus joelhos o máximo que conseguia.
Gabriel se apoiou nos cotovelos e me beijou com
força enquanto me penetrava.

Recebi sua língua de bom grado, até porque


estava fazendo toda a força do mundo para não
gemer, o que era muito difícil para mim, e o beijo
era uma excelente forma de me calar.

Arranhei com minhas unhas a lateral de seu


corpo quando ele agarrou meu seio com sua mão
grossa, e meus dedos do pé contraíram com tanta
força, que eu me perguntei se era tesão ou se era
câimbra. Fiquei com a primeira opção quando uma
gota de suor escorreu de sua testa e pingou nos

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meus lábios quando ele parou de me beijar para


respirar, sem deixar de se enterrar em mim, cada
vez mais rápido.

Passei a língua nos lábios, sentindo o gosto


salgado, e me estiquei para morder seu lábio.
Gabriel me empurrou de volta para a cama com a
mão no meu pescoço e lambeu minha pele dali até
o queixo, me beijando em seguida e misturando o
gosto do meu suor com o seu.

— Gabriel... Eu vou... Espera... — tentei


articular, mas era tarde demais. Senti meus
músculos internos se contraírem e voltei a passar as
pernas ao redor de seus quadris. Não consegui
segurar mais os gemidos quando ele passou a mão

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pela minha coxa e a puxou, fazendo com que meu


joelho ficasse próximo ao meu rosto. Nesse ângulo,
suas investidas foram mais profundas, fazendo com
que meu orgasmo fosse mais agudo do que poderia
ter sido em outra posição.

Gemi alto enquanto sentia a energia se


espalhar pelo meu ventre e fui silenciada com um
beijo esmagado enquanto Gabriel estremecia dentro
de mim, soltando minha coxa e segurando minha
nuca com força. Não reclamei de sua mão pesada,
até porque nem a senti direito.

Fomos ao céu e voltamos.

Ficamos imóveis enquanto nossas


respirações se estabilizavam e sentíamos o suor

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escorrer de nossa pele. Gabriel mordeu meu lábio


de leve e saiu de dentro de mim, rolando para o
lado e ficando o peito voltado para cima.

Ainda com a respiração ofegante, tentei


falar alguma coisa, mas não consegui. Sentia a
parte interna de minhas coxas latejando como se eu
tivesse me tocado por horas! Levei a mão esquerda
até lá e retirei rapidamente quando senti quão
sensível estava a região. Desci a mão e senti a
quantidade exagerada de umidade que tinha por ali.

Levei os dedos molhados até a altura dos


olhos e analisei.

— Gabriel, a camisinha estourou? —


perguntei olhando para ele, que tirava o

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preservativo e dava um nó, puxando do começo ao


fim e verificando se alguma gota saía.

— Não, por quê? — ele me perguntou


enquanto sentava e me olhava um pouco
preocupado e ofegante.

Mostrei meus dedos molhados, e ele sorriu,


me acalmando:

— Isso é seu, Lena.

Olhei de novo para minha mão e sorri. É,


era meu mesmo.

Virei de lado para olhar seu rosto e


brinquei:

— É muito idiota se eu falar…?

— “Uau”? Não, nem um pouco — ele

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respondeu, rindo e me puxando para um beijo de


leve.

Eu o empurrei com as mãos e voltei a deitar


com o rosto para cima, sorrindo que nem boba.
Exatamente como eu me lembrava.

Perfeito.

***

Ficamos calados por alguns minutos mais,


controlando a respiração e sentindo aquele
relaxamento delicioso, até eu quebrar o silêncio:

— Escuta... — comecei, encarando o teto.


Gabriel fez um “hmm” preguiçoso, e eu continuei

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— Você vai acompanhar a banda na turnê toda?

— Arram.

— Em todos os sei lá quantos países?

— Sim.

— Durante todos os meses? — perguntei,


olhando de rabo de olho.

Gabriel me olhou e sorriu.

— Sim, Costureira, por quê?

Ouvi o Segurança me chamar pelo apelido e


me lembrei de algo.

— Sabe uma coisa que eu adorei? Você me


chama de costureira, não de estilista!

Gab entortou levemente a cabeça para o


lado e me perguntou, parecendo confuso:
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— Ué, mas não é isso que você é?

— Sim, mas as pessoas normalmente se


referem a mim como estilista, não como costureira.

— Você não é as duas coisas?

— Sim, sou, mas sou mais costureira do que


estilista. É a minha profissão, é o que eu amo fazer.
Estilista é só uma consequência. É quase como ser
um músico e um compositor. Você pode ser os
dois, mas sempre vai ter um que você é mais,
entende?

— Entendo... E qual é o seu ponto? — ele


perguntou, rindo enquanto enxugava o suor do
rosto.

— O ponto é que você me chama de

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costureira, ora! Só queria agradecer. É uma


profissão tão inferiorizada no mundo da moda, que
a gente até se surpreende com gentilezas.

Ele me olhou novamente e perguntou:

— É? Não fazia ideia.

— Sim. Me diz um costureiro famoso que


não seja chamado de estilista! Só um! Chanel. Yves
Saint-Laurent. Alexander McQueen. Clodovil!
Todos eram costureiros também, mas ninguém fala
sobre isso, só sobre suas criações, desenhos, essas
coisas. É a velha ideia de que você só é costureiro
enquanto não puder pagar alguém para fazer o
serviço por você.

— Hm, entendo... Ok, Costureira. Vou te

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chamar assim sempre, então — ele disse


preguiçosamente, me fazendo sorrir.

— Durante os sete, oito meses de turnê? —


eu perguntei, fingindo surpresa.

— E mais os quatro meses restantes do seu


contrato.

— Nossa senhora, Segurança, vamos variar


esses apelidos. É pouco nome para muito tempo —
disse, rindo, e cutuquei a bochecha de Gabriel, que
sorriu de volta.

Gab ouviu um barulho, olhou para o lado e


viu duas fotos instantâneas caírem da mesinha onde
a câmera estava apontada para nossa cama.

— Essa sua câmera tem timer?

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Balancei a cabeça concordando e sorri. Gab


ergueu o corpo por um momento, se sentou na
cama e inclinou a cabeça na direção das fotos,
dando uma olhada rápida nelas e voltando a se
deitar ao meu lado.

— Perder uma foto assim seria muito


complicado caso caísse em mãos erradas,
Costureira.

— Não vão cair em mãos erradas, eu levo


todas as fotos comigo bem seguras, não se
preocupe. Podemos fotografar o que der na telha.

Gabriel virou o rosto na minha direção e me


brindou com seu melhor sorriso sensual.

— Não me dê ideias, Lena... Não vai sobrar

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filme para você fotografar a Espanha, se eu colocar


tudo que penso em prática.

— Que os anjos digam amém para o que


você está dizendo, Segurança — brinquei e ri junto
de Gab.

Ficamos em silêncio por um momento, uma


dúvida tinha surgido em minha cabeça. Fiquei
pensando como eu poderia perguntar algo daquele
tipo, mas fiquei meio sem graça.

— Diz, Costureira — ele pediu quando eu


fiquei em silêncio. — Tá calada demais, tem algo
errado.

Revirei os olhos e sorri. Tony tinha razão


quando dizia que eu era muito expressiva, mesmo

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Gab, que não me via há tanto tempo, já sacava as


coisas só de olhar no meu rosto...

— Você está solteiro — foi mais uma


afirmação do que uma pergunta, confesso.

Gabriel franziu as sobrancelhas e sorriu


antes de responder.

— Bom, é meio óbvio, não?

— Certo. Hm... — tentei encontrar as


palavras certas para a pergunta. Tive medo que ele
entendesse o que eu queria como um pedido ou que
ficasse ofendido.

— A gente vai ficar em hotéis, certo?

— Olha, eu espero que sim. Facilitaria meu


trabalho se a banda não dormisse embaixo de uma

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ponte — ele brincou.

Rindo, girei para o lado e encostei meu


corpo no seu. Gab virou o rosto na minha direção e
sorriu. Ergui minha mão e passei os dedos em seus
lábios.

— Você é bonito, Segurança... Do jeito


exato que eu me lembrava... Aliás, você não mudou
nada desde aquele dia! Poxa, são quatro anos... Me
conta o segredo, são cremes de gente velha,
plásticas ou a quantidade de groupies que te rodeia
te deixa assim, sempre jovem? Você bebe o sangue
delas em rituais de purificação? Eu duvido que elas
sejam virgens!

Gabriel soltou uma risada divertida,

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mirando o teto, e voltou a me olhar.

— Se bem me lembro, você me disse que


ficava sem filtro depois do sexo, não era? Algumas
coisas nunca mudam.

Fiz uma careta e subi em seu colo, tomando


cuidado para não encostar em nada que estivesse...
molhado.

— That just the way it is... — cantarolei a


música de Bruce Hornsby and the Range enquanto
me curvava para beijar seu pescoço. — Some things
will never change...

Gabriel riu mais uma vez e me abraçou,


beijando meu ombro enquanto eu cantava. Beijei
seu rosto e parei em sua boca, mordendo seu lábio.

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Gabriel soltou a respiração que prendia e me virou


na cama, me beijando intensamente enquanto
explorava meu corpo com as mãos e me fazia
esquecer totalmente da pergunta que eu queria fazer
sobre os quartos de hotel.

Teria tempo de sobra depois para perguntar


isso.

***

Horas depois, quando nenhum dos dois


tinha mais forças para fazer nada que não fosse
converter oxigênio em gás carbônico, Gabriel me
questionou, meio sonolento:

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— O que você queria perguntar, Lena?

Olhei para ele e ergui o lábio superior numa


careta de quem não conseguiu ainda encontrar as
palavras certas para dizer algo importante.

Gabriel riu de minha hesitação e se levantou


da cama.

— Enquanto você decide o que quer dizer,


eu vou tomar um banho — disse e caminhou para o
banheiro, me dando uma visão gloriosa da parte
detrás de seu corpo nu.

Eu o acompanhei com o olhar até ele entrar


no banheiro. Gabriel fechou a porta, e eu ouvi o
barulho do chuveiro.

— Droga, Lena, tá parecendo uma

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adolescente boba... — eu me recriminei em voz


alta.

Balancei a cabeça e comecei a vestir minha


roupa, me esquecendo de que, na verdade, aquele
era o meu quarto. Assim que me vesti, me dei conta
de que Gabriel é quem deveria ir embora, não eu!

Gab saiu do chuveiro com uma toalha nova


na cintura, uma nas mãos e ergueu as sobrancelhas
ao me ver de roupa.

— Ah, eu ia para o meu quarto —


expliquei, meio balbuciante.

— Mas esse é o seu quarto, Lena — ele


disse enquanto pegava suas roupas do chão.

— É, eu só lembrei depois... — respondi.

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— Sei... Achou o modo de me fazer a


pergunta que queria? — ele disse enquanto vestia
sua cueca.

— Não. Eu tenho medo que você interprete


errado — confessei enquanto me sentava na cama e
abraçava os joelhos.

— É um pedido de casamento? — brincou,


secando o cabelo na toalha.

— Ah, claro. Eu estava pensando em como


ia propor isso a você e temi que você confundisse
com um pedido de adoção, seu velho bebedor de
sangue de groupies virgens! — respondi com ironia
e taquei um travesseiro nele.

Sorrindo, Gabriel desviou do travesseiro e

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começou a vestir a roupa.

— Ué, vai embora? — perguntei, confusa.

— Sim, vou dormir. Já passa da meia-noite.


E acho que você não quer que eu durma aqui, quer?
— ele me perguntou ainda com um sorriso no
rosto.

— Não é que eu não queira, é que... Hm...


Ok, eu não quero mesmo, desculpa. Acho que eu
desacostumei a dormir com alguém na mesma
cama... — me justifiquei, mas Gabriel me
interrompeu:

— Não precisa explicar, Lena. É por isso


que eu tenho um quarto e você tem outro. Acho que
a casa tem espaço suficiente para que os

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funcionários da Sissy Walker não precisem dividir


cômodos quando estiverem aqui, não acha? — ele
brincou e me deu um pequeno sorriso assim que
terminou de se vestir, indo para a porta logo em
seguida.

Gritei seu nome antes que ele saísse e sorri


quando ele se virou e aguardou que eu falasse o que
queria.

— Sim?

— Mostra que sabe sorrir.

Gabriel tentou conter uma risada, mas não


conseguiu, fazendo sem querer o que eu pedi.

— Boa noite, Costureira.

— Boa noite, Segurança.

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Fiquei olhando a porta bater e me levantei


da cama com um sorriso imenso no rosto. Estava
me sentindo muito em paz. Saciada, feliz e aliviada.

Fui tomar um banho e notei que o sorriso


bobo não saía dos meus lábios, mas o que eu podia
fazer?

Era o efeito Gabriel.

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A viagem
— Lena, quantos desses você já tomou? —
Aline me perguntou ao me ver colocando um
remédio para enjoo na boca e engolir sem auxílio
de água.

— Não sei, para ser sincera. Acho que uns


quatro. Ou cinco? Ah, espera, essa é a segunda
cartela que eu tomo, olha que coisa! — menti
enquanto olhava a cartela vazia.

Aline arregalou os olhos comicamente, me


fazendo rir.

— Mentira, boba, é o primeiro que eu tomo.


Só tinha um nessa cartela.

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— Credo, garota, não me assusta assim!


Depois você tem uma overdose desse troço no
avião e a gente faz o quê?

— Sei lá, tire fotos para ilustrar palestras


motivacionais antidrogas em escolas — brinquei,
recebendo uma careta risonha em resposta.

— Não toma demais esse troço! A Betty me


contou que você exagerou quando veio para cá e
ficou toda bêbada de sono.

— Entre “bêbada de sono” e “em overdose”


tem um longo caminho a ser percorrido, coração —
respondi enquanto jogava a cartela vazia no lixo da
área VIP do aeroporto e me sentava em uma
poltrona confortável.

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— Você não gosta de voar? — ela


perguntou depois de uns segundos em silêncio em
que eu fiquei respirando fundo, para ir
acostumando meu sistema digestivo.

— Não é que eu não goste, eu até gosto.


Quem não gosta é meu estômago. Eu fico enjoada
na decolagem e quando tem turbulência, mas fico
muito enjoada mesmo! Mais do que em navios,
barcos, lanchas, que balançam pra burro, né? E
você? — perguntei a Aline e começamos a
conversar sobre meios de transporte mais
confortáveis.

Betty e Tony chegaram na área VIP dez


minutos depois, acompanhados de Erika e Gabriel,

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que me pegou olhando para ele e me deu uma


piscada disfarçada, voltando para a expressão rígida
de sempre em seguida.

Gab e eu passamos os últimos dias na


mansão tomando café juntos e compartilhando a
mesma cama até a meia-noite, mas, fora esses
momentos, não nos encontrávamos, já que somente
eu estava de folga.

Sorri para ele e abri uma revista de moda


comprada na revistaria do aeroporto quando
cheguei com Aline, Diego e o segurança particular
do guitarrista, que não nos acompanharia na turnê.
Somente Gabriel, chefe de segurança da banda, e
Erika, segurança particular da vocalista, viajariam

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conosco. O restante da banda contaria com


seguranças contratados em cada cidade, caso
houvesse necessidade.

É claro que, se dependesse de Gab, haveria,


mesmo com protestos dos membros menos famosos
da banda, mas vai discutir com um chefe de
segurança de elite!

Li minha revista por uns minutos, até que


ouvi Jim chegar com sua família e vi a filha dele,
Andrea, vir correndo em minha direção vestida em
uma peça que eu havia costurado: um vestidinho
preto com caveirinhas fofinhas.

Ajoelhei no chão e aceitei seu abraço de


criança pequena, apontando em seguida para o

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brinquedo em suas mãos.

— Nossa, que boneca linda, pequena! Deixa


eu dar uma olhada nela! Jim, posso dar um
chocolate para ela? Eu comprei, mas me arrependi
assim que paguei, não quero enjoar no avião...

— Sim! — a menina pulou animada ao


mesmo tempo que o pai dizia que não.

Jim sorriu para a pequena e me olhou com


uma expressão divertida no rosto.

— Você pode até dar, mas vai ter que correr


atrás dela pelo aeroporto. Chocolate dá mais
energia, e isso ela já tem de sobra.

Ri dele, entreguei meu doce a ela e me


sentei no chão para brincar com Andy. Aquele

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encontro me fez tanto voltar a ser criança, que perdi


a noção do tempo até Betty vir me chamar para
embarcar.

Dei um abraço na pequena, cumprimentei a


esposa de Jim e respirei fundo, tentando acalmar
minha barriga, que já havia começado os protestos
pré-avião.

Entramos no avião imenso e fomos direto


para a primeira classe. Era o primeiro voo, portanto
não usaríamos o jatinho da banda. Não entendi os
motivos e, confesso, nem me preocupei muito. Meu
foco era outro. Nem prestei atenção inicialmente no
luxo da aeronave. Não era minha primeira viagem
confortável de qualquer maneira.

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Ah, qual é? Uma pessoa dona de uma marca


com quase trinta lojas em seu país nem sempre
viaja de classe executiva, não é?

A primeira classe, como era de se esperar,


tinha poltronas tipo leito cheias de frescurites e
espaço de sobra, o que não ajudou em nada para
acalmar meu estômago. Nervosa, apertei as mãos
enquanto tentava me distrair olhando as várias
televisões espalhadas, uma para cada poltrona.

Sentei em meu lugar, o coração aos saltos.


A medicação não estava me dando sono, logo, não
ia fazer efeito quando o maldito avião decolasse.
Gabriel passou ao meu lado, segurando uma bolsa
de viagem enquanto procurava seu lugar, mas

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parou assim que viu minha expressão.

— Lena? Tá tudo bem?

Nervosa, olhei para ele, mas tentei sorrir.

— Claro! Imagina se eu estaria nervosa, é


só um voo de cento e onze horas onde meu remédio
para enjoo não faz efeito nem por um cacete!
Grande coisa! — tentei brincar, mas soei como uma
pessoa desesperada, e não como uma piadista
irônica.

Gabriel riu de meu pequeno descontrole.

— Quer companhia?

Apesar da segurança que a ideia me passou,


eu quis manter minha dignidade intacta, então
zombei, fazendo voz de criança:

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— Claro, papai! Senta aqui, segura na


minha mão e mexe meu Toddynho com uma
colherinha! Claro que não, Segurança, imagina se
eu vou querer te dar esse trabalho todo. É só
nervoso pré-enjoo. Vai, pode ir procurar seu lugar.

Gab me deu um meio sorriso e balançou a


cabeça para os lados. Em seguida, foi atrás de seu
assento, que, por um acaso, ficava atrás do meu.
Aline surgiu, parecendo meio perdida, e sorriu ao
encontrar seu lugar ao meu lado.

Ter alguém mais simpático comigo naquele


momento me fez sorrir (convenhamos, Aline era
brasileira, imagina se fosse Jim, que era irlandês e
meio frio?), mas assim que o avião começou a

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taxiar, o alívio que eu começava a sentir passou.


Imediatamente me arrependi de não ter topado a
oferta de Gabriel, pois ao menos ele era próximo de
mim o suficiente para eu não sentir vergonha de
agarrar sua mão e chorar que nem uma criancinha.

Meu estômago embrulhou quando vi que a


decolagem ia começar a qualquer minuto, meu
coração recomeçou a sapatear dentro do meu peito
e minhas mãos começaram a suar...

Calma, Lena. Você não vai vomitar. Não


vai. Vai ficar tudo bem. Tudo vai dar certo. Respira
fundo.

Minha boca encheu d’água quando eu tentei


respirar. Percebi que nada ia descer pela minha

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garganta, e aí sim comecei a entrar em pânico. Eu


ia vomitar a qualquer minuto se não me distraísse e
pensasse em qualquer outra coisa que não fosse
meu estômago nervoso querendo dar showzinho no
avião.

Olhei para o lado e vi Aline tranquila


mexendo em seu celular. Ela bastaria?

Não, preciso de alguém que tenha o mínimo


de intimidade comigo.

Peguei em seu braço e disse, meio


desesperada, meio nervosa e totalmente enjoada:

— Gatinha, troca de lugar com o Segurança,


e eu juro que costuro tudo que você quiser ao longo
dessa turnê!!

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— Oi? Com o Gabriel? — Aline perguntou,


confusa, mas se levantou correndo ao ver minha
expressão de desespero, ainda que o aviso para os
cintos serem afivelados estivesse bem luminoso na
nossa cara.

— Segurança, eu topo você mexer meu


Toddynho! — quase gritei sem me virar.

Agarrei os braços da poltrona como se


minha vida dependesse daquilo e comecei a me
sentir mais nauseada ainda quando percebi que a
comissária de bordo acabara seu discurso louco de
gestos decorados.

Anda, Segurança, vem para cá de uma vez!

Aline correu para o lugar de Gabriel, que se

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levantou e sentou do meu lado rapidamente, apesar


dos protestos da comissária de bordo e das risadas
de alguns passageiros. Mandei que ele se calasse
quando virou o rosto para mim e abriu um sorriso
levemente irônico ao notar minha mão estendida.
Rapidamente ele a envolveu com seus dedos
grossos.

Fechei os olhos, quando a decolagem


começou, tentando manter minha mente fixa
somente em não dar um vexame enquanto o avião
embicava.

Você vai acostumar.

É só um enjoo.

Você vai acostumar.

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É só um enjoo.

Comecei a xingar em voz baixa todos os


amigos que eu tinha por terem me falado que todo
mundo ficava enjoado nas primeiras viagens de
avião, que era normal, que passava, blá, blá, blá...
Mentirosos!

Quando finalmente o avião estabilizou, meu


estômago finalmente sossegou, e eu pude respirar
fundo.

— Pronto, Costureira? Tá melhor? —


perguntou Gabriel, me dando um sorriso
reconfortante.

— Estarei melhor quando você esquecer


dessa ceninha ridícula... Mas, sim, estou melhor,

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obrigada — respondi enquanto tentava controlar a


respiração.

Ouvi sua risada e abri os olhos quando ele


soltou minha mão. Notei de relance que havia
deixado marcas em sua pele por causa das minhas
unhas, mas fiquei constrangida demais para
reconhecer que eu quase me borrei na decolagem,
então fingi que não tinha visto nada.

Gabriel se inclinou sobre mim, soltou meu


cinto e voltou a sentar direito em seguida.

— Eu poderia fazer isso, Christian Grey.


Estou nervosa, não incapaz de raciocinar —
reclamei com um sorriso no rosto.

— Tem certeza que não? Vamos fazer um

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teste: me diz a coisa que você mais odeia fazer no


mundo — ele pediu enquanto ligava seu celular.
Percebi sua jogada de tentar me distrair e fiquei
agradecida.

— Alinhavar roupas, tomar banho quente e


desmarcar tatuagens — respondi prontamente.

Gabriel desviou o olhar do celular e


direcionou seus olhos brilhantes para mim. Havia
um traço de dúvida em seu olhar, que eu logo
imaginei ser por ele não saber o que “alinhavar”
significava. Expliquei brevemente o significado, e
ele balançou a cabeça assentindo.

— Ok, já vi que você está pensando direito.


Agora me diz... Como assim desmarcar tatuagens?

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— ele perguntou enquanto se ajeitava na poltrona.

— Ah, é que eu sempre decido fazer uma


tatuagem, mas quando chego no estúdio, vejo que o
desenho ou a frase são ridículos demais e
desmarco. Já fiz isso umas vinte vezes. Sou muito
querida nos estúdios de tatuagem da minha cidade.
Não ri, Segurança! Tem um tatuador em Ipanema
que não aceita mais que eu marque nada com ele! E
ele é tão bom... — reclamei com um gemido.

Gabriel tentou parar de rir, mas não


conseguiu muito bem e comentou com a voz
divertida:

— Quem sabe você não toma coragem na


turnê? Vamos passar por muitos estúdios em vários

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países diferentes. Você pode desmarcar com todos


eles, se quiser... E provavelmente você não voltará
a vê-los novamente — ele brincou.

Rindo, me espreguicei na poltrona. O sono


provocado pelos remédios contra enjoo começou a
bater, e eu inclinei minha poltrona no mesmo
ângulo que Gabriel inclinara a sua.

— Boa ideia, Segurança. Serei odiada


internacionalmente. Farão um reality show onde eu
serei a vilã principal... — comentei enquanto me
acomodava, virada para o lado de Gab.

— Legal, tipo um “Lena Ink”? Eu assistiria.


Vou baixar no PirateBay quando ficar pronto — ele
brincou enquanto olhava seu celular.

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— Baixa isso aqui, ó... — respondi


apontando meu dedo do meio para ele, que deu
uma risada e ficou me olhando enquanto eu fechava
os olhos e deixava o remédio finalmente fazer
efeito.

Antes de dormir, ouvi Aline pedindo que


Gabriel me lembrasse das roupas prometidas, e
jurei que faria tudo o que ela quisesse. Aliás, não
somente ela, mas Gab também. Se eles me
ajudassem a não morrer de vomitar em aviões, eu
costuraria um armário inteiro para a baterista.

Para Gabriel, eu faria o possível para que,


enquanto estivéssemos curtindo a companhia um
do outro durante os meses que viriam, ele estivesse

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plenamente satisfeito. Aline merecia o presente, e


ele também.

Segundos antes de adormecer, me dei conta


de que minha bolsa não estava mais no meu colo.
Pensei em olhar se ela tinha caído no chão, o que
seria preocupante, já que minha câmera estava
dentro dela, mas escutei o barulho suave de uma
foto sendo revelada e logo imaginei que Aline
estivesse com ela, então cochilei tranquilamente,
sem me preocupar. Estava em boas mãos, Aline
não era boba alegre. Pior seria se caísse nas mãos
de Diego, imagina as fotos que ele não tiraria
minhas com Gabriel de mãos dadas, que ridículo?

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Barcelona
O restante da viagem se deu sem muitas
novidades. As pouquíssimas horas de voo foram
recompensadas pelas conversas amistosas com os
outros membros da banda e, em especial, é claro,
com Gab. Ainda que eu tenha garantido que estava
bem, ele decidiu ficar ao meu lado durante o voo, o
que me causou um misto de gratidão e birra. Fiquei
feliz pela preocupação, mas também me senti um
pouco encurralada.

Quando olhei para ele lendo tranquilamente


ao meu lado, em sua poltrona, a sensação de
aprisionamento talvez tenha sido desencadeada
mais pelo fato de que eu estava num monstro de
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muitas toneladas, feito de aço e que voava, do que


pela atitude de Gabriel.

Assim que chegamos no hotel luxuoso em


Barcelona, quase na hora do almoço, fui
apresentada ao representante da gravadora, um
senhor com cara de tiozão da Sukita, que seria
responsável por alguns detalhes da turnê e que,
segundo Tony, raramente aparecia. Ele me
entregou um cartão e me explicou que aquilo era a
chave do meu quarto, e eu precisei me esforçar para
não responder um “dããã”.

Ouvi o chefão informando a todos que


teríamos até às quatro horas da tarde para nos
acomodarmos e, em seguida, me avisando que

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Pierre conseguira contratar um enfermeiro para a


mãe e que seu irmão conseguira férias no trabalho
para cuidar da mãe doente. Logo, ele havia
conseguido pegar seu voo pouco tempo depois do
nosso e chegaria em Barcelona em uma hora. Desse
modo, eu poderia marcar uma reunião para nos
conhecermos e conversarmos sobre os looks.

Em seguida, o tiozão do pavê, Rick, se


virou para mim e complementou:

— Isso significa que você terá mais tempo


para focar no trabalho principal: as pesquisas de
tendência, os materiais para o documentário e a
confecção ou conserto de roupas que possam
aparecer. Pierre e você vão cuidar do figurino, mas

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foque naquilo que é mais importante: o trabalho de


consultoria.

Assenti, me despedi dele, que simplesmente


foi embora do hotel — segundo Tony, ele tinha seu
próprio jatinho, então ficava indo e vindo nas
turnês, sem necessidade de se hospedar em lugar
nenhum.

Quando cheguei em meu quarto, meu


queixo despencou: quanto luxo para uma passagem
tão pequena na cidade!! Tudo ali gritava dinheiro:
da cama gigantesca aos lençóis egípcios de sei lá
quantos mil fios.

A mesma coisa para o banheiro, cheio de


granitos e dourados e perfuminhos e sei lá o que

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mais. Tudo o que eu falei no avião sobre já estar


acostumada com hotéis foi por água abaixo.
Definitivamente, eu nunca me acostumaria com
aqueles luxos todos.

Porém, quando abri a cortina e dei uma


olhada pela janela na vista deslumbrante e no céu
lindo da Espanha, achei que poderia aproveitar um
pouco aquela beleza toda sem ser tão chata.

Passei algum tempo organizando minhas


coisas — Magic Manson ficaria na mesinha de
canto do quarto — enquanto pensava nos horários
que eu teria para conhecer cada cidade quando ouvi
alguém bateu na minha porta. Assim que abri, vi
Pierre, o responsável pelo estilo da banda,

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parecendo exausto.

Pierre era uma graça: olhinhos puxados,


cara de menino Tumblr, magrelo e de tamanho
mediano. Parecia um adolescente, mas, até onde eu
sabia, era mais velho que eu.

— Olá... Lena, certo? Peço desculpas por


essa confusão, mas eu nem deveria estar aqui...
Acabei conseguindo vir.

— Não, imagina! Quer entrar ou topa um


café no restaurante do hotel?

Pierre pareceu contente pela sugestão e me


acompanhou até o local. Tratava-se de um
restaurante muito bonito, mas com aquele tipo de
decoração e arquitetura que prezam a beleza acima

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de tudo. As cadeiras eram um horror, de tão


desconfortáveis.

— Escuta, Lena... — ele começou, tirando a


minha atenção do cardápio. — Essas cadeiras são
ruins de sentar, ou sou eu que sou muito chato?

Dei uma risada e balancei a cabeça


negando.

— Não, Pierre, são horríveis mesmo. Minha


bunda está chorando em espanhol aqui... Você
comeu alguma coisa no avião? — perguntei,
puxando assunto.

— Não, mas não aguento comer nada muito


substancial no momento. Podemos pedir alguma
coisa leve, como pães? Integrais, sei lá? — ele

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completou quando eu ergui uma sobrancelha ao


ouvir sua sugestão de que pão seria algo leve.

Pedimos uns sanduíches e duas saladas e


começamos a conversar sobre o estado de saúde de
sua mãe, mas logo focamos no trabalho. Mostrei os
arquivos digitalizados com as colagens, as
pesquisas de tendência e as fotos com as peças de
roupa que eu customizara, bem como os esboços
das pesquisas feitas no WGSN

Pierre me mostrou seus face charts, os


desenhos de maquiagens e penteados, e nós
passamos as horas seguintes repassando os estilos
para os shows que aconteceriam na arena Não-
consigo-guardar-o-nome.

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Tudo acertado, tomamos um café — ou


melhor, eu tomei, já que a viciada era somente eu
— e nos despedimos. Fiquei feliz ao perceber que
Pierre era gente boa, seria bom trabalhar com
pessoas agradáveis, como era na Wings. Aquele
encontro também tinha sido bom para me mostrar
que eu não acumularia funções, logo poderia
cumprir cada uma das etapas do meu cronograma
com calma e organização.

— Ah, Lena! Antes que eu me esqueça! —


ele exclamou, me chamando antes que eu rumasse
ao meu quarto. — Vou te colocar no grupo da
banda, tá?

Dei um sorriso amarelo e assenti. Nunca fui

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fã de redes sociais ou aplicativos assim, apenas os


tolerava por causa da Wings. Mas, fazer o quê? É a
vida.

Voltei para o meu quarto, decidida a tirar


um cochilo antes da reunião com a banda. Teria
sido um cochilo mais proveitoso, se não fosse meu
celular vibrando com mensagens descontroladas.

— Já começou a palhaçada de “bom dia” e


“boa tarde” de grupo de WhatsApp, aposto...

Sentei na cama, ainda meio sonolenta, mas


senti o sono fugir assim que li as mensagens
recebidas. Das dez pessoas que estavam no grupo
da Sissy Walker, somente três não estavam rindo e
zombando de alguma coisa que eu demorei para

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entender o que era: Pierre, Rick, o chefão, e


Gabriel.

Subi todas as mensagens não lidas, mas


continuei não entendendo o motivo de tantos
comentários. Aparentemente, eles estavam
comentando sobre alguma foto que foi enviada
antes da minha entrada no grupo, levando em conta
a quantidade de comentários do tipo “vou mandar
revelar essa foto”, “love is in the air”, “aaah, que
fofinho”, “viu como ele tem sangue quente nas
veias?”, “até que foi rápido, achei que ia demorar
mais”. Um dos comentários, o de Diego, dizia “eu
vou amar esses doze meses, tenho certeza disso!”.

Mandei uma mensagem perguntando qual

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era o motivo da graça, e Diego me explicou que


eles estavam shippando um casal que viram no
avião. Estranhei aquela informação, já que eu não
me recordava de ter visto nenhum casal
explicitamente apaixonadinho em nosso voo.
Perguntei, inocentemente, qual casal estava fazendo
com que eles agissem como adolescentes fãs de
banda, e ele enviou uma foto como resposta.

Dez segundos depois, meu celular baixou a


imagem, e eu senti vontade de jogá-lo pela janela:
era nada mais, nada menos do que eu dormindo na
poltrona do avião, dividindo uma coberta com
Gabriel e, pasmem, de mãos dadas com ele.

Nossa senhora, que foto mais ridícula!

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Quando eu dei a mão para o Segurança, que eu


não lembro? E por que o idiota aceitou? Ok, demos
as mãos enquanto eu estava enjoada, mas depois
soltamos!

O voo durou menos de três horas! Como


deu tempo pra isso?

Pensei em dizer algo engraçado, para fingir


que eu não estava querendo enfiar a cabeça em um
buraco, mas nada me veio, a não ser um “fazer o
que, se o Gabriel tem medo de avião? Ele pediu
para eu segurar a mão dele, eu topei. A gente
ajuda o outro como pode” acompanhado de uma
carinha sorridente.

Mensagens de risadas pipocaram, mas não

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diminuíram a minha vergonha. Eu me sentia uma


adolescente pega no flagra fazendo algo proibido
com outro adolescente, o que, de fato, era ridículo.

Quase trinta anos na cara, Helena Maria!

Afastei os pensamentos da cabeça, e fui


escolher a roupa para a reunião com a banda, Ricky
e Pierre. Aquele encontro seria o primeiro de vinte
e muitos, um para cada cidade, no qual
discutiríamos o que a banda usaria para cada show,
condição climática e momento. Por exemplo, as
roupas da Rússia não poderiam ser semelhantes às
da Espanha, por vários motivos diferentes. Por isso,
tudo teria que ser acordado entre Pierre e eu e o
restante da banda, incluindo Ricky, caso o tiozão

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chefão estivesse presente.

Depois de me arrumar, enquanto organizava


os desenhos, fotos, tablet e pesquisas de tendência,
decidi que pegaria leve no contato físico com
Gabriel em público. Não que as brincadeiras me
incomodassem, nem era isso. Eu apenas não queria
ser vista como “a garota de alguém”, como alguém
reduzido a ser somente a companheira de outra
pessoa, não importa quão foda essa pessoa pudesse
ser. Isso é muito, muito ruim e desagradável para
mim.

Sim, Gabriel era um cara muito legal. Mas


nada no mundo ia me fazer querer pertencer a
alguém e, consequentemente, perder minha

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identidade. Não sou um carro ou um cavalo para ter


um dono, um proprietário. Que as brincadeiras
prosseguissem, isso não era um problema, mas que
elas nunca evoluíssem para um apagamento que eu
me esforcei a vida inteira para não sofrer.

Isso eu nunca aceitarei na vida.

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Pré-show
Alguns dias depois da reunião, e eu passei
de uma pessoa tranquila e feliz com o novo
trabalho para uma pilha de nervos ambulante.
Ainda que tudo estivesse pronto, as roupas
estivessem arrumadas nos camarins da arena, os
face charts e desenhos técnicos estivessem
devidamente escaneados e disponíveis para mim e
para Pierre em nossos e-mails e nós tivéssemos
planos B (e C, D, E, F) para uma possível súbita
mudança de temperatura, eu não consegui refrear a
ansiedade.

Isso porque nem era totalmente a minha


função!
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Conferi as horas no celular e suspirei.


Faltavam quarenta minutos para a van que nos
levaria à arena chegar, e eu ainda estava deitada na
cama, de roupão, tentando controlar o nervosismo.

Chega, Lena! Levanta essa bunda branca,


coloca uma roupa bem bonita e formal, enche a
cara de maquiagem poderosa e vai lá arrasar
corações! Você consegue!

Suspirei, tentando me convencer daquilo, e


fui me arrumar. Vesti uma roupa formal, terno e
saltos, borrifei um pouco de perfume e fui ao
banheiro com meus estojos de maquiagem em
mãos. Estar alinhada controlaria minha ansiedade e
garantiria que nenhum pensamento infantil passasse

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pela cabeça nas horas seguintes.

Dez minutos depois, enquanto aguardava na


recepção do hotel junto de Pierre, encontrei com
Betty, Tony, Gab e Erika. Eu, que já havia entrado
em meu modo profissional, não reagi à chegada de
Gab, ainda que tenha visto quão lindo ele estava em
seu terno bem cortado e seus óculos de segurança
de rockstar. Ele, por outro lado, ergueu uma
sobrancelha, fazendo uma cara de surpresa positiva
ao ver minhas roupas, me fazendo sorrir sem
querer.

— Tá gatona, sua quenga! — Tony


exclamou em português, e Betty e eu rimos, mas
Erika e Gabriel continuaram sérios. Seguranças...

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Chegamos na arena em poucos minutos, já


que o hotel era próximo do local onde os shows
aconteceriam. Respirei fundo ao sair da van —
finalmente o primeiro show havia chegado — e
imediatamente Pierre e eu nos separamos dos
restantes e fomos organizar a seleção de looks para
a noite.

— Lena, eles aprovaram a primeira escolha


de roupas ou foi a segunda? — Pierre me
perguntou, obviamente tentando me distrair
enquanto abria sua maleta de maquiagem e
espalhava seu conteúdo na penteadeira.

— Sim, aprovaram as outras também. Pode


manter o plano A, a temperatura não caiu —

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respondi, totalmente séria enquanto organizava as


peças certas nas araras com divisórias contendo os
nomes de cada um pendurados em cabides.

Sendo sincera: tudo estava organizado já.


Eu é que estava nervosa. Parecia uma iniciante,
uma caloura da faculdade de Moda.

Jim, Tony, Aline e Diego entraram no


camarim uma hora depois, conversando animados
entre si. Pierre sorriu para Aline, que se sentou na
cadeira reservada para ela e aguardou para ser
maquiada. Tony, por outro lado, se maquiava
sozinha, como já era costumeiro.

Com o tablet em mãos, fui até Diego e


praticamente ordenei:

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— Diego, você é o primeiro, pode ir se


vestir. Suas roupas estão ali, me avisa se você
precisar de ajuda com a camiseta, sei que ela tem
furos demais. Quando terminar, me chama, preciso
ver se o colete ficou bom, já que você não fez a
segunda prova, como eu pedi — disse de modo
rígido demais.

Diego ergueu as sobrancelhas e olhou para


Tony, que apenas deu uma risada e levantou os
ombros, como se dissesse “obedeça, fazer o quê?”.
Minha amiga me conhecia muito bem. Meio mal-
humorado, ele foi se trocar atrás do biombo
destinado a tal tarefa.

Abri meu aplicativo no tablet e chequei os

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acessórios que o guitarrista usaria, pegando-os na


maleta e indo até o biombo. Dei a volta nele e
observei Diego se trocar, totalmente distraído
enquanto cantarolava uma música qualquer.
Quando terminou, estendi as pulseiras e o colar
para ele, que levou um susto ao me ver ali.

— Ei, tem quanto tempo que você tá aí?

Com o braço estendido, não alterei minha


expressão.

— Tempo suficiente para ver que você sabe


colocar a roupa sem mim. Toma, suas pulseiras.

— Privacidade é...!

— Um privilégio quando se é famoso, meu


querido. Toma, pega logo suas pulseiras. Não me

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olha com essa cara, eu estarei mais amável depois


do show — respondi quando ele me dirigiu um
olhar irritadiço. — Eu prometo. Te pago uma
sangria depois.

Ele estendeu a mão e pegou os acessórios,


me dando um sorrisinho a contragosto no final.

— Vou cobrar depois, General.

Fiz um imenso esforço para não rolar os


olhos e dei um pequeno sorriso para ele antes de
dar meia-volta. Rockstars podem ser muito
sentimentais quando querem. Chamei o restante da
banda um a um, ajudando quem precisava de ajuda,
como Aline, que teve dificuldades com a parte
traseira da cinta-liga, e conferindo os looks no

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tablet.

Enquanto a Sissy Walker conversava


tranquilamente entre si momentos antes do show,
eu e Pierre paramos um ao lado do outro e
avaliamos nosso trabalho: estava tudo perfeito. Para
ele, era habitual. Para mim, era uma conquista e
tanto. Era minha primeira vez nos bastidores da
música.

Pouco tempo depois, o show começou, e eu


me sentei numa cadeira, no corredor do camarim,
completamente cansada e com os ombros doloridos
por causa da tensão. Não tinha energia para mais
nada. Pierre se sentou ao meu lado e colocou a mão
no meu ombro.

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— É assim mesmo, querida. Daqui a alguns


shows você acostuma e não vai ficar tão tensa.

Passei a mão no pescoço e nos músculos


rígidos da região e dei um sorriso cansado antes de
perguntar:

— E o nervosismo pré-show, passa? —


perguntei, vendo as pessoas andando apressadas
pelos corredores.

— Ah, não, nunca. Só a tensão mesmo. Na


verdade, acho que você acostuma com ela.
Parabéns pela primeira “figurinada”, ficou tudo
excelente.

Exausta, agradeci com um sorriso, recostei


o corpo na cadeira e fiquei assistindo ao show por

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uma televisão que transmitia a apresentação ao


vivo. Pierre deu dois tapinhas no meu joelho,
sorrindo, e foi para perto do palco, para curtir tudo
mais de perto.

Apesar da música alta, foi só fechar meus


olhos por um minuto, que acabei adormecendo.
Acordei quando a multidão fez mais barulho do que
o normal e me levantei para ver o que estava
acontecendo.

Vi Diego pendurado na grade de segurança,


sendo literalmente despido por jovens
desesperados, que agarravam sua camisa e
rasgavam o tecido em várias tiras. Meu queixo caiu
quando vi seu peito nu e corri para pegar uma

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camiseta nova. Pierre entrou nos bastidores rindo e


estendeu a mão para pegar a peça de minha mão.

— Acostume-se, agora é assim mesmo. Não


tem um dia em que Diego não perca uma peça de
roupa. Quem mandou ser uma delícia? — gritou,
rindo antes de voltar para o cantinho do palco.

Sorri e balancei a cabeça, suspirando. Ele


poderia ter me avisado isso antes, não? Teria
deixado tudo mais à mão. Fui atrás de Pierre, que
entregara a roupa para um assistente e, assim que
me viu chegando, me passou protetores de ouvido.

De onde eu estava, pude ver Gabriel no


espaço entre o palco e as grades de contenção que
impediam a multidão de atacar a banda e arrancar

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cada pedaço deles. Ele estava dando ordens para


outros seguranças, e seu rosto estava contraído
como nunca. Eu não pude deixar de rir ao imaginar
que o meu provavelmente estava do mesmo jeito
havia pouco tempo.

Voltei minha atenção para o show e curti a


vibe da banda, excelente, como sempre. Não tinha
um único membro da Sissy Walker que não fosse
extremamente carismático do seu próprio jeito, e
todos tinham uma química potente, visível mesmo
para quem não os conhecesse pessoalmente. Creio
que fosse esse o principal motivo do sucesso deles,
além do talento, claro.

Não era raro a Rolling Stones ou críticos

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famosos compararem a SW a bandas incríveis,


como Arctic Monkeys e Strokes. Cheguei a ver
uma comparação muito curiosa: segundo uma
revista de música, a Sissy Walker era uma mistura
perfeita de Beatles e tudo que poderia haver de bom
na musicalidade brasileira, ainda que todos fossem
criados com uma base cultural europeia.

A vibe que misturava de forma brilhante


uma pegada de bossa nova a um rock agressivo,
equilibrando de modo inédito gêneros diferentes,
mas sem perder sua pegada pop e indie, era muito
querida. Mas era confuso para uma pessoa amadora
em música, como eu, entender todas essas
referências, e isso só provava uma coisa:

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A Sissy Walker era uma banda e tanto.

Eu não podia trabalhar para artistas


melhores.

***

Horas depois, embarcamos na van e


retornamos ao hotel. Creio que nem Diego, que
fora apalpado, despido e cobiçado, estivesse tão
exausto quanto eu, e isso era nítido.

— Eita, Lena, tá morta, hein? — disse, todo


risonho ao me ver sair da van e tropeçar no meio-
fio da calçada.

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— Ser carrasca com você cansa, coração —


disse com um sorriso cansado no rosto.

O guitarrista e não perdeu a deixa:

— Ah, então você merece estar assim,


General. Não esqueci da minha sangria, viu? — ele
disse enquanto entrava no elevador, sendo seguido
por mim, Aline e Pierre.

— Nem eu, vou te compensar pela falta de


modos, senhor, não se preocupa — disse enquanto
tentava, em vão, segurar um bocejo.

Pierre e Aline riram, totalmente inteiros.

— Ei, você não vai sair com a gente? —


perguntou Aline, se referindo à festa pós-show que
a banda sempre curtia.

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Enquanto saía do elevador, já no meu andar,


neguei com a cabeça e agradeci, alegando estar...
bom... morta.

— E minha sangria? — Diego perguntou


com um sorriso.

— Na próxima eu vou e encho sua cara,


prometo — disse e acenei um tchauzinho para
todos, que retribuíram e deixaram as portas do
elevador se fecharem. Olhei para Pierre enquanto
procurava meu cartão — Você não vai?

— Não, vou checar como estão as coisas


com minha mãe.

— Ah, verdade! Deseja melhoras para ela


por mim, ok? — respondi, abrindo a porta do meu

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quarto e dando um abraço de um braço só em meu


colega de trabalho.

— Pode deixar! Vai dormir agora, que


amanhã tem mais, bonequita! — respondeu, me
brindando com um sorriso amistoso e sincero e
seguindo seu caminho no corredor.

Entrei no quarto, tirei os sapatos, conectei


meu celular no carregador e caí na cama,
completamente exausta. Fiz o maior esforço do
mundo para me levantar, dez minutos depois, tirar
minha roupa e soltar meu cabelo, mas foi o máximo
que consegui antes de desabar novamente na cama
e dormir até as sete horas da manhã do dia seguinte.

Sendo sincera, só acordei porque Pierre

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bateu na minha porta, lindo, radiante, como se


tivesse dormido por doze horas seguidas.

Se não fosse por isso, estaria dormindo até


agora.

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Madrid
— Sophia! Não se usa plano zenital numa
propaganda de roupa!! Não é propaganda de chão,
é de roupa!! Não me importa se só dura poucos
segundos, o comercial tem menos de quinze,
qualquer segundo importa! Sophia, não, eu não
aceito. Tira essa cena. O resto você faz o que
quiser, mas eu não quero plano zenital... Eu caguei
para o nome! Não importa se é zenital ou plongê
absoluto, Sophia, vai ficar ridículo! Sophia!
Sophia!!

Irritada, olhei para o celular e vi que Sophia


havia desligado. Dei um gemido raivoso e taquei o
celular com tudo dentro da bolsa. Pronto, eu tinha
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virado o clichê de executiva estressada, quase


quebrando o celular após uma ligação de trabalho
estressante.

— Lena? Tudo bem? — Gabriel se


aproximou e perguntou com cuidado. Levei um
susto ao ver o Segurança do meu lado, no
aeroporto, mas respondi com a voz controlada:

— Tudo, desculpa... É que minha sócia quer


fazer uma coisa que eu não concordo, e eu sinto
vontade de matar aquela vaca quando faz isso. Mas
tá tudo bem, obrigada.

Gabriel assentiu com a cabeça.

— Tá pronta para viagem?

Fiz careta e respondi:

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— Nunca estarei, eu acho. Qual é o seu


lugar?

Gab sorriu e estendeu a mão para pegar a


minha mala, mas eu ignorei e comecei a andar com
ela na mão.

— Ao lado do seu, Lena. Aí você pode


pegar na minha mão quando estiver com medo —
ele disse, mas não parecia que estava zombando,
apenas brincando.

Ainda assim, eu respondi com acidez na


voz:

— Ah, que ótimo! Transar no avião a gente


não pode, mas pagar de casalzinho ternura tá ok?
Ok, vamos casar, então, aí todo mundo para de nos

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pentelhar durante a viagem. Quer filhos? Não sei se


posso te dar um assim, tão imediatamente, mas
podemos ir fazendo...

— Transar no avião? — ele perguntou,


ignorando meu sarcasmo e me interrompendo.

Olhei para ele com os lábios franzidos


enquanto entrávamos na sala de embarque.

Boca grande idiota que eu tenho!

— Você queria transar no avião, Lena? Era


por isso que você me perguntava toda hora onde era
o banheiro? — ele perguntou, tentando não rir. —
Como você queria fazer qualquer coisa chapada de
remédio do jeito que estava? Eu não quero soar
como protagonista de romance erótico, mas eu

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preciso dizer que não curto necrofilia, Costureira.

— Desgraçado! — exclamei e fiz força para


não o empurrar no meio do aeroporto de Barcelona,
controlando minhas risadas. — Ok, acabou a
magia. Nunca mais transaremos em lugar nenhum.
Vai passar o resto da viagem sozinho, para deixar
de ser besta! Ou vai ter que procurar companhia em
cada uma das cidades. Imagina o trabalho?

Gabriel revirou os olhos, um sorriso no


rosto, e colocou a mão nas minhas costas para que
eu entrasse de uma vez no finger. Eu quase dei um
salto ao sentir o contato, mas disfarcei dizendo que
suas mãos estavam geladas — o que era impossível
de saber, levando em conta que eu estava de

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casaco.

Não nos encontrávamos intimamente,


digamos assim, desde a noite anterior à viagem
para Barcelona, ainda na mansão de Betty. Não
tivemos tempo: quando não estávamos trabalhando,
eu estava dormindo. A primeira semana de shows
foi muito cansativa, a ponto de eu nem ter saído
com ninguém para conhecer a cidade, apesar dos
convites de Betty e Pierre. Minha cama era mais
convidativa do que um dia de turismo, preciso
confessar, e eu precisava da cabeça descansada
para estudar, recolher material, fazer pesquisas e
tudo o mais pelo qual fui contratada.

Entramos no avião, guardamos nossas

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bolsas de viagem e nos sentamos. Eu estava


respirando fundo, quase como um exercício de
relaxamento, e sentindo o estômago embrulhar.
Assim que Gab sentou ao meu lado, me estendeu a
mão. Revirei os olhos, mas aceitei de bom grado
seu gesto de cuidado.

Assim que o avião começou a taxiar e eu


apertei a mão dele com força, Gabriel tentou me
distrair.

— Me conta, o que é um plano zenital? —


ele perguntou tranquilamente.

Respirando fundo, tentei esboçar alguma


resposta coerente:

— É quando a câmera fica no alto, filmando

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todo mundo de cima. São filmagens inúteis para a


proposta do comercial, mas a Sophia queria essa
droga de plano. Queria até um contra-plongê
absoluto, que é o contrário disso, uma câmera no
chão filmando o teto! — eu disse enquanto tentava
não pensar no avião taxiando.

— Entendi. E Sophia, quem é?

O avião começou a decolar e eu apertei


tanto a mão dele, que a minha doeu.

— É a diretora da Wings, minha CEO, se


quiser chamar assim! Ela é sócia da empresa,
diretora de estilo, costureira, estilista, uma de
minhas melhores amigas e uma teimosa do cacete!
Ah, e minha única ex-namorada...! Credo, esse

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papagaio de metal não sobe nunca? — eu quase


gritei tudo aquilo sem respirar e com os olhos
fechados.

Como se ouvisse minhas reclamações, o


avião finalmente estabilizou, e eu pude respirar
normalmente.

— Ufa! Não tem um jeito mais fácil de se


decolar não? Tipo subindo num helicóptero e
pulando do alto para dentro do avião já decolado?

— Nossa, excelente ideia, não sei como não


pensaram nisso antes — ele brincou enquanto
soltava minha mão. Olhei para o dorso de sua mão
e vi que havia deixado algumas marcas do mesmo
jeito que acontecera na decolagem e na

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aterrissagem da primeira viagem.

Abri minha bolsa e procurei por um


cortador de unhas. Sem dizer nada, soltei meu cinto
e fui até o banheiro diminuir minhas garras. Gabriel
estava fazendo um favor tentando me acalmar, eu
não podia pagar a ajuda furando suas mãos com
esses cacos de vidro que tenho nos dedos e que
chamo de unhas.

Cortei todas, deixando-as bem curtinhas, as


lixei com a parte estriada do cortador e lavei as
mãos, jogando as pontas de unhas no lixo do
banheiro. Quando voltei para o meu lugar, Gabriel
me perguntou sem levantar o olhar:

— Era para eu ter te seguido?

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Acertei o corpo no assento e ri de sua


pergunta boba.

— Não, Segurança, só fui cortar minhas


unhas.

— Ué, por quê? — perguntou, tirando os


olhos do celular por um minuto.

— Porque estavam te arranhando, ó —


peguei em sua mão e mostrei as marcas.

Gabriel ergueu as sobrancelhas, olhou para


as marcas em forma de meia-lua e comentou:

— Não precisava, Costureira, eu nem tinha


notado.

— É, mas eu notei. Tem uma que está


sangrando, olha. Quer um band-aid?

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— Não, não precisa — ele respondeu,


agradecendo com um sorriso.

— Tem certeza? A Sophia quem comprou


para mim, então eu aposto que deve ser da Hello
Kitty ou do Homem de Ferro, ela adora essas
coisas.

— Ah, agora sim eu quero um, vai ser


ótimo dar ordens para os seguranças do estádio
com um band-aid de super-herói — ele brincou, me
fazendo rir.

— Também acho, vai mostrar quem é que


manda naquela porcaria toda. “Nossa, gente, lá vem
o chefão de band-aid da Mulher Maravilha!
Pelotão, em formação!” — zombei.

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Gabriel deu uma risada baixa e voltou a


olhar o celular. Fiquei distraída por um momento e
acabei me dando conta de uma coisa: ele não havia
reagido com surpresa exagerada ou com algum tipo
de preconceito ao saber que eu não só já havia
namorado uma mulher, como essa mulher era
minha sócia e colega de trabalho. Gabriel realmente
era um cara legal, no final.

Reparei em seu maxilar tão bem esculpido e


senti vontade de beijá-lo. Ele era, definitivamente,
meu tipo, com aquela cara de desinteresse pública,
mas que mudava entre quatro paredes.

Olhei para o lado e vi que não havia


ninguém por perto.

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— Segurança... — chamei baixinho. Gab


me olhou, e eu aproximei o rosto do dele — Posso
te beijar?

Gabriel sorriu, mas não se aproximou.

— Aqui?

— Não, na cabine do piloto, sentados no


colo dele. Claro que é aqui, onde mais?

Gabriel olhou ao redor, procurando pela


mesma coisa que eu tinha procurado antes, e voltou
o rosto na minha direção.

— Tem certeza? — ele perguntou, ficando


meio sério de repente, como se eu fosse uma
criancinha que pediu para ir na montanha-russa no
parque de diversões. Revirei os olhos e endireitei

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meu corpo no assento.

— Esquece, Segurança. Vai dormir —


respondi, irritada.

Ah, vai, vergonha de um beijo em público


com essa idade?

Aliás, pensando bem, quantos anos Gabriel


tem?

— Gabriel, quando tiver um tempinho, dá


um pulo lá atrás? — perguntou Ricky, surgindo do
nada ao meu lado e me fazendo estremecer de
susto. Nem ouvi o tiozão chegar!

Gabriel se levantou imediatamente e o


seguiu, me dando um olhar que dizia “entendeu
agora?” Droga, ele tinha razão. Eu estava sendo

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totalmente não profissional.

Inclinei meu assento para trás, peguei meu


travesseirinho e fechei os olhos, irritada como um
adolescente que levou bronca dos pais por ter feito
besteira. Não consegui ficar com raiva por muito
tempo, já que cochilei rapidamente. Estava sem
cafeína havia um bom par de horas.

Acordei minutos depois, meio perdida.

Onde eu estou?

Ah, sim.

Avião, Madrid, Sissy Walker, Gabriel.

Tá, já me encontrei.

Esfreguei os olhos e olhei para o meu lado,


no assento do avião. Gabriel estava lendo um livro

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enquanto ouvia música em seus fones de ouvido.

— Gabriel? O que Ricky queria?

Gab tirou os fones e me olhou antes de


fechar o livro.

— Confirmar uns dados do esquema de


segurança do estádio na Suíça. Posso te beijar? —
ele perguntou de supetão.

Arregalei os olhos, confusa, mas balancei a


cabeça concordando. Gabriel colocou o livro de
lado e se inclinou na minha direção rapidamente,
me fazendo sorrir quando encostou seus lábios nos
meus, me beijando com calma, sua língua entrando
na minha boca com suavidade. Assim que coloquei
as mãos em seu peito, já pensando em aprofundar o

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beijo, Gab me soltou rapidamente, como se alguém


estivesse vindo. Ergui o corpo para olhar o corredor
e não vi ninguém, mas notei que suas mãos
estavam cerradas com força, como se ele estivesse
se controlando.

— Eu daria tudo por um café... — ele


comentou, suspirando.

Ainda meio confusa com a sucessão de


acontecimentos, peguei minha bolsa e ofereci uma
trufa de café para ele.

— Comprei no aeroporto. É meio doce


demais, mas dá para segurar a vontade. E tem
cafeína, não só cheiro de café, eu chequei.

— Viciada — ele provocou enquanto

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aceitava o doce e o enfiava na boca.

— Olha quem fala. Ei, eu queria um


pedaço!

— Ah, desculpa... Não sabia — ele se


desculpou, falando de boca cheia, mas seu rosto
não mostrava um tracinho sequer de culpa.

Estalei os lábios, balancei a cabeça e peguei


meu celular. Gabriel voltou para seu livro e ficamos
em silêncio até o final da viagem, evitando contato
físico, já que... Bom, alguém parecia não estar
segurando a barra tão bem quanto eu, e é aquela
história, né? Se eu ficar animada, eu consigo
disfarçar, não há nada que crie... volume no meu
corpo. Já Gabriel...

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Uma vez fora do avião, já na saída do


aeroporto de Madrid, Gabriel me puxou pelo braço
e comentou antes de me dar um beijo rápido:

— Obrigado por ter cortado as unhas,


Costureira — e saiu de perto de mim, indo fazer
seu trabalho de segurança.

Fiquei olhando Gab se afastar e sorri,


pensando em como ele realmente era um cara legal
por baixo daquela pose toda de Victor Fries. Quem
não o conhecesse, poderia achar que ele era uma
pessoa bem gelada, antipática, indiferente. Mas não
era, pelo contrário. Sua seriedade se devia pela
profissão, mas Gabriel, por baixo daquela pose, era

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um homem com um coração de ouro.

Há outra parte de seu corpo que também é


de ouro, mas deixa para lá.

Assim que Gabriel saiu de perto de mim,


Pierre apareceu ao meu lado e me ofereceu o braço
para que fôssemos juntos para o hotel. Afastei meus
pensamentos sobre os quilates das partes do corpo
de Gabriel, aceitei o convite toda contente e
entramos na van, conversando sobre um monte de
bobagens e sobre quão linda era Madrid, vista pela
janelinha do transporte.

Pierre e eu estávamos nos aproximando


cada dia mais, afinal, de todos na banda, ele era o
único que trabalhava diretamente comigo. Era

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natural que o figurinista principal e a consultora de


estilo se dessem bem, já que passavam tanto tempo
juntos e havia sintonia entre eles, mas poderia não
ser o caso mesmo assim.

Horas depois de nossa chegada no hotel,


quando tudo já estava arrumado e eu estava
decidindo o que fazer com uma camiseta caríssima
de Diego que fora rasgada na barra e na lateral por
uma fã descontrolada, meu celular vibrou em cima
da mesa de cabeceira do hotel grã-fino.

Peguei o pobre e trincado aparelho e o


desbloqueei, sorrindo ao ver uma mensagem de
Gabriel perguntando se poderia passar no meu
quarto. Que pergunta idiota. Respondi e voltei

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minha atenção para à camiseta arrebentada.

Estava chegando à conclusão que não daria


para reformar a pobre e bem-feita peça quando Gab
bateu de leve na porta. Recebi Gab com um sorriso,
notando sua cara de cansado.

— Oi, Segurança! Entra! — disse e saí da


frente da porta. — O que houve, que você já tá
exausto? Não tirou o dia de folga?

— Não, precisei ir até o estádio... arena... —


Gabriel se corrigiu, a voz baixa. — E checar se o
esquema estava funcionando corretamente... O de
sempre... — ele disse enquanto se dirigia para uma
poltrona do quarto.

— Ei, tira o sapato, Segurança!

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Gabriel levantou uma sobrancelha, mas me


obedeceu, voltando para a entrada e deixando os
sapatos lá.

— Obrigada. Tá frio lá fora?

— Não, tá o maior sol. Acho que tá fazendo


uns vinte e dois graus... — ele respondeu com a voz
cheia de alívio enquanto se ajeitava de novo na
poltrona.

— Credo, que gelado! — exclamei,


assustada com a possibilidade de alguém achar que
vinte e poucos graus é muito quente.

— Gelado? Quanto graus fazem no Rio,


cem? — Gab perguntou da poltrona, e eu gritei em
resposta:

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— Sim, celsius, querido! — brinquei e fui


lavar a peça rasgada de Diego.

Lavei a camiseta com um sabonete líquido e


pendurei no boxe do banheiro. Enquanto olhava o
tecido, gritei:

— Gabriel, me dá uma ideia: o que acha de


eu fazer uma bolsinha de moedas com essa camisa?
O tecido é ótimo, a estampa também, e alguma fã
histérica provavelmente vai me amar para sem...

Saí do banheiro e me interrompi


imediatamente ao ver que Gabriel cochilara na
poltrona.

Cruzei os braços e ri ao ver a cena. Nem


parecia o Segurança Fodão-Hitman-Não-Mexa-

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Com-a-Minha-Banda de sempre. Parecia apenas...


um homem sonolento. Era adorável notar alguma
vulnerabilidade. Eu já sabia que ele tinha sangue
quente correndo nas veias e um coração de ouro,
mas foi divertido aprender que, além disso tudo,
Gab também tinha um corpo, digamos... humano.
Real. De carne e osso, não de aço.

Dei uma olhada em suas coxas


deliciosamente cobertas pela calça escura de seu
uniforme e mordi o lábio enquanto minha mente já
começava a pensar besteiras.

Sim, ele tem um corpo humano. E que


corpo, meu Deus do céu!

Gabriel abriu os olhos e deu uma risada.

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Colocou a mão na parte de dentro do terno, tirou


um par de óculos escuros e colocou no rosto, se
ajeitando na poltrona como se estivesse pronto para
tirar outro cochilo. Sua pele estava corada,
provavelmente pelo sol que ele pegou nas ruas de
Madrid.

— A idade chegou rápido para você, né,


Segurança? Uma caminhadinha de nada no estádio-
barra-arena e você já tá morto assim? Acabou o
sangue de groupies virgens, é isso? Eu disse que a
chance delas, deles, sei lá, serem virgens era
pequena — disse, com um sorriso irônico no rosto.

Gabriel endireitou o corpo, tirou os óculos e


me devolveu o sorriso antes de se levantar, vir na

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minha direção e me jogar na cama, subindo em


cima de mim sem nem hesitar.

— Para alguém que dormiu no colo de Jim


no último dia de shows em Barcelona, você está
bem engraçadinha, não? A expressão de Jim foi
impagável quando você deitou nas pernas dele. Foi
uma das raras vezes em que o vi sem palavras,
Costureira... — ele disse enquanto beijava meu
pescoço.

— Olha, o cansaço passou, vovô? Estou


detectando um odor de ciúmes em sua voz, ou isso
é só o seu suor? — eu disse rindo e o empurrando
com as mãos. — Vem, vamos tirar essa roupa e
tomar um banho. Ainda que eu goste do seu cheiro,

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não tenho tesão em poluição, e você está fedendo a


fumaça!

Gabriel se levantou de cima de mim e


negou com a cabeça enquanto esfregava os olhos
com a mão. Acabei sorrindo ao ver aquele gesto tão
vulnerável.

— Não posso, preciso voltar. Estou no meu


horário de almoço — ele disse enquanto estalava o
pescoço.

— Às cinco horas da tarde? Uau, trabalho


escravo é legalizado aqui? Eu não vou precisar usar
algemas ou correntes, vou? Odeio essas coisas! —
zombei enquanto me levantava da cama e puxava
Gabriel pela gravata para perto.

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— Odeia? — ele perguntou com um sorriso


no rosto, me agarrando pela cintura e me
levantando da cama.

— Odeio, e nem tente usar uma dessas em


mim, não importa o contexto. Odeio qualquer coisa
que me prenda.

Gabriel franziu as sobrancelhas e relaxou


tão rapidamente, que eu nem tive tempo de
entender o que o preocupara, portanto perguntei a
primeira coisa que me veio à cabeça:

— Ai, não, não me diz que você curte


BDS... Como chama? BDSM? Vou ter que assinar
um contrato pra poder transar com você? Ai, que
saco... Por favor, não me diz que vem todo o lance

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de dominador junto dessa gravata cinza aqui... —


pedi com a voz desanimada enquanto afrouxava o
nó da gravata.

Gabriel levantou meu vestido e passou a


mão pela lateral minha calcinha antes de responder:

— Não, não se preocupa, não gosto. Não


tenho paciência para esses lances de submissão...
— disse enquanto puxava meu cabelo, me fazendo
erguer o queixo. — Tá de folga, Costureira?

Sorri ao ouvir o apelido.

— Como se você não soubesse, né? Estou,


até amanhã de manhã, já resolvi todas as pendengas
de figurino com o Pierre. Na verdade, eu preciso
consertar um vestido da Betty, que descosturou,

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mas eu faço isso em meio minuto. Mas, vem cá,


você não fica de folga nunca não?

— Fico, daqui a umas duas horas — ele


disse enquanto puxava meu vestido para cima e o
passava pela minha cabeça, me deixando de
calcinha e sutiã.

— Então para de me deixar nua e vai


terminar seus afazeres, Segurança! Tá perdendo
tempo, quando poderia...! — não consegui terminar
minha falsa reclamação, pois Gab me virou de
costas para ele, me encostou na parede e começou a
beijar minha nuca enquanto subia a mão esquerda
até meu seio e a direita até minha calcinha. Senti
sua ereção encostar em mim e minha força de

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vontade de pará-lo morreu imediatamente.

— A gente nunca perde tempo, Costureira...


— ele sussurrou em meu ouvido antes de deslizar
seus dedos para dentro de minha calcinha. — Mas
eu posso voltar depois, se você quiser...

Fechei os olhos e um gemido escapou de


minha boca quando os dedos desceram e tentaram
entrar em mim.

— Gab, eu ainda não estou totalmente... —


comecei a explicar, mas ele me virou e me deu um
beijo tão intenso e longo, que me acendeu como
pisca-pisca de natal em concurso de casa decorada
em Rio das Ostras.

Ok, já estou pronta.

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Passei as mãos em seus ombros e comecei a


tirar seu terno enquanto sentia sua língua quente em
minha boca. Gabriel me segurou pelas mãos, me
impedindo, e me deitou na cama.

— Eu fico seminua e você de roupa? —


perguntei com um sorriso.

Gab tirou o terno e a gravata solta, se deitou


sobre mim e começou a beijar minha boca com
tanta vontade, que eu fiquei sem ar.

Em seguida, rolou para o lado e me puxou


para que ficasse de frente para ele. Passei meus
braços ao redor de seu pescoço e colei meu corpo
ao seu, passando o joelho por seu quadril e
voltando a beijá-lo. Sua mão apertou minha cintura

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quando eu mordi seu lábio. Meus dedos


encontraram seu pescoço, sentindo sua pele muito,
muito quente, e levei um susto, o que me fez parar
imediatamente de beijá-lo e levantar a cabeça para
mirá-lo. Seus olhos brilhavam de desejo, como se
aquilo fosse só um detalhe insignificante, mas não
era.

Gabriel estava ardendo.

Assustada, coloquei a mão em sua testa e vi


que ele estava com a pele muito quente, de um jeito
não natural. Seu pescoço, eu notei pela primeira
vez, estava avermelhado e suas bochechas tinham
um tom rosado não muito saudável.

— Gabriel! Você tá com febre! O que

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houve? — perguntei enquanto me sentava na cama,


deixando o segurança ao meu lado com cara de
derrota.

— É só um estado febril, Lena, nada


demais... — ele respondeu com a voz desanimada e
sentou-se ao meu lado na cama.

— Claro que não! Você tá pegando fogo!


Como eu não senti antes? Espera, vou procurar um
antitérmico... Ah, eu não trouxe na viagem... Ok, eu
vou buscar na farmácia aqui perto... — levantei da
cama e comecei a procurar pelas minhas coisas,
mas Gab me impediu segurando meu braço com
gentileza.

— Não precisa, Lena, de verdade. Eu só

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tomei sol demais de terno no estádio e bebi pouca


água. Hoje fez um sol fora do padrão na Espanha e
eu não me preparei, só isso. Eu moro em Londres,
esqueceu? — ele disse e me deu um sorriso
cansado.

— Ah, “só tomou sol de terno e não bebeu


água”? Meu amor, eu venho da capital nacional da
insolação, então não me venha com esse papinho de
“só tomei sol”. Espera, vou te dar um Gatorade,
você vai tomar agora e vai jurar que vai tomar
mais, tirar esse terno abafado do cacete e tomar um
banho frio se essa febre continuar assim, ouviu? —
ordenei enquanto pegava no frigobar a garrafa de
isotônico que comprara mais cedo.

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— Sim, senhora — ele disse meio


rabugento, mas pegou o Gatorade de minhas mãos
e fez o que eu mandei. — Por que você tem um
Gatorade no quarto? — perguntou antes de beber
metade da garrafa.

— Porque muitos homens com insolação


batem no meu quarto, e eu gosto de mantê-los
saudáveis e hidratados antes de retirar até a última
gota de líquido de seus corpos de noite — brinquei
de braços cruzados, tentando manter no rosto uma
expressão séria, mas falhando miseravelmente.

— Ah, então você também tem um ritual de


sacrifício para se manter jovem? — ele brincou
enquanto pegava seu terno e sua gravata no chão.

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Franzi as sobrancelhas por um momento e


logo dei uma risada alta quando compreendi sua
piada.

— Que bom que você admite que faz esses


rituais! — brinquei, mas logo fiquei séria de novo.
— Você tá bem para ir trabalhar? — perguntei,
preocupada, quando ele colocou os óculos e me
puxou para um beijo rápido.

— Sempre estou — respondeu com a voz e


o rosto sérios e me soltou, indo na direção da porta,
mas esquecendo a garrafa em cima da mesa.

— Segurança! — chamei e cruzei os braços


de novo.

Gab parou e me olhou, o cenho franzido

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mostrando sua confusão enquanto tentava entender


o motivo da mudança de tom em minha voz.

— Ou você leva essa garrafa e bebe até a


última gota, ou está proibido de pisar nesse quarto
— ameacei sem nenhum traço de humor no rosto.
— Falo sério, Gabriel, leva esse troço e bebe. E
compra um novo. Já é um absurdo você trabalhar
de terno até no inferno, se ficar achando que tem
pele de aço e corpo imortal, eu vou ter o maior
trabalho criando os looks da banda para o seu
funeral.

Gabriel estendeu a mão para pegar a garrafa


de Gatorade que eu oferecia e sorriu irônico, como
quem queria dizer “arram, que eu vou fazer isso

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tudo que você manda”, mas não disse nada antes de


sair do quarto.

— Gabriel...! — eu exclamei, mas ele


voltou até onde eu estava, me beijou
profundamente e me soltou em seguida, saindo para
o corredor e resmungando:

— Você fala muito, Costureira...

Não pude deixar de rir quando ouvi seu


comentário. Fechei a porta, pensando em como há
homens que, apesar de serem bem-sucedidos,
fortes, durões, ainda agem como crianças quando
são contrariados. Gabriel, aparentemente, não era
uma exceção à regra.

Não demorou nem duas horas para que eu

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recebesse uma mensagem do Segurança: “Sem


febre”. Sorri e respondi imediatamente:

“Muito bem, senhor Segurança. Terminou o


serviço?”

“Sim. Tá ocupada?”

“Não, esperando você”

“A caminho.”

Revirei os olhos ao ver a formalidade da


resposta. Esses tipos muito militares são tão
engraçados quando se metem com tecnologias!
Meu tio também era assim, todo formal na hora de
mandar mensagens.

Fechei minhas revistas e arrumei o quarto,


guardando o que estava fora do lugar. Estava

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verificando se tudo estava apresentável quando


Gabriel bateu à porta. Corri para atendê-lo e, mal
deixei ele entrar, já fui colocando a mão em seu
pescoço e sua testa.

— Ufa, que bom. Não tem febre mesmo.

— Achou que eu mentiria, Lena? — ele


perguntou com uma sobrancelha erguida enquanto
entrava no quarto e colocava seu copo de café na
mesinha de cabeceira.

— Não, não achei, mas você poderia não


estar sentindo mais o calor-barra-frio da febre.
Bonita a calça, Gab — comentei enquanto apontava
para calça saruel horrorosa que ele estava usando.
— Aliás, mentira, a calça é um terror, mas você

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fica bem com qualquer coisa que coloca no corpo,


né? Mundo injusto esse... Se eu coloco uma dessas,
fica parecendo que eu me caguei toda, ou que estou
de fraldas geriátricas...

Gabriel fechou os olhos e deu uma risada


gostosa antes de me puxar pelos ombros e me
abraçar.

— Tomou o Gatorade? — perguntei


enquanto abraçava sua cintura.

— Tomei, General — ele disse com um


sorriso irônico brincando nos lábios.

— Ah, não, você também? Já não basta


Diego e Sophia...

— Sophia também te chama assim? —

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perguntou, meio surpreso.

— Não, ela me chama de Ditadora mesmo.


Mas eu não faço por mal, eu só... me preocupo
demais com as coisas, sei lá — disse e o empurrei
na cama. — Nossa, que botas bonitas! Mas não
tirou na porta, né? Já disse que tem que tirar na
entrada, Segurança, eu gosto de sentar no chão,
sabia? E comer sentada no chão, ouvir música
deitada no chão... Essas coisas.

Gabriel apoiou os cotovelos nas coxas e


ficou me olhando enquanto eu desamarrava seus
sapatos e os jogava para trás. Ajoelhei na cama e
engatinhei até ele, beijando seu pescoço enquanto
me sentava em seu colo.

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— Sabe há quantos dias a gente não se


encontra? — perguntei, me levantando por um
segundo para tirar meu vestido e o jogar no chão do
quarto, e voltei a sentar em seu colo.

— Muitos, eu sei... — ele disse enquanto


olhava meu corpo, alisava minha cintura e olhava
meu rosto, os olhos brilhando.

— Desde a mansão.

— Eu sei, Costureira. Eu estava lá.

Sorri e me curvei sobre ele, beijando seus


lábios com gosto de café e deixando meu cabelo
cair sobre seu peito.

— Você tá muito vestido, levanta —


ordenei e ergui o corpo. Gab me obedeceu, e eu

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tirei sua camisa branca, passando a mão por suas


tatuagens e sentindo seus músculos definidos. —
Você é tão bonito, Segurança... Nem parece ter
cinquenta anos, tá bem conservado para alguém
que está prestes a entrar na terceira idade!

Rindo, Gabriel revirou os olhos, me agarrou


pela cintura e me fez deitar na cama.

— Você nem sabe minha idade,


Costureira... — disse enquanto beijava meu
pescoço e puxava minha coxa, me fazendo abraçá-
lo com as pernas.

— Sei que é uma idade bem numerosa e


escondida por muitos sacrifícios de groupies
virgens... E Viagra, creio eu... Ah! — soltei um

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gritinho e ri quando Gabriel me deu um tapa na


bunda e tentou me virar de bruços, mas eu não
deixei, forçando meu corpo contra o dele.

— Você um dia me disse que não tinha


filtro pós-sexo, né? Pós, pré e durante também,
Costureira. Anda, vira — ele mandou com um
sorriso irônico no rosto, e eu obedeci e me virei de
bruços, empinando e quadril e me apoiando nos
cotovelos.

Gab se levantou e me deu outro tapa sonoro


na bunda, arrepiando minha nuca.

Delícia.

Senti a pele arder e reclamei:

— Que mão pesada, Segurança....

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Ergui o braço e apaguei a luz do abajur,


deixando o quarto iluminado pela fraca luz do pôr
do sol, que pintava as paredes do quarto de laranja.

Ouvi Gab rasgando um pacote de camisinha


que eu deixara no aparador perto do banheiro e
ergui o corpo para tirar meu sutiã, ficando de
joelhos por uns segundos e voltando a ficar de
quatro, aguardando que ele se aproximasse.

— Posso me virar ou tenho que ficar assim


para sempre? — perguntei depois de uns instantes
de silêncio no quarto — O que você tá fazendo,
Segurança?

— Apreciando a vista — ele disse, me


fazendo rir.

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— Ah, é? Então tá. Eu começo sozinha, não


tem problema.

Ergui os quadris e tirei minha calcinha.


Deitei atravessada no comprimento da cama e
deixei a cabeça tombar um pouco para fora do
colchão, fazendo com que meus cabelos caíssem
soltos no chão do quarto. Abri os olhos e vi Gabriel
em pé, ainda de boxer, com o pacote de camisinha
rasgado na mão. Seus lábios estavam entreabertos e
sua respiração estava levemente ofegante quando
eu dobrei os joelhos e os separei, deslizando a mão
direita até o ponto preferido de minha anatomia.

Circulei meus dedos pelo meu ponto mais


sensível e espalhei minha umidade por toda a área.

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Fechei os olhos enquanto sentia o prazer se


espalhando pelo meu ventre e inspirei
profundamente quando desci mais a mão e
introduzi os dedos, sorrindo ao ouvir o barulho
molhado familiar.

Fiquei um tempo me curtindo, até sentir que


estava perto de terminar e parei, levando os dedos à
boca enquanto abria os olhos e via Gabriel sentado
na poltrona, os cotovelos apoiados nos joelhos
enquanto me olhava, sério.

— Quer tirar uma foto, Gab? Vai durar mais


— disse com um sorriso preguiçoso enquanto
chupava meus dedos e sentia meu gosto neles.

— Quero. Quero muito — respondeu e me

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deu um sorriso de canto de boca.

Ainda sorrindo, apontei para a câmera em


cima da mesa de cabeceira e pedi para Gabriel:

— Pega a câmera, Gab. Vou te ensinar o


que é um plano zenital.

Gabriel hesitou um momento, mas se


levantou e fez o que eu havia pedido, se
certificando que a câmera estava no modo avião.
Fiquei satisfeita com sua preocupação. A última
coisa que eu queria era que a câmera se conectasse
na internet e postasse no meu Instagram (ou pior:
no da Wings) as fotos que eu estava prestes a tirar.
Seria a primeira foto explícita que tiraríamos,
então... Até aquele momento, todas eram sensuais,

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não descaradas.

Sentei na cama com o corpo ereto, virando


minhas pernas na direção de Gabriel e encostando a
ponta dos dedos no chão, os joelhos juntos.

Sem dizer nada, abri as pernas bem devagar


e voltei a deitar o corpo na cama, apoiando os pés
na beirada da cama. Voltei a introduzir um dedo,
depois outro e estava prestes a colocar um terceiro,
quando Gabriel se levantou, tirou uma única foto de
mim, sem mostrar meu rosto, pelo que pude ver na
revelação que Gab tinha em mãos. Com
movimentos rápidos, ele deixou a câmera na mesa
de cabeceira, junto da fotinho, voltou para perto de
mim, me puxando pelo braço e me fazendo deitar

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sobre ele.

Ajeitei o corpo por cima de seu quadril e me


sentei nele lentamente, sentindo sua ereção entrar
em mim centímetro a centímetro. Joguei minha
cabeça para trás quando ele me preencheu por
completo e inclinei o corpo para trás, colocando
minhas mãos em suas coxas.

Com a respiração ofegante, voltei o corpo


para frente e comecei a me mexer para frente e para
trás, sentindo meus músculos internos se
contraírem a cada movimento.

Abri os olhos depois de uns instantes e vi


Gabriel me olhando, iluminado por uma luz fraca
que vinha de um poste do lado de fora do hotel,

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quebrando a repentina escuridão em que o quarto se


encontrava após o pôr do sol.

Inclinei o tronco sobre ele e o beijei,


segurando seu rosto entre as minhas mãos e
passando minha língua em seus lábios entreabertos.
Gab dobrou os joelhos e colocou as mãos na minha
bunda enquanto eu me movimentava e tentava não
gemer contra seus lábios.

Meus quadris tomaram vida própria e se


movimentaram cada vez mais rápido, me fazendo
suar enquanto me aproximava cada vez mais do
final. Gabriel esticou as pernas e ergueu o corpo,
me fazendo erguer o meu junto e me beijando
enquanto se apoiava com um braço no colchão.

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Olhei para sua boca aberta e senti sua


respiração em meu rosto e seu braço em minha
cintura. Sorri e passei meus braços ao redor de seu
pescoço, voltando a me movimentar em seu colo.
Beijei sua boca e cavalguei até sentir minhas coxas
arderem, mas não liguei a mínima. Logo cheguei
onde queria e arranhei as costas de Gabriel com
força.

Em seguida, o empurrei e me deitei por


cima, ainda com ele dentro de mim. Minha
respiração estava descontrolada, mas a dele estava
contida, só um pouco ofegante.

— Quer uma bombinha de asma,


Costureira? — ele disse enquanto me virava de

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costas na cama e beijava meu pescoço.

Ah, desgraçado!

— Quero, pega uma e engole, idiota —


respondi rindo enquanto o acomodava entre minhas
pernas e voltava a arranhar suas costas com mais
força do que antes.

Gab soltou um gemido rasgado de dor e


disse:

— Mão pesada, Costureira... Você não tinha


cortado as unhas?

— Sempre sobra algo para isso, Segurança


— disse antes de beijá-lo, já querendo mais de
Gabriel.

Creio que passamos umas duas horas

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provocando um ao outro e parando por tempo


suficiente para respirar e repor líquidos, voltando
em seguida para a diversão.

Quando finalmente nos demos por


satisfeitos, eu enterrei a cabeça no travesseiro,
exausta demais para falar qualquer coisa, e
adormeci quase imediatamente. Fui acordada por
Gabriel, que deixou o celular cair no chão sem
querer.

— Segurança...? — perguntei, tentando


acostumar meus olhos à escuridão.

Gabriel foi até a cama e me deu um beijo na


boca. Vi que ele estava vestido quando acendi o
abajur e perguntei ao vê-lo ir até a porta:

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— Vai embora?

— Vou... Por quê? — ele perguntou,


incerto. Sorri ao ver a confusão em seu rosto e
apontei para o frigobar antes de me deitar e dormir
de novo:

— Leva um Gatorade...

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Paris
— Ah, tá de sacanagem comigo! — eu
gritei quando desci minha calcinha para fazer xixi,
logo ao acordar. — Com tantos momentos para
você aparecer, você me aparece em Paris, cara?
Que dia é hoje, pelo amor de Deus? Uma semana
adiantada?

Revirei os olhos puta da vida e fui para o


banheiro, possessa de ter ficado menstruada na
França. Eu tinha planos tão bons para botar em
prática... Balancei a cabeça e resolvi que não faria a
louca pirada-tarada, para variar. Estava em Paris,
pelo amor de Deus! Há muitas coisas a serem feitas
nessa cidade além de sexo!
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Tomei um banho, coloquei uma calça de


malha estampada, uma blusa preta de minha
autoria, fiz uma escova no cabelo e saí do quarto
pronta para convidar Gabriel para um passeio pela
cidade incrível que brilhava lá fora! Transar não
rolava, mas dar uma volta, por que não?

Bati na porta do quarto do segurança e sorri


quando ele abriu vestindo seu pijama xadrez e
camisa branca de sempre.

— Segurança, tô com o dia de folga! — eu


exclamei.

— Eu sei, Costureira — ele respondeu com


um sorriso no rosto.

— Eu quero conhecer Paris, quer ir

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comigo? — perguntei, animada, apesar de meu


útero ter estragado as possibilidades sexuais do dia
de folga.

Gabriel pareceu hesitar por um momento, e


eu imediatamente me arrependi de ter feito o
convite. Será que me precipitei e forcei uma
intimidade que ainda não existia?

Ai, droga, o que eu faço agora? Odeio esses


climões!

Por sorte, meu celular tocou, me tirando do


leve embaraço causado pela hesitação do
segurança. Olhei a tela e vi que era Betty, então
atendi com minha saudação profissional de sempre.

— Lena.

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— Ei, garota, tá ocupada? Quer dar uma


volta comigo e Erika? Tony não acordou ainda,
mas nós duas bastamos, não bastamos?

Olhei para Gabriel e contive um suspiro de


alívio. Salva pelo gongo!

— Claro que sim! Que horas?

— Agora! Se arruma, já estamos no saguão


do hotel te esperando!

— Ok! Já estou arrumada, vou descer já!

— Venha!

Desliguei o telefone e disse para Gabriel,


que tinha no rosto uma expressão confusa:

— Precisa mais não, Gabriel, vou sair com


Betterika!

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— Hein? Vai sair com quem?

— Betterika! Betty e Erika! Te vejo


amanhã, tchau! — disse e soprei um beijo antes de
correr pelo corredor do andar até chegar no
elevador.

Suspirei quando Gab saiu do meu campo de


visão e me recriminei em pensamento.

É, Lena, pega leve na animação. Vocês são


colegas de trabalho, não namorados, não dá para
achar que ele sempre vai querer tua companhia,
assim como você nem sempre vai querer a dele.
Burra.

Cheguei no saguão e fui recebida pela


vocalista e sua segurança, que sorriram ao me ver.

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Pegamos um táxi na porta do hotel e fomos


desbravar as belíssimas ruas de Paris, começando
pelo Louvre. Clássico passeio de turista, claro.

Tirei um monte de fotos e fui guardando


todas as revelações em um caderno que comprei
exatamente para essa função: não me deixar perdê-
las. Selecionei uma delas e postei no Instagram,
como prometido, já imaginando a reação de Sophia
ao me ver de calça saruel. Era provável que minha
sócia me deserdasse.

De lá, fomos para a Torre Eiffel, o que, por


incrível que pareça, não foi exatamente
emocionante para mim. Convenhamos, depois de
anos morando no Rio de Janeiro, a gente passa a

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não achar tanta graça de certas vistas. Paris era


belíssima, claro, mas nada se compara à vista do
Corcovado. Que os franceses me perdoem, mas um
fato é um fato.

Erika e Betty, no entanto, estavam


apaixonadas por tudo. Quase não conversamos
durante o passeio, de tão fascinadas que elas
estavam, o que foi muito divertido de ver, ainda
mais porque não era a primeira vez das duas, que
moravam na Europa desde sempre.

Quando finalmente voltamos para terra


firme, meu celular vibrou por uma mensagem de
So-so:

“Lena, aquela blogueira amiga minha tá aí

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e disse que tá rolando tipo um yard sale de roupas


perto da Torre Eiffel. Vou te mandar o endereço,
caso você passe pela torre algum dia desses,
beleza? Compre algo para mim!”

Não acreditei na minha sorte. Um brechó ao


ar livre perto de onde eu estava!

Agradeci à Sophia pela dica e esbocei meu


pedido para Betty e Erika:

— Meninas, por favor, eu nunca pedi nada


para vocês!

Betty parou de fotografar a torre — coisa


que ela estava fazendo sem parar há um bom tempo
— e me perguntou o que era enquanto guardava o
celular na bolsa, mas o pegou logo em seguida para

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tirar mais uma última foto.

— Desculpa, é lindo demais. Já vim aqui


mil vezes, mas nunca acostumo. Pode falar,
Leninha.

— Tem uma rua aqui perto que tá rolando


um brechó desses de rua, possivelmente ilegal,
possivelmente cheio de roupas maravilhosas que eu
vou passar a viagem inteira consertando e
transformando em obras de arte, por favor, vamos
lá, por favor! — disparei a falar.

Betty riu do meu desespero e concordou.


Erika, por outro lado, precisou se conter para não
revirar os olhos, e isso foi óbvio.

— Ah, Erika, por favor, se anima! Eu

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aguentei fotografar vocês na torre cem vezes sem


reclamar, vai!

— Não estou reclamando, Lena, só não sou


totalmente fã dessas coisas de roupas... — ela se
explicou e me deu um sorriso desanimado.

— Mas é rápido, prometo! Olha, é numa rua


pertinho daqui, numa rua chamada Massenet... Ou
algo assim. Vamos?

Erika ergueu os ombros e concordou, mas


não senti muita animação da parte dela. Isso tinha
me deixado meio chateada, queria que todo mundo
se divertisse comigo, por isso fiquei pensando em
um ponto em comum para conversar com Erika,
quando me lembrei de uma fofoca que Tony havia

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me contado um dia.

Gab e Erika já tiveram um casinho breve no


passado!

Apressei o passo para ultrapassar a guarda-


costas de Betty e parei na frente dela, segurando
suas mãos nas minhas antes.

— Se a gente for falando mal do Gabriel


daqui até lá, você se anima?

A expressão de Erika foi impagável:


primeiro ela não entendeu, depois ficou surpresa e
por fim, caiu na risada.

— Oba, se anima? Então tá! Eu sei poucos


podres dele, mas posso revelar todos, não me
importo. Ah, antes que você me pergunte como eu

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sei que isso poderia te animar, Antônia me contou


que vocês já tentaram se matar uma vez —
respondi tranquilamente e indiquei o caminho para
o yard sale, checando no meu celular.

— Tentamos nos matar! Betty, foi assim


que você resumiu meu relacionamento com Gabriel
para a Antônia? Sim, porque isso não é informação
de domínio público, então você provavelmente
contou para a ruiva, certo? — ela perguntou, entre
ultrajada e divertida.

Betty deu de ombros resignada.

— Achei que fazia sentido, vocês viviam


discutindo.

No final das contas, Erika acabou falando

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mais do que eu. Contou das brigas que eles tinham


quando começaram a trabalhar juntos, de como o
vício de Gab em café a incomodava, já que ela
tinha quase nojo do líquido divino e de como eles
passavam mais tempo competindo do que saindo
juntos.

Cá entre nós, eu estava tão feliz por ir para


o brechó, que nem liguei de ouvir as heresias dela
sobre café. Por mim, ela podia passar o dia falando
sobre o que quisesse. Eu estava literalmente no
paraíso, se Erika quisesse falar sobre a cotação do
dólar, eu ouviria feliz da vida.

***

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Assim que chegamos no local indicado por


Sophia, não pude conter um suspiro de prazer. A
casa onde estava acontecendo o brechó era linda,
com uma arquitetura clássica, mas nada me deixou
mais animada do que as prateleiras com um monte
de roupas vintage, todas por um preço delicioso:
um euro cada.

— Olha, Erika, isso ia ficar lindo em você!


— eu disse e estendi uma blusa cor de pérola com
um corte elegante.

Erika olhou para a peça, entortou a cabeça


para o lado, depois os lábios e comentou:

— Mas é maior do que meu tamanho,

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Helena...

— Lena, já disse para me chamar de Lena


— eu corrigi. — Esqueceu que eu sou costureira?
Vou levar. Se você não gostar depois que eu
acertar, eu posso sempre doar para um brechó
beneficente.

Erika piscou algumas vezes, mas acabou


sorrindo para mim.

— Ai, Erika, não olha para mim assim, eu


não sei lidar com gente que passou na fila da beleza
mil vezes que nem você — eu brinquei, marota, e
mandei um beijinho para ela enquanto me enfiava
atrás de outra arara.

Ouvi a risada de Betty e sorri enquanto

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pegava uns sete cabides de uma vez.

— Betty, me ajuda aqui! Segura para mim!


— entreguei os cabides e comecei a analisar as
peças — Erika, segura essas.

As duas se olharam e balançaram a cabeça


para os lados quando eu pegava as peças
descartadas, devolvia para as araras e trazia mais
cabides. Pareciam estar achando graça de mim.

— Desculpa, meninas, eu já vou parar,


prometo. Mas vocês viram a plaquinha? Um euro
cada peça!

— Não, querida, fica à vontade. A gente


não se incomoda de servir de Gabriel para você.

Parei de checar as costuras de um vestido

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amarelo lindo e olhei para Betty.

— Servir de Gabriel? Como assim?

Erika soltou uma risadinha e explicou:

— Ah, essa coisa de servir de namorado de


Lena. Você tem a maior cara de quem faz isso com
seus namorados, não faz? Isso de usar de cabideiro.

Confusa, pisquei algumas vezes antes de


responder.

— Olha, eu até fazia isso com a Sophia, que


foi minha namorada por um tempo, mas era mais
por ela também ser costureira do que por ser minha
namorada... Mas, vem cá — chamei e coloquei as
mãos na cintura, o cenho franzido. — De onde
vocês tiraram que eu e Gabriel somos namorados?

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Betty riu tanto da minha birra, que deixou


cair uns três cabides. Erika só revirou os olhos e
sorriu.

— Ah, não são? Mais de um mês de turnê,


uns três dias de folga por cidade, e vocês nunca
saem do quarto se não forem juntos ou
acompanhados de outras pessoas da banda, como o
Pierre ou a Tony. Não vi Gabriel fugir do hotel em
nenhuma noite desde que a turnê começou, e é algo
que ele sempre fazia. Se enfiar num bar qualquer e
sair com alguém aleatório só por uma noite.

Estava arrumando em cima de uma mesinha


as peças que eu escolhi, quando empaquei ao ouvir
aquilo. Erika e Gabriel eram amigos nesse nível?

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Como ela sabia que ele só saía comigo? Aliás, ele


só saía comigo?

Parei por um instante e refleti sobre nossos


horários de trabalho. Ele havia me passado todos os
dele, e eu estava enfiada em seu quarto ou ele no
meu na maior parte dos momentos de folga. Salvo
uma vez ou outra em que eu saía com Antônia ou
Pierre rapidamente para comer alguma besteira ou
comprar presentinhos de turista para meus amigos
no Brasil, nós dois estávamos sempre... juntos.

É, faz sentido ele não sair com mais


ninguém, eu não dou tempo para ele! Mas como
Erika sabe disso com tanta certeza?

Betty pareceu ler minha mente e explicou:

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— É que os dois não tiveram só um


casinho, como a Erika gosta de dizer. Eles
namoraram sério, e agora são amigos, por isso ela
sabe tanto sobre ele. Igual a você e aquele rapaz
bonito, como se chama?

— Roberto...? — eu perguntei,
impressionada. Não fazia ideia de que eles dois já
tinham se envolvido assim. Achei que fosse tipo o
que eu tinha com o Segurança, algo casual.

— Roberto...? Ah, o seu ex que a Tony


odeia? Não, não, o outro, de dreads, o que tá casado
e grávido agora, o que a Tony adora! O que parece
um dos Power Rangers vermelhos!

— Ah, o Joe! Eita, vocês se envolveram

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igual a mim e ao Joe? Uau! Que belo


envolvimento! — eu exclamei antes de voltar para
as araras. Fui seguida pelas duas, que iam
segurando as peças que eu selecionava.

— Sim, ficamos juntos por um tempo...


Mas não deu certo porque nós...

— Ah, lembrei de uma coisa! — eu


interrompi e me aproximei de Erika, a agarrando
pelo lindo terninho que ela usava — O sexo oral
era maravilhoso com você também? Porque eu não
sei lidar muito bem com aquela língua dele, parece
que tem vida própria e um cérebro, de tão
inteligente!

Eu praticamente gritei minha dúvida,

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fazendo com que algumas pessoas me olhassem.

Por sorte, eu falei em português, então


ninguém entendeu. Nem mesmo Erika, então Betty
precisou traduzir para ela. Levei a mão à boca e
tentei não sorrir enquanto sentia as bochechas
pegando fogo. Betty caiu na gargalhada, e Erika me
olhou, um tanto quanto... chocada.

— Ahn... Não, você tem razão, é um dom


que ele tem... Escuta, você... — ela tentou falar,
mas eu a interrompi de novo e peguei em seus
braços, toda animada.

— Eu sabia! Por um momento, achei que o


lance era só comigo, tipo sorte, mas não podia ser!
Betty, você precisa experimentar um dia! É de

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enlouquecer! — me voltei para Erika, pronta para


perguntar alguma outra coisa irrelevante sobre
Gabriel, mas acabei me distraindo quando peguei
em seus braços definidos. — Nossa, Erika, você é
muito gostosa, olha esses braços...! Não quer
brincar comigo e com Gabriel não?

Soltei Erika para poder rir de sua expressão


atônita.

— Leninha, Aline sabe que você já teve


namorada? Ela foge de meninas bissexuais, pois
tem medo de se descobrir uma. Eu sou fanchona,
então não ofereço risco, segundo a lógica esquisita
dela... — Betty disse enquanto olhava um vestido
de gatinho pendurado num cabide.

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— Ah, jura? Adorei, vou pentelhar ela com


isso! — eu exclamei antes de voltar a me enfiar em
outra arara.

— Mas, vem cá, vocês dois realmente não


saem com mais ninguém? Gab eu já sei a resposta,
mas e você? Naquela vez que saiu sozinha na
Espanha, não encontrou nenhum gato de sangue
quente não? — Betty perguntou para mim depois
de um tempinho de silêncio.

Dei de ombros enquanto checava uma caixa


cheia de acessórios.

— Não, nem procurei. Eu não senti vontade


de pegar ninguém ainda. Fora a Erika, claro —
brinquei e dei um sorriso para ela, que cruzou os

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braços e me deu um meio sorriso em resposta.

— Mas e se ele ficar com alguém durante a


turnê, Lena? — Betty me perguntou enquanto me
avaliava.

— Bom para ele, ué. Contanto que se


proteja, ele pode fazer o que quiser. É adulto,
solteiro e vacinado, tá no direito dele.

Desviei a atenção de um par de sapatos de


salto e olhei para Betty, dando meu melhor sorriso
para a vocalista da Sissy Walker.

— Lena, você não tem um nadinha de


ciúmes? É ciúme zero, né? Impressionante...

Sorri e juntei o indicador e o polegar,


fazendo o número com os dedos.

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— Zeríssimo. Não ligo para isso. Se eu


quiser transar com alguém, o que é bem provável,
dado a quantidade de pessoas que vamos encontrar,
eu vou transar. Espero que ele faça o mesmo. Não
vejo um anel na minha mão esquerda ou na dele —
terminei de olhar tudo e me dei por satisfeita. —
Bom, acho que é isso, meninas! Vou ali chorar um
desconto, já que estou levando... Um, dois, três,
quatro... Vinte e dois... Enfim, um monte de
roupas!

Peguei a montanha de peças e acessórios


das mãos de Betty e levei para uma senhorinha
simpática que estava sentada num banquinho em
frente a uma mesinha com caixa de sapatos cheia
de moedas e notas em cima. Vi um cartaz
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pendurado na mesinha e tentei traduzi-lo, mas não


consegui, então saquei meu celular e joguei as
palavras o Google Tradutor, ficando impressionada
ao ver que era um brechó beneficente. Não poderia
pedir desconto, seria cruel!

Coloquei as roupas no chão e me sentei ao


lado dela para guardar tudo nas sacolas de lona que
o brechó oferecia. A velhinha me olhou
impressionada quando me viu sentar no chão, mas
não disse nada.

Também, se ela dissesse, não ia entender


nada, não falo francês nem se for para pedir
socorro.

Em cinco minutos, tudo estava devidamente

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guardado. Fiz as contas mentalmente de quanto


tudo daria mais o valor das sacolas de lona e tirei
uma nota de cinquenta euros, entregando para a
senhorinha, que sorriu e fez menção de pegar meu
troco. Coloquei a mão em seu braço e balancei a
cabeça negando. Ela me deu um sorriso amistoso e
agradeceu com um aceno de cabeça.

Peguei as duas sacolas e fui até Betty e


Erika, que me aguardavam perto do meio-fio.

— E aí, Betterika, vamos? — disse


sorrindo, e as duas balançaram a cabeça
concordando.

— Quer que eu leve uma, Lena? — Erika


perguntou, e eu agradeci e entreguei uma das

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sacolas para ela.

— O que vamos fazer agora? — Betty


perguntou enquanto olhava seu relógio de pulso —
Querem tomar alguma coi...?

— Quero!! Café!! Nossa, quero muito!


Deixa eu procurar uma cafeteria... Ah! Espera!
Estamos perto do Café des Deux Moulins! Vamos
lá? Minha irmã vai parir outra criança quando
souber, ela adora aquele filme... Como se chama?
Amélie Poulain, né? Enfim, eu não ligo a mínima,
só quero ver se o café de lá é bom.

Erika me olhou de canto de olho e sorriu


para Betty.

— Que foi? — eu perguntei, não

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entendendo bem aquela troca de olhares.

— Esse seu vício em café... Você e Gabriel


são tão... — Betty começou a explicar, mas eu a
interrompi risonha:

— Profissionais? Competentes? Sensuais?

As duas riram de mim, e eu entrei na


brincadeira:

— Já sei, meninas, já sei. Eu e Gabriel


somos perfeitos um para o outro, devemos casar e
ter sete filhos e ir morar numa casa com cerquinha
branca, ter dois cachorros e uma van. Podemos
tomar o café agora?

Rumamos juntas para a cafeteria, mas não


conseguimos entrar. Estava muito cheio, devido ao

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sucesso do filme francês. Decidimos pegar um táxi


e ir para outro lugar não tão próximo, recomendado
por Erika, um café muito maravilhoso Les-Alguma-
Coisa. Entramos, fizemos nossos pedidos e nos
sentamos nas cadeiras em uma mesinha na parte
externa do local.

— Ah, Senhor... Que coisa mais... divina —


eu gemi de prazer quando bebi um gole imenso de
expresso. — Hm, Erika, agora que eu lembrei!
Você ia falar alguma coisa mais cedo, no brechó,
mas eu te interrompi, desculpa. O que era?

Erika tomou seu suco esquisito, que mais


parecia um refresco de musgo, e me olhou em
dúvida.

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— Não lembro, que horas?

— Ah, Erika, acho que você ia explicar para


Lena por que você e o Gabriel terminaram — Betty
disse entre uma mordida de seu croissant e outra.

— Ah, era isso? Ah, não precisa, imagina!


— eu disse e fiz um gesto com a mão, dispensando
o assunto. Imagina se eu ia querer saber algo que
não era da minha conta.

Betty sorriu e olhou para Erika, que parecia


um pouco abismada. Coloquei minha xícara no
pires e disse para ela:

— Ah, não me leva a mal, não é grosseria.


É que eu realmente não me importo. Se você está
ok com a minha presença e vocês dois estão

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tranquilos um com o outro, tá tudo tinindo de


perfeito. Sério. Mas, se você quer me contar, eu sou
toda ouvidos. Me diz, você achou um homem mais
gostoso que o Segurança? Me passa o telefone dele,
quando se cansar?

Erika piscou algumas vezes e começou a rir.

— Você é uma figura, Lena. Não, eu ia


dizer que nós dois terminamos porque é difícil
misturar trabalho e romance. A gente acabava não
relaxando um com o outro, então a coisa esfriou e a
gente parou de se ver. Ocasionalmente, nós saíamos
juntos, mas eu conheci um cara, comecei a sair com
ele, então Gabriel se afastou, e tudo ficou por isso
mesmo.

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Olhei para ela, impressionada. O mesmo


acontecera, de certo modo, comigo e Sophia
quando ela voltou para a Wings. Nós até pensamos
em ter algo casual, mas vimos que não daria certo,
e So-So começou a namorar a assistente, Pâmela,
logo em seguida. Comentei isso com Erika, que
sorriu e disse:

— Sortuda é a Betty, que agora trabalha


com a namorada e dá tudo certo.

Betty corou e nos corrigiu:

— Ah, mas não somos namoradas... Temos


uma amizade com... benefícios.

Tanto eu quanto a guarda-costas de Betty


erguemos uma sobrancelha. A vocalista e a baixista

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da Sissy Walker nunca admitiam que eram loucas


uma pela outra, ficavam sempre nesse papo besta
de “amizade colorida”. Vira e mexe Betty me
chamava de cunhada, as duas viviam agarradas nos
cantos, se beijavam nos shows, mas, mesmo assim,
afirmavam serem somente amigas.

— Arram, a gente finge que acredita —


comentei antes de morder um pedaço da minha
colher de chocolate.

Erika deu uma risada e corrigiu:

— Lena, essa colher é para misturar o café,


não para comer...

Parei de chupar o restante da colher e


expliquei:

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— Não, vai deixar o café doce demais! Não


aguento café muito doce, tira o sabor todinho.
Mascara o blend, fica uma porcaria.

Observei a expressão de Erika ir de


impressionada para pensativa e terminar em
contente, mas não entendi de imediato o motivo e
achei melhor não perguntar. Provavelmente alguma
teoria sobre mim e sobre Gabriel, era óbvio.

Virei o corpo na direção de Betty e


perguntei sobre coisas triviais, trazendo Erika para
a conversa, tentando tirar o segurança do assunto.
Poucos minutos depois, nós três engatamos nas
mais variadas conversas sobre os homens da banda,
ex-namorados (e namorada, no meu caso), as

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parcerias possíveis da Wings com a Sissy Walker e


outra infinidade de assuntos.

Aquela tarde foi, sem sombra de dúvidas, o


melhor dia de folga sem Gabriel que eu tive em
quatro semanas de turnê, e me peguei jurando que
arrastaria Erika e Betty (e Tony dorminhoca) para
pelo menos um passeio por cidade enquanto a turnê
durasse.

Eram companhias maravilhosas demais para


eu desperdiçar lendo a Vogue no meu quarto fora
do horário de trabalho.

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Presentinhos
Erika, Betty e eu retornamos ao hotel quase
no fim do dia, cheias de sacolas de compras de um
monte de lugares além do brechó. A segurança,
apesar de dizer que não gostava de passeios de
moda, acabou comprando um monte de roupas.
Betty também se empolgou e voltou cheia de peças
novas.

Eu, entretanto, não comprei muita coisa


além do que havia escolhido no brechó de garagem.
Precisei comprar os infames chaveirinhos de Torre
Eiffel, pois, segundo Anastácia, advogada da
Wings, “se eu não levasse os chaveiros, não
poderia nunca dizer que fui uma turista completa”.
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Mas, fora eles, comprei apenas uma linda prensa


francesa e copos térmicos.

Assim que cheguei no quarto, arrumei tudo


e fui tomar um banho. Uma hora depois, alguém
bateu na minha porta. Era Gabriel, que abriu um
sorriso ao me ver usando a roupa que sempre fazia
par com a dele: camisa branca e calça de pijama
xadrez.

— Ocupada, Costureira?

— Não, mas menstruada. Pardon... — disse


e dei um sorriso desanimado.

Gab fez uma careta de tristeza, mas entrou


no quatro assim mesmo.

— Tira o sapato na entrada — eu mandei e

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fui para a cama terminar de arrumar as peças


compradas no brechó.

— Fizeram compras? — ele disse, olhando


o monte de roupas dobradas e empilhadas na mesa
de cabeceira do quarto.

— Sim! Tinha um brechó de rua cheio de


coisas lindas, pertinho de onde estávamos. Olha,
essa blusa não é a cara da Erika?

— Não entendo nada de roupas, mas... Não


tá meio grande não?

Revirei os olhos e dobrei a blusa de volta,


indo guardar a pilha de compras.

— Erika disse a mesma coisa, vocês


esquecem que eu sou costureira, é? Enfim, quer

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café? Comprei um copo térmico e pedi para um


garçom do restaurante encher até a boca. Acabei
não tomando tudo...

— Sem açúcar? — ele perguntou, sorrindo.

Fui pegar o copo com dupla vedação e todas


as frescuras que me custaram bem caro, mas que
estavam valendo cada centavo.

— Óbvio. Toma — estendi o café para ele,


que pegou e avaliou o copo, sentando-se na minha
cama, na beiradinha, quase de modo respeitoso.

— Bonito copo. É térmico mesmo?

— Sim! Não é incrível? A tampa é de


rosquear, não pinga nenhuma gota, olha — disse e
virei o copo de cabeça para baixo em cima dele,

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rindo ao ver sua expressão chocada. — Teste de


confiança, hein, Segurança? Toma, é só apertar
aqui e ele abre.

Voltei a guardar as roupas enquanto olhava


Gabriel beber o café e voltar a analisar o copo.

— Gostou, Gab?

Ele me olhou e deu um pequeno sorriso


antes de responder:

— Sim, bastante. Achei prático. Onde você


comprou? Acho que vou comprar um para mim...

Soltei o ar pelo nariz rapidamente, numa


risada contida, peguei minha bolsa do chão, tirando
uma caixa de papelão colorido com o desenho do
copo estampado.

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— Imaginei que você ia querer, comprei


dois. Quer preto ou azul?

Gab ergueu as sobrancelhas e me olhou com


uma certa surpresa no rosto.

— Bom, não vai escolher, então eu fico


com o preto. Já usei mesmo — disse e joguei a
caixa para ele, que pegou no ar e me olhou de novo.

— Ah... Obrigado.

— Nah, não precisa agradecer. Foi ideia da


Erika, eu pensei que você poderia gostar, mas não
quis trazer porque não queria que você pensasse
que... Enfim, ela disse que você não ia pensar
besteiras sobre meu presente. Como ela é sua ex,
confiei nela.

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Gab engasgou de leve com o café que bebia,


me fazendo rir dele.

— Ai, gente, homem é uma coisa muito


engraçada, né? Não precisa ficar chocado, Gabriel,
ela só me contou sobre vocês, não marcou um
encontro a três... Bem certo que eu tentei, mas ela é
hétero, né? — eu disse tranquilamente, tentando
conter meu cabelo em uma trança.

Gabriel abriu a boca para responder, mas


acabou desistindo no meio do caminho.

Homens...

— Vou te falar um negócio, eu adoro meu


cabelo do jeito que está, grande e cacheado, mas tá
me dando um trabalho do capeta na viagem, viu?

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Ele tá meio rebelde por causa das mudanças de


clima e tá perdendo a forma... — eu comentei
enquanto tentava dar volume aos meus cachos.

— Seu cabelo tá lindo, Lena, não vejo


diferença nenhuma — Gabriel disse antes de beber
o resto do café, parecendo aliviado com a mudança
de assunto.

— Ah, você diz isso porque quer entrar no


meu sutiã, Segurança. Mas ele realmente tá me
dando trabalho, estou pensando seriamente em
fazer algo... — comentei, pensativa, e fui ao
banheiro escovar os dentes.

Quando voltei, Gabriel estava em pé,


olhando a caixa do copo térmico que comprei para

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ele, como se buscasse alguma informação.

— Que foi? Prefere a outra cor? —


perguntei enquanto me espreguiçava. O dia de
turista tinha me deixado cansada.

— Não, tanto faz. Estava procurando


alguma etiqueta de preço.

Estava alongando os braços quando ouvi ele


dizer aquilo, mas parei o que estava fazendo e logo
levei as mãos à cintura.

— E posso saber o motivo, Segurança?

Gabriel me olhou, meio distraído, e


respondeu:

— Não, por nada, só queria te dar o valor...

— Ué, por quê? Não falei que era presente?

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— Mas, Lena, eu...

— Você o quê? Consegue imaginar quanto


eu estou recebendo para estar aqui? — perguntei
com a voz mais calma que consegui.

— Oi? Sim, consigo... — respondeu com as


sobrancelhas franzidas, tentando entender onde eu
queria chegar com aquilo.

— Já viu a quantas anda a Wings?

— Eu... — Gab tentou dizer, mas eu o


interrompi:

— Anda muito bem, senhor Gabriel. Muito


bem mesmo. Eu tenho dinheiro, Segurança, mais
do que eu posso ou quero gastar. Não quero soar
grosseira, mas eu preciso que você entenda uma

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coisa: não há necessidade de me reembolsar de


nada, nunca. Entendeu?

Cruzei os braços e aguardei a resposta de


Gabriel, que me olhava com curiosidade e um
pequeno sorriso no rosto.

— Sim, Costureira. Desculpa, eu não quis


insinuar alguma coisa...

— Eu sei que não quis, mas é bom deixar


tudo bem claro. Se você não quer ganhar presentes,
então diz logo, porque eu adoro presentear todo
mundo. Não quer? — perguntei e me aproximei
dele, o puxando pela camisa.

— Quero, fique à vontade para me dar


qualquer coisa, não vou reclamar — respondeu

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enquanto me abraçava pela cintura e beijava o


canto da minha boca.

— Que bom, era o que eu pretendia,


comprar um monte de apetrechos de café! É raro
ver alguém que goste de cafeína como você, então
eu nunca pude comprar presentes sobre o tema,
sabe? — respondi, animada.

— Sei, eu entendo você. Sou o único


viciado em café na banda, fico sempre sozinho nas
buscas pelo grão ideal...

Quando Gabriel disse isso, eu estava prestes


a beijá-lo, mas interrompi o ato para exclamar,
mais contente ainda:

— Eu também, Gab! Poxa, que bom, vamos

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encher nossa cara de café nesses onze meses que


faltam! Ah, eu comprei uma prensa francesa linda,
quer ver?

Gabriel fechou os olhos e me deu seu


sorriso derrotado de quando eu interrompia
qualquer coisa relacionada a sexo, mas não
reclamou quando eu me afastei e fui buscar minha
nova cafeteira.

No final, acabei descendo para pedir água


quente no restaurante do hotel, fiz café no quarto,
na prensa, e passamos várias horas conversando
sobre calças de gosto duvidoso, fotografias com
poses esquisitas e nosso segundo vício preferido.

O primeiro, nós nem comentamos. Afinal,

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meu útero resolveu estragar meus planos em Paris,


então era bom que a gente não se provocasse tanto.

De qualquer maneira, o próximo país era a


Suíça, local de vários shooting ranges formidáveis,
onde eu mostraria ao Segurança que não era
somente ele que sabia pegar numa arma.

Meus instintos diziam que muitos sexos


maravilhosos seriam feitos naquele país depois
disso.

Amém.

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Zurique
Os shows no estádio em Zurique foram
maravilhosos. O público estava exultante, a banda
animada e tudo correu perfeitamente bem com os
figurinos. Pierre arrasou nos penteados e
maquiagens, então não houve um único membro da
banda que não estivesse deslumbrante.

Ô, bicho talentoso!

Quando os shows terminaram, Ricky


Tiozão da Sukita nos deu um dia e meio de folga
antes da viagem para a próxima cidade, Bruxelas,
na Bélgica. Feliz da vida, subi até meu quarto,
tomei um banho rápido, organizei minhas pesquisas

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de tendência e peguei meu notebook, já montada no


desejo de arrastar Gabriel para um shooting range e
provar que também sabia manejar uma Glockinha.

Fiz umas pesquisas rápidas sobre clubes de


tiro e descobri que a quantidade de locais ao redor
de nosso hotel onde eu poderia alugar uma arma e
fuzilar um modelinho de papel era enorme. Era
quase um para cada vilarejo, cada um com suas
regras e preços.

Que país curioso é a Suíça...

Escolhi um indoor que trabalhava apenas


com pistolas e que tinha regras mais suaves para
estrangeiros. Agendei tudo por telefone, toda
empolgada. Iria mostrar a Gabriel que não eram só

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seguranças de coração gelado que tinham boa


pontaria. Costureiras de coração alinhavado
também tinham, e como tinham.

Minha segurança murchou quando me


lembrei que não pegava em uma arma para atirar
havia uns bons anos, enquanto Gabriel pegava em
uma diariamente e fora treinado para isso. Esqueci
desse detalhe.

Imediatamente saquei meu celular e iniciei


uma chamada de vídeo.

— Olá, Maria, minha pequena! Como estão


as coisas aí? Onde você está? — meu tio exclamou,
parecendo genuinamente contente ao falar comigo.

Em geral, ele era tão sombrio e esquisito ao

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telefone, que não resisti e soltei uma risada ao ver o


velho rabugento feliz.

— Oi, tio! Estão ótimas, e aí? Eu estou na


Suíça!

Meu tio arregalou os olhos e abriu um


sorriso imenso.

— Suíça? Eles têm clubes de tiro incríveis


aí!

— Eu sei, tio, eu vou em um em breve.

— Essa é a minha Mariazinha! Sabe que a


Suíça é o segundo melhor país para se ter porte e...?

Sorri e quase rolei os olhos enquanto ele


disparava a falar sobre pistolas, calibres, fuzis...
Mais armamentista impossível! Ô homem louco!

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— Tio, não querendo te interromper, mas já


interrompendo, é exatamente sobre isso que eu
queria falar. Você tá ocupado?

— Não, pode falar, pequena!

Sorri satisfeita e perguntei:

— Tem como você bater um papinho


comigo, só para eu lembrar um pouco de algumas
coisas sobre Glockinhas e suas amiguinhas?

***

Horas depois, estávamos indo, Gab e eu,


para o clube: eu, exultante, ele, não tão animado
assim.

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— Gab, o moço no telefone me disse que


eles só trabalham com pistolas, mas caso você
queira outro tipo de arma, você pode levar,
contanto que assine um formulário imenso e...

— Você gosta tanto de armas assim,


Costureira? — ele me perguntou com a voz séria.

— Não, gosto da ideia de sair com você e


mostrar que eu sei mais do que apenas segurar sua
arma! — respondi, risonha. — Ó, acho que é ali,
vamos entrar?

Gab torceu os lábios, mas entrou atrás de


mim no shooting range.

Meia hora mais tarde, depois de assinar uma


papelada sem fim, escolher as pistolas e pegar os

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protetores de ouvido, fomos levados até uma


espécie de sala reservada, com apenas algumas
divisórias e bancadas. O instrutor que nos
acompanhava nos perguntou se aquele ambiente
estava bom, e eu respondi por nós dois que estava
ótimo. Olhei ao redor e vi que era tudo no estilo
industrial, com paredes de tijolos, canos aparentes e
suportes de luminárias feitos de metal. Muito
bonito e aconchegante.

Fui até as divisórias, ajeitei os protetores de


ouvido e peguei a pistola, toda saltitante e contente.

— A senhorita precisa de auxílio em algo?


— o instrutor perguntou quando eu peguei a arma e
a destravei.

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Confusa, olhei para ele e perguntei:

— Eu? Por que precisaria?

— A senhorita parece hesitante ao pegar


nessa arma, se me permite dizer... — ele explicou,
meio tímido. Dei um sorriso compreensivo e
expliquei:

— É que eu não pego em uma dessas há um


tempo... Mas não se preocupe, eu sei manusear essa
coisinha aqui. Não leu o formulário e o termo de
responsabilidade que eu assinei? Eu não estaria
aqui se não soubesse segurar uma arma, querido.

O homem engoliu em seco e me pediu


desculpas, se afastando em seguida e me deixando
sozinha com Gab.

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— Pobre homem... Viu a cara de terror


dele? — perguntou Gabriel com um pequenino
sorriso enquanto se posicionava em sua divisória ao
meu lado, checava o pente da pistola e, sem hesitar,
descarregava a arma no alvo ao fundo, até ficar sem
balas.

Meu queixo caiu. Filho da mãe, ele não era


bom, ele era perfeito! Soube reter o tranco como
ninguém e não errou um tiro. O pobre papel com o
alvo veio até nós arrastado por um gancho
mecânico, e eu arregalei os olhos ao ver que apenas
um tiro não foi na cabeça ou no peito.

— Meu Deus, Gab!

Ele me olhou de canto de olho por um

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momento e deixou a pistola em cima da bancada


enquanto eu tirava os protetores.

— Você é muito, muito bom nisso! Nem


colocou os protetores! Como você pode ser tão...

— É minha obrigação, Lena — ele disse


com seriedade e me olhou enquanto eu abaixava a
arma, chocada demais para falar algo coerente.

— É, eu sei, mas nenhum erro?

— Não, eu errei um. Foi no ombro, aqui,


não viu? — ele apontou para o papel furado.

Uau, ele diz que errou um tiro porque não


acertou na cabeça ou na porcaria do tronco. Mas,
ainda assim, todos os tiros foram no alvo!

Não queria necessariamente disputar o

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cargo de melhor atirador da Sissy Walker, é óbvio,


mas queria mostrar que era boa e também queria
me divertir. A julgar pela expressão de Gab, não
havia nada de divertido naquela tarde. Achei que
ele ia se animar quando eu conseguisse mostrar
algo, mas...

— Não vai atirar?

Balancei a cabeça e ergui a arma, pensando


no que fazer. Atirava logo e desistia do tempo
restante ou tentava fazer a hora valer a pena?
Estava cogitando a possibilidade de desistir do
tempo restante no shooting range, quando Gabriel
começou a me instruir:

— Costureira, ajeita a postura e segura a

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arma direito. Se você não apoiar sua mão aqui, o


coice...

Ah, desgraçado, ainda vai querer me dar


aula? Não quer usar minha dignidade como alvo
móvel também?

Ignorei o que ele dizia e me lembrei das


instruções do meu tio:

“Se vai atirar para impressionar, atire com


raiva. Você só costuma acertar quando está
totalmente concentrada ou irritada, lembra?
Visualize aquele jovem repugnante que tentou te
atacar quando você era menina, espalhe seus
miolos pelo range, como eu deveria ter feito
naquela época com ele!”, disse meu tio quase com

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um grito triunfante no fim.

Credo, meu tio era muito, mas muito


sinistro. Mas a dica fora valiosa, pois eu estava
decepcionada com o insucesso de minha tarde, e
transformar a decepção em raiva foi rápido quando
me lembrei dos homens babacas que já ousaram
encostar em mim sem meu consentimento.

Sem hesitar, apontei a arma e descarreguei


tudo no alvo, pensando claramente no rosto de
Alexandro e no de Rodrigo. Não fui bem na
primeira, então fiz força para me lembrar da
sensação nefasta dos lábios deles forçando os meus
e não hesitei antes de recarregar a arma e disparar
de novo.

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Gastei todas as balas de uma vez e me dei


por satisfeita quando o instrutor veio até nós dois e
mirou o alvo sendo trazido por um gancho
metálico. O rapaz me olhou, tentando fingir que
não estava transtornado com minha mira.

— Ahn... Os senhores gostariam de mais


munição?

— Não, obrigada, estou feliz! Posso ficar


com os papéis?

O homem assentiu com a cabeça e disse que


ia prepará-los. Sorri à guisa de agradecimento e
olhei pela primeira vez para Gabriel, que estava
extremamente sério.

— Gab? — perguntei, preocupada ao vê-lo

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encarar o papel alvejado.

— Você mirou ali ou foi um acidente? —


perguntou, apontando para a parte baixa do alvo de
papel.

— Não, mirei ali mesmo, por quê? Eu mirei


na cabeça antes, mas errei a primeira leva viu? Aí
me concentrei no Alexandro e no Rodrigo e pronto.
Acertei tudo no lugar certo. Esse papel nunca vai
procriar, se depender de mim — comentei e dei de
ombros.

— É, eu notei... Parabéns, Costureira, você


tem uma boa mira. E sabe canalizar bem sua raiva.
Aliás, quem é Rodrigo? Alexandro eu me lembro, é
o cara que te agrediu no bar, mas Rodrigo...?

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Ops. Esqueci que não contei para ele essa


parte da minha história.

Abri a boca para responder, mas o instrutor


voltou com os papéis enrolados e me entregou, me
informando que eu deveria assinar outra papelada
de liberação e devolução das pistolas.

Segui o instrutor, me sentindo meio


apreensiva de ter que falar com Gab sobre algo que
eu não revisitava há mais de dez anos. Além disso,
Gabriel estava muito sério, o que me deixou
incomodada. Será que eu me precipitei ao chama-lo
para o clube? Fiz a mesma besteira de Paris?

Não sei muito bem o protocolo para


relacionamentos como o meu e de Gab. Não somos

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necessariamente amigos, mas não somos


namorados, somos colegas de trabalho que
dormem juntos, então... Não sei bem como agir
nesses casos de “coleguismo colorido”.

— Gab, vamos tomar um café? — perguntei


de forma vacilante depois que acertamos tudo e
pegamos nossos casacos para sairmos do clube.
Sorri ao ver a expressão de Gabriel relaxar com a
sugestão.

— Vamos, viciada. Sabe onde tem um?

— Não, mas algum taxista deve saber.


Vamos procurar um táxi.

Fiz menção de atravessar a rua, mas Gab me


puxou pelo braço, me trouxe para perto e me

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beijou, colocando as mãos nas laterais do meu


pescoço. Pisquei, surpresa, por um segundo, mas
fechei os olhos, deixando os alvos de papel caírem
no chão enquanto retribuía o beijo, passava meus
braços ao redor de sua cintura e me agarrava nas
laterais de seu sobretudo.

Prendi a respiração quando sua língua abriu


passagem pelos meus lábios e encontrou a minha.
Gab me segurou pela nuca e me trouxe para mais
perto, me fazendo apoiar na ponta dos meus
coturnos para alcançar sua boca sem que ele
precisasse se curvar sobre mim.

Não sei de onde veio essa vontade toda,


mas ela é muito bem-vinda!

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Tirei as mãos de sua cintura e subi pelo seu


peito, enlaçando meus braços ao redor de seu
pescoço, enquanto Gab descia as mãos de meu
pescoço pelos meus ombros, minhas costas,
parando em minha cintura. Em seguida, me abraçou
com força, quase me erguendo do chão.

Colei mais ao seu corpo enquanto


aprofundávamos o beijo e forcei seu rosto para
perto, apertando meu abraço em seu pescoço.
Gabriel puxou meu cabelo, que estava preso em
uma trança apertada, e me fez parar de beijá-lo para
poder se enterrar no meu pescoço. Fechei os olhos
enquanto sentia seus lábios na minha pele, mas abri
assim que ouvi um resmungo de um pedestre
incomodado que passou ao nosso lado.
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— Gab... A gente tá no meio da rua...


Gabriel... — disse sem muita firmeza na voz
quando sua língua se juntou à exploração do meu
pescoço.

Quando senti seus dentes no lóbulo da


minha orelha e um pequeno gemido escapou de
minha garganta, o bom senso falou mais alto, e eu
soltei Gabriel e o empurrei de leve com as mãos.

— Prisão por atentado ao pudor é uma


realidade na Europa, Gabriel... — disse enquanto
enxugava meus lábios com as costas das mãos.

Gab me olhou com o rosto sério, a


respiração ofegante e os lábios entreabertos.

— Café — ele disse simplesmente, e eu

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balancei a cabeça concordando.

Pegamos um táxi, e Gabriel perguntou ao


motorista se ele conhecia uma cafeteria próxima. O
taxista, um senhor simpático, disse que conhecia
não somente um café, mas sim o melhor de todos, e
prometeu que nos levaria o mais rápido possível.

Gab agradeceu e em seguida se virou para


mim e voltou a me beijar. Fiz um esforço absurdo
para não corresponder do jeito que queria e tirei
suas mãos de cima de mim, mantendo apenas
nossas bocas juntas. Um show erótico particular
não estava nos meus planos na Suíça. Gabriel
entendeu meu gesto e parou de me beijar, não sem
antes morder meu lábio.

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— Não sei se já falei isso antes, Segurança,


mas você ainda vai me enlouquecer... — comentei
em voz baixa antes de virar o rosto e olhar pela
janela. Ouvi sua risada baixa e sorri, já meio
enlouquecida.

***

Quando saltamos do táxi, meia hora depois,


e entramos na cafeteria, sorri, satisfeita, mas não
pude deixar de comentar:

— Me lembra muito a Manon...

— Manon? O que é Manon? — Gab me


perguntou enquanto nos sentávamos em poltronas

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no final do café, um ao lado do outro.

— Uma cafeteria muito antiga que fica no


Centro do Rio de Janeiro. Acho que existe desde
1940 ou algo assim. É menos chique do que essa,
mas também tem o contexto histórico daqui,
entende? O taxista não comentou que foi
frequentada por pessoas famosas? A Manon
também era. Carlos Drummond de Andrade,
Manuel Bandeira, esses caras, todos iam lá, sabe?

Gabriel balançou a cabeça concordando e


largou o cardápio para me ouvir. Um sorriso
divertido brincava em seus lábios quando eu
prossegui:

— Quando eu era mais nova, o local que eu

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mais amava no Rio era a praia de Copacabana. Mas


agora eu me apaixonei pelo Centro do Rio, onde
fica o escritório da Wings. É cheio de prédios
antigos, sobrados tombados pelo patrimônio
histórico e cafés e confeitarias maravilhosas —
comentei enquanto olhava o menu. — Os cafés que
eu provei lá deixam qualquer um desses que a gente
tomou até agora no chinelo. A Manon mesmo, eles
fazem um café Iris, que só você provando para
entender. Ah, o café com conhaque deles também é
ótimo. Mas é meio forte para o Rio de Janeiro.

Olhei para Gab, que ainda sorria.

— Eu gosto de café forte, então para mim é


sempre vantajoso encontrar um lugar desses.

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— Ah, não, mas se for para te levar num


lugar maravilhoso, eu preciso te levar na
Confeitaria Colombo. As bebidas são de
enlouquecer! E a vantagem é que é pertinho do
Cinema Odeon, que eu adoro. Ah, eu vou querer
esse tal de café melánge. Nem sei o que é, mas
gostei do nome.

Gab fez nossos pedidos e voltou sua atenção


para mim momentos depois.

— Como é o nome do cinema que você


disse que gosta?

— Cinema? Ah, sim, Odeon. Por quê?

— Porque é o nome dessa cafeteria, não


notou quando entramos? — apontou para um

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guardanapo com o nome do estabelecimento.

Olhei para o papel e ergui as sobrancelhas,


encantada com a coincidência.

— Olha, não tinha percebido! Adoro


coincidências! Aliás... Onde eu deixei os rolos de
papel fuzilados...? — perguntei quando olhei ao
redor e senti falta deles. — Droga, eu deixei cair no
chão quando você me beijou e esqueci de pegar!
Será que se eu voltar lá, eles ainda vão...?

— Deixa, Lena, eram só alvos de papel —


Gabriel me interrompeu com a voz cansada, como
se minha empolgação com aquilo tudo o deixasse
entediado ou desconfortável.

Murmurei um “ok”, mas não insisti no

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assunto, já que momentos depois recebemos nossos


pedidos, que consistiam em apenas café. Dei uma
olhada em minha xícara, que mais parecia uma
caneca, de tão grande, e comentei:

— Ah, café melánge é um café com chantili


por cima? Que sem graça, eu duvido que seja
diferente dos que eu já tomei... — reclamei antes de
beber um gole, mas assim que o senti em minha
língua, mudei de ideia.

Era um dos cafés mais incríveis que eu já


tinha tomado. Aveludado, com corpo, acidez e
suavidade na medida certa. Havia notas de alguma
coisa que eu não soube identificar, mas que era
maravilhoso. Caramelo? Amêndoas? Que blend

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incrível é esse, meu Deus do céu? Não consegui


conter um suspiro e fechei os olhos enquanto
saboreava o líquido maravilhoso que descia pela
minha garganta.

— Lena...? O que tem nesse café que está te


causando esse prazer todo? — Gabriel me
perguntou com diversão na voz.

— Shh, não fala nada. Não estraga esse


momento... Me arruma um cigarro, que eu acho que
cheguei no Nirvana... — eu respondi de olhos
fechados antes de beber mais um gole. — Meu
Deus, o que é isso? É incrível demais! Devia ser
um elogio... “Você é tão melánge”, ou seja, “você é
gostoso demais para ser real...”

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Gabriel começou a rir e, pelo som


produzido, repousou sua xícara no pires. Abri os
olhos e sorri em êxtase.

— Deixa eu provar essa maravilha toda —


ele pediu e estendeu a mão para pegar meu café,
mas eu dei um tapinha nela e afastei minha caneca.

— Compra o seu, Segurança folgado —


bebi uma golada imensa e sorri quando ele entortou
os lábios para mim — Toma, é o máximo que eu
vou te dar do meu melánge.

Puxei Gab pelo casaco e o beijei, sentindo o


gosto do seu nistretto, um tipo de café que era doce
até o grão! Afastei o rosto por um segundo.

— Ué...? Café doce?

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Gab sorriu e deu de ombros antes de


responder:

— Queria experimentar. Mas o seu é


melhor, sem sombra de dúvidas, ainda que seja
doce também... — ele disse antes de voltar a me
beijar.

Passei as mãos pelos seus cabelos e o beijei


até sentir vontade de ir embora, o que aconteceu
pouquíssimos minutos depois. Interrompi o beijo
aos poucos e mordi seu lábio antes de soltá-lo e
voltar para meu café.

— Costureira... Por que você faz isso? —


reclamou com os olhos brilhando de desejo.

— Porque é injusto que só eu me comporte

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como uma tarada ao seu lado. Toma, prova antes


que esfrie — ofereci minha xícara gigante para ele,
que aceitou e bebeu rapidamente.

— É gostoso, mas na sua boca é melhor.

Ergui as sobrancelhas e sorri.

— Imagina como seria no meu corpo? Não


é muito habitual, mas não somos exatamente o que
chamariam de comuns, somos?

Gabriel me deu um meio sorriso e inspirou


antes de responder:

— Costureira, para de me provocar...

— Senão o quê? Vai me deitar aqui, no


meio da cafeteria e fazer a mesma coisa que fez
comigo ontem? Acho que não, né? Como eu disse,

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atentado ao pudor dá cadeia, e eu duvido que eles


vão ter a consideração de nos colocar na mesma
cela pra que a gente possa continuar o que
começou.

Gabriel fechou os olhos por um momento e


sorriu, como se estivesse avaliando as
possibilidades do que poderíamos fazer quando
chegássemos ao hotel.

— Não pensei em fazer exatamente o que


fiz ontem, mas há outras coisas que podem ser
feitas em local público, Costureira. Não sei se você
lembra, mas eu sou o chefe de segurança. Se tem
algo que eu sei fazer é encontrar pontos cegos em
câmeras e locais de acesso.

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Parei de beber meu melánge para olhar para


ele. Ideias, muitas ideias pareciam passar por sua
cabeça.

— E isso significa, exatamente...? —


perguntei, os olhos fixos nos dele.

— Que não necessariamente precisamos


correr para o quarto toda vez que bater vontade. Há
muitas escadas em hotéis — ele sugeriu e bebeu
seu café com toda a tranquilidade, com os olhos
fazendo uma varredura pelo meu corpo, como se
avaliasse as possibilidades do que poderia ser feito
apesar das minhas roupas.

Minha mente ferveu de ideias de todos os


tipos. Sim, fazia todo o sentido do mundo. Bem ou

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mal, tendo uma parede e um mínimo de


privacidade, Gabriel e eu poderíamos fazer
qualquer coisa em qualquer lugar. Isso seria
excelente, não posso negar.

— E se alguém da banda nos pegar no


flagra, Gab? Diego, por exemplo. Eu acho que é
meio que missão dele conseguir material explícito
nosso... Tenho escondido nossas fotos com afinco
por causa disso, por sinal.

Ele deu de ombros diante de meu


comentário, com um olhar despreocupado.

— Não seria a primeira vez que alguém nos


pega no flagra, creio que não vai ser a última. E eu
acho que estou velho demais para ligar a mínima

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para as piadas do Diego sobre minha vida sexual,


não acha?

— Hm... Sim, faz sentido... Eu não sou


exatamente exibicionista, mas se você me garante
que dá para a gente brincar fora do quarto sem ir
parar depois no RedTube, então eu topo qualquer
coisa... — disse e sorri para ele. — Agora,
mudando de assunto, porque eu estou com tesão,
mas não posso ficar...

Gabriel sorriu, como se achasse graça do


efeito que exercia em mim. Eu não precisaria
checar o perímetro dele para saber se estava com
vontade de me arrastar para o banheiro mais
próximo e praticar um pouco de sexo artesanal em

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mim. Era óbvio em seu rosto.

— Enfim, me desculpa por ter te levado


para o clube de tiro, assim, de supetão... Achei que
você ia se divertir, mas não foi bem o que
aconteceu, não é?

Gabriel respirou fundo e voltou a tomar seu


nistretto antes de responder. A tensão sexual se
dissipou como fumaça.

— Saber atirar não é exatamente motivo de


felicidade, Lena. Quero dizer, é fundamental que eu
saiba, e eu sei que sou o melhor no que faço, mas
isso não significa que seja agradável saber que sou
ótimo em mirar e atravessar crânios com precisão.

Estava levando a caneca aos lábios quando

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ele falou isso e acabei parando o ato no meio do


caminho. Não tinha pensado por esse lado... Acho
que de tanto ouvir que Gabriel era frio e direto em
sua profissão, nunca me dei conta de que aquilo
poderia ser algo não tão... prazeroso quanto eu
poderia imaginar.

A minha profissão era motivo de prazer


para mim, mas isso não significava que todas as
profissões também seriam para seus profissionais.
Em especial quando envolvesse... bom... balas,
sangue e morte.

Acho que eu preciso tomar uma dose de


bom senso, não de café...

— Desculpa, Gab... Eu não pensei nisso...

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Prometo que vou te consultar no próximo programa


de turista antes de sair marcando tudo, ok? — disse
e levei a caneca à boca, sujando a ponta do meu
nariz e meu lábio superior de chantili.

— E quem disse que eu vou querer fazer


outro programa de turista com você? — Gabriel
perguntou com o rosto sério.

Peguei o guardanapo para limpar direito o


rosto, mas empaquei com a resposta de Gab.
Imediatamente senti um rubor se espalhar pelo meu
rosto e lambi o lábio, olhando para o lado oposto
enquanto tentava esconder meu embaraço.

Eu realmente achava que, apesar do


fracasso no clube de tiro, nossas saídas esporádicas

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eram divertidas e que ele apreciava a minha


companhia. Não sou de ficar chateada com esse
tipo de rejeição, mas a de Gabriel me ardeu como
um tapa, mesmo que provavelmente tenha sido uma
brincadeira.

— Lena? — ele me chamou com a voz


divertida quando eu olhei para o estofado vermelho
do sofá — Lena, eu estou brincando. Lena, olha
para mim...

Peguei minha bolsa e procurei meu celular,


fingindo que ele estava tocando. Tirei minha
carteira, minha câmera e o smartphone. Por sorte,
havia uma mensagem não lida de Sophia, então eu
ergui a mão para Gabriel, o impedindo de se

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aproximar mais, como pretendia. Li a mensagem e


gravei um áudio em resposta, alertando sobre um
post ruim do estagiário nas redes sociais.

Guardei o celular na bolsa, peguei a câmera


para guardá-la e enxuguei os lábios com as costas
da mão esquerda, tentando tirar o resto do chantili
que teimava em ficar na boca. Gabriel me puxou
pelo braço e me fez olhar para ele.

— Ei, Costureira, era brincadeira, não


precisa demitir o pobre do estagiário... Por que
pegou a câmera? Tem mais alguma coisa que você
queira fazer pra fingir que não está querendo me
dar um chute? — perguntou, tentando não rir.

— Preciso demitir o estagiário sim, ele é um

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idiota de qualquer maneira. E é melhor eu


descontar nele do que em você, não? — perguntei
olhando para minha caneca e virando o rosto para
longe da câmera que Gab apontava para mim. —
Se tirar uma foto minha com essa cara de bunda, eu
juro que jogo fora as suas gravatas e substituo todas
por novas com estampa de patinhos de borracha.

Gabriel deu uma risada alta, mostrando


quão divertido para ele aquilo tudo era.
Desgraçado, eu só queria me esconder embaixo da
mesa. Eu devia estar da cor do cabelo de Tony.

— Falo sério, seu idiota. Jogo tudo no lixo e


te obrigo a usar gravatas ridículas até março do ano
que vem. Solta minha câmera, seu segurança

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idiota... — reclamei, tentando não sorrir. Era óbvio


que ele estava brincando, mas eu estava sem graça
demais para ser sensata.

— Ok, uma foto só e eu prometo deixar


você demitir todo mundo na sua empresa, queimar
todos os meus ternos e pegar minha Glock e pintar
de rosa berrante. Quer? — Ele pediu, a diversão
nítida na voz.

Filho da mãe.

Soltei minha xícara de café e olhei para ele,


esperando que ele me fotografasse de uma vez.
Gabriel, no entanto, me puxou para perto, passando
a língua no meu lábio superior e tirando o restinho
de chantili que eu tentava limpar e não conseguia,

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de tão sem jeito que estava.

— Você bebe coisas com chantili que nem


uma criança, se suja toda... — ele brincou contra
meus lábios antes de me beijar.

Dei um sorriso a contragosto e tirei suas


mãos de mim, interrompendo o beijo.

— Você diz isso porque é um velho de


sessenta anos amargo e rabugento. Não vai tirar o
raio da foto? — perguntei com um pequeno sorriso
intruso no rosto.

Gab sorriu e voltou a tomar seu café, e só


então eu vi que ele já tinha tirado uma foto. Peguei
a revelação na mão e entortei os lábios. Que cafona,
uma selfie de beijo.

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Quantos anos Gabriel tem, dezessete?

— Aproveitando que você já está meio


irritada — ele disse quando eu voltei minha atenção
para meu café, ainda brigando contra o mínimo
sorriso no rosto pela travessura dele. — Não quer
me contar quem é Rodrigo?

Meu pequenino sorriso se transformou


numa grande careta ao ouvir aquele nome. Não era
como se eu ainda tivesse ódio profundo do cidadão,
mas também não era como se eu gostasse dele.

— Precisamos falar sobre isso? Já não


estouramos a cota de momentos desconfortáveis do
dia? — perguntei antes de tomar o resto do meu
café e comer o pequeno chocolate que vinha junto.

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— Nossa, esqueci da fama do chocolate suíço... É


realmente delicioso...

— Não, não precisamos falar sobre isso. Só


fiquei curioso, já que você praticamente castrou o
alvo de papel e depois disse que se lembrou desse
cara. Toma, come o meu — ofereceu e empurrou
seu chocolate para mim.

Peguei a pequena embalagem e agradeci,


hesitando antes de explicar quem era aquele piolho.

— Rodrigo foi... um dos Alexandros que


passaram por mim, um dos homens que me
agrediram em algum momento de minha vida —
respondi enquanto abria o chocolate e mordia um
pedacinho.

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— Sei... O que ele fez? — Gabriel


perguntou, já sério. O humor de segundos antes se
esvaiu com uma incrível facilidade, e eu imaginei
que ele já desconfiava das ações de Rodrigo.

Girei a caneca na mesa e virei o corpo para


Gabriel enquanto olhava em seus olhos e buscava
as palavras certas.

— Hm... Como eu posso dizer sem que


você queira usá-lo de alvo do mesmo jeito que eu
fiz com aquele papel?

O rosto de Gabriel ficou rígido, suas


sobrancelhas se uniram e seu maxilar se travou de
tal modo que eu temi pela sua saúde bucal. Nem
parecia o mesmo Gabriel que estava rindo do meu

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constrangimento por uma piada minutos antes.

— Bom, vou resumir: ele me seguiu no


banheiro da igreja que meus pais frequentavam e
aproveitou que estava acontecendo uma festa no
local para me agarrar.

— À força?

— Sim.

Uma pequena veia saltou no pescoço de


Gabriel. Achei de bom tom escolher melhor as
palavras, antes que ele pegasse um voo para o
Brasil e fuzilasse o Rodrigo de verdade.

— E o que esse animal fez?

— Me agarrou.

— Só isso?

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— Não.

Gabriel fechou os olhos por uns instantes, e


eu deixei que ele se controlasse antes de explicar:

— Ele tentou... bem... Você deve imaginar


o que ele pretendia. Mas não conseguiu. Eu mordi o
lábio dele, gritei o nome e sobrenome do meu pai,
para não ter dúvidas, e o enfrentei. Papai apareceu
segundos depois e quase matou o moleque na
porrada.

— Uma pena seu pai não ter completado o


serviço — Gabriel disse com o rosto fechado, e eu
achei melhor não dizer nada. — O que ele
conseguiu fazer além de te beijar? Pode me dizer?

— Posso, claro que posso. Ele... deixa eu

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lembrar os detalhes... Ele me pressionou contra a


parede, me deu um chupão imenso no pescoço,
prendeu meus pulsos... Não me lembro se ele me
bateu, acho que não conseguiu... Puxou meu
cabelo, forçou uma quantidade nojenta de beijos...
Mas ele teve o que merecia. Meu pai se encarregou
disso.

— O que seu pai fez com ele?

— Quase o matou na porrada, ué, acabei de


dizer. Foram uns três dentes e duas costelas
quebrados. Em quatro ocasiões diferentes. Não sei
como os pais dele não registraram queixa contra o
meu. Acho que estavam tão chocados com o que o
filho tinha feito, que acharam merecido. E era

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mesmo. Imagina o que meu pai não teria feito com


Alexandro... — disse baixinho, tentando não deixar
as lembranças me afetarem.

— Seus pais não sabem sobre a agressão na


Lyubov?

— Não. Achei melhor não contar, eles estão


velhos, seria uma preocupação a mais. Só o caso do
Rodrigo já fez a pressão do meu pai subir horrores,
imagina se soubesse que um cara levou sua filha
para o hospital na base da porrada?

— Entendo... Mas é estranho... Não me


lembro de ter lido nada sobre isso na sua ficha... —
Gabriel disse mais para si mesmo do que para mim.

Pela segunda ou terceira vez no dia,

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interrompi o ato de levar meu café à boca para


olhar para Gabriel com assombro ou surpresa.

— Na minha...? Você olhou algum tipo de


ficha minha? Tipo ficha policial, coisas assim?
Quando você olhou isso, seu psicopata stalker? —
perguntei, tentando conter uma risada.

Gab fez uma careta ao perceber que falou


demais e girou a xícara nas mãos antes de
responder:

— No dia em que nos conhecemos, quatro


anos atrás. Precisava saber quem era você e quem
era a sua amiga, Luciana. Vocês entraram de
penetra no show, era minha função saber se vocês
eram ou não terroristas ou fãs psicopatas, não é?

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Dei uma risada alta, sentindo meus


músculos faciais relaxarem, e puxei Gabriel pelo
braço para perto de mim.

— Seu babaca! Eu não entrei de penetra!


Por que nunca me contou? Aliás, o que estava
escrito lá?

— Sua profissão, seu registro de


profissional autônoma, informações sobre a Wings,
o registro de sua queixa contra Alexandro, sua
idade, essas coisas — explicou e continuou girando
a xícara nas mãos, como se estivesse meio sem
jeito.

Confusa, soltei seu braço e tentei entender


algo que não me passou desapercebido:

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— Ué, então você já sabia da agressão


quando eu te contei naquele parque?

— Não, não. Eu não li detalhes da queixa,


apenas vi que houve um boletim de ocorrência
contra alguém. Como foi você quem abriu, e não
abriram contra você, não me aprofundei. Depois
que você me contou, eu pedi para Erika uma ficha
mais detalhada sobre o que aconteceu, pra ter
certeza de que o Alexandro não...

— Espera, espera. Então você já sabia que


meu segundo nome é Maria. Por que você ficou
surpreso quando me viu em seu quarto? —
Interrompi, tentando entender tudo — Quero dizer,
além do óbvio, uma maluca entrando no seu quarto

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e pegando sua arma... Quero saber como não


associou a figurinista nova a mim, se já sabia de
meu nome todo desde aquela época.

Gabriel sorriu e me explicou:

— A Betty abreviou seu primeiro nome e


não me deixou pegar na ficha de novos
funcionários, onde estava seu nome. Quem conferiu
tudo sobre você foi a Erika e o Ricky, lembra que
eu te falei? Eu imaginei que Betty e Antônia
estavam tramando algo, mas nunca pensei que H.
Maria seria a Lena costureira que entrou de penetra
num show da Sissy Walker e me seguiu até a
escada do hotel. Além disso, você nunca usa o
Maria para nada, assinaturas, entrevistas,

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reportagens, nada. Não associei mesmo, foi uma


falha minha.

Fiquei uns segundos absorvendo as


informações e balancei a cabeça quando registrei
tudo o que ele me dizia. Bem que eu notei que Gab
havia demorado um momento para me reconhecer
quando nos reencontramos meses antes. Ele
realmente não esperava me ver de novo, assim
como eu também nunca achei que não só teria
oportunidade de revê-lo, como também de chup...
éééé... de tomar café com ele na Suíça.

E de chupá-lo também.

— Hm, tem outra coisa também — ele


disse depois de beber um pouco de seu café. —

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Você sumiu depois daquele show. Nunca entrou em


contato com ninguém, a não ser por motivos
profissionais, então não achei que te veria de novo.
Por isso fiquei tão surpreso quando te vi quatro
anos depois no meu quarto. Quem não ficaria?

Fazia sentido.

— Ok, entendi... Tá, o lance de ver minha


ficha depois do show continua sendo meio sinistro,
mas, ok, eu compreendo seus motivos — disse e
voltei minha atenção para o meu café, me sentindo
satisfeita ao saber que Gabriel se importou comigo
a esse ponto.

Gabriel me olhou por uns dois segundos e


perguntou com cuidado:

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— Mas, voltando para esse Rodrigo, como


você...?

— “Como eu lidei com isso tudo”?


Praticamente a mesma pergunta que me fez naquele
parque em Londres, quando te contei do Alexandro,
lembra? — dei uma risada e peguei sua xícara,
bebendo o restinho de seu conteúdo. — Olha,
quando aconteceu, eu fiquei mal, mas depois deixei
para lá. Não foi algo que tenha me maltratado tanto,
ainda que me irrite lembrar disso hoje em dia. Acho
que, na época, eu não me dei conta de que era uma
tentativa de estupro. Enfim, tratei aquilo apenas
como um beijo forçado.

— Sei. E o moleque? O que aconteceu com

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ele? — Gab questionou, observando minha reação


atentamente.

— Não sei. Meus pais não fizeram queixa


contra ele e se mudaram da cidade um tempo
depois. Por isso você não leu nada sobre isso na
minha ficha, porque nunca houve registro formal da
agressão. Nunca mais ouvi falar dele, só sei que
meu pai o quebrou inteiro... Bom, quer mais um
café? — perguntei quando terminei o meu.

— Não, mas quero ir para o hotel. Você


quer conhecer mais algum lugar? — ele me
perguntou com o rosto sério de novo, e eu não
resisti e passei a mão em seu rosto. Sorri quando
sua expressão não se modificou.

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— O que eu vou falar pode soar esquisito,


Gab, mas você fica bonito assim, todo sério. Eu
adoro quando você sorri, quando você dá essa
risada meio esquisita que te escapa de vez em
quando, mas você sério é algo fascinante de ver. Eu
nunca presto muita atenção quando estou
trabalhando, mas agora posso olhar bem... — disse
e me aproximei dele, passando a perna por cima da
sua.

Gab relaxou um pouco o rosto ao ouvir meu


elogio, mas seu maxilar continuava travado.

— Esse tipo de coisa mexe muito com você,


não mexe? Esse lance de homens agredindo
mulheres. Tem algum motivo para isso? Além do

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óbvio, quero dizer.

Ele desviou o olhar por um segundo e


franziu os lábios, como se a lembrança também o
incomodasse. Tirei as mãos de seu rosto e comecei
a ajeitar minha bolsa.

— Ok, Gab, já vi que tem. E aí, vamos para


o hotel? Ah, espera, deixa eu pedir outro melangê,
ou sei lá como se pronuncia. Será que eles têm
copos de papel? Devem ter, né? Quer um? —
perguntei enquanto me levantava para ir pagar a
conta — Não, pode ficar, eu pago, paga o próximo
café. Se é que vai ter, né? Não sei se vou querer
sair com você depois de tudo que aconteceu hoje e
das coisas que descobri sobre você, Christian Grey.

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Gabriel deu um sorriso de canto de boca ao


ouvir minha brincadeira e assentiu, concordando
com minha oferta. Fiz o pedido, peguei os cafés e
fiz um movimento com a cabeça, convidando Gab
para ir embora. Ele se levantou de onde estava
sentado e pegou os cafés das minhas mãos sem
dizer nada.

Revirei os olhos, mas não reclamei. Gabriel


tinha a aura de segurança protetor mesmo fora do
expediente de trabalho, então não tinha motivo para
implicar com aquilo. Não era uma questão de
cavalheirismo inútil ou de achar que eu precisava
de algum tipo de cuidado por ser mulher; ele fazia
isso com todo mundo. Além do mais, não queria
implicar com ele, pois percebi que ele estava
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enfrentando algum tipo de conflito interno por


causa do assunto anterior.

Saímos do Odeon e fomos para uma via


principal esperar por um táxi. Assim que avistei um
e acenei para ele, Gabriel disse de repente:

— Meu tio, irmão de meu pai, atacou minha


mãe um dia. Quando ela denunciou, ele fez tudo
parecer que foi consensual e ainda, de vingança,
aplicou um golpe na minha família, já que era o
administrador de tudo. Ele traiu a confiança de
todos e levou todo o patrimônio e economia de
meus pais. Eu tenho zero tolerância para homens
com esse tipo de caráter. Sinto vontade de matar
um por um.

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Minha mão, que estava chamando o táxi,


ficou estendida no ar por alguns segundos enquanto
eu processava aquela informação. Era forte, era
pesado e era uma justificativa e tanto para Gabriel
ser um segurança tão comprometido e tão sério.

— Sinto muito, Gab... Não precisava ter


tocado no assunto se não quisesse — eu murmurei,
me virando para olhar em seus belos olhos, que
estavam frios e sem brilho.

— Eu sei. Vamos? — convidou e deu um


passo para abrir a porta do carro para mim.

Dei as instruções para o taxista e ficamos


em silêncio, ponderando por alguns minutos o que
ele havia contado. Que parente horrível e

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repugnante, desprezível! Eu conseguia sentir o ódio


de Gabriel emanando e compartilhei totalmente do
sentimento.

Depois de um tempo quieta, voltei a olhar


para Gabriel e comentei em português
propositadamente:

— Obrigada, Gab.

— Pelo quê?

— Por ter olhado minha ficha. Por ter se


importado mesmo achando que nunca mais ia me
ver. Se fosse outro homem, deixava para lá, mas
você... Você quis ter certeza que Alexandro não ia
me atrapalhar mais. Você se importou.

Estava séria quando falei aquilo, mas acabei

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sorrindo ao ver a expressão rígida de Gabriel. Sabia


que ele estava procurando palavras para me
responder, então decidi mudar de assunto antes que
aquilo ficasse muito meloso.

— Sabe, tenho uma amiga chamada Ana,


irmã do meu primeiro namorado. Ela é barista,
dona de um café lindo na Urca, no Rio, e me
ensinou um monte de coisas sobre café: grãos,
torra, utensílios como a prensa francesa que te
mostrei em Paris, blends... Enfim, um monte de
coisas, sabe?

— Sei... Não muito, mas sei — Gabriel


respondeu com um traço de diversão na voz. Mais
aliviada ao ver que ele voltara a relaxar depois do

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assunto tenso, eu continuei:

— Então, se você quiser, eu te ensino


algumas coisas, ou a gente procura outras mais.
Preciso muito de uma companhia de café. Não
posso voltar para o Rio sem ter tomado ao menos
vinte cafés de nacionalidades diferentes, e isso não
é tão divertido sozinha. Me avisa se quiser ser
minha companhia de café, senão vou ter que
ensinar Diego a gostar de cafeína — comentei
tranquilamente enquanto olhava pela janela.

Fiquei aguardando Gab responder, mas


como não ouvi sua voz, virei o rosto em sua
direção. Ele estava olhando pela janela e tinha no
rosto um sorriso um pouco maior do que o meio

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sorriso que eu estava acostumada.

— Gab? — chamei, esperando ele me


responder.

— O que são blends, Costureira?

Sorri ao ouvir sua pergunta e tive total e


absoluta certeza de que ele sabia o que era um
blend, mas me perguntou para que eu o explicasse.
Era um acordo silencioso de que nós, sim,
sairíamos mais vezes, se dependesse dele. Se
dependesse de mim, também, então tudo estava
ótimo.

Na metade do segundo mês do meu


contrato, na quarta cidade da turnê, às vésperas de
rumar para a Bélgica, Gab e eu ainda não tínhamos

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saído com outras pessoas. Eu, particularmente, não


sentira vontade ainda de procurar outra companhia.
Gab, pelo visto, também não. Por que não
aproveitar essa falta de interesse em outras
pessoas? Afinal, ainda era o segundo mês de turnê.
Quem sabe o que ia acontecer lá pelos últimos?

Voltei a olhar pela janela, sentindo meu


sorriso crescer no rosto, e comecei a explicar:

— Blends são tipo combinações de grãos e


torras que dão certos tipos de sabores...

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Bruxelas
— Ei, Lena, quer dar uma volta comigo? Eu
vi que tem um bar relativamente próximo daqui,
uma gracinha! — disse Pierre ao entrar no meu
quarto no dia em que chegamos na cidade.

— Um bar... Hm... — franzi os lábios, meio


incerta de sair do hotel logo no primeiro dia na
Bélgica. Eu tinha planos envolvendo as mãos de
Gabriel entrando em partes minhas que eu não
poderia revelar para Pierre assim, tão na lata. — Se
eu te falar que estou com preguiça, você fica com
raiva?

Pierre colocou as mãos na cintura e me

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olhou de cara feia.

— Ah, não! Você sempre arruma uma


desculpa para não sair comigo! Sai toda hora com o
Gabriel...

— Toda hora...? Eu só saí com ele


algumas...

— E deu o maior rolê por Paris com a Betty


e a Erika! E nem me chamou! Segundo mês de
turnê, e eu só esperando você parar de me enrolar!
Eu fiquei muito bolado por você ter ido sozinha ver
aquela escultura bizarra em Zurique, a pedra que
fica rolando por causa da água. Tá me devendo
uma, anda, coloca aquele vestidinho de tecido
escocês que você tanto gosta e vamos!

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— Escultura...? Ah, sim, a pedra...


Desculpa, eu não sabia que você queria ir... Mas,
olha, eu nem falo francês... Se fala inglês na
Bélgica? Eu não pesquisei antes...

— Eu sou fluente em francês, mon cher.


Meu nome não é Pierre à toa, minha mãe é
francesa. Pode me chamar de Sofie Fatale. Anda, se
veste.

Incerta, olhei para ele enquanto refletia


sobre o convite, mas acabei cedendo quando Pierre
fez cara de cachorro pidão.

— Ok, eu vou, me convenceu. Tá frio lá


fora? Passei o dia no quarto, nem faço ideia da
temperatura.

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— “Passou o dia”, disse a mulher que


chegou na cidade há menos de quatro horas... —
brincou enquanto sentava na minha cama, rindo do
meu drama. — Não, eu fui na rua comer qualquer
coisa, não gostei do cardápio do hotel. Está fazendo
uns quinze graus, acho.

— Quinze? Está um gelo! O inverno já


chegou? Mas não era pra ser primavera na Europa?
Como eu não congelei ainda?

Pierre cruzou as pernas na minha cama,


ainda achando graça de tudo.

— Coloca o vestido que eu falei e um


casaco por cima. O clima tá agradável, vai por
mim, sua friorenta exagerada! Você é muito mal-

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acostumada com o clima tropical do seu país!

Fiz uma careta de sofredora, mas obedeci.


Em quinze minutos, saí do banheiro maquiada, com
o cabelo preso numa trança embutida e uma
maquiagem leve.

— Tá linda! Só tá faltando um batom, para


dar uma cor. Espera, eu passo para você.

Pierre terminou de me maquiar, eu calcei


meus saltos pretos preferidos e saímos juntos do
hotel. O bar realmente era próximo, caminhamos
apenas por uns dez minutos, no máximo.

Era um bar comum, sem nada que chamasse


a atenção à primeira vista. Porém quando Pierre me
puxou para sentar num dos banquinhos redondos de

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metal em frente ao balcão, vi onde estava o charme


do local: um barman muito gato que fazia
malabarismos com copos e garrafas.

Olhei para maquiador com os olhos


semicerrados e disse:

— “Um bar bonitinho”, né? Era só esse seu


interesse? Sei... — zombei antes de tirar meu
casaco para sentar. — Não sei como eu não... opa!!

Meu sapato escorregou no piso frio, me


fazendo cair para o lado. Só não me esborrachei no
chão porque um homem me segurou, me disse
alguma coisa em francês e sorriu.

— O que ele disse, Pierre? — perguntei,


ainda me apoiando no meu salvador.

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— Ele disse para você tomar cuidado, que o


piso daqui é meio traiçoeiro.

— Ah, sim! Agradece para mim, por favor?

Pierre fez o que eu pedi, e eu soltei o


homem, agradecendo com um sorriso. O barman
parou de girar as garrafas e veio para perto,
perguntando alguma coisa e parecendo preocupado.
Pierre começou a conversar com ele, e eu revirei os
olhos. Adoro segurar vela, só que não.

Imediatamente, saquei meu celular e


mandei uma mensagem para Gabriel:

“Delícia vir para um bar, escorregar e


quase cair de bunda na frente de toda a Bélgica e
ainda por cima segurar vela para Pierre.”

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Segundos depois, Gabriel respondeu:

“Desculpe.”

Gabriel, ao contrário do restante dos


funcionários da banda, precisou ir até o local do
show para resolver alguns imprevistos. Por que isso
o fazia pedir desculpas, só Deus sabe.

“Não precisa se desculpar, a culpa não é


sua, Segurança. Só estou entediada.”

“Eu já terminei o que precisava fazer aqui.


Em menos de uma hora volto para o hotel.”

“Sei. E...?”

“Há vários modos de eu acabar com esse


seu tédio, Costureira.”

“Olha a prepotência do cidadão!”

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“Só digo o que eu sei e o que vejo.”

“Sei. E o que você vê, Segurança?”

“Que você prefere fazer outras coisas em


vez de estar aí.”

“Ah, é? Me diga uma, Bruce Nolan Todo


Poderoso.”

Gabriel respondeu com uma frase bem


simples, porém muito direta e provocativa, que
envolvia o uso de suas mãos em partes minhas que
eu, mais uma vez, não poderia repetir em voz alta.
Precisei fazer um esforço enorme para não dar um
perdido em Pierre e correr de volta para o hotel
para contar os minutos até Gab chegar.

Estava sorrindo e pensando em uma

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resposta, quando pipocaram imagens de nosso


último encontro. Gabriel surgiu sabe-se lá de onde
quando eu estava voltando do restaurante do hotel,
de noite, me puxou para um corredor — onde ele
me garantiu ter um ponto cego nas câmeras de
segurança —, me imprensou contra a parede e usou
suas mãos para me levar ao céu e me puxar de volta
à Terra.

Aquele encontro furtivo foi tão rápido e


intenso, que ele precisou tapar minha boca com
uma mão enquanto a outra fazia sua magia, ou não
haveria possibilidade de silêncio.

Cara, como eu queria estar no hotel


agora...

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Pierre me cutucou, me tirando dos meus


devaneios de sacanagem. Levantei o olhar do
celular e prestei atenção nele, vendo suas
sobrancelhas franzidas mostrando seu desagrado.

— Já tá falando com o Gabriel, não está?


Credo, o que vocês não se grudam na hora do
trabalho, se grudam depois! Sério, vocês são muito
tarados!

— Desculpa, Pierre! É que você tava ali,


quase chupando o barman, aí fiquei sem ter o que
fazer... — disse com uma falsa expressão de culpa.

— Quase chupando! Você não presta, Lena!


— exclamou, apertando os olhos de tanto rir. —
Desculpa, vou te dar mais atenção, depois eu volto

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a... chupar o bonitão ali. Eu pedi uns drinques para


gente, tudo bem?

— Claro! Me dá qualquer coisa, tô topando


tudo hoje.

O barman bonitão nos estendeu dois


drinques verdes e falou alguma coisa em francês,
dando uma piscadinha para Pierre. Revirei os olhos
pela centésima vez e pensei que a noite ia ser longa
se Pierre fosse passar o tempo todo trocando
olhares com o gostosão e me deixando sozinha.

— Cara, vai dar logo para ele antes que essa


cera derretida da vela que eu estou segurando
queime minhas ferramentas de trabalho. Sem
minhas mãos, eu não sou ninguém, tenha

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compaixão, amigo.

Pierre soltou uma gargalhada e me deu um


empurrão de leve, me chamando de exagerada.

Exagerada nada, eu realmente não era


ninguém sem minhas mãos! Enquanto via o
figurinista falar sobre os homens que víamos no
bar, pensei em como eu era viciada em trabalho.
Um simples comentário já me fez pensar no que eu
faria se não pudesse costurar por algum motivo.
Um arrepio passou pela minha nuca, como se
estivesse pressentindo que algo muito estranho
estava prestes acontecer.

Pierre estalou os dedos na frente do meu


rosto, chamando minha atenção, e me tirou dos

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meus devaneios pessimistas. Afastei o


pressentimento estranho da cabeça e sorri para ele,
que me apontou para um homem e me perguntou o
que eu achava dele.

Começamos rapidamente a brincar de tentar


adivinhar características de cada um dos homens
que nossa visão alcançasse no bar.

— Aquele ali, ó. Tem cara de quê? —


perguntou, empolgado, fazendo seus fios sedosos
se moverem de um lado para o outro enquanto
apontava para um ruivo forte e alto, todo sardento.

— Tem cara de que diz “eu te amo” depois


que goza — Pierre gargalhou quando ouviu minha
resposta e pediu mais dois drinques — Sua vez,

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gatinho. Aquele moreno magrelão.

— Tem cara de que tem dois quilômetros de


instrumento!

— É, tem mesmo. Olha o tamanho das


mãos dele! Será que sabe usar essa potência toda?

— Nope — ele disse, categoricamente, e


nós caímos na risada antes de beber nossos
drinques. Fiz uma careta ao sentir a bebida queimar
minha garganta, mas pedi outro drinque assim
mesmo. Era gostoso. Pierre me imitou e apontou
em seguida para um bonitão que tinha o mesmo
estilo de Gabriel.

— E aquele ali? Sério, sisudão...

— Tem cara de quem geme fininho.

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Ele me olhou, surpreso, e perguntou:

— Gabriel geme assim?

— Ué, e só porque eles se parecem tem que


transar igual? Eu, hein? Olha, aquele, me diz —
indiquei um loiro aguado com músculos muito
definidos.

— Opa, esse é interessante.

— Não saberia te chupar nem se a vida dele


dependesse disso.

— E como você sabe, Lena?

Dei de ombros e sorri antes de beber o resto


do meu drinque. Pierre deu uma risada contida,
soltando o ar pelo nariz, e continuamos nosso jogo,
até que ele me perguntou:

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— E o barman, o que você acha?

Mordi o lábio, sorri e me virei de frente


para o seu objeto de desejo, olhando por uns
instantes. Notei seu rosto tranquilo enquanto fazia
malabarismos com as garrafas e brinquei:

— Ele tem habilidades manuais, já é um


ponto positivo. Homens que sabem usar as mãos
merecem um lugar no céu.

Pierre fez um bico de aprovação, e eu


comecei a rir, o que fez com que minha bexiga
reclamasse da quantidade de líquido ingerido.

— Ai, droga, preciso fazer xixi! —


exclamei e me levantei. — Aproveita e corteja o
cidadão, meu amor. Eu prometo demorar lá dentro.

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Fui ao banheiro, fiz o que tinha que fazer,


dei uns minutinhos para que Pierre pudesse falar
com barman e voltei, desviando de um grupo de
homens que estava bebendo além da conta. Quase
revirei os olhos ao ver aquilo: muitos homens
juntos e muito álcool nunca é 100% positivo.

Pierre estava com uma garrafa de cerveja na


mão, e eu ergui as sobrancelhas ao ver aquilo. Que
mistura de bebidas estranha! Ainda assim, aceitei a
garrafa que ele me deu. Estava levando a cerveja
aos lábios quando um dos caras bêbados do bar se
aproximou de mim, cambaleando, e me agarrou por
trás, me puxando para longe de Pierre.

Soltei um gritinho e tombei para trás,

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tentando me equilibrar, o que fez minha garrafa de


cerveja cair de minha mão e se espatifar no chão. O
som de vidro se quebrando fez o bar todo ficar em
silêncio.

Ai, não, de novo, mais um babaca me


agarrando? Os homens são babacas em qualquer
parte do mundo?

Pierre parecia assustado com a fúria em


meu olhar, e seu assombro aumentou quando eu
tirei as mãos do bêbado de minha cintura.

— Sai daqui, cuzão! — gritei enquanto o


empurrava para longe. Fiquei olhando ele se
levantar com a ajuda dos amigos, que pareceram
pedir desculpas e o levaram embora.

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Aparentemente, ele não estava tentando me agarrar


sexualmente, mas sim evitar uma queda.

— Inútil — eu murmurei enquanto me


virava de costas.

— Lena, cuidado! — Pierre gritou, mas foi


tarde demais.

No auge da minha raiva, me esqueci da


garrafa, deslizei na pocinha de cerveja, que deixou
o chão mais escorregadio do que já era, e caí com
tudo em cima dos cacos depois de bater a boca no
metal do banco em que Pierre estava sentado.

Ai.

Senti gosto de sangue e torci para que não


tivesse quebrado nenhum dente. Levantei com o

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auxílio da mão direita, pois a esquerda estava


ardendo sem parar.

Maldito pressentimento, nunca falha, mas


eu também nunca dou ouvidos a ele...

— Hm, que droga. Nunca tinha batido a


boca antes, não sabia que doía tanto.... — comentei
com os olhos apertados de dor. — O que foi? —
perguntei para Pierre enquanto estendia meu braço
direito para que ele me ajudasse a levantar.

— Lena, seu dedo... — respondeu, o rosto


contraído e pálido de pavor.

— É, cortou, né? Estou sentindo arder e...


— comentei antes de olhar para minha mão, que
começou a formigar em vez de arder e, de repente,

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ficou dormente.

O barman bonitão correu para me ajudar,


mas parou e soltou algo que me pareceu um
palavrão em francês quando viu minha mão. Segui
seu olhar e vi o motivo do choque dele: meu dedo
indicador estava formigando, então não percebi de
imediato que ele estava dobrado num ângulo tão
bizarro, mas tão bizarro, que me fez rir. Parecia o
dedo quebrado de Alice, em Resident Evil
Apocalipse.

— Olha, Pierre, eu tive uma professora que


era tão velha, mas tão velha, que tinha o dedo
assim, torto. Só que o dela era enrugado... —
comentei com um sorriso no rosto, sentando no

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mesmo banco que beijei acidentalmente antes. Por


incrível que pudesse parecer, eu não estava
sentindo mais nada no braço, a não ser uma
dormência, que ia do cotovelo até o pobre dedo
escangalhado, e a ardência dos cortes. Acho que
estava meio bêbada demais...

— Lena! Isso é hora para piadas? Ei, onde é


o hospital mais perto daqui? — Pierre perguntou
em francês para o barman (creio eu, foi o que pude
entender), que ficou mais em pânico ainda.

Balancei a cabeça, rindo da reação


desesperada dos dois, e comecei a tirar os cacos de
vidro que se fincaram ao longo do meu braço. Não
sei de onde veio tamanho bom humor de minha

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parte, mas provavelmente era puramente etílico.

— Calma, gatinho, não está doendo, tá tudo


dormente, eu juro. Nem parece fratura, parece só
que só saiu do lugar, ó. Vem, vamos pegar um táxi.
Ah, paga a conta! — disse, mas o barman pareceu
entender o que eu estava pedindo, balançou a
cabeça e disse que seria por conta da casa, me
entregando um saco de gelo para pôr no dedo. O
pavor era tão gritante em seu rosto, que eu quase o
abracei para reconfortá-lo.

Peguei o guardanapo limpo que ele me


ofereceu e o saco de gelo e agradeci com um
sorriso. Pierre pegou nossas coisas e saiu correndo
atrás de um táxi na rua. Fui atrás dele

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tranquilamente, segurando o guardanapo nos cortes


e agradecendo a Deus pelo autocontrole que eu
estava tendo naquele momento.

Talvez, se eu estivesse sentindo dor, ou se o


machucado fosse causado pelo bêbado idiota que
me havia me agarrado, as coisas não seriam assim
tão... pacíficas. Mas como tudo não passou de um
grande acidente, eu estava tranquila.

E um pouco bêbada também, já mencionei?

Uma vez no táxi, fui tranquilizando Pierre,


que estava uma pilha de nervos, até chegarmos no
hospital. Já munida com meus documentos do
seguro de saúde que meu contrato garantia (eu não
saía do hotel sem eles), dei entrada na recepção e

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logo fui levada para uma sala branca e com cheiro


de coisa muito limpa.

Um médico meio idoso veio me receber e


começou a falar num francês cheio de sotaques. Eu
já não sou boa naquela língua, meio bêbada e com
o corpo cheia de adrenalina, não conseguia
entender nada do que ele falava. Para minha sorte,
ele conseguiu entender quando pedi para falarmos
em inglês e, a partir disso, passou a dar detalhes da
minha situação em uma língua mais compreensível,
porém com um sotaque fortíssimo.

— Posso chamar meu amigo para cá? Ele


fala francês, talvez seja melhor, não?

— Sinto muito, senhorita, mas não sabemos

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se houve uma fratura em sua mão, então


precisamos cuidar o mais rápido possível, para já
preparar a cirurgia.

Arregalei os olhos e perguntei se haveria


necessidade de operar. Ele disse que não sabia
ainda, mas que após os exames poderia me dizer,
porém era bem provável que sim, levando em conta
o estado do dedo. Estava bem torto e esquisito.

Já não tão de bom humor, fui levada para


fazer os exames e para limpar os cortes causados
pelos cacos de vidro. Eu precisava não pensar
muito em como seria meu trabalho sem aquela
mão, afinal, a última coisa que eu queria era ficar
ansiosa demais num hospital. Então comecei a

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tentar lembrar das letras de músicas que eu estava


ouvindo naquela viagem. Sempre ajudava a mudar
o foco dos meus pensamentos.

Uns quinze minutos depois, voltei para a


sala do médico, ansiosa pelo resultado das chapas.
Por sorte, ele me deu um sorriso tranquilizador,
dizendo que não haveria necessidade de cirurgia,
apenas precisaria colocar o osso no lugar, é claro, e
imobilizar a pequena fissura sofrida.

Com um sorriso simpático, que, acredito eu,


tinha função de me acalmar, chamou um
enfermeiro robusto para ajudá-lo a limpar as feridas
em meu braço. O rapaz me desejou boa noite em
francês e veio avaliar os machucados, começando

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pela boca.

Por sorte, não tinha quebrado nenhum dente


nem parecia haver qualquer corte muito
significativo, então não precisei de muito cuidado
ali. Recebi a recomendação de colocar compressa
de gelo na boca quando chegasse no hotel.

Em seguida, após uma higienização prévia e


aplicação de anestesia, o enfermeiro começou a
retirar o restante caquinhos de vidro do meu braço.
Em poucos minutos, meus machucados estavam
limpos e com curativos, com exceção de um deles,
próximo ao pulso, de onde o enfermeiro tirou um
pedaço imenso da garrafa. Esse precisaria de uns
pontinhos.

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O médico voltou sua atenção para meu


braço e avisou que prepararia o material para a
sutura.

— Eba... Que gostoso... Era tudo que eu


queria... — murmurei em português. — Se doer,
vou chutar seu saco, doutor, já aviso.

Como não estava entendendo nada, o


médico sorriu novamente, achando que eu estava
somente praguejando em minha língua materna, e
não o ameaçando.

Momentos depois, enquanto olhava o


movimento da agulha curva indo e voltando, ouvi
uma voz conhecida e sorri ao identificá-la como
sendo de Gabriel. O bicho é rápido na hora de se

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informar do que acontece com a banda e os staffs!


Mal cheguei no hospital, ele já surgiu!

Segundos depois, ele entrou na sala com o


rosto tão travado, que eu não pude deixar de rir.

— Oi, Gab! — cumprimentei com um


sorriso pela metade, já que minha boca estava
inchada. — O que você tá fazendo aqui? Pierre te
contou do meu dedo torto? Não parece o da Alice,
de Resident Evil? Já viu esse filme? Quando ela
coloca no lugar sozinha e claramente dá para ver
que a mão é de borracha?

Gabriel não sorriu ao olhar meu dedo ou o


inchaço na minha boca, pelo contrário, só contraiu
mais o rosto. Bom, era de se esperar, o dedo

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realmente estava bizarro, todo torto.

— Como isso aconteceu?

O médico velhinho, que estava terminando


meu curativo, levantou o rosto e olhou para Gab,
parecendo preocupado. Em seguida, chamou o
enfermeiro e voltou o rosto na minha direção,
preocupado:

— Senhorita, há um policial de plantão no


hospital, para que você possa dar seu depoimento.

Confusa, olhei para Gabriel e depois para o


senhor e perguntei:

— Depoimento? Mas não há necessidade,


foi um acidente.

Ele me olhou com aquela expressão que diz

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“claro, um acidente...” e pediu para que Gabriel se


retirasse do ambiente. Gab contraiu o rosto mais
ainda, sabe-se lá como, e abriu a boca para
responder, mas eu o interrompi quando compreendi
o que estava acontecendo.

— Ah, Gab, acho que ele pensa que foi


você quem fez isso! — disse, achando graça, e me
virei para o velhinho quando ele terminou o
curativo. — Não, doutor, não foi ele, eu deixei uma
garrafa de cerveja cair no chão, escorreguei e caí
em cima dela. O inchaço na boca é porque eu bati a
cara no banco de metal na queda. Foi um acidente
num bar, não foi agressão de ninguém.

O velhinho me olhou desconfiado, mas não

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falou nada.

— Eu juro! Você realmente acha que eu não


sentaria a porrada em alguém que me fizesse isso?
Você tá costurando meu braço, e eu nem reclamei!
Sou durona, doutor! — brinquei e tentei rir, mas
meu lábio inchado não deixou. Dei um gemido de
dor e cobri a boca com a mão livre.

O doutor me deu um sorriso educado e um


pouco aliviado e voltou a se concentrar nos
ferimentos.

— Gab, já que você não foi detido por


violência doméstica, se incomoda de sentar? Tá me
deixando agoniada ver você aí. Aliás, você pode
ficar aqui? Não tem um lance de higiene, regras, sei

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lá?

— Eu já resolvi isso, Lena — ele disse e se


calou. Achei melhor não perguntar como e
direcionei minha pergunta para o médico:

— Ele pode ficar aqui? Ele trabalha comigo


e é uma pessoa tranquila, não vai fazer escândalo
com um pouco de sangue, eu prometo.

O médico olhou para o enfermeiro, que


acabara de voltar para a sala, e perguntou com um
olhar alguma coisa. O homem balançou a cabeça
concordando e o médico fez o mesmo para mim,
apontando uma cadeira para que Gabriel sentasse.

— Isso provavelmente vai doer, senhorita


Helena — o médico alertou com o rosto sério

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quando terminou de dar os pontos e me preparou


para botar meu dedo no lugar. Fiz um gesto com a
mão boa, dispensando o comentário educadamente,
e sorri para ele.

— Manda ver, doutor. Já passei por dores


pio... AAII!! — gritei quando ele fez um
movimento rápido e certeiro no meu dedo.

Meus olhos se encheram de lágrimas, mas


eu fechei a boca e tentei relaxar o rosto enquanto
sentia uma dor excruciante na mão, diferente de
qualquer outra dor que já senti antes. Comecei a
pensar em uma música aleatória para me concentrar
em outra coisa. Escolhi uma da Melanie Martinez e
desatei a cantarolar:

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“I love everything you do

When you call me fucking dumb for the


stupid shit I do

I wanna ride my bike with you

Fully undressed, no training wheels left for


you

I'll pull them off for you”

O médico me olhou com uma expressão


levemente compadecida e pediu que eu fosse bater
outra chapa. Obedeci calada, só abrindo a boca para
cantar a música enquanto meu dedo reclamava de
dor, e voltei um tempo depois, com Gab em meu

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encalço. O médico olhou o resultado do raio x no


prontuário eletrônico e anunciou:

— Tudo certo, senhorita. Somente uma


fissura pequena, nada que uma imobilização não
resolva.

Saí do torpor imediatamente e implorei para


ele não engessar, pois atrapalharia meu trabalho.
Ele contestou, mas eu reclamei tanto, que ele
aceitou colocar uma tala dessas com velcro, com
uns furos estranhos para não pegar nos pontos.
Antes, me fez jurar que eu não a tiraria de modo
algum e que tomaria cuidado extra com a mão, o
que eu prontamente concordei.

Quando ele encostou no meu dedo, senti dor

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de novo e voltei a cantar o refrão da música que me


acalmava.

Não foca na dor, Lena, foca naquela


manchinha ali, na parede. E na letra da música,
continua cantando, tá dando certo.

— Pronto, senhorita, o pior já passou. A


senhorita vai precisar passar aqui para tirar os
pontos...

— “I love everything you do when you call


me fucking dumb for the stupid shit I do...” —
continuei cantando a música, ignorando o que o
médico dizia. A cada toque gentil dele, eu fazia
uma careta de dor.

Confuso, o senhor olhou para Gabriel, que

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pediu para que ele explicasse o que eu precisaria


fazer, já que eu parecia ter voltado ao transe e não
ouvia uma palavra do que o pobre velhinho dizia.
Mentira, eu estava escutando, só estava morrendo
de dor.

Gabriel se levantou e colocou a mão no meu


ombro, perguntando se poderíamos ir embora.
Olhei para ele com os olhos nebulosos e cantei uma
última vez o refrão:

— “I love everything you do, when you call


me fucking dumb for the stupid shit I do...”

O médico parou e prestou atenção na letra


da música pela primeira vez (“eu amo tudo o que
você faz, quando você me chama de idiota pelas

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merdas que eu faço”) e me olhou, novamente


preocupado, interpretando errado a canção:

— Tem certeza que a senhorita não quer


que eu chame o policial?

Sua pergunta me tirou do torpor mais uma


vez, e eu balancei a cabeça negando antes de
responder:

— Ele é meu colega, doutor, não meu


companheiro. É segurança da banda para qual eu
trabalho. Por isso está aqui, eu sou staff da banda, é
função dele garantir o bem-estar de todo mundo —
e tentei sorrir, agora que a dor estava dando uma
trégua na mão, mas parei imediatamente quando
meu lábio inchado protestou.

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O médico balançou a cabeça, parecendo


aliviado, e nos dispensou. Gabriel colocou a mão
nas minhas costas e me levou até a saída do
hospital, onde Pierre me esperava segurando minha
bolsa em uma mão.

— E aí, Lena? — perguntou, aparentando


estar aflito de preocupação.

Ergui o braço para Pierre, mostrando a tala.

— Uns pontinhos, uma fissura e essa boca


da Angelina Jolie depois de um preenchimento
labial que deu errado. Nada demais. Já já minha
boca volta ao normal, não se preocupe. Meu dedo
vai demorar um pouquinho, foi uma fissura de
nada, e os pontos eu terei que tirar só na Holanda

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ou na Noruega, mas, no geral, tudo certo.

Pierre suspirou de alívio e chamou um táxi


para nós três.

Chegamos no hotel por volta de uma da


manhã, parecendo exaustos. Bem, eu e Pierre mais
que Gabriel, lógico.

Assim que as portas do elevador se


fecharam, me virei para Pierre e me desculpei:

— Gatinho, obrigada pela força. Desculpa


ter estragado a nossa noite... — pedi, e ele balançou
a cabeça rapidamente para os lados.

— A culpa não foi sua, Lena! O que


importa é que nada de muito ruim aconteceu...
Mas... você tem certeza que não precisava de

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gesso?

Abri a boca para tranquilizá-lo, mas


Gabriel, que até então estava em silêncio desde que
saímos do táxi, não deixou que eu respondesse e
me interrompeu:

— É óbvio que precisava, Helena fissurou o


dedo. Ela poderia ter sido sensata e aceitado o
gesso — ele disse, obviamente irritado.

Olhei para ele por cima do ombro, mas não


falei nada. Meu olhar foi suficiente para que ficasse
em silêncio, apesar do rosto contrariado. A porta do
elevador se abriu quando chegou no andar de
Pierre, e ele me deu um abraço de despedida. Para
Gab, bateu continência com um sorriso contido e

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saiu caminhando pelo corredor até seu quarto.

Quando a porta do elevador se fechou de


novo, me voltei para Gabriel, um tanto contrariada:

— Vai ficar falando disso até que horas?


Não bastou falar durante vinte minutos no táxi?
Pierre só não ouviu porque estava de fones,
tentando relaxar depois da noite tensa! É, Gab, eu
não engessei, eu deveria ter engessado, mas não
rolou! Que chato, você! — reclamei.

Gabriel me olhou com o rosto franzido e


hesitou antes de comentar:

— Por que você não deixou que ele


engessasse?

Revirei os olhos.

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— Porque a tala é suficiente, e eu posso me


livrar dela daqui a duas semanas. Além do mais, a
tala prende só o dedo fraturado e o do lado, não o
braço inteiro, então eu posso costurar quando
houver necessidade.

Gabriel soltou ar pelo nariz rápido demais


para quem estava somente respirando.

— Não seria um gesso assim, Helena, por


causa dos pontos. Seria de outro tipo, não iria te
imobilizar inteira. Você arriscou ter alguma
calcificação indevida no dedo só para poder
costurar nos próximos vinte dias?

O elevador abriu a porta, e eu saí na frente,


revirando tanto os olhos, que até senti dor de

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cabeça. Abri minha bolsa e tentei pescar o cartão


com a mão imobilizada, mas não consegui e a
entreguei para Gabriel pegar.

— Não vai responder? — ele disse quando


me entregou o cartão e eu passei na porta,
desbloqueando-a.

— Sim, eu arrisquei, Segurança, sabe por


quê? Porque o trabalho é prioridade na minha vida.
Se fosse mais sério, tudo bem, mas foi só uma
fissura. Eu não posso ficar de molho viajando de
graça e deixar os meninos da banda irem para o
palco com roupas erradas porque a madame aqui
resolveu se acidentar na Bélgica! Fora que eu
preciso fazer minhas pesquisas de tendência, é por

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isso que estou aqui.

Falei tudo num fôlego só e entrei no meu


quarto, tirando os sapatos e jogando para o lado,
totalmente irritada.

— Se o seu dedo calcificar errado, seu


trabalho vai ser comprometido — Gabriel retrucou
ao entrar no quarto e fechar a porta atrás de si.

Comecei a me despir para não ralhar mais


com ele, resmungando “não me lembro de ter visto
seu diploma de medicina”, mas ele insistiu no
assunto mais uma vez:

— Helena, olha para mim. Vamos voltar ao


hospital agora para... — ele começou a falar
naquele tom de segurança dando ordens, mas eu o

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interrompi gritando:

— “Vamos”? Como assim “vamos”? Quem


quebrou a droga do dedo foi você? Não, então não
há “nós” aqui, Gabriel! Eu já levei os pontos que
precisava, e a porra do médico concordou em
colocar uma tala! Não vou voltar lá! Quem você
pensa que é para me dar esse tipo de ordem? Vai
para o seu quarto e para de encher o meu saco! —
exclamei e me virei de costas para ele, que tinha no
rosto uma expressão muito feia.

Com a respiração ofegante, fui ao banheiro,


bati a porta e terminei de tirar minhas roupas, me
enfiando no chuveiro com cuidado para não molhar
o braço ruim.

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Que coisa irritante! Uma coisa é se


preocupar, outra bem diferente é querer dar
ordens. Quem ele pensa que é, meu chefe? Nem
meu pai me dá ordens há pelo menos dez anos, que
dirá Gabriel, que é só meu...

Conferi a temperatura da água que saía do


chuveiro enquanto tentava completar a frase. O que
Gabriel era meu? Meu amigo? Meu amante? Meu
colega de trabalho?

Nossa, como eu odeio essas nomenclaturas!

Tomei um banho péssimo, mantendo o


braço meio para cima para não molhar e sentindo
dor nele todo, já que o efeito da anestesia havia
passado, e os cortes, consequentemente,

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começaram a doer.

Além disso, outro mal-estar foi surgindo aos


poucos: culpa. Não havia necessidade de ter gritado
daquele jeito com Gabriel. Não sei se foi o ranço do
hospital, depois que o efeito da bebida passou, se
foi a chateação de precisar ficar imobilizada e ter
que fazer um trabalho nas coxas, ou se foi algum
tipo de sensação de aprisionamento.

Há muitos anos eu não sentia aquilo,


principalmente depois da conversa que eu e Gabriel
tivemos quando nos conhecemos, quatro anos
antes. Porém, naquela noite, num país estranho,
depois de me livrar de um bêbado, cair de cara no
chão, me cortar toda, deslocar um dedo e ir parar

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num hospital no meio da noite, alguma coisa me


deu medo.

Terminei o banho, tentando entender o que


eu temia. Será que eu ativei algum gatilho por
causa do hospital? Será que me lembrei de
Alexandro, o homem que me agrediu há tantos
anos? Não, não era isso.

Saí do banheiro e vi o quarto vazio, me


sentindo pior ainda. Claro que Gabriel não ia ficar
sentado me esperando depois que eu o expulsei do
quarto! Coloquei meu pijama e voltei para o
banheiro para tentar secar o cabelo. E também era
óbvio que eu não conseguiria, já que eu sempre
segurei o secador com a mão esquerda. Meu cabelo

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é cacheado, não dá para só apontar o secador para


minha cabeça e aguardar o vento quente me deixar
com a cara do Urso do Cabelo Duro.

Pensei em pedir ajuda para Pierre, mas


desisti assim que vi as horas. Estava muito tarde,
era melhor deixar para lá e ir dormir. Mas eu
também não poderia ficar de cabelo molhado, ia
acabar gripando...

Chamar Gabriel está fora de cogitação,


não vou saber lidar com um homem que quer tanto
me proteger a ponto de ignorar as minhas vontades
e...

Espera, é isso? Eu estou achando que


Gabriel está passando por cima do que eu quero?

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Mas isso é meio idiota, não é? Gabriel não seria


capaz de fazer algo assim, seria? Ele não é
dominador, é só... protetor. E não é só comigo, ele
faz isso com todo mundo da banda...

Além do mais, não foi exatamente o que eu


fiz em Madrid, quando ele estava com febre por
causa da possível insolação? Não ordenei que ele
se cuidasse e bebesse o Gatorade? Por que eu
posso, e ele não? Ai, Lena, Lena...

Peguei meu celular, abri o WhatsApp e


liguei para Gab. Ele não atendeu, mas mandou uma
mensagem meio minuto depois:

“O que houve?”

Hm, que seco.

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“Eu preciso de ajuda”

“O que houve?”

Seco e frio. Ok, eu talvez mereça.

“Eu preciso de ajuda, Gabriel. Vem aqui,


por favor? Digitar com uma mão só é horrível”

Larguei o celular e enrolei a toalha no meu


cabelo enquanto esperava ele chegar. Minutos
depois, Gabriel bateu na porta, e eu fui abrir, um
pouco apreensiva.

— O que houve? — ele me perguntou pela


terceira vez, o rosto sério escondendo o que me
pareceu irritação.

— Eu preciso de ajuda para secar meu


cabelo, não sei fazer com uma mão só... Você pode

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secar para mim?

Gabriel franziu as sobrancelhas, mas entrou


no quarto assim mesmo, deixando seus sapatos do
lado da porta.

Sem dizer nada, fomos ao banheiro, me


sentei na tampa do vaso sanitário, e ele começou a
secar meu cabelo do jeito exato que um homem que
nunca usou um secador em cabelos cacheados faz:
de modo a me deixar igual à Maria Bethânia.

Ainda assim, deixei que ele destruísse meus


cachos em silêncio. Contanto que ficasse seco, eu
dava um jeito depois. Alguns minutos depois,
Gabriel terminou com meu cabelo, desligou o
secador e me perguntou:

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— Precisa de ajuda com algo mais?

Dióxido de carbono solidificado, como diria


minha irmã. Ou, para leigos, gelo-seco. Era Gabriel
naquele momento.

— Preciso.

— Diga.

Prendi a juba num coque malfeito, o melhor


que consegui com a ajuda da mão inútil. Gabriel
me seguiu enquanto eu saía do banheiro, o rosto
profundamente rígido.

Ok, eu mereço essa frieza toda.

Abri a gaveta da mesinha de cabeceira com


a mão boa e tirei uma trufa de café que eu havia
comprado mais cedo para comer à noite, quando

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estivesse sozinha. Estendi para Gabriel e pedi:

— Preciso que alguém coma para mim. O


cheiro do hospital me deixou enjoada. Quer?

Gab franziu as sobrancelhas, mas relaxou


um pouco o rosto em seguida.

— O cheiro também não me agrada, Lena.


Pode ficar com ela, você come amanhã — ele
respondeu sem sair do lugar.

Dei um suspiro. Eu era orgulhosa demais


para pedir desculpas por ter gritado, aquela era
minha melhor oferta de paz: oferecer a trufa
maravilhosa que eu não queria dividir com
ninguém, nem mesmo com ele. Bem ou mal, eu não
era a única culpada daquela situação.

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— Então tá, não preciso de mais nada —


disse e me virei para fechar a gaveta, mas esqueci
que a tala era maior do que meu dedo e bati com
tudo na madeira, soltando um gritinho e caindo de
joelhos ao sentir a dor ridícula que se espalhou pelo
dedo fraturado.

Nossa, que noite maravilhosa! Vamos


detalhar os pontos altos dela?

Primeiro: ser agarrada num bar, coisa que


eu tenho repulsa e medo desde que Alexandro me
deu uma porrada na nuca porque eu recusei ficar
com ele, fazendo com que eu desmaiasse e fosse
parar no hospital;

Segundo: escorregar, meter a boca numa

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haste de metal, cair com tudo no chão e transformar


meu dedo numa parábola, bem curvinha e
anatomicamente bizarra;

Terceiro: descobrir que minha aterrisagem


no piso do bar foi amortecida por cacos de vidro
que fizeram o favor de rasgar partes da minha pele
como se ela fosse de papel;

Quarto: ter que ir ao hospital, ser costurada


que nem um vestido — ah, a ironia das ironias — e
sentir mais dor do que nunca senti na vida ao ter
meu dedo colocado no lugar;

Quinto: acabar descontando tudo no pobre


do segurança da Sissy Walker, unicamente porque
ele queria o meu bem ao dizer que eu precisava ter

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feito o que o médico sugeriu — o que era óbvio,


não era?

Sexto: ver que Gabriel havia ficado puto


comigo — e com razão — e que eu não conseguia
ver outro jeito de pedir desculpas a não ser o
ridículo que bolei: toma, come essa trufa. Quantos
anos eu tenho, oito?

Sétimo: bater a mão na cômoda. Sim,


porque não bastava ter me ferrado toda, eu ainda
precisava usar a mão errada para fechar a gaveta,
me esquecendo que estava machucada, elevando a
dor que sentia a níveis estratosféricos ao bater
exatamente o dedo ruim na madeira. Muito
inteligente, não? Muito! Nem bêbada eu estava

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mais, então nada justifica tamanha burrice.

Fiquei enumerando a quantidade de closes


errados que eu e o universo demos naquela noite
enquanto rangia os dentes por causa da dor que se
espalhava pela mão inteira. Até os cortes doeram
mais, provavelmente em solidariedade ao dedo,
pobre dedo.

Assim que viu o que aconteceu, Gabriel


correu até mim, se ajoelhou do meu lado e pegou
na minha mão, procurando por algum machucado
visível. Agarrei seu braço com a mão boa e escondi
a ruim contra meu colo enquanto falava palavrões
bem sonoros entredentes.

A dor demorou uns minutos para passar e,

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quando dei por mim, estava com o corpo totalmente


inclinado para frente, ajoelhada no chão do quarto
de hotel, a cabeça apoiada no braço livre de
Gabriel, que permanecia em silêncio com uma mão
no meu ombro e a outra segurando gentilmente a
tala, provavelmente procurando algum machucado
aparente, algum ponto aberto, coisas do tipo.

Quando finalmente meu dedo parou de


doer, levantei a cabeça e enxuguei a testa suada
com a mão direita. Gabriel afastou do meu rosto
uma mecha que se soltou do coque e me olhou,
nitidamente preocupado.

— Quer que eu compre um remédio de dor


ou que pegue gelo?

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Notei que ele não perguntou se eu queria ir


para o hospital, o que esmagou o restinho de birra
que ainda me impedia de agir como uma adulta.

— Não, quero só que essa noite bunda


acabe! Desculpa, Gab, eu fui uma ogra com você
sem necessidade. Mas também quero que você pare
de querer mandar em mim — disse, ainda ofegante
pela dor.

Gabriel ergueu as sobrancelhas, surpreso,


mas logo se conteve, ficando sério e em seguida me
dando um pequeno sorriso de paz.

— Desculpa, não foi minha intenção


mandar em você. Tem certeza que não quer um
remédio?

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Balancei a cabeça, me sentindo mais


aliviada por termos resolvido aquilo, e estendi o
braço para que ele me ajudasse a me levantar. Ele
me colocou de pé e me olhou preocupado quando
eu mantive a mão agarrada ao corpo. Balancei a
cabeça para os lados, respondendo a sua dúvida
silenciosa de que talvez algo tivesse dado errado ali

— Notou que sempre que a gente tá junto


eu termino com a mão machucada de algum modo?
É a segunda vez já. Ao menos não foi culpa sua
dessa vez, mas não muda o fato que eu estou com
dor na mão... — brinquei e dei uma risada cansada
enquanto me deitava na cama.

Gabriel piscou algumas vezes, tentou não

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rir, mas não conseguiu.

— Vamos inverter essa situação, então,


Costureira.

— Boa ideia. Vou arrumar um jeito de te


machucar quando eu melhorar. Ou vou partir seu
coração, acho que é mais desafiador e eu não
preciso usar as mãos pra isso — comentei e me
ajeitei embaixo das minhas cobertas quentinhas e
macias.

O sorriso de Gab diminuiu no rosto, e eu


levantei a cabeça e uma sobrancelha, dirigindo um
olhar muito irônico para ele enquanto zombava:

— Ah, o que foi? Vai dizer que não tem


coração, agora? O bad boy clássico, sem coração,

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sem sentimentos, sério, tatuado, que não quer se


envolver com ninguém, que sabe atirar, que tem um
passado sombrio e que fica lindo com o rosto
fechado. Você também dirige uma moto? Tem
algum piercing em algum lugar que eu não tenha
notado? Difícil, já conheço cada parte do seu corpo
com a palma da minha mão — ergui a mão com o
dedo quebrado. — Ok, talvez não essa mão, mas a
outra, que não é tão inútil... Enfim, menos, Gabriel.
Vem cá e me mostra que sabe sorrir — terminei o
monólogo sorrindo e estendi a mão direita para ele.

Gab me deu um sorriso a contragosto e


pegou na minha mão. Eu o puxei para que ele se
deitasse, mas ele ofereceu resistência e me
perguntou:
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— O que você quer, que eu deite com você?

— Sim. Não pode?

Ele hesitou antes de responder:

— Eu preciso acordar cedo amanhã...

— Ah... Verdade, tem razão, eu também


preciso. Então tá, a gente se vê amanhã... Quer
conhecer a Bélgica comigo? Eu estarei de folga
depois das cinco... Ou não, né? Não sei se vou
conseguir costurar os pedidos dos meninos com
essa mão... Vou ver se Pierre pode me ajudar...
Vamos ver.

Gabriel balançou a cabeça assentindo e


sorriu, ainda que seus olhos não acompanhassem os
lábios e permanecessem sérios.

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— Boa noite, Costureira.

— Boa noite, Segurança. Obrigada por ter


secado meu cabelo... — respondi com um pequeno
sorriso antes de voltar a me enfiar debaixo das
cobertas.

Gabriel me fitou por cima do ombro e me


deu um olhar que eu não soube decifrar. Pensei em
perguntar o que era por mensagem quando ele
fechou a porta, mas a exaustão me venceu, e eu
fechei os olhos antes mesmo de desligar as luzes,
apesar da dor.

A noite foi um fracasso, mas ao menos uma


parte dela foi boa: Gab não estava mais com raiva
de mim.

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Ponto para Lena.

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Amsterdã
Deixamos o hotel antes do anoitecer. Por
causa de uma tempestade inesperada, o voo foi
adiado para o período noturno, o que não era muito
transtorno, já que são poucas horas da Bélgica até a
Holanda, próximo destino da turnê.

Entrei no jatinho com o coração dançando


um samba de raiz no meu peito. Só que dessa vez
não foi só por causa do medo de enjoar, mas
também porque eu não conversava com Gabriel
desde o dia do acidente com a minha mão, então
não teria o conforto de sua mão calejada e de suas
perguntas inúteis para me distrair enquanto
estômago fazia força para se esvaziar do pior modo
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possível.

Apesar de ter saído do meu quarto agindo


como se tudo estivesse bem, Gabriel sumiu nos dias
seguintes e não foi fazer turismo comigo, como
combinamos, o que me fez pensar que ele talvez
estivesse me evitando.

Ainda que estivesse um pouco chateada


com isso, não demonstrei nenhum tipo de
descontentamento nas poucas vezes em que
esbarrei no segurança da Sissy Walker nos almoços
ou reuniões. Não sou de correr atrás dos outros,
mesmo que eu estivesse errada. Além do mais, nós
pedimos desculpas um para o outro naquela noite.
O que mais era preciso ser feito? Mandar flores?

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Nem é preciso mencionar que eu estava


subindo pelas paredes. Muitos dias sem o
Segurança, e não é como se eu estivesse no pique
para procurar companhia em Amsterdã. Meu dedo
ainda doía, eu ainda estava toda roxa e a lembrança
passada de Gabriel agindo por impulso e me
levando para um corredor do hotel para fazer sexo
artesanal (ou seja, feito com as mãos) não me saía
da cabeça, afastando toda e qualquer vontade de
encontrar outra pessoa.

Agarrada à minha bolsa, me sentei no


primeiro assento perto da entrada do jatinho,
chequei meus curativos e a tala e fechei os olhos
com força enquanto tentava me distrair das coisas
que me aceleravam o coração. Tentei me lembrar
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da letra de uma música que ouvi no iPod de Pierre


no dia anterior.

Comecei a cantarolar o refrão, quando


alguém se sentou ao meu lado. Abri os olhos e vi
Gabriel, vestido em seu uniforme e usando óculos
escuros, com seu celular na mão e um pequeno
sorriso no rosto. Olhei para ele, surpresa, mas não
falei nada. Achei que ele se sentaria em outro lugar,
não ao meu lado.

— O que foi, Costureira? Incomodo? — ele


perguntou, agora com o rosto sério ao notar minha
expressão.

— Não, nem um pouco, Segurança, pelo


contrário. Me dá a mão — ordenei e estendi minha

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mão boa para ele, que sorriu e a envolveu em seus


dedos grandes.

Respirei fundo, sentindo o alívio se espalhar


pelo meu peito de ver que ele não estava com
raivinha, e que eu teria sua mão trambolhuda para
segurar minha barra.

— Eu devia ter comido aquela trufa... — ele


comentou com um pequeno suspiro quando
desligou o celular.

Olhei para a frente e sorri antes de falar:

— Se tivesse ficado no quarto, teria comido


mais do que a trufa, mas nããããão... — brinquei e
ouvi sua risada baixa e rouca.

— Aquela não foi uma noite muito boa,

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Costureira. Além do mais, a turnê só está


começando, temos tempo de sobra para trocar
trufas — ele disse enquanto ajeitava sua mão na
minha.

Comecei a rir, mas parei imediatamente


quando o avião começou a taxiar.

— Então, Lena, que música era essa que


você estava cantando quando eu cheguei? — ele
perguntou tranquilamente.

— Sweet About Me! Ouvi no iPod da Pierre


e adorei! É da Gabriella Cilmi! Sabe que ela se
parece com a Sophia? — quase gritei quando a
decolagem começou e meu estômago se revirou —
Apesar de que a Sophia tem cabelo curtinho desde

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sempre, e essa moça tem o cabelo longo...! Ufa...


— respirei fundo quando o avião estabilizou e
soltei a mão de Gabriel, que me deu um sorriso e
foi ligar seu celular, como sempre fazia.

Peguei minha garrafa de água na bolsa e


olhei de rabo de olho para Gab, que estava
tranquilo conferindo o e-mail. Quando terminou,
voltou a atenção para mim, olhando meu cabelo
escovado.

— Você tem alisado sempre o cabelo... É só


por causa da mão?

Passei os dedos nos fios e expliquei:

— Não só isso... Meu cabelo não está muito


acostumado com esse clima europeu bugado, então

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tá sendo mais fácil manter liso. Inclusive, estou


pensando em mudar o corte. Eu tô parecendo a
Lara Croft, ostentando essa trança
desnecessariamente grande.

— Ué, mas vai cortar ou alisar?

— Acho que os dois. Meu cabelo é tipo


trepadeira, cresce muito rápido. Daqui a pouco tá
grande e enrolado de novo.

— O cheiro dele vai mudar?

Confusa, olhei para Gab e disse que não,


claro que não ia mudar.

— Então, tá ótimo — ele disse e voltou sua


atenção para o celular.

Dei um sorriso de canto de boca ao

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compreender seu comentário e me bateu uma súbita


vontade de beijá-lo. Larguei minha garrafa na bolsa
e me pendurei em cima dele, olhando para o
corredor do jatinho.

— Lena? Tudo bem? — perguntou, confuso


quando eu não me levantei e continuei apoiada em
seu colo.

— Não, tudo ótimo, Segurança. Só estou


verificando se o Ricky não está em pé vindo
sorrateiramente falar com você. Não, está
dormindo. Tony está... espera, indo para o banheiro
com a Betty...? Eca, estão mesmo? Não queria ter
visto isso. Hm... A Aline tá cochilando e o Diego tá
com a cara enfiada no celular. Pierre, Erika... Não,

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tá todo mundo quieto.

— E qual é o seu ponto? — ele perguntou


com um leve traço de humor na voz.

Levantei de seu colo, reclamando do braço


da cadeira metida a besta que estava furando minha
cintura, e voltei para minha posição normal.

— Nenhum, só não quero que ninguém nos


veja, ué — disse e me virei de lado, pegando seu
rosto entre as mãos e puxando para perto. Gabriel
ergueu as sobrancelhas rapidamente, mas deixou
que eu o conduzisse, não sem antes comentar:

— Horário de trabalho, Costureira... —


disse, mas encostou seus lábios no meu rosto, ao
lado da minha boca.

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— Não tem horário de trabalho num avião,


Gab... — sussurrei quando ele se inclinou mais e
beijou meu maxilar.

— Tem sim, meu trabalho nunca acaba. Por


que você acha que eu não saí com você essa
semana?

Finquei as unhas em seu pescoço e ergui o


queixo para que ele tivesse acesso livre no meu
colo.

— Porque você estava boladinho por eu ter


gritado com você, talvez?

Ouvi sua risada e desci o queixo para mirá-


lo nos olhos. Gab tinha um brilho divertido neles
quando me respondeu, sem tirar as mãos de mim:

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— Quantos anos você acha que eu tenho,


dezoito?

Sorri para ele e respondi:

— Não, imagina. Creio que você tenha uns


cinquenta, sessenta, talvez... Sangue de roadies
virgens é melhor para disfarçar velhice do que
maquiagem da Sephora, Segurança.

Gabriel riu e se afastou por um segundo,


dando uma olhada no corredor e voltando em
seguida.

— Continuo em meu horário de trabalho,


Lena... — ele disse, mas continuou se aproximando
de mim assim mesmo.

— Ah, não, Segurança, não vem com essa.

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A não ser que tenha um terrorista dentro do


banheiro ou que o piloto seja um fã louco
disfarçado, não tem muito o que você possa fazer
aqui em cima. Então, não, não é horário de
trabalho, Gabriel... — respondi e mordi seu lábio
antes de juntar minha boca na dele.

Gabriel me pegou pela cintura e


correspondeu meu beijo sem hesitação, me fazendo
sentir em sua língua o gosto do café tomado havia
pouco tempo. Delicioso. Enlacei seu pescoço e me
aproximei dele o máximo que a distância entre
nossas poltronas permitia.

Beijamo-nos por um bom tempo, até que


Gab me soltou de repente e endireitou o corpo na

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poltrona, como se tivesse escutado alguém


chegando. Endireitei o corpo imediatamente, com a
respiração ofegante, e abracei os joelhos, tentando
parecer casual quando Ricky apareceu ao seu lado.
Imediatamente me senti com dezesseis anos,
beijando meu primeiro namorado escondido na
escola.

— Escutem, vocês dois, estou para


perguntar isso a vocês tem um tempo, mas sempre
me esqueço. Posso colocar os dois no mesmo
quarto? Vocês vivem dormindo um no quarto do
outro de qualquer forma. Seria um gasto a menos
para a gravadora — disse com tranquilidade.

Desviei o olhar da janelinha e o encarei,

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assustada.

Como assim, mesmo quarto? Dividir um


quarto? Com Gabriel? Por quê? Eu nem... Mesmo
quarto? Mas...

— Ahn... Por quê? — perguntei atônita, na


ausência de algo melhor para dizer.

Gabriel estava avaliando Ricky quando eu


perguntei, mas desviou o olhar para mim quando
ouviu a minha hesitação. Uma expressão estranha,
um misto de curiosidade com desconfiança, surgiu
em seu rosto, mas ele não disse nada.

Ricky franziu as sobrancelhas, achando


estranho a minha pergunta, e olhou para Gabriel.

— Não, Ricky, não precisa, obrigado. Pode

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manter um quarto para cada um — Gab pegou o


celular e checou as horas enquanto respondia com
voz séria.

O chefão deu de ombros e voltou para o seu


lugar, parecendo insatisfeito.

Mão-de-vaca.

Soltei a respiração e comentei, mais para


mim mesma do que outra coisa:

— Vou pegar um pratinho e uma faquinha


com a comissária de bordo e vou comer uma
deliciosa fatia dessa torta de climão que está
pairando na minha frente...

Gab não parecia estar preocupado com isso,


ao contrário de mim. Percebi pela sua risada.

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Soltei meus joelhos para poder pegar meu


celular na bolsa, liguei o bendito e fiquei em
silêncio lendo um livro nele, até que Gab rompeu o
breve silêncio.

— Por que você não gosta de ninguém


dormindo com você? — não havia um tom
acusatório em sua voz, apenas curiosidade. Ainda
assim, eu me mantive um tanto na defensiva:

— Por que você tá perguntando isso?

Ele levantou levemente os ombros e sorriu.

— Só por perguntar. Normalmente você


volta pro seu quarto depois de passar no meu, ou
fica me encarando quando eu passo no seu, como
se estivesse esperando que eu fosse embora, então...

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Depois de dois meses disso, não tem como não


ficar curioso.

Pisquei duas vezes e procurei em seu rosto


sinais de que ele estivesse com raiva ou
reclamando, mas não havia nada. Hesitei por um
momento antes de responder:

— Não é nada traumático, nem nada. Até


era antigamente, mas agora são outras razões.
Depois que eu envelheci...

— Envelheceu? — ele me interrompeu,


achando graça.

— Sim, tenho quase trinta, não sou mais


uma menina de quinze, ué. Depois disso, eu viciei
em café, como você bem sabe. Então eu vou ao

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banheiro toda hora, pareço uma grávida de bexiga


pequena. Isso incomodaria a pessoa que dormiria
ao meu lado. Fora que eu tenho sono leve e não
consigo dormir com quem se mexe muito... —
respondi, um pouco incerta. Era tudo verdade, mas
não eram motivos muito válidos quando eu falava
em voz alta. — Por que, Gab? Você quer dividir
um quarto?

— Não, não, só queria saber mesmo. Eu


gosto de ter um quarto meu, não vejo motivos para
não termos cada um o seu — ele disse com um
sorriso tranquilo no rosto e voltou sua atenção para
o celular.

Ufa. Fim do momento constrangedor.

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Pelo amor, o que o tiozão da Sukita estava


pensando? Não tem nem três meses de turnê
completos ainda! Ok, eu e Gabriel estamos mais
próximos, mas isso não significa que a gente
queira... bem... juntar as escovas de dentes!!

Não, não, por favor! E se eu quiser ir ao


banheiro fazer o número dois, ele vai fazer o quê?
Dar uma volta pelo hotel enquanto isso? E se for
de noite? Não, não, privacidade é um luxo para
pessoas famosas, eu não sou tão famosa ainda,
posso me agarrar a esse luxo com unhas e dentes
enquanto ainda dá.

Gabriel realmente não se importou com


minha recusa: assim que fizemos menção de sair do

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aeroporto, me puxou e me beijou quando ninguém


estava olhando, mostrando que estava tudo bem por
ele. Um senhor beijo, por sinal. Lindo, fez meu
coração disparar e tudo, mas não me fez mudar de
ideia sobre querer um quarto só para os dois.

Horas depois, já no meu quarto de hotel,


quando bateu na minha porta, me deu o sorriso de
sempre e perguntou se eu estava ocupada, acabei
repensando se valia a pena eu abrir mão da
companhia de Gabriel por mais umas horas por dia
só por causa de um luxo bobo.

Quando o deixei entrar, o beijei antes


mesmo de fechar a porta e o levei para cama
sabendo que só teríamos meia hora juntos até ele

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voltar para seu quarto, minha certeza se esvaiu pela


metade. Trinta minutos era muito pouco tempo!

As roupas logo encontraram o chão do


quarto do hotel. Gabriel, tomando cuidado para não
esbarrar na minha mão imobilizada, deitou por
cima de mim e me beijou daquele jeito que só ele
sabia me beijar.

Uma hora depois, quando eu adormeci sem


querer ao lado dele após quarenta minutos de sexo
fabuloso, acordei momentos mais tarde e o vi
dormindo tranquilamente em minha cama, quase
imóvel e sem se incomodar comigo levantando para
ir ao banheiro, minha certeza de que cada um
deveria ficar em seu próprio quarto se esvaiu por

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completo. Afinal, seu sono era pesado, logo, eu não


o atrapalharia, e ele dormia como se estivesse em
coma, logo, não me atrapalharia. Por que não o
deixar dormir comigo?

Não estava pronta para dividir um quarto


ainda, mas poderia deixar ele entrar um pouco mais
em minha vida.

Só mais um pouco.

Que mal teria?

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Oslo
— Ei, Costureira!

Parei de conferir uma planilha de peças e


me virei para ver quem me chamava pelo apelido
que Gab me dera. Não era exatamente comum
alguém me chamar assim, então estranhei. Diego,
em todo seu esplendor carismático, vinha em minha
direção, me cegando com seu sorriso brilhante.

— Oi, Diego... Prefiro quando você me


chama de General ... — disse com um sorriso
tímido enquanto desligava meu iPad, o guardava na
bolsa e me preparava para ir embora da casa de
shows em Oslo.

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— Jura? Mas o Gabriel te chama de


Costureira...

Abri a boca para responder, mas fui


interrompida antes da soltar a primeira palavra.

— É, mas é o Gab, querido! Tem uma


diferença enorme entre ele chamar de Costureira e
você chamar de Costureira... — Aline apareceu ao
lado de Diego e comentou, toda risonha.

Devo ter corado bastante, pois os dois se


entreolharam e começaram a rir. Revirei os olhos e
ajeitei as alças de minhas bolsas nos ombros,
pegando minhas pesquisas de tendência em cima da
mesa e voltando para perto de Diego.

— O que você queria falar, Diego?

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— Ah, sim! Nós vamos pedir pizza e beber


umas no quarto de Jim, quer vir?

— Pizza? Claro que quero! Que horas?

Comer algo que não exigisse o uso de garfo


e faca era sensacional para quem tinha uma mão
imobilizada. Já tinha sido constrangedor demais
pedir a Gabriel que cortasse meu bife em um jantar
com a banda toda.

— Ah, assim que chegarmos no hotel! Tony


encontrou uma pizzaria que funciona até as quatro
da manhã, então ela já fez os pedidos. Faltam... —
ele disse e olhou as horas no celular — dez para as
três, então vai dar certinho tempo de chegar no
hotel e comer tudo quentinho.

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— Perfeito! — exclamei, animada.

Adorava os momentos em que todos se


reuniam por motivos alheios ao trabalho. No início,
eu recusava educadamente, mas Tony passou a me
puxar quase pelo cabelo e mandou que eu parasse
de me isolar da banda. Sua atitude foi maravilhosa,
porque eu passei a me divertir como nunca com
todos, mesmo com os que eu não tinha tanta
proximidade, como Jim e Aline.

O efeito do café tomado no início do show


começou a passar, e eu coloquei a mão na boca
para esconder um bocejo assim que Diego e Aline
rumaram para a saída. Esfreguei os olhos, borrando
meu delineador todo sem perceber, e tirei meus

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saltos, sentindo o chão frio relaxar meus pés


cansados.

— Não sei por que você vem trabalhar de


salto, Costureira. Toma — Gab apareceu do meu
lado e me entregou um copo de café. Gemi de
prazer ao sentir o cheiro maravilhoso da bebida e
larguei as bolsas e os sapatos no chão para pegar o
copo com as duas mãos.

Bebi o café quase todo de uma vez, ainda


que soubesse que esse tipo de impulso não era
muito bom. Na verdade, eu não me importava
muito, estava delicioso, sem açúcar e muito forte.
Provavelmente era café de torra escura, pelo
amargor que senti. Não que fosse um amargo ruim,

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apesar de ser torra escura, era... Bom, levanta-


defunto, exatamente o que eu precisava.

— Obrigada, Segurança. Acabou de


cumprir suas tarefas?

— Sim. Erika já está com Betty e Tony na


van, vim buscar você — ele disse com a expressão
neutra de quem estava com o Modo Segurança
ativado no nível hard.

— Ah, sim! Ok, vamos! — disse e peguei


meus sapatos e minha bolsa no chão.

— Não vai calçar os sapatos? — Gab pegou


a bolsa da minha mão, e como de costume desde
meu acidente, não retruquei, já que carregar
qualquer coisa com a mão imobilizada estava sendo

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chatinho, para meu desgosto.

Sim, tive um ou outro problema com a


fissura. Precisei dar um pulinho no médico
novamente quando a dor piorou, mas, de novo, não
aceitei o gesso. Os pontos eu já até havia retirado
num hospital ali mesmo, na Noruega, mas recebi do
médico a recomendação de ficar mais uns dias com
aquela tala escrota. Tudo porque Gabriel, que
acabou indo ao hospital comigo, contou sobre a
recomendação do médico na Bélgica: engessar.
Dedo-duro!

— Meus pés estão doendo, melhor ir


descalça — expliquei antes de beber o resto do café
enquanto nos encaminhávamos para a saída.

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— Lá fora o chão é de pedra irregular, não


vai machucar seus pés? — ele perguntou e olhou
para baixo, como se avaliasse o fio da meia-calça.

— Não, no máximo vai desfiar minha meia-


calça, mas tudo bem. Essa era de Sophia, ela tem
umas cinco iguais — expliquei, peguei minha bolsa
de sua mão e sorri para ele antes de entrar na van.

Fui para o final da van, torcendo por um


cantinho onde pudesse tirar um pequeno cochilo até
que eu pudesse chegar no hotel e beber um balde de
café ou tomar um banho relativamente frio para me
despertar, e me sentei do lado da janela.

Tony saiu de seu lugar e se sentou ao meu


lado, me puxando pelos ombros e fazendo com que

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eu deitasse em seu colo. Senti o sono bater, mas


lutei contra ele.

— Pronto, cochila. Nenhum café no mundo


vai te despertar se você não dormir agora, e eu
quero você acordadíssima para gente encher a cara
no hotel — ela disse, rindo e passando a mão no
meu cabelo alisado.

— Quer apostar que nenhum café me


desperta? Na dose certa, eu fico três dias sem
dormir... Provavelmente vocês vão me encontrar
correndo nua em alguma floresta — brinquei
enquanto me aconchegava em suas pernas e
aceitava seu carinho.

Ouvi sua risada e fechei os olhos, sentindo a

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pequena dose de café que eu tomara tentando me


manter acordada, mas meu sono era mais forte do
que nós duas, eu e a cafeína, juntas. Em poucos
segundos, cochilei no colo de minha amiga.

Acordei uns vinte e poucos minutos depois


com Betty rindo escandalosamente de alguma
coisa. Ergui o corpo do colo de Antônia e esfreguei
os olhos, sonolenta como uma criança depois de
uma partida de futebol.

— Lena, para de fazer isso, tá borrando a


maquiagem toda! Tá estragando o visual de cabelo
novo, poxa! — Pierre reclamou ao olhar para trás e
me ver que nem um panda. — Vem cá, deixa eu
tirar.

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Pisquei várias vezes, um pouco temerosa ao


vê-lo sacar um pacote de lenços demaquilantes da
bolsa e vir em minha direção. Antônia se afastou
para que Pierre pudesse limpar meu rosto, e eu me
voltei para Aline, que nos olhava distraída.

— Aline, me ajuda, ele vai furar meu olho


com esse carro em movimento...! — brinquei
quando Pierre começou a esfregar o produto nos
meus olhos.

— Engraçadinha... — Pierre reclamou,


apesar do sorriso no rosto, e eu fechei os olhos para
deixá-lo fazer seu serviço enquanto ouvia risadas e
zombarias.

Minutos depois, ele parou com a tarefa de

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tentar mover meus olhos de lugar na base da


esfregação e me observou, avaliando o resultado.

— Ok, tá melhor. Não tirei tudo, mas


consegui limpar o estrago que você fez.

— Pô, não tirou tudo? Você quase arrancou


minha íris! — exclamei, e o figurinista fez uma
careta e me empurrou no banco. — Brigada, meu
amor. Vem cá, deixa eu te dar um beijo.

Pierre ergueu uma sobrancelha, como quem


dizia “olá, você está oferecendo um beijo para
mim?” e apontou para Aline.

— Dá nela, Aline é bissexual, mas não sabe


ainda.

— Opa, não seja por isso! Vem cá, Aline!

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— gritei e estendi os braços para ela, que gritou e


saiu correndo dentro do carro, indo sentar em outro
banco. A risada foi geral.

— Ei, eu dou o beijo, serve? — Tony


perguntou, e eu não consegui deixar de rir com a
expressão de Betty: foi de risonha para birrenta em
um segundo.

E ainda tinha a coragem de dizer que não


estavam juntas, pode um negócio desses?

Mas não tem problema: até o final da turnê,


eu prometi para mim mesma, ia arrancar uma
confissão das duas. Palavra de costureira!

***

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Optei por um banho antes de ir para o


quarto onde a banda estava reunida. Ainda tomando
cuidado com o dedo bugado, peguei uma saia
simples preta, uma blusa soltinha com gola peter-
pan e sequei meu cabelo. Não vou mentir: prefiro
ele cacheado, mas daquele novo jeito era mais
prático de cuidar.

Mandei uma mensagem para Betty, que me


informou em qual quarto seria a comilança, e fui na
direção da porta, pronta para encher a pança de
pizza. Antes de sair, lembrei dos meus harness
esquecidos na mala. Faziam parte dos pilotos da
coleção nova de roupas de baixo, feita em parceria

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com uma estilista de lingerie com pegada fetichista,


cheias de cinta-ligas, body cages e afins. Eram
peças que faziam qualquer mulher se sentir muito
sensual e poderosa. Eu amava cada uma delas, mas
não tinha usado nenhuma até aquele dia.

Escolhi um suspender estilo cage, que nada


mais era que uma espécie de cinto com tiras que
desciam até a coxa e a circundavam, imitando uma
cinta-liga falsa, e o vesti por baixo da saia. Olhei no
espelho, me certificando que a saia cobria as tiras, e
saí da suíte satisfeita com o resultado geral, indo
rumo ao quarto de Jim.

Assim que cheguei, vi que Diego, Betty e


Tony estavam sentados nos dois sofás luxuosos,

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enquanto Gabriel e Erika estavam conversando em


pé encostados na parede oposta aos sofás, próximos
à porta do quarto. Pela expressão, estavam falando
de trabalho, como sempre. Aline e Pierre estavam
sentados no chão, Aline encostada nas pernas de
Betty e Pierre de pernas cruzadas, corpo inclinado
para trás, e apoiado com as mãos no chão.

No chão, entre os sofás, havia, literalmente,


umas quinze caixas de pizza abertas, lindas,
cheirosas, brilhantes. Vi algumas tradicionais, tipo
pepperoni, mas também vi várias com coberturas
estranhas, que, ainda assim, pareciam muito
apetitosas. Minha boca salivou tanto, que eu me
esqueci dos bons modos e fiquei encarando aquelas
belezinhas como uma tartaruga ninja adolescente.
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Ao lado delas, claro, um monte de bebida.


Era uma banda de rock, o que eu esperava, leite
com achocolatado?

— Ei, Lena! Bem-vinda! Senta aí, pega uma


fatia! — Aline gritou quando me viu, e eu desviei
minha atenção das pizzas.

Pierre deu dois tapinhas no chão ao seu


lado, e eu me sentei com ele, dando um beijo em
seu rosto de pele de pêssego e um “oi” geral para
todos.

— Olha, eu recomendo essa aqui. Nem sei o


que tem nela, mas é bem gostoso —disse,
apontando para uma caixa em que só restaram três
fatias de pizza.

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Começamos a comer (ou recomeçamos, no


caso, pois todos já tinham comido ao menos duas
fatias antes que eu chegasse no quarto), e Betty
gritou para que Gabriel e Erika sentassem conosco.
Os dois puxaram cadeiras de uma mesa imensa no
canto da sala e sentaram à minha esquerda, Erika
perto de mim e Gabriel próximo ao braço do sofá
em que Diego estava.

— Ei, vocês estão calçados! As pizzas estão


no chão, seus porquinhos! — eu exclamei ao ver os
dois pares de sapatos dos seguranças. Gabriel
revirou levemente os olhos e se levantou junto de
Erika para deixar os sapatos na entrada.

Aline ficou olhando os dois me obedecendo

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tão rapidamente e se voltou para mim, surpresa:

— Uau, Lena, você coloca ordem mesmo,


hein?

— General sendo General, Liney... Nunca


viu como ela é cruel com a gente antes dos shows?
“Veste isso”, “não usa aquilo, não é seu!”, “Ai,
Diego, não dificulta meu trabalho!” — Diego disse,
me dando um sorriso irônico.

Senti minhas bochechas ficando quentes e


mordi um pedaço da pizza, mastigando
rapidamente e engolindo antes de responder:

— Vou ouvir isso até o final da turnê, não


vou, seu chato? É meu modo profissional ativado,
já disse. Eu não sou um amor fora do horário de

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trabalho? Até comprei uma pulseira linda para você


quando fui turistar sozinha!

Aline ergueu o pulso, mostrando a pulseira


preta de couro comprada na Suécia.

— Linda mesmo, Lena, eu amei, obrigada.


O quê? Ele deixou dando sopa, eu roubei! — ela
disse com um sorriso inocente, e eu caí na
gargalhada ao ver a cara contrariada do guitarrista.

— Ei, quem vocês chamaram de General?


— perguntou Erika ao entrar descalça na sala,
afastar a cadeira e sentar no chão ao meu lado. —
Pega uma daquelas para mim, Lena? A do lado.
Essa. Obrigada.

— O Diego me chama de General porque

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eu sou muito séria com ele na hora do trabalho,


gata. Um dramalhão mexicano que só vendo.

— Eu sou da Espanha, você lembra, né? —


o guitarrista corrigiu, achando graça de meu
comentário.

Dei de ombros, como quem diz “tanto faz,


mesma coisa”.

Erika mordeu a ponta da pizza e me olhou,


impressionada.

— Ah, então é você quem andam chamando


de General? Eu já tinha escutado o apelido, mas
não sabia quem era, achei que era um dos
seguranças contratados! — disse e levantou o rosto
para Gabriel, sentado na cadeira. — Cara, como

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assim? Isso não pode ser um acaso!

Betty olhou para Gabriel e para mim e


começou a rir.

— Um acaso...? — eu perguntei, confusa.

— Sim! Você sabe que o apelido de Gab é


Comandante, não sabe? Meu Deus, façam um favor
à humanidade, não tenham filhos! General e
Comandante? Vai nascer um exército de soldados
prontos para a guerra e movidos à cafeína — ela
disse isso totalmente séria, como se fosse um
pedido real, o que fez com que todos da banda
caíssem na risada, menos eu e Gabriel.

— Vocês são ridículos — disse antes de


comer o restante da minha pizza, fazendo um

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esforço imenso para não sorrir. Pierre apertou


minha bochecha e deu coro aos comentários:

— Ah, vai! Ela tem razão! Vocês dois,


quando vão trabalhar, ficam com o rosto tão sério,
que dá medo de falar com vocês! E o mais
engraçado é que vocês não se encostam!

— É, nem parece que depois vão se atracar


nos elevadores, de tão separados e impassíveis que
ficam nos shows! — Tony entrou na conversa.

Arregalei os olhos e olhei para Gabriel, que


parecia surpreso também.

— Como assim se atracar nos elevadores?


— perguntei.

— Ah, Lena. Não se faz de boba. Pensa que

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a gente não sabe que vocês dão altos amassos


quando pegam os elevadores sozinhos? Vai negar?
— Tony provocou com um sorrisinho irônico no
rosto.

Apertei os olhos para ela antes de


responder.

— Óbvio que não vou, todo mundo sabe


que eu e Gab... Bom, enfim, quero saber como
vocês viram eu me agarrando nele em um elevador.
Conseguem ver através de paredes ou metais, por
um acaso? São uma banda alienígena, e eu nem
sabia?

Diego pegou seu celular, mexeu nele por


dois segundos e me jogou o aparelho. Atônita, vi

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uma foto minha com Gabriel no elevador do hotel


na Holanda, no último dia de shows. Nela, eu
estava tão agarrada no Segurança, que prendia sua
cabeça com meus antebraços num abraço
apertadíssimo. Gabriel, por sua vez, tinha uma mão
na minha cintura e a outra por baixo da minha saia,
me trazendo, se é que era possível, mais para perto
de seu corpo.

A foto estava um pouco borrada, pois


provavelmente foi tirada às pressas. As portas do
elevador estavam fechando, o que mostrava que
nós dois fomos um pouco... apressados em nosso
contato. Ampliei a imagem e vi a parte de baixo da
minha língua no momento em que nossas bocas se
encontraram. Eca.
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— Tem outras fotos, passa para o lado, se


quiser ver.

— Tá, tá, tanto faz. Legal, temos paparazzi


dentro da banda. Quem diria — eu disse, um
pouquinho envergonhada, e joguei o celular de
volta para o seu dono. — É uma tara, Diego, isso
de ficar fotografando a gente? Ou o lance é só
voyeur mesmo? Posso poupar seu trabalho e te
passar algumas que eu fiz semana passada com
Gabriel. São sensacionais. Creio que tem um vídeo
ou outro que eu também possa mostrar, quer?

— Opa, eu quero! — Aline exclamou


enquanto se debruçava sobre algumas caixas para
pegar uma garrafa de cerveja, oferecida por Pierre.

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Todos gargalharam, e eu balancei a cabeça e revirei


os olhos.

Olhei de canto de olho para Diego e vi um


sorriso que me dizia que se eu não tomasse
cuidado, ele pegaria meu celular na primeira
oportunidade e vazaria alguns vídeos meus com
Gabriel no grupo do WhatsApp da Sissy Walker.

Fiz uma nota mental de tomar cuidado com


minhas coisas. Cuidado extra.

***

Depois de algumas cervejas, minha bexiga


reclamou, então perguntei a Jim se poderia usar o

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banheiro. Ele me mostrou onde ficava e pediu que,


se minha mão permitisse, eu trouxesse algumas
cervejas que estavam no frigobar no quarto quando
voltasse. Caso não conseguisse, Diego completou,
eu deveria — ênfase no verbo — chamar alguém
para ajudar. E ainda completou:

— É uma ordem, ouviu, Costureira?

Que bonitinho ele me dando ordens.


Preciso lembrar de cuspir no gargalo da garrafa
dele.

Voltei minutos depois segurando metade


das garrafas de cerveja nos braços e comecei a
entregar para cada um deles. Entreguei as restantes,
uma para Pierre, uma para Betty e fiquei com duas

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na mão, indo na direção de Gabriel, ao lado do


sofá.

— Poxa, Lena, não precisava trazer tudo de


uma vez. Seu dedo não está doendo? — Jim
perguntou, se dando conta de que talvez o pedido
não tenha sido lá muito repleto de empatia.

— Ah, não, não se preocupa, eu nem sinto


mais — falei para tranquilizar o pobre astro do
rock. — E esse troço é útil para equilibrar coisas
em cima, tem uma parte dura, ó. Ah, Diego, eu
passei no banheiro de novo e deixei a sua garrafa
cair no vaso sanitário, tem problema?

Diego deu uma leve engasgada com sua


cerveja e me olhou com um brilho de desafio no

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olhar.

— Costureira, você quer brigar, é isso? —


ele perguntou com uma sobrancelha erguida.

— Querer, eu não quero. Mas, se você


quiser, pode vir. E pare de me chamar de
“Costureira”.

Tony riu de modo zombeteiro, enquanto


Diego respondia:

— Ah, não pode, é? Só o Gabriel pode te


chamar assim?

— Sim, só ele, somente ele e ninguém mais


além dele, Diego. Prepare-se para nove meses de
tormenta ao meu lado. Começando pelas suas
roupas, que vou apertar até você não conseguir

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respirar. Sabe as roupas do Prince? Então.

O olhar desafiador de Diego vacilou por um


instante, e ele disse:

— Você não teria coragem.

— Não, não teria mesmo. Mas existem


outras coisas fora do ambiente de trabalho que eu
posso fazer contra você. E nenhuma delas envolve
o uso do apelido “Costureira”, seu bosta.

O resto da banda, que estava ouvindo nossa


brincadeira atentamente, fez um som do tipo que
adolescentes fazem quando alguém dá um fora em
outra pessoa, um “uuuu” prolongado. Diego se
levantou, veio na minha direção e disse em tom de
ameaça canastrona:

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— Você não sabe com quem se meteu,


Helena Maria.

Ergui o queixo e retribuí a expressão de


vilão de novela dele.

— Você sabe muito menos, Diego... Hm...


Não faço ideia do seu nome real... Diego é nome de
batismo, é? — perguntei, perdendo toda a pose de
durona que estava mantendo e erguendo meu lábio
superior numa careta de desculpas.

Diego desembestou a dar risada da minha


cara, o que fez com que a brincadeira provocativa
se encerrasse ali. Não tinha mais como manter
nenhuma pose com aquela quebra de expectativa.

Logo voltamos para nossos lugares, e eu

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encostei em Gabriel, meio distraída. Para minha


surpresa, ele estendeu a mão e alisou a parte
traseira de minhas coxas. Fiquei imóvel na hora e
olhei para ele. Nós não nos encostávamos na frente
do resto da banda, por motivos profissionais e...
bem, óbvios. Seríamos sacaneados até os noventa
anos. Já éramos, na verdade, não precisávamos dar
mais corda ainda.

— Gab... — eu comecei a pedir, mas não


consegui completar. Ia dizer o quê? “Tira a mão,
que eles não podem saber que a gente se come
quase toda noite”. Não é como se fosse segredo
para qualquer um ali.

Deixando para lá, abri minha cerveja

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enquanto prestava atenção em Aline contando uma


história engraçada sobre um encontro desastroso.
Apoiei meu braço no ombro esquerdo de Gabriel e
ouvi atentamente, observando as reações da banda
à história contada pela baterista.

Em seguida, todos começaram a contar


alguma história divertida sobre algum tipo de
momento romântico dando errado. Betty contou
sobre uma ex que desmaiou durante um encontro,
por causa de uma queda de pressão, Jim contou
sobre um encontro com a esposa em que ele
derrubou suco nela sem querer, Aline brincou
dizendo que nunca teve um encontro desastroso,
pois era sagaz demais para não sacar um possível
fracasso amoroso, e por aí foi.
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Quando Erika terminou de contar sobre um


encontro em que ela deixou o pobre homem
falando sozinho e foi embora para casa, pois estava
entediada, eu olhei ao redor, procurando pelo
próximo contador de histórias. Estava tão entretida
ouvindo as narrativas enquanto pegava no lóbulo da
orelha de Gabriel, distraída, que nem me dei conta
de que só faltavam os nossos relatos.

A banda inteira nos olhou, esperando que


um dos dois falasse alguma coisa. Parei de mexer
na orelha de Gab e acertei a postura enquanto
falava:

— Ah, eu tenho que contar também? Deixa


eu ver... Não tive muitos encontros desastrosos, não

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que eu lembre. Acho que a primeira vez em que


fiquei com uma menina, eu tava tão nervosa, que
meus ombros tremiam e ela teve que me segurar e
me acalmar. Me ofereceu uma água e tudo. Foi
sexy.

Aline gargalhou e em seguida me perguntou


sobre um encontro desastroso com homens. Olhei
para Gabriel e dei um sorrisinho. Ele me olhou de
volta e eu sorri mais ainda ao ver o aviso em seu
olhar. Nem preciso dizer que foi o suficiente para
que eu tomasse fôlego e começasse a falar:

— Olha, eu tive um encontro uma vez que


não foi necessariamente desastroso, mas que teve
um final... complicado. Foi há alguns anos, quando

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acompanhei uma amiga em um show. Eu não era


penetra, mas fui tratada como, já que essa amiga
esqueceu de colocar meu nome na lista de staff no
estádio...

A banda inteira me ouvia com atenção,


salvo Tony, que era a amiga em questão, portanto
sorria, já conhecendo o desfecho de tudo. Tirei a
mão do ombro de Gab e me sentei no braço do
sofá, a poucos centímetros de onde eu estava, para
que pudesse olhar direito para todos os presentes no
quarto de hotel.

— Lá, nesse show, conheci um homem


fascinante. Todo sério, concentrado, forte, gostoso
até dizer chega. Sabe aqueles homens que não

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sorriem nem se um filhotinho de gato pedir carinho,


mas que derretem seu coração com o olhar? Aquela
mistura perfeita de frio e calor?

— Sei, conheço vários assim — Erika disse


com um sorriso irônico voltado para mim.

— É, eu sei que conhece... — respondi com


o mesmo sorriso. — Enfim, o cara era sensacional.
Acho que nunca vi um homem tão... sei lá, viril.
Não sei se é essa a palavra certa, mas ele era uma
delícia, uma cremosidade humana.

— Nossa, onde esse homem tá, gente? Me


apresenta! — Pierre exclamou, fazendo Diego tacar
uma almofada nele.

Olhei para Gabriel, que estava me ouvindo

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atentamente, o rosto um pouco sério demais para


meu gosto, e voltei a comentar, ignorando seu olhar
de aviso.

— Enfim, eu, como a mulher paciente e


submissa que sou, me joguei nele que nem uma
desesperada. Felizmente, ele aceitou minhas
investidas, muito obrigada — Aline gritou um
“yes!” bem alto e todos riram dela.

— E aí? O que deu de errado? Seus


documentos eram pequenos? — Betty perguntou.

— Ele não subiu? — Pierre tentou


adivinhar.

— Ele pediu para usar suas calcinhas? —


Diego soltou, e eu olhei para ele com as

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sobrancelhas franzidas e fiz cara de assombro.

— Meu Deus, de onde você tira essas


ideias? É experiência própria? Quer que eu costure
umas calcinhas para você?

Tony caiu na risada ao ver a cara que Diego


fez, e eu quase me engasguei com minha cerveja
quando ele respondeu:

— Eu posso comprar minhas calcinhas


sozinho, muito obrigado!

— Continua, Lena, agora tô curioso. — Jim


pediu, empurrando Diego com a mão, para que ele
se calasse.

— Não, ele não fez nada de errado


sexualmente. Nada mesmo. Ele tinha uma mão

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meio pesada, mas nada que me atrapalhasse. Fora


que mão pesada é bom para quando você faz
cosplay de guitarra e o homem de guitarrista.

— Vem cá, você conta essas coisas na


frente do Gabriel assim, de boa, sorrindo? — Betty
perguntou, as faces coradas de tanto rir.

— Ué, qual é o problema? Vou contar


como, chorando? — eu disse e vi de canto de olho
Gabriel tentando conter um sorriso. — Enfim, tudo
estava indo perfeitamente bem, até que a gente foi
dormir. No dia seguinte, fui acordar o príncipe
encantado com toda delicadeza, afinal, a gente
tinha que ir embora, né? Eis que o bonitão se
assusta com o toque de borboletas que eu dei em

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seu rosto, agarra meu pulso e o torce para fora.


Crec.

Precisei me segurar no lugar para não cair


de tanto rir ao ver as expressões de todos. Betty e
Aline pararam de sorrir na hora. Diego arregalou os
olhos com espanto e olhou ao redor, como se
estivesse esperando que eu fosse gritar “mentira,
gente!!”. Jim e Erika se entreolharam, confusos,
Pierre fechou a cara. A única pessoa que sorria era
Gabriel, já que Tony estava gargalhando
loucamente, para assombro dos seus colegas de
banda.

— Espera. Ele torceu seu pulso? Quebrou?


E o que você fez? — Betty perguntou, chocada.

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— Uma saída de torção simples. Não


quebrou, só estalou um pouquinho. O pobre do
homem quase teve um treco ao ver o que fez, achei
que ele ia chorar.

— Nossa, sua exagerada... — Gabriel


murmurou.

— Eu, hein, você tava lá para saber? —


retruquei com um sorriso inocente. Gabriel me deu
um sorriso de canto de boca e me deu aquele olhar
que dizia “você me paga, Costureira”.

— Mas e aí, o que você fez com ele?


Chutou o saco dele? — Betty perguntou, parecendo
menos impressionada, mas ainda um pouco irritada.

— Não, tadinho, foi sem querer, de verdade.

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Ele acordou no susto — disse e me levantei do


braço do sofá, voltando a encostar em Gabriel. —
Se tivesse sido por querer, ele não estaria mais vivo
para contar essa história. Estaria, Gab?

— Provavelmente não — o Segurança


respondeu, entrando na brincadeira.

— Conta para eles sobre a minha mira, Gab


— pedi enquanto passava a mão em seu cabelo
curto e pegava em seu lóbulo de novo.

Gabriel me olhou e me deu um sorriso


irônico.

— Boa o suficiente para fazer esse idiota se


arrepender de ter nascido.

Pierre interrompeu nosso joguinho e

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perguntou:

— Mas, afinal, o que aconteceu com ele?


Vocês voltaram a se ver depois disso? Ele está vivo
ainda, ou você fez aqueles troços de defesa pessoal
nele e partiu o pescoço dele em quatro partes?

— Não, não, ele está vivíssimo! Eu o vejo


quase todos os dias, para ser sincera.

Se a vida fosse um desenho animado, vários


pontos de interrogação teriam surgido no rosto de
cada um deles.

— Ué, você pega outra pessoa além de


Gab? Realmente estão em um relacionamento
aberto? Achei que já rolava exclusividade, vocês
parecem tão namorados, que já tem até roupas

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iguais! — Betty exclamou.

Entortei a cabeça para o lado e perguntei o


que ela queria dizer com aquilo e, para minha
surpresa, ela se levantou, foi até o quarto e voltou
com uma foto revelada. Nela, eu estava usando
uma jaqueta de couro falso que comprei em um dia
que fez um frio inesperado (ao menos para mim) na
Noruega. Na legenda da foto, uma frase: “Roupinha
de casal!!”

Pensei um pouco e me lembrei que, sim,


Gabriel tinha uma jaqueta semelhante àquela. Mas
aquilo era um argumento muito besta para justificar
um namoro entre nós dois.

— É por isso que somos namorados?

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Porque temos uma peça de roupa parecida? Ah,


claro, porque foi o Gabriel quem criou jaquetas de
couro falso, né? Qualquer um que usar essa peça
está automaticamente atrelado ao Segurança.
Gabriel namora umas sete milhões de pessoas no
planeta, incluindo a Tony, que tem dezoito jaquetas
de couro, e o Jim, que tem vinte e três. Vem cá,
você lidera a banda com esse cérebro de
passarinho, Betty?

A vocalista nem ligou para a provocação e


já foi logo retrucando:

— Eu poderia citar também o fato de que


você usa todas as camisetas dele, que tem uma
camisola feita de uma peça antiga dele, que as

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roupas que vocês usam para dormir são iguais, ou


seja, camisa de universidade ou camisa rasgada e
uma calça xadrez, que vocês bebem café na mesma
caneca sempre, que vocês sempre estão juntos nos
voos, que vocês vivem se pegando nos cantos dos
hotéis, que vocês...

— Ai, Betty, cala. Cala, cala, cala, pelo


amor de Deus, antes que eu enfie minha tala na sua
boca! — eu exclamei e tentei dar o dedo do meio
para ela, mas... bom... a tala fez com que parecesse
que eu estava fazendo um “paz e amor”.

Betty riu até não aguentar mais de minha


birra e de meu “v de vitória”, o que fez com que
Gabriel soltasse uma de suas risadas engraçadas

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que todos ouviam tão pouco na banda. Lógico, isso


atraiu a atenção de absolutamente todos na banda,
que olharam imediatamente para ele.

— Que foi? — Gab perguntou quando viu


aquele monte de roqueiro o mirando abismados.

Apenas eu não liguei para aquela risada. Eu


ouvia toda hora.

— Hm, vem cá, Gab! Não mudem de


assunto! Lena tá aí, dizendo que vocês não
namoram, que ela sai com outros homens... Você
também sai com outras mulheres, é? — Betty
perguntou, eu fiquei aguardando a resposta que, é
claro, já sabia qual era.

Gabriel limpou a garganta e me olhou, um

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brilho divertido em seus olhos denunciando que ele


ia voltar com o jogo de palavras sobre o caso do
pulso torcido.

— Sim, claro. Eu costumo me encontrar


com uma mulher que conheci há alguns anos.
Linda, atrevida, sexy, sarcástica, irritadiça, viciada
em trabalho. Você ia gostar de a conhecer, Lena,
ela sabe segurar uma arma como ninguém.

Dei uma risada e provoquei:

— Ah, quem é, a Erika? Se encaixa


perfeitamente na descrição dessa mulher.

— Oi? — Erika disse com a boca cheia de


pizza, parecendo confusa com o rumo da conversa,
e a gargalhada foi coletiva no quarto.

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— E você teve um encontro desastroso na


sua vida, Gab? Com essa mulher aí, teve? — Tony
perguntou depois que todos pararam de rir.

Gabriel bebeu o resto de sua cerveja,


colocou a garrafa no chão, me olhou rapidamente e
voltou sua atenção para a pergunta de Tony.

— De certo modo, sim. Quando nos


conhecemos. Passamos a noite juntos, dormimos, e
quando ela foi me acordar no dia seguinte, por
instinto, eu me assustei, peguei o pulso dela e o
torci. Eu não estava acostumado a dormir com
ninguém, então... Crec.

— Nossa, Gabriel, que incrível


coincidência! — eu exclamei falsamente e vi Aline

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dar um gritinho e começar a rir. Os outros a


acompanharam, e eu precisei me conter para não
beijar Gabriel, que me olhava com um sorriso
imenso no rosto — Como eu disse, sempre que me
encontro com você, acabo com uma mão
machucada, Segurança... Crec.

Gabriel diminuiu o sorriso um pouco, me


olhando como se dissesse “você é má, Costureira”.

— Ai, gente, que susto, eu crente que vocês


ainda estavam em um relacionamento abertão... —
Aline disse com a mão no peito, como se estivesse
genuinamente aliviada, o que encerrou meu contato
visual com Gab.

— Por que, gatinha? Quer entrar nele? A

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gente aceita mais uma! Vem, me dá um beijo! —


estendi os braços para frente e dei a volta na
cadeira para abraçar a baterista, que gritou e se
afastou de mim correndo e se escondendo entre
Betty e Tony.

Voltei para perto de Gabriel, ouvindo a


confusão de risadas e comentários que se seguiram
ao meu convite, e olhei para ele. Seu sorriso
diminuiu um pouco ao ver que eu mirava fixamente
seus lábios.

Como de costume, parei de ouvir tudo ao


meu entorno quando vi a intenção de Gabriel.
Depois de quase três meses de convivência, eu já
sabia reconhecer o desejo nos olhos do Segurança.

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Aliás, eu já sabia reconhecer um monte de olhares


dele. O de promessas ocultas, o de aviso, o de
preocupação, o de raiva contida... Poderia catalogar
a maioria, se quisesse. Mas aquele, sem dúvidas,
era meu preferido.

— Costureira, para de me olhar desse jeito...


— ele alertou e esticou o corpo na cadeira, ficando
mais próximo do meu rosto.

Droga. Já vi que vamos dar motivos para


as teorias Gabriel & Lena se reforçarem. Mas
quem resiste a essa boca, meu Deus?

— Ou...?

— Ou eu vou esquecer o decoro e vou te


beijar na frente de todo mundo...

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— Isso vai render dias de comentários... —


eu disse e me inclinei para perto dele.

— Fora as fotos, Costureira... — Gab


completou enquanto passava o braço pelas minhas
pernas.

— Nossa, as fotos, é verdade... WhatsApp


só vai dar isso essa semana... E Instagram também,
não duvido nada... — eu sussurrei antes de encostar
meus lábios nos seus. Dei uma mordida de leve no
inferior e sorri — Ou, talvez, eles tenham mais o
que fazer e nem lembrem de nossa existência aqui...

— Quem sabe? Caso não, deixar eles verem


qualquer coisa seria uma boa vingança, levando em
conta tudo que eu já precisei assistir... É uma banda

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de rock, lembra? — Gabriel disse e se virou de lado


na cadeira, para ficar de frente para mim. Suas
mãos subiram pelas minhas pernas, e eu dei um
sorriso quando seus dedos encostaram no final do
suspender e a confusão se estampou em seu olhar.

Botei as mãos em seus ombros e me inclinei


em sua direção, beijando sua boca com toda calma
do mundo. Senti sua língua pedindo passagem e
deixei que ela encontrasse a minha, sem pressa
alguma.

Gab me puxou de encontro ao seu corpo e


eu coloquei meus braços ao redor de seu pescoço
sem parar de beijá-lo. Não sei quanto tempo
ficamos ali, mas quando sua mão apertou minha

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coxa com mais força do que o normal e quando


percebi que eu estava quase sentando em seu colo,
achei melhor pararmos antes que as lamparinas se
acendessem na frente da banda toda.

Fui parando o beijo aos poucos, finalizando


com uma última mordida em seu lábio inferior e
tirei os braços dele antes de perguntar:

— Quer outra cerveja? Ou uma almofada


para esconder qualquer eventualidade? —
perguntei, ainda encaixada entre suas pernas. Gab
sorriu enquanto olhava minha boca e respondeu:

— Você tem sorte que tem gente aqui,


Costureira...

— Olha, eu chamaria isso de azar, não de

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sorte, Segurança. Me solta, vai, deixa eu pegar a


cerveja.

Dei um último beijo rápido em seus lábios e


me afastei, ajeitando minha saia antes de sair. Olhei
para meus colegas de trabalho e quase suspirei de
alívio ao ver que não fomos centro das atenções: as
conversas continuavam na mesma empolgação que
antes.

Ou, ao menos era o que eu achava.

— Ei, Lena, aproveita que você parou de


enfiar a língua na garganta do Gabriel e me traz
outra cerveja? — gritou Diego, tranquilamente.

— Ah, para mim também, Lena! Pega gelo


também, acho que vocês dois estão precisando um

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pouquinho. Coloca dentro de um travesseiro e senta


em cima, dizem que ajuda bastante a dar uma
esfriada nas ideias — Betty tentava soar blasé
como Diego, mas estava porcamente contendo a
diversão na voz.

— Gente, acho que não tem cerveja para


todo mundo ali... Nem caberia, é um frigobar, não
uma geladeira duplex, ainda que seja maiorzinho!
— eu respondi, ignorando propositalmente os
comentários sobre nosso... deslize.

— Ah, então compra mais para gente no


bar! — Jim pediu, animado.

— Não, nem pensar! A última vez que Lena


foi a um bar, ela sentou a boca num banco de metal

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e se ferrou toda! Deixa que eu vou — Pierre


ofereceu e se levantou de seu lugar.

— Eu vou com você! — Aline exclamou e


saiu junto do figurinista.

Levantei os ombros rapidamente e respondi:

— Bom, por mim... Vou pegar o que sobrou


lá, ok?

— Lena! — Diego gritou quando eu estava


entrando no quarto.

— Sim?

— Caso uma garrafa caia no chão, lembre-


se: não pode pular em cima dela, tá? Controle seus
ímpetos suicidas e dê a volta nos cacos. A volta nos
cacos, entendeu? — ele disse com o rosto

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totalmente sério, falando como se eu tivesse doze


anos de idade. Tony começou a rir e deu um tapa
no braço dele.

— Ah, muito obrigada, Diego, pelo


conselho. Vou me conter. Seu bosta.

Apesar de não ser desastrada, pelo


contrário, eu costumava ter um pouco de azar nas
ações cotidianas quando algo estava fora de minha
rotina. No caso, o problema era aquele dedo
imobilizado, então, quando me levantei com as
garrafas restantes nos braços, uma delas escorregou
de minha mão e caiu no chão, fazendo o maior
barulho. Ao menos, tive um pouco de sorte: o vidro
não quebrou.

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Gabriel entrou no quarto quase que


imediatamente, o rosto sério, e eu dei um
sobressalto ao vê-lo ali, do nada.

— Ai, Segurança, que susto! Credo, você é


muito silencioso, parece um gato! Pega para mim,
esse troço idiota na minha mão tá me atrapalhando
toda.

Gab relaxou ao ver que nada de sério havia


acontecido e pegou não só a garrafa no chão, como
todas as outras e se virou para sair do quarto.
Comecei a andar para acompanhá-lo, mas ele me
interrompeu.

— Lena, espera aqui, eu preciso falar com


você.

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Estranhei seu rosto sério, mas assenti com a


cabeça. Um minuto depois, Gab entrou de volta no
quarto com o rosto fechado, e eu perguntei:

— Eita, Segurança, que cara séria é essa? O


que houve...?

Gabriel fechou a porta atrás de si,


atravessou o quarto e me beijou tão de repente, que
eu demorei para corresponder. Sua boca desceu
pelo meu pescoço, e soltei uma risada abafada
quando ele começou a levantar minha saia.

— Ei, Segurança... Aqui é o quarto do Jim.


Não é exatamente um bom lugar para a gente fazer
essas coisas. Não com todo mundo na sala...

— Não quero fazer “coisas” aqui, Lena, só

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quero ver o que é isso na sua coxa... — ele


respondeu e se afastou de mim, erguendo minha
saia e olhando para meu harness — Deus, Lena, o
que é isso?

— Um harness tipo suspender. Nunca viu


um? Olha, ele vai até a cintura — eu disse e tirei
suas mãos da minha saia, levantando o tecido até o
ponto onde a blusa começava — Bonito, né?

Se fosse possível, eu diria que Gabriel


estava em estado de choque, mas ele retomou o
controle tão rapidamente, que eu precisei rir.

— Eu não sei para que isso serve, mas...


Isso em você fica... — ele começou a dizer, com o
rosto franzido, como se estivesse sofrendo por

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alguma coisa. Dei uma risada alta e ajeitei minha


roupa. — Você tem outros desses?

— Tenho, uns cinco.

— Com você? Aqui?

— Sim, na minha mala.

— Cinco diferentes?

— Sim, por quê? Quer experimentar um?


— brinquei e me aproximei, puxando-o pela
gravata.

Gab me deu um sorriso e colocou as mãos


na minha cintura.

— Por que eu nunca te vi usando um


desses?

— Sei lá, acho que não combinavam com as


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roupas que eu escolhi até agora.

— Como se eu estivesse preocupado com


isso. Por que nunca te vi usando um desses? — ele
repetiu a pergunta, e eu tombei a cabeça para trás
de tanto rir.

— Olha, Segurança, você gostou? Você


realmente tem uma veia fetichista! — disse e botei
as mãos em sua nuca enquanto mordia meu lábio.

— Ah, isso é fetichista?

— Dependendo do ponto de vista, sim. É


inspirado em certos trajes usados por praticantes de
BDSM — disse e me inclinei para morder o lóbulo
de sua orelha. — Pega mal se a gente for para o
meu quarto agora?

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— Pega — ele respondeu enquanto subia de


novo minha saia e passava a mão no suspender. —
Deus, Costureira, o que você está fazendo comigo?
Sabe, a Erika é excelente em seu trabalho, assim
como os outros seguranças, mas eu sou o chefe de
segurança da banda. Se eu implodir, a banda terá
problemas, e a culpa vai ser toda sua.

— Devo pedir desculpas? — perguntei


enquanto chupava seu pescoço, deixando uma
pequena marca em sua pele.

— De modo algum... Eu só preciso...


Enfim, vamos voltar para sala, eles já estão
compartilhando fotos do nosso showzinho nos
grupos. — Gabriel me soltou e se afastou de mim,

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indo na direção da porta. O acompanhei e saímos


juntos do quarto.

Ninguém fez nenhum comentário sobre


nossa demora para voltar para a sala, o que foi um
alívio. Gab sentou na cadeira de antes, eu me sentei
no braço do sofá e voltamos a interagir com todo
mundo.

Aline e Pierre voltaram momentos depois


com umas trinta latinhas de cerveja, uma garrafa de
vodca e duas de... espera!

— Uísque, meninas? Qual é o objetivo,


embebedar todo mundo para ninguém conseguir
pegar o voo sóbrio amanhã? Não tem uma
entrevista esperando vocês na Suécia? — perguntei,

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um pouco assustada com a quantidade de álcool


naquele quarto.

Diego revirou os olhos e respondeu:

— É exatamente esse o objetivo, Lena,


fazer com que você pare de pensar em trabalho um
pouco, sua viciada.

Cruzei os braços e zombei do baixista:

— Olha, Diego preocupado com meu bem-


estar? Que incrível. Alcoolismo não é uma boa
solução para curar qualquer coisa que seja, coração.

Diego fez uma careta e aceitou a latinha que


Aline ofereceu para ele. Para mim, Pierre ofereceu
a garrafa de vodca inteira.

— Toma, Lena, bebe um gole. Vamos ver

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como você fica quando tá alta.

— Ei, nem pensar! Ressaca é uma realidade


na minha vida. Me dá uma cerveja, é melhor. Ou ao
menos um copo, pra que eu não beba demais.

— Que copo, garota, mete a boca na garrafa


logo. Finge que o gargalo é o Gabriel — Aline
disse tranquilamente, como se estivesse sugerindo
um passeio turístico agradável.

Todo mundo riu de minha expressão


mortificada, e eu achei melhor obedecer antes que
as atenções se voltassem mais em mim. Abri a
garrafa e tomei um gole da bebida, sentindo gosto
de baunilha e de riqueza no fundo da língua.

Passei a bebida para Gabriel, que não

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bebeu, apenas segurou a garrafa e me olhou com


interesse.

— Que foi, Segurança? — perguntei


quando ele não desviou o olhar.

— Uísque — ele respondeu e apontou para


a garrafa que passava de um para o outro com um
copo circulando junto.

— O que que tem?

— Em vinte minutos, a gente pode ir


embora, ninguém vai perceber.

— Uau, sério? Uísque faz esse efeito neles?

— Faz, bate bem rápido.

— Hmm... Bom saber... — disse,


observando todos rindo e bebendo enquanto

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conversavam sobre todo tipo de assunto.

Dito e feito: pouco menos de vinte minutos


depois, mais da metade da banda estava alta e a
outra parte ria dos bêbados. Ninguém prestava
atenção em nós dois. Gabriel se levantou com
calma, puxou Erika pelo braço até o canto da sala e
sussurrou algo em seu ouvido. Observei a
segurança balançar a cabeça e sorrir.

Em seguida, Gabriel veio na minha direção


e falou em voz baixa:

— Sai você primeiro e me encontra no meu


quarto. Já te acompanho — disse e me entregou o
cartão de sua suíte.

Sorri, balancei a cabeça, assentindo, e fui

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andando de costas até a entrada da antessala, me


certificando que ninguém ia me ver. Betty chegou a
me olhar, mas eu levei o indicador aos lábios e pedi
silêncio. Ela sorriu para mim e puxou o rosto de
Tony, que tentou acompanhar seu olhar, e a beijou.
Mulher maravilhosa!

Saí correndo pelos corredores até o quarto


de Gabriel e entrei, já procurando as camisinhas nas
gavetas. Gab bateu na porta do quarto cinco
minutos depois de mim, e eu abri, rindo ao ver a
garrafa de vodca em suas mãos.

— Seu ladrão! — exclamei e me ajoelhei na


cama enquanto ele tirava os sapatos e me entregava
a garrafa. — Nem temos copos aqui, temos?

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— Precisa? — ele perguntou e me deu um


sorriso luminoso.

— Não, coloca tudo no meu umbigo, é mais


fácil — brinquei, mas Gab arregalou os olhos e
sorriu como se tivesse adorado a ideia. — Ah,
droga, amanhã a ressaca vai ser impossível. Que
horas é o voo pra Estocolmo?

Gabriel começou a tirar a roupa, ficando só


de boxer, e respondeu enquanto pegava seu celular
no bolso da calça jogada no chão do quarto.

— De tarde, a gente sobrevive, Costureira.


Tira a roupa. Não toda, só a saia e a blusa — ele
mandou enquanto desbloqueava o celular. — Com
quem tá sua câmera?

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Dei um sorriso de canto de boca assim que


entendi suas intenções: fotos. Ele realmente estava
viciando naquilo.

— Não sei, acho que ficou com a Betty —


disse enquanto me levantava da cama e tirava a
roupa, ficando só de lingerie e harness.

— Não tem problema, eu revelo depois.


Vira — mandou, mas não esperou que eu
obedecesse, ele mesmo me pegou pelo braço, me
virou, me levou até a parede, beijando meu
pescoço, apertando meus seios cobertos pelo tecido
do sutiã, e se afastou por um momento para tirar as
fotos. Segurei a garrafa de vodca contra meu corpo
e deixei ele me fotografar da forma que desejasse.

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Ouvi o barulho de seu celular sendo jogado


de qualquer modo no aparador do quarto e fiz
menção de me virar, mas Gab logo voltou para
perto e me impediu.

— Você escondeu isso de mim por um


milhão de dias, Costureira. Deixa eu olhar um
pouco, pelo menos.

Ri de seu comentário e deixei que ele


fizesse o que queria, o que basicamente se resumia
a olhar e passar as mãos pelo meu corpo.

Aquela tortura lenta e inebriante começou a


me tirar do rumo, e quando menos esperava, a
garrafa de vodca escorregou da minha mão e caiu
no chão, fazendo um barulho seco ao se chocar

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contra o piso do quarto. Olhei por cima do ombro


para Gabriel, e ele só fez que não com a cabeça,
indicando que não havia quebrado — e que mesmo
se tivesse quebrado, era a última das preocupações
dele.

Fui virada de frente com pressa e logo


minhas costas se chocaram contra a parede. Gabriel
segurou meu braço com a mão da tala para cima,
como ele sempre vinha fazendo, para não ter
chance de eu machucar o dedo de novo, e me
beijou com força, enfiando a língua na minha boca
sem hesitação alguma. Senti gosto de bebida
alcoólica e de Gabriel.

Eu realmente não precisava me importar

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com a garrafa no chão.

Quem precisa de vodca quando se tem ele?

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Estocolmo
Três meses após o início da turnê, quando
tudo estava indo perfeitamente bem, de acordo com
os conformes, vi uma cena que eu não estava
pronta para testemunhar: Gabriel cumprindo seu
papel de segurança e garantindo o bem-estar da
banda na base da porrada.

No quarto dia de shows na Suécia, numa


relativamente pequena casa de shows em
Estocolmo, um engraçadinho resolveu subir no
palco, sabe-se lá como, e foi prontamente retirado
por um outro segurança. Porém seus amigos
revoltadinhos decidiram vingar a expulsão do
invasor e subiram que nem macacos esfomeados
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rumo aos integrantes da Sissy Walker.

Dos bastidores, vi Gabriel voar que nem um


trem-bala para o local da confusão, sendo
acompanhado por Erika e mais outros dois
seguranças. Gab foi direto em cima do maior de
todos, um sueco imenso, que devia pesar uns cem
quilos e medir uns dois metros, e o imobilizou com
uma facilidade impressionante. Os outros
seguranças contratados agiram imediatamente e
removeram os outros três arruaceiros com o auxílio
de Erika, mas o grandão resolveu reagir e
conseguiu se desvencilhar de Gab, o empurrando
para trás como se não houvesse amanhã.

Não sei o que me deu, mas, em um impulso

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nervoso, dei um passo para a frente, saindo dos


bastidores, quando vi Gabriel desviar o olhar por
um milésimo de segundo e voltar o rosto na minha
direção. Foi o suficiente para o grandalhão se
aproveitar do momento de distração e enfiar o
cotovelo na boca do Segurança, que nem se mexeu
com o impacto e rapidamente o imobilizou de
novo, o levando ao chão.

Pierre, que me viu entrando no palco e


correu atrás de mim, me puxou pelo braço e me
levou de volta para o backstage.

— Opa, aonde você pensa que vai? Eu sei


que a cena é agoniante, mas não tem nada que você
possa fazer que não vá atrapalhar, Helena. Olha, ele

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já resolveu tudo —disse com calma e apontou para


onde ocorrera a confusão.

Relaxei as mãos, que estavam fortemente


cerradas, e balancei a cabeça assentindo. Ele tinha
razão, seria imprudente e irresponsável de minha
parte, para não dizer totalmente não profissional,
me meter em uma área que não era minha porque
me preocupei com o homem que eu dormia.

Meu peito doeu ao pensar na cotovelada que


Gabriel recebera por minha causa. Seu rosto não se
moveu um milímetro apesar do impacto. Ele tinha
uma resistência à dor impressionante. Ou isso, ou
aprendera bem a domar suas emoções e reações.
Talvez um pouco dos dois.

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Quase uma hora depois, quando o show


acabou, fomos instruídos, eu e Pierre, por Ricky,
que, por sorte, estava na casa de shows no dia, a
voltarmos sozinhos para o hotel em um táxi, pois a
polícia local solicitou a presença dos responsáveis
pela banda e de, é claro, Gabriel e Erika, os
principais envolvidos na confusão.

Quinze minutos depois de ter chegado no


hotel, saí do banheiro do quarto um pouco irritada,
não só por ter tomado banho quente, que eu odeio,
mas principalmente pelo que acontecera com
Gabriel. Sabia que era a profissão dele e que esse
tipo de evento era normal, mas acho que, no auge
do meu egoísmo, preferia não ter que assistir a esse
tipo de coisa. Ou queria poder impedir, eu...
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Enfim....

Mesmo com o dedo imobilizado, consegui


secar meu cabelo corretamente, já que o trabalho de
Pierre era de qualidade: além de figurinista, ele
também cuidava de maquiagem e cabelo, e
conseguiu fazer um tratamento em meus fios para
que eu não aparentasse mais ser uma versão menos
talentosa da Clara Nunes.

Coloquei o roupão e fui me deitar, tentando


entender o misto de sentimentos que brigavam
entre si no meu peito. Raiva, afeto, culpa, solidão,
impotência e mais alguns que eu não sabia
identificar. Queria socar uma parede, chutar uma
cadeira e atirar com a Glock de Gabriel no joelho

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daquele homem babaca que ousou machucar o


Segurança.

Mal pensei nisso, me repreendi.

Eu quero atirar num homem só porque ele


agrediu Gabriel? Isso é insano, Helena! Você se
transformou no pirado do seu tio?

Virei de lado na cama para pegar meu


celular, largado ao lado do travesseiro, e conferi se
havia chamadas perdidas. Chequei as mensagens e
bufei, impaciente, ao ver que não tinha nenhuma
notícia de Gab. Estava preocupada com ele, ainda
que soubesse que o ocorrido naquela noite não era
nada demais, nenhum tipo de atentado ou coisa
parecida.

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Diversas bandas enfrentavam coisas


horríveis por causa de fãs transloucados. Havia
uma banda de rock que, em menos de um ano,
sofrera uns cinco atentados, eu me lembro de ter

lido isso. Jack Rock[2], o nome, tão famosa quanto a


Sissy Walker. Uma sucessão de desgraceiras que
devem ter enlouquecido o chefe de segurança
deles!

O que eu havia presenciado não era nada


perto disso tudo.

Porém eu não trabalhava para essa banda.


Trabalhava para a Sissy Walker, e imaginar que
algum deles poderia se ferir na minha frente fazia
meu estômago revirar.

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Quando esse alguém era Gabriel, quem se


revirava dentro de mim era meu coração, que se
apertava até não aguentar mais.

Droga, Lena. Larga de ser tão ridícula. Ele


é chefe de segurança da banda! Achou o quê? Que
isso significava passar o dia conferindo esquemas
de segurança na mansão e só? É óbvio que um dia
isso ia acontecer, sua burra! E, convenhamos, foi
só um soco!

Repeti mentalmente inúmeras vezes “foi só


um soco, foi só um soco, foi só um soco”, mas não
adiantava. Meu coração estava tão apertado, que eu
senti dor só de imaginar o que poderia ter
acontecido. E ele se apertava mais a cada minuto

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que Gabriel demorava para chegar em meu quarto.

É, Lena, temos um problema aqui.

Meus pensamentos foram interrompidos por


Secret Smile, do Semisonic, novo toque de alarme,
me lembrando que eu havia combinado de ligar
para uma amiga no Brasil naquela hora. Como meu
humor não estava dos melhores, só desliguei o
alarme e mandei uma mensagem para ela me
desculpando pelo furo.

Tentei dormir, mas não consegui nem


cochilar. Minha cabeça estava a mil por hora.
Acendi meu celular e coloquei a música do toque
para tocar no modo repeat enquanto tentava me
acalmar. De alguma forma, Secret Smile me

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ajudava a colocar as coisas em seus lugares e


refletir sobre o que estava acontecendo.

Algum tempo depois, quando o player do


celular já havia tocado a música umas vinte vezes,
ouvi uma batida suave na porta. Levantei de um
salto e corri para abrir, sem nem me preocupar se
meu roupão estava entreaberto.

Soltei o ar rapidamente, aliviada ao ver


Gabriel na porta. Seu rosto estava muito fechado,
rígido como nunca, mas suas sobrancelhas
relaxaram quando viu minha expressão preocupada.

— Costureira, tá dando para ver tudo... —


disse, apontando para meu decote.

Ignorei seu alerta e o puxei para dentro do

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quarto, o abraçando em seguida. Por um breve


momento, achei que ia chorar de alívio, mas o
momento se foi rapidamente e eu me recompus
antes que desse bobeira.

— Como está sua boca? — perguntei


quando finalmente o larguei. Gab continuou com
suas mãos em minha cintura.

— Bem — ele respondeu de maneira


concisa.

— Bem? Não está doendo? Jura? —


perguntei, incrédula, enquanto soltava o nó de sua
gravata.

— Só incomodando um pouco, nada


alarmante — disse enquanto me soltava para que eu

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pudesse tirar seu terno.

— Sangrou? Precisou de pontos?

Ele deu de ombros e continuou me olhando


com o rosto franzido numa expressão estranha de
dúvida e conflito.

— Vai dormir aqui hoje? — perguntei


quando comecei a desabotoar sua camisa e a tirar
seu cinto.

Ele não me respondeu, apenas continuou


com a mesma expressão.

— Quer tirar uma foto, Segurança? Vai


durar mais — brinquei e dei um pequeno sorriso
enquanto terminava de tirar sua camisa, deixando
seu peito nu.

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Dei uma olhada sem malícia por seu corpo,


procurando por algum machucado, e voltei minha
atenção para sua calça.

— Ué, onde está seu coldre e a Glock?


Agora que dei pela falta deles... — comentei
enquanto abria o zíper de sua calça. — Ei, você não
tirou os sapatos antes de entrar! Anda, deixa essa
lancha lá na antessala e volta para que eu possa
continuar meu serviço, por favor — disse e o vesti
novamente.

Gabriel fez o que eu pedi e voltou já sem as


meias, parando na minha frente com as
sobrancelhas franzidas de novo. Ignorei seu olhar e
voltei a desabotoar sua calça, puxando-a para baixo

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e pedindo que ele desse um passo para frente. Gab


obedeceu, mas em seguida colocou as mãos na
minha nuca e me guiou até a parede que dividia o
quarto do banheiro, me prendendo com seu corpo.

Soltei o ar rapidamente, surpresa com esse


ato. A última coisa que imaginei é que ele fosse
querer alguma coisa sexual naquela noite, mas logo
percebi que ele, na verdade, não estava querendo
iniciar nada. Olhei seus lábios se entreabrirem
umas três ou quatro vezes antes de ele conseguir
botar em palavras o que gostaria.

— Lena... Por que você...? — ele começou


a perguntar, mas não terminou, apenas continuou
me olhando com o rosto fechado.

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Coloquei as mãos em seu peito nu, passei o


dedo pelas tatuagens, uma mistura incrível de
tribais, carpas e sombreamentos perfeitos, pela
cicatriz escondida pela tinta e aguardei que ele
completasse sua pergunta, mas como nenhum som
saiu de sua boca, brinquei:

— Por que eu o quê? Por que eu continuo


bela e jovem e você tá esse velho caquético?
Porque eu não fico franzindo as sobrancelhas que
nem você, olha.

Ergui as mãos até o seu rosto, passando os


dedos em sua testa até sentir que ele relaxava.
Gabriel olhou para minhas mãos quando eu as desci
e as repousei de novo em seu peito. Meu coração

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acelerou ao ver que sua respiração estava um pouco


mais ofegante do que o normal.

— Por que você... se importa? —


perguntou, entre cansado e confuso.

Engoli em seco e voltei a passar a mão pelas


suas tatuagens, mais uma vez me perdendo nelas.
Eu não poderia ficar avaliando sua pele para
sempre, precisava responder sua pergunta.

— Me importo com o quê? — rebati,


mesmo já sabendo a resposta. Fiquei embaraçada
de falar naquele assunto, era como se precisasse,
sei lá... explicar uma coisa que nem eu mesma
sabia.

Gabriel não respondeu, apenas me abraçou

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e afundou o rosto no meu cabelo, respirando fundo.


Deixei ele ali por uns segundos, mas comecei a
ficar sem jeito.

— Gab... Não quero interromper seu


momento capilar, mas você está suado e cheirando
a outro homem. Por mais que a ideia de você se
interessar em caras seja atraente, eu não me
interesso por outro homem, então... — Ops. Isso
soou como uma declaração? — Enfim, que tal um
banho?

Delicadamente me soltei dele e caminhei


até a cama, deitando nela e quase enfiando a cara
no celular para disfarçar meu constrangimento.
Ouvi Gabriel indo para o banheiro e afundei a cara

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no travesseiro, morta de vergonha.

Aproveitei o banho de Gab para ir ao closet


pegar uma das mudas de roupas que o Segurança
passou a deixar comigo desde a Holanda, quando
começou a dormir em meu quarto vez ou outra.
Deixei as roupas na mesa de cabeceira do lado dele
e desliguei a luz do abajur, deixando o quarto
iluminado somente pelo meu celular, que ainda
tocava a mesma música de antes.

Já mais relaxada ao ver que Gabriel estava


bem, acabei cochilando enquanto ele tomava
banho. Quando acordei, liguei o abajur e olhei ao
redor, procurando por Gab. Vi que a roupa dele não
estava mais na mesinha e que o banheiro estava

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silencioso, assim como o quarto todo.

Ah, não, de novo Gabriel foi embora desse


jeito? Da última vez, foi até compreensível, já que
eu praticamente o expulsei naquele dia em que
brigamos, mas e agora? Qual é a justificativa para
isso? Gabriel não pode fugir a cada coisa que
aconteça entre nós dois!

Pensei em ligar, mas me lembrei da


antessala do quarto. Não dava para ver aquele
ambiente da cama, então eu decidi ir checar antes
de tomar uma atitude precipitada. Respirei fundo e
me levantei da cama, torcendo para que Gabriel
estivesse ali, seja lá por qual motivo. Eu precisava
pedir desculpas pelo que fiz no show, precisava ver

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que ele não estava com raiva e, principalmente,


precisava ter certeza de que ele estava bem.

Em todos os sentidos possíveis.

Com o coração martelando no peito, fui até


a antessala. Gabriel estava sentado na cadeira que
ficava quase ao lado da porta, o que me fez suspirar
de alívio ao ver que ele não fora embora.

— Gab? Por que você tá aí? A cama é


grande suficiente para nós dois, não notou?

Ele pareceu distraído antes de me notar.

— Oi? Ah, sim, desculpa. Não, por nada. Só


vim pensar um pouco.

— Ah, ok... Quando terminar seu momento


reflexivo, vem deitar. A cama é mais macia que

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essa cadeira — disse e sorri para ele, que me olhou


com uma expressão distante e balançou a cabeça
concordando.

Não refleti muito sobre o motivo de sua


distância, até porque não tive tempo: minutos
depois, ele se deitou ao meu lado e comentou:

— Eu gosto daquela música...

— Qual...? — perguntei, me virando para


ficar de frente para ele.

— A que seu celular estava tocando sem


parar.

— Ah, sim. Secret Smile.

— Isso — disse e ficou em silêncio.


Aguardei que ele continuasse, mas ele não falou

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mais nada.

— Ela me lembra você, Gab — comentei


com um sorriso enquanto colocava as mãos por
baixo do travesseiro.

— De mim? Por quê? — ele perguntou com


as sobrancelhas franzidas.

— Não ouviu a letra? “Nobody knows it but


you've got a secret smile and you use it only for
me”... Você tem um sorriso secreto que não
costuma mostrar pra ninguém, então...

Gab ficou me olhando com o rosto sério


enquanto eu cantava o refrão sorrindo, até que
minha vontade de sorrir morreu, e eu fiquei sem
jeito. Ele não sorriu, não comentou nada, ficou só

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me olhando com o rosto vazio de expressão.

— Ok, eu sei que eu não sou exatamente


uma boa cantora, mas esse seu olhar de reprovação
é tenso, hein? — comentei na defensiva.

— O que você quer dizer com isso? — ele


perguntou do nada, mantendo a mesma expressão
nula no rosto. Parecia um manequim.

— Que você tem um sorriso secreto e que


só usa para mim, ué... Quero dizer, eu acho, sei lá.
Não que eu esteja dizendo que você só usa ele para
mim, deve ter outras mulheres que fazem você
sorrir desse jeito... Ah, você entendeu, Segurança.
Não faz pergunta constrangedora. Boa noite —
ralhei e me virei para apagar a luz do meu abajur,

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deixando o quarto na penumbra.

Virei de lado, de frente para Gab, e fiquei


ouvindo sua respiração controlada enquanto meus
olhos se acostumavam à escuridão.

Fechei os olhos em seguida e mordi o lábio,


sentindo um pouco de vergonha, já que, em menos
de meia hora, eu havia feito duas declarações
embaraçosas: que eu não queria ficar com mais
ninguém e que eu imaginava que ele também não.

Senti o colchão se mover e ouvi Gabriel se


mexendo. Abri os olhos e fui surpreendida por seus
lábios macios encostando nos meus. Eu o beijei
com calma, pois tive medo que seu lábio estivesse
machucado, mas Gab me puxou para perto e me

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beijou com vontade, segurando minha cintura por


cima do tecido atoalhado do roupão.

Apoiei minhas mãos ao lado de sua cabeça


e interrompi o beijo para tentar focalizar seu rosto
por um momento. Gabriel aproveitou que eu afastei
meu corpo do dele alguns centímetros e soltou o
meu roupão, expondo meus seios na pequena faixa
de claridade que entrava por uma fresta da cortina.

— Você ia dormir de roupão? — ele


perguntou enquanto se sentava comigo em seu
colo, descia o rosto e beijava meu ombro.

— Não, eu ia trocar depois... eu acho... —


respondi num sussurro quando ele beijou meu seio
e mordeu meu mamilo — Gab, eu não sei se ainda

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tem camisinha...

Gabriel continuou beijando e mordendo


meus seios, como se eu não tivesse dito nada.

— Segurança... Espera... Ah...! — gemi


quando Gabriel me deitou na cama e afastou o
roupão do resto do meu corpo, beijando minha
barriga e descendo os lábios para minhas coxas.

Fiz menção de me levantar para ver se


realmente tinha acabado o preservativo, mas
Gabriel me impediu e me deitou de volta na cama,
voltando a beijar minhas coxas enquanto seus
dedos subiam até o meio de minhas pernas.

Prendi a respiração na garganta quando ele


colocou as mãos em meus joelhos e os separou.

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Poucos segundos depois, eu já estava com o corpo


retesado enquanto Gabriel me lambia e me chupava
com uma calma torturante, como se quisesse
apenas me saborear.

Sufoquei um gemido quando ele me


acariciou lentamente com os dedos ásperos,
sentindo minha umidade neles, entrando em mim
de uma vez e parando de me chupar por um
momento antes de retomar a tortura deliciosa.

Gab ficou por uns instantes me provocando,


até que se levantou do nada e deitou ao meu lado.
Abri a boca para reclamar, quando ele me puxou
para perto e desceu a mão para o meio das minhas
coxas, enfiando dois dedos de uma vez. Estremeci

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ao sentir sua pele grossa de novo e me agarrei em


seus antebraços, a respiração ofegante me
impedindo de falar qualquer coisa.

Pensando bem, o que eu poderia falar


naquele momento? Nada relevante,
definitivamente.

Gabriel ergueu o corpo para passar o braço


por trás do meu pescoço e eu facilitei o processo
erguendo a cabeça e me aproximando dele. Com o
rosto quase colado no seu, levei as mãos até sua
nuca e tentei beijá-lo, mas ele fez um movimento
circular dentro de mim que arrepiou a pele da
minha coxa inteira e eu soltei um gemido de
surpresa contra seus lábios.

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— Lena... — ele começou a falar e parou o


movimento, mas continuou assim que eu finquei
minhas unhas com tanta força em seu pescoço, que
tive certeza que ficariam marcas no dia seguinte.

Gab beijou minha boca entreaberta e


mordeu meu lábio enquanto eu sentia seus dedos
fazendo sua magia dentro e fora de mim, inúmeras
vezes. Ergui meu quadril contra sua mão e o
abracei, colando nossas bocas quando senti a
energia se espalhando pelo meu ventre. Ele
aumentou a velocidade quando estremeci, e eu logo
atingi aquele pedacinho de paraíso que o Segurança
adorava me levar. Soltei a respiração aos poucos
enquanto me sentia contrair ao redor de seus dedos.

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Gab começou a tirar os dedos, mas eu o


impedi apertando minhas coxas. A sensação boa
ainda não havia passado e eu mantive ele ali
enquanto durou, relaxando as pernas quando
comecei a ficar sensível.

Soltei seu pescoço e afastei um pouco o


corpo para respirar. Afastando o cabelo do rosto,
acendi a luz do abajur e me virei para olhar Gabriel.

Sem tirar os olhos de mim, Gab levou a


mão à boca e chupou a ponta dos dedos que
estiveram dentro de mim havia minutos. Em
seguida, peguei sua mão e trouxe até meus lábios,
lambendo os nós dos dedos e sentindo meu gosto
neles.

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O silêncio reinava no quarto.

Quando senti que sua mão não tinha mais


nada de mim, a soltei na cama. Coloquei a minha
por cima, mas sem entrelaçar meus dedos nos seus.
Meu coração ainda estava acelerado por diversos
motivos, então fiquei em silêncio.

Gab estava calado demais, sério demais,


misterioso demais. Não sou idiota, sei muito bem
que a cabeça dele estava cheia de coisas se
engalfinhando ao mesmo tempo, então aguardei
que falasse algo. Como não disse nada, comentei
quando não consegui mais sustentar o silêncio:

— Eu fiquei assustada, Segurança...

— Você me distraiu, Lena — ele rebateu,

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falando pela primeira vez depois de muitos minutos


de silêncio. Seu cenho estava franzido, como se ele
estivesse insatisfeito.

— Eu sei. Me desculpa, eu não pretendia,


eu só... Isso não vai se repetir, eu vou ficar longe do
palco a partir de amanhã.

— Não precisa, só... — ele tentou dizer,


parecendo um pouco surpreso com minhas
palavras, mas eu o interrompi:

— Precisa sim. Você se machucou porque


eu não soube controlar meus impulsos e quase corri
para o palco para chutar o saco daquele inútil. É
melhor que eu não veja onde você está, para que tal
coisa não aconteça de novo. Atrapalha não só o seu

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trabalho, mas o meu também. Além de arriscar seu


bem-estar e o de todos na banda. Horário de
trabalho, Segurança, é nosso único acordo, não é?

Gabriel me olhou em silêncio enquanto eu


falava e não disse nada quando eu terminei. Seu
rosto parecia feito de pedra, de tão imóvel que
estava.

— Gab? Tá tudo bem? Você tá com uma


cara... Tá com raiva?

Ele piscou algumas vezes e relaxou o rosto,


finalmente. Quase suspirei de alívio.

— Não... Só estou pensando nisso.

— No quê?

— Nisso — ele respondeu e não disse mais

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nada.

Tirei minha mão de cima da sua e a escondi


embaixo do travesseiro enquanto sustentava seu
olhar, apesar do cansaço que me acometia. Eu
estava com o corpo relaxado, então o sono
começou a me derrubar.

— Isso é muito novo — ele comentou


depois que eu me ajeitei na cama e fechei os olhos
para dormir, imaginando que nossa conversa havia
acabado.

— O que é muito novo? — perguntei de


olhos fechados, me esforçando para me manter
acordada.

— Isso. Eu. Você — ele respondeu, mas eu

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não compreendi onde ele queria chegar.

— O que tem eu e você? — questionei com


a voz meio embargada de sono.

— Nada... Boa noite, Costureira... — ele


disse com a voz neutra.

— Boa noite, Gabriel... — respondi antes de


cair no sono, pensando em perguntar o que ele
queria dizer no dia seguinte, caso me lembrasse.

Quando acordei, na manhã seguinte, o meu


lado da cama estava vazio. Gabriel foi para o seu
quarto sem deixar um bilhete ou coisa parecida. A
única coisa que deixou foi um vazio muito, muito
estranho.

Sentei na cama e cobri meus seios com o

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braço. Eu me senti exposta, sozinha e estranha, e


percebi que, sim, as coisas mudaram, não somente
para mim, mas para ele também.

Mas meu contrato não vai mudar. Em


março do ano que vem eu volto para o Rio de
Janeiro, mas Gabriel continua na mansão.

Temos prazo de validade redigido em


contrato.

Espero que ele tenha isso em mente.

Porque eu estou tentando me lembrar desse


pequeno detalhe diariamente.

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Sorriso Secreto
Trilogia Amor nas Alturas

Livro 2

C. Caraciolo

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Ficha Técnica

Copyright 2018 Clara Caraciolo Taveira

Todos os direitos reservados.

Trilogia Amor nas Alturas

Livro II

Autora: C. Caraciolo

Revisão: Raphael Pellegrini (Capitu Já Leu)

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When you are flying around and around the world

And I'm lying alonely

I know there's something sacred and free reserved

And received by me only

Nobody knows it but you've got a secret smile

And you use it only for me[3]

Secret Smile – Semisonic

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Prólogo
Como prometido, vou contar como foi
minha primeira noite com Gabriel. Não somente
porque sou uma mulher de palavra, mas porque
sempre há espaço em minhas memórias para
relembrar aquele momento. Foi... chocante.

Antes de Gab acidentalmente torcer meu


pulso e me levar para o parque de nome
desconhecido em Londres, nós transamos, como
você já imagina. E muito. No dia seguinte, sentar
no banco do parque foi, digamos... um desafio.

Perdoe essa costureira que está se


esforçando para não ser tão vulgar, mas Gab

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desperta em mim um lado cachorrona que eu não


tenho lá muito interesse em conter. Mas farei o meu
melhor para não soar como uma tarada-pirada,
prometo. Vamos lá.

Depois de ter visto Gab pela primeira vez


nos bastidores do show que a antiga banda de Tony
estava abrindo, obviamente o da Sissy Walker, eu
rodei o local todo em busca do segurança, mas não
o encontrei. Obviamente não fiquei perguntando a
ninguém sobre ele: o foco era o sucesso do show!

Quando o festival acabou, rumamos todos


juntos, eu e a Trophy Husband, para o hotel
reservado. Comemoramos, eles beberam que nem
esponjas, e eu fiquei só em uma tacinha de

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champanhe, afinal, tinha planos que envolviam um


certo segurança de olhar penetrante e não queria me
esquecer de nada.

Quando o relógio bateu meia-noite, eu


anunciei que iria para meu quarto, peguei minha
bolsa e dei um beijo no rosto de cada um dos meus
roqueiros queridos. Praticamente corri pelos
corredores do hotel até meu quarto, tomei um
banho bem demorado, vesti a primeira peça de
roupa que encontrei — um vestido soltinho, leve,
com mangas ¾ —, acertei minhas meias ⅞ —
experimenta medir um metro e oitenta e procurar
meia-calça que caiba em você — e calcei sapatilhas
pretas confortáveis. Uma vez pronta, comecei a
pensar em como poderia me aproximar de Gabriel.
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Todos nós iríamos embora no dia seguinte,


portanto eu só teria aquela chance de provar se
minha teoria sobre ele ter algum defeito era real ou
não. Eu apostava que não era. Ele parecia perfeito.

Com meu celular na mão, mandei uma


mensagem para o grupo de WhatsApp da Trophy,
perguntando, como quem não queria nada, se a
Sissy Walker ia encontrar com eles depois.

Fui até a cozinha do hotel, já fechada para


pedidos. Mas, como eu já havia pesquisado antes,
havia uma máquina de café disponível lá, então
comprei um expresso duplo enquanto olhava o
celular, aguardando a mensagem. Como não recebi
nada enquanto bebia o primeiro café, comprei outro

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e voltei para meu andar, pensando em bater na


porta do quarto de Tony, onde a banda estava
reunida.

Foi aí que a sortuda filha da mãe que eu sou


trombou em alguém assim que saí do elevador de
cabeça baixa, olhando o celular, na esperança de
obter uma resposta. Por sorte, meu segundo café já
estava pela metade, então não houve acidentes.
Aquela realmente era a noite dos trombamentos.

— Opa, desculpa! — pedi, me recriminando


por não prestar atenção onde eu ando, mas logo
beijando meu ombro mentalmente quando vi em
quem eu tinha batido. Por um milésimo de
segundo, pude ver a mesma surpresa no rosto do

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segurança, que imediatamente voltou a ficar sério.

— Gabriel — disse oferecendo um sorriso


mínimo de canto de boca enquanto pensava na
minha sorte.

— Helena — ele respondeu, me devolvendo


o sorriso. Cremoso, esse homem, meu Deus! — Se
é Antônia quem você está procurando, ela saiu do
quarto junto de Betty.

De perto, ele era ainda mais atraente e sua


postura profissional era mais latente, deixando-o
com cara de quem escolhia criteriosamente suas
companhias e descartava quem não o interessasse.
Ainda que eu não curtisse homens com aquela
postura um tanto quanto sisuda, Gabriel era

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magnetismo puro. Não dava para resistir.

— Eu não estava procurando por ela. Mas


nada do que acontece com a sua banda te escapa,
não é? Sabe até o que os membros fazer fora do
horário de serviço? — perguntei, apesar de já saber
da resposta. Queria apenas que ele continuasse
falando enquanto eu bolava algum esquema para
facilitar meu acesso àquele pescoço maravilhoso.

Ele balançou a cabeça concordando, e eu


aumentei meu sorriso, olhando para sua mão e
vendo o cartão de acesso de seu quarto. Num
arroubo de coragem, estendi a mão lentamente e
peguei o cartão, vendo o número estampado em
letras compridas e escuras. Gabriel não tirou os

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olhos do meu rosto enquanto eu fazia isso.

— Esse é o seu quarto? 207?

Ele assentiu enquanto seus olhos buscaram


os meus com intensidade, como se ele estivesse se
decidindo em qual lugar eu queria chegar com
aquilo.

— Te escapou que o meu quarto é o 206?


— apontei para a porta da minha suíte, e ele
acompanhou meu olhar e logo voltou a me encarar
com o meio sorriso de volta no rosto.

— Talvez isso possa ter me escapado, mas


apenas porque estou de folga — ele respondeu com
a voz rouca.

Voz profunda. Daquele tipo de voz de quem

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está se segurando. Meu tipo de voz preferida.

Parece que Tony não estava totalmente


certa sobre o segurança ser muito fechado. Ou,
quem sabe, as barreiras sejam sentimentais? Por
mim, tudo bem. Não estou procurando um marido.

— Folgas são excelentes. Sabe quem


também está de folga? Eu. Afinal, todo mundo sabe
se vestir fora do festival, né? — comentei, e o
sorriso dele aumentou, mostrando dentes perfeitos e
alinhados, e ele pegou o cartão de minha mão,
guardando no bolso da jaqueta de couro. — Olha,
ele tem dentes! — brinquei e sorri também.

Meu coração pulou uma batida quando ele


deu um passo para frente, se aproximando de mim

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o suficiente para eu sentir seu perfume delicioso.

— Além da noite de folga, sabe o que eu


também tenho? — ele perguntou enquanto se
inclinava sobre mim, mantendo sua boca a
centímetros da minha e, sem que eu percebesse,
pegando meu copo de café, olhando por um
momento e bebendo todo o líquido que esfriava. —
Tenho que comprar café. Mas acho que vou pelas
escadas… Um pouco de exercício faria bem, não
acha?

Fiz um esforço tremendo para não cobrir a


distância que restou entre nós dois e beijar aquela
boca maravilhosa tão próxima da minha e agora
flavorizada com meu café. Creio que esse pequeno

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diálogo tenha sido o mais erótico que eu tive nos


últimos anos.

— Por favor, não deixe que eu te atrase em


suas atividades físicas.

Gabriel me olhou por mais alguns segundos


— que me pareceram longos minutos —, sorriu de
leve e seguiu seu caminho pelo corredor do hotel,
olhando por cima do ombro e me metralhando com
mais promessas ocultas em seu olhar.

Contei exatos dez segundos e caminhei


lentamente até as escadas de emergência do hotel.
Olhei ao redor antes de sair pela porta, apenas para
me certificar de que estávamos sozinhos no
corredor, e pisei na escada, fechando a porta corta-

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fogo atrás de mim. Fiquei em silêncio por um


segundo, tentando ouvir se Gabriel já havia
descido, quando um movimento exatamente ao meu
lado me assustou. Olhei e vi o segurança parado,
sorrindo, sem a jaqueta, que estava pendurada no
corrimão da escada do andar de cima.

Meus olhos imediatamente se focaram em


seus braços tatuados, antes ocultados pelo couro, e
eu tive que morder o canto interno da boca para não
suspirar. Seus braços eram cobertos de tatuagens,
que subiam até se perderem por baixo do tecido da
camiseta rasgada que caía perfeitamente em seu
corpo, compondo o visual meio punk dele.

— Olá de novo — disse com um sorriso

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sensual brincando no rosto, as mãos nos bolsos das


calças jeans, o corpo encostado na parede e um dos
coturnos com a sola virada para trás, servindo de
apoio. — Veio fazer atividade física também? Faz
bem ao coração não usar elevador, sabia?

Meus lábios se entortaram num sorriso


vitorioso.

— Já ouvi falar, Gabriel. Mas há outras


atividades que também são muito boas para o
coração além de ignorar o elevador, não acha? —
olhei ao redor momentaneamente, buscando por
câmeras e encontrando uma que apontava
exatamente para nós dois. O segurança respondeu
minha dúvida silenciosa:

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— As desse andar estão desligadas, o andar


superior está interditado para obras e a porta não
abre por fora no andar inferior.

Uau.

Ele realmente manja dos paranauês de


segurança.

Voltei a olhar para ele e sorri quando ele se


aproximou o suficiente para que eu precisasse
erguer o queixo para olhá-lo, mas não fez mais
nenhum movimento. Olhamo-nos por alguns
instantes, até eu perceber que ele não ia avançar
mais.

— Entendo... Mas quer saber o que também


está totalmente desativada aqui, Gabriel? — ele

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balançou a cabeça concordando, e eu avancei em


sua direção, puxando-o pela gola da camisa antes
de sussurrar em seu ouvido. — Minha paciência...

Cobri sua boca com a minha, e meus


batimentos cardíacos foram a mil quando ele me
enlaçou pela cintura, me beijando com intensidade
e me encostando na lateral da parede da escada.

O que aconteceu em seguida foi um mar de


sensações únicas. A língua de Gabriel se encontrou
com a minha, fazendo com que todo o meu corpo
se arrepiasse. Passei a mão pelo seu pescoço e
finquei minhas unhas em sua nuca quando minha
coxa foi erguida e eu senti a mão áspera de Gabriel
deslizar por cima da meia-calça, parando na faixa

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de pele que a sete-oitavos não cobria.

Senti uma leve hesitação de sua parte


quando sua mão encostou na liga que prendia a
meia-calça e não pude conter um sorriso contra
seus lábios. Por que uma simples peça de lingerie
causa tanta comoção em algumas pessoas?

As mãos de Gabriel me ergueram do chão, e


eu passei as pernas ao redor de seus quadris,
deixando que ele subisse as escadas para o andar
interditado. Sua boca desceu direto para o meu
pescoço enquanto suas mãos exploravam o meu
corpo ainda vestido. Estendi as mãos para tentar
tirar sua camiseta, o que obviamente não seria
muito sensato. As escadas eram um lugar seguro,

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mas não trancado à chave.

Desisti de desnudar o segurança e me


concentrei somente naquele amasso deliciosamente
doido, especialmente quando o segurança parou no
andar isolado e, ainda comigo no colo, sentou na
escada, sabe-se lá como.

Comecei a mexer meus quadris em busca de


um atrito maior com determinada área de sua
anatomia e dei um gritinho de surpresa quando
senti a mão forte de Gabriel apertar minha bunda
com força, me empurrando para mais perto dele.
Mordi seu lábio inferior antes de deslizar minha
língua para dentro da sua boca e torci para que ele
não fizesse aquilo de novo, ou nem teríamos tempo

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de buscar uma…

Opa… Bem lembrado...

Interrompi o beijo, tentando controlar


minha respiração, e abri a boca para perguntar se
não poderíamos logo ir para o quarto, mas o único
som que saiu de dentro de mim foi o de respiração
contida, já que a mão que antes apertava minha
bunda desceu, afastou minha calcinha para o lado e
deslizou um dedo para dentro de mim.

Inspirei rapidamente e inclinei meu corpo


para frente, erguendo meus quadris o máximo que
consegui para facilitar a entrada de um segundo
dedo. Não que houvesse necessidade de facilitação,
para falar a verdade: meu estado de excitação

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provavelmente permitiria que ele colocasse mais


um dedo tranquilamente, ou talvez uns trinta, quem
sabe?

Minha respiração ficou ruidosa enquanto eu


buscava um maior contato, movendo meu quadril
contra sua mão. Por causa do ângulo de seu braço,
Gabriel não tinha um acesso tão livre a mim quanto
gostaríamos, então ele retirou seus dedos e
perguntou:

— Quarto?

— Quarto — eu respondi, ofegante, e me


levantei de um salto de seu colo. — Meu ou o seu?

Ele ponderou por um momento e


respondeu:

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— O meu. Tudo bem?

Assenti com a cabeça e perguntei, o corpo


em chamas como há muito não ficava. Se houvesse
uma mísera possibilidade de fazer algo ali mesmo,
eu faria e dane-se o quarto.

— Você tem camisinha com você?

Gabriel, que fez menção de me puxar de


volta para seu colo, mas desistiu assim que ouviu
minha pergunta, hesitou por um momento, como se
não tivesse certeza, e logo uma expressão de
derrota apareceu em seu rosto. Eu sorri e o
tranquilizei:

— Eu tenho, relaxa. Vou buscar no meu


quarto. Cinco minutos.

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— Quatro — ele disse, já com a respiração


controlada, mas com o desejo obviamente
estampado no rosto. — Três, já perdeu um.

Sorrindo, me preparei para correr, mas ele


me pegou pelo braço, enfiou a mão no meu cabelo
e me puxou com força, chocando sua boca na
minha e me beijando com paixão. Quase despi
minha roupa ali mesmo. Assim que me soltou, eu
corri sem nem olhar para trás ou dizer nada, antes
que perdesse a linha totalmente. Pude ouvir ele
comentar em voz baixa “dois” e corri mais rápido
ainda.

Pelo visto, a tal da muralha que o cercava


realmente era emocional. A sexual estava com os

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portões bem escancarados, felizmente.

***

Cheguei ao seu quarto uns seis minutos


depois, já que consegui a proeza de perder o meu
cartão enquanto procurava as camisinhas em minha
pequena mala de viagem. Normalmente, sempre
levo comigo as camisinhas em uma bolsinha
separada dentro de um compartimento da mala,
mas exatamente naquela viagem, eu joguei a
bolsinha no meio das roupas e perdi a chave do
quarto no meio da bagunça.

Notei que havia algo mantendo a porta do

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quarto de Gabriel e vi que era uma gravata


enrolada. Quase ri ao ver a cor: vermelha Hitman.
Não consegui imaginar Gabriel usando gravatas
vermelhas. Ele combinava mais com as escuras.
Talvez tenha sido por isso que ele tenha usado
aquela na porta: se marcasse o tecido,
provavelmente não faria diferença.

Seu quarto era exatamente igual ao meu.


Mesma cama imensa no meio do quarto, mesmo
banheiro à direita, mesinha de telefone à esquerda.
Tudo igual. A diferença é que no meu não havia um
coturno masculino na entrada.

Ouvi um barulho no banheiro e ouvi a porta


sendo aberta. Gabriel saiu de dentro do cômodo,

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seminu, de toalha nos quadris, com a pele brilhando


pelo banho recém-tomado e com um olhar que
derreteria o coração do Alinei Räikkönen.

Gabriel parou de secar o cabelo com outra


toalha e me olhou, com um sorriso.

— Demorou. Foram oito minutos —


brincou, e eu respondi, me aproximando:

— Seis. E você me atrasou, então não


demorei nada. Olha, ele tem dentes — repeti ao ver
seu sorriso.

Gabriel sorriu, jogou a toalha — a de cima,


não a de baixo — em cima da pia e começou a
caminhar na minha direção, passando a mão nos
cabelos curtos e ainda úmidos.

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— Achei que tinha desistido... — Gabriel


comentou em voz baixa, aproximando seu rosto do
meu e parando de avançar.

— Por causa de seis minutos? Que


dramático... — eu provoquei dando um passo para
trás e sorrindo.

Sem tirar seus olhos dos meus, Gabriel


sorriu e deu mais um passo para frente, me fazendo
andar de costas até chegar na beirada da cama.

Senti a língua de Gabriel entrar minha boca


e o agarrei pelos ombros, forçando-o a se virar de
costas para a cama. Eu o empurrei com as duas
mãos espalmadas e sorri quando ele caiu na cama,
o rosto sério revelando o imenso desejo que ele

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estava compartilhando comigo.

Sorrindo, tirei meu vestido, me ajoelhei


entre suas pernas e me aproximei lentamente do
segurança, que ergueu um pouco o corpo se apoiou
nos cotovelos enquanto me olhava fixamente.

Precisei fazer um esforço imenso para não


encarar a ereção deslumbrante que despontava
embaixo da toalha branca, já que não sou
totalmente fã de ficar elevando ego alheio. Mas,
nossa senhora, a prova de que ele me queria tanto
quanto eu o queria era bem... animadora!

Passei os joelhos ao redor de sua cintura e


inclinei o corpo para frente enquanto posicionava
meus quadris em seu colo. Senti sua ereção

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encostar em mim, e meus olhos se fecharam


imediatamente quando senti o prazer que o atrito
dela com minha pele sensível causou.

Meus cabelos soltos caíram em seu rosto


enquanto eu empurrava seu tronco de volta para a
cama. Gabriel me olhava com o olhar mais intenso
que eu já tinha recebido de alguém até aquele
momento, e eu não pude conter um sorriso quando
ele me segurou pela cintura e inverteu nossa
posição, se inclinando sobre mim.

Repeti sua posição anterior e me apoiei nos


cotovelos para poder passar a língua em seus
lábios. Ele entreabriu a boca enquanto eu lambia
seu queixo. Senti metade de todo o sangue que meu

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corpo em brasas possuía ser drenado para meu


ventre quando ele fechou os olhos e apertou meu
braço em resposta.

Ótimo, ele está começando a perder o


controle. Vamos ver até quanto ele aguenta sem ir
adiante.

Ergui mais meu corpo, fazendo com que ele


se afastasse um pouco, e tirei meu sutiã, jogando-o
no mesmo limbo em que todas as outras roupas
estavam nesse quarto. Gabriel abaixou o olhar para
dar a checada tradicional nos meus seios, e eu senti
a leve vergonha de sempre. Não sou muito fã de
checagens corporais no pré-sexo, mas não me
cobri, como faria antigamente, apenas o puxei para

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perto e chupei seu lábio inferior.

Gabriel me empurrou na cama, e eu sorri.


Seu controle estava por um pequeno fio, eu notei
quando ele começou a puxar minha calcinha.
Levantei o quadril para facilitar o processo e meu
sorriso desapareceu quando ele jogou a calcinha
perto da porta e desceu a cabeça, indicando que não
era bem minha boca que ele pretendia beijar no
momento...

Em geral, eu não fazia nem recebia sexo


oral de desconhecidos. Sou extremamente
precavida e muito grilada com higiene pessoal,
mas, naquela vez, abri uma pequena exceção,
somente porque os dois haviam tomado banho e...

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Nossa Senhora das Imprecações, que língua


é essa?? Gabriel podia ser tudo aquele que Betty
disse: frio, distante, sozinho e sei lá o que mais,
mas ele sabia MUITO bem o que estava fazendo.
Como diria a Júlia, esse merece um PhD em
Estudos da Oralidade tranquilamente!

Aliás, em Linguística Aplicada também.

Ah, dê logo todos os títulos de


doutoramento do mundo para esse homem, que se
foda todo o Conselho Nacional de Pesquisa
Científica!

Agarrando-me a todos os clichês sexuais


que eu conhecia, ouvi o barulho de unhas
arranhando o colchão e percebi que eram as minhas

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segurando os lençóis com força enquanto Gabriel


fazia sua magia.

Comecei a sentir o suor brotar por todos os


meus poros e tentei controlar minha respiração.
Aquilo era muito, mas muito gostoso! Ergui meu
tronco e não consegui segurar um gemido de
surpresa quando Gabriel deslizou um dedo para
dentro de mim e retirou rapidamente, sem tirar a
língua de onde estava nem por um segundo.

Meu corpo se contorceu enquanto buscava


um contato maior de suas mãos e sua língua e
deixei escapar um gemido alto quando ele enfiou
dois dedos em mim e os manteve lá dentro. Senti o
calor de sempre espalhar pelo meu corpo enquanto

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ele continuava me chupando e movimentando seus


dedos de maneira ritmada.

Não demorou muito para que eu sentisse


meus dedos do pé se contraírem com força,
avisando que meu orgasmo estava a caminho.
Momentos depois, não consegui mais controlar
minha respiração, e os gemidos começaram a
escapar de minha garganta.

Gabriel aumentou a velocidade dos dedos e


da língua de acordo com as reações do meu corpo.
Gozei divinamente, erguendo meu corpo para
frente enquanto minha cabeça tombava para trás.
Senti as contrações familiares e deixei todo o ar sair
dos meus pulmões enquanto voltava a deitar na

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cama.

Ele parou de me lamber, mas manteve os


dedos dentro de mim, me fazendo empurrá-lo com
o pé em reação ao contato com a pele sensível.

— Deixa ela respirar, moço... — disse,


entre risadas sem fôlego, mantendo os olhos
fechados enquanto ainda sentia os espasmos pós-
orgasmo.

Ouvi sua risada rouca e enxuguei minha


testa úmida de suor com a mão enquanto ria. Abri
os olhos e vi Gabriel se levantar e pegar minha
bolsinha, largada próxima ao travesseiro.

Ainda com o meio sorriso no rosto, ele me


entregou a bolsa, e eu, sem me levantar da cama,

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estendi a mão preguiçosamente e tirei o pacote


fechado de camisinha, entregando para ele em
seguida. Joguei a bolsa para trás e me levantei, me
ajoelhando na cama enquanto ele rasgava o pacote
e tirava uma camisinha, colocando-a entre os
dentes e jogando os outros preservativos embalados
no chão.

Sua toalha logo foi fazer companhia às


roupas no piso frio do quarto, deixando Gabriel
completamente nu. Fiz força para manter meu rosto
impassível, mas foi bem difícil, já que aquele
homem tinha um físico muito impressionante, com
músculos definidos no ponto certo, braços fortes e
coxas que te dão vontade de lamber até o próximo
feriado nacional. Não importava qual feriado, se
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um brasileiro ou um londrino, eu só queria lamber


aquele corpo até ficar com a língua seca.

De novo, tentei não encarar sua ereção, mas


não consegui. Ela me olhava tão fixamente que eu
não resisti e dei uma checada, ficando oficialmente
satisfeita com o que vi.

Também me satisfez bastante Gabriel não


ser desses homens que ficam todos metidos ao ver
uma mulher admirando seu pau. Tenho horror
desses que ficam sorrindo enquanto colocam a
camisinha, como se estivessem mostrando um
troféu de campeonato mundial de boliche para a
mulher que vão comer.

Gabriel terminou de colocar o preservativo

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e se aproximou de mim com o rosto rígido, se


ajoelhando na cama e se inclinando para me beijar.
Sempre fui alta, mas ele era ainda mais alto que eu,
e sua ereção encostou no começo de minha coxa
por isso.

Eu o agarrei pelo pescoço, como fizera em


todos os momentos daquela noite gloriosa, e o
beijei, sentindo suas mãos abraçarem minha cintura
e me deitarem na cama. Gabriel apoiou o peso de
seu corpo no meu enquanto eu deslizava as mãos
pelos seus braços definidos, parando nas tatuagens
maravilhosas e admirando a qualidade delas por um
segundo antes de seus lábios capturarem os meus.

Beijando intensamente minha boca, Gabriel

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se posicionou entre as minhas pernas e rapidamente


me penetrou, soltando um gemido rouco muito
semelhante ao que saiu de minha boca. Ainda
sensível por causa do orgasmo, movi meu corpo
contra o colchão buscando alívio, mas o segurança
me segurou pelos quadris me impedindo de sair e
disse:

— Calma... Ela já vai respirar direito, confia


em mim...

Sorri ao ouvir sua brincadeira sensual e


mordi o lábio quando vi seu sorriso hipnótico e
cheio de luxúria. Balancei a cabeça concordando e
movi meu corpo contra o seu, sentindo menos a
sensibilidade e mais tesão. Gabriel começou a se

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movimentar, entrando fundo em mim e saindo


quase que por completo, bem devagar.

Mordendo os lábios de ansiedade e sentindo


meus músculos pedindo por mais, pensei em abrir a
boca para pedir que ele acelerasse, mas Gabriel
entrou em mim rapidamente, respirou fundo ao
sentir meus músculos internos o apertarem e
perguntou:

— Ainda tá muito sensível? Tá te


machucando?

Sorri e passei minhas pernas ao redor de seu


quadril, balançando a cabeça em negativa.

— Nem um pouco. Pelo contrário.

Ele sorriu e voltou a me beijar, apoiando o

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cotovelo na cama e se posicionando sobre mim em


um ângulo mais confortável para ambos. Senti ele
me preencher e respirei fundo, me agarrando de
novo em seus braços quando ele aumentou a
velocidade até o ponto em que minha respiração
ficou totalmente descontrolada.

Sem parar de entrar em mim, ele se abaixou


e mordeu meu mamilo, fazendo com que minha
pele se arrepiasse em resposta. Gabriel tornava
todas as transas causais em festas, lançamentos de
coleção ou coisas do tipo exatamente o que eram:
furtivas. Aquilo não era algo eventual, esporádico,
simplório: era algo muito intenso e marcante. Era
foda de qualidade, com direito a química nas
alturas e tudo o mais que uma boa transa poderia
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me oferecer.

A vontade de mudar de posição bateu, e eu


pensei em empurrá-lo, mas vi que não ia conseguir
mover um dedo dele se não usasse minha cabeça, já
que ele era maior e mais forte que eu. Porém, eu
aprendi muito bem a usar a força alheia ao meu
favor nas aulas de defesa pessoal, então me
recordei de um dos movimentos ensinados pela
minha instrutora, prendi meu pé ao redor de sua
panturrilha, agarrei o braço de Gabriel que não
estava apoiado no cotovelo e fiz seu corpo pender
para o lado, girando e me posicionando em cima
dele.

Ele abriu os olhos, surpreso e ofegante, mas

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não falou nada, só me olhou fixamente. Acertei os


quadris e finquei minhas unhas em seu peito
quando senti ele deslizar de volta para dentro de
mim.

Comecei a mexer meu corpo buscando mais


contato e senti suas mãos deslizarem pela minha
barriga e minha cintura. Movi meus quadris e
tombei a cabeça para trás, sentindo o calor espalhar
do meu ventre pelo meu corpo enquanto sua ereção
entrava e saia de dentro de mim.

Fiquei por cima por mais um tempo,


sentindo o suor escorrer pelas minhas costas, até
ficar sem fôlego e deitar por cima de Gabriel, sem
deixá-lo sair de dentro.

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Passei minha língua por toda a extensão de


sua tatuagem no peito, sentindo sua pele salgada de
suor. Saí de cima dele e fiquei de joelhos na cama,
puxando-o pelo braço para que se levantasse.

Não precisei explicar muita coisa. Gabriel


se posicionou atrás de mim, empurrou meu tronco
para frente, me fazendo empinar a bunda, e me
penetrou bem fundo, arrancando um gemido alto da
minha garganta. Apoiei as mãos na cabeceira da
cama enquanto ele colocava a mão na minha boca,
me calando.

Mordi seu dedo e sorri ao ouvir sua risada


rouca e sentir seus lábios no meu pescoço. Gabriel
retomou os movimentos de entra-e-sai, e eu

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precisei me segurar com força na cabeceira


enquanto tentava não gemer muito alto.

Senti ele entrar e sair com força mais uma,


duas, três, dez, inúmeras vezes, e empinei o corpo,
sentindo a nuca arrepiar e os dedos contraírem no
tradicional aviso de orgasmo um tempo depois.

Gabriel sentiu a mudança na minha postura


e me pegou pelo cabelo, puxando o suficiente para
tombar minha cabeça para trás. Senti um tapa
acompanhado de um apertão forte na minha bunda
e não consegui mais segurar o orgasmo.

Ele soltou meu cabelo e tapou de novo


minha boca, sem deixar de se movimentar
freneticamente para dentro de mim. Gemi contra

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seus dedos, estendi o braço para trás e finquei


minhas unhas com força em sua coxa quando senti
os espasmos do orgasmo se espalharem em meus
músculos internos.

Assim que a energia do orgasmo foi


totalmente liberada, meu corpo relaxou
profundamente, mas eu não caí na cama como
gostaria. Esperei Gabriel gozar, o que aconteceu em
seguida: seu corpo estremeceu e um gemido rouco
saiu de seus lábios enquanto entrava em mim uma
última vez.

Ficamos parados na mesma posição por


alguns segundos, tentando regularizar nossas
respirações, até Gabriel beijar meu ombro e sair de

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trás de mim, indo tirar o preservativo. Deixei meu


corpo cair na cama e me virei de barriga para cima,
afastando meu cabelo colado no rosto úmido de
suor.

Gabriel deitou ao meu lado, também de


barriga para cima, e ficamos ouvindo a respiração
um do outro, até ele virar o rosto para mim,
buscando meus olhos.

Virei a cabeça para o seu lado e sorri para


ele, ainda ofegante.

— É muito imbecil se eu falar “uau”?

Rindo, ele esfregou as duas mãos no rosto,


limpando o suor que escorria de sua testa, e me
respondeu:

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— Nem um pouco. E se for, eu prometo não


contar pra ninguém.

Voltei a olhar para o teto com um sorriso no


rosto e respondi:

— Uau.

— Uau — ele repetiu dando uma risada


baixa.

Dez minutos depois, começamos tudo


novamente.

E novamente.

E novamente.

***

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Dessa noite, eu não tenho nada a dizer a não


ser concordar com o que foi dito.

Uau.

Felizmente, noites como aquela se


repetiram mais vezes, quatro anos depois, quando
passei a trabalhar com a Sissy Walker.

O único problema foi quando as noites


intensas de sexo viraram noites intensas de outras
coisas.

Outras coisas que nem eu nem ele


poderíamos nomear.

Ainda não.

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Copenhague
— Se bem me lembro, foi Vivienne
Westwood quem disse que as passarelas mostram a
moda em sua forma mais pura: arte. As roupas de
um desfile normalmente não querem impor um
vestuário a ser usado pelo restante da humanidade,
mas sim refletir o momento artístico da moda em
seu tempo.

Bebi um golinho do café que Gabriel


trouxera, tentando não fazer careta quando notei o
sabor açucarado. Tive que desviar o olhar da tela
do MacBook — e consequentemente fugir do
campo de visão da câmera — para fitar o
Segurança, que também exibia no rosto uma
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expressão de desagrado enquanto provava sua


bebida. Foi aí que lembrei: o café era do Starbucks.

Nós dois odiávamos café do Starbucks. Ou


eram muito doces ou pareciam ter passado do ponto
da torra do grão, servindo, com isso, cinzas de café
no copo. Mas o que poderíamos fazer se o café do
hotel em Copenhague era tenebroso? Ao menos o
do Starbucks vinha quente…

— Certo, senhorita Andrade — o


entrevistador comentou, após digitar minhas
últimas palavras freneticamente.

Voltei a olhar para o notebook e dei um


sorriso educado. Parecia ser a centésima entrevista
que eu dava ao longo da turnê, sempre por Skype

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ou e-mail. Sendo sincera, eu já estava de saco cheio


de responder sempre as mesmas coisas. “O que a
moda significa para você?”, “Quais são suas
inspirações?”, “Foi difícil criar uma marca de
roupas em meio a uma crise nacional?”, “Como
você se sentiu quando a cantora Anitta apareceu
com um colar da Wings no Instagram?”

Eu só queria uma pergunta diferente, algo


que me permitisse dialogar sobre o que de fato me
encantava no meu trabalho. Ou algo que me fizesse
erguer as sobrancelhas e questionar a ousadia do
entrevistador. Alguma coisa que fosse
minimamente divertida e inédita...

— Senhorita Andrade, a última pergunta: os

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boatos de que você está tendo um affair com o líder


de segurança da banda Sissy Walker, o senhor
Gabriel S. Klein, são verdadeiros?

Quase cuspi meu café na tela ao ouvir


aquilo.

Será que se eu desejar um milhão de euros,


eu ganho?

Olhei para Gabriel, sentado na cama, o copo


da Starbucks em uma das mãos e uma expressão
surpresa no rosto. Ele pareceu impressionado por
um momento, mas logo ficou sério novamente,
recuperando sua expressão habitual.

— Ahn… De onde vocês…?

— Ah, senhorita, sabe como funcionam as

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redes sociais. A Sissy Walker é mundialmente


famosa, então sempre há fotos de todos os tipos
disponíveis, incluindo de vocês dois. Ultimamente,
o fandom tem ficado em polvorosa por achar que
finalmente Betty e Tony assumirão o namoro, e
acabou que o tema está em alta.

Mirei o entrevistador, um homem de uns


vinte e tantos anos, provavelmente ainda cheirando
a miojo de universidade, e contive um suspiro. A
hora de falar sobre relacionamento não havia
chegado ainda, e se eu não poderia falar sobre isso
com Gabriel, que dirá para uma revista de
circulação nacional?

— Podemos voltar para o assunto “moda”?

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Achei que a entrevista era sobre a Wings, não sobre


mim… — eu pedi, tentando não soar hesitante ou
insegura.

— Claro! Mas, antes, poderia dar uma


palavrinha sobre o que a senhorita Sophia pensa
desse affair? Afinal, vocês já namoraram, certo? A
senhorita se considera lésbica, bissexual ou pan…

— Oi! — eu exclamei, estalando os dedos


na frente da câmera, já ficando irritada. — Vamos
focar, por favor, no tema dessa entrevista? Deixar
minha vida pessoal de lado?

— Claro, senhorita, peço perdão — ele


disse, mas não parecia nem um pouco verdadeiro.
— Isso significa que a senhorita também não vai

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querer falar sobre seu relacionamento com o


Doutor Roberto Fon…?

— Não! — interrompi novamente. — Bom,


acho que você já tem material suficiente, não é?
Vou precisar encerrar a ligação, acabei de perceber
que estou com o gás ligado!

— Mas a senhorita está em um hotel…

— Muito obrigada, tenha um bom dia! — e


fechei o notebook com força, pressionando em
seguida minhas têmporas.

Diacho de homem desagradável. Era uma


revista de moda ou de fofocas?

Ouvi um gemido e olhei para a cama.

— Ai, meu MacBook... Lena, não seja tão

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americana, eu detestaria ter que comprar um


notebook novo durante a viagem… — Gab
reclamou, mas havia uma notinha de diversão em
sua voz. — Vem, senta aqui.

Ainda sentindo a cabeça doer, fui até o


Segurança e sentei em seu colo, de frente para ele,
tirando o copo de café de sua mão e deixando na
mesa de cabeceira.

— Você não gosta de ser figura pública, né?


— perguntou, o sorriso particular despontando no
rosto. — Vai ter que se acostumar, Costureira. É o
lado negativo do sucesso.

Estalei os lábios antes de comentar:

— Falou aquele que é praticamente

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desconhecido e invisível. Você é bem-sucedido pra


diabo também, comanda a segurança de uma banda
gigante, mas nem por isso precisa sair por aí
dizendo a razão de ter terminado com a Erika ou
quantos namoros teve antes dela.

Gab parou de sorrir por um momento, mas


logo disfarçou e provocou:

— Sim, você falou tudo. Eu sou chefe de


segurança. Não sou dono de uma empresa, nem
líder de uma banda de rock internacionalmente
famosa. Eu consigo atingir excelência sem que
ninguém me conheça, Costureira.

Seboso. Pior que fazia todo sentido, era


óbvio, mas eu não admitiria isso, e nem que estava

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com inveja verde de sua possibilidade de ser


invisível.

— Seria uma graça ver você comandando


uma empresa, Segurança. Imagina, o termo CEO
atrelado a você? Senhor Klein, CEO de uma
multinacional multimilionária e multipirocuda. Ia
chover fanfic sua.

Ele franziu as sobrancelhas por um


momento e riu.

— É a primeira vez que você fala meu


sobrenome, Costureira.

Entortei a cabeça para o lado, pensativa, e


acabei percebendo que era verdade. Após meses de
convivência, nunca o chamei por Klein, sempre por

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Gab, Gabriel ou, claro, Segurança.

— Eu sou brasileira, ora bolas, não fico


chamando os outros pelo sobrenome.

— Ainda mais eu — ele disse com os olhos


brilhando.

— Ainda mais você, Sr. Klein — respondi e


sorri. — Aliás, o que significa o “S” de seu nome?
Gabriel S. Klein parece nome de autor de romance
erótico.

Gabriel hesitou por um momento, um traço


de diversão surgiu nos lábios, até que respondeu:

— Você diz isso porque não sabe o que


Klein significa…

— O quê? Anda, fala — interrompi

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animadamente

Mais uma vez ele hesitou, agora rindo


abertamente.

— Pelo que contavam na família, significa


“pequeno”.

Não pude resistir, meus olhos foram


diretamente para entre as pernas de Gabriel, que
fechou os olhos e riu. Era uma ironia deliciosa bem
na minha frente, não pude deixar de responder:

— Nunca um sobrenome foi tão sem


sentido em todo o planeta. Mas, enfim, não vou
ficar enchendo tua bola, que você tem régua em
casa e sabe muito bem que “Klein” realmente é um
sobrenome aleatório.

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Saí de seu colo e deitei na cama, ainda


ouvindo sua risada.

— E o “S”? O que significa?

Gab foi parando de rir e fez um gesto com a


mão, como se não ligasse muito antes de responder.

— Mais um sobrenome alemão, Costureira.


Eu vim do Sul, então... Tudo com pronúncia
duvidosa e algum significado antigo e sem sentido.

— Certo... — comentei, virando de bruços e


apoiando o peso do corpo nos cotovelos enquanto
mirava o rosto do Segurança. — Não vai me contar
qual é?

Gabriel respirou fundo, como se não


curtisse muito o tema, até que, com uma expressão

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resignada no rosto, começou a revelar o segredo.

— S. é de Scherer, Costureira. Não uso esse


sobrenome porque era como me chamavam na
Academia. Comandante Scherer. Prefiro Klein.

Notando que era um terreno incômodo, me


arrastei até ele e o beijei por um momento antes de
responder:

— Prefiro Segurança.

— Eu também — ele disse e abriu um quase


imperceptível sorriso, voltando a relaxar após a
mudança de assunto.

Voltei a deitar na cama e peguei meu


celular para procurar o significado de Scherer, se é
que havia algum. Andrade, meu único sobrenome,

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é um toponímico, ou seja, um nome baseado em


algum lugar. Vai que Scherer também fosse?

— Tá procurando o significado do outro


sobrenome, não tá? — Gab perguntou com humor
na voz. — Que curiosa...

— Você sabe o que é? — perguntei, um


pouco incerta, e logo voltei a atenção para o celular
quando Gab balançou a cabeça para os lados e fitou
a tela, que mostrava, em letras grandes, um site
chamado “Significado de Nomes em Alemão”.

Vendo que Gabriel não ficara chateado com


minha pesquisa, comecei a procurar dentre os
nomes listados.

— Klein realmente quer dizer “pequeno”,

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Segurança, tá escrito aqui... A única coisa pequena


que você tem no corpo é o sorriso. Vamos ver…
Weber, Hoffmann, Ruschel… Ruschel também é
“pequeno”... Bohn, Ritter, Stein… Achei!
Schneider!

— Scherer, Lena…

— Ah… Quase a mesma coisa… Ah, tá


aqui! Scherer! É…

Ergui o rosto e fitei Gabriel, tranquilo, me


olhando enquanto aguardava que eu falasse o
significado.

Não sou dessas pessoas que acreditam em


sinais do destino, mas não vou negar que fiquei um
pouco impressionada. Provavelmente fiquei meio

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imóvel por uns segundos, já que Gab franziu o


cenho diante da minha ausência de movimentos.

— Que foi? É algo ruim?

— O que você chamaria de ruim?

— Não sei… Algo tipo “assassino


impiedoso”?

Demorei uns quatro segundos para perceber


que ele estava brincando. Na verdade, só percebi
porque ele sorriu antes de complementar:

— Se for, vai ficar muito harmonioso.


“Pequeno Assassino Impiedoso”. Vou conquistar o
respeito de todos os seguranças contratados de
Munique e Berlim. Ainda tá de pé a oferta de band-
aid de super-herói?

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Minha gargalhada foi tão alta e inesperada,


que Gab correu para tapar minha boca com a mão
enquanto segurava minha nuca com a outra.

— Deus do céu, Lena, daqui a pouco ligam


da recepção reclamando — ele reclamou, apesar do
sorriso no rosto, e tirou a mão do meu rosto. —
Vai, diz logo, o que significa Scherer, Costureira?

Balancei a cabeça para os lados, sem


conseguir conter a risada.

— Olha, segundo esse site, significa


“cortador de tecidos”, Segurança. Agora sim, altas
fanfics em cima do CEO Gabriel Pequeno Cortador
de Tecidos.

Gabriel piscou por um momento, e em

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seguida abriu seu sorriso secreto imenso.

— Pior se relacionarem com Lena


Costureira e Estilista. Tecidos, costura, moda...

— É, eu sei... — comentei, franzindo o


cenho, apesar da linda imagem que era ver o
Segurança de sorriso aberto.

Convenhamos, pior pesadelo de uma pessoa

que não gosta de fama: virar OTP[4] de alguém.

— Cortador de tecidos? Sério? —


perguntou, balançando a cabeça para os lados,
como se achasse aquilo algo muito engraçado.

— Segundo esse site, sim. Pode ser que


tenha outro significado, mas aqui diz “cortador de
tecidos”.

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Gab fechou os olhos por um momento, os


lábios ainda curvados em uma expressão divertida,
e completou:

— Essa informação jamais pode deixar esse


quarto, Helena Maria Andrade. Se o que esse
jornalista que te entrevistou disse for verdade e
tiver gente de olho em casais na Sissy Walker...

— Vai ter gente fazendo fanfic nossa, eu sei


— completei e sacudi o corpo para espantar o
calafrio. Só de imaginar, partes do meu corpo se
trancaram.

Aparentemente, não era isso que Gabriel ia


dizer, já que a confusão era nítida em seu rosto.

— Acha que alguém faria isso? Histórias

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entre duas pessoas reais?

Quase zombei de sua inocência, até que


lembrei que Gabriel não convivia com adolescentes
tão diretamente como eu. Vai por mim, se tem um
povo que ama um OTP são modelos de passarela
com menos de vinte anos.

— Claro que sim, Gab! Não perderiam


oportunidade de colocar você de terno na capa,
inclusive. Ninguém resiste a um homem de terno.
Ainda mais se for tatuado… — comentei e estendi
as mãos, alisando o braço colorido, sentindo a
cicatriz escondida por baixo da tinta. Foi quando
lembrei de uma burrada feita dias antes e aproveitei
o embalo. — E gostoso. Você é um clichê gigante,

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Segurança. Terno, tatuagem, cara de malvado…

— Cara de malvado? Eu tenho essa cara?


— ele perguntou, relaxando mais a postura e
achando graça.

— Claro que tem, você não se olha no


espelho? Sorri duas vezes por ano e ainda pergunta
se tem cara de mau? — retruquei e me inclinei
sobre ele, beijando seus lábios por um momento. —
Além de parecer que saberia comandar uma máfia,
você ainda é bonito pra cacete, imenso, forte e sabe
transar. É prato cheio para fanfic e sonhos eróticos.

Gabriel me segurou pela cintura, ajeitando


meu corpo sobre o dele antes de perguntar:

— O que você fez de errado, Helena Maria?

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Está me elogiando demais — disse em um tom


sério, porém leve.

Ergui o corpo e levei a mão ao peito de


forma dramática.

— Que absurdo! Eu não posso ser uma


pessoa fofinha de vez em quando? — Mas foi só
Gab erguer as sobrancelhas, para que eu precisasse
admitir. — Ok, eu derrubei tinta de tecido na
gravata que você esqueceu no meu quarto.

Gabriel franziu o rosto em uma careta de


dor, quase como fizera ao levar a cotovelada
naquele show tenebroso.

— Costureira… Aquela gravata era…

— A sua preferida, eu sei, me perdoa. Eu

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vou comprar uma nova, eu juro.

— Aquela gravata foi presente do meu


sensei, Lena, ele comprou no Rio Grande do Sul, é
impossível que você consiga comprar uma agora...
— ele reclamou, ainda com a careta de dor, mas
logo desfez a expressão. — Bom, tudo bem, era só
uma gravata — murmurou, me dando um sorriso
triste. — Olha, viu, eu sei sorrir e perdoar. Não sou
malvado, nem um pequeno assassino impiedoso e
chefe da máfia de cortadores de tecido.

Rindo, puxei seu rosto com as duas mãos e


beijei seus lábios.

Desde o evento na cidade anterior, quando


Gabriel se machucara por minha causa, nós

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evitávamos falar sobre qualquer coisa relacionada


ao que compartilhávamos, seja lá o que aquilo
fosse.

Estava funcionando, então era assim que


seria. Um acordo implícito excelente.

Mas também um acordo que não envolvia


outros relacionamentos...

— Hm, posso perguntar uma coisa? — ele


pediu, e eu assenti, aguardando. Gab endireitou o
corpo e voltou a segurar em minha cintura. —
Quem é Doutor Roberto?

Dessa vez, quem fez careta fui eu.

— Meu ex-namorado, Beto. Ele é


relativamente famoso no Rio, sei lá o motivo, essas

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bobagens de alta sociedade, sabe? Herdeiro, doutor,


blá, blá, blá. A mídia, quando eu comecei a ficar
mais conhecida, vibrou quando soube de nosso
relacionamento.

Gab entortou a cabeça para o lado, ouvindo


com curiosidade o que eu dizia.

— E o término de vocês foi tranquilo, ou


ele é mais um Rodrigo em sua vida?

Bufando, levantei do colo de Gabriel e fui


até meu café açucarado, não querendo entrar em
assuntos bostas como aquele logo após dar uma
entrevista tão chata.

— Ok, assunto proibido, não precisa me


contar — ele disse e levantou também, indo atrás

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de mim e beijando meu pescoço.

Fechei os olhos, saboreando a sensação de


sua boca roçando no meu pescoço e de meu corpo
imediatamente respondendo ao toque de seu corpo.
Deixei o café de volta na mesinha do quarto e
expliquei o motivo de minha reação.

— Não é proibido, Segurança… Só é um


porre. Roberto foi meu primeiro namorado, a gente
terminou por causa do Rodrigo, aquele lá, que eu te
contei na Suíça. O namoro estava uma bosta, e ele
não soube lidar com a pressão de tudo que
aconteceu. Enfim, é isso.

Gabriel passou os dedos pelo meu cabelo e


puxou os fios para trás, me fazendo inclinar a

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cabeça.

— Não precisa me contar nada, senhorita


Andrade — reforçou e capturou meus lábios em um
beijo faminto.

O modo como mudamos de assunto foi tão


intenso, que eu me esqueci completamente de
qualquer lembrança do passado. Gab tinha esse
poder: me distrair de coisas chatas e me concentrar
somente no lado bom da vida.

Imediatamente me perguntei se não estava


na hora de dar um passo na relação…

Será?

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Munique
Encostei a cabeça no ombro de Gabriel, que
não se mexeu, mas também não fez menção de me
impedir. Tínhamos combinado, em Copenhague, de
dar uma maneirada no contato físico em público, já
que ainda estava fresco na memória o que aquele
jornalista havia dito sobre o fandom estar agitado
em busca de um novo OTP na banda.

Além disso, Diego andava com a cachorra


com aquela bobagem infantil de ficar zombando de
nós. A gota d’água foi quando postou uma foto
nossa no Instagram da banda, o que gerou uma
certa comoção entre alguns fãs mais românticos.
Por sorte, não viramos meme, ou sei lá o que mais,
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mas creio que tenha sido sorte. Mais uma


escorregada de nossa parte, e pronto. Adeus,
sossego.

Gabriel e eu estávamos contando os dias


para Antônia e Betty assumirem o namoro, e com
isso desviar a tensão romântica que recaía sobre
nós. Elas eram famosas, estrelas do rock, logo
estavam diretamente incumbidas de serem
transformadas em personagens de fanfic
adolescente.

Fechei os olhos, exausta pela bateria de


shows, e pensei em tirar um cochilo enquanto a van
chacoalhava a caminho do hotel. Eram quase
quatro horas da manhã na Alemanha e, felizmente,

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aquele tinha sido o último show da cidade, então


poderíamos descansar um pouco no dia seguinte.

Ouvi Diego fazendo sons zombeteiros ao


nos ver e levantei a cabeça do ombro de Gab,
procurando pelo engraçadinho com os olhos
nebulosos de sono.

— Diego, esses sons romanticuzinhos que


você está fazendo não são direcionados a mim, são?
Se forem, eu juro que vou te colocar num espartilho
nos shows de Berlim, ou num salto alto... Quem
sabe te coloco seminu para você congelar e seu
pinto ficar do tamanho de uma ervilha?

Consegui focalizar Diego logo na minha


frente, sentado nos bancos de costas para o

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motorista, com um celular na mão apontado para


nós dois.

— Se tiver alguma foto minha não


autorizada aí, eu jogo seu celular na privada. Não
tire fotos minhas sem pedir.

— Por que não? Eu não vou mostrar para


quase ninguém! — ele retrucou com ironia. Seu
sorriso falsamente inocente me dizia que ele iria
mostrar para todos e mais um pouco, se pudesse.

Coloquei a mão na coxa de Gabriel para me


impulsionar para frente, me aproximei de Diego e
olhei bem fundo em seus olhos antes de responder:

— Porque eu sei atirar e tenho acesso a uma


G22 toda noite. Se eu precisar, eu dou um cansaço

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no Segurança, faço ele dormir que nem um anjinho


e dou um pulo no seu quarto com minha colega
Glockinha. Não me provoca, coração — disse com
o semblante sério, mas caí na risada quando vi a
expressão mortificada do guitarrista frente a minha
falsa ameaça.

— Você sabe atirar? Você deixa que a Lena


pegue na sua arma, Gabriel? — ele perguntou,
impressionado, sem notar o possível duplo sentido
de sua frase.

— Você ficaria impressionado com o que


ele me deixa pegar, querido. Chocaria até você e
seu histórico de pratinho de micro-ondas.

— Pratinho de micro-ondas? — ouvi Aline

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perguntar.

— É. Mais rodado do que o Diego? Só um


prato de micro-ondas, gatinha — brinquei antes de
voltar a deitar no ombro de Gabriel, que assistia a
tudo sorrindo e calado.

— Ora, Lena, sua... — Diego começou, mas


eu o interrompi cantando bem alto uma música que
havia entrado na minha cabeça e não saíra mais, da
Randy Crawford:

— “This should be the part of the story


where the good guy comes and steals my heart...
away”! — praticamente berrei a música com as
mãos nas orelhas, mas parei quando ouvi Jim
cantando junto no fundo da van:

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— “Cause maybe he is the only one to keep


me from breaking down...” Ué, que foi? — Jim
perguntou quando todos olharam para ele,
genuinamente impressionados.

Randy Crawford era a última cantora que


todo mundo imaginaria o tecladista, um rockstar de
uma banda famosa de rock alternativo,
normalmente sério e calado, cantando.

— Que gracinha, Jim! Você impressionou


até os membros da sua banda, que te conhecem há
oitenta e quatro anos! — comentei, olhando por
cima do ombro para ele.

Ele ergueu o lábio superior numa careta


irônica antes de responder:

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— Vai mesmo me zoando, Helena Maria,


que eu paro de fingir que não prestei atenção na
letra da música e na sua declaração de amor para o
Gabriel.

Não entendi o comentário e retruquei, me


virando de costas e ajoelhando no banco para olhar
melhor para o tecladista:

— Andou bebendo, é? Onde que essa


música é uma declaração?

— “O bom moço vem e rouba meu


coração”? Não sei se “bom moço” é suficiente para
descrever o Gabriel, mas creio que...

— Por que você não vai tomar no...? —


interrompi, mas Gabriel tapou minha boca antes

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que eu completasse o xingamento.

Mordi seu dedo, ignorando as risadas do


resto da banda, ouvi algumas piadas, mas logo o
assunto morreu, e eu fui relaxando aos poucos,
sendo embalada pelo movimento do carro. Como
sempre, adormeci recostada no Segurança, que me
acordou quando chegamos no hotel.

— Costureira... Chegamos... — ele


sussurrou com a voz rouca, fazendo minha nuca se
arrepiar enquanto eu despertava. Pena que eu
estava com tanto sono, porque quando ele me
acordava daquela maneira, eu ficava louquinha de
vontade de arrastá-lo para o meu quarto e fazer
coisas que estavam fora do roteiro da noite.

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Despedimo-nos de todos, que estavam


muito mais inteiros do que eu e Gab, subimos até
nossos quartos, e Gabriel esperou que eu
encontrasse minha chave dentro da bolsa antes de
colocar a mão no bolso para pegar a sua.

— Como está a mão? — perguntou com o


semblante tranquilo, se encostando na parede
enquanto eu revirava tudo atrás do raio da chave.
Nem era bem uma chave, era um cartão de acesso,
mas eu estava morrendo de sono.

— Normal. Um mês depois de ter me


machucado, se eu ainda sentisse alguma coisa,
ficaria preocupada.

— É, eu também — ele respondeu com a

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voz grave de sempre, mas havia um leve tom de


humor em sua voz.

— Quer conhecer Munique amanhã,


Segurança? Tenho o dia de folga... — falei, mais
para lá do que para cá, entre um bocejo e outro.

Abri a porta, entrei e me virei de frente para


Gab, que me dava um pequeno sorriso ao ouvir a
proposta. Seu rosto estava cansado também, ele não
estava dormindo direito, já que os shows na
Alemanha eram os mais cheios e em ambientes
maiores do que os em países menores, como a
Suécia ou a Dinamarca.

— Se eu conseguir acordar amanhã, quero


sim.

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— Ok, então, boa noite, Gab.

— Boa noite, Lena — ele respondeu e se


virou para ir embora, mas eu o puxei pela manga do
terno, não deixaria que ele fosse embora sem um
beijo de despedida. Gabriel se aproximou sorrindo
e me deu um belo beijo que tornaria qualquer noite
boa.

— Ainda tem preservativo no seu quarto?


— perguntou quando separamos os lábios.

Eita, será que ele esqueceria o cansaço


agora? Espero que não, estou mortinha.

— Vou ver e te respondo por mensagem,


mas acho que sim — respondi e o soltei. — Boa
noite, Segurança.

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— Boa noite, Costureira — ele disse e


sorriu para mim antes de ir embora.

Ufa, era somente uma dúvida.

Fechei a porta, fui até a mesa de cabeceira e


conferi: havia somente um pacote de camisinhas.
Guardei dentro do meu estojo de maquiagem e fui
dormir tranquilamente.

No dia seguinte, já tinha me esquecido


totalmente da embalagem de camisinha dentro da
bolsa. Isso não seria um problema se não fosse pelo
fato de que naquela bolsa eu guardava dois estojos:
o de maquiagem e o de costura, com itens básicos
para resolver qualquer problema na rua. Linha
preta, botões de cores neutras, uma pequena

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tesoura, um potinho de agulhas, um de alfinetes e...


meu desfazedor de pontos, um instrumento afiado e
pontudo que serve para desmanchar costuras.

Os estojos eram muito semelhantes, e eu, no


auge do sono, não percebi que havia guardado a
camisinha no lugar errado. Nunca é inteligente
botar preservativos perto de coisas afiadas e
pontiagudas.

Só percebi meu engano no final da tarde do


dia seguinte. Pensei bem sobre o assunto e decidi
que, em vez de comprar um pacote novo,
conversaria com Gab sobre uma coisa.

Estava na hora de resolver alguns assuntos


pendentes.

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***

Decidi contar a ideia para Gab depois da


ligação diária para minha irmã. Chamei Júlia pelo
Skype, mas logo fui interrompida pelo sistema
operacional do notebook, que começou a reclamar.
Já estava adiando as atualizações havia semanas,
então deixei o bichinho fazer o que era necessário e
liguei para Gab.

— Segurança, rola de me emprestar seu


MacBook de novo? Preciso ligar para minha irmã.

— Claro. Me dá cinco minutos.

Dito e feito, momentos depois ele entrou em

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meu quarto, vestindo um casaco preto de zíper,


uma camisa de banda de rock, calças pretas e os
maravilhosos coturnos que pareciam terem sido
fabricados exclusivamente para ele. Em suas mãos,
um copo imenso de café e seu notebook.

Não sei o que era mais deleitoso para mim:


Gabriel ou o café. Talvez Gabriel segurando o café.

— Os dois são para mim, Segurança? Diz


que sim, por favor... — eu gemi com os braços
esticados em sua direção, como uma criança feliz
querendo doces.

Ele sorriu, tirou as botas na entrada e


caminhou até mim, me estendendo o café e o
notebook.

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Deus, esse homem sabe como me agradar!

Depois de ingerir a pequena dose de cafeína


do fim do dia, entreguei o copo de volta para o
Segurança enquanto adicionava minha irmã na
conta de Gab no Skype e iniciava uma chamada de
vídeo.

— Prepare-se para conhecer minha irmã


gêmea.

Com um sorriso nos lábios, Gabriel pegou o


copo de café do meu lado e sentou na beirada da
cama. Como eu estava sentada na cama, encostada
na cabeceira, a tela do notebook ficou longe de sua
visão.

Minutos depois, Júlia apareceu na tela do

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MacBook, em todo o esplendor de seus quase


quarenta anos, mãe de uma menina linda e,
obviamente, completamente diferente de mim:
olhos sensuais, irônicos, uma pele negra
maravilhosa, cabelos lisos e muito pretos e uma
boca extremamente inteligente.

— Olá, maninha! Que pele linda, tá


transando bastante?

Olhei para o teto por um momento,


ignorando a risada que Gabriel deixou escapar, e
voltei a atenção para Júlia.

— Olá, Grande Irmã. Só para avisar, não


estou sozinha no quarto, o Segurança tá aqui. Seja
mais educada, por favor.

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— Há, falou aquela que é uma lady! —


zombou, me fazendo rir. — Mas quem é “O
Segurança”? O cara que você disse que faz um
oral como ninguém, o tal do Gabriel?

Gabriel estava bebendo café e quase


engasgou ao tentar sufocar mais uma risada, eu
acabei rindo também da proposital falta de filtro de
Júlia.

— Opa, ele tá ouvindo, é? Oi, Língua de


Ouro! — ela gritou, e eu virei o notebook para que
Gabriel a visse. — Nossa, ele é um gostoso,
parabéns, maninha! Bom saber que você puxou
uma parte do meu bom gosto para homens.

Gabriel acenou e deu um pequeno sorriso

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para minha irmã. Virei o notebook de volta para


mim, antes que o Segurança ficasse com vergonha,
e respondi a provocação:

— Bom gosto? Você gosta de homens com


cara de nerd e que tenham o dobro do seu tamanho,
ou seja, gigantes, jogadores de futebol americano
que quebrariam minha coluna com um abraço. Não
sei se isso se classifica como bom gosto, Grande
Irmã — provoquei.

— Pelo menos eu não namorei o Roberto,


né, Lena? — ela rebateu, e eu senti minhas
bochechas pegando fogo.

— Ora, Roberto é bonitão, nem vem, sua...


— tentei me defender, mas ela me interrompeu:

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— Enfim, vou deixar vocês transarem, tá


dando para ver seus mamilos pela blusa daqui.
Beijo, maninha, boa foda! Beijo, Segurança! — ela
disse e desligou assim, do nada, sem nem me deixar
responder ou mesmo conversar.

Olhei minha camiseta e vi que ela tinha


razão. Meus mamilos eram visíveis sob a camiseta,
mas isso se devia ao vento frio que entrava pela
janela. Revirei os olhos e fechei o notebook,
entregando-o para Gab, que o colocou em cima da
mesa do quarto e voltou a sentar na beirada da
cama, ainda com um sorriso divertido no rosto.

— Senhoras e senhores, minha irmã pirada.


Vai beber esse café sozinho? — perguntei para

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Gabriel e me ajoelhei na cama, indo em sua


direção.

Gab me entregou o copo e passou um braço


pelas minhas pernas, ainda rindo da conversa.
Como eu estava ajoelhada, seu rosto estava na
altura dos meus seios.

— Vocês são muito parecidas. No jeito, não


na aparência. Ela realmente parece a Rihanna,
como você mencionou.

Bebi o café quase todo antes de comentar:

— Não parece? A primeira vez que vi a


Rihanna na televisão, levei um susto. Agora não
parece tanto quanto há dez anos, mas ainda assim, a
semelhança é inegável. A boca desenhada, o

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formato do rosto, os olhos de peixe morto... Coisas


do pai dela, que tinha uma genética maravilhosa —
expliquei enquanto passava a mão em seus cabelos
curtos, sentindo sua maciez. — Pierre cortou seu
cabelo, foi? Ficou bonito, Segurança.

Gabriel assentiu com a cabeça, fechou os


olhos e começou a passar a mão pela minha pele
nua, mal escondida pelo short de pijama que eu
vestia naquele momento. Sorri ao prever suas
intenções, mas me lembrei do pacote de camisinha
danificado. Aquela era a oportunidade ideal para
enfim termos nossa conversa.

— Gab...

— Hm? — ele respondeu enquanto virava o

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rosto na minha direção e beijava meus seios por


cima da camiseta.

— Eu fiz uma besteira ontem... — comentei


meio sem graça, sentindo a pele se arrepiar com o
toque de seus lábios. — Mas a gente pode falar
sobre isso depois, né?

Gabriel parou de me beijar, levantou a


cabeça e me olhou, subitamente preocupado.

— O que houve?

Droga, tava começando a ficar bom...

Ajoelhei na cama, de frente para ele, e


contei o caso da camisinha possivelmente
empalada. Gab me olhou com o rosto meio
desanimado.

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— Sério? Por que não me avisou? Eu teria


passado na farmácia quando saí para comprar o
café.

— Eu me esqueci... — disse e dei um


sorriso culpado.

— Sei... Você está no seu período fértil?


Tem uns dez dias que você menstruou, não? Não
sei se é bom arriscar usar essa camisinha.

Surpresa, cruzei os braços diante de tal


relato preciso do meu ciclo menstrual.

— Nossa, Segurança, que memória! Eu


acho que foi isso sim, tá tudo meio desregulado por
causa das viagens... — fiz as contas mentalmente,
olhando para o teto. — Isso, tem uns dez dias. Mas

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se o que te preocupa é gravidez, não precisa perder


tempo calculando minha tabelinha. Eu não tenho
período fértil.

Foi difícil não fazer piada da cara de


confusão de Gabriel. Era um assunto sério, afinal
de contas, mas eu só queria rir.

— Como assim não tem período fértil?

Sentei na cama e estendi o braço para a


mesa de cabeceira para pegar minha garrafa d'água.

— Bom, até tenho, mas ele não adianta de


nada, já que eu não posso engravidar. Calma,
Segurança, fecha um pouco os olhos, eu não disse
que tenho cinco úteros, disse que não sou...
“engravidativa”.

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A cara de espanto de Gabriel foi tão hilária,


que eu me contive antes de beber a água, para não
fazer um chafariz de filme americano, quando a
pessoa cospe a água toda na outra pessoa porque
achou graça de algo.

— Mas... Como você sabe? Fez exames? É


totalmente certo isso? — ele perguntou em inglês,
coisa que ele quase nunca fazia comigo. Ele
realmente estava surpreso.

Desencostei a garrafa dos lábios e fechei a


tampa enquanto balançava a cabeça.

— Absolutamente certo. Doeu horrores para


que isso fosse garantido, Gab. Se não fosse seguro,
eu processaria minha ginecologista.

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— Doeu?! Como assim doeu? Você fez


uma laqueadura, é isso? — Gabriel me olhava
atentamente, como se estivesse com o modo
Segurança ativado. Mas era outro modo Segurança:
era o modo Segurança Chocado.

— Não, cruzes! Fiz um procedimento


simples, eu te explico o processo depois, se quiser
saber. Foi ótimo, não doeu nada, ao menos não na
hora, saí do consultório no mesmo dia e três meses
depois, puft! Baby free. Doeu bastante no pós-
operatório, isso doeu muito, não vou mentir.

— E por que você fez isso? — ele


perguntou, ainda impressionado.

— Porque eu adoro me submeter a

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procedimentos cirúrgicos voluntários, é excitante!


Ora, só pode ser porque eu não quero engravidar,
Segurança! Você é meio burrinho de vez em
quando, não? — brinquei, me aproximei dele e
puxei seu rosto para um beijo rápido.

Gabriel enfim relaxou o rosto e sorriu.

— É, eu imaginei, Costureira, que fosse


isso. Mas por que fez algo tão definitivo? Não dava
para tomar pílula ou algo assim?

— Pff!! Eu esqueço de beber água quando


estou trabalhando muito, vou me lembrar de
anticoncepcional? Além do mais, não gosto desses
hormônios sintéticos, me fazem mal. Fora que são
falhos. E eu fiquei com um pouco de medo depois

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de Alexandro, então achei melhor fazer isso caso


ele... bom... você sabe... Saísse da cadeia e viesse
atrás de mim para completar o serviço... Sei lá, faz
tempo já, uns dois anos que fiz isso. Eu nunca quis
ser mãe mesmo, então... Uni o prático ao
necessário.

Gab ficou em silêncio por um instante,


processando a informação, e eu vi aquela veia que
normalmente saltava em seu pescoço quando ele
ficava nervoso. Sorri para ele e apertei sua mão,
queria mostrar tranquilidade, reforçar que aquilo
não era um tabu para mim. Foi apenas uma...
medida de cautela. Tudo ficou no passado já, estava
tudo bem, eu havia aprendido a conviver com
minha história. Disse isso a Gab, que relaxou um
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pouco depois de mais alguns minutos de conversa.

— Entendo... Mas então por que eu uso...?


— ele começou, mas se interrompeu
imediatamente, me fazendo dar uma risada.

— Deixa eu ver se adivinho... Por que você


usa camisinha, se não há risco de eu engravidar?

Ele me deu um sorriso sem jeito e


completou:

— Pergunta idiota, eu sei. Quer tomar outro


café? — ele ofereceu, mudando de assunto
repentinamente.

Ri dele, balancei a cabeça concordando e


fui trocar de roupa, deixando para sugerir o que
queria mais tarde, quando ele tivesse digerido a

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ideia da minha não-fertilidade.

***

Dez minutos depois, estávamos em uma


cafeteria próxima ao hotel tomando um expresso
maravilhoso e prontos para conversar sobre minha
impossibilidade de carregar bebês na barriga.

Bom, eu estava pronta, Gabriel nem tinha


ideia do assunto.

— Nossa, prova aqui! — eu disse e


entreguei meu copo. Gabriel tomou um gole e
levantou as sobrancelhas, surpreso ao sentir o sabor
pronunciado da bebida.

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— Poxa, é melhor do que o meu. Vou


terminar e pedir um igual ao seu...

— Não, toma aqui! Deixa eu provar o seu


— trocamos de café e eu provei o mocca dele. —
É, o meu é bem melhor mesmo. Não, pode tomar, a
gente divide um depois, pode ser?

Gabriel concordou com a cabeça e tomou


seu café calado. Ele parecia meio distraído, como
se estivesse tentando organizar os pensamentos e
me dizer alguma coisa. Aproveitei seu silêncio para
procurar algo em minha bolsa.

— Hm, Gab, olha: quando fui trocar de


roupa, peguei na mala isso para você ler. Toma —
entreguei uns papéis dobrados para ele, que pegou,

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desdobrou tudo e começou a ler sem entender


muito bem o motivo daquilo.

— O que é isso, Lena? — ele me perguntou


assim que terminou a leitura. Seu rosto,
obviamente, estava totalmente sério.

Gabriel sendo Gabriel.

— A lista de compras de supermercado,


estamos sem papel higiênico no hotel. São exames,
ué, o que parecem? Ó, aqui está escrito “exames”,
aqui, “laboratório”, aqui é um carimbo do
ginecologista... — brinquei enquanto apontava para
o papel.

Gabriel soltou o ar pelo nariz e quase


revirou os olhos, o que me fez rir de sua

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impaciência.

— É a prova de que eu estou totalmente


saudável, Gab. Fiz antes de viajar e trouxe, por
precaução — respondi antes de voltar para meu
café. — Argh, como é doce! Nossa, erraram a mão
feio aqui!

Gabriel ficou olhando os papéis por uns


instantes, mas não parecia ler, apenas estava...
pensando. Refletindo sobre algo. Esperei ele
pronunciar alguma coisa, mas como só ficou
olhando meus exames por uns cinco minutos,
parecendo totalmente alheio ao restante do mundo,
decidi quebrar o silêncio:

— E você? Fez algum recentemente? —

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perguntei, mantendo a voz tranquila para não


parecer uma acusação.

Gab piscou duas vezes antes de responder e,


em seguida, me olhou com curiosidade.

— Fiz uma bateria de exames há poucos


meses, antes da turnê, mas não tenho o resultado
deles comigo...

— Mas você viu o resultado?

— Vi.

— E...?

— Tudo certo, como sempre — ele disse,


avaliando minha reação. Notei um certo
desconforto, como se ele estivesse se sentindo
incomodado por não poder provar o que dizia.

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Dei um sorriso aliviado e decretei antes de


me levantar para comprar outro expresso:

— Então tá ótimo. Não precisamos comprar


mais camisinha! Ufa, que bom, finalmente,
camisinha tava se tornando chato e desnecessário
entre a gente. Vou pegar mais café! — exclamei,
animada, e levantei num pulo, indo quase saltitando
até o balcão.

Voltei alguns momentos depois com um


copo imenso de expresso, que eu consegui com o
barista a base de suborno.

— Você tem certeza? — Gab perguntou


assim que me sentei na cadeira.

— Tenho, já tomei quantidades muito

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maiores de café. Sabe que eu comecei a tomar essa


quantidade toda não faz muito tempo? Antigamente
eu tomava só uma xícara pequena. Às vezes, penso
em fazer um detox... — comentei, crente que ele
estava falando do meu expresso gigante.

— Não, Lena, estou falando do preservativo


— ele disse depois que eu parei de tagarelar sobre
café.

— Ah, sim! Qual era pergunta mesmo? Se


eu tinha certeza do quê?

— De que você quer parar de usar... —


perguntou com cautela, me fazendo rir.

— Ué, por que não? Eu estou saudável,


você está saudável, eu não planejo transar com

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mais ninguém por enquanto e creio que você


também não vá querer. Quero dizer, você teve
todas as chances possíveis de sair e pegar quem
você quisesse nesses três meses de turnê, mas não
pegou e nem saiu. Também acho que, caso você
queira sair com alguém, vai me avisar, não vai? —
perguntei com seriedade dessa vez.

Não era ciumenta, mas achava que para que


pudéssemos dar aquele passo, a relação precisava
ser monogâmica. Além disso, não era como se
tivéssemos tempo para tal: se não estávamos
trabalhando, estávamos juntos, salvo os raros
momentos em que eu saía pelas cidades sozinha ou
com Tony, Betty ou Pierre, ou quando Gab estava
ocupado com trabalho, e eu não.
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— Sim, eu te contaria, mas não tenho


interesse em sair com outra pessoa no momento,
você sabe disso. Mas você... — ele tentou
continuar, mas eu o interrompi:

— Eu o quê? Você complica muito as


coisas, Segurança! Eu não posso ter filhos, nem se
quisesse, e meus exames são bem nítidos: sou
totalmente saudável, até demais. Não vou transar
por aí, não posso engravidar e estou com tudo em
dia. Você não vai transar por aí, não pode me
engravidar e está com tudo em dia. Qual é o
problema?

Gab hesitou por um momento e olhou


rapidamente para meus exames, que ainda estavam

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em suas mãos, e eu logo confirmei minha suspeita.

— Ah, é porque você não tem os seus


exames com você, é isso? Quer fazer novos? Eu li
na internet que aqui perto tem um laboratório que
diz os resultados em poucos dias e é bem sigiloso.
Você se sente mais confortável? — perguntei.

— Não, acho que não precisa. Precisa?

Cruzei os braços e me encostei na cadeira,


entortando os lábios para sua pergunta.

— Me responda você. Precisa? Você não


está me dizendo que tá tudo ok? Por que acha que
eu duvidaria da sua palavra?

Gabriel não respondeu, só ficou me olhando


por um momento. Sustentei seu olhar até ele sorrir

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e balançar a cabeça para os lados, como se


estivesse aliviado com os rumos da conversa.

— Ok, Costureira, combinado, então. Vai,


me dá um pouco desse café aí, comprou só para
você? — ele perguntou, sorrindo, enquanto
apontava para o expresso que eu estava bebendo
sozinha.

— Opa, desculpa, foi sem querer! —


respondi e empurrei o copo para ele, mas Gab
ignorou a bebida, se ergueu do seu banco, deu a
volta na mesa, sentou ao meu lado e me beijou. Um
beijo forte, daqueles que a gente precisa respirar
fundo para guardar o ar. Um beijo íntimo.

Soltei o copo para pegar seu rosto entre as

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mãos e retribuí, sentindo o gosto doce se misturar


com o sabor forte do expresso.

Beijamo-nos até Gabriel começar a apertar


demais a minha cintura e eu puxar demais seu rosto
para perto do meu.

— Vamos para casa? — ele perguntou com


os olhos brilhando.

— Vamos!

Levantamos, pegamos nossos cafés e nos


mandamos para o hotel, loucos de vontade de dar
aquele passo novo. Não notamos o fato de que
chamamos nossos quartos de hotel de casa pela
primeira vez.

As coisas mudaram, sim. Mas quem disse

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que isso era ruim?

Imagina, pelo contrário.

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Berlim
— Costureira, tô com o dia de folga —
Gabriel me imitou ao entrar no quarto. Eu havia
deixado a porta previamente entreaberta, escorada
por um sapato meu, então não precisei me levantar
para recebê-lo. — Quer conhecer Berlim?

Levantei o rosto da minha Vogue alemã e


franzi os lábios para Gab.

— Você está me imitando, ou é impressão


minha?

— Imagina, eu nunca faria isso. Agora vai,


coloca uma roupa quente nesse corpo sexy, que eu
quero tomar dois litros de café gringo e depois

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costurar vinte e seis saias em dois minutos e meio


— ele disse com o rosto totalmente sério.

Meu queixo caiu, mas eu não pude deixar


de rir. Ele realmente estava me imitando, o safado!

— Não, eu acho que eu vou ficar aqui


fazendo carinho nas minhas armas enquanto todos
se divertem, sabe? Deve ser muito mais divertido!
E nem vem, Segurança idiota, que até parece que só
eu bebo muito café nessa relação! — zombei
enquanto ia escolher uma roupa no closet.

Demorei alguns segundos para perceber o


que tinha acabado de dizer e empaquei no lugar
quando a ficha caiu. “Relação”? Eu não conseguia
mover um músculo sequer, apenas fiquei parada, de

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costas para Gabriel, com a boca aberta, quase em


choque.

O que eu deveria fazer? Virar e fazer uma


piada? Consertar o que tinha dito? Pular da janela e
nunca mais voltar para o quarto? Gab não ia falar
nada? O que fazer?

Onde baixo o manual de instruções que


ensine a lidar com essas coisas? Vinte e oito anos
na cara e eu ainda não encontrei esse PDF!

Não sei quanto tempo demorei ali, parada,


na frente da entrada do closet, mas foi o suficiente
para Gabriel se levantar da cama, onde ele havia
sentado para me esperar, e vir até mim.

— Costureira... Você não vai com essas

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pernas de fora, vai? Vai virar um picolé na rua, tá


muito frio para os seus padrões tropicais — ele
disse enquanto passava as mãos nos meus quadris e
levantava a minha saia.

Quase suspirei de alívio ao ver que ele


ignorara o que eu havia deixado escapar. Peguei em
suas mãos, que me abraçavam por trás, e respirei
fundo antes de conseguir dizer alguma coisa.

— Se continuar dizendo o que eu devo


vestir, eu vou nua — brinquei antes de prender a
respiração ao sentir seus dentes em meu lóbulo. —
Pensando bem, se continuar fazendo isso, eu nem
saio mais, Segurança...

Gabriel sorriu contra o meu pescoço e me

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encostou na parede sem me virar. Em seguida,


começou a beijar meu ombro e a subir meu vestido,
mas eu o impedi com as mãos, segurando seus
braços.

— Não, nem pensar! Vamos sair, a gente


faz isso tudo quando o turismo acabar! Temos
tempo de sobra para brincar, Segurança, mas pouco
tempo para conhecer Berlim!

Gab deu um suspiro desanimado e sentou


num banquinho ao lado da porta, me olhando trocar
de roupa. Enquanto me vestia, dei uma checada em
suas roupas casuais de sempre: couro, jaquetas e
coturnos. Que cremoso.

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***

Como de costume, enfiei as mãos no


sobretudo assim que pisamos na rua. Não sabia o
que fazer com elas quando estava com Gabriel.
Andar de mãos dadas estava totalmente fora de
cogitação, e eu morria de vergonha quando nossas
mãos se encostavam por acidente, então passei a
mantê-las fora do alcance das trambolhudas do
Segurança.

Sim, as coisas haviam mudado, mas minha


maturidade emocional tinha limite. Em vários
momentos, me sentia uma adolescente ao lado do
Segurança, embaraçada com pequenas bobagens de

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casal. Certas coisas, quando você não tem certeza


de tudo, é melhor que a outra pessoa faça primeiro.

Pegar nas mãos era uma delas para mim.

— Para onde vamos, Segurança? —


perguntei quando Gab chamou um táxi e me olhou
com um sorriso no rosto.

— Você vai ver, Lena — ele respondeu,


todo misterioso.

Entramos no táxi, e eu sorri quando escutei


Gab pedir ao taxista que nos levasse ao Portão de
Brandemburgo.

— Uau, hein? Mais turista que isso? Eu


crente que seria algo bem original, tipo um karaokê
para cantarmos What's Up juntos com nossos

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sensates... — brinquei.

Gabriel me olhou, confuso, mas ergueu


rapidamente as sobrancelhas quando entendeu a
referência.

— Você é turista, Costureira, tem que


conhecer pontos turísticos. Depois eu te levo num
lugar desses para você cantar o que quiser — ele
retrucou com um sorriso no rosto.

Franzi os lábios, fingindo não estar


animada, o que era mentira: eu estava louca para
conhecer o Portão. Minha irmã me dissera que era
belíssimo e que o Reichstag, prédio do parlamente
alemão, era mais lindo ainda. E eram próximos um
do outro, então dava para ver tudo num dia só.

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Apesar da animação toda, encostei a cabeça


no vidro e fiquei olhando a cidade, relaxando com
o movimento do carro. Como já estava virando
regra, fui acordada por Gab.

— Você dorme em qualquer lugar, hein? —


ele riu enquanto pagava a corrida ao taxista.

— Não reclama, você tem sorte de eu nunca


ter dormido enquanto transamos — retruquei, um
tanto rabugenta de sono.

Desci do táxi e olhei ao redor, o sono logo


indo embora. O Portão era belo e imponente e me
deixou sem fôlego. Eu estava fascinada.

Gabriel desceu do táxi e veio até mim,


olhando aquela beleza toda por um momento antes

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de comentar:

— O karaokê parece mais atraente, né?


Vamos, eu vou pedir para o taxista retornar para a
gente se enfiar num boteco qualquer... — ele
brincou, me fazendo dar uma careta infantil como
resposta. — Escuta, posso fazer uma pergunta?

Enfiei as mãos nos bolsos do sobretudo e o


acompanhei enquanto andávamos pelas ruas do
bairro Mitte, na direção do Portão.

— Precisa pedir? — respondi, sorrindo, e


Gab demonstrou descontração no olhar.

— Isso já aconteceu alguma vez? Você


dormir durante o sexo?

Não consegui segurar uma risada e levei a

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mão à boca para tentar me controlar. Gabriel


também riu, e eu parei de caminhar ao ouvir sua
risada. Era um som tão lindo, que merecia atenção.

— Sim, Segurança, já aconteceu. Duas


vezes, e com pessoas diferentes. Você não está
isento de ser vítima da minha narcolepsia sexual —
respondi e ergui o queixo quando Gabriel se
aproximou de mim e abaixou o rosto para me
beijar.

— Sei... Eu realmente corro esse risco? —


ele perguntou com os lábios próximos à minha
orelha enquanto me abraçava e beijava meu
pescoço. A pele áspera da barba por fazer roçou na
minha, que se arrepiou.

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— Talvez... muito talvez... você não corra,


Segurança... A não ser que você me dê uma Bebida
Batizada, aí eu vou dormir até você completar
oitenta... — parei de falar quando Gabriel parou de
me beijar e se afastou repentinamente, o rosto
completamente sério.

— O que houve?

— Você acha que eu seria capaz de te dar


algo assim?

Seu rosto adquiriu uma expressão que eu


não via há muito tempo: raiva. Purinha e latente.
Franzi as sobrancelhas, confusa, e tentei entender o
que poderia ter ofendido tanto o Segurança.

— Ué, por que não? O que tem de errado

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com uma Bebida Batizada? É só leite condensado


com.... Ah!! Não, espera!! — gritei quando
compreendi o que ele poderia estar pensando. —
Você tá achando que “Bebida Batizada” é tipo uma
bebida adulterada? Com drogas e coisas assim?

— É o que significa “bebida batizada” em


português, Lena. Caso não tenha notado, apesar de
morar em Londres há vinte anos, eu ainda lembro
de como falar a minha língua materna — ele
respondeu sem alterar a expressão.

Ai, droga...

Os bons e velhos problemas de


comunicação...

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Depois de todo esse tempo


Dei um passo à frente e botei as mãos nos
braços de Gabriel, tentando explicar o mal-
entendido:

— Não, Gab, desculpa, Bebida Batizada é


como se chama a mistura de bebidas destiladas com
leite condensado e pó de gelatina na cidade onde
nasci. É uma bebida horrível, extremamente doce,
tem esse nome porque as pessoas costumam se
benzer antes de tomar, de tão ruim que é. Não é
uma bebida do mal, do tipo que homens babacas
usam para drogar mulheres. Eu me esqueço que o
resto do mundo não chama esse tipo de bebida
assim, desculpa — expliquei, me sentindo
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desconfortável com a situação, mas,


principalmente, me sentindo culpada pelo mal-estar
que estava causando em Gabriel naquele momento.

Ele parou de contrair a mandíbula e maneou


a cabeça, mas eu pude ver que não estava
totalmente relaxado. Meio tensa, coloquei as mãos
dentro dos bolsos, mas as tirei em seguida e passei
um braço ao redor do dele, puxando-o na direção
do Tiergarten.

— Vem, Gabriel, vamos dar um pulo no


parque! Vamos tirar essa carranca da cara, que a
gente tem que ver um monte de coisas ainda.
Depois temos que voltar para o hotel e fazer am... e
transar até o dia amanhecer! — eu disse e quase o

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arrastei pela rua. Gabriel deu um esboço de sorriso


e acompanhou meu ritmo de caminhada.

Ficamos em silêncio até chegarmos ao


parque, mas assim que entramos no Tiergarten,
fiquei extasiada ao ver como era bonito e não pude
deixar de tagarelar com Gab minha felicidade. Eu
ainda preferia a simplicidade do Parque Guinle, em
Laranjeiras, mas precisava reconhecer que aquele
lugar era incrivelmente belo.

— Sabe que esse é o segundo maior parque


de Berlim? Ele era o campo de caça dos ricões da
nobreza, por isso tem esse nome, “jardim dos
animais”. Eu li no Wikipedia um dia desses... — eu
comentei, tentando fazer o homem dizer alguma

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coisa.

Ele me deu um pequeno sorriso, mas não


me olhou, como se estivesse com raiva novamente.
Fiquei meio sem paciência e estaquei, soltando seu
braço e colocando as mãos na cintura.

— O que que tá pegando, Gabriel? Eu


entendo que tenha feito besteira com o uso de uma
expressão regional, mas eu já expliquei o que eu
estava querendo dizer. Por que você continua com
essa cara de bunda? Eu nunca pensaria que você
seria capaz de drogar uma mulher, ou qualquer um,
para conseguir algo, você sabe disso, ou pelo
menos deveria saber.

Gabriel colocou as mãos no bolso e me

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observou, sua expressão permanecia inalterada. Eu


provavelmente tocara em algum ponto sensível do
Segurança, ativando pensamentos que eu
desconhecia.

— Como você pode ter tanta certeza?

Aquela pergunta me atingiu como um soco


no estômago. Não sabia como transformar em
palavras meus motivos para aquele pensamento,
mas tentei fazer o meu melhor. Eu desejava de
alguma forma verbalizar a confiança que sentia em
Gab.

— Tendo, ué. Eu não me engano com as


pessoas, Gabriel, e acho que conheço um pouco de
você. Seus olhos não são iguais aos de Alexandro,

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ou do outro idiota que tentou me...Bom, enfim, seus


olhos são seus olhos. Não há nada de... áspero
neles.

Gabriel franziu as sobrancelhas, mas não


desviou o olhar enquanto eu falava.

— Áspero?

— Sim. Seus olhos são como um cubo de


gelo, sabe? Frios, queimam, mas não há aspereza
neles, não há nada que possa me cortar, nada que
possa me causar dano sério.

Expliquei minha metáfora pobre sem


desviar o olhar, mas sem encostar em Gab, que
ficou em silêncio por alguns instantes antes de
finalmente perguntar aquilo que o atormentava

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desde o meu problema de comunicação.

— Por que você confia em mim, Lena?


Todos estes anos, desde aquele dia no parque,
quando nos conhecemos, eu fiquei pensando nisso.
Você confiou a mim sua história, seus segredos,
seu passado... E não só isso, quando me
reencontrou, você nem hesitou em se aproximar,
mesmo que não me visse há quatro anos. Além
disso, você nunca hesitou em dormir comigo,
mesmo não gostando de dividir cama com
ninguém. De onde vem esse nível de confiança
todo? Por quê?

De novo, uma pergunta direta que eu


precisei inspirar e expirar algumas vezes para

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responder. Parecia que a nossa conversa precisava


ir muito além do uso de preservativos.

— Porque sim. Não precisa de motivos para


isso, eu raramente me engano com as pessoas. Por
que esse assunto agora? — perguntei ainda com o
rosto sério, mas tentando não dar bandeira do meu
incômodo.

Eu realmente não sabia como responder


honestamente aquilo.

Porém, como Gabriel parecia estar


relaxando aos poucos, deixei que ele falasse o que
tinha para falar.

— Ouvir você falar em bebida batizada,


mesmo que não seja exatamente a isso que você se

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referia, me traz lembranças que prefiro esquecer.


Coisas que precisei ver, coisas que não consegui
impedir, mas que me levaram a eliminar pessoas, o
que não é exatamente a coisa mais divertida e
reconfortante de se fazer. É por isso que eu escolhi
trabalhar com a Sissy Walker, para não precisar
mais matar ninguém.

Tentei não reagir àquela informação, pois


eu já imaginava que ele tivesse tirado algumas
vidas em sua profissão. Creio que tenha
conseguido, pois ele interrompeu sua fala para
avaliar a minha reação, mas continuou em seguida:

— Tem dias em que me pergunto o que


estamos fazendo aqui, Lena. O que é isso, sabe? —

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ele disse e apontou para si e para mim. — Minha


profissão é de risco, eu sacrificaria minha vida
pelas pessoas que protejo. Não posso me dar ao
luxo de ter...

Prendi minha respiração quando ouvi ele


dizer aquilo. A mesma sensação de quando o vi
levar um soco em Estocolmo apertou no meu peito.
Não gostei nem um pouco da ideia de ele se
sacrificar por alguém, não interessava quem fosse.
Desviei o olhar por um momento, para tentar não...
Não o quê? Chorar? Nem eu sei o que queria fazer
naquele momento.

— Eu nunca quis me apegar a ninguém,


mas você... — Gabriel continuou, mas novamente

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não completou a frase.

Olhei para o Segurança e aguardei que


prosseguisse, mas ele continuou calado. Sua
expressão estava fechada enquanto olhava cada
canto do meu rosto, do mesmo jeito que olhara
quando nos reencontramos na mansão, como se
estivesse tentando memorizar algo que não fosse
ver nunca mais.

Eu sabia o que ele estava sentindo. Era


exatamente do mesmo jeito que eu me sentia. Do
jeitinho certinho. Não querer se apegar a alguém,
pois a carreira exigia muito de nós dois. A única
diferença é que a minha profissão nunca me
impediria de ficar ao lado de alguém por questões

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de risco. Já a dele...

Não, não, nem pensar! Gab não poderia


pensar nessas coisas, não agora, não com tantos
meses pela frente! Tudo estava dando certo, eu
nunca mais interferi em seu trabalho, passei a ficar
nos bastidores ou no camarim nos shows,
estávamos a cada dia mais próximos e curtindo um
ao outro. Não dava para focar em qualquer
momento posterior à turnê nesse momento, não tão
cedo!

Dei um passo à frente e, sem encostar


minhas mãos nele, o beijei com toda calma do
mundo. Precisei ficar na ponta dos pés, já que Gab
é mais alto que eu, então acabei me apoiando em

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seus ombros para não perder o equilíbrio.

Comecei o beijo apenas encostando nossos


lábios, saboreando sua maciez, passando a língua
de leve neles, e Gabriel logo os entreabriu, tocando
sua língua na minha com cuidado, quase com
hesitação. Subi minhas mãos até seu pescoço e o
puxei para perto pela nuca, sentindo meu coração
acelerando quando minha cintura foi envolvida por
dentro do casaco. Logo meu corpo estava preso, de
encontro ao de Gab, ali, no meio da rua.

Naquele momento, tudo se tornou efêmero.


Março do ano seguinte era um mês que demoraria
décadas para chegar, a distância entre nossas
residências não existia e nossos trabalhos eram um

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mero detalhe insignificante.

Para qualquer pessoa que nos conhecesse


minimamente, essa última informação seria um
baque profundo. Gabriel e Lena colocando a
carreira em segundo plano?

Que baque!

Mas não dizem que é assim quando se ama


alguém? De repente, com intensidade, como quem
acolhe um tiro?

Pois é, esse era um tiro que, aparentemente,


nem eu nem Gabriel tínhamos problema algum em
receber. Pode atirar o quanto quiser. Nesse
momento, quando só há a nossa unidade e mais
nada, somos mais que blindados.

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Somos imortais.

***

Passamos algum tempo naquele momento


especial, no beijo mais calmo dentre todos aqueles
que trocamos desde sempre. As mãos imensas e
trambolhudas de Gabriel não me soltaram por
nenhum momento, e o mesmo posso dizer das
minhas, cheias de cicatrizes de costura. Cada par de
mãos com suas histórias, suas marcas de trabalho,
mas segurando com força aquilo que era mais
importante naquele momento.

Quando interrompemos o beijo, mantendo

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os rostos próximos, os lábios ainda encostados, a


respiração quase ofegante, a realidade caiu em cima
de nós como um piano de cauda em desenho
animado. Não, nós realmente não poderíamos
conversar mais sobre esse tipo de coisa. Esse
assunto, sobre nós dois, nossas vidas pessoais,
amorosas, profissionais e tantas outras precisava
morrer, senão não poderíamos curtir o que
tínhamos construído naqueles poucos meses.

Nossas carreiras eram importantes. Foram


anos, e anos, e anos, de investimento, dedicação,
sangue e suor. Cogitar a possibilidade de abandonar
tudo isso chegava a ser doloroso para mim, e eu
sabia que para Gab também. Por isso, precisávamos
mudar o assunto e nos concentrar naquilo que era
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positivo. E foi isso que fiz.

— Nunca pensou em se apegar a ninguém,


mas eu sou maravilhosa demais, não sou? —
completei a frase que ele deixara inacabada. —
Como se chama isso que eu tenho? Boca de
veludo? É assim que se chama a pessoa que chupa
bem? — brinquei, tentando mudar de assunto.

Gabriel soltou o ar pelo nariz rapidamente,


numa daquelas risadas que não tem muito humor,
mas são suficientes para quebrar o gelo de uma
situação. Aproveitei para afastar o rosto do dele e
comecei a dizer aquilo que era possível de ser
formulado depois daquele beijo:

— Gab, não pensa nisso agora. Deixa a

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gente curtir... isso. Sei lá o que é isso, mas deixa,


isso não precisa de nome, só precisa existir. Eu
confio em você, Gabriel, confio muito. Não precisa
se preocupar. Eu não estou nem aí para o que você
já fez, sei que não foi nada comparado ao que já
fizeram comigo antes. Eu sei qual é a sua profissão,
sei o que você precisa fazer nela e imagino o que
você já precisou fazer, mas não ligo. Tenho
absoluta certeza que as pessoas que você precisou
eliminar não eram desafetos ou coisas parecidas.
Eram ameaças à segurança de seus protegidos.
Qualquer idiota vê o valor que você dá a vida, seja
ela de quem for, Gabriel.

Gab relaxou o rosto quando ouviu minha


declaração, mas não sorriu.
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— Sobre eu sempre confiar em você,


lembre-se que Tony falava muito de você, mesmo
antes de entrar na banda. Lá na época em que ela
fazia parte da Trophy Husband, lembra? Quando
ela começou a migrar para a Sissy Walker? Então,
eu confio no bom senso e na capacidade de
julgamento dela.

Esperei uns segundos antes de prosseguir,


eu queria buscar as palavras certas para outra coisa
que desejava dizer, então soltei Gabriel, me
afastando bem pouco, só o suficiente para olhar
direito para seu rosto.

— Além disso, Gabriel, eu não costumo me


enganar com minhas intuições, e elas dizem que

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você é quem você é, e que, mesmo te conhecendo


há tão pouco tempo, eu conheço uma parte de você
que mais ninguém na banda conhece. Não tem esse
sorriso aí, totalmente secreto, que você nunca
mostra pra ninguém? Então.

Gabriel continuou em silêncio e voltou a


devorar meu rosto com o olhar. Seu rosto já estava
bem relaxado, apesar de ainda estar sério. Estendi a
mão e passei o polegar em seu lábio inferior, em
um gesto leve de carinho.

— Por isso, Segurança, deixa tudo isso de


lado. Aproveita sem se preocupar muito. Vamos
tomar café, transar e fazer tatuagens até não sobrar
mais espaço na pele! Vamos, Segurança, me mostra

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que você sabe sorrir!

Gab tentou segurar, mas acabou fazendo o


que eu pedi antes de me puxar para perto, me beijar
e me provocar:

— Quem te disse que você chupa bem,


Costureira?

Empurrei seu peito com as mãos e tentei


não rir, pois queria fingir raiva, mas falhei
miseravelmente.

— Não acredito! Faço um discurso imenso,


todo lindo, e você me sacaneia desse jeito? Pois eu
te digo quem me falou isso: o carregador de malas
do hotel! Sabe, o loirinho do olho azul, meio
magrelo e com cara adolescente? Ele disse que

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nunca encontrou lábios como os meus, seu idiota!

Tentei fugir, mas Gabriel me segurou pela


cintura e me beijou, calando minhas risadas, até
ouvirmos alguém pigarreando ao nosso lado. Parei
de beijá-lo e me escondi em sua jaqueta, morrendo
de vergonha por ter sido repreendida por algum
alemão rabugento.

Gabriel riu e puxou meu queixo, retomando


o beijo apesar dos protestos contidos dos
transeuntes. Tentei empurrá-lo com as mãos, mas
ele não me soltou até eu ligar meu foda-se e enlaçar
seu pescoço, beijando sua boca com intensidade.

Mais pessoas passaram pela gente e


tossiram, e eu descolei minha boca da de Gab

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somente para gritar em português:

— Por que vocês não enfiam uma salsicha


bem alemã em vossos rabos, seus mal-amados?!

Gabriel tapou minha boca com a mão


imediatamente e começou a rir.

— Helena, você não deve ser a única a falar


português aqui! Tá cheio de turista de tudo quanto é
canto!

— Ah, tem mais brasileiro aqui, é? Então


troca a salsicha por tapioca! — gritei enquanto
tirava as mãos de Gab de mim. — Me solta,
Segurança idiota, eu quero olhar a grama verdinha!
Vem, vamos sentar nela!

Ele me obedeceu e colocou as mãos nos

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bolsos, o meio sorriso tinha retornado ao rosto.


Caminhei até um gramado imenso, rodeado de
canteiros de flores multicoloridas e estendi a mão
para Gabriel, que vinha logo atrás de mim com as
mãos nos bolsos e um sorriso no rosto.

— Senta aqui, Segurança. Vamos chocar a


sociedade conservadora alemã e transar em cima
desse verde todo! Brincadeira, senta logo! — disse
quando ele me olhou com uma expressão
reprovadora no rosto, apesar do sorriso.

Desabei na grama, toda feliz, e Gabriel


sentou ao meu lado, apoiando os braços nos joelhos
dobrados.

— Você ainda quer ir a um karaokê? —

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perguntou quando eu suspirei e apoiei a cabeça em


seu ombro.

— Nah, para quê? Até gostaria de pagar um


miquinho e cantar uma música, mas... Posso fazer
isso em outro lugar.

Gab beijou meu cabelo e deitou sua cabeça


na minha sem dizer nada, apenas curtindo o
passeio.

Um outro casal sentou a uma pequena


distância e ligou uma caixa de som a um celular,
sintonizando em uma rádio qualquer. Franzi as
sobrancelhas ao ver aquilo, pois imaginei que fosse
proibido, mas relaxei o rosto assim que ouvi a
música que começou a tocar. Era “Still Into You”,

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uma música do Paramore que eu adorava quando


era mais nova.

Senti um ventinho no meu cabelo e levantei


o rosto, vendo que Gabriel ria.

— Taí, sua oportunidade de pagar um


miquinho e cantar uma música, Costureira — ele
disse brincando, mas eu levei a sério. Então me
ajoelhei na sua frente, peguei meu celular no bolso
e fiz de microfone enquanto começava a cantar a
música:

It's not a walk in the park to love each other

But when our fingers interlock

Can't deny, can't deny you're worth it

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'Cause after all this time

I'm still into you[5]

Gabriel continuou rindo e balançou a


cabeça, olhando para baixo por um momento.
Quando o refrão começou, eu me levantei e
comecei a cantar mais alto ainda, chamando a
atenção de todos ao meu redor.

Ignorei os olhares curiosos, os de


reprovação e as risadas, tirei o sobretudo, largando
no chão, e mostrei minha blusa com o nome da
Sissy Walker bordado. Nenhum alemão ou turista
rabugento conseguiria me intimidar ou me
desanimar naquele momento!

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I should be over all the butterflies

But I'm into you (I'm into you)

And, baby, even on our worst nights

I'm into you (I'm into you)

Let 'em wonder how we got this far

'Cause I don't really need to wonder at all

Yeah, after all this time

I'm still into you[6]

Dancei igual à Hayley Williams no clipe da


música, bati cabelo, me agarrei às barras da saia,
mostrando minha meia-calça de lã, dei voltas ao

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meu redor, fazendo a saia esvoaçar e voltei a


cantar, fazendo caras e bocas quando chegou meu
trecho preferido:

Some things just

Some things just make sense

And one of those is you and I

Some things just

Some things just make sense

And even after all this time

I'm into you

Baby, not a day goes by

That I'm not into you[7]

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Quando o refrão ia recomeçar, Gabriel se


levantou, pegou meu rosto entre as mãos, sorriu
para mim, mostrando aqueles dentes que eu gostava
tanto de ver, e me beijou.

Parei de me mexer e o abracei, beijando-o


de volta enquanto a música terminava e outra
começava. Não prestei atenção em qual era, nem se
as poucas palmas que escutei eram porque a cena
era bonitinha ou porque eles estavam aliviados de
alguém ter me calado. Apenas beijei Gabriel de
volta até o lance das borboletas da música do
Paramore fazer sentido para mim.

Mal eu sabia que, em breve, o segundo

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verso da música, aquele que fala que quando nossos


dedos se entrelaçam, tudo vale a pena, faria sentido
também.

E como faria.

Afinal, depois de todo esse tempo... Bom,


você sabe o resto.

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Moscou
— Ei, Segurança, tô com o dia de folga,
quer conhecer Moscou? — perguntei enquanto
entrava no quarto de Gabriel, no último dia de folga
na cidade, após cinco shows relativamente
tranquilos e sem conflitos.

— Como você entrou aqui? — Gab


perguntou, deitado na cama com um livro na mão.
Seu rosto estava relaxado, mas as sobrancelhas
estavam franzidas.

— Ah, o segundo cartão que o Ricky me


deu é do seu quarto, você não sabia? Você também

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tem o cartão do meu.

Gabriel entortou a cabeça para o lado


enquanto pensava.

— Você não notou que eram dois? Gab,


você tá distraído demais! Você não é chefe de
segurança? Estamos todos ferrados! — brinquei
enquanto tirava meus coturnos e voltava até a
antessala para largá-los lá.

Quando voltei ao quarto, Gabriel estava ao


telefone com o chefão:

— Me avisa quando for fazer essas coisas,


por favor. Sim. Sim. Não. Obrigado — disse e
desligou, o rosto sério no modo profissional
ativado.

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— Ué, tinha necessidade disso tudo? —


perguntei enquanto subia na cama e engatinhava até
ele.

Gab colocou o celular embaixo do


travesseiro, como de costume, e voltou suas
atenções para mim enquanto eu subia em seu colo.

— Em primeiro lugar, senhorita Helena, é


óbvio que eu vi que eram dois cartões, mas Betty
entrou no meio da conversa e disse que eram os
dois do meu quarto. Em segundo, é claro que isso é
necessário, Lena. Betty não pode continuar
tramando com o resto da banda e omitindo
informações porque querem que a gente case e
tenha doze filhos. Além do mais, eu tenho armas no

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quarto, ela não pode dar acesso para qualquer... —


ele se interrompeu e procurou uma palavra melhor
do que a que estava prestes a dizer, mas o estrago já
estava feito.

Cruzei os braços e dirigi a ele um olhar


irritado.

— Para qualquer o que, Gabriel? Qualquer


uma? Até onde eu sei, só eu tenho sua chave, eu
sou qualquer uma, agora, é? Olha, se é tão
importante para você, toma, pode ficar — exclamei
e comecei a tirar seu cartão do meu chaveiro
enquanto saía de cima do Segurança.

Ora, era só o que me faltava! Eu já dormia


no quarto dele e ele no meu, já transávamos sem

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camisinha, saíamos juntos para tudo quanto era


canto, o que mais ele queria para confiar em mim?

— Não, Lena, não era isso... E se você


perder e alguém entrar? — ele se explicou
enquanto me puxava de volta para cama. Apesar de
irritada, deixei que ele me deitasse ao seu lado.

— É, porque eu realmente perco muitas


coisas, né? Quase quinto mês de turnê e você já me
viu perdendo alguma coisa, além da paciência? Não
desconta em mim o fato de que sua banda está
mentindo para você porque quer pagar de cupido.
Eu não sou culpada de você ter sido inocente e não
ter notado a travessura deles, seu Segurança idiota.

Gabriel riu e se virou para se deitar sobre

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mim.

— Tá bom, Costureira, desculpa, você tem


razão, é só preocupação, é minha função, lembra?
Você não é qualquer uma, você sabe disso.

— Lógico que eu sei, só acho que era de se


esperar que um homem de sessenta anos tivesse um
vocabulário mais vasto. “Qualquer um” é uma
péssima escolha de palavras, seu Segurança idiota,
pra quem provavelmente faz palavras cruzadas e
tem passe livre no ônibus em qualquer cidade do
mundo! Aliás, falando nisso, quantos anos você
tem, afinal?

Gabriel sorriu e beijou meu pescoço à guisa


de desculpas.

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— Vinte e dois a menos do que você diz


que eu tenho, Costureira, uns onze anos a mais que
você. Espera, você tá com frio? Lena, esse é o mês
mais quente do ano na Rússia! Na Alemanha, tudo
bem, estava mais fresco, mas aqui? — ele disse ao
me ver de sobretudo de lã.

Eu ia comentar algo sobre a nossa diferença


de idade, mas acabei esquecendo o que era, já que
isso não me incomodava. Então voltei minha
atenção para o clima polar daquele país.

— Eu moro no Rio há muitos anos,


Segurança, ou seja, é uma vida de sensação térmica
de pelo menos 45º. Moscou parece uma geladeira
perto disso.

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Rindo, Gab abriu meu sobretudo e olhou


meu vestido.

— Engraçado, esse vestido não me é


estranho... Você usou em algum dos últimos
shows? — Gab me perguntou enquanto passava a
mão pelas minhas coxas e parava ao sentir as
cintas-ligas. Acabei rindo de sua reação, Gab não
era o mesmo desde que eu usara o harness.

— Sim, no show da Sissy Walker com a


Trophy Husband. O primeiro, quando conheci
você. Quero dizer, não era esse, esse é uma
reprodução, o outro Sophia queimou no ferro de
passar há alguns anos.

Gabriel me olhou, surpreso, e voltou a mirar

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o vestido.

— Você vem até meu quarto usando o


mesmo vestido de quando eu te conheci, de cinta-
liga, e ainda quer que eu fique motivado a sair pelas
ruas escaldantes da Rússia? Me dá um bom
motivo... — ele me pediu com um minúsculo
sorriso no rosto.

Ri alto de seu comentário e o puxei pela


camiseta, fazendo com que se deitasse de vez sobre
mim.

— Bom, eu preciso sair para comprar um


monte de souvenires que uma amiga minha, Emília,
me fez jurar que ia comprar, mas... — arranhei
minhas unhas em seus ombros. — Não são nem dez

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horas ainda... — passei minhas pernas ao redor de


seus quadris. — E a Emília fez um mapa dos locais
que ela quer que eu passe, então eu tenho mais
tempo útil para...

Gabriel não me deixou terminar e me


beijou, enfiando a mão por debaixo do meu vestido,
me fazendo esquecer desde as instruções de Emmy
até o assunto anterior.

***

Poucas horas depois, Gab e eu pegamos um


táxi e fomos para um bairro de nome
impronunciável. Saquei meu celular e olhei no

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Google Maps a localização da loja que Emmy, uma


das integrantes da antiga banda de Antônia, Trophy
Husband, me indicara.

— É por aqui, Segurança. Eu preciso passar


em três lojas, mas são todas relativamente próximas
— disse, e Gabriel balançou a cabeça concordando.

Andamos por algumas ruas e eu parei ao ver


uma cafeteria charmosinha. Apontei para ela,
sorrindo, e Gab fez um gesto para que eu entrasse
na frente. Saímos de lá alguns minutos depois,
devidamente abastecidos com dois copos de café, e
voltamos a caminhar

— O que você tem que comprar? — Gab


me perguntou enquanto andávamos pelas ruas de

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Moscou e seus bairros de nomes difíceis.

— Hm, um monte de besteira. Matrioscas,


ímãs de matrioscas, tecidos com matrioscas
estampadas...

— Tecidos? Sua amiga costura também? —


ele perguntou antes de beber seu café.

— Não, esse é para mim mesmo — ouvi a


risada de Gabriel e continuei enumerando as coisas
que Emmy me pedira. — Uma camiseta com
qualquer coisa de t.A.T.u. estampada, todos os CDs
russos de t.A.T.u, qualquer coisa que tenha t.A.T.u.
no meio e que custe menos de... — olhei no celular
a lista — dois mil rublos.

Gabriel voltou seu rosto para mim e

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perguntou:

— Isso dá quanto em euros?

— Uns 25 euros, eu creio. Mas é esse valor


por item, ela disse que eu posso gastar no total até...
Cem mil rublos. Mil e poucos euros. Pensando
bem, não faz sentido que ela queira gastar pouco
por item, mas tenha me dado uma margem tão alta
de limite, mas... O dinheiro é dela.

— Uau. Qual é o lance dela com essas


coisas? Aliás, o que é t.A.T.u., uma banda?

— Sim, Emília tem descendentes russos,


então é totalmente apaixonada pela cultura, pelo
país, por um monte de coisas russas, incluindo essa
banda. Ela ouve desde quando elas lançaram

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praticamente o único single que fez sucesso, lá em


2002. Lembra? “All the Things She Said”?

— Hm... Não, não lembro — ele respondeu


enquanto entrávamos na primeira loja.

Olhei para ele e coloquei as mãos na


cintura. Onde ele morava nessa época, em Marte?

— Como não? Tocou à exaustão no final do


século passado! Duas meninas em roupa de colegial
se beijando na chuva! Um monte de garotas saiu do
armário por causa dessa música, a Tony, inclusive.
Espera, eu tenho no meu celular. Escuta enquanto
eu falo com o vendedor.

Entreguei meus fones para ele, coloquei a


música para tocar e me virei para falar com um

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senhor com cara de sossegado, totalmente destoante


do restante da loja, meio punk, meio vintage, de
CDs, vinis e coisas relacionadas à música.

Fiz o maior esforço para cumprimentar o


atendente em russo, checando as frases no celular e
perguntando se ele sabia falar inglês. Emmy havia
me enviado um e-mail com um pequeno
vocabulário no dia anterior. Umas dez frases
somente e alguns adjetivos, mas o sorriso que o
senhor me dirigiu ao me ouvir tentando falar russo,
ainda que provavelmente tenha falado tudo errado,
fez valer o esforço.

Entretanto, para meu desgosto, o


senhorzinho balançou a cabeça negando e pediu

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desculpas levantando os ombros, apesar do sorriso.


Ele não sabia falar nada em inglês.

— Gab, me empresta o celular — pedi e ele


veio até mim e me entregou o aparelho. Abri o
Google Tradutor e arrisquei uma tradução literal.
— Ahn... Kto-nibud'... Hm... zdes'... govorit... po-
angliyski? — perguntei se alguém no local sabia
falar inglês, e o senhorzinho me sorriu de novo e
balançou a cabeça concordando. Em seguida, fez
um gesto com a mão, pedindo que eu aguardasse, e
foi para os fundos da loja.

— Ufa! Achei que ia ter que procurar tudo


sozinha — comentei com Gab, que estava distraído
olhando uns chaveiros coloridos.

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— Boa tarde, posso ajudá-los? — um


homem muito atraente, alto e com olhos muito
azuis me cumprimentou em inglês.

— Boa tarde, pode sim! Eu estou


procurando por qualquer coisa que você tenha de
t.A.T.u. Você tem algo? Diz que sim, por favor,
minha amiga vai me matar se eu não levar nada...

O homem deu um sorriso simpático, disse


que tinha algumas coisas e pediu que eu o
acompanhasse. Fui atrás dele até um canto da loja,
e lá o atendente me mostrou uns quatro CDs, um
DVD de shows, um de documentário, uns bottons,
três camisetas e uma caneca empoeirada.

— Ótimo! Quanto dá tudo?

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O homem me olhou, um pouco surpreso, e


pensou por uns instantes antes de fazer sua
proposta:

— Bom, se você quiser levar tudo, eu faço


um desconto. São itens que estão encalhados há um
bom tempo.

— Ah, perfeito!

— Tenho o último CD da Lena Katina e


uma camiseta da Yulia Volkova, quer que eu
mostre?

— O CD, sim, coloca no pacote. A camisa


da Yulia, não, obrigada — não depois que ela se
mostrou uma louca homofóbica, pensei. A ironia
das ironias, a garota que se agarrava com outra

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garota virando homofóbica...

Assim que o homem embrulhou tudo, foi


até o caixa, e eu o segui. Coloquei as mãos no
balcão e tamborilei no granito, distraída. O
vendedor estava terminando de computar o
desconto no sistema quando me perguntou:

— Otkuda Vy rodom?

— Oi? — olhei rapidamente no celular e vi


o que ele estava perguntando: “de onde você é?”

— Ah, perdão, esqueci que era em inglês...


— ele se desculpou, mas eu dispensei suas
desculpas com um gesto.

— Hm... Ya iz... Brasil. É assim que se diz?

O homem sorriu amistosamente e balançou

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a cabeça concordando enquanto eu entregava meu


cartão de crédito. Senti uma mão no meu ombro e
dei um sobressalto, mas relaxei quando lembrei que
era só Gab.

— Oi, Segurança! Viu alguma coisa legal?


— perguntei, o olhando por cima do ombro.

— Não, nem procurei nada.

— Não? Ah, desculpa, mó programa chato,


né?

— Não, não precisa se desculpar. Só seria


mais agradável se o lenhador aí parasse de se jogar
em cima de você — Gabriel respondeu sem tirar a
mão do meu ombro.

— Se jogar...? Ele só está... Espera, você tá

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com ciúmes? — perguntei, chocada.

— Não, Lena, só estou preocupado. Você é


simpática demais com desconhecidos. Você não
está no Brasil, nem todo mundo reage bem à sua
simpatia, eles podem interpretar equivocadamente
— ele respondeu em um tom sério.

Virei o corpo, ficando de frente para ele,


achando hilário o ataque de ciúmes.

— Sei... Por que então sua mão não saiu do


meu ombro ainda? Quer marcar território
carimbando “tem dono” na minha testa também? —
disse com ironia, fazendo esforço para não rir.

Gab tirou a mão de mim e enfiou no bolso


da calça. O rosto estava impassível, como se nada

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tivesse acontecido. O vendedor limpou a garganta,


e eu olhei para ele, vendo que a sacola com as
compras estava estendida na minha direção.

— Oh, me desculpe! Priyatno... bylo


poznako... Hm... ou algo assim — disse, meio
atrapalhada.

— O prazer foi meu, senhorita, volte


sempre — ele respondeu com um sorriso educado.

Peguei no braço de Gabriel e saímos juntos


da loja, eu rindo da situação, e Gabriel, calado.

Depois de uns segundos de silêncio, ele


comentou:

— Você falando em russo é uma graça. Ele


entendeu algo do que você disse? — Gab

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perguntou quando caminhamos até a próxima loja,


na rua seguinte.

— Sim, eu acho... Ao menos ele respondeu


algo que fez sentido, você não viu?

— É, vi. O que você falou por último?

— Olha, eu espero que eu tenha dito “foi


um prazer conhecê-lo” — expliquei enquanto
entrávamos na loja de presentes. — Também disse
o número do meu telefone e falei “me liga, tenho
tesão em olhos azuis e adoro sexo casual” —
comentei tranquilamente.

Gabriel, que estava olhando com


curiosidade uma matriosca gigante multicolorida
em uma prateleira, me dirigiu um olhar que

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mostrava uma mistura de incredulidade, raiva e


surpresa, tudo misturado numa cara feia só.

Estalei os dedos, vitoriosa.

— Eu sabia, você estava com ciúmes dele!


Que gracinha, Gab, quem diria que o Segurança
posudo, bad boy, sem coração, tatuado e tudo mais
teria sentimentos? — eu disse, rindo, o puxei pelo
casaco e beijei seus lábios.

Gab retribuiu o beijo e tentou não fazer


mais cara de bunda quando eu o soltei.

— Você é tão engraçada, já te falaram isso,


Costureira? — perguntou, tentando se manter sério,
mas não resistindo a dar um sorrisinho meio
constrangido de quem fora pego no flagra.

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— Não, taí uma coisa que ninguém fala de


mim, Segurança. Só que eu sou direta.

Dito isso, fui escolher as várias


quinquilharias que turista compra, tipo chaveiros,
ímãs, marcadores de livros e afins. Depois de uma
cesta de compras cheia, saímos da loja, encerrando
a sessão de encomendas. Fomos andando pelas ruas
de Moscou, cumprindo nosso papel de turistas, até
o momento em que sentimos fome e decidimos
procurar um lugar para comer alguma coisa.

— Olha, tem um bar ali, quer entrar? —


perguntei apontando para um estabelecimento com
a fachada colorida. — Hm, o Google Maps diz que
é um “Bilyard-klub i kafe”... Opa, kafe deve ser

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café! Vamos?

Gab concordou, e entramos juntos no local.


Quase fiquei cega quando vi as cores exageradas e
as luzes fortes que iluminavam o interior. O bar era
muito bonito, com uma pegada americanizada,
cheia de referências ao Tio Sam, Marlboro e essas
coisas todas. Estava relativamente vazio, o que foi
agradável para uma pessoa como eu, que não ama
bares por causa do... bom, já dá para imaginar. Meu
histórico não é dos melhores.

Sentamos à mesa e imediatamente olhamos


o cardápio, mas como não havia tradução para o
inglês — uma incoerência enorme, visto que o bar
tinha sua decoração baseada em temas americanos

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—, perguntei ao garçom o que ele sugeria. O jovem


nos pediu desculpa em inglês pelo cardápio todo
em russo, disse que houve um problema na gráfica
que os imprimia e me informou dos lanches,
bebidas e sobremesas disponíveis.

Joguei a bola para Gabriel, que pediu uma


bebida colorida e um sanduíche gordão de carne
branca, ou ao menos era isso que parecia na foto do
menu. Pedi a mesma coisa e olhei ao redor quando
o garçom foi embora.

— É um bar, mas também é um café e uma


lanchonete... É russo, mas também é americano...
Adoro esses lugares híbridos! — comentei e olhei
para Gab, que balançou a cabeça, assentindo.

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— São interessantes. Eles também têm


algumas mesas de sinuca, você viu?

— Não! Onde? — perguntei e me virei para


procurar. — Ah, tem uma entrada, será que é ali?
— disse apontando para um portal com uma cortina
de miçangas pendurada.

— Provavelmente. Eu vi no cardápio, tinha


uma foto de uma mesa de sinuca no final.

— Ah, que ótimo! Eu amo sinuca. Você


gosta, Segurança? — perguntei, colocando os
cotovelos na mesa e me inclinando em sua direção.
Gab endireitou o corpo e me imitou, chegando
próximo do meu rosto.

— Gosto, Costureira. Você sabe jogar?

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— Claro, se eu falei que eu gosto! —


respondi, dando uma risada.

— Tem algo que você não saiba fazer?


Roupas, escolher bons cafés, atirar, sinuca... — ele
disse enquanto olhava fixamente para meus lábios.

Não me passou desapercebido o tom de sua


pergunta, e logo me perguntei se já não estava na
hora de deixar o turismo russo de lado e voltar para
o hotel...

— Claro, muitas coisas.

— Cite uma.

— Não sei trabalhar com tinta a óleo, não


sou boa com alfaiataria, não sei sambar, não sei
andar de plataforma, e eu enfatizo plataforma, sei

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andar em qualquer salto, menos plataforma. Não sei


jogar boliche ou tênis, sou péssima em games de
luta e não sei ensinar ninguém a fazer nada, sou
incapaz de prender meu cabelo nele mesmo, sem
auxílio de um elástico ou coisa parecida. Quer
mais? Devo ser um desastre em salto com vara,
mas nunca testei. Posso testar agora com o taco de
sinuca, quer?

Gab sorriu e se afastou assim que ouviu o


garçom se aproximar com nossas bebidas. Olhei
para minha taça, com um líquido neon dentro, e não
segurei a careta involuntária.

— Gente, o que é isso? Contraste? Vou


brilhar por dentro se tomar isso! — disse para

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Gabriel, que olhava o seu coquetel de coisas


provavelmente radioativas com curiosidade.

— Era menos colorido na foto... Devia ter


pedido um macchiato...

Bebemos os coquetéis escandalosos (como


todo o bar), comemos nossos lanches e rimos dos
eventos do último show, quando Erika derrubou um
engraçadinho que tentou agarrar Aline no Meet &
Greet com tamanha facilidade, que nem Gabriel
precisou se mover do lugar onde estava. Só teve
tempo de arquear a sobrancelha esquerda, e Erika já
tinha imobilizado o sujeito.

Gabriel era o melhor dos melhores, sem


dúvida, mas Erika também era uma segurança

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porreta.

Quando terminamos a refeição, logo fomos


rumo a tal sala de sinuca. Era imensa, toda branca,
em contraste com a decoração exagerada do bar, o
que foi um alívio para nossas vistas.

Escolhemos uma mesa mais no canto, longe


dos grupos de beberrões, e começamos a jogar. Eu
estava perdendo por pouco, quando uns homens
entraram na sala rindo e falando alto. Revirei os
olhos quando um deles me olhou de um modo
diferente enquanto eu estava curvada sobre a mesa,
com a bunda para cima, mas voltei minha atenção
para a tacada. Errei grosseiramente e voltei a olhar
para ele, que ignorava a presença de Gabriel e me

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encarava sem pudores.

— Idiota. Me distraiu — reclamei quando


Gab se curvou sobre a mesa e jogou uma bola na
caçapa sem esforço.

— Hm? O que houve? — ele perguntou e


ergueu o corpo para me olhar, o rosto ficando
rígido no mesmo momento.

Sorri e passei os dedos em suas


sobrancelhas, forçando-as a se separarem uma da
outra. Era melhor não deixar Gabriel preocupado,
até porque o babaca que me distraíra só estava
olhando. Pelo menos até ali...

— Pode relaxar, Segurança, não foi nada.


Vai, erra logo, que eu quero jogar. Ei, eu conheço

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essa música! — disse quando começou a tocar uma


música que Emmy adorava. — Olha, é t.A.T.u., a
banda que eu te falei! Que acaso! Sabe, a Emmy
obrigou todo mundo a ouvir esse raio dessa dupla
mil vezes na época da Trophy Husband, até que
todos decoraram quase todas as músicas. Essa é
uma das preferidas dela, se chama Malchik Gay.
Aliás, é estranho que ela toque em locais públicos,
já que significa “garoto gay”, é uma música
romântica sobre uma mulher que se apaixona por
um cara que gosta de meninos. Estranho, estamos...
bom, na Rússia, né?

Gabriel balançou a cabeça assentindo,


voltou a se curvar sobre a mesa e começou
casualmente a encaçapar todas as bolas possíveis, o
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rosto totalmente concentrado. Meu queixo caiu


imediatamente, de tão surpresa que fiquei.

Quando a última bola sumiu, ele se ergueu e


sorriu tranquilamente para mim.

— Então, você estava falando da Emília...?


— tentou retomar o assunto, mas eu estava
embasbacada demais para falar sobre qualquer
coisa que não fosse as habilidades do Segurança
com um taco.

— Estamos jogando há um tempão, por que


você não fez isso antes?

Gab levantou os ombros e me deu um


sorriso sarcástico.

— Queria ver até onde você ia. Quer jogar

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de novo? — repetiu a pergunta, e eu assenti, ainda


impressionada. — Ok, vou ao banheiro primeiro.

Fiquei olhando ele se afastar e balancei a


cabeça, tentando organizar minha cabeça. Nunca vi
alguém jogar tão bem e tão rápido na minha frente.
Ele realmente estava enrolando antes!

Tirei as bolas das caçapas, coloquei no


triângulo e me sentei na mesa enquanto Gabriel não
voltava. Fechei os olhos e cruzei as pernas,
apoiando as mãos no veludo enquanto cantarolava
o finalzinho da música da dupla russa que ainda
tocava nas caixas de som presas ao teto. Era uma
versão remixada e estendida, pelo visto.

Foi quando ouvi uma voz desconhecida

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falando em russo perto de mim e abri os olhos. O


homem que havia me desconcentrado estava na
minha frente, sorrindo de um modo que não me
agradava. Apesar de sua inegável beleza, com os
olhos azuis imensos tão comuns a muitos russos,
cabelo cor de caramelo, pele lisa e porte atlético,
senti uma certa repulsa ao vê-lo tão próximo do
meu corpo.

Ao contrário do rapaz da loja, aquele par de


olhos claros não me deixava confortável.

Descruzei as pernas e fiquei em alerta, já


pronta para descer da mesa caso fosse necessário,
quando ele perguntou em inglês:

— Americana?

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Balancei a cabeça negando e não disse mais


nada.

— De onde você é, krasavitsa?

— De um lugar bem longe, malchik.

O idiota riu ao me ouvir chamá-lo de


“garoto” e se aproximou mais. Tirei as mãos da
mesa e endireitei a postura, já pronta para reagir
caso ele tentasse algo.

— Você fala russo? Ouvi você cantando


“Malchik Gay”...

— Não, só sabia cantar aquele pedaço. Mas


falo bem inglês, e você?

— É minha segunda língua, krasavitsa.

Contive uma careta ao ouvi-lo me chamar

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de novo pelo adjetivo carinhoso que Emmy


colocara na lista de “evite se aproximar de quem
fale isso para você”. Imbecil.

— Então, escuta o que eu tenho a dizer: não


estou interessada em você. Entendeu? — disse e
sorri de modo totalmente não afetuoso para ele, que
arregalou os olhos e retrucou:

— Ah, vamos lá, boneca, só uma bebida.


Deixa aquele cara que veio com você e vem provar
um russo de verdade... Eu te ensino umas palavras
em russo, como lyubov'... — ele respondeu com um
sorriso imenso no rosto e colocou a mão na minha
coxa, erguendo meu vestido até aparecer minha
cinta-liga. — Olha, que beleza, você veio

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preparada!

Respirei fundo, contei até três, pensei em


filhotinhos de gato, suco de manga, qualquer coisa
que me acalmasse um pouco, mas não adiantou.
Sentindo a raiva borbulhar no peito, abri a boca
para responder, mas em vez disso, me lembrei de
um pequeno detalhe de um metro e noventa e trinta
e oito anos. Onde estava o Segurança? O que ele ia
fazer se visse aquela cena?

Estiquei o pescoço e olhei por cima do


ombro do imbecil que mantinha as mãos nas
minhas coxas e senti meu coração falhar uma
batida. Gabriel estava vindo em nossa direção com
a maior cara de quem ia partir o abusadinho em três

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partes iguais, de modo rápido, eficaz e profissional.


Sua expressão era uma perfeita reprodução do rosto
do Agente 47, de Hitman.

Com o coração disparado, achei melhor agir


por conta própria, então virei para o russo abusado,
que ainda estava alisando minhas coxas com ambas
as mãos, e disse:

— Claro, malchik, eu largo tudo por você.


Vou te fazer provar uma brasileira de verdade... —
disse com um sorriso sensual e coloquei minha mão
na sua.

O sorriso vitorioso do cara durou exatos


dois segundos e morreu assim que eu agarrei seu
pulso, o torci para trás e desci da mesa. Crec. Sem

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o soltar, o virei de costas para mim, fazendo com


que o ângulo estranho em que botei seu braço o
levasse a se ajoelhar no chão, gritando de dor.

Não o soltei nem quando ele implorou para


que eu o deixasse ir. Pelo contrário, quanto mais ele
gritava, mais eu apertava seu braço atrás de suas
costas. Gabriel parou de caminhar em nossa direção
e ficou me olhando a uma distância segura, pronto
para reagir a qualquer momento. Sua expressão
ainda gritava “homicídio doloso”, então achei que
seria legal usar isso a meu favor.

— Escuta, seu merdinha. Tá vendo aquele


cara ali? — com a mão livre, levantei o queixo do
bonitão babaca para que olhasse para Gabriel. —

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Você vai chegar em casa e agradecer a Deus que


não foi ele quem te pegou nessa torção, ouviu?
Sabe por quê?

— Não! — ele mais gemeu do que falou


quando eu usei a outra mão para torcer seu dedão
até o limite.

— Porque ele é o único homem que pode


pegar naquele lugar onde você pegou. Ele sabe
disso, é o meu grande e irritadiço suki. E ele ia
torcer seu pescoço em vez de seu braço. O que seria
melhor? O pescoço ou o braço? Hein, idiota?

— O braço!

— Exato. Sabe o que você vai fazer


também? Responde, tá surdo?

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— Não! Não sei!

— Você vai embora e, caso me encontre nas


ruas de Moscou nos próximos dias, vai atravessar a
rua e nunca mais dirigir a palavra a mim. Ouviu?
— torci mais seu braço, mas parei assim que ouvi
um estalar em seu ombro. Ainda assim, não o
soltei.

— Ouvi! — ele gritou e chamou pelos


amigos, que continuaram onde estavam, assustados
com a minha reação.

Soltei seu braço e o empurrei com a minha


bota, fazendo com que ele caísse no chão que nem
uma fruta madura. Um segurança do bar veio
correndo e perguntou o que estava acontecendo. O

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homem se levantou, todo cambaleante, segurou a


mão machucada com cuidado, começou a gritar em
russo e apontar para mim, mas seus amigos
pareceram acalmá-lo e o levaram para fora. Ótimo,
uma confusão a menos. Eu quebrava a cara dele se
ele me acusasse de algo.

Ou pior: deixava Gab cuidar disso.

A barwoman entrou no ambiente correndo e


veio em minha direção, perguntando se eu queria
que chamasse a polícia. Respondi que não, que
estava tudo bem, e me voltei para Gabriel, que me
olhava com o rosto congelado. Parecia uma
fotografia, nenhum músculo se movia.

— Homens... Conseguem ser babacas em

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qualquer país! Vamos para casa? — perguntei, mas


Gab não respondeu nem se mexeu.

Virei o corpo na direção dele e vi que Gab


estava no modo Segurança Fodão ativado. Com um
update de “Agente 47 Pronto Para Usar Suas
Silverballers Em Alguém”. Mais uma vez, eu temi
pela vida do pobre malchik e tentei acalmar
Gabriel, mas ele estava muito, mas muito irritado.

— Gabriel? Respira, homem, tá tudo bem


— eu disse e estalei os dedos na frente do rosto
dele, o que não adiantou de nada.

— O que ele fez? — perguntou com a voz


tentando esconder um ódio profundo.

— Passou a mão nas minhas coxas. Ele teve

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sorte, o último no Brasil que fez isso teve o


mindinho fraturado, virado para trás até encostar no
braço. Apesar que eu ouvi uns estalos, será que
quebrei algo? — perguntei, mais para mim do que
para ele.

Gabriel inspirou profundamente, e eu vi


uma veia em seu pescoço saltar.

— Gab, vamos para casa antes que você


exploda? Respira, Segurança, eu já dei cabo dele.
Vem, vamos — disse e o puxei pelo braço.

Pegamos nossos pertences, saímos do bar


em silêncio e chamamos um táxi. Entramos no
primeiro que tivesse o adesivo “english spoken”
colado no vidro e demos as instruções ao taxista.

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Encostei minha cabeça no ombro de


Gabriel, que colocou calmamente a mão na minha
perna, em um gesto totalmente oposto ao do russo
idiota cujo braço eu provavelmente quebrara
momentos antes.

— Krasavitsa... Abusado — resmunguei,


irritadiça.

— Hm? — Gab perguntou e me olhou.


Reparei que o taxista também prestou atenção em
mim pelo espelho retrovisor ao ouvir a palavra em
russo.

— O cara me chamou de krasavitsa. Se a


Emmy estava certa, é uma expressão romântica
direcionada a mulheres bonitas. Não é uma

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expressão desrespeitosa, é realmente bonitinha, o


que é estranho, já que o cara era um babaca
tremendo. Acho que ele estava sendo sarcástico.
Devia ter quebrado o braço dele pisando em cima.

Gab me puxou e beijou minha cabeça, mas


não disse nada.

— E ele ainda falou em lyubov'... —


comentei com a cara fechada. De novo, o taxista
me olhou pelo espelho retrovisor.

— O que é isso? Você sabe? — Gabriel me


perguntou, virando o rosto na minha direção e se
afastando um pouco para olhar meu rosto.

Assenti com a cabeça, mas demorei uns


segundos para responder. Era um nome que não me

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trazia boas lembranças. Olhei para o Segurança e


suspirei.

— Sim, essa eu sempre soube. Significa


amor. Também era o nome do bar onde o
Alexandro me... Bom... Você sabe. Lembro disso
porque uma amiga minha falou que o bar parecia
um motel com esse nome brega... Lyubov'.

O rosto de Gab se contraiu por um segundo


enquanto ele se lembrava dos detalhes da agressão
que sofri. Não eram boas lembranças para ninguém,
então eu voltei a deitar a cabeça em seu ombro e
fiquei quieta, absorvendo tudo que havia
acontecido naquela tarde.

— O que você disse para ele? — o

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Segurança perguntou após alguns instantes de


silêncio.

— Quando?

— Quando você disse que eu sou o seu


alguma-coisa-em-russo.

— Ah, sim. Eu disse que você é uma pessoa


mais próxima. É tipo um amigo mais... ah, sei lá,
próximo. Bom, ao menos foi isso que Emmy
colocou no e-mail, eu vi mais cedo no celular,
quando fui procurar as frases que ela me mandou...
Disse que você é meu suki.

O taxista nos olhou pelo retrovisor de novo,


e uma insegurança bateu ao ver sua expressão. Ao
contrário das anteriores, dessa vez ele arregalou

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brevemente os olhos, o que me deu a entender que


talvez Emília tenha se enganado na tradução.

— Ahn... Moço, com licença... Você pode


me informar o que a palavra “suki” significa em
inglês?

O taxista me olhou pelo espelho e hesitou


antes de responder:

— “Bitches”, senhora.

Levei as mãos à boca e olhei para Gabriel,


tentando segurar a risada.

— Lena... Você disse que eu sou sua vadia?

Mordi o lábio, tentando desesperadamente


conter a gargalhada que queria sair quando vi a
expressão de Gabriel, um misto de incredulidade

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com diversão.

— Eu não... A Emmy... Ela disse que... Foi


ela... Eu... — tentei me explicar, mas não consegui
mais segurar a risada e gargalhei como se não
houvesse amanhã.

Gabriel acabou rindo também, mas o taxista


continuou com a expressão preocupada, já que não
estava entendendo nada do que estávamos dizendo.
Achei de bom tom explicar antes que ele
interpretasse errado. Vai que ele pensasse que eu
era cafetina e Gabriel era garoto de programa? Era
capaz de mandar prender a gente.

— Moço, eu o chamei de “minha vadia”


achando que estava chamando de algo bonitinho!

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— eu me inclinei no banco e expliquei para o


taxista quando consegui parar de rir. Seu rosto
relaxou, e ele sorriu antes de me tranquilizar:

— Se me permite dizer, senhora,


dependendo do contexto, não teve o mesmo
significado. Além do mais, a senhora falou no
plural. Suka seria no singular. Acho que as pessoas
provavelmente notaram seu engano.

— Ah, jura? Menos mal! Viu, Gab? Você


não é minha vadia! — disse, em inglês dessa vez,
para que o taxista não ficasse tão perdido.

— Sim, senhora. Seu marido não precisa se


preocupar — ele afirmou.

Voltei o rosto na direção do taxista ao ouvir

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o “marido”, depois mirei Gabriel e ri da confusão.


Gab não falou nada, só curvou os lábios para cima,
num sorriso contido.

— Não, moço, ele não é meu marido.

— Ah, não? Peço desculpas, senhorita.

— Não, não se preocupe... — eu disse e


virei o rosto para o Segurança.

Pensei em Gab vindo que nem uma bala em


minha direção no bar, quando achou que eu
precisava de ajuda, e na sua preocupação com a
reação dos homens à minha simpatia. Eu já havia
notado que sua preocupação não era mais aquela
geral, que ele tinha com todos por causa de sua
profissão. Era outra, era algo a mais. Óbvio que era,

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eu tinha alguma dúvida?

Gabriel deixou de ser um cara que eu


transava e se tornou uma pessoa que eu me
importava, que eu queria por perto, mesmo quando
não havia sexo. Gab se tornou... Como poderia
explicar aquilo para o taxista sem necessariamente
usar nomenclaturas que não davam conta do que
nós dois éramos?

Peguei o celular, abri o e-mail de Emília,


dei uma olhada na lista de adjetivos, vendo que eu
realmente havia me confundido — suka e seu
plural, suki, estavam na lista de xingamentos, não
de elogios — e encontrei o que mais se encaixava
na minha descrição de o que o Segurança era para

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mim.

Virei o rosto para o taxista e expliquei:

— Ele é só o meu lyubimyy. Dá para


entender? É assim que se diz?

O taxista me olhou pelo espelho retrovisor,


olhou para Gabriel e sorriu.

— Sim, senhorita, dá para entender. Se me


permite dizer, isso é nítido, é só olhar para vocês.
Meus parabéns.

— Obrigada.

Gabriel virou o rosto para mim com a


dúvida estampada no rosto.

— Eu sou o seu o quê?

Sorri para ele e voltei a deitar em seu


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ombro.

— Depois eu te conto, Gab.

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Dublin
— Betty?

— Oi?

— Escuta, tá certo isso aqui? — perguntei


apontando para a tela do meu iPhone, que mostrava
a lista dos locais onde aconteceriam os próximos
shows da turnê. — A Sissy Walker vai fazer um
show na Lansdowne Road?

Betty olhou para onde eu indicava e


balançou a cabeça confirmando.

— Sim, por quê?

— Ah, não, nada demais. Só para conferir


mesmo...

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Aquela arena era um local muito famoso


onde The Corrs havia gravado um show, o mais
famoso da carreira deles. A banda irlandesa era a
preferida de meu melhor amigo, Joe, irmão de
Luciana. Estava com saudades dele, então aquele
era um acaso agradável.

Joseph sempre foi um amigo muito querido,


que sempre esteve por perto em todos os
momentos. Tivemos um relacionamento breve no
passado, nada sério, mas nossa amizade era maior
que qualquer atração. Ele se casou com a mãe de
suas filhas tempos depois, e eu virei madrinha de
Maria, uma das meninas. A segunda filha já estava
a caminho, nasceria em breve!

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Voltando minha atenção para a mesa, bebi


um gole da cerveja que havia pedido, senti um
gosto estranho de caramelo, depois de outras coisas
que não soube identificar, para no final sentir mais
um sabor forte desconhecido. Adorei.

— Ei, dá um golinho? Quero provar! —


Pierre pediu, e eu logo entreguei a garrafa para ele.

Estávamos todos almoçando juntos em um


restaurante, que provavelmente devia ser cheio de
estrelas Michelin, em Dublin, sentados a uma mesa
estreita e comprida.

Pierre bebeu, mas fez cara feia


imediatamente e me devolveu a cerveja.

— Blergh, por que eles vendem isso num

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restaurante chique?

— Sei lá, porque tem quem compre, não?


— respondi, achando graça.

Gabriel, sentado à minha frente, sorriu ao


ver a expressão de nojo do maquiador, e eu parei o
ato de levar o garfo à boca para assistir à cena. Gab
notou que eu estava admirando-o e virou o rosto na
minha direção, os olhos cor de continente me
devorando. Reconheci aquele brilho no olhar e
mirei de canto de olho meus colegas de trabalho.

Pierre, que estava do meu lado esquerdo,


começou a conversar animadamente com Erika,
que estava sentada ao lado de Gabriel. Betty estava
quase virada de costas para mim, batendo um papo

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animado com Tony e Aline. Diego, do lado direito


de Gab, parecia entretido em seu celular, mostrando
algo para Jim, que estava no canto da mesa,
almoçando enquanto olhava para o smartphone
apontado em sua direção.

Ninguém parecia prestar atenção em nós


dois, então eu pisei no calcanhar do meu sapato de
salto alto, tirei e estendi o pé lentamente até
encontrar o sapato de Gabriel. Sem a menor pressa,
deslizei a ponta dos dedos por cima de sua calça,
encostando de leve em sua perna.

Gabriel arregalou os olhos, mas retomou o


controle imediatamente, ficando sério de novo.
Segurei um sorriso quando pressionei meu pé em

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sua coxa e estiquei o máximo que consegui,


chegando até sua virilha. Agradeci aos céus pela
mesa ser estreita — o suficiente para que eu o
alcançasse — e aos meus pais pelas pernas longas.

Peguei minha cerveja e bebi um gole


enquanto olhava a reação de Gabriel, quase
imperceptível a quem não conhecesse os diferentes
tipos de brilho que seus olhos projetavam, ou os
pequenos sorrisos confidenciais de exclusividade
minha.

Escorreguei o pé para o centro e sorri


quando ele se acertou na cadeira. Senti sua ereção
crescendo na calça e mordi o lábio, tentando não
rir. Tive de desviar o olhar quando vi que Gab

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engoliu em seco, mas voltei a mirá-lo logo em


seguida.

— Segurança, tá tudo bem? Você está


suando... Quer um gole? — perguntei na maior cara
de pau possível, estendendo minha cerveja para ele.

— Não, obrigado, estou bem — ele


respondeu, sério, mas seus olhos me metralhavam
com as boas e velhas promessas de sempre.

Terminei minha refeição sem tirar o pé do


corpo de Gabriel, sorrindo discretamente ao ver
cada uma de suas reações comedidas a cada
movimento meu. Bebi o restante da cerveja, abaixei
finalmente o pé e pensei que talvez seria bom ir ao
banheiro jogar uma água no rosto. Provocar o

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segurança estava me dando calores, apesar do clima


da Irlanda.

Como já estava meio alta — de vontades,


não de álcool —, esqueci que meu celular estava no
colo e o derrubei no chão quando afastei a minha
cadeira e me levantei. O gesto foi completamente
acidental, mas a ideia que eu tive em seguida estava
longe de ser.

— Ai, que burra. Depois quebra e eu fico


dizendo que o aparelho é vagabundo — comentei
com Pierre quando o barulho do celular caindo no
chão chamou sua atenção. Ele me deu um olhar
divertido e voltou a conversar com Erika.

Ajoelhei para pegar o aparelho e o empurrei

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para frente, me obrigando a ficar de quatro e entrar


embaixo da mesa. Olhei para as pernas de Gabriel,
me aproximei rapidamente e passei a mão no local
que mais me interessava.

Gabriel tentou fechar as pernas, mas eu não


deixei. Tentei pegar sua ereção de mão cheia, mas a
calça me impediu, então só alisei por um breve
momento, me dando por satisfeita quando a senti
crescendo mais em minha mão.

Em seguida, peguei meu celular e


engatinhei para fora da mesa. Torcendo para não
bater a cabeça na mesa. Saí de debaixo dela e me
levantei, meio tonta, o que foi percebido por Betty,
que me olhou, parecendo confusa, e me perguntou

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o que tinha acontecido para eu estar de quatro no


chão.

— Meu celular escorregou para debaixo da


mesa — respondi, sorrindo docemente e coloquei
minha cadeira no lugar. Ajeitei meu vestido e meu
sapato tranquilamente e fui até o banheiro sem
olhar para trás.

Entrei na cabine, abaixei a tampa do vaso e


liguei o WiFi do celular, ainda sorrindo. Costumava
deixar o celular desligado na hora do almoço, ou
chovia mensagens de Luciana me cobrando
interações em redes sociais.

Uma mensagem de Gabriel piscou na tela, e


eu não consegui reprimir uma gargalhada:

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“Você me paga, Costureira.”

Satisfeita, voltei para mesa, mas de súbito


estranhei a movimentação que estava acontecendo
ali. Diego estava gargalhando e Betty, Jim e Tony
estavam de pé, olhando com atenção um vídeo no
iPad de Aline, que sorria, animada. Todos na mesa,
salvo eu e Gabriel, ou estavam tentando ver o tal
vídeo, ou riam frouxamente.

Que mudança repentina!

Sentei de volta em minha cadeira e


perguntei com o olhar o que estava acontecendo
para Gabriel. Ainda sério, mas com o rosto
relaxado, ele me explicou:

— Sabe seu karaokê gratuito de duas

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semanas atrás? Em Berlim, cantando a música do


Paramore? Pois é, tinha um youtuber alemão
gravando alguma coisa lá no dia e ele acabou
filmando você. Parabéns, Lena, você agora é
conhecida no mundo inteiro.

Toda a minha excitação pela provocação de


minutos atrás escorreu pelo ralo quando eu ouvi
aquilo, e meu queixo despencou, de tão assombrada
que eu fiquei com a perspectiva de alguém me
filmando quando eu estava cantando uma música
romântica para Gabriel.

“Com” Gabriel, não “para” Gabriel,


Helena Maria!

— E esse youtuber aí, ele postou o vídeo?

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Quantos inscritos ele tem no canal? — perguntei


enquanto sacava meu celular e abria o aplicativo do
YouTube.

— Parece que são muitos. Ele postou o


último vídeo há dois dias e já viralizou — Gabriel
respondeu tranquilamente, entre uma garfada e
outra da sobremesa.

— Viralizou? Como? Eu só tava dançando!


Não fiz nada de errado ou de imbecil, fiz? Qual é o
nome dele? Betty, qual é o nome do youtuber? —
perguntei quase em pânico para a baixista e líder da
Sissy Walker, que parou de ver o vídeo, me disse o
nome e exclamou:

— Gente, esse vídeo é fofo demais! Diego,

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por que você não mostrou antes?

Olhei chocada para Diego e quase gritei:

— Você já sabia? Por que não me contou?


Gabriel, me passa a arma agora! — gritei, olhando
para Diego, que soltou uma gargalhada no meio do
restaurante. — Sério, para de rir, sua ameba! Por
que você não me contou?

— Porque eu queria ver até onde ia! E


porque eu estava criando uns memes legais com os
prints. Checou seu Instagram hoje? Ah, olha o
Twitter, você tá nos trending topics mundiais, não
viu?

— O QUÊ? COMO? — gritei, e um garçom


me olhou meio em pânico. Como a banda era

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famosa, ele provavelmente não poderia ralhar


conosco, então eu pedi desculpas e me sentei,
tentando me acalmar. — Como...? Foi só uma
dança!

Gabriel bebeu o que restava da sua cerveja


antes de me explicar, com um sorriso aparecendo
no rosto.

Ele estava achando graça?

— Você usou uma blusa da Sissy Walker,


não lembra? Os fãs da banda que acompanham o
youtuber compartilharam, o Diego retuitou,
reblogou e postou no Instagram e na página da
Sissy Walker. Ah, até onde eu sei, a vocalista da
banda da música que tava tocando viu o vídeo e

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também compartilhou. Hayley Alguma-Coisa.


Aquela de cabelo colorido. Isso também ajudou o
vídeo a viralizar. Tá cheio de meme seu circulando
no Facebook, Twitter, esses todos e outros que eu
nem conheço direito. Snap-Algo, Watt-Sei-lá-o-
quê... Ah, sim, também me disseram que já fizeram
umas histórias, do tipo que você me contou.
Fanfics, certo? E artes digitais, aquarelas... É o que
chamam de OTP, não é?

Levantei da cadeira segurando o garfo com


tanta força na mão esquerda, que senti dor no dedo
que havia quebrado. Olhei para o único responsável
por aquilo que eu poderia assassinar, já que o
youtuber e a Hayley Willians estavam fora do meu
alcance.
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— Diego... Me dê... um motivo... para eu


não... enfiar... esse garfo... no seu olho... — eu
disse pausadamente, tentando não ficar com mais
raiva ainda ao ver seu rosto tranquilo.

— Ah, General, nem vem! Por causa disso,


tanto a Sissy Walker quanto a Wings entraram nos
TTs do Twitter, e o Instagram e o Facebook da tua
marca tão bombando. Viu que vocês bateram um
milhão de likes? As pessoas estão achando linda a
sua dança, em especial o final romântico.

Fechei os olhos e respirei fundo.

Calma, Lena, ele tem razão. Propaganda


gratuita sempre é bom. Calma. Não cometa seu
primeiro homicídio ainda. Guarda como crédito

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para o futuro.

— Isso não acaba aqui, senhor guitarrista.


Você quer guerra, você vai ter guerra. E você... —
apontei para Gabriel. — Como você está lidando
bem com isso? Você aparece no vídeo também, não
aparece? Por que está tão tranquilo assim? Aliás,
não importa, deixa eu ver esse vídeo.

Sentei e peguei meu celular, procurando o


tal do youtuber alemão. O desgraçado tinha mais de
treze milhões de inscritos! Procurei nos envios e vi
que havia dois vídeos: um em que ele falava algo
sobre ter visto a minha dança — o filho da mãe
colocou legenda em inglês! — e pedia para que as
pessoas que também filmaram mandassem o vídeo

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para ele, e o outro era o vídeo pronto, com direito a


vários ângulos distintos.

Rolei os olhos quando vi que ele fizera,


literalmente, um clipe da música usando as imagens
que seus inscritos mandaram. Eu nem tinha visto
que uma pessoa tinha filmado, quanto mais várias!

O vídeo contava com trechos que o próprio


youtuber registrou com sua câmera profissional,
mas também contava com vídeos de qualidade
inferior ou retirados de SnapChat, Instagram,
câmeras amadoras, enfim. Neles, era possível ver
cada um dos momentos em que eu dancei, desde
quando me levantei da grama, ainda um pontinho
distante na câmera do youtuber, que focalizava

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outra coisa, até o momento em que Gabriel se


levantou e me beijou.

Larguei o celular na mesa e levei as mãos


ao rosto, morta de vergonha. Olhei para Gabriel por
entre os dedos e vi que ele sorria.

— Você tá curtindo isso, Segurança?

Ele levantou os ombros, mas não disse


nada. O sorriso continuava no rosto, como se aquilo
fosse muito engraçado para ele. Os membros da
banda pararam de conversar por um momento e
olharam para o Segurança, que imediatamente ficou
sério.

— Lena, checa as redes sociais. Elas


realmente estão bombando — Pierre me lembrou

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depois que parou de encarar Gabriel.

Peguei o celular correndo e vi que havia


tantas notificações no Instagram, Twitter e
Facebook, que não conseguia abrir nenhum deles.
Lula e Sophia, já cientes do ocorrido,
compartilharam todos os vídeos, memes e imagens
possíveis e criaram vários banners de propaganda
em cima desse material, todos muito sutis e
elegantes. Ainda assim, quis matar as duas.

No Twitter, o alvoroço era o mesmo. A


hashtag “Wings” estava nos TT’s do Brasil,
“SissyWalker”, “TheSissyWalkerTShirtGirl” e
“TiergartenLove” estavam nos mais utilizados da
Europa e “StillIntoYou” e “SissyLover” estavam nas

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mundiais.

Sissy Lover!!

Nem quis olhar o Instagram. Já estava


impressionada demais com tudo aquilo. Levei as
mãos aos olhos, derrotada. Meu maior pesadelo
social estava concretizado. Virei parte de um OTP.

— Gente, eu... eu vou para o meu quarto


encher a cara e me esconder até isso tudo passar,
ok? Se precisarem de mim, liguem para o celular
pessoal. Esse aqui eu vou afogar no chuveiro —
apontei para o celular antigo e me levantei. Ouvi
risadinhas dos membros da banda e olhei para
Diego, que estava amando aquilo tudo.

— Se eu pudesse punir você sexualmente,

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você estaria ferrado comigo, Diego. Eu ia arrancar


uns pedaços de carne das suas costas com minhas
unhas e fritaria depois, tipo bacon, e ia te obrigar a
comer! Agradeça a Deus por você não ser o
Segurança, e agradeça diariamente — disse
entredentes e me voltei para Gabriel. — Você,
Senhor Risadinha, quando terminar de comer, passa
no meu quarto e leva uma bebida bem forte.
Qualquer uma que me apague, por favor. Obrigada
— pedi e me virei para ir embora, quando Betty me
chamou:

— Lena, antes de você ir, preciso de um


favor.

Meu lado profissional entrou em ação, e eu

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me virei imediatamente, o rosto sério enquanto


aguardava as ordens. Podia deixar meus fricotes
para mais tarde. Trabalho é trabalho.

— Pois não?

Betty me mostrou o iPad de Aline e pediu:

— Tem como você repostar com as redes


sociais da Wings essa imagem que eu acabei de
postar na página da Sissy Walker? É bem
importante.

Assenti e peguei o iPad nas mãos, olhando


qual era a imagem.

Senti minha boca se entreabrir e meu


coração dar vários saltos no peito. Olhei para Betty,
que sorria carinhosamente, assim como cada um

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dos membros e funcionários da banda pareciam


encantados, e em seguida para Gabriel, que estava
sério, avaliando minha reação. Ele estava com seu
celular nas mãos, e parecia ter visto a mesma
imagem que eu, aparentemente. O sorriso divertido,
que ele apenas ocultava quando olhavam para ele,
sumiu com rapidez.

Devolvi o iPad e disse que ia fazer o que me


foi pedido imediatamente. Meio trôpega, me virei e
caminhei até meu quarto, largando os sapatos na
porta e desabando na cama com o celular em mãos.
Abri o Facebook da Sissy Walker e compartilhei a
imagem com a página da Wings, postei no
Instagram, fiz o pacote completo.

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Minutos depois, Gabriel bateu na porta.


Morrendo de vergonha, fui até a entrada do quarto
e abri para ele entrar. Peguei a garrafa de uísque
que ele me trouxe e agradeci, abrindo e bebendo
direto no gargalo um gole imenso.

Gab tirou os sapatos na porta e foi até a


cama. Eu fui atrás, vermelha como uma cereja.

— Você viu a imagem?

Agarrada à bebida, me sentei na cama e


cruzei as pernas.

— Vi. Foi um ângulo bonito — ele


respondeu, simplesmente, e se deitou ao meu lado.
Coloquei a garrafa na mesa de cabeceira e me deitei
também, sem dizer nada.

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Não falamos sobre o seu conteúdo, apenas


ficamos quietos, ouvindo o som da respiração um
do outro, até que Gab rolou para cima de mim e me
beijou.

Rapidamente nossas roupas foram ao chão


enquanto meu celular não parava de receber
notificações e mensagens de amigos e grupos de
WhatsApp.

Mais tarde, quando fosse checar o conteúdo


dessas mensagens, eu voltaria a pensar no assunto,
quando visse a imagem massivamente enviada para
meu celular.

Era uma imagem simples: alguém capturou


o exato momento em que Gab e eu nos olhamos por

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um momento antes de ele me beijar, logo após meu


showzinho no Tiergarten. Era realmente um ângulo
bonito, e dizia muita coisa.

Na legenda, apenas uma frase: “Ame


alguém que te olhe desse jeito”.

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Londres
— Segurança, ganhei o dia de folga! Quer
conhecer Londres? — repeti a mesma pergunta
feita em quase todas as cidades por onde passamos
nos últimos meses.

Gabriel abriu os olhos, tirou os fones de


ouvido e se endireitou na cama, sorrindo ao me ver
entrando em seu quarto.

— Eu conheço Londres, Costureira, eu


moro aqui, esqueceu? Inclusive, adoraria estar em
casa, não em um hotel... — respondeu enquanto se
espreguiçava. Fechei a porta do quarto, larguei
meus sapatos ali e fui até a beiradinha da cama.

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— Pare de reclamar, seu apartamento não


está alugado por temporada? Além disso, você
conhece Londres, Gab, eu mal conheço o Brasil, e
olha que eu nasci lá! Vamos, larga de moleza, eu
quero fazer uma tatuagem!

Gabriel esticou os braços para me abraçar,


mas os abaixou assim que ouviu minha última
frase.

— Uma tatuagem? Sério? — perguntou,


incrédulo.

— Ué, qual é o problema? Eu finalmente


achei o desenho certo e acho que seria uma
excelente oportunidade, agora que estou corajosa!
Se eu encarei botar um dedo no lugar, deslocar um

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alheio e virar meme, encaro uma tattoo. Tem um


estúdio maravilhoso dez minutos daqui! Vai,
levanta essa bunda gostosa e vai se arrumar!

Gabriel fez um muxoxo de desânimo, mas


se levantou assim mesmo.

— Ah, vai, não faz essa cara de trabalhador


que precisa levar a esposa no salão de beleza depois
de um dia de labuta! Prometo que vai ser rápido e a
gente volta para cá e fica na cama o resto do dia —
disse para o desânimo em pessoa que abria o
armário e olhava entediado para as roupas. — Sai,
deixa que eu escolho.

Gabriel se arrastou de volta para a cama e


enterrou o rosto no travesseiro, fazendo manha.

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Quase quarenta anos na cara, mas agia como um


adolescente!

Peguei umas roupas e joguei na cama,


olhando o resultado da combinação.

— Vem, Gab, vamos tirar essa roupa de


vovô congelado e botar uma roupa de rockstar sexy
quentinho e protegido do frio! Vamos, vamos,
aproveita que aparentemente nosso meme esfriou
um cadinho!

Gabriel se enfiou embaixo das cobertas e


gemeu frente a possibilidade de ter que sair do
hotel naquele dia de preguiça. Botei as mãos na
cintura e pensei em ralhar com ele, mas achei que
seria forçar muito a barra.

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Suspirando, decidi ir sozinha mesmo,


quando notei que esqueci uma peça de roupa no
meu quarto.

— Vou rapidinho pegar meu sobretudo! —


avisei, mas nem ouvi resposta.

Voltei em seguida para a suíte e segurei


uma risada ao ver que Gabriel cochilara na mesma
posição em que o deixara. Tadinho, estava cansado
da bateria de shows em Londres. Como era o lar da
banda, obviamente era a cidade com o maior
fandom.

Cheguei perto da cama e pensei em beijá-lo,


mas me lembrei da regra número 1 de convivência
com o segurança da Sissy Walker: nunca encoste

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nele quando estiver adormecido. Os meus pulsos


agradecem.

Rabisquei umas palavras num bilhete e


deixei o papel ao lado de seu celular, no criado-
mudo. Peguei o meu aparelho, minha carteira e a
chave do hotel e saí por Londres afora, ansiosa por
encontrar o estúdio de tatuagem que eu vinha
namorando há muito tempo.

— É hoje que eu volto rabiscada pra casa!


— exclamei em português enquanto um
senhorzinho londrino passava ao meu lado com
cara de dúvida, mas seguia seu caminho sem falar
nada.

Abri o Google Maps no celular e enfrentei o

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frio congelante das ruas, olhando tudo ao meu


redor. Provavelmente havia um sinal bem grande
de “turista” na minha testa, principalmente quando
eu comecei a fotografar qualquer coisa tipicamente
inglesa, incluindo os ônibus da cidade.

— Nossa, como são feios! — falei em voz


alta, rindo que nem uma boba alegre.

Dez minutos de caminhada, cinco de


desorientação e um monte de teatros depois —
como tem teatro em Londres! Phoenix, Palace,
Cambridge, New London, um monte! –, encontrei
o tal estúdio. Suspirei dramaticamente, aliviada ao
ver que não era uma espelunca toda caindo aos
pedaços. Pelo contrário, era lindo e parecia ser

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caríssimo...

Assim que passei pela porta, um sininho


tocou e uma moça de cabelo arco-íris e vários
piercings no rosto olhou para mim de sua mesa.

— Boa tarde!

Sorri e respondi o cumprimento:

— Boa tarde! Eu gostaria de fazer uma


tatuagem!

— Você tem horário marcado? — ela


perguntou com simpatia.

— Ahn... Não... Desculpa, me esqueci


disso... Precisa muito marcar?

— Claro que sim, minha querida. É sua


primeira vez?

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— Sim, me desculpe... Mas eu volto outro


dia, não tem problema, vou ficar mais uns dias em
Londres... — disse, envergonhada. Não ia comentar
que era a vigésima terceira vez que eu ia em um
estúdio de tatuagem, mas que não tinha nem ao
menos uma estrelinha no pulso. Não para uma
recepcionista de estúdio com mais cores na pele do
que a bandeira do Orgulho LGBT.

A moça sorriu para mim e fez um gesto com


as mãos, como se dispensasse meu pedido de
desculpas.

— Você está com sorte: duas pessoas


desmarcaram suas tatuagens hoje, então há dois
tatuadores disponíveis. É a frente fria, sabe? As

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pessoas ficam azedas e não querem sair de casa...


Me diga, o que você quer fazer?

— A estrutura química da cafeína! —


respondi animada à pergunta que a atendente fez,
torcendo para que meu inglês estivesse correto. Eu
queria pedir a estrutura molecular dela, mas não
sabia como dizer. Minha irmã me mataria se
soubesse disso, levando em conta seu doutorado em
Química-Alguma-Coisa...

A recepcionista entortou a cabeça para o


lado, parecendo confusa por um momento, mas em
seguida entendeu o que eu queria dizer:

— Ah, sim, claro! Como eu disse antes,


você está com sorte. O Jimmy é um deus com

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tatuagens como a sua, tem um traço fino e preciso


maravilhoso. Vou chamá-lo, só um momento.

— Obrigada! — respondi, animada.

Um tatuador cinquentão de barba prateada


veio me cumprimentar e quase caiu para trás
quando eu, no auge da animação, o abracei.

— Oh, desculpa! Eu esqueci que não estou


em casa...

Ele me deu um sorriso compreensivo e me


perguntou:

— Mexicana?

— Brasileira — respondi. — Desculpe, nós


temos costume de abraçar todo mundo onde eu
moro.

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— Não se preocupe, é bom um pouquinho


de calor nesse frio. Vem, me diz o que você quer
fazer hoje.

Conversamos por uns minutos e ele saiu


para fazer o desenho naquele papel-manteiga de
tatuador. Em poucos minutos, eu estava sendo
tatuada, sentindo mais dor que nunca senti em vinte
anos de costura e machucados acidentais.

Não, mentira: botar meu dedo no lugar doeu


bem mais.

Um tempo depois, Jimmy informou que


tinha terminado e me mandou olhar no espelho.
Quase caí para trás quando vi a estrutura molecular
da cafeína na lateral do meu corpo, logo nas

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costelas, linda, linda! Ele realmente tinha o traço


firme!

Ouvi as instruções de cicatrização, cuidados


e precauções de Jimmy, agradeci dando outro
abraço nele — dessa vez retribuído — e fui pagar
aquela obra de arte. Foi mais cara do que eu
imaginava, mas tentei ignorar o valor com três
dígitos e em libras. O resultado tinha ficado tão
bom, que fazia valer cada centavo.

Saí do estúdio e pensei se deveria voltar


para o hotel ou passear um pouco mais. Abri o
Google Maps para ver para onde poderia ir, mas a
lufada de vento gelado que golpeou minhas
bochechas me fez desistir de ficar parada no meio

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da rua.

Mal recomecei a caminhar, meu celular


começou a tocar. A tentação para não atender a
ligação era grande, roaming era uma realidade cara
demais para meu lado pão-duro, mas vi que era
Gab, então tentei ignorar a futura conta de telefone.

— Ei, Segurança!

— Helena, onde você está?

— Em Londres, gatinho! E você? —


brinquei enquanto parava em frente a uma
confeitaria fabulosa e admirava os muffins e
cupcakes lindos que estavam expostos. Eu estava
tão capturada por aqueles doces, que até mesmo
ignorei o fato de Gab ter me chamado pelo nome de

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batismo, não pelo meu nome mesmo.


Convenhamos: meu nome é Lena, Helena é
nomenclatura de bronca.

Ou de tentativas de me levar para cama.


Gabriel era ótimo nisso, me chamar de Helena
Maria com a voz rouca e sedutora.

Sempre dava certo.

— Por que você não me esperou? — ele


perguntou, soando irritado.

— Ora, Segurança, você não queria sair! Eu


nunca te forçaria a fazer algo que você não
gostaria!

— Mas... — ele começou a falar, mas eu o


interrompi:

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— Quer bolinhos? Vou torrar meu dinheiro


em todos que estou vendo. Olha, acho que tem de
algo semelhante a Prestígio! Escuta, depois a gente
se fala! Beijo!

Desliguei o telefone antes que ele


reclamasse e entrei naquela fábrica de gostosuras.

Confesso que saí de lá falida, mas


totalmente feliz com meu passeio maravilhoso!
Poderia ter sido mais legal se Gab estivesse
comigo, mas não poderia forçá-lo a fazer algo que
não estava no clima. Além do mais, foi bom ter um
momento de turista só meu.

Voltei para o hotel depois de três horas de


passeio com a energia a mil e as mãos congeladas

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por ter esquecido as luvas não-sei-em-qual-lugar.


Cumprimentei o recepcionista do hotel, que nem ao
menos sorriu de volta — o que acontece num hotel
cinco estrelas para não ter funcionários educados?
Mas nada arruinaria meu bom humor naquele dia,
então eu, com um imenso sorriso no rosto, disse em
português, deixando o cara confuso:

— Você é um cuzão, senhor recepcionista!

Cheguei em nosso andar e abri a porta do


quarto de Gabriel. Ele estava sentado na cama
tomando um — adivinha! — café do restaurante do
hotel. Larguei as compras no chão quando o vi e
corri para beijá-lo enquanto o gosto ainda estivesse
em seus lábios.

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Gabriel deixou o café na mesa de cabeceira


e sorriu ao me ver correndo em sua direção. Já era
hábito isso, ele sorrir quando me via. Um hábito
maravilhoso e apaixonante, levando em conta que
era um homem que nunca sorria.

Imediatamente pulei em seu colo e o beijei


longa e apaixonadamente, saboreando o sabor de
seus lábios macios e do café recém-tomado.
Entretanto, no primeiro contato, dei um gritinho de
dor quando Gab me abraçou pela cintura e colocou
a mão exatamente na minha tatuagem recém-
rabiscada. Ele tirou a mão rapidamente, me
perguntando, um tanto assustado, o motivo de
minha queixa.

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— Minha tatuagem, seu bundão! Tá doendo


ainda!

A boca de Gabriel se abriu e suas


sobrancelhas subiram tanto, que ele parecia ter
ouvido a sugestão de fazer uma circuncisão a
sangue frio.

— Você realmente fez uma tatuagem?


Deixa eu ver! — pediu quando o susto passou. —
Mas foi sem mim? Eu podia te levar no meu
tatuador!

Rindo que nem boba, me levantei da cama e


comecei a me despir, ficando só de meias-calças,
sutiã e cachecol. Chutei minhas botas para longe e
me virei de lado para mostrar a tatuagem.

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— O que é isso, Lena?

— Uma estrutura molecular, ué!

— Sim, eu estou vendo! Mas de quê? — ele


perguntou, se aproximando da minha tatuagem e
olhando de perto.

Dei uma risada maquiavélica e balancei a


cabeça.

— Não, Segurança, você vai ter que


descobrir o que é! Igual a “lyubimyy”, que você
ainda não descobriu, né? Seu lerdo — falei
enquanto soltava as meias da cinta-liga e me
livrava daquela quantidade absurda de tecido
cobrindo as minhas pernas. — Nossa, aumenta esse
aquecedor aí, que tá foda! Prometeram calor para

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essa época do ano, mas tá fazendo uns sete graus lá


fora!

Gab fez uma expressão contrariada, mas


não insistiu no assunto. Enquanto ele aumentava a
temperatura do quarto, eu peguei minha calça de lã
e umas camisas de Gabriel e me vesti, indo em
seguida pegar os bolinhos. Foi quando dei de cara
com uma camisa que havia comprado para o
Segurança. — Segurança, eu trouxe comida e um
presente!

Gabriel deixou o controle do aquecedor em


cima da mesa de cabeceira e se aproximou de mim.

— Toma, escolhe, tem bolinho de tudo


quanto é tipo aí. Só não pega o de coco com

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chocolate, por favor. Só tinha dois e eu já comi um.

— Ué, então eu posso pegar, se você já


comeu um!

Bom, é justo, afinal de contas.

Peguei a camisa que comprei, de um


algodão riquíssimo e de toque suave e com
estampas incríveis de anéis aquarelados de café, e
joguei no ar para Gab.

— Toma, vê se cabe! Quero dizer, lógico


que vai caber, eu sei seu tamanho, mas vê se fica
bom.

Gabriel deixou as caixas de muffins na


cama e abriu a camiseta, rindo frouxamente ao ver
a estampa.

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— Lena, você é ótima... — ele disse


enquanto tirava sua camisa para experimentar a
peça. — Ficou bom, obrigado.

— Gostou?

— Não, mas vou usar para te agradar — ele


disse com o rosto sério, mas riu em seguida. —
Brincadeira, Costureira, claro que eu gostei —
completou ao ver minha cara de decepção.

Gab trocou de roupa e se enfiou embaixo


das cobertas comigo, me fazendo reclamar de seus
pés de defunto gelado. Escolhemos alguns muffins
e comemos juntos enquanto eu contava como foram
as minhas andanças por Londres no meio da friaca.

Rebati os pedidos de desculpas de Gabriel

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dizendo que ele podia, se quisesse, sair comigo


depois, no último dia em Londres, dali a alguns
dias, quando viajaríamos para Manchester.

— Tudo bem, mas promete que se for fazer


outra tatuagem aqui, vai me deixar ir com você?
Não é como se eu fosse inexperiente nisso, né,
Senhorita Andrade? — perguntou e mostrou as
tatuagens no braço e nos ombros, um leve tom de
ironia brilhando em sua voz.

Estalei os lábios, o chamei de “metido”,


mas topei o acordo, e começamos a comer o
restante dos bolinhos.

Cinco minutos depois, estávamos nos


beijando no meio de muito farelo de bolo, recheio

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de cupcake e guardanapos. Gabriel esfregou o topo


de um cupcake veludo vermelho no meu pescoço
quando eu roubei um pedaço de seu muffin de
blueberry e começou a limpar bagunça com a
língua.

Empurrei as caixas de muffins no chão com


o pé e o puxei pelo cabelo, dando um beijo com
gosto de bolo em sua boca. Ficamos daquele jeito
até as roupas não serem mais necessárias, mas as
cobertas sim, e passamos o resto do dia fazendo
amor e comendo bobagens.

Sexo, Lena! Vocês fizeram sexo, não amor.

Jesus, se der uma brecha, eu viro mocinha


de romance de banca!

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Manchester
Estava no backstage ouvindo o show da
Sissy Walker e conferindo meu Twitter, quando
recebi uma ligação via WhatsApp de Joe, irmão de
Luciana, nosso Power Ranger vermelho, como
Betty costumava dizer. Dei um gritinho, animada, e
atendi imediatamente:

— Joseph! Gatinho, que saudades de você!


— exclamei, toda contente em poder falar com meu
melhor amigo depois de tanto tempo.

— Oi, Lena... Escuta, você tá ocupada?


Estou ouvindo música, você tá no show?

— Sim! Quero dizer, sim, estou no show,

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mas, não, não estou ocupada! Espera, deixa eu


procurar um lugar mais silencioso, não estou te
ouvindo direito! — exclamei, tentando entender o
que ele estava falando.

Corri até um dos camarins da arena e fechei


a porta, dando graças pelo isolamento acústico.

— Pronto, Joe, me diz, o que tá pegando?


Como você está? E a Paula? Tá muito gorda por
causa da gravidez? — metralhei Joe com perguntas,
nem deixando ele responder a primeira.

— Calma, mulher, uma coisa de cada vez!


— ele me interrompeu, rindo. — Está tudo bem,
Paulinha está imensa de gorda e vai ter o bebê a
qualquer minuto. Maria, é claro, ainda está

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enciumada...

Gargalhei ao ouvir as novidades. Joe estava


exultante com o nascimento da segunda filha, mas a
primeira, pelo visto, não estava tão feliz assim com
a chegada da irmã...

— Escuta, Lena, o show aí vai demorar para


acabar? — ele perguntou de repente, me deixando
em alerta pelo tom de voz, que foi de pai babão
para homem preocupado. — Onde vocês estão?

— Estamos em Manchester, por quê?


Aconteceu alguma coisa?

Ouvi um suspiro e mordi o lábio, sentindo


uma certa ansiedade crescer.

— Joe?

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— Oi, tô aqui, desculpa. Escuta, posso te


pedir um favor?

— Claro!

— Posso te pedir para você não abrir o seu


Facebook até chegar no hotel em que você está
hospedada?

— Oi? Por quê?

— Por favor, não me pergunta, só faz isso,


por favor — sua voz mostrava um sentimento que
há muito eu não ouvia em Joe, se é que eu já ouvi
em algum momento desde que o conheci: angústia.

Hesitei antes de responder:

— Ok, prometo. Você vai me contar o que


houve?

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— Quando você chegar no hotel, sim. Me


liga assim que entrar no seu quarto, ok?

— Ok...

— Beijo, Lenita.

— Beijo...

Fiquei olhando para a tela do celular por


uns momentos, tentando entender o que estava
acontecendo. A vontade de abrir o aplicativo do
Facebook surgiu, mas como eu sou uma mulher de
palavra, não cedi.

Voltei para os bastidores com o rosto


franzido de preocupação. Pierre entrou no ambiente
para me perguntar alguma coisa, mas viu minha
expressão e perguntou o que tinha acontecido

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enquanto ele não estava por perto. Expliquei sobre


a ligação e o pedido de meu amigo, e seu rosto logo
se contraiu também, a dúvida nítida em seus olhos
bonitos.

— O show já vai acabar, em algumas horas


vamos para o hotel... A não ser que você queira
pegar um táxi e ir na frente, quer?

— Não, vou esperar o Gabriel — respondi,


meio distraída. Pierre sorriu para mim e colocou a
mão no meu ombro, me oferecendo apoio e algum
tipo de conforto:

— Não deve ser nada sério, notícia ruim


costuma vir rápido.

Mas foi só eu começar a relaxar, que meu

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celular vibrou me tirando do breve alívio que a


presença de Pierre havia trazido. Vi algumas
notificações do Facebook, mas as ignorei e abri o
WhatsApp. Uma mensagem não lida da minha irmã
pipocou na tela e eu abri.

“Ei, Lenita! Como você está?”

Respondi imediatamente:

“Ju!! Bem, e você?”

“Bem também... Preocupada com você, na


verdade.”

“Ué? Por quê?”

“Ah, sei lá, não sei como você está lidando


com a morte do Alexandro...”

Mal terminei de ler a mensagem de Júlia e

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minhas mãos começaram a tremer. Tentei digitar,


mas não consegui, então resolvi gravar um áudio:

— Júlia, como assim “morte do


Alexandro”? De qual Alexandro você tá falando?
Do que me bateu, aquele que eu botei na cadeia?
Da Lyubov?

Enviei o áudio em português com o coração


batendo forte a ponto de eu sentir dor no peito.
Minhas mãos começaram a se contrair, mas eu
respirei fundo algumas vezes, tentando afastar a
crise de ansiedade que parecia chegar com força.

Pierre, sentado no camarim, ao meu lado,


viu meu estado e se aproximou novamente.
Preocupado, colocou a mão no meu ombro e se

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aproximou mais.

— Lenny? O que houve?

Abri a boca para responder, mas recebi uma


mensagem de Júlia e abaixei a cabeça para ler.

“Ai, droga! Você não sabia? Droga, me


perdoa, maninha. O Alexandro foi assassinado na
prisão, numa briga de gangue, ou algo assim. Saiu
nos jornais e tudo, aconteceu durante uma
rebelião. Achei que você já sabia.”

Levei a mão à boca e senti a garganta seca.


Olhei para Pierre, que estava com as duas mãos nos
meus braços, como se quisesse ter certeza de que
eu não desmaiaria.

— O A... O Alexandro foi assassinado,

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Pierre... — eu disse num fio de voz, sentindo as


mãos formigando e os olhos ficarem meio turvos.

— Alexandro? Quem...? Ah, o homem que


te agrediu?

— Sim... Ele foi assassinado... na cadeia...


Meu Deus, fui eu quem colocou ele lá dentro! Ele
morreu por minha culpa!

— O quê? Que absurdo, Lena, ele mesmo


se colocou ali! — respondeu, ultrajado. — Lena,
você tá pálida. Vem, vamos até a sala de reunião
daqui. Tem isolamento acústico bem melhor do que
o daqui, é isolamento de verdade, dá pra gente
conversar melhor.

Deixei meu amigo me guiar até a tal da sala,

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o que foi um alívio, já que era totalmente silenciosa


de verdade. Ele ajoelhou na minha frente e olhou
atentamente nos meus olhos antes de perguntar:

— Você quer que eu chame o Gab?

Balancei a cabeça em negativa.

— Ele está trabalhando. Eu estou bem, só


preciso de um minuto... — menti, sabendo que em
minutos eu estaria completamente sem ar e
totalmente em pânico. Disse aquilo só para
dispensar Pierre e não deixar que ele visse como eu
ficava durante uma crise. Não gostava que ninguém
testemunhasse aquilo.

— Eu vou buscar água para você — disse e


se levantou, mas eu o puxei pela mão e o impedi.

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— Não precisa, sério. Volta para lá, eu já


vou estar bem, só preciso digerir a notícia.

— Ok... Mas não me venha com esse papo


de ser culpa sua a morte desse idiota. Ele cavou a
própria cova! — Pierre exclamou. Balancei a
cabeça e arrisquei um sorriso.

Ele hesitou antes de sair, mas, por fim, me


deixou sozinha. Tentei suspirar de alívio, mas o nó
na garganta não deixou. Senti de novo os dedos
contraírem, os pés formigarem e o peito doer. Meu
peito começou a subir e descer rápido demais
enquanto eu arfava em busca de ar. A crise de
ansiedade veio com força e não deixou barato para
mim: menos de dez segundos após o maquiador e

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cabelereiro ir embora, eu já estava ajoelhada no


chão, tentando desesperadamente respirar, sabendo
que não conseguiria e que provavelmente ia
desmaiar rapidamente.

Aliás, foi o que eu mais desejei: fechar os


olhos e acordar em casa.

Peguei meu celular com os dedos trêmulos e


quebrei a promessa que fiz ao Joseph. Sei que ele
pedira isso apenas para não ativar nenhum gatilho,
mas vamos ser sinceros: era tarde demais. Abri o
aplicativo do Facebook e vi vários amigos e
conhecidos postando em minha timeline sobre o
assunto. Olhei um dos posts aleatoriamente, e o que
li me deixou pior do que já estava:

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“Aeeeeew, Helena, parabéns, um


vagabundo a menos no mundo graças a você!!
Você é nossa heroína!! Quer o vídeo da execução?
Ele vazou!!”

No mesmo post, nos comentários, um outro


“amigo” postara a foto de Alexandro morto. Ou
melhor, do que eu imaginava ser Alexandro, já que
seu rosto era uma massa de sangue e pedaços de
pele deformada pelos múltiplos tiros que ele
recebera.

Um gemido de terror escapou da minha


garganta, e eu larguei o celular no chão, tentando
me lembrar das técnicas de respiração que Lula me
ensinara havia tantos anos. Infelizmente, nada

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vinha à memória. Aquelas imagens pareciam


congeladas na mente.

Apoiei as mãos no chão e fiz força para


dissolver o nó na garganta, mas não consegui. A
imagem do cadáver do meu agressor, os textos
violentos compartilhados na minha timeline, a voz
de minha irmã no WhatsApp... tudo girava na
cabeça e me impedia de raciocinar.

Mesmo que isso não fosse racional, me


senti totalmente culpada por aquela morte. Se eu
não tivesse recusado ele, se eu não tivesse saído
com a Tony, se eu não tivesse... Um ser humano
morreu, e a culpa era toda minha. A família dele ia
me culpar para sempre...

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Meu corpo perdeu as forças restantes e eu


caí de lado no chão em posição fetal, próxima à
mesa de reuniões, ainda sem conseguir respirar
direito e arfando muito. O esforço que eu fazia para
levar ar para meus pulmões estava arranhando
minha garganta e meus dedos começaram a
machucar as palmas das mãos, de tanto que eu os
pressionava contra a pele.

O pânico corria pelas minhas veias como


adrenalina em viciados em esporte. Lágrimas de
desespero inundaram meus olhos, e eu comecei a
chorar, torcendo para que ninguém me visse ali,
tremendo da cabeça aos pés no chão frio de uma
sala à prova de som. Ao mesmo tempo, torcia para
que alguém me ajudasse a sair daquilo.
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Era uma sensação de morte, puramente isso.

Ouvi a porta da sala abrindo rapidamente e


senti uma leve ponta de alívio.

— Lena? — ouvi a voz de Gabriel, mas não


consegui responder.

Apenas fechei os olhos e torci para que tudo


aquilo acabasse logo e eu fosse para meu quarto de
hotel.

— Erika! — Gabriel gritou da porta e


entrou correndo na sala, se ajoelhando ao meu lado
e colocando a mão em meu rosto suado. — Lena, o
que houve?

Consegui relaxar a mão somente o


suficiente para parar de fincar minhas unhas das

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palmas e busquei a mão de Gabriel, que a entregou


imediatamente enquanto se curvava sobre mim.

— Helena, fala comigo, o que está


acontecendo?

Busquei no fundo do peito as forças para


responder:

— Não... consigo... respirar... direito —


disse entre uma golfada de ar e outra. Minha
respiração estava irregular demais para que eu
conseguisse fazer outra coisa a não ser gemer e
arfar.

— Você está hiperventilando? — ele me


perguntou com a voz grave de preocupação.

Balancei a cabeça concordando enquanto

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ouvia passos. Escutei a voz de Erika perguntando o


que estava acontecendo e Gabriel mandando que a
segurança arranjasse um saco de papel.

A mão de Gabriel apertou a minha quando


eu solucei desesperada e engasguei com o ar que
estava tentando colocar para dentro do pulmão.

— Erika! Anda logo, porra! — Gabriel


gritou, me fazendo lembrar de Joe quando eu tinha
crises em casa e Lula demorava para trazer um saco
de pão. Na época, as crises eram frequentes e
praticamente diárias.

A lembrança de Joseph me remeteu à


técnica que ele usava na ausência de um saco de
papel. Puxei Gabriel pela mão, abri os olhos e

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apontei para minha boca, torcendo para que ele


entendesse o que eu queria dizer.

— Lena? — ele perguntou, a voz


controlada. — O que você quer que eu faça?

— Car... carbono — eu ofeguei e apontei


para sua boca e para a minha.

O processo era simples: quando ocorre uma


hiperventilação, o equilíbrio entre inalar e exalar é
comprometido, e há uma redução nos níveis de
dióxido de carbono no corpo. Por isso Gab pedira
um saco de papel, para que eu pudesse normalizar
minha respiração e inspirar o gás carbônico
necessário. Porém, como Erika estava demorando
para encontrar um, precisei recorrer ao truque

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básico.

Gab imediatamente entendeu o que eu


estava pedindo, soltou a minha mão, me virou de
barriga para cima e tapou meu nariz com os dedos,
colando sua boca na minha e expirando.

Não sei por quanto tempo Gabriel fez boca-


a-boca em mim, mas foi o suficiente para que o nó
em minha garganta se desfizesse, meus dedos
relaxassem e meus ombros parassem de tremer
tanto.

Fechei os olhos quando senti a crise indo


embora e deixei que as lágrimas continuassem
escorrendo pelo meu rosto, desejando, mais do que
nunca, estar em casa.

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— Pronto, Lena, vai ficar tudo bem, você


vai ficar bem. Já vamos para casa — Gabriel falou
com a voz mais relaxada quando viu que eu estava
melhorando.

Sem abrir os olhos, balancei a cabeça


concordando e senti as mãos de Gabriel apertarem
as minhas. Eu me aconcheguei nele, ainda deitada
no chão, e tentei respirar fundo. Minha garganta
doía, minhas mãos estavam feridas e meu corpo
estava todo moído, mas a sensação de bem-estar foi
se espalhando aos poucos. Naquele momento eu
precisei corrigir o meu desejo.

Eu não precisava desejar estar em casa. Eu


já estava nela.

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Ao lado de Gabriel.

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Alexandro
— Olá, Helena Maria. Pronta para terminar
o que a gente começou na Lyubov? — Alexandro
me perguntou com os olhos me ofuscando num
brilho intenso de crueldade.

Olhei ao redor do estacionamento e procurei


por Tony. Ela me salvaria, como me salvou da
outra vez! Ela ia sacar seu taser rosa-choque e ia
fritar o pescoço desse verme! Não é? Onde está
Tony? Eu não podia estar sozinha naquele lugar!

— Ah, dessa vez eu me preparei, Helena


Maria. Sua amiguinha fanchona tá junto da
neguinha do cabelo ruim que você carrega como

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um animal de estimação. Lula, não? Estão lá


dentro, tirando um cochilo mais... intenso. Agora
somos só nós dois.

Um sorriso predatório surgiu em seus lábios


enquanto ele caminhava em minha direção. Andei
de costas até bater em um muro. Minhas mãos
começaram a tremer violentamente, e por algum
motivo desconhecido, não consegui erguer meus
braços para me defender, ainda que tenha feito
tantos anos de treinamentos em defesa pessoal.

Alexandro, que caminhava lentamente em


minha direção, de repente apressou o passo e logo
me pressionou contra o muro enquanto puxava com
violência minha roupa. Fechei os olhos com força e

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tentei lutar, mas estava imobilizada, presa contra o


muro e contra o corpo do homem que eu mais
odiava no mundo. Seu perfume caro e enjoativo
tomou conta do lugar, e eu reuni todas as forças
para gritar por socorro, mas só consegui dizer uma
palavra, provavelmente a única que Alexandro
nunca compreendeu o significado:

— Não!

As mãos de Alexandro seguraram meus


ombros, e eu lutei contra com todas as minhas
forças, mas elas eram muito fortes para que eu
pudesse me soltar no escuro do quarto.

Quarto? Ele conseguiu me levar para um


quarto? Não estávamos no estacionamento da

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Lyubov?

De repente, notei que meus braços estavam


livres, então comecei a me debater, tentando me
soltar do homem que me segurava.

— Me solta, seu filho da puta! — gritei


enquanto tentava empurrar Alexandro para fora de
minha cama.

Minha cama? Como cheguei ali? Como ele


chegou ali?

— Lena! Lena, para!! Sou eu, Costureira!

Parei de me debater e abri os olhos quando


ouvi a voz de Gabriel, que tirou as mãos de mim
para acender a lâmpada do abajur antes de voltar a
pegar em meu ombro.

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— Ga... Gabriel... — eu sussurrei, ofegante


e com as mãos trêmulas. — Eu... Quem estava...?

— Você estava tendo um pesadelo, Lena...


— falou enquanto me dava um olhar preocupado,
sem tirar a mão de mim.

— Onde... Onde eu estou? — perguntei,


ainda confusa, enquanto me sentava e tirava uma
mecha de cabelo grudada no rosto suado.

Gabriel sentou na cama e me deu a mão


quando ergui o corpo. Assim que minha pele
trêmula encostou na pele calejada de Gab, senti os
ombros começarem a relaxar.

— No nosso quarto, em Manchester — ele


explicou, os olhos levemente nebulosos de sono,

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mas a expressão alerta.

Pisquei algumas vezes para me acostumar


com o ambiente depois daquele despertar
sobressaltado e olhei ao redor, tentando me lembrar
de alguma coisa. Logo em seguida, tudo me veio à
memória.

Depois do acontecido no show, quando tive


um ataque de pânico após ver a imagem de
Alexandro morto, Ricky me colocou no quarto de
Gab, que virou o “nosso quarto”, dando,
finalmente, sentido a como chamávamos os hotéis
onde nos hospedávamos: casa. Foi algo necessário
no dia, mas creio que aquilo teria acontecido a
qualquer momento, Alexandro estando morto ou

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não.

Ok, eu estou segura. Estou em casa. Estou


com Gab. Não era Alexandro, foi só um sonho. Foi
só um sonho. Foi só um sonho.

— Lena... Tem certeza que não quer


conversar? Você tem evitado o assunto há dias.
Não quer me dizer o que você viu no Facebook que
te assustou tanto? Eu procurei na sua timeline
inteira, mas não vi nada... — ele disse com a voz
suave, tentando me acalmar.

Engoli em seco e balancei a cabeça


concordando. Não dava mais para adiar o assunto,
principalmente nesse momento, em que eu estava
tendo pesadelos. Expliquei das postagens na linha

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do tempo do meu Facebook e da foto de Alexandro


em pedacinhos. Tentei descrever a imagem, mas
não consegui e fechei a boca enquanto mirava os
olhos de Gabriel, que agora brilhavam de raiva.

— Colocaram... uma foto do corpo... na sua


timeline? — ele perguntou com os dentes cerrados,
tentando conter um ódio que fazia seu maxilar se
travar.

Balancei a cabeça concordando e suspirei.

— Sim... A Júlia deve ter deletado tudo, ela


sabe minha senha... Mas não foi a tempo, eu vi
naquele dia mesmo, lá na sala de reuniões. A
imagem fez com que eu me sentisse pior ainda.

Gabriel franziu as sobrancelhas, confuso,

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provavelmente não entendendo por que eu me


sentia daquele jeito.

— Não me diga que você está se sentindo


culpada, Helena.

Franzi os lábios quando ele disse meu nome


desse modo.

— Faltou o “Maria”, Segurança, para soar


como minha mãe. Sim, eu estou me sentindo
culpada, por mais estúpido que isso possa soar. Eu
botei ele na...

— Ele se colocou lá, Lena, não você. O que


você queria? Que ele estivesse na rua nocauteando
outras mulheres? Ele teve o que merecia — Gab
sentenciou com a voz fria de quem provavelmente

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precisou lidar com tipos como aquele em outros


tempos.

— Quem me garante? Quem garante que a


morte dele foi justa? Aliás, o que é uma morte
justa? Por que socou uma garota, ele merecia
morrer com vinte tiros na cara?

— E quem te disse que foi só isso que ele


fez? — Gabriel perguntou com as sobrancelhas
franzidas.

Arregalei os olhos ao ouvir sua pergunta e


notei que Gab se arrependeu do que tinha dito. Ele
apertou os lábios por um momento, mas logo os
relaxou e voltou à expressão rígida conhecida por
todos.

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— Como...? Do que você está falando,


Segurança...? Você sabe de alguma coisa?

— Sei, eu me lembro do que você disse


quatro anos atrás. Que ele era traficante, não era?
— ele respondeu com o rosto completamente sério,
sem nenhum traço de culpa.

— Sei... — ainda um pouco trêmula, me


ajoelhei na cama e me aproximei do Segurança o
suficiente para que eu pudesse ver a cor dos seus
olhos, que eu nunca soube exatamente classificar
qual era. — Você não me engana, Gab. Você está
mentindo, e eu posso dizer exatamente em quais
palavras você faltou com a verdade, quer apostar?

Gabriel levantou as sobrancelhas

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rapidamente, mas voltou para a expressão rígida de


sempre.

— O que você sabe sobre o Alexandro?


Não mente para mim, Gabriel, eu sinto cheiro de
mentira a quilômetros de distância!

— Que nem você sentiu quando a Betty


mentiu dizendo que eu não trabalhava mais para a
banda?

A ironia de Gab só reforçava minha certeza


de que existia mais alguma coisa naquela história.
Então apertei os olhos e me sentei nos calcanhares.

— Eu sinto o cheiro da sua mentira,


Segurança, não daquelas que Betty conta.

— Eu já menti para você antes? — ele

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perguntou, parecendo um pouco ofendido, mas não


notando que a escolha de vocabulário o denunciou.
“Antes”. Ou seja, ele realmente estava mentindo.

— Não, mas está mentindo agora. Não está?


— perguntei enquanto beliscava sua perna,
sentindo o mal-estar do pesadelo ser substituído por
raiva.

Gabriel tirou a perna do meu alcance,


apoiando o pé no chão, mas não desviou o olhar.

— O que você sabe sobre o Alexandro,


Gabriel? — perguntei de novo.

Ele respirou fundo e hesitou por um


momento, mas começou a contar em seguida:

— Alexandro tinha um histórico bem...

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intenso. Além do tráfico de drogas, ele já tinha


agredido outras mulheres além de você e... Bom,
havia em sua ficha acusações de estupro e...
aliciamento. Ele era cafetão, não só de mulheres
adultas, mas de menores também — ele respondeu,
prestando atenção em minhas reações a cada
informação.

Tapei a boca com as mãos, sentindo o


coração vibrar de horror. Era muito e era pesado,
aquilo tudo.

Por incrível que pareça, outro sentimento se


misturava à raiva em meu peito: alívio. Eu não
havia colocado alguém que merecia uma segunda
chance na cadeia. Havia colocado um criminoso

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sem coração, um homem repleto de privilégios que


decidiu ir por outro caminho. Havia colocado
alguém que não faria falta no mundo.

— Aliciamento... Cafetão...? Espera,


prostituição de... crianças? — perguntei num fio de
voz.

Gabriel balançou a cabeça concordando e


inclinou o corpo em minha direção.

— Lena... — ele começou, mas eu o


interrompi:

— Mas que grande pedaço de merda ele


era! Crianças? E estupro? Que homem podre!
Mereceu cada um dos tiros que levou na cara!
Como ele não estava preso antes?

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Gabriel relaxou o rosto ao ver que eu não


havia surtado, apenas ficado irritada, e respondeu:

— Pelo que eu soube, os pais pagaram


advogados caros e talvez algumas outras pessoas
pelo caminho.

Cerrei as mãos e bufei.

— Bom, que paguem um bom dinheiro para


que a Caronte leve o filhinho deles para o inferno
em segurança! — eu gritei e me levantei da cama.
Com as mãos na cintura, comecei a circular pelo
quarto, tentando absorver todas aquelas
informações.

Não que eu achasse que Alexandro era


santo ou que aquilo que ele fizera comigo era mais

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“perdoável” do que outras de suas ações, mas,


ainda assim, eu sentia que ele poderia ter... se
arrependido de seus atos, como Roberto, meu ex
que fora um babaca comigo, fizera um dia.

Mas descobrir que aquele criminoso fez


tanta merda com outras pessoas foi o suficiente
para que qualquer tracinho minúsculo de culpa
sumisse de mim imediatamente. Eu não tinha
responsabilidade por aquela morte, Alexandro a
procurara o tempo todo vivendo aquela vida
horrorosa de violência e maldade.

— E eu me senti mal! Eu passei quase seis


anos pensando em como a vida dele poderia ter
sido diferente! Em como eu poderia ter ajudado

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aquele infeliz a se recuperar, a pagar sua dívida


com a sociedade! Eu sou muito, muito idiota!

Não sei de onde estava vindo todo aquele


ódio, mas eu não pude fazer nada para o refrear.
Caminhei pelo quarto, totalmente possessa,
tentando não quebrar nada. Cheguei a estalar o
pescoço, como se estivesse me preparando para
uma briga de rua. Era tempo demais represando
sensações e pensamentos sobre aquilo tudo.

Cara, como eu pude ser tão burra? Logo eu,


uma pessoa tão centrada, com visão, experiência,
intuição e toda aquela besteira de marketing e
coisas do tipo que a Luciana sempre falava, caí na
armadilha da segunda chance?

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Claro, há casos e casos. Realmente existem


pessoas que merecem segundas chances, que se
arrependem, que correm atrás dos prejuízos que
causaram. Mas como eu pude achar que Alexandro
era uma dessas pessoas? Qual pista ele deu que
estava arrependido ou que desejava ter uma vida
direita, sem violentar pessoas? Sério, como eu pude
ser tão boba, cara?

Gabriel se levantou da cama e foi até onde


eu estava, no meio do quarto, caminhando,
praticamente trotando de um lado para o outro, e
passou a mão no cabelo de modo nervoso, tentando
me acalmar. Ele não encostou em mim de primeira,
resolveu me tranquilizar antes, já que eu não estava
conseguindo diminuir toda aquela energia sozinha.
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— Lena, acabou. Agora acabou de vez. Ele


não existe mais, não vai mais perturbar ninguém,
nem fazer mal a nenhuma outra mulher ou criança.
Se quer saber minha opinião, eu estou aliviado de
isso ter acontecido.

— Eu também! — gritei, mas respirei fundo


e diminuí a voz. — Só estou me sentindo burra! E
confusa de poder sentir alívio com a morte de outro
ser humano!

— Você não é burra, só... tem um coração


bom — Gabriel disse, hesitando por um momento
em busca das palavras certas para tentar me
acalmar. Não era hábito do Segurança precisar
fazer aquilo, acalmar alguém irado com palavras,

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não com chave de braço, isso era óbvio, mas eu não


pude deixar de dar uma risada sarcástica. “Coração
bom” é uma coisa que pode ser facilmente
confundida com burrice!

— Claro que tenho um coração bom, eu


faço atividades físicas cinco vezes por semana e
como muitos legumes e verduras! Não fumo, bebo
pouco e meu consumo de margarina é quase nulo!
Quer coração melhor que esse? Vou viver até os
cento e onze anos! — dessa vez eu gritei mais alto,
ficando ofegante e levando as mãos ao rosto.

Em seguida, bati as mãos cerradas na


parede e encostei a testa na superfície fria. Suspirei,
me sentindo irada e exausta. E enganada, idiota,

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ingênua, tudo junto num pacote que fazia com que


eu quisesse quebrar alguma coisa na cabeça de
alguém. Preferencialmente, na minha.

Gabriel se aproximou de mim e me abraçou


por trás, encostando o queixo no meu ombro.
Deixei que ele fizesse esse contato e suspirei mais
uma vez, porém agora em seus braços.

— Qual é o meu problema? Eu só atraio


homem maluco pra perto de mim? É tipo um ímã
de porcaria? — perguntei enquanto tirava as mãos
da parede e as colocava nos braços de Gab, que
beijou meu pescoço.

— Obrigado pela parte que me toca... — ele


brincou, e eu acabei rindo de seu comentário.

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— Não foi isso que eu quis dizer, besta —


retruquei e virei para ficar de frente para ele,
encarando seus olhos.

Gabriel tomou meu rosto entre as mãos e


retomou o semblante sério antes de dizer:

— Eu sei o que você quis dizer, Lena.


Escuta, você não pode se sentir culpada por uma
coisa que não é culpa sua, muito menos se sentir
burra por ter se iludido em relação a alguém. Ele é
o errado, ele fez merda, ele colheu o que plantou.
Você foi a vítima na situação, não a culpada de
algo.

Coloquei as mãos nas do Segurança e


respirei fundo. Gab tinha razão, era óbvio. Eu não

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podia me sentir mal, não foi culpa minha. Nunca


foi. Nunca vai ser. A vítima não pode ser culpada
pelo crime.

Mirei os olhos cor de continente, ora verdes,


ora cor de terra, e estalei os lábios antes de brincar:

— Você sempre tem algo bonito e


reconfortante para dizer, não é, Segurança? Todo
trabalhado na vibe homem maduro e vivido... Se eu
assaltar um banco, você vai falar algo para eu me
sentir bem? Eu vi no Maps que tem um banco
muito rico aqui perto, quer dar um pulo lá? Fazer
um cosplay de Bonnie & Clyde?

Gabriel segurou um sorriso e aproximou o


rosto do meu. Fechei os olhos quando nossos lábios

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se encostaram e quase reclamei quando se


afastaram.

— Vem, vamos dormir, Costureira. Você


teve uma semana cheia, e amanhã tem o último
show. No dia seguinte, temos que fazer nosso papel
de turistas de sempre, não vou deixar você me
enrolar como foi em Londres, quando foi andar
pela cidade sem mim e ainda voltou tatuada — ele
brincou.

Acabei soltando uma risada, que relaxou


meus músculos faciais, e deixei que ele me levasse
de volta para a cama. Gabriel deitou ao meu lado
me abraçou por trás, colocando seu braço direito
embaixo da minha cabeça. Eu me aconcheguei nele

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e entrelacei minha mão na sua.

— Gab...

— Diga.

— Sabe se tem algum clube de tiro na


próxima cidade?

Senti seu hálito em meu pescoço quando ele


riu.

— Não sei, Costureira. Vou procurar e te


digo depois.

— Sei... Não confio em você. Diz que vai


procurar, mas aposto que não vai, só porque sabe
que eu atiro muito melhor do que você — brinquei.

Gabriel beijou meu ombro, como sempre


fazia antes de dormir.

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— Veremos, Costureira, veremos. Agora


tenta dormir.

— Ok, boa noite, Gab — disse enquanto


fechava os olhos e respirava fundo, sentindo seu
perfume.

— Boa noite, Lena.

Senti sua mão esquerda subir pela minha


coxa nua e entrar embaixo da camiseta até chegar
em meu seio, mas percebi que ele não estava
tentando me seduzir ou coisa parecida. Estava
apenas se aproximando mais de mim.

Suspirei, começando a me sentir em paz,


apesar da noite turbulenta, e adormeci. Acordei no
dia seguinte, ainda abraçada a Gabriel, mas virada

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ao contrário, aninhada em seu peito. Seu braço


repousava em minha cintura e o outro me abraçava
junto a seu corpo, como que me protegendo de
qualquer coisa.

Apesar do pesadelo, a noite de sono foi


revigorante, e não sonhei com mais nada durante as
horas restantes. Dormir com Gabriel, sabendo que
ele era uma exceção num mundo de Alexandros,
me acalmava e me deixava segura e tranquila.

Eu realmente estava em casa.

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Glasgow
— Ah, obrigada, Segurança! — agradeci
quando Gabriel voltou para a sala de reuniões em
uma bela e modernosa arena escocesa com um
copo de meio litro de moccha branco.

Ricky olhou para mim com as sobrancelhas


erguidas, a clássica expressão arrogante do
representante da gravadora, mas balançou a cabeça
e começou a nos passar as informações referentes
ao show em Glasgow. Depois de tantos meses nos
vendo ingerir quantidades imensas de cafeína, ele
parou de nos dar bronca sobre a possibilidade de
problemas estomacais ou de virarmos zumbis
madrugada afora fruto de uma insônia interminável.
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Depois não sabe por que não é querido por


todo mundo... É um chato de galochas.

Meia hora depois, Ricky passou a palavra


para Erika, que nos informou dos procedimentos de
segurança da arena e de quantos funcionários foram
contratados para garantir o bem-estar de todos.
Gabriel não falou nada, pois Erika o interrompia
cada vez que ele tentava, o que me fez segurar a
risada várias vezes.

Em seguida, Pierre explicou brevemente


sobre as maquiagens e penteados a serem
escolhidos, e a banda fez sua seleção. Depois todos
decidiram as roupas, sapatos e acessórios, eu falei
sobre o desenvolvimento do dossiê e das pesquisas,

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e Ricky encerrou a reunião.

Comecei a guardar meu caderno e meu


tablet, quando Aline gritou do outro lado da mesa
retangular:

— Ei, Lena, eu esqueci de te perguntar


desde Londres! Você fez uma tatuagem, foi? Eu vi
no seu Instagram! Mostra aí!

— Aline, ela não pode mostrar, é num


lugar... — Pierre começou a falar, mas foi
interrompido por mim quando quase saltei da
cadeira e levantei a blusa, mostrando sutiã e tudo.

— Uau. Você é prática — Jim comentou


com uma expressão um pouco surpresa no rosto.

— Ah, sim, é o primeiro sutiã que você vê

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na vida, tinha me esquecido. Você era virgem até


sua esposa aparecer, né? — zombei enquanto
descia minha blusa. — “Virgem, o astro do rock.”
Dá para fazer uma novela com esse nome.

Ouvi risadas e voltei a me sentar na cadeira


que estava antes.

— O que é esse desenho da tatuagem,


Lena? — Diego perguntou um tanto confuso com
aquelas formas geométricas.

— Ah! É uma estrutura molecular, gatinho


— expliquei antes de beber o resto do meu café.

— Hm... E o que significa? — ele repetiu


no mesmo tom de voz interrogativo de antes, sem
imaginar o que uma fórmula química fazia

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estampada no meu corpo, o que me fez rir.

— Um monte de coisas. Primeiro, minha


irmã é professora de Química-Alguma-Coisa em
uma universidade nos Estados Unidos, foi
professora de química do colégio em que fiz o
ensino médio, então achei que seria legal ter algo
relacionado a isso marcado na pele.

— Uau, que fofinho! — Pierre exclamou.

— E essa estrutura é de qual composto? —


Diego continuou perguntando enquanto se
levantava da cadeira.

— Ah, é...

— Da cafeína — Gabriel respondeu por


mim, tranquilamente.

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Olhei para ele, impressionada, sendo


acompanhada por todos da banda.

— Você descobriu! Como?

Ele me deu um meio sorriso irônico e


respondeu:

— Não foi muito difícil, Lena. Imaginei que


seria cafeína ou serotonina. Foi só procurar no
Google e comparar.

— Ah, que bonitinho! Você tatuou alguma


coisa em relação ao Gabriel! — Betty exclamou do
nada, e eu olhei para ela, mortificada.

— Oi...? Como assim? — quase balbuciei a


pergunta, abismada.

— Ué, é óbvio! Vocês bebem rios de café

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juntos e você decide tatuar uma cafeína depois que


vocês se reencontram? Que fofo, gente! Gab, você
tem uma também?

Olhei para o Segurança, querendo me


afundar na cadeira e me esconder embaixo dela, ele
retribuiu o olhar como se estivesse avaliando o que
Betty estava dizendo e procurando indícios em
minha expressão.

— Betty, já não conversamos sobre não


usar drogas ilegais em países desconhecidos? — eu
murmurei, sem tirar os olhos de Gabriel.

Ela não estava totalmente errada. Um dos


motivos de eu ter escolhido a cafeína foi pelos
momentos incríveis que estava tendo com Gab,

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todos regados a baldes de café. Só que eu... Bem...


Não queria tornar isso público para ninguém na
banda. Inclusive Gab, que me encarava com um
misto de curiosidade e seriedade no rosto.

— Bom, chega de falar nisso, né? — eu


disse, quando consegui desviar o olhar do
Segurança. Ao lado dele, Erika estava arrumando
sua bolsa, parecendo prestes a sair, então aproveitei
a deixa — Erika, você vai ficar aqui ou vai voltar
para o hotel?

Ela ergueu o belo rosto e sorriu brevemente


antes de responder:

— Ia voltar para o hotel, Gabriel é quem vai


verificar os esquemas. Quer comer alguma coisa

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comigo? — ela me perguntou com um sorriso no


rosto enquanto levava a mão à barriga. — Meu
estômago está roncando alucinadamente.

— Era o que eu tinha em mente. Vamos


rachar um táxi? — disse e dei o braço para ela, que
aceitou e apoiou a mão em mim.

Saímos da sala sem olhar para Gabriel.


Salva pela segurança da Sissy Walker!

No táxi, concentrei minha atenção nas ruas


de Glasgow que passavam pela janela do carro,
torcendo para que a bela mulher ao meu lado não
trouxesse o assunto Tatuagem de Casal à tona.

Mas, é claro, ela não perderia a


oportunidade.

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— Então, Lena, me conta: é verdade o que a


Betty disse?

Desviei o olhar da janela de encarei Erika,


tentando soar neutra ao responder com outra
pergunta:

— O que a Betty disse mesmo?

Isso, se eu for bem casual, quem sabe ela


não desconversa?

— Não enrola, Lena. É verdade que a


tatuagem é uma referência ao seu relacionamento
com Gabriel?

Não deu certo. Por que eu preciso falar


sobre essas coisas?

Pisquei várias vezes e lambi os lábios, que

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ficaram subitamente ressecados, antes de


responder:

— Eu sou viciada em café, Erika, achei que


você tinha notado nesses cinco, seis meses de
convivência diária...

Erika estalou os lábios, como se eu tivesse


falado um monte de lorota, e retrucou:

— Não vem, Lena, eu sou viciada em


sorvete, e nem por isso vou tatuar uma casquinha
na costela quando estivermos na Itália.

Desgraça de lógica perfeita.

Revirei os olhos e voltei a olhar pela janela,


sem dizer nada em minha defesa. Erika bufou e
disse:

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— Ok, entendi. Você é durona na queda.


Não vai confessar que está apaixonada pelo
Comandante nem se eu apontar minha pistola na
sua cara.

— Queria ver você tentar — retruquei,


azeda, mas Erika retrucou de modo hilário:

— Uuuui, rainha do Krav Magá! Angelina


Jolie em Salth! Lara Croft latina!

A última comparação me fez gargalhar, e eu


dei um empurrãozinho em Erika, que ria da minha
cara sem parar. Nem parecia a guarda-costas linha
dura que vivia trocando farpas com Gabriel durante
o horário de trabalho — e fora dele também.

O taxista nos tirou do momento

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descontraído avisando o valor da corrida. Fiquei


surpresa ao notar que já estávamos parados em
frente a um shopping e me adiantei para pagar o
táxi. Erika tentou me impedir, mas eu combinei que
ela pagaria o sorvete, já que ela era tão viciada
assim.

Uma vez no shopping, escolhemos um


restaurante vegetariano e montamos nossas saladas.
A minha tinha uma quantidade absurda de molhos,
enquanto a de Erika era toda colorida e muito mais
saudável.

— Nossa, senhorita, é por isso que você é


tão bonita assim! Tem certeza que não gosta de
meninas? Casar com você seria maravilhoso para

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minha saúde.

Erika riu de tombar a cabeça para trás e


garantiu ser hétero enquanto caminhávamos até
uma mesa na praça de alimentação.

— Hm, Lena, posso fazer uma pergunta? —


ela perguntou entre uma garfada e outra. Balancei a
cabeça assentindo, e ela continuou. — Por que você
nunca me perguntou nada sobre o motivo do
término do meu relacionamento com Gabriel?

Engoli a comida que estava na boca e bebi


um gole do meu refrigerante para ajudar a gororoba
a descer. Que tipo de pergunta aleatória é essa, meu
Deus? Erika era a rainha das perguntas avulsas e
levemente (ou muito) constrangedoras.

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— Ué, por que eu perguntaria? Não é da


minha conta!

Erika franziu as sobrancelhas.

— Mas vocês estão namorando...

— Estamos? — interrompi e sorri quando


ela revirou os olhos.

— Ah, Lena, você entendeu. Estão juntos,


desse jeito aí de vocês. Só saem um com o outro,
mas nãããão, não é um namoro, é apenas um
contrato de negócios! — ela zombou, e eu
engasguei com um pedaço de rúcula, de tanto rir.

Bebi metade do refrigerante e retomei o


assunto quando senti que a folha descera pelo lugar
certo:

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— Ah, gatinha... Não vejo necessidade de


revisitar o passado, ainda mais quando o presente
está tão bom. Vocês dois se dão bem, são colegas
de trabalho e amigos, é só isso que importa, te falei
isso em Paris. Além do mais, você me contou tudo,
eu nem precisaria ter perguntado nada, lembra?

Ela levou o garfo à boca e mastigou uma


boa garfada de salada com as sobrancelhas
erguidas.

— Eu não te contei tudo em Paris, Lena...


Você não tem ciúmes dele mesmo?

— Deveria? Eu posso ou preciso ter ciúmes


dele? Ele faz alguma coisa que me faça desconfiar
de algo? — perguntei e sorri quando ela hesitou ao

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ver que eu tinha razão.

— Não, mas... Não sei, é estranho.

— O que é estranho? — perguntei, curiosa.

— É engraçado, vocês dois são... parecidos.


Não se largam, a não ser no horário de trabalho,
mas não sentem ciúmes um do outro — pensei em
corrigir Erika, já que Gab mostrou ter um cadinho
de ciúmes de mim na Rússia, mas achei melhor não
dar corda para me enforcar. — Não saem com mais
ninguém, fazem tatuagens um sobre o outro...

— Ei, eu não fiz uma tatuagem sobre ele! E


ele não fez nenhuma sobre...

— Enfim, vocês são parecidos. Até nesse


lance de café. Ok, você é mais... colorida que ele,

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mas, ainda assim, vocês juntos ficam equilibrados.


É bonito de se ver, é como uma pintura com cores
complementares. Eu fico feliz que ele tenha
encontrado alguém que se encaixe nele como você
se encaixa — ela disse, tranquilamente, e comeu
mais uma porção de sua salada, mastigando
enquanto um belo sorriso iluminava seu rosto.

Senti minhas bochechas pegando fogo


quando terminei de ouvir sua declaração.

— Er... Erika, você sabe que eu vou voltar


para minha casa no final do contrato, não sabe?

— Sei.

— E sabe que eu tenho uma empresa para


cuidar, não sabe?

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— Arram.

— E que Gabriel tem que esfregar a cara de


todas as pessoas que possam fazer mal à banda no
asfalto, né?

Erika deu uma risadinha e respondeu:

— Excelente descrição da nossa profissão,


Lena. Sim, eu sei.

— Então você sabe que o meu...


relacionamento com Gabriel é passageiro, não
sabe? Tem data de validade registrada por um
contrato... — tentei fazer piada, mas senti meu bom
humor indo embora quando me lembrei desse
pequeno detalhe imbecil. Remexi o restinho da
salada no prato enquanto aguardava a resposta, que

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demorou uns segundos para vir:

— Sei, sim.

Deixei o garfo na bandeja, ao lado do copo


de refrigerante, e perguntei para a segurança, que
estava séria:

— Então por que está feliz com algo que


não vai durar?

Erika terminou sua salada, me olhou por


alguns instantes, mordeu o lábio e balançou a
cabeça, como se fosse falar alguma coisa, mas
desistisse no meio do caminho.

— Por nada, Lena. Você tem razão, é


bobeira da minha cabeça. Quer comer uma
sobremesa?

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Pisquei, desconfiada, mas achei melhor não


insistir no assunto. Era melhor não trazer certas
conversas à tona.

Ainda não.

Teríamos ainda muitos meses de turnê.

— Conhecendo você, a sobremesa vai ser


um tomate — brinquei, e Erika deu uma risada alta
enquanto se levantava de sua cadeira.

— É uma fruta, não é? Vem, vamos tomar


sorvete!

Saímos juntas pelo shopping em busca de


uma sorveteria e encontramos uma toda
incrementada, cheia de sabores estranhos e
exóticos. Erika escolheu duas bolas de sorvete de

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morango e me apontou um de café quando me viu


em dúvida.

Fiz careta quando vi o monte de sorvete


escuro e balancei a cabeça negando, pedindo um de
chocolate e colocando uma quantidade absurda de
biscoitos, amendoim, calda e chantili em cima.

Erika ficou olhando eu entupir minha


sobremesa com coisas que me levariam para perto
de um coma de açúcar e exclamou:

— Não sei o que me assusta mais, você não


querer o sorvete de café ou achar normal ingerir
essa quantidade toda de... morte!

Ainda rindo de seu exagero, fui pagar, e


logo estávamos passeando pelas lojas do shopping,

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conversando sobre amenidades.

— Hm, sobre o sorvete de café... —


comentei quando estava terminando de comer a
cobertura da minha sobremesa — Não peguei
aquele sorvete porque eu não experimento nada de
café sem o Segu... — comecei a explicar, mas me
interrompi e desviei o olhar quando Erika me
encarou com uma sobrancelha erguida e um sorriso
de canto de boca. — Sem o meu remédio de azia.

Erika começou a rir da minha tentativa


frustrada de esconder aquela que vinha sendo uma
das partes mais gostosas da viagem, me deixando
um tanto envergonhada. Continuei mirando
qualquer coisa que não fosse a segurança, que ainda

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estava rindo do meu deslize, e me concentrei no


sorvete delicioso e cheio de açúcar em minhas
mãos.

— Seu remédio de azia... Sei qual é seu


remédio. Aquele de quase um metro e noventa.
Tomei ele por um tempão. É muito bom, cura
problemas de estômago que é uma beleza.

Fiz um esforço imenso para não rir e


apontei para uma vitrine que mostrava manequins
com vestidos de muitos euros, mas com a costura
toda defeituosa. Foi a primeira coisa que vi para
mudar de assunto, antes que eu desse mais
bandeira. Eu precisava de um lugar seguro, que
pudesse falar sem ter a chance de colocar Gabriel

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no meio da conversa, e costura com certeza era um


espaço que o Segurança não estaria atrelado.

— Olha que interessante: tá vendo que a


bainha tá toda enrugada? A barra, ó. Isso mostra
que o vestido foi feito às pressas. Provavelmente é
fruto de trabalho escravo ou de um empresário
miserável que não contrata costureiros com mais
experiência, para pagar menos. Aí uma pessoa leiga
vai lá e paga... duzentos euros nesse lixinho. Credo,
duzentos euros? Não tem nada de mais nele! Nem é
uma loja de marca famosa!

Erika não ficou tão impressionada com o


preço quanto eu, mas acabou que engatamos a falar
dos podres dos nossos trabalhos. Comentei um

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pouco sobre o mundo da moda, em especial no Rio


de Janeiro, como funcionavam os esquemas de
horários de funcionários, mencionei que
tentávamos manter a Wings longe de sacanagens de
trabalho, coisa que nenhuma loja, praticamente,
ligava.

Erika começou a me contar sobre algumas


coisas que eu desconhecia, detalhes sobre sua
profissão. Coisas como treinamentos cruéis,
hematomas, baixas em equipes, tiros ocasionais,
necessidade de se isolar de determinados eventos
sociais e outras coisas pesadas, como, por exemplo,
pessoas que se desviavam do caminho, fazendo
“serviços de segurança pessoal” bastante violentos.

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Eram podres pesados demais.

Quando percebeu que eu estava um pouco


assustada ao ouvir tudo aquilo, ela tentou me
tranquilizar:

— Fica assim não, General. Nossa profissão


é de risco, mas não é tão desgraceira quanto você tá
imaginando. Te contei porque achei que você não
ia ligar, mas é óbvio que liga, já imaginou Gabriel
se ferrando todo, né? Não se preocupa, se ele não
morreu até hoje, não morre mais. Nós somos bons
no que fazemos, pode respirar fundo e ficar
tranquila. Tudo dá certo no final do dia — ela disse
e me deu um sorriso iluminado.

Assenti com a cabeça, tentando afastar a

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sensação ruim e tentando me convencer de que,


sim, tudo daria certo no final para mim também.
Fiquei olhando a guarda-costas chamar um táxi e
não resisti:

— Erika, tem certeza que você não gosta


mesmo de meninas? Acho que eu me apaixonei por
você, como proceder? — disse, fingindo tristeza,
mas sorri quando ela gargalhou.

— Se livra do Comandante e a gente casa,


pode ser? Não gosto de meninas, mas posso abrir
uma exceção para você.

— Poxa, é necessário me livrar de Gab?


Não posso ter vocês dois? — brinquei quando
entrei no táxi, e Erika respondeu depois de sentar

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ao meu lado:

— Não se pode ter tudo na vida, querida.

Sorri para ela e olhei pela janela do táxi,


pensando o quanto havia de verdade nessa
afirmação e no quanto era difícil de se aceitar algo
assim.

***

De noitinha, Gabriel voltou da arena, mas


não veio até a cama, onde eu estava cochilando, foi
primeiro tomar um banho. Acordei com o barulho
do chuveiro e me levantei, me espreguicei e fui
limpar e lubrificar sua arma, como passei a fazer
todo dia enquanto o Segurança se arrumava para

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dormir. Gab fingia que não sabia de minha


travessura, mas era óbvio que sabia, sua arma
nunca esteve tão acertadinha quanto depois que
passamos a dividir um quarto. Vantagens de ter um
tio armamentista, eu aprendi desde cedo sobre cada
cuidado que se deve ter para evitar surpresas
desagradáveis.

Terminei de remontar a Glock, limpei as


mãos na flanela, guardei tudo e voltei a deitar na
cama. Gab saiu dois minutos depois, enxugando o
cabelo em uma toalha, já vestido.

— Sabe uma coisa que eu notei, Costureira?


Acho que minha Glock estava com saudades do
Reino Unido, depois de tantos meses longe. Ela

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anda tão... fácil de lidar. Limpa. Lubrificada — ele


provocou enquanto olhava ao redor e, como
sempre, não encontrava sua arma onde havia
deixado, ao lado de seu terno. — E acho que ela
está tentando se emancipar também... Sabe que ela
não só se limpa sozinha, como se guarda também
sozinha? É impressionante como as Glocks são
eficientes, não?

Mordi o canto interno da boca, tentando não


rir, e me deitei de lado, a cabeça apoiada na mão e
o cotovelo na cama.

— Meu tio sempre disse isso, a G22 é uma


arma bem independente.

Gab balançou a cabeça para os lados e deu

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aquela risada que só eu escutava. Em seguida,


deitou ao meu lado.

— Você sabe que não deveria encostar nela,


não sabe?

— Você sabe que não deveria deixar sua


Glockinha assim, na mesa, não sabe? Se você se
arrisca desse jeito, tem que arcar com as
consequências, Senhor Chefe de Segurança.
Qualquer um pode entrar no seu quarto, pegar sua
arma e fazer coisas horríveis com ela — respondi,
fazendo menção ao seu uso indevido de
vocabulário em Moscou.

Gab ergueu o lábio superior em uma careta


ao lembrar do ocorrido.

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— Você nunca vai me deixar esquecer


disso, não? Mesmo eu já tendo provado que você
não é qualquer uma e que foi só uma escolha errada
de palavras?

Balancei a cabeça para os lados, negando, e


aumentei o sorriso. Gab sorriu sem mostrar os
dentes e estendeu a mão, levantando minha
camiseta e passando os dedos na tatuagem. Senti a
pele se arrepiar com o contato de suas mãos
trambolhudas e fui inundada por aquela sensação
tão confortável e familiar que só Gab me
proporcionava.

Deslizei no colchão para perto dele e me


inclinei para beijá-lo, mas o Segurança me

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interrompeu quando me perguntou:

— Lena, sua tatuagem... realmente tem


mais significados do que o lance da sua irmã e do
café?

Olhei para ele, pensando se diria ou não a


verdade, e optei pela escolha mais fácil: fugir da
conversa.

— Você quer a resposta ou quer me beijar?

— Os dois.

Sorri para ele, passei a mão pelo seu braço,


enlacei sua panturrilha com minha perna e o forcei
a virar de costas para a cama, ficando por cima
dele.

— A gente não pode ter tudo na vida,

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Segurança. Escolhe um dos dois — disse, quase


como uma gravação do que tinha ouvido horas
antes da boca de Erika.

Gabriel me olhou por uns segundos e me


deu um pequeno sorriso antes de responder:

— Quero te beijar.

Sorrindo, me inclinei em sua direção,


lambendo seus lábios antes de o beijar com
vontade.

Que a gente falasse sobre isso em outra


hora. Ainda tinha muitos meses pela frente para se
falar sobre tatuagens ou sentimentos óbvios.

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Atenas
Há quatro grandes momentos ruins para um
telefone tocar: quando você está no banheiro;
quando você está no meio de um processo criativo;
quando você está cozinhando; quando você está
fazendo sexo.

Betty me ligou quando eu estava no último


caso, ajoelhada no chão, debruçada sobre Gabriel,
que estava sentado na poltrona de nosso quarto em
Atenas, na Grécia, com as duas mãos no meu
cabelo.

Parei de fazer o que estava fazendo e


suspirei. Gabriel soltou meu cabelo e respirou

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fundo, a frustração nítida em seu rosto. Ambos


xingamos a líder da banda, e eu fui pegar o celular
que vibrava sem parar na mesa de cabeceira.
Enxuguei a boca com as costas da mão, limpei a
garganta e atendi a ligação com minha melhor voz
profissional:

— Sim?

— Lenita, tá ocupada? — Betty disse com a


voz tranquila.

Imagina, só estava de calcinha e sutiã,


arranhando os joelhos no carpete enquanto
chupava seu segurança. Tá ótimo, pode atrapalhar
nossa tarde de folga, sua cachorra. Ligue quando
quiser!

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— Não, pode falar.

— Aconteceu um pequeno problema com as


roupas de Aline...

Minha frustração foi rapidamente


substituída por um estado de alerta.

— O que houve?

— Lembra que a Aline se cortou ontem


com uma lasca da baqueta quebrada?

— Claro.

— Então, ela não quer dar a entrevista para


o programa com a bandagem aparecendo. Eu
preciso que você transforme uma blusa de mangas
no cotovelo em mangas compridas em... Menos de
duas horas.

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— Ok, entendido.

— Tudo bem?

— Sim — eu afirmei, sabendo que não era


bem por aí.

Aline havia pedido que eu retalhasse suas


peças antes da turnê, logo, eu precisaria comprar
peças novas ou remendar uma antiga. Mas Betty
não precisava saber daquilo, era a minha função,
não dela.

— Ok, obrigada, Lenita!

— De nada, meu amor. É meu trabalho.


Beijo.

— Beijo!

Desliguei o telefone e corri até minhas

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malas.

— O que aconteceu? — Gab perguntou


enquanto se vestia, coisa que eu até me esqueci de
fazer.

Arrastei a mala com as peças da Wings que


eu trouxera para usar e abri correndo o zíper, quase
mergulhando nas roupas enquanto buscava uma
solução para o impasse.

— Todas as peças que Pierre e eu


selecionamos são pré-aprovadas pela banda. Em
geral, eles sempre usam tudo e quase nunca me
pedem para mudar algo. Só a Aline, quando
estávamos na mansão, que pediu que eu
transformasse todas as mangas compridas de todas

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as peças em mangas ¾, o que eu prontamente fiz,


ainda que não tenha gostado da ideia. Só que, para
o programa que eles vão hoje, ela pediu uma blusa
com mangas compridas. Como vou fazer isso se ela
me mandou assassinar todas as mangas das blusas
nesses últimos meses?

Bufei ao me dar conta de que, apesar de ter


uma mala imensa lotada de roupas femininas, a
baterista me traria alguns problemas com esse lance
das mangas. Não tinha uma peça com as mangas do
jeito que ela queria, e eu não tinha os tecidos certos
para remendar algumas blusas, já que nem nas
minhas coisas eu encontrei algo bom.

— Não tem nenhuma na arena que sirva? —

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Gab perguntou enquanto sentava na cama, e eu só


balancei a cabeça negando. — Não dá para
comprar uma blusa nova?

— Sim, até dá, mas a garantia de que vou


encontrar algo em... — olhei no relógio na parede
— uma hora é pequena.

— Quer sair agora?

— Não, não dá tempo. E eu não queria


recorrer a isso ainda, não sem levar Pierre comigo.
Dependendo da escolha da roupa, ele vai ter que
mudar a maquiagem de Aline, e isso demora. Eu
preciso de uma peça que já combine basicamente
com nosso plano geral de estilo. Saco isso, tem
muita roupa a ser usada, temos plano A, B, C, D, o

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alfabeto todo, não haveria necessidade de se usar


nada fora do planeja... — me interrompi quando
uma ideia surgiu em minha cabeça.

Tirei o restante das roupas da mala até


encontrar a bolsa de tecido onde eu guardava as
peças piloto da coleção que seria lançada no ano
seguinte e joguei tudo em cima da cama.

Eram blusas, camisetas e vestidos com


estampas originadas da cabeça viajante de Sophia,
como tapete de casa de vovó, pele de gata tricolor,
asas de morcegos fofinhas, reproduções estilo pop-
art dos olhos de Sophia Loren e outras coisas
totalmente nada a ver umas com as outras.

Comecei a jogar para trás as saias e os

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vestidos e fiquei com as duas blusas estampadas.


Uma era feita com a estampa de tapete de casa de
vovó, mas suas mangas longas eram totalmente
pretas. A outra, uma blusa acinturada e cheia de
ilhoses prateados com cordas pretas transpassadas
por eles, dando uma aparência de corpete, tinha as
mangas curtas. Ambas eram feitas do mesmo
tecido.

— Bonitas, Costureira. Você que fez...? —


Gab começou a perguntar, mas se calou quando me
viu rasgar uma ponta da costura dos ombros e
puxar um fio rapidamente, descosturando a blusa
em três partes usando a técnica que minha vó me
ensinara quando eu era pequena.

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Com as mangas nas mãos, corri até o closet


e trouxe Magic Manson, rapidamente a montando e
costurando as mangas soltas na blusa preta sem
mangas. Arrematei com uma renda prateada, para
ficar mais harmônico.

Espetei os lábios três vezes nos alfinetes


enquanto os segurava na boca e prendia a renda na
costura das mangas, mas consegui passar na
máquina tudo sem preocupação, apesar do gosto de
sangue na boca.

Olhei o resultado final, medi o tamanho da


blusa e sorri, aliviada. Estava tudo certo.

— Ufa! Acho que isso serve, por enquanto!

Tirei uma foto da blusa, mandei para o

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grupo da Sissy Walker no WhatsApp e respirei


aliviada quando Aline aprovou a roupa, dizendo
que aceitaria qualquer coisa que coubesse nela e
escondesse a bandagem horrorosa. Ri quando Erika
disse que parecia um pirulito de natal gótico. É,
parecia mesmo, mas o que poderia fazer? Ao
menos estava bonito e punk o suficiente para
agradar a principal interessada.

Dobrei a peça com cuidado, guardei a


máquina no closet, dei uma geral no quarto e me
sentei ao lado de Gab, que me olhava não
impressionado, mas sim totalmente chocado.

— Você tem noção de que fez isso tudo


em... uns nove minutos? Quanto café você bebeu

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hoje?

Dei um sorrisinho ao ver seu espanto e


percebi que ele realmente nunca tinha me visto
costurar assim, em casos de emergência. O máximo
que ele já tinha presenciado era um trabalho
ocasional ou outro, ou as seleções de roupa, os
apertos, coisas assim. O restante, ele só via pronto,
até porque estávamos dividindo oficialmente um
quarto há pouco mais de duas semanas.

— Jura? Demorei isso tudo? Nossa,


Segurança, você me distrai! — disse com um
sorriso e me deitei na cama.

— Demorou...? Você fez isso tudo em


menos de dez minutos!

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— Culpe Magic Manson, meu amor, ela é


porreta!

— Hein? Magic quem? — ele perguntou,


confuso.

— Minha máquina de costura! Antes que


você pergunte, o nome dela é uma junção do Magic
Johnson, Magic Paula e da Shirley Manson,
vocalista do Garbage. Minha primeira máquina se
chamava Shakira O'neal, uma mistura da Shakira
com o Shaquille O'neal. Sempre com um artista que
eu admiro. Pretendo um dia ter uma chamada Leton
James, por causa do LeBron James e do baterista
do 30 Seconds to Mars, sabe quem é?

— Sei, já o encontrei em algumas ocasiões.

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Mas por que sempre jogadores de basquete?

Até cheguei a ficar surpresa por ouvir que


ele já havia encontrado com Shannon Leto, mas aí
lembrei: Gab era segurança da Sissy Walker, e eles
já participaram de uma montanha de prêmios,
shows, participações, eventos. É claro que ele
provavelmente conhecera a nata do mundo do rock.

— Por que eu adoro basquete, ué. Nunca te


contei isso? Eu fico assistindo os jogos dos playoffs
e não perco um All-Star game da NBA, mesmo que
sejam reprises de anos anteriores, nunca notou?

— Claro que notei, mas até aí, você também


mostrou interesse no Super Bowl, e não vejo
nenhum acessório de costura seu chamado Tom

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Brady... ou Tom Britney, sei lá como funciona sua


lógica.

Dei uma risada e expliquei que minha irmã


era casada com um jogador de futebol americano,
então eu gostava de acompanhar tudo que envolvia
meu cunhado.

— Sei... — Gab disse. — Ainda estou me


perguntando quanto café você tomou hoje, parecia
uma formiga atômica costurando.

— E só furei a boca três vezes, olha só! —


brinquei e ri ao ver a cara de choque dele.

— Furou? Como?

— Com os alfinetes. Eu sempre me furo


com eles ou me corto com a tesoura, em especial

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quando tomo muito café.

— Mas... Como furou a boca?

— Eu coloco os alfinetes na boca quando


estou alfinetando, ué. Sophia que me ensinou isso.
Fica mais fácil de pegar.

— Sei... e de abrir um buraco, né? Já


pensou em passar uma argola no furo depois?
Economiza dinheiro de piercer.

Minha risada logo se tornou uma


gargalhada quando Gab falou aquelas coisas com o
rosto sério. Era bonitinho vê-lo preocupado
comigo, mesmo sem necessidade.

— Por sinal, Lena... Você tinha um piercing


na língua, não tinha? — ele me perguntou quando

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eu virei de lado na cama e encostei a cabeça em seu


ombro.

— Uau, que memória, Segurança! Sim, eu


tinha, há muitos anos. Arroubos de jovem adulta,
achei que seria lindo e prático...

— Por que tirou?

Levantei o rosto e olhei para ele, um sorriso


brincando nos meus lábios.

— Acordo com a ex — respondi.

— Com a Sophia? Por quê? — ele


perguntou, tentando me entender.

— Ela colocou um no lábio, uma argola, e a


gente sempre se enroscava, principalmente quando
íamos... Bom, você sabe. Aí tiramos no par ou

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ímpar, e eu perdi. Fiquei sem o piercing —


comentei, triste. — De qualquer maneira, eu já
tinha cansado de furar a língua toda hora. A cada
vez que meus pais iam lá em casa, eu tirava a joia e
acabava perdendo o furo. Eles teriam um treco se
vissem, né? Conservadores e religiosos...

Gab não esboçou reação à minha história,


apenas balançou a cabeça concordando. Ficamos
em silêncio uns momentos, e eu me perguntei se ele
estava com raiva de alguma coisa.

— Segurança, ficou calado por quê?

Ele me olhou e me deu um sorriso, o rosto


relaxado.

— Estou tentando entender como uma

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argola no lábio poderia enroscar em um piercing na


língua...

Eu me apoiei no cotovelo e me aproximei


dele, que tinha o costumeiro brilho nos olhos.

— Imagine que você tem uma argola aqui


— apontei para seu lábio. — E eu tenha um
piercing aqui — botei a língua para fora e apontei
para o ponto exato onde minha joia ficava
antigamente. — Agora imagina que eu vou passar a
minha língua aqui — apontei de novo para o lábio
inferior dele. — E que seu piercing seja daqueles
abertos com bolinha no final. Dá uma travadinha e
a gente se assusta. Entendeu?

Gabriel me deu um meio sorriso diante de

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minha explicação.

— Não, não entendi. Me mostra.

Sorri de volta e aproximei mais meu rosto


do seu. Encostei no seu lábio e repeti:

— Aqui tem uma argola — aproximei


minha boca da dele e passei a língua no piercing
imaginário. — E na língua, tem uma bolinha —
passei a língua de novo enquanto botava a mão em
seu rosto. — Se eu passar a língua assim, eles se
batem. Entendeu?

Gab balançou a cabeça para os lados, um


sorriso lento se abrindo.

— E se eu tivesse um piercing na língua


também, ele enroscaria no seu?

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— Não, Segurança, são duas bolinhas, não


dá para enroscar.

— Sei... Tem certeza? Porque, olha — ele


disse enquanto eu me levantava e subia em cima
dele, inclinando o corpo em sua direção. — Se um
piercing aqui enrosca — ele disse enquanto mordia
meu lábio inferior. — Um piercing dentro também
enroscaria, não?

— Talvez, Segurança. Há outras partes que


também enroscariam, sabe? — disse e desci a mão
para dentro de sua calça, quando meu celular tocou
de novo. — Argh! Não, Lena, não reclama, é
trabalho. Respira fundo — eu suspirei e fui atender.
— Sim?

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— Meu amor, eu vi a peça, ficou linda. Só


que eu vou precisar de sombra prateada — Pierre
disse do outro lado da linha.

— Ué, o que aconteceu com aqueles


potinhos de sombra com glitter?

— Eu consegui derrubar todos no chão.


Você sabe onde eu compro aqui?

— Pesquisa no Google, Pierre — eu


respondi, bem azeda.

— Opa, interrompi um quete, foi? Tá num


humor...

Dei uma risada de seu comentário quase


verdadeiro e me desculpei:

— Desculpa, gatinho. Eu compro para você,

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tem uma farmácia aqui perto que vende. Não deve


ser a melhor maquiagem, mas eu sei que tem
sombra com glitter, eu vi quando fui comprar
remédio de dor de cabeça.

— Obrigada, meu amor, serve. A sombra é


só para um detalhe no côncavo. Vou fazer o face
chart novo enquanto você vai. Não vou mudar
muita coisa.

— Ok! Já eu bato no seu quarto.

Suspirei enquanto desligava o telefone.

— Vou comprar maquiagem, Segurança.


Não, fica aí, eu vou na farmácia que tem aqui perto.

Coloquei o primeiro vestido que vi, calcei


os tênis, peguei minha carteira e fui até Gab para

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dar um beijo em sua boca.

— Eu volto já, a gente termina em breve.

Gabriel olhou no relógio e me deu um


sorriso desanimado. Sorri para ele e mandei um
beijo por sobre o ombro antes de sair do quarto, tão
feliz quanto o Segurança estava. Nada como uma
boa sensação de “coito interrompido” para alegrar o
dia...

Assim que voltei para o hotel, já com a


maquiagem comprada, resolvi dar um pulo no
restaurante para comprar um café. Comprei dois
expressos sem açúcar e fui até os elevadores,
perdendo a paciência quando vi que eles estavam
no último andar do hotel de milhões de andares. O

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café ia esfriar antes que eu conseguisse entrar no


raio do elevador!

Franzi os lábios e decidi ir pela escada de


emergência. A banda estava hospedada no quarto
andar do hotel, então não seria muito cansativo.

Assim que cheguei no terceiro andar, ouvi


um barulho nas escadas de cima. Eram risadinhas
de algum casal apaixonado, e eu não pude deixar de
rolar meus olhos. Eu já entendia bem dessa coisa de
casal em escadas, Gab era mestre na arte de fugir
de olhares indiscretos em lugares públicos.

Sem fazer barulho, passei a sacola com as


compras para a mão direita enquanto tentava abrir a
porta, mas parei imediatamente quando ouvi

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gemidos femininos baixinhos. Uau, tá rolando


sacanagem de verdade? Excelente, todo mundo
estava transando naquele dia, menos eu?

Apurei os ouvidos e quase respirei de alívio


quando não escutei nenhum barulho de entra-e-sai,
ou coisa parecida. Aparentemente, era só um
amasso mais... animado.

O que acontece com esses adolescentes,


hein? Não tem lugar pior para fazer saliência do
que um local onde pessoas circulam! Todo mundo
deveria ter a mesma aula que o Segurança teve e
aprender a detectar os melhores locais para fazer
coisas assim e evitar um flagra.

Bom, pensando bem, isso é algo muito

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relativo. Vai que a chama do proibido seja algo


que mexa com as estruturas deles e a graça seja
exatamente a possibilidade de ser pego?

Estava refletindo sobre isso quando ouvi o


barulho de entra-e-sai.

Pronto, agora começou a sacanagem.

Com a maior delicadeza que eu possuo,


tentei abrir a porta para entrar no corredor, mas vi
que estava trancada. Como alguém tranca uma
porta de escada de emergência?

Lembrei dos comentários de Gabriel de que


nos andares dois e três as portas só abriam por
dentro, ou seja, só abre para quem está nos
corredores e quer sair para as escadas, pois um

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deles era andar de gente chique e importante, e o


outro, andar do centro de convenções. Que
babaquice. Num caso de emergência, todos se
ferrariam igualmente.

Após outra tentativa inútil de abrir a maldita


porta, desisti e comecei a subir as escadas em
silêncio, para ver qual o nível de sodomia que
estava rolando ali. Pela lateral da escada, vi um
corpo de mulher sentado no colo de outra, uma saia
levantada e um braço inclinado na direção das joias
da família de uma delas, que se esforçava para não
gemer.

Dei mais um passo na escada e vi


exatamente onde a mão da moça sentada na escada.

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Uau! Imediatamente me veio à cabeça as aulas de


história sobre a Igreja Católica, em especial, o Papa
Nicolau.

Desci as escadas e voltei para a porta


trancada em silêncio e pensei no que fazer.
Interromper um orgasmo que, aparentemente, viria
em breve, ou descer as escadas e pegar o elevador
no primeiro andar?

Estava decidindo quando ouvi a respiração


da mulher se acelerar e precisei me segurar para
não rir. Encostei na parede, pensando se deveria
subir ou descer, e ouvi os barulhos molhados
aumentarem. Uau, elas eram rápidas! E, a julgar
pelos sons, uma delas ia explodir a qualquer

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minuto. Decidi descer para não atrapalhar, quando


ouvi uma voz conhecida gemer:

— Betty...!

Meu queixo despencou quando reconheci a


voz. A voz de Tony continuou a preencher o
ambiente, para meu desespero. Pensei em tossir ou
assoviar para alertar as duas de que, alou, aquilo era
um local onde pessoas transitavam, em especial
funcionários! Porém, no auge da irritação, deixei
para lá a delicadeza e chutei a porta trancada com o
calcanhar, fazendo o maior escândalo para que eles
se separassem. Ouvi barulhos de roupa sendo
ajeitada e comecei a subir as escadas devagar, mas
pisando com força no chão.

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Assim que cheguei na escada do quarto


andar, olhei para cima e vi Tony e Betty sentadas
no último degrau com cara de inocência fingida.
Meu sangue subiu à cabeça antes de me dirigir às
duas:

— Eu não acredito nisso! — eu disse,


revoltada. Betty abriu a boca para se explicar, mas
eu interrompi. — Vocês piraram? Alguém poderia
ter visto vocês, filmado, fotografado! Já pensaram
que tipo de publicidade negativa vocês poderiam
atrair para a banda? Não viram quanto tempo
demorou para pararem de citar meu vídeo nas redes
sociais?!

Tony abriu a boca para argumentar, mas eu

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levantei o dedo para ela, pedindo silêncio.

— Não quero ouvir, Antônia! Nem toda


publicidade é positiva! Já pensou no que iam dizer
de vocês se vazasse um vídeo de sua mão quase
inteira no interior do corpo de Betty? Aliás, meus
parabéns, fiquei impressionada — disse com um
sorriso no rosto.

Betty e Tony deram um sorriso contido, e


eu me lembrei que não era momento para elogiar,
mas sim para bronquear.

— O mundo é machista e babaca, Betânia,


esqueceu?! — a líder da banda fez uma careta de
surpresa desgostosa ao ouvir seu nome de batismo.
— Todo mundo ia cair em cima de vocês! Pensa

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que eu não sei como funciona? Já passei por isso,


docinho, e olha que foi só numa comunidade
pequena!

Betty abriu a boca para falar, parecendo ao


mesmo tempo culpada e um pouco irritada, mas eu
nem liguei e continuei:

— A Grécia é a casa de um dos mais


agitados fandoms da Europa, o que eles iam dizer
se soubessem que você veio no país deles e foi
expulsa de um hotel por mau comportamento?
Atentado ao pudor é uma realidade, gente! E ainda
estão sem a Erika! E se um fã histérico pegasse
vocês aqui?

— Lena, a gente só tava... — Betty tentou

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explicar.

— Eu sei o que vocês estavam fazendo, eu


reconheço os sons a um quilômetro, Betânia!
Quando você começou a fazer essas coisas, eu já
fazia tudo há uns sete anos! Já fiz mais disso do que
você! Não... façam... isso... de novo! Não em lugar
público!

— Olha quem fala, Helena! Não foi


exatamente o que você e Gabriel fizeram naquele
show, quatro anos atrás? Se pegaram em uma
escadaria de hotel? Não seja hipócrita, minha
rainha! — Tony argumentou, meio mal-humorada.

Quenga.

Nunca mais conto nada pra ela.

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— Não é a mesma coisa, não seja sonsa! Eu


sou figurinista, e Gabriel, segurança! Não éramos
famosos, conhecidos, ninguém sabia quem nós dois
éramos naquela época! Vocês são figuras públicas,
Antônia!

— Lena, todo mundo meio que sabe que


nós duas estamos juntas... Você é a primeira a dizer
que a gente deveria se assumir, não é? — Betty
perguntou com impaciência.

Nenhuma das duas estava feliz com a


bronca, era óbvio.

— Meu Deus, quantos anos vocês duas


têm? Estar em um relacionamento não dá direito de
fazer saliência em lugar público! Eu, por exemplo:

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depois daquele meme, todo mundo passou a saber


que eu e Gabriel somos... Hm...

Troquei o peso de uma perna para a outra


enquanto buscava as palavras certas, mas desisti
quando as duas me olharam com sorrisos irônicos
no rosto.

Ai, meu saco. Eu só dou corda pra me


enforcar nessa banda...

— Podem desfazer essas caras, mocinhas!


Vocês sabem o que eu estou dizendo! Todo mundo
sabe que eu durmo com o Gabriel, incluindo... o
mundo todo literalmente, já que viramos meme.
Mas nem por isso vocês já pegaram a gente
transando num camarim, pegaram?

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Betty ergueu uma sobrancelha para mim e


cruzou os braços, o sorriso sarcástico aumentando.

— Olha, eu não vou discutir isso com


vocês. Se querem arriscar uma expulsão do hotel ou
uma difamação virtual, fiquem à vontade. Agora,
com licença, meu café está esfriando, casalzinho
ternura!

Terminei de subir as escadas e deixei as


duas pombinhas exibidas pensarem um pouco no
que fizeram.

Credo, virei minha mãe!

Abri a porta equilibrando os dois cafés em


uma mão e fui até o quarto de Pierre entregar as
maquiagens. Em seguida, entrei no meu quarto e já

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fui chamando Gabriel:

— Segurança! A Tony e a Betty...

— Já estou sabendo, Betty me ligou e


avisou que você as pegou no flagra. E ela mandou
dizer que aceita ser chamada pelo nome de batismo,
contanto que você pare de reclamar — Gab
respondeu com um pequeno sorriso no rosto
quando me viu.

— Ah, ela ligou, foi? Em dois minutos?


Nossa, a culpa é o combustível da agilidade, pelo
visto.

— Pois é. Ela disse que eu não preciso


brigar, porque você já fez o meu papel —comentou
com o rosto sério e estendeu a mão para pegar o

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café que eu oferecia. — É impressionante, eu já


falei para segurarem a onda com isso, mas ninguém
na banda me escuta.

— Você já pegou alguém fazendo algo?

— Já, várias vezes. É uma das partes mais


desagradáveis do meu trabalho. Antes de Tony
chegar, Betty, Diego e Aline eram bem... ativos. E
desinibidos uns com os outros. Depois que Antônia
largou a banda antiga e veio trabalhar com a Sissy,
rolou esse clima todo que você sabe, as duas
ficaram juntas e, por acaso, o restante da banda foi
sossegando. Mas, mesmo assim, continuei vendo
coisas que não queria ver, vai por mim — Gabriel
disse com uma careta cansada no rosto antes de

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beber seu expresso.

Tirei a carteira do bolso do vestido e a


joguei em cima da mesa, rindo de Gabriel e das
possíveis imagens que o Segurança deveria ter
presenciado. Eles são uma banda de rock
internacionalmente famosa, o que se poderia
esperar?

— Jura? Nossa, que horror. Tipo o quê?


Vai, me conta!

Gab abaixou seu copo e respondeu com a


careta aumentando no rosto:

— Coisas... de todo tipo. Principalmente


envolvendo Betty. Digamos que... como eu posso
explicar isso sem parecer um tarado maníaco?

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— Você vai parecer um tarado maníaco de


qualquer modo, Gab, desculpa te informar. Você
tem um metro e noventa, cara de malvado e vai
tentar me explicar como foi uma cena de sexo
lésbico que você flagrou.

Ele fez um gesto, como quem diz


“exatamente”, mas tentou explicar mesmo assim:

— Bom, lembra de quando Tony recebeu o


convite? Tem, o quê? Um ano e meio?

Fiz as contas mentalmente, lembrando do


dia em que minha amiga anunciou que sua banda, a
Trophy Husband, entraria em pausa por tempo
indeterminado, já que todos na banda estavam
querendo se aposentar e a oportunidade de cantar

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com uma banda incrível como a Sissy surgira.

— Por aí, quase dois.

— Então, ela apareceu em Londres


completamente elegante, profissional, vestida em
terno...

— Sophia quem costurou aquele terno.


Desculpa, prossiga.

— Certo, ela veio, aceitou a proposta,


assinou o contrato e, meia hora depois, eu flagrei
Antônia e Betty agarradas em um jeito que eu até
hoje não entendo onde começava uma e terminava
outra. O terno estava pisoteado no chão, servindo
de apoio para os joelhos de Betty. Finalmente
compreendi o significado a palavra “fisting”.

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Parecia um exame preventivo, só que bem-vindo.

Quase urrei de tanto rir, mas Gab


prosseguiu:

— Isso não foi nada perto do que acontecia


antes de Tony aparecer. Mas é uma banda de rock,
o que seria uma banda de rock sem uma orgia
semanal, não é mesmo? Deus, está aí uma época
que eu não sinto falta...

Ele pontuou a última frase com tanto


desagrado, que foi impossível conter minhas
risadas. Bebi o café de uma vez, coloquei o copo no
chão ao lado da cama e tirei as meias e o vestido.
Engatinhei até Gabriel e sentei em seu colo, já
querendo retomar o que tínhamos parado antes.

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— Mas, afinal, o que exatamente elas


estavam fazendo na escada? — perguntou enquanto
passava a mão pela minha cintura.

— Quer mesmo saber? — eu perguntei


enquanto movia meu quadril contra o corpo de
Gab, que logo reagiu.

— Quero, me mostra.

Balancei a cabeça e deslizei as mãos pela


cintura de Gab, parando nos botões de sua bermuda
preta.

— Não, Gab, não posso te mostrar o que


Tony estava fazendo em Betty. Posso te contar,
mas não posso repetir.... — expliquei enquanto
abria seu zíper. — Levanta o quadril.

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Gabriel me obedeceu, e eu tirei sua roupa


enquanto ele perguntava:

— Então me conta, Costureira, não me


mostra.

Peguei sua ereção entre as mãos e olhei para


ele com um sorriso no rosto.

— Também não, Gab, você escolhe uma


coisa ou outra. Nunca ouviu aquela expressão sobre
“assoviar e chupar cana”? Não dá para fazer os dois
ao mesmo tempo. Quer que eu conte ou que eu
termine o que eu comecei mais cedo?

Gabriel se sentou e tirou a camiseta,


jogando-a para o lado e me abraçando para tirar
meu sutiã.

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— Nossa, que pergunta difícil, Costureira.


Estou muito em dúvida agora. Falar da vida sexual
dos membros da banda ou deixar que você coloque
essa sua boca imensa e quente em mim? Poxa, acho
que vou ficar com a primeira opção... — ele disse
com os olhos brilhando e um pequeno sorriso no
rosto enquanto jogava meu sutiã de renda para o
lado.

— Que complicado, né? Mas tudo bem, eu


posso me sentar aqui e fazer minhas unhas
enquanto espero você decidir... — disse, mas
empurrei Gabriel de volta na cama e comecei a
beijar sua barriga enquanto descia até onde me
interessava, parando para o encarar por um
momento. — Mas, olha, Segurança, não temos
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muito tempo. Não quero chegar atrasada no


trabalho. Posso continuar o que comecei?

Gab me deu o meio sorriso sensual de


sempre e respondeu simplesmente antes de voltar a
enrolar meu cabelo em suas mãos:

— Por favor, não me deixa te atrasar.

Enquanto o Segurança e eu nos divertíamos,


Betty e Tony finalmente tomaram a decisão tão
esperada: admitiram seu relacionamento
publicamente. Postaram uma foto juntas no
Instagram, o que levou o planeta inteiro à loucura.
Não é exagero dizer que o anúncio parou a internet:
desde t.A.T.u., a mídia internacional não ficava tão

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excitada com um relacionamento lésbico.

Obviamente, isso trouxe mais visibilidade


para a Sissy Walker, que teve uma explosão de
reportagens enfatizando o relacionamento das duas
vocalistas, a história de Tony e Betty, a
nacionalidade das duas, a relação profissional delas
com o resto da banda e... o ship, o maldito
“GabLena”.

Pelo visto, ainda terei que lidar com esse


lance de OTP por mais um tempo...

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Roma
Saí do banheiro pálida como uma vela,
completamente nauseada e com uma mão na altura
do estômago, como se quisesse ter certeza que não
o botaria para fora também. Fui trôpega até a sala
da suíte de Tony e Betty, no hotel em Roma, e me
sentei no braço do sofá. Diego, ao ver minha cara,
se levantou e me puxou para que eu sentasse
confortavelmente ao lado de Aline, que pegou na
minha mão e perguntou:

— E aí, bonita, como foi?

— Maravilhoso... Me sinto um cadinho


melhor a cada ida, mas ainda falta metade para

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completar o serviço... — disse e estendi a mão para


pegar a garrafa de Gatorade que Gabriel vinha
trazendo do quarto para mim. — Obrigada,
Segurança.

— Lena, o que acontece com você? De dois


em dois meses alguma cagada acontece contigo. Já
pensou em se benzer? — Pierre perguntou,
preocupado.

— Estou cogitando a possibilidade, gatinho.


Mas eu sei o que me deixou assim, foi aquele tipo
de espetinho esquisito que comi na rua mais cedo.

— Eu falei para você não comer, Lena, mas


você é teimosa.

Bebi um gole do Gatorade enquanto olhava

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Gabriel bronquear comigo.

— Eu falei para você que sexo a três é legal


e que a Aline seria perfeita, mas você é teimoso, e
nem por isso eu tô enchendo o seu saco —
brinquei.

— Oi? — a baterista exclamou, confusa, e


todos riram de sua cara mortificada. — Gente, um
dia eu vou acreditar em você, Lena!

Gargalhei com seu comentário, mas meu


estômago se revirou, e eu parei de rir
imediatamente e levei a mão à barriga de novo.
Betty, sentada no sofá em frente, ao lado de Tony e
Diego, me olhou com a preocupação estampada no
rosto.

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— Quer ir a um médico, Lenita?

— Não, não precisa. Ainda não desidratei,


então tá tudo bem. Gabriel comprou vitaminas para
mim, além de Gatorades e mais um monte de coisas
que eu nem me lembro mais. Barras de cereal, esses
troços assim...

Ignorei os “oown...!” de Pierre e Aline e


pedi que Jim continuasse a contar a história sobre
sua filha, que eu interrompera quando corri para o
banheiro. Ele me deu um sorriso compreensivo e
retomou o papo.

Gabriel sentou no braço do sofá e colocou a


mão na minha testa suada, me fazendo um pedido:

— Lena, você jura que vai me contar se

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piorar?

Deitei a cabeça em sua cintura e balancei a


cabeça concordando. Gab afastou meu cabelo do
rosto e me olhou por uns segundos, voltando sua
atenção para Diego em seguida, que olhava a cena
com um misto de receio e diversão. O casal que ele
tanto azucrinava, aos poucos ia dando cada vez
mais lenha para alimentar o ship GabLena.

Meia hora depois, quando eu começava a


me sentir melhor, Erika entrou no quarto com uma
pilha de caixas de pizza. Uma delas, eu senti o
cheiro, era de frutos do mar e fez meu estômago
embrulhar de tal modo, que eu me levantei num
salto, entreguei a garrafa vazia para Gabriel e corri

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para o banheiro.

Vomitei tudo que havia sobrado no


estômago e me senti incrivelmente melhor após
isso, apesar da tontura e dos calafrios. Dei descarga
no vaso e fui até a pia lavar a boca com água e
bastante pasta de dente.

Assim que abri a porta do banheiro, dei de


cara com Gabriel, sisudão em sua postura
profissional.

— E aí?

— Acho que agora foi tudo. Estou me


sentindo melhor. Acho que podemos sair... —
disse, dei um passo para frente, mas minhas pernas
bambearam, e Gabriel teve que me segurar para que

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eu não caísse. — Opa! Ok, talvez a gente possa sair


mais tarde, né?

Gab franziu os lábios e se certificou que eu


podia andar até o sofá antes de me soltar. Em
seguida, foi até o quarto pegar outro Gatorade.

— Lena... — Erika perguntou enquanto


afastava as pizzas de mim. — Tem chance de você
estar grávida?

— Tem. Talvez seja seu. Ou do Diego. Ou


da Aline — brinquei e dei uma risada cansada.

— Ei, meu? Mas eu nem aproveitei o ato de


fazer esse bebê! Não, eu só assumo esse filho se eu
puder fazer outro depois! — Aline exclamou com
seriedade fingida, me deixando surpresa.

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— Meu Deus, Line rebatendo minhas


piadas sexuais? Gabriel, vamos para o hospital, eu
devo estar delirando! — gritei para Gab, que soltou
uma risada gostosa no quarto, aquela que ele só
dava para mim ou quando estava comigo.

Betty virou a cabeça para olhar Gabriel


rindo e me olhou de volta com um sorriso surpreso
no rosto, mas não disse nada.

— Falando sério, Lena, já pensou em fazer


um teste? Pode ter um segurançazinho na sua
barriga agora — Diego retomou o assunto quando
Gab voltou e me entregou a outra garrafa, sentando
novamente ao meu lado, no braço do sofá.

— Tenho, não se preocupa. Eu não posso

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ter filhos — ignorei o olhar chocado de metade dos


presentes na sala ao ouvirem minha declaração. —
Por que você tem tanta certeza que é um
segurançazinho, Diego?

Ele piscou algumas vezes antes de


responder:

— Ué, porque é óbvio que vocês dois só


transam um com o outro. Quando alguém dá em
cima de você, você quebra o braço da pessoa.
Quando alguém canta Gabriel, ele ignora com
aquela cara de Comandante dele. Como você
poderia estar grávida de outra pessoa que não ele?

Um silêncio se instalou no ambiente antes


de eu explicar:

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— Eu estava perguntando do sexo do bebê,


não disso... Podia ser uma segurançazinha, uma
menina, como a Erika... Mas agora que você
mencionou isso... — me virei para Gab e perguntei
tranquilamente. — Quem deu em cima de você nos
últimos dias, Segurança, que eu não estou sabendo?

Gabriel me olhou e hesitou antes de


responder:

— Sempre alguém dá em cima de mim,


Lena...

— Nossa, seu convencido metido a besta!


— eu exclamei entre risadas, mas logo peguei sua
mão e a beijei quando ele me olhou, meio perdido,
e tentou se explicar:

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— Não, eu não estou...

— Eu sei, bobo, estou brincando. Eu sei


como funciona, aquela parcela de groupies loucas
que acham que você é a porta de entrada para as
calças do resto da banda. Mas, vem cá, são só essas
pessoas, ou tem mais gente aí que eu não saiba?
Betty, você já viu alguém pular nele assim? Preciso
treinar minha mira no Diego?

Diego levantou os olhos do celular e me


olhou com uma falsa expressão de medo.

— Eu só me fodo nessa banda? —


perguntou, e todos riram.

— Olha, Lena, que eu veja, sim. Uma


quantidade considerável de mulheres que acham

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que Gab é o bad boy clássico, que só está


aguardando o amor de uma boa mulher para
sossegar e ter oito filhos... Aquele monte de mulher
que era fã do roqueirão dos Backstreet Boys,
enquanto todas amavam o Nick e o Brian, sabe?

Dei uma risada, achando graça da


comparação, mas guardei para mim a informação
de que eu era uma dessas moças. Meu sonho era
um pôster só do AJ McLean no meu quarto quando
eu era criança. Que homem. As tatuagens, a cara de
malvado, as unhas pintadas de preto. Quem era
aquele loiro aguado ou o ruivo baixinho perto do
AJ?

— Ah, sabe quem arrastava um bonde pelo

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Gab? A Isobel, lembra dela, Tony? — Betty


perguntou e logo me explicou quem era. — Uma
funcionária da gravadora. Ela era desesperada por
ele. Não era, Gab? Vivia se derretendo quando ele
aparecia.

— Era, eu lembro. Era embaraçoso. Acho


que ela deve ter escolhido o nome dos nossos
filhos, de tanto que grudava em mim — ele
comentou, o desgosto nítido na voz.

— Ah, que lindo, Segurança! E você a


dispensou, assim, na farofa? Que desperdício!

Todos os presentes na suíte — salvo, é


claro, o Segurança — me olharam confusos, seja
por não compreenderem o que “farofa” significava,

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já que eu falei em inglês, mas usei o termo em


português sem querer, seja pelo fato de que eu, de
novo, mostrava não me importar com o passado de
Gabriel nem com suas possíveis conquistas.

O que praticamente toda Sissy Walker


ignorava era que eu seria a última das pessoas a ter
moral para julgar ou sentir ciúmes do passado de
Gab. Sei muito bem como era sua vida sexual antes
de nos reencontrarmos, e, sendo bem sincera, ela
não se diferenciava muito da minha. A vibe de sair
com pessoas apenas para matar desejos, sem nem
lembrar seus nomes no dia seguinte, companhias de
uma noite só, vazias e sem graça, não era nova para
mim. Era a mesma coisa, só mudava o fato de que
Gab usava nomes falsos, por questão de segurança
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em relação à banda, e eu não. Fora isso, não havia


muita diferença. Portanto, que moral eu teria para
sentir ciúme de coisas que ficaram lá atrás?

Além do mais, quem vive de passado é


museu. O que me importa é o hoje, não o ontem e
muito menos o amanhã. E no meu “hoje” só tem
uma pessoa, assim como eu sei que no “hoje”
dessa pessoa só eu existo.

O que mais eu preciso além disso?

— Na farofa? O que seria “dispensar na


farofa”? — Aline perguntou, confusa.

— Ah, desculpa, gente, esse lance de falar


em inglês e português é muito louco. Dispensar na
farofa é dispensar no seco, sem preparar a pessoa...

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Sem lubrificante, digamos assim. Desculpem,


Gabriel fala comigo em português e em inglês,
então eu estou trocando de língua sem nem
perceber.

Todos assentiram, compreendendo, e


Gabriel tomou a palavra para responder minha
dúvida.

— Eu não dispensei a Isobel. Nunca tive


nada com ela para poder dispensar.

— Não? Mas ela queria seu corpo nu, ué!


Por que não aproveitou? — perguntei, realmente
surpresa. — Essa aí não era uma mulher adulta?
Era só você explicar que não queria nada sério,
transar com ela e dar tchau depois!

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Pierre interrompeu o ato de levar uma


garrafa aos lábios e me olhou.

— Lena, você parece um homem falando...

— Mas, gente! Ela era bonita? — Gab


assentiu, e eu completei: — Ué, então pronto! Se
era bonita, eu teria dado uns catos nela, na maior.
Aliás, eu pegava todos vocês, se Gabriel não
estivesse tão perto — brinquei.

— Eu principalmente, não é? — Aline


perguntou, rindo.

— Você é a número um da lista, gatinha. Se


me der mole, eu largo Gabriel imediatamente.

— Poxa, obrigado — Gabriel disse com um


sorriso irônico no rosto, e eu peguei sua mão de

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novo e dei outro beijo, me deitando em sua coxa


em seguida e sorrindo ao sentir seus dedos fazendo
carinho em meu cabelo.

— Sei, larga muito, tô vendo. Ei, chega de


falar de GabLena. Vamos para o karaokê? — Tony
convidou.

— Vamos! — gritei, animada, ignorando


propositalmente o uso do nome do “ship” meu e de
Gab, mas Betty me olhou com desconfiança. — Eu
estou melhor, eu juro. Vou comer as barrinhas de
cereal que Gab comprou. É só vocês terminarem
essas pizzas fedidas, e a gente pode ir. Vamos, eu
quero pagar um miquinho!

Gabriel revirou os olhos e se levantou, me

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oferecendo ajuda para ficar de pé. Sorri para ele e


aceitei sua mão, me levantando meio trôpega e
combinando com todos que estaria pronta em vinte
minutos.

Chegamos no bar escolhido por Diego lá


pelas nove horas da noite. Eu já estava me sentindo
bem depois de um banho, das barras de cereal e de
um suco verde esquisito que Erika comprou para
mim no restaurante do hotel. Levanta-defunto,
aquele suco de musgo, devo confessar.

O bar era bem grande e arejado, mas parecia


um grande clube de swing, cheio de salas

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reservadas, com janelões e cortinas de veludo.

— Vem cá, tem certeza que é um bar de


karaokê? Parece um clube de troca-troca!

— Ah, Lena, você estragou a surpresa! —


Diego brincou e apertou minha bochecha.
Boquiaberta, olhei para Gabriel e praticamente
gritei:

— É um clube de swing mesmo?

Aparentemente, “swing” é uma palavra


conhecida e odiada naquela região da Itália, pois
todos os presentes me olharam de cara feia. Diego
colocou a mão no rosto, fingindo estar
envergonhado, e riu de mim.

— Não, sua burrinha, as salas reservadas

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servem para quem não quer cantar ou dançar na


frente de ninguém — ele explicou enquanto
caminhávamos para uma delas.

— Dançar? — perguntei, confusa, quando


entramos no ambiente, e um garçom nos deu uma
caixinha com controles de videogame dentro. —
Meu Deus, olha essas poltronas, parece um clube
de strip! — disse e apontei para os sofás circulares
imensos em frente a um tablado com duas
televisões dispostas uma de frente para a outra.

— Você conhece bem esses lugares, hein?


— Diego zombou.

— Claro, foi numa Casa de Primas que a


Tony me conheceu, ela nunca contou? — brinquei

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e olhei para a caixa nas minhas mãos, entendendo


finalmente o que ele queria dizer quando vi o
controle do Wii. — Ah! Dançar! Entendi! Tem Just
Dance?

— Sim! Você gosta? — Diego perguntou.

— Se eu gosto? Acabo com qualquer um de


vocês, meu amor — brinquei e fui ligar as
televisões e o videogame. — Pode ser no Xbox?
Não sou muito fã de dançar com controle na mão...
Sempre fica aquele medo de arremessar o bendito
no meio da tela.

Diego assentiu e foi me ajudar a ligar tudo.


Poucos minutos depois, o jogo estava rodando e eu
perguntei quem iria primeiro. Aline ergueu a mão e

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escolheu uma música da Ariana Grande.

Ri como nunca quando Diego entrou no


meio da dança e conseguiu, sabe Deus como, quase
ganhar da baterista, que ficou irada. Em seguida,
Tony e Betty dançaram Despacito, o que fez com
que eu risse como nunca. Tony tinha dois pés
esquerdos, o que tinha de habilidosa vocalmente
não possuía fisicamente. Dançando, então, que
horror, tadinha!

Quando me levantei para escolher uma


música, notei que Tony olhou para Gabriel, que
assistia tudo em silêncio com um sorriso leve no
rosto. Pareceu que minha amiga estava tramando
algo, então parei de andar e fiquei observando.

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— Erika, você sabe “Beautiful Liar”? — ela


perguntou, os braços cruzados, ainda mirando
Gabriel.

Safada.

Ela sabia que essa era minha música


preferida no Just Dance.

Erika piscou algumas vezes e olhou para


mim antes de responder:

— Sei, por quê?

— Gosta?

— Não muito, eu não sou exatamente fã


desse...

— Mas sabe dançar Beautiful Liar,


entretanto.

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Erika ergueu uma sobrancelha para ela e


explicou:

— Sim, eu tenho uma sobrinha que me


obriga a...

— Perfeito! Lena, vá dançar com ela.

Erika voltou a atenção para mim, totalmente


confusa. Eu sabia o que Tony queria: provocar
Gabriel. Sua ex e sua atual dançando juntas? Dei
um sorriso provocante para ela, que imediatamente
compreendeu o jogo.

— Eu não sei se acho uma boa... — Gabriel


começou a dizer, ligeiramente aturdido com a
possibilidade de nos ver dançando uma das mais
sensuais músicas do jogo, mas Erika, ao notar que

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ele estava tentando dar ordens em nós duas,


imediatamente exclamou:

— Só se for agora! Vamos, Helena! — ela


praticamente correu até mim, soltou metade dos
botões de sua blusa, dando um nó nas pontas soltas.

Ergui as sobrancelhas, surpresa com sua


animação, e deixei meus saltos ao lado de Gabriel,
que me olhava meio chocado.

Subi no tablado do bar e imitei o gesto de


Erika, soltando os botões da blusinha e dando um
nó, deixando o umbigo de fora e descendo um
pouco minha saia rodada.

De costas uma para a outra, como mandava


a coreografia, aguardamos a música começar.

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Assim que ouvi a batida, comecei a ondular meu


corpo, sentindo Erika fazer o mesmo atrás de mim.

Seguimos a coreografia perfeitamente,


quase sem erros, girando a cabeça nas horas
apropriadas e movendo o busto quando Shakira e
Beyoncé riam no refrão. Quando a música chegou
na minha parte preferida, a instrumental, a guarda-
costas se ajoelhou ao meu lado e me olhou,
sorrindo. Parecia estar se divertindo como nunca, o
que me deixou impressionada. Não parecia algo do
feitio dela aquele tipo de coisa.

Mordi o lábio, rindo também, e dancei


junto, finalizando com um movimento de dança do
ventre muito sensual. A música demorou mais um

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refrão para acabar e nós encerramos a coreografia


encostando as costas uma na outra e erguendo a
mão para o alto.

Ouvimos gritos animados e palmas antes de


Erika se virar para mim, sorrindo maliciosamente.
Não entendi seu olhar, então ela ergueu as
sobrancelhas, inclinando a cabeça para o lado
rapidamente, apontando para nossa plateia. Olhei
de canto de olho para Gabriel, cujo queixo quase
encostava no chão, e sorri para ela, balançando a
cabeça ao compreender suas intenções
provocativas.

Erika deu um passo para frente, se inclinou


na minha direção e aproximou sua boca da minha,

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colocando as mãos nos meus ombros. Sorrindo para


ela, deslizei minhas mãos por sua cintura e inclinei
a cabeça para o lado, entreabrindo os lábios e
deixando que ela se aproximasse até o limite. Já
estava sentindo seu hálito em meu rosto quando
disparamos a rir do silêncio que se instalou na sala.
Separamo-nos rindo e descemos do tablado de
mãos dadas.

— Vai, gente, quem é o próximo? —


perguntei enquanto me sentava ao lado de Gabriel,
que olhava para um ponto fixo na parede,
parecendo meio abobalhado.

— Eita... Acho que deu erro aqui... —


Pierre disse e estalou os dedos na frente do rosto de

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Diego, que parecia tão chocado quanto Gab.

Homens...

Imediatamente o guitarrista saiu do transe e


olhou ao redor, fazendo com que todos rissem.

Ainda estava rindo de Diego quando


Gabriel se levantou abruptamente e saiu da sala
sem olhar para trás. Olhei para Betty e Erika,
procurando respostas, mas elas pareciam tão
confusas quanto eu.

Levantei e fui atrás dele, já pronta para


questioná-lo sobre aquela saída tão esquisita. Ora,
não é como se eu tivesse feito algo de errado!

Fui até os banheiros, imaginando que ele


estivesse lá, e entrei no masculino, ignorando os

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protestos de um italiano que só parou de reclamar


quando eu olhei de cara feia. Ri quando ele saiu
correndo do banheiro, fechando a porta atrás de si.

Gabriel estava de costas para mim,


molhando o rosto na pia, e vi que ele se assustou
quando eu o chamei:

— Ei, Segurança, o que foi?

Gab me olhou pelo reflexo do espelho,


virou de frente para mim, o rosto sério, passou ao
meu lado e trancou a porta do banheiro. Dei um
sorriso ao entender suas intenções e um gritinho
escapou da minha garganta quando ele me prendeu
na parede, um sorriso dançando nos lábios.
Logo em seguida, beijou meu pescoço, enfiando a

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mão por debaixo da minha saia e apertando minha


pele com força.

— Seremos expulsos daqui se pegarem a


gente...

— Então sejamos rápidos — ele disse e


beijou minha boca, enroscando sua língua quente
na minha.

Gab afastou minha calcinha para o lado


enquanto eu desabotoava sua calça, as bocas se
beijando com uma fúria descontrolada.

Eu pensei que seria difícil que eu


conseguisse terminar rápido alguma coisa num
banheiro de bar, por mais limpo e moderno que ele
fosse.

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Porém, quando Gabriel ergueu minha perna,


esfregou o corpo no meu e tapou minha boca com a
mão, silenciando meus gemidos, percebi que estava
errada.

Quer rapidez, Segurança? Eu te dou


rapidez.

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Milão
Pressionei meu caderno de desenho no
corpo que nem uma criança se agarra em seus
brinquedos novos no natal. Não havia nada de
especial nele, era o mesmo caderno de espiral, sem
pautas e com folhas rígidas que eu usava desde o
início do ano. Metade das páginas já havia sido
usada, inclusive, a capa estava meio gasta e havia
manchas de café por todo seu precioso corpinho de
papel.

O ponto não era o caderno, mas sim o local.


Meu caderno desgastadinho nunca havia passado
por uma cidade tão incrível quanto Milão, capital
mundial da moda, e tudo mais que todo mundo já
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sabe. Nem quando passei por Paris fiquei tão


empolgada como estava quando cheguei no
Quadrilátero da Moda.

Como Milão é uma cidade com poucas


atrações turísticas, Gabriel e eu já tínhamos rodado
quase tudo o que queríamos ver em poucas horas,
deixando a melhor parte — para mim, ao menos —
para o final.

— Lena, você tá parecendo uma criança no


natal — Gabriel disse com um sorriso quando eu
olhei para a vitrine de uma loja de grife.

Virei o rosto em sua direção, surpresa, antes


de perguntar:

— Vem cá, você aprendeu a ler mentes? É

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exatamente assim que eu estou me sentindo no


momento. Ainda que eu tenha acesso ao WSGN, a
plataforma que te falei, eu estou em êxtase. Minha
cabeça parece que vai explodir de inspiração aqui...
— disse, mas me interrompi quando uma mulher de
uns quarenta anos passou vestindo um Versace
maravilhoso, preto com alças de tiras cruzadas no
ombro.

Abri meu caderno imediatamente e me


sentei no meio fio da rua Monte Napoleone,
destampando a caneta com a boca e desenhando
freneticamente. Rabisquei o máximo que pude
antes que a ideia saísse da cabeça e me levantei
quando me dei por satisfeita.

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Essa era a maior vantagem de moda de rua:


ver tudo cara a cara. A plataforma de previsão de
tendências, WSGN, era incrível, mas nada substitui
o trabalho de campo que envolve uma boa bateção
de perna. Não há curadoria de ninguém na rua:
somente eu, meu caderno e meus olhos atentos.

Gabriel esticou o pescoço para ver o que eu


tinha desenhado e me olhou surpreso ao ver que
eram calcinhas. Ri de sua confusão e expliquei:

— Eu estava penando para encontrar uma


solução para um erro técnico de modelagem para
uma das calcinhas e dos cages da coleção nova. Era
um conjunto de corpete e calcinha, na verdade, mas
me incomodou, porque corpete não é nada

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democrático. É feito para determinados tipos de


cintura, a não ser que sejam feitos sob medida. Mas
ninguém queria abrir mão do conjunto, então eu
estava buscando uma solução que abolisse o
corpete sem tirar o cage e ficar só duas peças soltas.
Voilà!

Apontei para os esboços da lingerie, uma


calcinha e um sutiã conectados por tiras longas que
desciam do meio do busto até o início da calcinha
de forma diagonal.

— Ok, Costureira... Confesso que estou...


— Gabriel disse, parecendo um pouco confuso com
um Versace inspirar um conjunto de lingerie.

— Chocado com o frenesi do mundo da

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moda? Você vai acostumar em algum momento,


Segurança. Vem, vamos andar! — brinquei e o
puxei pelo braço enquanto passávamos pelas lojas
chiquérrimas de Milão.

— Não vai querer entrar em nenhuma? —


ele perguntou quando eu parei na frente de uma
Ermenegildo Zegna e continuei andando após uma
breve análise da vitrine.

— Para quê? Sei de cor o que eles vendem e


não quero comprar nada. Me interessa mais o que
as pessoas usam nas ruas. Mas, vem cá, Segurança,
mudando de assunto... Você não achou esquisito o
último show? Não achei ninguém muito animado,
tanto a banda quanto o público. Se for comparar

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com os anteriores, foi meio morto...

Gabriel acertou seus óculos escuros no rosto


e me respondeu, olhando para uma vitrine de uma
Rolex:

— Acontece. Tem dias em que todos estão


mais animados, tem dias em que todos estão meio
cansados. Nossa, esse relógio deve custar... — ele
disse apontando para um Rolex dourado horroroso,
cheio de brilhos e exageros.

— Um rim — completei, e Gabriel riu,


balançando a cabeça.

— Por aí. Não devia nem estar na vitrine,


tão exposto assim — ele comentou e olhou ao
redor, como se estivesse checando o perímetro.

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— Gabriel — chamei, com os lábios


franzidos, e apontei para um homem com colete à
prova de balas, pistolas, óculos, coturnos e tudo
mais que um policial do batalhão de choque do Rio
provavelmente usaria em ação. — Acha mesmo
que eles correm algum risco aqui? Logo aqui? Tem
uma Gucci ali na frente, uma Dior, uma Tiffany's
na outra rua... Aqui deve ser mais seguro que o seu
apartamento em Londres.

Gabriel virou o rosto na minha direção, deu


um sorriso irônico e colocou as mãos no bolso de
sua calça jeans preta, mas não disse nada, apenas
mirou o homem fardado.

— Falando em segurança, Segurança... Me

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lembrei de uma coisa — comentei quando paramos


na frente da Valentino e eu tirei uma foto para
mandar para Sophia. — Por que você nunca me
contou dos tiros que levou?

Gab parou de andar e me olhou com o rosto


sério, mas continuou andando após alguns
segundos de silêncio.

— Como você soube disso?

— Ah, a Erika me contou no dia em que


fomos almoçar juntas no shopping, em Glasgow,
lembra? Tem um mês, mais ou menos.

— E por que você só comentou hoje? — ele


perguntou com a voz séria, tirando os óculos de sol.

Parei de olhar a vitrine da Philip Plein e

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voltei a atenção para Gabriel.

— A turnê começou em março desse ano,


mais ou menos sete meses atrás. Você só me
contou o que sabia do Alexandro no final de julho,
quatro meses, quase cinco depois de termos nos
reencontrado. Tenho a impressão de que você não
teria contado nada se o outro não tivesse batido as
botas. Por quê?

Gabriel hesitou antes de abrir a boca para


responder:

— Não vi necessidade de te incomodar com


esse assunto... — Gabriel respondeu com a voz
baixa.

Fiz um gesto com a mão, como quem diz

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“viu, é esse o motivo”, e voltei a olhar um par de


tênis estranho em uma vitrine, com umas manchas
que mais pareciam erros técnicos do que estilo.

— Tem umas grifes que apelam na escolha


de acessórios... — pensei em voz alta e voltei a
andar pela rua.

— Também não trouxe o assunto porque é


uma das partes negativas do meu trabalho, não quis
te entediar com assuntos tão chatos — Gabriel
disse depois de uns minutos de silêncio.

Aquela fala do Segurança me fez parar de


caminhar no mesmo instante. Imediatamente olhei
para ele, assombrada.

— Como é?

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Gabriel piscou algumas vezes, confuso com


minha reação, e abriu a boca para explicar, mas eu
o interrompi.

— Assuntos chatos? Seus assuntos nunca


são chatos, Gabriel. É a sua profissão, sua vida,
aquilo que você se entrega de corpo e alma e coloca
paixão em cada dia. Como isso pode ser chato para
mim? Eu teria que ser muito desalmada para achar
isso entediante. Você não esboça uma reclamação
quando a costura entra nos nossos momentos
juntos, ou quando eu passo horas redigindo
relatórios, dossiês e tudo aquilo que preciso fazer
aqui. Como eu poderia reclamar de alguma coisa,
quando você não reclama de nada que eu faço?

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Tirei uma linha preta solta da camisa branca


de Gabriel e continuei:

— Até minhas sobras de linha grudam em


você, é impressionante. Ah, espera! É por isso que
você só me conta as coisas em parcelinhas? Você
acha que eu vou me entediar? Ah, não, Gab, para
de besteira e começa a desembuchar aí tudo que
você guarda só para si! Quero dizer, tudo que você
queira falar, não precisa desenterrar nada muito...
desgastante. Vamos por partes: a cicatriz que você
tem escondida pela tatuagem, por exemplo,
conseguiu durante o trabalho? É do tiro que você
levou? Parece mais um corte do que um tiro...

Gab me olhou com as sobrancelhas

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franzidas, mostrando que eu estava entrando em


território indesejado.

— Ok, essa não. E a que você tem no


ombro? Pode contar sobre essa? — perguntei
quando voltamos a caminhar pelas ruas do
Quadrilátero.

Senti sua hesitação, mas deixei que ele


tomasse o tempo que fosse preciso para se abrir
comigo. Uma mulher vestindo um sobretudo com
estampa geométrica neon passou ao nosso lado, e
eu abri o caderno e tentei reproduzir o padrão da
estampa enquanto dava tempo para Gab decidir
falar.

— Você sentiu a cicatriz embaixo da

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tatuagem? — ele perguntou com a voz meio


cansada depois que eu fechei o caderno e olhei para
ele com um sorriso no rosto.

— Sim, várias vezes. Eu lambo suas


tatuagens toda hora, esqueceu? Mas eu nunca tinha
prestado muita atenção no que era, achei que podia
ser uma marca ou uma má cicatrização da
tatuagem. Vi que era algo mais sério naquele dia
em que eu reforcei as cores de suas tatuagens com
minhas aquarelas, na Grécia.

— Ah, sim. As aquarelas — Gab disse e


arriscou um sorriso, me fazendo rir.

— Foi lindo, não foi? Eu pensei seriamente


em pedir para o gerente do hotel me dar o lençol da

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cama, ficou tão bonito depois que você carimbou


ele todo... Aliás, levei a maior bronca de Ricky,
sabia? Ele disse que não seria bom se a história
vazasse e os tabloides sensacionalistas gritassem
que “a Sissy Walker tentou destruir um quarto de
hotel”. Eu respondi pra ele largar de ser besta, que
não tem nada mais rock 'n' roll do que danificar
algo em um hotel. E, convenhamos, foi só um
lençol, eu paguei por ele.

Gabriel deu uma risada e rebateu:

— Eu sei, Ricky reclamou da sua ousadia


comigo. Mas eu te avisei que ia sujar tudo, só que
você é incontrolável. Até onde me lembro, quem
decidiu transar foi você, não eu. Eu queria tomar

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um banho para tirar sua obra de arte antes que eu


manchasse algo, mas você vai pulando no meu colo
sem aviso!

Tentei segurar uma gargalhada levando as


mãos à boca, mas Gabriel as tirou da frente do meu
rosto, me puxando pelos pulsos de encontro ao seu
corpo. Agarrei seu casaco e olhei seus lábios
abertos num sorriso lindo.

— Gab, me solta. A última vez que você me


agarrou na rua, a gente virou meme... — disse sem
muita convicção e fiquei na ponta das botas para
aproximar meu rosto do dele.

— Duas coisas, Costureira. Uma: eu te


agarro em todas as nossas saídas, você sabe muito

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bem disso. Outra: você virou meme, eu só fui um


coadjuvante... — ele disse e encostou os lábios nos
meus, mas eu me afastei para retrucar:

— Arram, Senhor “Ame alguém que te olhe


desse jeito”! Pensa que eu esqueci da sua cara
naquela foto? A cara de quem viu a cura para as
maldades do mundo em meus olhos? “Foi um
ângulo bonito”, mimimi — disse com a voz grossa,
tentando imitar Gabriel, que franziu o nariz e
mordeu a parte interna do lábio inferior, como
quem estivesse se controlando. — Que foi, quer
bater na minha bunda, não quer? Pois é, sua
punição erótica não vai rolar, conviva com a
frustração, Christian Grey.

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— Você diz como se não gostasse da minha


mão pesada... — ele retrucou com um meio sorriso
irônico brincando no rosto.

— Ah, eu adoro. Mas gosto mais de ver


você se contorcendo de vontade de fazer algo em
mim e não poder, Segurança. Vem, eu quero passar
na Louis Vuitton, é no final da rua — disse e me
soltei de seu abraço, puxando Gab pelo braço para
irmos em direção à loja. — Ainda temos muitos
locais para visitar, depois a gente volta para o hotel
e você deixa minha pele rosada.

Gabriel suspirou e complementou, com a


voz derrotada:

— Por que você me diz essas coisas, Lena?

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Falta tanto para voltar para o hotel...

Parei de pegar em seu braço e me virei de


frente para ele, trazendo Gab para perto pela nuca
para sussurrar em seu ouvido:

— Porque fazer você perder o controle é


mais divertido do que passear por qualquer cidade
da Europa. Simples assim.

Beijei seu pescoço enquanto puxava sua


nuca e o fazia se curvar em minha direção. Gab
envolveu minha cintura e disse contra meus lábios:

— Nada é simples quando se trata de


manter meu controle intacto ao seu lado,
Costureira. Vem, vamos logo ver a Louis Vuitton,
antes que a gente realmente vire meme de novo.

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***

Uma hora depois, quando eu já estava cheia


de desenhos no caderno, ideias na cabeça e algumas
bolhas aparecendo nos pés, Gabriel trouxe de volta
um assunto já esquecido. Assim que entramos em
um charmoso bistrô e pedimos um vienna para cada
um, ele começou a explicar:

— A do ombro eu levei protegendo um dos


meus clientes. Um inimigo dele conseguiu invadir
o local onde estávamos, e eu entrei na frente do
tiro.

Sentei no banquinho de madeira do bistrô e

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demorei alguns instantes para entender do que ele


estava falando, até que a ficha caiu e eu me dei
conta de que era sobre as cicatrizes.

— Uau, sempre achei que esse lance de


entrar na frente de um tiro era coisa de filme...

Gab deu um sorriso meio sem humor e


explicou:

— Não, não é. É totalmente possível,


principalmente quando a pessoa está exatamente do
seu lado. Tenho uma marca no ombro que te prova
isso.

Assenti e tomei um gole do café,


aguardando que ele continuasse. Como não
prosseguiu, decidi aproveitar a oportunidade para

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fazer Gab falar um pouco mais de si.

— E a da tatuagem?

Gabriel tomou seu café em silêncio por um


momento. Sustentei seu olhar, não porque queria
me meter em um assunto particular, mas porque
queria mostrar que ele poderia confiar em mim.

— Não precisa falar se não quiser,


Segurança — disse, mas ele balançou a cabeça,
respirou fundo e começou a contar:

— Lembra do meu tio, que atacou minha


mãe? Fui eu quem o tirou de cima dela. Meu pai
quase enlouqueceu quando chegou em casa, se
atracou com ele de uma forma que eu nunca tinha
visto antes. Eu realmente achei que ele mataria o

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traidor. Assim que corri para separar e consegui


conter meu pai, senti um corte no ombro. Meu tio
puxou do bolso um canivete e tentou atacar o
irmão, mas...

— Você entrou na frente.

Ele balançou a cabeça, uma veia saltando


do pescoço.

— Você só se machucou seriamente nessas


duas vezes? Quero dizer, “só” não, mas... Bom,
você entendeu — perguntei, tentando não querendo
mostrar meu assombro.

Gabriel pareceu um pouco confuso


inicialmente, mas respondeu:

— Não, foram só essas vezes... Você não

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vai me perguntar mais nada sobre o que contei?

Coloquei a xícara de café no pires e lambi


meu lábio superior para limpar uma gotinha de
café.

— Não, ué. Você já me contou o que tinha


para contar. Se tivesse algo a mais para falar, você
teria contado, creio eu. Posso pegar? — perguntei e
apontei para o pequeno chocolate intocado ao lado
de sua xícara vazia.

— Pode... Você me confunde, Lena —


admitiu quando eu coloquei o doce na boca.

— Eu? Por quê?

— Você diz que quer ouvir mais sobre mim,


mas não se aprofunda quando eu falo sobre...

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— Opa, não é bem assim, Segurança. Eu


quero que você me conte coisas que você se sinta
confortável para falar sem se importar com
bobagens, como essa ideia de me entediar. Não
quero que você revisite momentos traumatizantes
de sua vida, Gabriel, só para saciar minha
curiosidade. Se você se sente bem falando dessas
coisas, ok, eu estou ouvindo. Mas não é o que
dizem seus olhos, então a gente muda de assunto,
como sempre fazemos.

Gabriel entortou a cabeça para o lado me


avaliando.

— Você muda de assunto de propósito?

— Sim. Sempre quando você faz aquela

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cara sombria, nunca notou? Seu tio, seus pais, os


problemas de seu trabalho, a escolha do desenho de
suas tatuagens... Até sobre Erika a gente não
conversa, já que você não curte falar no
relacionamento de vocês dois.

— Sério? Eu achei que você mudava de


assunto porque estava com...

Dei uma risada e lambi os dedos sujos de


chocolate, o interrompendo:

— Com ciúmes? Você sabe que eu


praticamente não sinto isso. Talvez, no máximo, da
Shakira O’Neal, mas aí eu posso sentir, porque ela
é inteiramente minha.

— Shakira...? — Gab perguntou com o

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rosto num misto de curiosidade com mais alguma


coisa que eu não soube identificar.

— O’Neal. Minha máquina de costura


velhinha, que ficou no Rio. Eu não gosto de
ciúmes, Gabriel, você sabe disso. Se a pessoa me
dá motivos para que eu sinta ciúmes, ou seja, se ela
se engraça com outra pessoa, ou me trai, ou coisa
parecida, eu simplesmente a dispenso.

— Mesmo se você gostar dela?

— Taí outra coisa rara de acontecer. Gostei


de poucas pessoas na vida. Eu nunca me envolvo
com alguém o suficiente para gostar da pessoa.
Relacionamentos sérios são chatos, Gab, já tive
minha cota deles com Sophia e Roberto. Muitas

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cobranças, muita desconfiança, muitos “vai


trabalhar de novo?”. Marido e filhos me esperando
em casa são coisas que eu não posso arcar por
causa do meu trabalho.

— Ou esposa, já que... Né? Sophia é uma


mulher, até onde eu sei... — Gab disse depois de
uns segundos de silêncio, me fazendo rir.

— Ou esposa, verdade... Mas Sophia é


Sophia, foi a única mulher com quem me envolvi.
Ah, bem lembrado! Sabe, um dos motivos de
Sophia ter terminado comigo foi exatamente eu ter
feito a cirurgia para não ter filhos. O sonho dela era
ser mãe na época, mas ela não pode, então estava
contando comigo, só esqueceu de me avisar desse

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detalhe. Parti o coração dela em vários pedacinhos


sem nem saber o motivo. Consegue imaginar quão
difícil é arrumar alguém que não me julgue por não
querer ser mãe? Eu sou a mulher malvada que
prefere trabalho e gatos a crianças e fraldas! —
disse com um sorriso.

Ele assentiu, totalmente sério, e respirou


fundo antes de dizer:

— Sim... Eu realmente te entendo, de


verdade. As coisas que você diz que não pode arcar
eu também não posso. Esse foi um dos motivos
para não me envolver com a Isobel, a moça que
trabalhou para nós. Ela era sonhadora demais,
romântica demais, era nítido que queria de mim

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coisas que eu não podia, não posso, nem nunca vou


poder dar.

Mirei meu copo vazio de café e balancei a


cabeça concordando. Era curioso como, apesar de
nossos trabalhos serem completamente diferentes,
nós dois agíamos e pensávamos de forma tão
parecida. Era... reconfortante. Bem impressionante,
quase assustador, confesso, mas reconfortante.

— Mas... Fiquei com uma dúvida,


Costureira. Se você não sente ciúmes de modo
algum e dispensa as pessoas que estão com você
quando elas... Como você disse? Se engraçam com
outras pessoas? Então, se eu me engraçar com
alguma das mulheres que tentam algo comigo, você

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me dispensa e corre para a Aline? — Gabriel


perguntou com um sorriso irônico no rosto.

Ergui a cabeça para olhar em seus olhos


brilhantes, ergui uma sobrancelha e respondi:

— Não, imagina se eu te dispensaria por


isso. Eu sou mais prática no que diz respeito a nós
dois, Gab. Por exemplo, se você quebra nosso
acordo de não se envolver com mais ninguém
durante a turnê, eu não te dispenso, eu pego sua
Glock e dou um tiro na cabeça do seu...

— Ok, ok, eu entendi! — disse e ergueu as


mãos em sinal de rendição.

Ri da cara que ele fez e olhei para o meu


lado vazio e para Gab, que estava do outro lado da

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pequena mesinha de madeira.

— Ei, por que tá tão longe? Senta aqui! —


pedi e puxei um banquinho para o meu lado.

Gab se levantou e sentou ao meu lado,


passando o braço nos meus ombros e me trazendo
para perto antes de me dar um beijo.

— O que é isso? — perguntou quando


parou de me beijar e viu meu caderno de desenhos
aberto em uma página com desenhos para as t-
shirts da Wings.

— Ah, alguns esboços de estampas que eu


estava trabalhando ontem.

Gab pegou o caderno e aproximou do rosto


para olhar melhor. Notei que sua atenção parou em

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um desenho escrito “Amor nas Alturas” com


algumas ilustrações óbvias de nuvens.

— Por que “Amor nas Alturas”?

Bebi meu café rapidamente, enxugando a


boca com um guardanapo e explicando:

— É a tradução de uma música que ouvi um


dia desses. Se chama “Love in High Places”. Estou
em dúvida se bordo isso em lingerie ou se estampo
em algum lugar... Mas acho que vai ser estampa em
camisas mesmo.

Gab franziu as sobrancelhas por um


momento e deixou o caderno na mesa.

— Mas a tradução tá errada, Lena. “Love in


high places” não é “amor nas alturas”. Quando

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você diz que tem algo “in high places”, o sentido


não é tão literal assim. É algo como “amor em alta
conta”. Acho que o mais certo seria “amor em alta
patente”...

Eu tinha acabado de bebericar mais um gole


do café e quase engasguei de tanto rir.

— Ai, Gab, sério? Tá querendo militarizar


até o amor agora? Nossa, que segurança mais
chato!

Minha risada aumentou quando ele entortou


os lábios antes de me puxar para perto.

— Você é tão engraçada, morro de rir.


Escuta, tem mais alguma coisa que você queira
saber?

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Plantei alguns beijinhos em seu rosto antes


de perguntar:

— Sobre o quê?

— Meu passado, meu trabalho, algo assim.


Tem mais alguma pergunta que gostaria de fazer?

Pensei um pouco e balancei a cabeça


negando, mas acabei voltando atrás:

— Sim, tem uma perguntinha: podemos ir


pra casa?

Gab sorriu ao ouvir meu pedido.

— Achei que você não ia pedir nunca.

E me deu um beijo delicado, me fazendo


conter um suspiro e desejar que aquele momento
não acabasse nunca.

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Lisboa
Saí radiante de felicidade do avião. Depois
de mais de meio ano transitando entre cidades
falantes de inglês, francês e outras línguas
complicadas, finalmente paramos em uma cidade
lusófona: Lisboa! Finalmente eu poderia não me
confundir com as línguas quando estava sozinha ou
só com Gab!

— Ei, Lena, por que você tá tão animada?


Não vai mais poder xingar ninguém em português,
como fazia com todo mundo que era grosso com
você nos outros países — Betty brincou ao me ver
quase saltitando pelo aeroporto.

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— Não tem problema! Ao menos posso


entender totalmente o que as pessoas falam na rua!
Ah, e tem os doces portugueses! Meu Deus, vou
poder finalmente comer um pastel de Belém
original! — exclamei e fechei os olhos de prazer ao
imaginar o doce em minha boca.

— Original...? — Pierre perguntou quando


apareceu ao meu lado, levando suas malas até a
van.

— Sim, ué! Feito por portugueses, com


ingredientes portugueses! Ai, que sonho, vou poder
provar salame de chocolate, torta de azeitão,
quindins... — comecei a enumerar em português,
ignorando a cara feia de Jim, que odiava quando

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falávamos em nossa língua materna.

— Credo, que formiga! — Tony exclamou


rindo quando eu entrei na van e continuei listando
os doces maravilhosos que queria me fartar durante
os dez dias na cidade.

— O pudim de Braga, os sonhos


portugueses, travesseiros da piriquita...

— Como é? — Aline perguntou e sentou ao


meu lado no banco da van. — Repete o nome,
Lena.

Ignorei seu pedido e prossegui na minha


lista, até que Betty exclamou:

— Ok, Lena, chega! Já estou diabética só de


ouvir você falar! Aliás, que mistura maravilhosa

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que vai ser: dez quilos de açúcar mais dez litros de


café. Você vai daqui para a Espanha correndo, de
tão acelerada. Gabriel, tá ligado que você vai sofrer
com a Lena nesses dez dias, não tá?

Gabriel, que tinha acabado de entrar na van


e fechava a porta quando a líder da banda se dirigiu
a ele, respondeu, também em português, totalmente
sério:

— Sim, estou. Já imagino o trabalho que vai


ser despachar para Londres as centenas de roupas
que ela vai costurar nesses dias...

Todos riram de sua piada, menos eu, que


cruzei os braços e franzi os lábios, fazendo uma
birra meio infantil. Enquanto Gabriel sentava ao

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lado de Diego com um pequeno sorriso brincando


nos lábios, notei de canto de olho que ele tinha uma
sacola de papel na mão. Virei a cabeça para ver do
que se tratava e minha boca encheu de água quando
vi um desenho que me pareceu familiar. Aquela
imagem estampava a vitrine de uma confeitaria,
que eu obviamente me interessei, no aeroporto, mas
não entrei por não querer atrasar ninguém.

Literalmente me pendurei em cima de


Diego, que reclamou, mas foi prontamente
ignorado, e perguntei:

— Segurança, o que tem aí? É doce? É doce


português? Vai, Gab, me fala! — eu pedi, sorrindo
que nem criança.

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Gabriel soltou o ar rapidamente pelo nariz e


me passou o pacote.

— É, eu vi que você olhou a vitrine daquela


loja de doces e comprei enquanto você ia ao
banheiro do aeroporto. São pastéis de Belém, se
não me engano. Aqueles redondos e dourados,
sabe?

Saí de cima de Diego, me endireitei no


banco, abri o pacote e dei um gritinho, animada,
chamando a atenção de todos. Eram três pasteis
lindos, apetitosos, cheirosos, tentadores, perfeitos!

— Gabriel, você é o homem mais


maravilhoso do mundo! Pode colocar um bebê na
minha barriga, eu não me importo! — exclamei

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antes de enfiar metade de um dos doces na boca e


revirar os olhos de prazer. — Deus, tem fadas
tocando lira na minha boca! Que coisa mais
maravilhosa é essa? Devia ser um elogio!

— Ei, eu quero um! — Tony se levantou e


foi até o banco onde estávamos com a mão erguida,
pedindo um pastel.

— Nem pensar, ruiva! São meus, cai fora!


— exclamei, mas voltei atrás quando ela fez
beicinho. — Tá bom, vai, mas tá me devendo uma!

Ela pegou o pastel que “ofereci” e me


agradeceu com um sorriso. Por educação, perguntei
se alguém queria o terceiro, mas suspirei aliviada
quando todos negaram. Terminei de comer aquelas

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maravilhas açucaradas, lambi os dedos e me


pendurei em cima de Diego de novo para puxar um
surpreso Gabriel para um beijo de agradecimento
bem molhado e doce.

— Ah, gente, em cima de mim? — Diego


reclamou, e eu ouvi risadas. Soltei Gabriel, que até
tinha tentado não retribuir meu beijo, mas não
conseguiu, e voltei para meu lugar, contente após
minha primeira dose de doces portugueses.

Seria uma estadia maravilhosa, eu tinha


certeza disso!

Chegamos no hotel vinte minutos depois.


Nem prestei muita atenção em sua arquitetura: era,

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o quê? O vigésimo hotel que eu me hospedava em


seis, sete meses? Perdia a graça, depois de um
tempo.

Sentei no sofá do saguão enquanto esperava


Betty pegar nossas chaves. Felizmente, Ricky não
estaria lá, aquele velho rabugento. Fiquei quieta,
olhando a banda interagir enquanto uma música
desconhecida tocava no som do ambiente.

Gabriel se aproximou de mim após


despachar nossas malas para um carregador e me
perguntou:

— Costureira, eu preciso ir até Alfama


amanhã. Quer vir comigo?

Confusa, franzi o cenho enquanto pensava

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nas datas de nossa estadia em Lisboa. Alfama não


fazia parte do itinerário de nada da Sissy Walker.

— Amanhã? Mas amanhã é dia de


preparação para o show, não é?

— Sim, mas a Erika vai sozinha. Eu preciso


resolver umas coisas e...

— Em Alfama? Aquele bairro histórico? O


show vai ser na MEO, não vai? É vinte minutos
daqui, eu olhei no Maps. Não tem nada a ver com
Alfama.

Betty se aproximou e me entregou a chave


do nosso quarto antes de explicar:

— Ai, Lena, aceita logo, para de ser


desconfiada! Gab, não me volte de lá até as sete

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horas da manhã do dia seguinte, ouviu? Como


sempre, vocês estão de folga hoje. E, é óbvio,
amanhã também.

— Amanhã? Folga? Por quê? Eu tenho que


fazer os relatórios de... — tentei dizer, mas fui
interrompida:

— Shh... Calma, Mimosa — Betty disse e


colocou o dedo indicador nos meus lábios, me
calando. — Vocês dois estão de folga hoje e
amanhã. Inclusive, amanhã não quero nem ver a
cara de vocês, ouviram? Se pirulitem para Alfama e
só voltem quando estiverem mais velhos. Você,
principalmente, Gab.

Betty falou aquilo tudo com doçura, mas

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seu olhar era firme e não dava margem para


discussões. Modo chefona ativado.

— Sim, senhora líder fodona! — eu


provoquei, e ela riu antes de ir para o elevador. —
Você entendeu essa? Segurança?

Gabriel me deu um sorriso misterioso, não


disse nada sobre o assunto e perguntou
tranquilamente:

— Vamos para o quarto? Preciso tomar um


banho.

Franzi as sobrancelhas, desconfiada, mas


não disse nada. Se Gabriel não queria me contar o
que estava acontecendo, é porque tinha seus
motivos. Fora que eu sempre poderia torturá-lo

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sexualmente para conseguir as informações, que era


exatamente o que eu pretendia naquela noite.

Na manhã seguinte, Gabriel me acordou


colocando Hypnotic para tocar bem alto no sistema
de som do quarto, me fazendo dar um salto na cama
com a mão na altura do coração, que estava aos
pulos no peito.

— Segurança! Minha família é cardíaca! —


eu gritei quando abri os olhos e o encontrei sentado
na beira da cama com o controle geral do quarto na
mão, rindo que nem um adolescente travesso,
enquanto eu tentava engolir meu coração de volta.

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— Bom dia, Lena! Pronta para a viagem?

— Alfama é aqui do lado, não é uma


viagem, seu idiota... — resmunguei enquanto me
levantava da cama e ia até o banheiro sem nem
cumprimentar Gabriel.

Tomei um rápido banho frio, sequei o


cabelo e escovei os dentes, me sentindo muito mal-
humorada. Minha sessão de tortura sexual não
havia dado resultados na noite anterior. O máximo
que eu conseguira saber foi que Gabriel tinha uma
missão a cumprir no bairro, o que, é óbvio, eu não
acreditei nem por um minuto.

Saí do banheiro vestida no roupão do hotel


e fui até Gab, que ainda estava sentado no mesmo

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lugar com um copo de café na mão.

— Me dá — estendi a mão, e ele me passou


o copo, sorrindo abertamente.

— A curiosidade te deixa irritada, não? O


controle some rapidinho, bom saber — provocou.

— Não enche, Segurança! — ralhei antes de


beber todo seu café, mas me senti levemente
melhor após o primeiro contato da bebida com
minha boca. — Pode me contar agora o que vamos
fazer em Alfama? — pedi num tom resignado e
ainda sonolento.

— Turismo, ora — ele respondeu


brevemente e se levantou, se aproximando de mim
e me abraçando pela cintura.

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Pisquei um monte de vezes, completamente


surpresa e confusa com a tranquilidade dele
naquela manhã.

— Turismo? Num dia que deveria ser de


trabalho? Aliás, como você topou esses dois dias de
folga completamente aleatórios? Quem é você, o
que você fez com o Gabriel?

Gab sorriu e se inclinou para me dar um


beijo, que eu aceitei relutante, mas me rendi depois.
Meu humor melhorou vertiginosamente quando o
abracei e o beijei de volta. Não tinha como ficar
irritada com o Segurança me abraçando daquele
jeito. Isso sem falar em tudo que acontecera na
noite anterior.

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Minutos depois, Gabriel parou de me beijar


e pediu que eu me arrumasse. Escolhi meu vestido
xadrez vermelho preferido e um tênis preto
confortável e bonitinho, tentando obter qualquer
informação que fosse enquanto me vestia, mas
novamente não consegui nada.

Pegamos um táxi na porta do hotel e fomos


até o bairro histórico em poucos minutos, pegando
um bondinho conhecido como “elétrico 28”.
Andamos até chegar em frente a um museu, e eu
logo fiquei fascinada com a arquitetura do local.

— Olha, pedras portuguesas, Gab! Que


saudades eu senti de ver essas pedrinhas! O Rio é
cheio delas, em especial no Calçadão! Pega mal se

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eu me deitar no chão? — brinquei, e ele ainda se


deu ao trabalho de responder:

— Um pouco, Lena, mas, se quiser muito,


vai em frente, eu fico de olho no perímetro — ele
respondeu, parecendo estar concentrado em outra
coisa, e se aproximou de mim, olhando fixamente
para uma rua.

— Que foi? — perguntei e segui seu olhar,


tentando entender o motivo de sua seriedade.

— Só estou vendo se estamos no lugar


certo... Ah, é sim, por aqui — apontou e começou a
andar por aquela rua. Foi aí que compreendi: ele
estava querendo me levar em algum lugar
específico. Eu adorava quando Gab ditava o rumo

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dos passeios turísticos! Em geral, decidíamos


juntos, mas quando ele escolhia sozinho, o
resultado sempre era mais bacana. Até porque ele
conhecia a Europa como ninguém, já que morava
ali há duas décadas.

Seguimos pela rua até uma ruela e paramos


em frente a uma porta rústica com uma plaquinha
escrito “Pastelaria Alfama Doce”.

— Ué? Viemos até aqui só para comer


pastéis, Gab? — perguntei, confusa. — Por mim
tudo bem, adoro pastel, mas...

— Não são pastéis do jeito que você


imagina, Lena. É tipo uma padaria. Lembra dos
pastéis de Belém?

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— Ah! Sim! Ok, me convenceu! — eu


exclamei e entrei na frente, avaliando o local.

O ambiente era uma graça, parecia um


boteco brasileiro — só que ajeitadinho —, daqueles
em que todo mundo sabe o nome de todo mundo.
Vi cadeiras e mesas simples, alguns azulejos
portugueses decorando as paredes e um senhor com
cara de bons amigos aguardando que eu o
requisitasse para algo. Fui até o balcão e olhei os
doces expostos. Minha boca salivou na mesma
hora.

— Gab, quer escolher algum?

— Não, escolhe você, eu vou me sentar —


respondeu e foi escolher uma cadeira.

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Virei o rosto para o senhor e desejei um


bom-dia bem alegre, já que era impossível sentir
qualquer sentimento diferente de alegria tendo
aquele balcão maravilhoso na minha frente. Ele me
cumprimentou de volta e perguntou se eu queria
ajuda para escolher o que eu desejava. Apontei para
os doces e disse sorrindo:

— Eu quero dois de cada do que você tem


que seja doce! E quero caixas para guardar
também! — disse com um tom de voz tão animado,
que subi algumas oitavas.

Ele me fitou, espantado, mas abriu um


sorriso em seguida e começou a colocar as iguarias
em pratos, que eu fui levando até a mesa onde

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Gabriel estava. Depois da terceira viagem do


balcão até a mesa, Gab enfim perguntou:

— Ei, pretende comer isso tudo?

— Claro que não, Segurança, vou levar o


que sobrar para o hotel! Imagina comer isso aqui —
apontei para um doce que tinha um papelzinho
escrito “alfamas” na frente, como o bairro, e que,
pelo que o senhor me explicou, era feito de doce de
amêndoa e ovos — naquela cama linda no hotel!

Terminei de pegar os doces e agradeci ao


senhorzinho que me atendeu. Sentei na cadeira ao
lado de Gabriel e olhei satisfeita para o banquete de
doces que nos aguardava.

— O que você quer comer primeiro? —

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perguntei a Gab enquanto encarava o pratinho com


alfamas quentinhas.

Gab não respondeu, apenas pegou uma


delas e mordeu, franzindo as sobrancelhas assim
que colocou na boca.

— O que foi? É ruim?

— Não, é incrível. E eu nem gosto muito de


doces, você sabe. Prova — ele respondeu e me
ofereceu metade do doce. Botei na boca e revirei os
olhos de prazer depois que mastiguei e engoli.

— Deus, não vou voltar para o Rio nunca


mais. Vou ficar aqui até engordar o suficiente para
me locomover rolando pelas ruas de Lisboa! Fica
comigo, Gab, ninguém vai sentir nossa falta. Não

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estão sentindo hoje, não vão nem notar que


sumimos por uns vinte anos...

Gab abriu um sorriso meio misterioso, mas


logo me distraiu pegando um pastel de Belém e
provando. Começamos a provar um pouco de cada
doce, até nenhum dos dois aguentar mais comer.
Gabriel, mais controlado do que eu, parou de comer
primeiro, claro.

— Eu vou ver com o senhor ali se ele tem


saquinhos para gente levar o que sobrou. — disse e
fui até o moço. Voltei com mais caixas de papelão,
metade delas cheia.

— Lena, você comprou mais doces? — Gab


exclamou ao ver meus braços cheios e a vitrine do

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balcão um tanto mais vazia.

— Claro, para todo mundo comer, ué! Fora


que são caixas pequenas, cabem na minha bolsa,
olha — apontei para a bolsa preta de tecido que eu
carregava.

Gab deu de ombros e assentiu com a


cabeça, fazendo um comentário sobre diabetes que
me fez rir. Guardamos tudo e fomos embora.

— E agora, qual é a “missão” que você


precisa cumprir? — brinquei quando ele me guiou
por várias ruas, que mais pareciam labirintos, até
chegarmos em um terraço incrível chamado
Miradouro de Santa Luzia, que nos dava uma vista
sensacional da cidade histórica.

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Dali era possível vislumbrar uma rica


quantidade de casas, uma igreja e uma linda praia,
tudo pincelado por raios de sol que deixavam as
cores mais vivas ainda. Havia algumas construções
antigas, com aquela arquitetura que não era muito
novidade para mim, já que o Centro do Rio era
repleto de prédios históricos daquele jeito. Ainda
assim, era tudo de tirar o fôlego.

— Gabriel, que coisa mais linda! Como


você sabia que tinha isso aqui?

— Google, TripAdvisor, essas coisas... —


ele disse e me abraçou por trás enquanto eu olhava
os telhados das casas, todos da mesma cor de tijolo,
e o céu límpido.

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— É incrível! Aliás, não tem um local nesse


bairro que não seja incrível, estou amando! — virei
de frente para Gab e coloquei as mãos em seus
ombros. — Vai me dizer agora o motivo de nós
dois termos um dia de folga quando ninguém mais
tem e por que viemos para esse passeio tão... de
casal?

Gabriel sorriu e levou as mãos ao meu


rosto, me puxando para um beijo rápido antes de
explicar:

— A Betty disse que se eu passasse mais


um aniversário trabalhando, a banda seria
processada, então combinamos que eu ficaria bem
longe de todo mundo, para garantir que... —

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Gabriel continuou explicando, mas eu já tinha


parado de ouvir há muito tempo.

Tirei as mãos de seus ombros e as agitei no


ar, pedindo que ele parasse de falar.

— Espera, espera, espera! Como assim


passar mais um...? Hoje é seu aniversário?

Gabriel balançou a cabeça assentindo e me


deu um pequeno sorriso em resposta, mas eu
precisei confirmar, para ter certeza absoluta:

— De verdade? Por que você não me


contou, Segurança? Eu não fiz nada, não comprei
nada!

— Não precisa comprar nada, Lena... — ele


começou a dizer, mas eu o interrompi:

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— Uma ova que não precisa! Deixa eu


anotar! Treze de setembro, né? É seu aniversário de
quantos anos? Sessenta anos? Meu Deus, sessenta
anos é uma idade importante, Gab! Vou tentar
tricotar uma faixa de ventre para você! — eu disse
enquanto pegava meu celular, anotava a data e em
seguida digitava uma mensagem para Betty.

— Trinta e nove, Lena. Espera, faixa de


ventre? — ele perguntou, o sorriso aumentando no
rosto.

— É, serve para idosos aquecerem a barriga


em dias de frio! Minha vó tinha uma.

— Ah, sua avó? Bem lembrado, você nunca


falou sobre sua avó... Falou de seus pais

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conservadores, de seu tio armamentista, de sua irmã


maluca... Mas da avó, nunca mencionou nada —
ele comentou, pensativo.

— “Vou apertar todos os seus vestidos e os


de Tony também, Betty”. Pronto, enviei. Minha
vingança será terrível. Mas então, Gab, nunca falei
de minha vó? Bom, quem você acha que me
ensinou a costurar? — eu exclamei, sorrindo com a
lembrança de vovó Thereza.

— Achei que você fosse autodidata — ele


disse e me abraçou ao me ver sorrindo, sem desviar
os olhos dos meus.

— Eu sou, mas comecei por algum lugar,


não? Minha vó era uma rainha na costura, você

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precisava ver. Ela deixava a máquina sempre


pronta e com linha preta. Quando uma roupa furava
ou rasgava, ela consertava em quatro segundos. A
máquina dela até reclamava, fazia um barulhão tipo
“vroooooooom!” porque minha vó pisava nela
como se fosse um carro de corrida.

Gab riu e eu me aninhei em seu peito, o


abraçando pela cintura enquanto olhava a vista do
belíssimo bairro histórico.

— Gab, o que vamos fazer agora? Eu não


pesquisei nada muito significativo sobre turismo
em Lisboa, mas você, pelo visto, sabe tudo daqui.
Tem uma lista de turista aí?

— Sim. Temos ainda que passar na Sé de

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Lisboa, no Castelo de São Jorge, Avenida da


Liberdade...

— Meu Deus... — eu exclamei, surpresa,


quando Gabriel desembestou a falar dos pontos
turísticos.

— Praça do Rosário, Rua Augusta, Chiado,


que é aqui perto...

— A gente vai fazer isso em um dia só? —


perguntei, entre confusa e impressionada. Ele
realmente pensou em tudo!

— Claro. Ah, tem a Avenida da Liberdade.


Eu li que lá é uma rua de moda, com marcas
grandes tipo Armani...

Olhei tão rápido para Gabriel que, se aquilo

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fosse um desenho animado, um som tipo corda de


violão sendo dedilhada teria sido feito. “Toin!”

— Jura? Eu não trouxe meu caderno de


desenho...

— A gente compra um.

Pisquei algumas vezes e perguntei,


maravilhada:

— O aniversário é seu ou é meu? Eu ganho


presente em vez de você?

Gabriel sorriu antes de responder:

— Vem, Costureira, temos um mundo


inteiro para conhecer — ele respondeu e me soltou,
caminhando na minha frente por um momento.

Fiquei olhando ele se afastar e meu coração

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se encheu de felicidade. Ia conhecer um bairro


maravilhoso, me entupir de doces até entrar em
alguma espécie de coma diabético, conseguir
inspirações incríveis para meu trabalho, e o melhor:
passaria o dia inteiro ao lado de Gabriel, no dia
mais importante do ano, seu aniversário!

O mais curioso nisso tudo era a mudança do


Segurança. Que ele sempre teve sangue correndo
nas veias, eu já sabia. Ele podia ser uma pessoa
naturalmente séria e profissional, mas comigo a
situação se tornou outra aos poucos. Os já comuns
sorrisos secretos, as risadas, os momentos de
descontração e, para minha surpresa total, um dia
de turismo arquitetado por ele somente para
comemorar o seu aniversário.
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Fala sério. Gabriel não parece o tipo de


cara que ama aniversários a esse ponto. Pelo
contrário, pelo que ele disse sobre a Betty, ele
nunca deve comemorar a própria data de
nascimento!

Olhei mais uma vez para a vista


deslumbrante e dei um sobressalto quando senti a
mão de Gabriel pegando na minha. Não ouvi ele
voltando para me buscar, mas o que me
impressionou mesmo foi o gesto. Em tantos meses
juntos, nunca pegamos na mão um do outro na rua.
E eu não senti vergonha nem nada. Foi o momento
totalmente perfeito.

Deixei que ele me levasse e tentei não sorrir

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que nem uma adolescente apaixonada enquanto nos


embrenhávamos pelas ruas do bairro histórico,
sempre com as mãos entrelaçadas.

***

Horas depois, entramos em uma livraria


chamada Bertrand, no bairro de Chiado. Gabriel
comentou que era a livraria mais antiga do mundo,
e eu ergui as sobrancelhas, surpresa.

— Olha, tem uma placa do Guinness que


confirma isso, Gabriel! Uau, foi fundada em 1732!
Você veio na inauguração, Segurança? — perguntei
com a expressão mais inocente que consegui,

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ouvindo a risada de sempre de Gab.

— Claro, era aqui que eu conseguia o


sangue de virgens para meu ritual de imortalidade.

— Ah, então antes das groupies tinha outra


categoria de virgens? Virgens leitoras? Por isso
você sempre está com a cara enfiada num livro?
Entendi...

Gabriel fechou os olhos por um momento,


rindo, e me puxou pela mão para que entrássemos
na Bertrand. Fiquei maravilhada com o espaço:
convidativo, arejado, arrumado, maravilhoso. As
mesmas características que Sofia, Lula e eu
buscávamos nas lojas da Wings, o que fez com que
eu me sentisse totalmente em casa no meio de todos

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aqueles livros.

— Ai, que delícia, livros que eu consigo ler,


olha... — disse ao pegar uma edição em capa dura
de um livro do Saramago. Abri o livro e enfiei o
nariz dentro, sentindo seu cheiro. — Olha, tem
cheiro de português! Não de russo ou alemão ou
espanhol! Toma, olha esse, é ótimo.

Entreguei o livro para Gabriel e fui olhar a


livraria. Quase chorei de emoção quando descobri
que havia uma pequena área voltada para moda e
costura e peguei uns dez livros no colo, procurando
um local para sentar. Não encontrei nenhum
próximo, então fui até Gabriel e pedi que ele
segurasse para mim a pequena pilha de livros.

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— Ei, mas eu também quero olhar os


livros... — ele soltou um muxoxo, me fazendo rir.

— Não reclama, Segurança, é rápido,


prometo! Eu vou levar a maioria desses livros, só
quero ver se realmente são os que eu queria. Eu
sabia que esses só vendiam na Europa, mas não
achei que fosse encontrar todos aqui, mas sim na
Itália ou em Paris...

Gabriel revirou os olhos, mas assentiu


enquanto servia de apoio para mim. Minutos
depois, peguei nove dos dez livros e fui, toda
contente, até uma vendedora, que sorriu quando me
viu.

— Bom dia! Você pode segurar esses para

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mim enquanto eu olho outros? — pedi, contente


por falar em minha língua natal com alguém.

— Segurar? — ela perguntou, um pouco


confusa.

— É, guardar, colocar num canto, só para


que eu não fique segurando — expliquei com um
sorriso, e ela compreendeu e concordou. Bem que
me falaram que alguns portugueses são lógicos
demais...

Combinei uma entrega e voltei até Gabriel,


que olhava com um interesse um livro de Inês
Pedrosa. Imediatamente peguei o livro de sua mão
e comentei:

— Olha, Inês! Minha irmã adora! Já leu

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esse? Ok, vamos levar — disse e voltei até a


vendedora.

Gabriel me olhou com as sobrancelhas


franzidas e me perguntou quando eu voltei para
perto dele:

— Você vai levar a livraria inteira?

— Depende, se você quiser a livraria


inteira, eu dou um jeito de levar. Vai, continua
olhando, vou escolher uns livros para Lula. Ela ama
literatura portuguesa, vai parir um arco-íris quando
eu chegar com livros do Valter Hugo Mãe para ela.

Escolhi uns quatro ou cinco obras e fui


entregando para a vendedora reservar em um canto.

Passei por Gabriel várias vezes e fui

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retirando cada um dos livros que ele pegava e


manifestava interesse. No quinto livro, Gab
reclamou:

— Ei, eu já li esse, só estava olhando a


edição!

— Ah, é? Então tá, toma — devolvi o livro


e fiquei ao seu lado, esperando que ele escolhesse
mais algum.

Gab me olhou com os lábios franzidos e


sorriu quando uma ideia passou pela sua cabeça.

— Olha que maravilhoso aquele box com a


obra completa do Dostoievski. Veja, custa apenas
duzentos e cinquenta euros! Sempre quis ter esses
livros, mas nunca vi edição em português em

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Londres.

Levei a mão ao peito e fiz cara de terror ao


ouvir o preço salgado dos livros.

Duzentos e cinquenta? Quanto isso dá em


reais?

Virei o rosto na direção de Gab, pronta para


tentar negociar um presente mais barato, quando vi
seu sorriso sacana de quem estava só me
provocando.

— Você é um monstro, Segurança.

— Eu sou um monstro? Por quê? Apenas


me interessei nesse magnífico box e naquele ali, de
cem euros, olha! — apontou para um box imenso e
luxuoso contendo livros traduzidos de Charles

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Dickens.

Mordi o lábio e pensei no que fazer. Não


podia levar dois boxes de mais de trezentos euros,
era muito caro para meus padrões mãos de vaca,
ainda mais em euro! E, para completar, eu já estava
levando mais de vinte livros. Como ia despachar
aquilo tudo?

— Você quer muito esse box? Tipo, muito


mesmo? Você gosta de Dostoievski tanto assim? —
eu perguntei, incerta.

— Gosto, Costureira, mas já li quase todos


esses. Só queria ver até onde você ia nessa sua
compulsão em me dar presentes.

Soltei o ar, aliviada, e fechei os olhos,

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levando a mão ao peito.

— Você realmente é um monstro sem


coração. Já me imaginei vendendo meu corpo
naquela avenida cheia de gente rica para pagar isso
tudo. Olha, Mia Couto! Já leu? Tenho um amigo,
Joe, que é apaixonado por ele!

Gabriel balançou a cabeça negando, e eu


escolhi dois livros do autor moçambicano e mostrei
para ele.

— Esse é triste feito o inferno. Esse é


maravilhoso — disse, apontando com a cabeça para
Terra Sonâmbula e O Fio das Miçangas. — Vai,
escolhe um.

— Lena... — Gabriel começou a

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argumentar, mas eu mantive os livros erguidos para


ele, que apenas suspirou e apontou para o segundo
livro. — Chega, Lena, você já escolheu muitos
livros. Vai dar um trabalho imenso para levar para
o hotel...

— Ah, não, a livreira disse que vai pedir


para o irmão dela entregar no hotel de bicicleta.
Não é algo que eles fazem frequentemente, mas
como eu escolhi vinte e dois livros, consegui
convencê-la.

Gab ergueu uma sobrancelha para mim, e


eu ri de sua expressão:

— Ué, por que está surpreso? Foi uma


negociação básica, Gab. Você não acha que eu,

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Sophia e Lula comandamos a Wings sendo bobas,


acha? Criamos uma marca do zero e hoje temos um
monte de lojas espalhadas pelo Brasil e vendemos
roupas pelo site para vários cantos do mundo. Acha
que a gente entrega tudo pessoalmente?

Dessa vez, Gab ergueu a outra sobrancelha


também. Raramente eu falava da parte estrutural da
Wings, apenas da artística, então ele ouviu com
atenção.

— Ah, vai, não me olha com essa cara.


Ninguém faz ensaio na Vogue pensando pequeno,
você devia saber disso.

— Quem fez ensaio na Vogue, a Wings? —


ele me perguntou, parecendo confuso.

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— Não, bobo, eu fiz. Nunca te mostrei? Um


editorial bem legal, por sinal. O único problema é
que eles me passaram tanto no Photoshop, que eu
fiquei esquelética. E fiquei a cara da Shalom
Harlow, aquela supermodelo, sabe? Mas, ao menos,
a gente vendeu que nem água naquele semestre. Eu
te mostro quando chegar no hotel, eu tenho as fotos
no Instagram.

— Você foi a modelo? Da Vogue?

— Sim, Gab! Eu fui a modelo! Cinco


páginas, vestindo um monte de marcas, incluindo a
Wings! Eu estou querendo conseguir um desses
para a Aline quando voltarmos para a mansão, eu
tenho contatos dentro da editora que publica a

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Vogue no Brasil — comentei, distraída enquanto


olhava a capa de um best-seller. — Olha que
engraçada a tradução do título! Tão diferente do
nome original...

— Por que eu nunca soube disso? — Gab


perguntou, passando na minha frente e me olhando
com o rosto sério.

Confusa, perguntei:

— Você já me perguntou algo sobre meu


trabalho além da parte criativa da coisa? Então,
como iria saber? Não é exatamente a sua área, é?

— Não, mas minha profissão também não


tem nada a ver com você, mas você sempre me
pergunta tudo... — ele disse, parecendo um pouco

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culpado. Sorri para ele e fiz um gesto com a mão,


dispensando sua preocupação.

— Sim, porque eu gosto de ouvir você falar.


Você não precisa me incentivar a falar, eu tenho a
língua solta ao seu lado. Escuta, quantos livros eu
separei para você? — perguntei, encerrando o
assunto. Gab piscou antes de responder, não
parecendo muito satisfeito pela súbita mudança de
assunto.

— Uns seis, acho.

— Ótimo! Bati a cota, então! Vamos pagar,


ou você quer mais algum? — perguntei, e ele
balançou a cabeça negando.

— Bateu a cota?

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— Sim. Eu tenho uma teoria: nunca dê um


só presente para uma pessoa, dê cinco. Um deles
ela vai gostar, com certeza, e nenhum dos dois, o
presenteado ou o presenteador, vai ter que lidar
com a decepção de um presente ruim. Se ao menos
um agradar, a pessoa se apoia naquele, e todo
mundo fica feliz!

Sorri para ele e entreguei meu cartão para a


vendedora. Pagamos tudo, entregamos nosso
endereço e saímos da livraria.

— E agora, para onde vamos? Que horas


são? Uau, já são quatro da tarde! Os doces devem
estar murchos já!

— Não quer ir para casa? — Gab perguntou

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antes de pegar na minha mão de novo.

— Claro que não! Quero andar até abrir um


furo nesses seus coturnos. Aliás, eu já disse quão
gostoso você fica neles? Deviam fazer parte do seu
uniforme — eu comentei, olhando para seus pés.

Ele me deu um sorriso, mas notei que foi


mais um curvar de lábios meio cansado.

— Estamos andando há umas seis ou sete


horas, Lena, tem certeza que quer andar mais?
Podemos voltar aqui depois dos shows — ele
sugeriu, e eu ponderei por uns instantes. Aquele era
um dia muito especial para gastar toda a energia
andando por aí.

— Ok, pode ser, então. Táxi? — ofereci, e

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fomos em busca de um que nos levasse de volta ao


hotel.

Assim que chegamos no quarto, me lembrei


de uma coisa enquanto começava a desabotoar os
botões do vestido:

— Ah, esqueci dos doces! Tenho que levar


para o resto da banda! — exclamei e peguei minha
bolsa, deixando Gabriel sozinho e gritando:

— Lena, seu vestido tá aberto...!

Eu estava pouco me lixando para os doces


na bolsa, queria mesmo era arrumar um lugar que
vendesse um bolo ou uma torta, um cupcake que
fosse, só para Gabriel assoprar umas velinhas. Corri
pelo saguão do hotel e parei na recepção,

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perguntando, toda esbaforida, para uma


recepcionista, onde eu conseguiria um bolo. A
moça me deu um sorriso e apontou educadamente
para meu decote aberto, e eu agradeci enquanto
fechava os botões do vestido.

Peguei o endereço que ela me passou, duas


quadras de distância do hotel, e saí correndo pelas
ruas do bairro. Encontrei a confeitaria, pedi uma
torta, fui prontamente corrigida por um funcionário
mal-humorado que criticou minha pronúncia, e me
controlei muito para não o mandar tomar num
buraco onde o sol não bate. Infelizmente, se eu o
fizesse, ele entenderia.

Droga, lembrei do que Betty disse ontem

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sobre eu não poder mais xingar ninguém, ela tinha


razão. Nem tudo são flores...

Ao menos a torta que comprei era bonita e a


confeitaria vendia também coisas de aniversário,
como velas com números. Fiquei em dúvida de
qual levaria e me decidi por um seis e um zero,
sabendo que Gab me daria aquele sorriso irônico ao
ver as velas mostrando uma idade muito distante da
verdadeira.

Voltei para o hotel e entrei no elevador,


feliz da vida de ter conseguido comprar o doce,
quando meu celular tocou na bolsa. Equilibrando a
caixa da torta em uma mão, peguei o aparelho e
atendi e ouvi a voz irritada de Gabriel:

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— Lena, onde você está? Eu liguei para


todo mundo, você não passou no quarto de
ninguém da banda!

— Estou no elevador, Senhor Grey. Para de


ser tão nervoso, já estou subindo! — ralhei e
desliguei. Que cara mais grilado!

As portas do elevador se abriram, e eu saí


dele rodopiando, feliz da vida, cantarolando
Birthday, da Katy Perry:

— The clock is ticking running out of time,

so we should party all night...[8]

Cheguei na porta de nossa suíte e dei de


cara com um Gabriel todo sério me esperando. Sua
expressão suavizou quando ele viu a caixa da torta

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nas minhas mãos.

— Você comprou um bolo?

— So cover your eyes, I have a surprise, I

hope you got a healthy appetite[9] — continuei


cantando e ignorei sua pergunta.

Gabriel revirou os olhos e sorriu, saindo da


frente da porta para que eu entrasse. Chutei para o
lado minhas sapatilhas calçadas na pressa e levei a
torta até a mesa na antessala da suíte. Abri a caixa
enquanto cantava o refrão da música e tirei a torta
de dentro dela.

Era do sabor mais comum do planeta:


chocolate. Mas havia uma cobertura bonita, de
chocolate mesclado, e por mais que Gab não fosse

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totalmente fã de doces, não se comemora


aniversário comendo bacalhau, se comemora?
Então pronto, é torta mesmo.

— Boy, when you're with me I'll give you a


taste! Make it like your birthday everyday! I know
you like it sweet so you can have your cake. Give

you something good to celebrate! [10]

Dançando no ritmo da música, peguei os


pratinhos e talheres plásticos e comecei a rasgar as
embalagens deles e das velas. Espetei a vela de
número seis ao lado da de número zero e fui
rodopiando para o quarto em busca de um isqueiro.

— So let me get you in your birthday suit,


It's time to bring out the big, big, big, big, big, big

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balloons!![11]

Voltei para a antessala e acendi as velas,


sentindo o olhar divertido de Gabriel em mim. Tirei
uma foto da torta e olhei para ele, aguardando que
ele reagisse.

— Sessenta, Lena?

— Ué, errei? Você completa oitenta anos


hoje? — rebati sorrindo e corri até ele, pegando seu
rosto entre as mãos e plantando um beijo em seus
lábios. — Feliz aniversário, Segurança! Anda,
assopra!

Gab sorriu contra meus lábios e me beijou,


ignorando meus protestos de que ele apagasse as
velas. Afastei meu rosto do dele e exclamei:

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— Nem pensar, vovô, assopra as velas


primeiro, depois você me agradece! Tenta não
cuspir a dentadura na torta, por favor.

Sem me soltar, Gabriel se inclinou sobre a


torta e assoprou rapidamente as velas.

— Fez um pedido? — perguntei, toda


contente.

— Não, não precisa — ele disse antes de


me beijar apaixonadamente, me fazendo esquecer
de reclamar, de guardar a torta na geladeira ou de
me certificar de que as velas realmente estavam
apagadas.

Com sinceridade, nada estava me


importando muito naquele momento. Que a gente

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botasse fogo no hotel inteiro. Era aniversário de


Gab, então que eu me focasse em dar o meu
presente a ele.

Por toda a noite.

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Sevilha
Suspirei pela enésima vez enquanto tomava
mais um café no restaurante do hotel em Sevilha.
Era meu terceiro copo do dia, mas nem a
quantidade absurda de açúcar que eu estava
ingerindo, deixando a bebida doce igual ao que
minha irmã tomava, me animava.

Pensei na frase de Erika, dita em Glasgow,


menos de dois meses antes: não se pode ter tudo na
vida. Passei um aniversário incrível com Gab, mas,
pelo décimo ano seguido, passaria o de Julia
distante de minha irmã.

E o pior: longe de minha sobrinha, Thereza.

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Era um saco viver longe de minha família, eu


odiava aquela distância.

Uma lágrima abusada desceu pelo meu


olho, mas enxuguei rapidamente. Outra caiu, mais
outra, mais outra, até que eu parei de lutar contra
elas e deixei que molhassem a mesa aos
pouquinhos.

Bufei e levantei o olhar do copo vazio, me


sentindo totalmente desanimada. Estava pensando
em como faria para ocultar meu humor porcaria,
quando levei um susto: a banda inteira, junto de
Pierre, Gab, e Erika, estava vindo tomar café da
manhã. Olhei no relógio: pouco mais de seis da
manhã.

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Por que todos acordaram tão cedo e ao


mesmo tempo? Gabriel estava dormindo quando eu
saí do quarto!

Enxuguei rapidamente o rosto, tirei o lenço


que estava no meu cabelo e passei de qualquer jeito
na mesa, para ocultar provas de que estava
chorando. Levantei da cadeira num salto. Não
estava no clima para socializar com ninguém que
não fosse... bem, minha irmã. Joguei o copo de
plástico no lixo e me virei de costas para eles,
forçando um esboço de um sorriso que não
mostrasse meu humor real.

— Ei, Lena! Vem cá! — Diego gritou, e eu


hesitei antes de me virar. Calmamente, fui até as

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mesas que eles escolheram e os cumprimentei.

— Já tomou café? Que pergunta, é óbvio


que... Lena? — Betty começou a brincar, mas
parou quando viu minha expressão distante. — Tá
tudo bem?

Pisquei algumas vezes antes de responder,


tentando sorrir:

— Tudo! Eu só estou... hm... indisposta


hoje. Eu vou para meu quarto, tudo bem? Alguém
precisa de algo? — perguntei e olhei vagamente
para todos, não parando em nenhum rosto, só no de
Gabriel, que me olhava com as sobrancelhas
franzidas. — Não, né? Então eu vou para o quarto.

Dei mais um sorriso horroroso e me virei

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quase correndo ao sentir as lágrimas inundarem os


olhos. Estava quase chegando na porta do
restaurante quando ouvi Aline me chamar. Parei de
andar, mas não me virei. Olhei para cima, torcendo
para que as lágrimas dessem uma segurada, e me
voltei para Aline.

— Oi! — tentei soar animada, mas minha


voz não estava muito boa.

Aline veio em minha direção com meu


celular na mão.

— Você esqueceu na mesa seu... Lenita, o


que houve? — ela disse quando uma lágrima
imbecil não conseguiu se segurar nos meus cílios e
desceu pela minha bochecha.

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— Nada! Enjoo, fortíssimo, uma coisa de


louco. Eu vou para o quarto, obrigada! Tchau! —
disparei e saí correndo, deixando a baterista parada
no mesmo lugar, me olhando com a preocupação
nítida no rosto.

Saí do restaurante, segui pelo saguão e parei


na frente do elevador. O maldito estava no último
andar e, para completar, era extremamente lerdo,
daqueles antigos com grade e botões duros de se
apertar. Tive medo que alguém me seguisse, então
fui pelas escadas de emergência, assim como eu
fizera quando flagrei Betty e Tony se atracando.
Corri até onde tive fôlego e parei lá pelo quarto
andar, ofegante. Deixei que as lágrimas caíssem e
me sentei na escada, abraçando meus joelhos.
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Fiquei por algum tempo ali, não lutando


mais contra a vontade de chorar e agradecendo aos
céus pela privacidade que a escada de emergência
me proporcionou. Meu celular não parava de vibrar
no degrau ao meu lado, mas eu o ignorei por quanto
tempo pude. Precisava de um tempo só meu, para
fazer meu draminha em paz.

Uma meia hora depois, um homem de terno


desceu as escadas ao meu lado, me olhou e me
perguntou alguma coisa em espanhol que eu não
entendi. Respondi em português:

— Desculpa, senhor, eu não entendo quase


nada de espanhol...

— Señorita Lena?

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Endireitei o corpo e fiquei em alerta.

— Sim?

Ele pegou seu rádio e comunicou a sei lá


quem algo que me pareceu um “encontrei ela,
senhor” e algum tipo de coordenada. Em seguida,
ele me perguntou se eu estava bem, eu creio, e eu
balancei a cabeça e tentei dar um sorriso, mas meu
rosto estava inchado demais para que tenha soado
amistoso.

Ouvi passos no andar de baixo e suspirei


quando reconheci a voz de Gabriel ao telefone se
aproximando escada acima:

— Betty, encontrei. Sim, pode ficar


tranquila. Ok. Obrigado — ele disse e parou na

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minha frente depois de dispensar o outro segurança.


Em seguida, se agachou e me olhou.

— Ei, eu tava desenrolando um encontro


legal com aquele segurança, Segurança. Cortou
minha onda... Ele era bonitão, viu? — eu tentei
brincar, mas não houve muito humor na minha voz,
não com as lágrimas teimosas ainda caindo pelas
bochechas.

Gab botou as mãos no meu rosto e enxugou


meus olhos com os dedos. Beijei sua mão esquerda
antes de dar um sorriso triste.

— O que houve, Lena? Estávamos


preocupados, você sumiu e não atendeu o telefone.
Eu vi seu bilhete no seu lado na cama, mas não

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entendi muito bem. Por que hoje é “dia de café


sozinha”? — ele perguntou, fazendo referência ao
meu bilhete escrito às pressas.

— Eu escrevi isso? Era para ser algo tipo


“bom dia, vou tomar café sozinha enquanto você
não acorda”.

Gab deu um pequeno sorriso.

— Seu poder de síntese em inglês é


impressionante. Vem, levanta, vamos para o quarto.
Lá você me conta o que aconteceu, pode ser?

Balancei a cabeça concordando, aceitei sua


mão e me levantei enxugando as lágrimas novas.
Gabriel passou o braço nos meus ombros e subimos
as escadas em silêncio. Assim que entramos no

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quarto, Gab me fez sentar na poltrona ao lado da


porta e tirou meus tênis. Em seguida, deixou seus
sapatos e me deu a mão para que eu o
acompanhasse até a cama. Enquanto eu me
acomodava, Gabriel tirou seu terno, coldre e os
deixou na pequena mesa de madeira no canto do
quarto, dando a conferida de sempre na pistola.

Já mais relaxada, encarei meus pés, aliviada


de as lágrimas terem parado, mas nem um pouco
animada de ter que contar a Gabriel o motivo de
minha tristeza. Era bobeira, eu sabia, mas tem
coisas na vida que a gente não consegue
simplesmente apertar um botão e desligar. Click:
desânimo está off-line.

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Eu me lembrei de quando conheci Gab,


quase cinco anos atrás. Eu estava uma bagunça,
confusa, traumatizada por causa da agressão do
Alexandro — que Belzebu o tenha em bom lugar
—, e foi Gab quem me ajudou, conversando
comigo sobre superação de traumas. Foi uma
espécie de filosofia de vida que me ajudou demais,
a ideia de que a gente não precisa se preocupar em
superar alguma coisa, mas sim aprender a conviver
com nosso passado.

Isso foi fundamental para que eu


conseguisse me sentir melhor quanto a violência
que sofri. Na época, eu estava arredia, sempre
tensa, sempre agressiva. Cheguei ao ponto de
agredir fisicamente qualquer pessoa que encostasse
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em mim quando eu estava distraída. Se bem me


lembro, quebrei o pulso de meu ex-namorado,
Roberto, em um dia em que ele me abraçou por
trás, apenas para me cumprimentar, sem nenhuma
intenção negativa.

Não foi uma época boa para mim, nem um


pouco. Parei de confiar em todo mundo, inclusive
em mim. Eu me fechei em um casulo e não deixei
ninguém se aproximar, nem mesmo meus amigos
mais próximos. Porém, quando conheci Gab
naquele show, muitas coisas aconteceram.

Todos os meus gatilhos foram disparados


quando ele acidentalmente torceu meu pulso, é
óbvio, e minha reação foi exatamente a oposta à

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que ele esperava. Em vez de me assustar, chorar, eu


ergui um muro ao meu redor e fiquei na defensiva,
tentando esconder qualquer tipo de conflito interno
que estava passando. Fiquei carrancuda e não
deixei que ele chegasse perto. Percebi quase
imediatamente que Gabriel não teve intenção de me
machucar. Ele estava dormindo, se assustou e
tentou se defender. Foi instintivo, ele não estava
acostumado a dormir com alguém ao seu lado.
Ainda assim, não deixei que ele se aproximasse de
mim.

Mas Gab, que não é bobo nem nada, notou


que havia algo além ali e conseguiu ultrapassar
meu muro, fazendo com que eu me abrisse com ele.
Acabei contando tudo que havia acontecido e senti,
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pela primeira vez desde quando acordei no hospital


cheia de pontos na nuca, que eu não estava sozinha.
Que sentir medo é normal, que ficar desconfiada é
normal, mas que eu não poderia viver minha vida
em função de um trauma. E, principalmente, eu não
poderia viver minha vida em função de tentar
SUPERAR esse trauma. Eu precisava apenas
aprender a conviver com a minha história.

Engraçado, tudo isso eu concordei, aprendi


e foi a melhor coisa que alguém poderia ter me
dito. Mas, ainda assim, havia coisas que eu não
conseguia aprender a conviver. A ausência de
minha irmã, por exemplo, era uma delas. Sempre
evitei pensar nisso, mas ao mesmo tempo, sempre
evitei seus convites para passar um tempo em sua
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casa. Medida de proteção, talvez? Não sei.

Era muito confusa essa ideia de que, depois


de anos vivendo com ela, minha irmã não voltaria
mais para casa. E eu sei que não voltaria, ela amava
aquela porcaria de Estados Unidos, amava seu
companheiro, Thomas, amava seu emprego de
professora em uma universidade lá. O que ela faria
aqui no Brasil, naquele apartamento minúsculo,
sem seu emprego, sem o amor de sua vida, sem sua
vida inteira?

Olhei para Gab, que estava mandando uma


mensagem rápida no celular, provavelmente para
Erika, e um pensamento desagradável me bateu: e
eu? O que eu faria no Brasil, naquele apartamento

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minúsculo, sozinha, com meu emprego, mas seu


meu... Gab?

Respirei fundo e me dei conta de que o


motivo de eu estar sentindo tanta falta de Júlia
nesse aniversário em especial é que sua ausência
era um bom lembrete do que me esperava quando o
contrato acabasse: voltar para Botafogo e viver
sozinha, focando somente em meu trabalho, sem
minha irmã e sem mais ninguém.

Isso sempre foi suficiente para mim, sempre


soube lidar com essa forma de viver, sempre foi
satisfatória essa vida.

Mas e daqui a uns quatro meses? Vai


continuar sendo?

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Adicionar um novo personagem ao jogo


“Amor à Distância” não me parecia algo agradável
de se fazer. Eu, como principal desenvolvedora
desse jogo, deveria ter previsto isso quando
comecei a me envolver com Gabriel.

— Pronto, Costureira, me diz o que


aconteceu — ele disse quando sentou ao meu lado
na cama, me tirando dos meus devaneios.

Continuei encarando meus pés, afastei da


cabeça os pensamentos sobre nossa eminente
separação e respondi com a voz fraca:

— Hoje é aniversário da Júlia...

Não era só isso, claro. Mas eu não estava


pronta para falar que o motivo real de minha

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tristeza era uma mistura de coisas que incluíam ele.

— Sério? Tão perto do meu... E você tá


com saudade, é isso? Quer que eu ligue o Skype?

Balancei a cabeça negando e cruzei as


pernas antes de me virar de frente para Gabriel.

— Eu vejo minha irmã no Skype quase todo


dia. Chega um dia que cansa só ver um pedaço dela
ali, sem sentir o cheiro de morango do cabelo dela,
ou sem sentir o abraço desajeitado que ela sempre
me dá, essas coisas.

Gabriel assentiu com a cabeça e imitou


minha postura, ficando de frente para mim.

— Ela tem cheiro de morango no cabelo? É


de família ter cabelo sem cheiro de cabelo? — ele

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brincou com um pequeno sorriso.

Acabei sorrindo também com seu


comentário.

— Tem, é o xampu que ela usa. Aliás, meu


cabelo tem cheiro diferente? Não consigo sentir o
cheiro dele. Cheira a café?

— Não, ele... Olha, pensando bem, eu não


sei o que é, mas é muito bom.

Desviei o olhar e dei um sorriso tímido.


Quase trinta anos na cara e eu ainda não sabia
reagir a elogios espontâneos assim.

— Há quanto tempo você não encontra sua


irmã? — ele perguntou de repente. Meu sorriso
morreu no rosto quando eu respondi:

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— A última vez em que ela foi ao Brasil,


com a filha... Deve ter quase dois anos. Mas o lance
é mais o aniversário dela que me deixa mal. Não
passamos um aniversário juntas desde quando ela
foi fazer o doutorado, quando eu tinha uns
dezenove anos. Tem quase dez anos.

Gab assentiu com a cabeça e não disse nada.

— Eu não ligo para o meu aniversário,


sabe? Sempre me esqueço dele. Mas eu ligo para o
aniversário das pessoas que eu quero bem. Gosto de
fazer um bolo, de comprar presente, tirar fotos, sei
lá, qualquer coisa para não passar em branco. Você
sabe, eu fiz isso com você — expliquei enquanto
descruzava as pernas e me deitava na cama. Gabriel

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sentou ao meu lado, e eu me aconcheguei em seu


colo.

Senti sua mão em meus cabelos e fechei os


olhos, relaxando os ombros.

— Mas, cara, quase dez anos é foda. Que


tipo de foto eu tiro com ela em seu aniversário, eu,
no Brasil, e ela, nos Estados Unidos? Um print da
tela do Skype? Queria fazer alguma coisa com ela,
algo legal, alguma coisa mais física. Qualquer coisa
que não fosse ligar o computador e dar parabéns
dessa maneira distante...

Gabriel não disse nada, apenas continuou


fazendo carinho na minha cabeça. Eu me virei para
o seu lado e me encostei em seu corpo, sentindo seu

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cheiro, que me causava um turbilhão de emoções


muito confortáveis. Ficamos em silêncio por um
tempo, até que me lembrei de uma coisa:

— Gab...

— Diga.

— Não é melhor você ir embora? A banda


inteira acordou cedo, não tem algo importante para
fazer hoje?

— Sim, é o dia da entrevista na MTV


espanhola.

Ergui o corpo e olhei para ele, espantada.

— É hoje? Cara, eu me enganei com as


datas? Achei que fosse amanhã! Gab, vai embora!
Que horas vai começar?

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— Umas oito — ele disse serenamente.

— Que horas são? Meu Deus, Segurança,


são sete e pouca, já? Onde vai ser a entrevista, é
aqui perto?

— Não muito... Uns quarenta minutos.

— Gabriel! — levantei de um salto na cama


e corri para pegar seu terno e seu coldre. — Eu sou
uma idiota, tô atrasando todo mundo!

— Lena... — Gabriel começou a falar, mas


eu o interrompi:

— Gab, levanta! Você vai chegar atrasado!

Ele me obedeceu, mas caminhou até mim,


me segurou pelos ombros e me fez parar de correr
pelo quarto. Com uma tranquilidade inversamente

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proporcional à minha, tirou gentilmente a arma da


minha mão e colocou na gaveta do criado-mudo
antes de explicar:

— Lena, todos já foram embora. A Erika foi


com eles e com os seguranças extras.

Com seu terno em uma mão e o coldre


vazio na outra, eu encarei Gab, impressionada.

— Mas... é horário de trabalho, Segurança...


Eu tenho que ir também...

— Pierre faz tudo sozinho, ele não é


criança. E você pode ficar um dia sem fazer os
relatórios, não pode?

— Mas... — eu comecei a argumentar, mas


Gab me silenciou com um beijo rápido e explicou:

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— Não se preocupa, a entrevista é rápida e


num local seguro. Eles voltarão antes do almoço e
só vão sair de novo para a sessão de fotos daquela
revista, que vai ser aqui, no hotel.

— É, eu sei, da sessão eu me lembrava... —


disse, ainda um pouco incerta. — Não sei se fico
confortável com você faltar seu trabalho por causa
de uma besteira dessas. De novo você se distrai por
minha causa, Segurança...

Gabriel riu e me virou de costas para abrir o


zíper do meu vestido.

— Eu não estou distraído, só estou tirando


umas horas de folga. Além do mais, a Betty disse
que me demitiria se eu não ficasse... Creio que

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ninguém nessa banda é mais ameaçado de demissão


do que eu... — ele disse com um traço de humor na
voz, me fazendo rir.

Senti meu vestido escorregar pelas costas e


tirei meus braços de dentro dele, ficando só de
calcinha, sutiã e meias ⅞.

— Ué, não colocou aqueles negócios que


seguram as meias? Como elas continuam no
mesmo lugar? — Gabriel me perguntou quando eu
me virei para ele.

Sorri e puxei um pedaço da meia,


descolando o silicone adesivo que prendia o tecido
na minha coxa. Gabriel balançou a cabeça,
levemente impressionado com a engenharia da

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coisa, e ficou parado, esperando que eu o despisse


também.

Comecei a afrouxar o nó de sua gravata


enquanto pensava em como a banda toda era legal.
Em todos os momentos de dificuldade, seja quando
eu tinha quebrado o dedo, quando eu tive o ataque
de pânico ou naquele dia, em que eu estava triste
por causa de saudades, eles sempre manifestaram
apoio.

O mesmo eu podia ver que acontecia uns


com os outros, sempre havia um braço amigo para
se apoiar. Era uma grande família, e eu me senti
bem por fazer parte dela, mesmo que por um pouco
tempo.

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— Que foi, Costureira, que você tá com


esse olhar sonhador? — Gab perguntou quando eu
terminei de tirar sua camisa, seu cinto e o deixei só
de calça social.

Levantei os ombros e dei um sorriso triste.

— É irônico que eu tenha chorado por


saudades de familiares quando estou rodeada de
gente que me quer bem... A gente nunca está
satisfeito com o que tem, não é?

— Eu estou satisfeito com o que tenho —


ele disse enquanto se inclinava para beijar meu
pescoço.

Fechei os olhos enquanto sentia os lábios de


Gab em minha pele, mas abri assim que processei o

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que ele tinha dito. Até meu coração deu uns saltos
estranhos, de tão inesperada que foi aquela frase.

Isso pareceu uma declaração, ou eu que


estou sentimental demais?

Senti que minhas bochechas ficaram


vermelhas e não respondi de imediato o comentário
de Gab sobre estar satisfeito com o que tem.
Quando a faísca de esperança apagou e a minha
vergonha passou, ao mesmo tempo em que Gab
fazia uma trilha de beijos do meu pescoço, queixo e
parava na minha boca, virei um pouco o rosto,
tentando evitar um beijo, e disse em tom de
brincadeira:

— Espero que não esteja falando de mim.

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Não sou um objeto para você me ter.

Gabriel parou de me beijar, afastou o rosto e


me mirou fundo nos olhos, seu rosto se tornando
sério repentinamente.

— Desculpa, Lena, não foi isso que eu quis


dizer.

Pisquei, confusa com sua mudança de


humor, e comecei a desbotoar sua calça, mas não a
retirei.

— Eu sei o que você quis dizer, Segurança,


só estava brincando — respondi e o puxei pelo
braço para deitar na cama ao meu lado.

Deitei a cabeça em seu peito e me aninhei


em seus braços. Pensei em sua reação ao ouvir meu

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comentário e acabei sorrindo. Mesmo sendo todo


protetor, Gabriel não era do tipo controlador, nem
fazia com que eu me sentisse... aprisionada.

— Gab... — chamei depois de alguns


instantes de silêncio.

— Diga.

— Eu não gosto de nada que me prenda,


sabe? Isso vale para qualquer coisa, física,
psicológica... Tudo.

— Eu sei — Gab disse com a voz séria.

Passei a mão em sua tatuagem e hesitei


antes de continuar:

— Mesmo monogamia me aprisiona em


alguns momentos da vida. Ficar sempre com a

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mesma pessoa é... assustador, dependendo de quem


seja. Mas...

Parei de falar para olhar o rosto de Gabriel,


sério e levemente preocupado com o rumo da
prosa.

— Mas eu não me sinto presa com você,


Segurança. Pelo contrário, eu me sinto... solta. Eu
posso ser eu mesma, sem me preocupar se você vai
se ofender com minhas provocações ou me
metralhar com perguntas do tipo “aonde você foi?”
ou “quem era ele ou ela?”

Gabriel me ouvia atentamente, ainda


abraçado a mim.

— Então você não precisa se preocupar com

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o uso de certas expressões comigo. Mesmo se você


gritasse “tire as mãos da minha garota” para algum
russo abusado que tentasse algo comigo, eu não
acharia que você realmente quisesse dizer que eu
sou sua. Eu sei que você sabe que eu não sou de
ninguém, além de minha, assim como você também
não pertence a nenhuma outra pessoa que não seja
você. Então relaxa. Não precisa reagir desse jeito
quando eu faço uma brincadeira.

Levantei o olhar para ele e sorri. Gabriel me


olhou por uns instantes, sorriu de volta, mas, de
repente, arregalou os olhos, como se uma ideia
tivesse brotado em sua mente.

— Já sei o que eu posso fazer para te

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animar.

Sentei na cama e fiquei olhando ele se


levantar, ir até a mesa do quarto e pegar seu
notebook.

— Gab? O quê...?

Ele sentou na cama com o notebook no colo


e ergueu a mão para mim, pedindo que eu parasse
de falar. Franzi os lábios, mas obedeci e fiquei
olhando Gab digitar freneticamente. Em seguida,
colocou o notebook fechado de lado e pegou seu
celular, digitando tão freneticamente quanto antes.

— Pronto, Costureira. Tem um bar num


bairro a uns quarenta minutos daqui que também
tem aquele jogo que vocês adoram. Aquele

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esquisito de dança. Just-Algo.

— Just Dance? Como você sabe...?

— Google, Lena. Já organizei com a Erika,


ela vai pedir um veículo grande suficiente para todo
mundo ir.

— Todos...? A banda toda?

— Sim. Acha que eles perdem oportunidade


de sair? O bar é igual ao da Itália, com salas
privadas de Just Dance e do outro jogo de dança
que eu não decorei o nome também.

— Dance Central? — perguntei, me


sentindo um pouco mais animada.

— Esse mesmo. Incrível como esses jogos


estão na moda. Vou ligar para lá mais tarde e

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reservar uma sala. A banda tá precisando descansar


um pouco mesmo, então unimos o útil ao
agradável.

Sorri, achando fofo ele querer me animar


desse jeito, mas meu sorriso logo morreu quando
meu celular começou a tocar Formation, da
Beyoncé, a música preferida de minha irmã e toque
do meu celular para suas chamadas.

Fui até a mesa de cabeceira, pegando meu


celular com pesar. Atendi o telefone e coloquei no
viva-voz, tentando soar animada quando disse:

— Grande Irmã?

— Lena, sua biscateira rodada!! Não que


isso seja um xingamento, quisera eu ter dado tanto

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essa xavasca quanto você já deu nesses seus vinte e


tantos anos de...

— Júlia, você tá no viva-voz e eu não estou


sozinha no quarto — disse, rindo, e olhei para
Gabriel, que segurava um sorriso.

— Ah. Ops. Quero dizer, quisera eu ter


passado tantos anos no convento, como você
passou antes de conhecer o Segurança...! É ele que
tá aí, não é?

— Sim, claro que é ele, mas... convento?

— Claro! Eu me lembro como fosse ontem!


Você querendo seguir os caminhos do Senhor, mas
se desvirtuando ao encontrar aquele padre Favo de
Mel e não resistir e se enfiar debaixo da batina

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dele e...

— Ok, tirando do viva-voz.

— Não, não! Eu me controlo, prometo!


Oooooooi, Segurança! — minha irmã gritou, e eu
joguei o celular na cama, do lado de Gabriel, antes
de me deitar ao seu lado, de barriga para cima.

— Oi, Júlia. Feliz aniversário — Gab disse


e cruzou as pernas na cama, sorrindo para mim.

— Obrigada, querido! A Lena anda


pegando muito na sua arma?

— Tirando do viva-voz! — eu gritei e tentei


pegar o celular, mas Gab o tirou do meu alcance
enquanto sorria. Desgraçado!

— Não, Lenita, eu quis dizer literalmente!

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Tio Gun me liga de dois em dois dias me


perguntando isso, se você está treinando sua mira.
Tá enchendo meu saco desde o dia que você ligou
para ele na Suíça, Suécia, sei lá onde você foi no
shooting range. Credo, garota maluca, já pensou
sacanagem? Nossa, não sei a quem puxou! Deve
ter puxado Tio Gun, que é pirado.

Gabriel me olhou com uma sobrancelha


erguida e perguntou em voz baixa:

— Tio Gun?

Fiz um gesto com a mão, como se mandasse


ele ignorar o apelido que minha irmã chamava meu
tio bitolado em armas, e abri a boca para responder
a provocação de Júlia, mas ela se adiantou e disse:

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— Aliás, estou esperando meus votos de


feliz aniversário, irmãzinha.

Meu sorriso morreu no rosto, e eu retruquei:

— Achei que você não ligava para isso,


Grande Irmã. Quer mesmo que o Gabriel saiba que
você está completando cinquenta e nove anos?

— Cinquenta e...? Você é uma escrota de


primeira linha! Estou completando míseros trinta
anos!

— Há! Com certeza! Somos quase gêmeas!


Tipo Barney e James Stinson, né? Super. Mamãe
era a Loretta, bem rodadinha, adoro — retruquei
com ironia.

— Ok, talvez, muito talvez, eu esteja

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fazendo quarenta, mas quem se importa com idade


quando se tem uma pele perfeita como a minha?
Aliás, Segurança, minha irmã disse, nos breves
momentos em que ela não está com a cabeça no
trabalho ou a boca numa xícara de café ou... Bem,
com a boca em você....

— Júlia, quer entrar para banda? Eles iam


adorar você falando essas bobagens, sabia? Sabe
que eles têm um grupo secreto de mensagens só
com fotos em que eu e Gabriel estamos nos
pegando? — eu exclamei, mas minha irmã me
ignorou e prosseguiu:

— Continuando, Gabriel, nesses breves


momentos em que minha irmã lembra de mim, ela

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comentou que foi seu aniversário um dia desses,


não foi? Parabéns, Segurança! Fez quantos anos?

— Obrigado. Fiz trinta e nove — ele


respondeu com um pequeno sorriso no rosto, ainda
que minha irmã não pudesse ver.

— Uau, Segurança, você é velho!


Engraçado, você não parece ter mais que trinta e
poucos! É algum ritual demoníaco que você faz
para se manter jovem? Anda bebendo o sangue de
minha irmã? Tá ligado que ela não é virgem, né?
Talvez não adiante muito! — a voz de Júlia foi
subindo à medida que ela foi falando, o que fez
com que eu deixasse uma risada aguda escapar.

Gabriel olhou para mim e apontou para o

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celular, movendo os lábios e dizendo sem som


“igual a você!” Tentei segurar a risada e respondi
por ele:

— Sim, Grande Irmã, ele faz vários rituais


para se manter jovem. Só assim para não aparentar
ter quase quarenta. Mas só na aparência, no resto é
tudo velho mesmo. Gabriel tem osteoporose,
pressão alta, vista cansada, catarata, disfunção
erétil, tudo que você imaginar.

Ouvi Júlia gargalhando e ignorei o olhar


mortificado de Gabriel.

— Segurança, Segurança! Você não


precisa se preocupar com mais nada! Se a Lena
implica tanto com a sua idade, é porque ela

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provavelmente te am...!

— Encerrando a ligação! — gritei e agarrei


o celular das mãos de Gabriel, suspirando aliviada
quando vi que consegui interromper o monte de
besteira que minha irmã estava prestes a falar.

Gabriel, que ainda estava rindo, não


manifestou reação ao que Júlia tentou dizer.

— Até me chamar de Segurança ela me


chama. Vocês são idênticas... — Gab comentou,
achando tudo aquilo muito engraçado.

Abri a boca para responder, mas o celular


tocou em seguida, e eu atendi sem ativar o viva-voz
dessa vez.

— Que é, sua velha escrota? — perguntei,

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bem azeda mesmo, mas não pude deixar de sorrir


quando ela me respondeu:

— Eu amo você, sua quenguinha.

— Eu também te amo, Grande Irmã. Feliz


aniversário... — disse e fiquei com o telefone
colado na orelha mesmo depois de ela ter
desligado. Meu peito ficou pesado e a vontade de
chorar voltou.

Abaixei a mão, deixando o celular cair ao


meu lado, e fui ao banheiro em silêncio, fechando a
porta atrás de mim. Gabriel não me seguiu, o que
foi ótimo para que eu pudesse entrar no chuveiro e
deixar as benditas lágrimas caírem até acabarem.

Meia hora depois, saí do chuveiro enrolada

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na toalha e me olhei no espelho, me recriminando.

Ora bolas, Lena, quase trinta anos na cara


e ainda chorando de saudadinhas da sua irmã!
Você não a encontra porque sempre tá afundada
demais em trabalho para tomar vergonha na cara e
pegar um avião até os Estados Unidos!

Além do mais, quanto a Gab, ainda tem


tanto tempo para acabar o contrato! Estamos no
final de setembro, meu vínculo acaba só em março!
Para que se torturar tanto, se ainda tem muito
chão pela frente?

Saí do banheiro me sentindo melhor. Vesti


uma das camisas de Gab, fui estender a toalha e
voltei, parando no meio do quarto para olhar

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Gabriel, que estava deitado na cama, lendo um dos


livros que eu comprei para ele em Lisboa.

Sem camisa, exibindo o corpo torneado e


tatuado.

Que delícia cremosa de homem.

Não pude deixar de sorrir quando ele falou:

— Quer tirar uma foto? Vai durar mais.

— Quero. Vou tirar e mandar para minha


irmã, para ela morrer de inveja do vovô que eu tô
pegando. Como ela é tão velha quanto, sei que vai
se morder por dentro.

Gabriel sorriu e estendeu a mão para mim.


Fui até ele e aceitei seu gesto, rindo quando ele me
puxou e me fez deitar por cima de seu corpo. Passei

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os joelhos ao redor de seus quadris e deitei a cabeça


em seu peito, me aninhando em seu abraço.

Ficamos ali, conversando sobre besteiras


por horas, fazendo um love suave (ou não tão
suave, convenhamos), até a fome bater e nós
descermos para almoçar no restaurante.
Encontramos Betty, Erika, Tony e Aline
almoçando, e as quatro logo me perguntaram se eu
estava bem.

Sorri para elas, olhei para Gab e respondi, o


coração já mais calmo:

— Vou ficar. Sempre fico.

***

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No final do dia, após a sessão de fotos da


banda, nós embarcamos rumo ao tal bar que Gab
queria me levar para dançar. Meu humor começou
a oscilar entre momentos de carência extrema e de
mau humor grosseiro. Dei incontáveis patadas no
pobre do Diego, para em seguida correr e abraçá-lo,
deixando-o totalmente confuso.

Em determinado momento, passei a abraçar


todos que passavam por mim, incluindo Jim, que
me abraçava de volta, mas ficava totalmente
perdido quando eu o soltava e sentava em minha
cadeira no bar, enfiando a cara no copo de cerveja,
como se nada houvesse acontecido.

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Vi Betty dançando I Will Survive com


Diego e arrisquei um sorriso quando Tony dançou
uma música da Rihanna, Where Have You Been.
Não me aguentei e gargalhei quando Jim, todo
posudo, dançou Best Song Ever, música de uma
boyband que eu nunca lembro o nome.

Meu humor estava começando a estabilizar,


quando Gabriel recebeu uma ligação e se afastou
para atender. Em poucos minutos, Betty estava com
o controle do Wii na mão, procurando uma música
com um sorriso travesso no rosto.

Dei um sorriso enquanto tentava entender o


que estava acontecendo, mas ele morreu quando
Betty entrou em uma partida privada e escolheu

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Birthday, da Katy Perry, a música que eu cantei


para Gab em seu aniversário e, obviamente, a pior
escolha para mim naquele momento.

Já estava pensando em como me vingar da


piada sem graça arruinando todo o armário de
Betty, quando, sem tirar o sorriso travesso do rosto,
a bicha veio até mim e me puxou pelo braço.
Levantei, mas não deixei que ela me guiasse,
apenas olhei ao redor, tentando entender que
brincadeira besta era aquela. Gabriel apareceu do
meu lado e disse no meu ouvido:

— “Juju111” tá te esperando para dançar,


Costureira. Vai deixar ela esperando?

Boquiaberta, olhei para Gab e procurei em

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seu olhar se aquilo era realmente uma piada de mau


gosto. Juju111 era a gamertag de minha irmã em
seu Wii, mas ela nunca, nunca, nunca mesmo,
jogava Just Dance, nunca a convenci. Nunca.
Never. Jamais.

Ênfase no “nunca”.

— Tá falando sério? — perguntei, mas nem


esperei Gabriel responder e corri até o palco,
arrancando o controle do Wii das mãos de Betty,
que sorriu e saiu correndo de perto de mim, antes
que eu a empurrasse.

O palco era composto de um tablado, uma


pequena televisão no chão, ao lado do console,
onde os jogadores poderiam ver as imagens do

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jogo, e uma televisão imensa atrás do jogador, para


que as outras pessoas pudessem acompanhar os
movimentos.

Com a mão trêmula segurando o controle,


virei de costas para todos e procurei pela gamertag
de minha irmã. Meu coração disparou quando eu vi
seu nome no cantinho e corri para dar play na
partida.

A música começou, mas eu não consegui


me mover, fiquei olhando a bonequinha dançar na
tela, imaginando que minha irmã também estava
dançando. Sim, minha irmã estava dançando
Birthday!

Diego gritou que eu estava perdendo, e eu

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comecei a dançar assim que o segundo verso


começou. Como era minha música preferida,
dancei sem problemas, fazendo as caras e bocas
necessárias e dando os saltinhos nos momentos
certos. Ouvi o pessoal da banda rindo e gritando
incentivos e continuei dançando como se não
houvesse amanhã. Vi, quando a parte lenta
começou, que minha irmã estava ganhando, o que
era um absurdo, então redobrei minha atenção e a
ultrapassei.

Na parte do “big baloons”, minha preferida,


procurei Gabriel com o olhar e vi que ele estava me
filmando com seu celular. Sorri e continuei
dançando, batendo cabelo, cantando junto e
fazendo tudo que eu tinha direito.
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Cantei o último pedaço da música e


sussurrei o “happy birthday” no finalzinho, dando
saltos de alegria quando a música terminou. No
mesmo instante, todos bateram palmas. Fiquei
muito contente quando a pontuação saiu e eu vi que
Júlia e eu quase empatamos. Saí do palco
rodopiando e me sentindo muito mais animada do
que antes.

Gab veio até mim com o celular na mão e


me entregou. Olhei na tela e vi que minha irmã
estava conectada numa ligação do WhatsApp.

— Pronto, Lena? Tá menos saudosa


agora? É melhor do que só falar pelo Skype, não
é? Sua criançona! — Júlia gritou no telefone, em

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inglês, obviamente. — A gente vai se ver em breve,


eu prometo. Não fica triste, minha lindona. Vai
chupar seu segurança, deve ser mais divertido.

— Júlia, você tá no viva-voz e todos da


banda estão presentes — alertei quando vi Diego
praticamente urrar de tanto rir.

— Ah, é? Burra é você, que nunca aprende


e sempre me coloca para todos me ouvirem!
Ooooooi, Sissy Walker!

Estendi o celular na direção de todos, que


gritaram cumprimentos.

— Obrigada, Sissy Walker, por cuidar da


minha irmã e deixar que ela pegue esse gostoso
que é o Gabriel e dê uma boa sentada em seu...

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— Diz boa noite, Júlia! — eu berrei, rindo


junto das outras pessoas presentes na sala.

— Boa noite, Júlia! — ela gritou de volta.


— Boa noite, Sissy Walker, Segurança e boa noite,
minha irmã linda! Beijos!

Como de costume, minha irmã desligou sem


esperar a minha resposta. Muito americana para o
meu gosto, mas tudo bem.

Olhei para todos da banda, que sorriam para


mim e erguiam suas garrafas de cerveja ou copos
de Kriptonita. Abri o maior sorriso que meu rosto
conseguiu aguentar e olhei para Gabriel.

— Você não existe, Gabriel! — exclamei e,


literalmente, pulei em seu colo, passando minhas

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pernas ao redor de seus quadris e beijando sua boca


com toda a alegria que eu estava sentindo naquele
momento.

Gab bambeou um pouco, mas me segurou


pelas pernas e riu quando eu o abracei com força.

Fechei os olhos e afundei meu rosto em seu


pescoço, sentindo seu perfume e comemorando o
aniversário mais maravilhoso de minha irmã que já
tinha passado desde os meus vinte anos, quando ela
ainda morava comigo, no Brasil.

Parece bobo que uma simples partida de um


jogo tenha me deixado tão feliz, não parece?

E é mesmo, se a gente retirar de contexto.

Dentro desse contexto, nada é bobo.

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Nadinha de nada.

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Madrid (de novo)


— Pronta? — Gab me perguntou com a
mão estendida para mim.

Sorri para ele e estendi a mão de volta.

— Pronta!

Fomos de mãos dadas até a van. Meu


coração batia forte no peito com a expectativa do
último show da turnê europeia da Sissy Walker, de
volta a Madrid. Todos estavam em êxtase, e, no
Twitter, só dava a banda. Estávamos nos trending
topics de novo e havia fotógrafos e equipes de
televisão do lado de fora do hotel. O show seria um
sucesso!

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Claro, infelizmente, como uma coisa puxa a


outra, o meu meme dançando para Gabriel no
parque na Alemanha ressurgiu das trevas, o que
estava sendo constrangedor, mas era um detalhe
que eu aprenderia a conviver... Se as pessoas na
Europa parassem de nos fotografar juntos a cada
saída, e o usuário love_world_8362 parasse de
juntar nossas fotos num Tumblr. Desgraçado.

Minha perna balançava de energia


acumulada enquanto ouvia Tony e Diego cantando
alto músicas aleatórias no carro. Todos estavam
muito animados e felizes com tudo, e eu não
poderia estar mais grata por compartilhar aquela
euforia com eles.

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Chegamos no local do show, Gab me deu


um beijo e nos separamos. Corri até o camarim e
chequei tudo duas vezes. Pierre riu de mim e tentou
me acalmar:

— Calma, meu amor! Vai dar tudo certo!


Você já arrumou tudo, nada vai dar errado, eu
prometo!

Sorri para ele e respirei fundo. Pierre pegou


na minha mão e apertou forte enquanto me dava
seu sorriso luminoso. Tony, Betty, Aline e Diego
entraram nos camarins um tempo depois, e eu fui
passando as roupas e acessórios para cada um
deles. Como de costume, ajudei Diego a se vestir,
tirando a roupa que ele estava enfiando nos buracos

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errados. É o problema da moda punk: muitas partes


esfarrapadas, se você não sabe como colocar
direito, vai terminar passando a cabeça na parte da
manga rasgada.

— Acho que nunca despi tanto um homem


como nessa turnê... — eu comentei com Betty
quando ela apareceu para ver se tudo estava certo.

— É, a gente imagina, Lê... As marcas no


pescoço de Gab são uma prova bem grande.

Olhei para ela, confusa, mas logo ri quando


entendi o que ela estava dizendo. Passamos as
horas de arrumação falando bobagem e bebendo
goles de champanhe. Gabriel e Erika apareciam e
desapareciam volta e meia, se revezando em ficar

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com a banda e resolver eventuais problemas na


imensa arena em Madrid.

Quando todos ficaram prontos e os roadies


anunciaram a banda, eu suspirei e mordi o lábio,
contente, ansiosa, tensa, entusiasmada, tudo. Era o
momento final da turnê, e eu estava em polvorosa
com tudo.

Assim que todos saíram do camarim,


Gabriel entrou correndo no ambiente, me procurou,
preocupado, e veio em minha direção quase
correndo. Meu sorriso morreu no rosto quando vi
sua expressão séria e abri a boca para perguntar o
que houve, mas ele me impediu colocando a mão
na minha nuca, me puxando e me dando um beijo

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carinhoso, me largando em seguida e dizendo:

— Boa sorte, Costureira.

— Boa sorte, Segurança! — exclamei e


fiquei olhando ele desaparecer pelos corredores.

Involuntariamente coloquei os dedos nos


lábios, ainda sentindo o gosto de café da boca de
Gab neles, e levei um susto quando Pierre parou do
meu lado e brincou:

— Que bonitinha, a Leninha


apaixonadinha... Vem, “Costureira”, hoje você não
vai assistir ao show no backstage. Vamos para o
cantinho do palco. É o último show, chega de se
esconder!

Sorri com vergonha de ter sido pega no

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flagra suspirando de amores e concordei com sua


oferta. Desde o acidente na Suécia, quando eu
distraí Gab e ele foi agredido, eu passei a
acompanhar os shows pela televisão no camarim.
Mas, como era a última apresentação, eu queria
aproveitar.

Fomos juntos para um espaço no cantinho


do palco e aproveitamos o show, curtindo cada um
dos momentos incríveis do melhor show da Sissy
Walker que eu já havia assistido. Tony estava
maravilhosa, Diego era um deus na guitarra, Jim
estava irresistível e Aline estava arrasando na
bateria, assim como Betty estava sensacional em
seu baixo. Era a soma perfeita.

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Muitas músicas depois, o show chegava ao


fim, e todos nós respiramos fundo, exultantes com
o sucesso da turnê e aliviados por tudo ter dado
certo em todos aqueles meses.

Sentindo o coração martelar no peito,


acompanhei os momentos finais, quando os
primeiros fogos de artifício estouraram e faíscas
decorativas começaram a ser lançadas do palco.
Pierre pegou na minha mão e nós sorrimos um para
o outro.

A multidão foi ao delírio. Gritos, assovios,


flashes, tudo ao mesmo tempo enquanto os fogos
começavam a cessar. Aline se levantou e foi até a
beira do palco, sorrindo de orelha a orelha e

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pegando impulso para jogar o mais distante


possível todas as suas baquetas no público.

Diego e Betty fizeram o mesmo com as


palhetas presas ao microfone, e eu ri quando a
chuva de pontos coloridos caiu em cima de um
monte de fãs, que se estapearam para conseguir
uma lembrança de seus ídolos.

Diego, aquele louco, se jogou na multidão,


fazendo com que sua camisa sumisse em poucos
minutos e a equipe de segurança sofresse para
trazê-lo de volta ao palco. Gabriel acompanhava
tudo à distância, pronto para agir caso fosse
necessário, e eu ri de sua expressão rígida habitual.

Como se previsse meu olhar, Gabriel voltou

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rapidamente sua atenção para mim e piscou um


olho, virando o rosto em seguida para o guitarrista,
que estava voltando são e salvo para o palco, mas
com o peito de fora. Revirei os olhos e sorri quando
a câmera focalizou seu tanquinho, transmitindo a
bela imagem nos telões, e vários gritos ecoaram
pela arena.

Minutos depois, o show acabou de vez e


Tony veio até os bastidores de mãos dadas com
Betty, que logo a agarrou, rodopiando que nem um
bom casal apaixonado de filmes. Diego fez o
mesmo com Pierre, mas sem a parte romântica, e
Aline agarrou Jim.

Olhei ao redor e vi um dos roadies sorrindo

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para todos e tirando fotos, mas não vi Gabriel.


Pensei em ir até o roadie e abraçá-lo, só para não
ficar sozinha naquela efusão imensa de carinho,
mas parei de andar quando vi Gab entrando nos
bastidores dando ordens pelo comunicador.

Opa, vai rolar abraço?

Revirei os olhos, rindo de minha


ingenuidade, e cruzei os braços, sabendo que teria
que me contentar comigo mesma, pois a chance de
conseguir um abraço de Gab naquele momento era
mínima. Horário de trabalho, afinal de contas...

Betty me viu sozinha no meio das


comemorações e largou Tony, vindo correndo em
minha direção e se jogando nos meus braços.

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Tombei para trás, mas consegui não cair, e a


abracei de volta.

— Sua linda! Obrigada! — ela exclamou, e


eu ri enquanto tirava a montanha de cabelos
perfumados e coloridos de Betty do meu rosto, sem
deixar de abraçá-la.

De repente, Tony correu até mim, fazendo


um abraço triplo confuso que quase me derrubou
no chão. Depois, foram para um canto trocar um
beijo apaixonado.

Aline também veio pegar sua dose de


comemoração e, logo em seguida, veio Diego.
Entretanto, do nada, quando eu menos esperava,
Gabriel se materializou ao meu lado, entrou no

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meio, me puxou pela nuca e me beijou.

— Ei, era minha vez! — Diego brincou, e


eu precisei parar de beijar Gab para rir.

— Desculpa, Diego, mas eu achei melhor


furar a fila. A concorrência tá braba hoje! —
Gabriel brincou enquanto me abraçava e me erguia
do chão.

Dei um gritinho quando meus pés ficaram


suspensos no ar e passei meus braços ao redor de
seu pescoço enquanto ria. Eu me inclinei e beijei
seus lábios macios, borrando todo o restante do
meu batom sem me importar com mais nada.

A turnê europeia da Sissy Walker estava


encerrada, depois de sete-quase-oito meses, vinte e

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tantas cidades, mais de cento e trinta shows,


milhares de fotos, hashtags, entrevistas, vídeos,
Snapchats, tuítes e tudo o mais.

E não poderia, de modo algum, ter sido


melhor do que foi.

***

Depois de arrumar tudo, voltamos para o


hotel, enfim. Gab e eu nos despedimos de todos,
que nos convidaram para uma festa no quarto de
Betty e Tony. Recusamos educadamente e
alegamos que estávamos cansados, porém, é claro,
ninguém acreditou.

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— Cansados! Olha a cara da Lena de que


vai devorar você, Gabriel! Vão, pombinhos,
divirtam-se! — Diego brincou, e eu ri,
envergonhada. Era tão óbvio assim?

Mandei um beijo para todos no saguão do


hotel, e Gab e eu entramos no elevador. Peguei ele
pelo braço e me deitei em seu ombro, me sentindo
ao mesmo tempo exausta e eufórica. Subimos em
silêncio, mas a energia entre nós era quase
palpável.

Logo que entramos no quarto, eu fui me


despindo, largando minhas roupas suadas pelo
caminho enquanto rumava até o banheiro. Tomei
um banho gelado rápido, mas gostoso o suficiente

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para tirar qualquer resquício de sono. Saí vestida no


roupão, e Gab entrou no banheiro atrás de mim.

Com a cabeça a mil, me deitei na cama,


pensando em todas as coisas maravilhosas que
aconteceram naquela turnê: os shows, as conversas,
os passeios, as comidas, Gabriel...

Gabriel era um caso à parte: merecia uma


categoria exclusiva. Foram pouquíssimos os
momentos em que eu não amei cada segundo ao
seu lado. Salvo quando quebrei o dedo e quando ele
levou a cotovelada, foi tudo perfeito e maravilhoso!
Droga, vamos estender essa turnê por mais quatro
meses!

Estava me espreguiçando na cama, quando

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Gab saiu do banho vestido em sua calça de pijama


xadrez e deitou ao meu lado.

— É muito idiota se eu falar “uau”?

Gabriel riu e respondeu:

— Eu nem encostei em você, e você já está


assim? Monogamia tem suas vantagens, tá vendo?

Gargalhei com seu comentário e subi em


cima dele, observando cada detalhe de seu rosto
lindo.

— Gab... — eu comecei, mas achei melhor


deixar para depois o que tinha a dizer — Você
ainda não descobriu o que é lyubimyy?

Sem me responder, ele riu de mim e me


virou na cama, me deitando de costas e abrindo

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meu roupão.

— Belo modo de desviar do assunto,


Segurança...

Gabriel beijou minha barriga, e eu senti sua


risada contra minha pele.

— Você fala demais, Costureira... — ele


disse e separou minhas pernas com as mãos, me
fazendo esquecer, ao menos momentaneamente, o
significado da palavra russa.

Momentaneamente.

— Ei, não vai nem criar um clima... Ah! —


fui interrompida pelo meu próprio gemido quando
Gab desceu a boca e me beijou na minha parte
preferida, me fazendo erguer o corpo.

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— Oi? Disse alguma coisa? — ele levantou


a cabeça e me deu um sorriso irônico.

Ri de seu gesto antes de, como ele dizia,


falar de mais:

— Cala a boca e volta para onde você tava!

Ainda com um meio sorriso no rosto, ele me


obedeceu. Sua língua voltou a me lamber e seus
lábios a me chupar do jeito que só Gabriel sabia
fazer: lentamente, com a pressão certa e
respeitando os meus espasmos e minhas indicações
de que era hora de aumentar a velocidade.

Senti dois dedos deslizando no meu interior


e gemi alto, sentindo cada pedaço da minha pele
reagir à carga de energia que se acumulava e se

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espelhava do meu ventre para os extremos do meu


corpo.

— Gabriel... — tentei articular minutos


depois, mas não consegui e me entreguei ao prazer
purinho, sentindo meus dedos do pé se contraírem
com força enquanto eu apertava o travesseiro no
meu rosto para abafar meus gemidos.

Empurrei Gabriel com o pé, quando a carga


de energia acabou e eu fiquei sensível, e ouvi sua
risada rouca. Gab passou as mãos ásperas na minha
pele arrepiada, me causando espasmos de prazer.

Quando fez menção de se deitar sobre mim,


meu celular começou a tocar escandalosamente.
Era o toque de Betty. Dei um suspiro e revirei os

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olhos.

— Espera, deixa eu atender...

Eu me levantei e fui até a mesa no canto


oposto do quarto, onde meu celular vibrava, mas
Gabriel me seguiu, tirou o celular de minhas mãos,
o silenciou e o jogou em cima da cama, me virando
de costas e me inclinando sobre a mesa.

Sorri quando ele afastou minhas pernas com


o pé e se posicionou atrás de mim, sussurrando no
meu ouvido:

— O horário de trabalho acabou,


Costureira.

— Mas...

— Shh, acabou. Se for algo de extrema

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importância, eles ligam para o meu. E mesmo se


ligarem, a gente pensa bem antes de atender. A
Erika tá com eles, eles estão no quarto, nada de
ruim pode acontecer hoje.

Gab encerrou seu pequeno discurso me


penetrando lentamente, me fazendo cerrar as mãos
e morder os lábios de prazer. Sua mão foi de
encontro ao meu cabelo, e eu empinei a bunda
antes mesmo que ele me puxasse.

— Tá com pressa, Costureira?

De olhos fechados, apoiei os cotovelos na


mesa e fiquei na ponta dos pés, facilitando o ângulo
para que Gabriel se enterrasse mais fundo dentro de
mim.

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— Nem um pouco... — eu disse e prendi a


respiração quando senti um tapa, depois outro. —
Uau, combo!

Gab riu de mim e começou a se movimentar


com mais velocidade, puxando meu cabelo o
suficiente para eu precisar erguer meu corpo. Meus
dedos começaram a se contrair e eu precisei pisar
direito no chão, já que estava apoiada na ponta dos
pés. Mal meus calcanhares pisaram no chão frio do
quarto de hotel, levei outro tapa e ouvi uma ordem.

— Levanta.

Soltei uma risada, peguei no braço de


Gabriel e torci seu pulso, forçando-o a sair de
dentro de mim e se afastar. Eu me virei de frente

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para ele e me sentei na mesa, olhando sua


expressão sensual de quem fora desafiado.

— Ora, ora, ordens? — eu disse com a voz


rouca enquanto abria as pernas e apoiava o corpo
na mesa com as mãos espalmadas. — Sabe o que
seria maravilhoso para encerrar a turnê?

Gabriel se aproximou de mim e encostou a


boca na minha, mas sem me beijar, e perguntou:

— O que, Costureira?

Fechei as pernas ao redor de seus quadris e


mordi seu lábio com mais força do que o normal,
arrancando um gemido de sua garganta. Gab enfiou
dois dedos em mim de repente, me fazendo dar um
gemido semelhante ao seu, retirou em seguida e

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levou os dois à boca, provando meu gosto de novo.

— A gente continuar a aula que comecei a


te dar em uma das cidades que não me lembro
mais. Lembra da câmera zenital? Posso te ensinar a
plongê, a contra-plongê, a subjetiva... A câmera do
meu celular é excelente, sabia?

Gab sorriu para mim e me puxou para um


beijo, me pegando no colo e me jogando na cama
enquanto pegava meu celular largado no canto do
colchão e apoiava um dos joelhos no colchão
enquanto digitava a senha no meu iPhone e abria a
câmera.

— Não, Gab, o celular não. Pega a câmera.


Vai, não é como se fosse a primeira foto desse tipo

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que a gente tira.

Apesar da pequena hesitação, ele fez o que


eu pedi, foi até a mesa de cabeceira e me passou o
rolo de filmes e a câmera.

— Vai, Costureira, me mostra o que você


tem para me ensinar.

Sorrindo, expliquei enquanto acertava a


câmera:

— Começando pela subjetiva, que é quando


a câmera faz as vezes de olhos de um personagem.
Muito conhecida como POV, no mundo tenebroso
do pornô... — disse e fiz Gab se ajoelhar na cama,
erguendo meu corpo para o tomar em minha boca e
entregar a câmera de volta para ele, já com os

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filmes colocados.

Gabriel respirou fundo quando eu o chupei


e fez menção de largar a câmera, mas eu parei o
que estava fazendo e olhei para ele com o dedo
indicador erguido.

— Não tem mais nenhum tipo de beijo se


não houver pelo menos uma foto, Segurança!

Gab fechou os olhos por um momento,


como se estivesse se controlando, me empurrou
deitada na cama, tirou uma foto minha, depositou a
câmera na mesa de cabeceira e voltou para cima de
mim, se enterrando tão rapidamente, que eu
suspirei de susto.

— Turma dispensada... — eu disse e o

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abracei, me preparando para uma noite memorável,


cheia de muitas provocações, risadas, luxúria,
tapas, inversões de expectativas e muito, mas muito
prazer.

Vida longa à Sissy Walker!

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Arrumações
— Lenaaaaa! — a filha de Jim, Andrea,
entrou no quarto do casarão em um bairro nobre em
Madrid, onde aconteceria a festa de encerramento
de turnê da Sissy Walker, e veio correndo se
agarrar nas minhas pernas.

— Oi, pequena! Como você tá? Deixa eu


ver se o vestido ficou bonito... Nossa, tá uma
princesa! — exclamei enquanto me ajoelhava e
checava a roupinha de Andy, que havia chegado na
Espanha no dia anterior, junto da mãe, Sharon.

— Ela passou o dia querendo vestir a roupa


antes da hora, Lena... — Sharon disse quando veio

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me dar um abraço. — Mal eu coloquei o vestido,


ela disse que queria te mostrar.

— Ah, que amor! Adoro criança assim! Tá


linda, Andy! Por sinal, Sharon, você tá um
escândalo nesse vestido, se me permite dizer —
afirmei quando dei uma olhada no vestido preto
com decote elegante.

— Ah, gostou? — perguntou, contente, e


deu uma voltinha. — Fiquei preocupada de ser
muito justo, mas...

— Não, tá lindo! A festa começa antes de


anoitecer, então não tem problema. Eu mesma vou
de saia.

— É? Posso ver? — ela perguntou,

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sorrindo, e eu balancei a cabeça e expliquei:

— Ainda não me arrumei porque tenho que


me certificar que todas as meninas saberão vestir
suas roupas. Em especial Aline, que escolheu um
vestido cheio de tiras. Olha, é essa a saia. Que você
acha? — mostrei a peça escolhida, um modelo de
cintura alto bem godê e com tecido armado
estampado de preto com flashes coloridos, como
uma rodovia movimentada à noite.

— Uau! Linda! De quem é?

— Minha.

— Não, eu sei, mas... Ah! Sua! Você quem


fez? — questionou, e eu balancei a cabeça
concordando.

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— Sim, fiz semana passada com um tecido


maravilhoso que encontrei em Londres. Ficou boa?

Sharon parecia chocada, o que fez com que


eu me sentisse lisonjeada. Era gostoso quando
alguém reagia daquele modo às minhas criações.

— E o que você vai colocar na parte de


cima?

— Um corpete preto de couro que comprei


em Dublin.

— Uau, acho que vai ficar lindo! Vai com


as pernas de fora mesmo?

— Não, eu... — comecei a explicar, quando


todas as mulheres da banda invadiram o quarto,
meio desesperadas, pedindo ajuda com seus

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vestidos. — Viu por que eu não me vesti ainda?

Sharon riu de mim e me ajudou a fechar os


fechos e botões das roupas enquanto eu encaixava
de modo correto o vestido de Aline. Em poucos
minutos, todas estavam vestidas, menos eu, e uma
confusão de risadas e vozes se iniciou, mescladas à
música que tocava no ambiente.

— Gata, senta logo para eu fazer seu cabelo


e sua maquiagem. Vai de corpete, né? Então posso
te maquiar antes. Quer algo especial? — Pierre
perguntou enquanto abria sua maleta imensa de
makes.

— Não, pode fazer o que quiser. Só coloca


um batom que não saia fácil, tá? Pretendo agarrar

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Gabriel em algum momento.

Fiquei ouvindo Betty, Aline e Sharon


conversando e Andy brincando com alguma coisa
que eu não soube dizer o que era, mas que depois
percebi: meus saltos vermelhos.

— Pronto, gatinha, dá uma olhada!

Abri os olhos e vi todas as mulheres ao meu


redor dizendo quão linda eu estava e tudo aquilo
que a gente não sabe dizer se são elogios ou se são
modos de falar “se cuida melhor, mulher, olha
como fica linda arrumada”.

Sorri e me olhei no espelho, quase caindo


da cadeira ao ver a maquiagem que Pierre tinha
feito. Eu estava verdadeiramente estonteante! Meus

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olhos estavam imensos e vivos, ressaltados por um


delineador tipo gatinho bem marcado, várias
camadas de rímel e um pontinho de nada brilhante,
iluminando o côncavo.

Minha boca estava carnuda e imensa,


pintada de vermelho com um batom líquido matte
sensacional e minha pele estava lisinha e sem
nenhuma manchinha de nada. Até marcar o
contorno do meu rosto ela marcou, mas sem ficar
exagerado.

Meu cabelo está armadinho! Poxa, que


saudades dele cacheado!

— Uau, Pierre, tu é bom, hein? Tô tão


gostosa, que acho que não vou à festa, vou me

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sentar na frente do espelho e vou me...

— Lena! — Betty alertou e apontou para


Andy, que me olhava com curiosidade.

— Vou me maquiar mais, né, Andy? A tia


Lena não ficou bonitinha com a cara pintada assim?
— eu consertei e me ajoelhei na frente dela, que
balançou a cabeça daquele jeito exagerado que
crianças fofas fazem.

Passei a mão na cabecinha loira dela e me


levantei, tirando meu roupão e ficando de calcinha
e sutiã na frente de todas.

— Lena não tem pudores com o próprio


corpo. Gosto assim — Aline disse, rindo.

— Ah, desculpa! É o costume, eu troco de

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roupa tantas vezes na frente dos outros na Wings,


que a gente nem lembra mais que não pode... Fora
que já vi vocês todas seminus umas mil vezes,
então...

Vesti minha meia-calça cor de piscina, o


corpete de couro e botei a saia, dando uma olhada
no espelho.

— E aí? Ficou bom? Eu gostei, mas bateu


dúvida se não está informal demais... — eu disse,
mas as meninas e Pierre me asseguraram que estava
ótimo. — Ok, obrigada! Onde estão meus
sapatos...? Ah, que coisa mais linda! Ninguém se
mexe, eu vou tirar uma foto.

Peguei meu celular em cima da cama e

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fotografei Andy calçando meus saltos. Mandei para


o grupo de WhatsApp e levei a mão ao peito.

— Criança é uma coisa muito fofa, né? Mal


posso esperar para ter meus gatos!

Aline e Sharon me olharam, confusas, mas


Betty e Pierre, que já sabiam da minha paixão por
felinos, apenas riram.

— E aí, quem falta se arrumar ainda? —


Pierre perguntou, dando um confere em todas,
inclusive em Andy. — Lena, calce seus sapatos e
vamos!

— Ok! — exclamei, animada, e fiz o que


ele mandou.

A festa aconteceria num casarão imenso

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alugado, na parte mais rica da cidade espanhola.


Várias celebridades foram convidadas para o
evento, inclusive alguns cantores ingleses que
estavam na cidade a passeio, incluindo membros da
One Direction e uma ou duas Spice Girls. Todos
estavam animadíssimos com a festa, que começaria
quando o pôr do sol pintasse o céu espanhol com as
belas cores de sempre.

Entramos no salão de festas e olhamos ao


redor. Que local lindo! Parecia uma versão gigante
do Salão Nobre do Clube Fluminense, no Rio, ou
uma versão reduzida de um salão de bailes colonial,
com lustres imponentes e piso brilhante.

Na parede próxima a um tablado, onde o DJ

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ficava, havia um telão imenso passando cenas dos


shows e dos clipes. Havia também várias caixas de
som espalhadas tocando músicas da Sissy Walker.

O salão já estava cheio de gente


desconhecida, então dei uma procurada por
Gabriel, mas não o encontrei. Infelizmente, ele não
seria meu acompanhante naquela noite, pois estava
trabalhando junto de Erika. Betty protestou contra a
ideia, mas os dois foram irredutíveis quanto a
cuidar da segurança de uma festa tão importante.
Ricky, é claro, concordou, o chato de galochas.

Pierre pegou na minha mão quando me viu


meio perdida, me trazendo um pouco de conforto.

— Ei, eu sou seu acompanhante, não me

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despreza assim!

Sorri para ele e beijei seu rosto, ficando


aliviada ao ver que o batom realmente era de longa
duração e não tinha deixado uma marca vermelha
na bochecha de meu amigo.

— Quer circular por aí?

— Quero! — dei meu braço para ele, que


aceitou sorrindo e me acompanhou.

Andamos pelo salão, olhando as pessoas


desconhecidas, quando as músicas da Sissy Walker
pararam e o DJ começou a tocar outras canções
mais dançantes.

— Me acompanha nessa dança, senhorita?


— Pierre convidou, e eu respondi, toda alegre e

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pomposa:

— Sim, senhor!

Dançamos juntos umas cinco músicas


aleatórias, a maioria totalmente desconhecidas, até
que cansamos e fomos para as mesas, onde Betty
estava com aquele olhar de quem quer aparentar
tranquilidade, quando na verdade está de olho em
tudo e em todos ao mesmo tempo. Líder sendo
líder.

Conversamos um pouco, até que eu me


senti descansada e quis dançar mais um pouco
antes de Betty ir dar as boas-vindas a todos, quando
fosse abrir oficialmente o evento. Tony estava
dançando com Jim, os dois desconjuntados

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tentando se mover ao ritmo das músicas, o que me


fez rir.

— Quer dançar, bonita? — perguntei para


Betty, que sorriu para mim e balançou a cabeça
concordando.

Eu a peguei pela mão e a levei para a pista.


Mal chegamos, uma música lenta começou, e nós
rimos uma para outra, dando de ombros e nos
abraçando como os casais héteros se abraçavam ali.

— Tem uma senhora olhando a gente de


cara feia... — eu comentei.

— Foda-se. Festa de encerramento de uma


banda de rock, o que ela esperava? Uma missa?
Fora que você não pode vir na minha festa sabendo

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que eu sou sapatão e ficar de frescura! — Betty


disse, rindo, e me soltou rapidamente, me pegou
pelo braço e me girou, num movimento detalhado
que me impressionou e quase me fez tropeçar.

— Opa! Não previ esse passinho! —


brinquei quando Betty me puxou de volta e
voltamos a dançar a música lenta.

O DJ, empolgado com os casais que


dançavam coladinhos, começou a tocar música
lenta atrás de música lenta, apesar do horário, e nós
duas dançamos todas enquanto conversávamos
sobre o sucesso da turnê e sobre a escolha musical
variada da noite.

De repente, começou uma das minhas

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canções preferidas de uma cantora neozelandesa,


Kimbra, chamada Two Way Street. Soltei Betty no
mesmo momento, verdadeiramente impressionada
com a seleção.

— Que DJ maravilhoso! Eu amo essa


música! — exclamei e me movi devagar no ritmo
da música lenta e envolvente, cantando cada
pedacinho:

But the moment you appear

You wake me, wake me, wake me, wake me

Out of the slumbers of my head

From the slums of loneliness[12]

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Betty riu da minha animação, cruzou os


braços e ficou me olhando curtir a música, até que
eu fechei os olhos.

And there's no conspiracy

Behind the way two hearts meet!

When love is a two way street[13]

Continuei cantando, curtindo cada


transição, até chegar na minha parte preferida. Abri
os olhos para falar com Betty, mas dei de cara com
Gabriel, que sorria para mim em seu uniforme de
segurança.

Fiquei surpresa ao vê-lo e sorri abertamente.


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— Nossa, Betty, você ficou tão gostosa de


repente! — ri e levantei a mão quando ele abriu a
boca para falar. — Espera, melhor parte!

But I couldn't care for the history

When I've got you in front of me[14]

Gabriel me abraçou pela cintura e sussurrou


em meu ouvido:

— Eu preciso voltar, só vim dizer que você


está linda.

Sorri e coloquei as mãos em seu terno.

— Obrigada. Pode ficar só nessa música?


Tá acabando já, ó, a cantora já começou a gemer...
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Deve ter menos de um minuto de música agora...

— Posso — ele disse e mirou meus lábios.

— Me beijar você não pode, pode?

— Poder, não posso... — disse, mas


também não fez menção de me beijar, então eu
continuei cantando a música baixinho:

— I can't make you fall for me... Love is a

two way street... [15]

— Pode sim — Gab disse quando eu deitei


o rosto em seu peito.

— Posso o quê? — perguntei e olhei em


seus olhos, em dúvida se ele se referia ao beijo ou
ao trecho que eu havia acabado de cantar. A mim,
pareceu a música, o que não era nada de

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surpreendente para nós dois, mas...

Deixa para depois.

— Nada... — ele disse e encostou os lábios


nos meus.

Subi minhas mãos pelos seus ombros e o


abracei enquanto sentia sua boca se moldando à
minha com perfeição. Paramos de mover o corpo e
nos dedicamos àquele beijo errado e totalmente
certo, na frente de todos e de ninguém, nos
esquecendo de todas as regras, os horários de
trabalho e qualquer gota de bom senso.

Só nos separamos quando Betty começou a


falar no microfone, iniciando oficialmente a festa,
ou qualquer coisa que eu não consegui escutar, pois

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minha atenção estava toda voltada para Gabriel,


seus lábios macios e seus olhos brilhantes.

— Lena...

— Gab... — dissemos juntos e sorrimos.

— Diz.

— Não, não era nada. Você precisa voltar,


não precisa?

— Preciso... Preciso me lembrar do porquê


também... Me dá um bom motivo para eu voltar...
— Gab pediu, ainda com as mãos no meu rosto.

— Vou bolar um e te mando por WhatsApp,


pode ser? — brinquei e senti meu coração dar um
salto louco quando Gabriel me presenteou com
aquele sorriso lindo.

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— Combinado — ele disse e me soltou,


mas não se moveu, ficou me olhando com a boca
levemente aberta, como se quisesse dizer algo, até
que alguém o chamou pelo comunicador em sua
orelha e ele foi embora.

— Eu também, Gab — respondi a frase que


não saiu de seus lábios e fiquei olhando o
Segurança desaparecer pelos corredores. — Eu
também.

***

Voltei minha atenção para Betty e toda a


banda, que fazia um pequeno discurso. Fiquei

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emocionada quando vi cenas da turnê no telão,


incluindo cenas minhas durante o horário de
trabalho, abraçando Pierre e Betty, trabalhando,
ajudando Diego a se vestir, beijando Gabriel em um
camarim...

Opa! Não vi esse vídeo sendo gravado!

Dei de ombros e continuei onde estava,


rindo das imagens, ouvindo a Sissy Walker falar,
falar, falar... Até eu não escutar mais nada e meu
sorriso morrer no rosto quando a realidade caiu
sobre mim como um cofre de desenho animado.

Realmente estava acabando.

Em pouco mais de mais quatro meses, eu


entregaria o dossiê final para o documentarista

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responsável pela confecção do documentário de


moda, voltaria para minha casa e deixaria todos
para trás.

Por mais contente que eu estivesse com o


sucesso e o final da turnê, não pude refrear a onda
de solidão prematura que invadiu meu corpo e
abalou minhas estruturas. Quatro meses? Só quatro
meses?

Com o peito dolorido, corri para fora do


salão, entrei em uma ala desconhecida no casarão e
peguei o celular no bolso da saia. Fora de área!

Agarrei o primeiro segurança que vi


passando pela ala e pedi seu comunicador sem dar
muita chance para o funcionário questionar meu

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gesto. O homem hesitou um pouco antes de me


entregar, até porque meu espanhol e nada era a
mesma coisa, mas cedeu quando eu disse em
inglês:

— Eu estou com a banda. Quer ver minha


credencial? — perguntei e agradeci quando ele me
entregou seu ponto.

Logo enfiei o aparelho na orelha e me


pendurei no pobre do segurança para conseguir
falar no microfone. Raio de homem gigante! Parece
um armário!

— Gabriel? — chamei, mas ouvi somente


um ruído.

O segurança começou a dizer em inglês

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alguma coisa sobre prioridades de contato no canal


de Gab, mas eu coloquei um dedo esticado em seus
lábios e gritei:

— Fica quieto, senhor! Eu sei o que estou


fazendo, que coisa chata!

Afastei a mão do rosto do pobre segurança,


que estava um pouco desconcertado, e peguei o
rádio dele, tirando por um segundo o comunicador
da orelha.

Os seguranças de loja da Wings usavam um


modelo semelhante ao que aquele moço usava,
então não tive muito problema em apertar uns
botões, enviar a solicitação do canal certo e
conseguir sintonizar corretamente dessa vez. Voltei

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a encaixar o comunicador na orelha e chamei o


Segurança pelo nome inteiro, pausadamente:
Gabriel Scherer Klein. Seu nome não devia ser
exatamente incomum na Espanha, então não quis
arriscar. Além disso, eu nem sabia como os
seguranças dali chamavam Gab.

Logo o ruído cessou, e eu escutei a voz


rouca que eu mais queria ouvir:

— Lena? Por que você está nesse canal?


Onde você está?

— Onde estamos, senhor? — perguntei,


agora um pouco mais calma para o segurança, que
me informou algo em espanhol. Repeti as palavras
dele sem nem hesitar. Provavelmente chamei

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Gabriel de “madame”, por sinal.

— Estou indo até você — ele disse, e eu


respirei aliviada depois de tirar o comunicador da
orelha e soltar o pobre do segurança.

— Obrigada, senhor. Pode ir.

O segurança acenou com a cabeça e pareceu


aliviado ao ser liberado da mulher malvada que se
jogou nele para falar com seu chefe.

Apertei as mãos e respirei fundo, sentindo


meu peito ainda dolorido. Olhei ao redor,
esperando Gabriel chegar, e dez segundos depois
que o segurança genérico foi embora, o meu
Segurança apareceu. Seu rosto, como sempre,
estava rígido. Não consegui esperar ele vir até mim,

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corri em sua direção e me aconcheguei em seus


braços.

Gab colocou as mãos nos meus ombros


antes de perguntar:

— O que houve, Lena? Por que você


sintonizou no meu...?

— Não importa, Segurança. Fica aqui por


um minuto, diz para os outros que é uma
emergência, sei lá. Mas fica comigo, só até eu
sentir que não tá... que não tá acabando...

Gabriel hesitou por um momento, mas


quando me abraçou, foi com tanta força, que eu
fiquei sem ar.

Ouvi palmas no salão e encostei o rosto no

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ombro de Gabriel, sentindo um nó na garganta


quando uma música da Sissy Walker recomeçou a
tocar.

Tirei as mãos de seu pescoço, desci dos


meus saltos e passei os braços ao redor de sua
cintura, por baixo do terno, e os subi, apertando seu
corpo no meu. Seu coldre beliscou meus braços,
mas eu não me importei e abracei Gab com força,
desejando que aquela festa durasse para sempre.

— Lena, meu coldre...

— Foda-se seu coldre! Foda-se o seu


trabalho, o meu, foda-se toda essa babaquice que
me impede de... — tentei dizer, mas não as palavras
não vieram. — Isso não deveria ter acontecido,

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Segurança, não deveria, tem um oceano entre a


gente, a gente sabia que não podia acontecer...

Gab enterrou os dedos em meus cabelos e


inalou meu perfume.

— Mas aconteceu, Costureira. O que


faremos agora?

Eu me agarrei mais ainda a ele e senti a


Glock me cutucando.

— Não faço a menor ideia...

Ele deu uma risada triste e tentou brincar:

— Você não é a General, que costura como


ninguém, dona de uma loja gigante que faz
editoriais para revistas de moda importantes? Não
tem uma estratégia empresarial para casos assim?

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— Você não é o Comandante, o melhor na


sua área, treinador de todos os seguranças do
universo, dono de uma pontaria e de um esquema
tático invejável? Não tem uma estratégia militar
para casos assim?

Gabriel soltou o ar pelo nariz e beijou o


topo da minha cabeça antes de falar:

— Parece que coisas imprevisíveis


acontecem mesmo com os melhores, Helena
Maria...

Fechei os olhos com força e me segurei na


parte traseira do coldre de Gab. Senti seu coração
martelando no peito, e a vontade de chorar surgiu,
mas as lágrimas não vieram até meus olhos em

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respeito à minha decisão de não perder o pouco


tempo que eu tinha com Gabriel com tristezas.

Comecei a afrouxar o abraço, mas não tirei


as mãos de Gab imediatamente.

— Vai, Segurança, volta para o trabalho.


Quanto mais cedo você voltar, mais cedo você
termina.

Gabriel botou as mãos no meu rosto,


parecendo lutar contra conflitos internos, e disse:

— Lena, eu... — ele hesitou por um


momento. — Você está linda... Eu preciso voltar...

— Eu sei. Vai. Eu te encontro no final da


festa.

Gab tirou as mãos do meu rosto e colocou

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meu cabelo atrás da minha orelha. Seu cenho estava


franzido, mas seu rosto não estava mais rígido.

— Vai, Segurança. Horário de trabalho.

— Eu sei — disse e me deu um beijo


rápido, se virando em seguida e indo embora.

Olhei meus sapatos largados no chão e


apertei minhas mãos, agradecendo aos céus por eu
ter um controle tão grande de minhas emoções em
público.

Ergui a cabeça e decidi que voltaria para a


festa e deixaria isso de lado. Ainda tinha um
montinho de meses pela frente. Eu precisava
aproveitar cada um, e não gastar minha energia
naquilo que era negativo.

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Dizem que felicidade não é ver o copo meio


cheio ou meio vazio, mas sim o modo como você
lida com a quantidade de bebida que recebe da
vida. Ser grato pelo que tem, olhar para o que não
tem e se perguntar: há algo que eu possa fazer
quanto a isso? Se não, eu posso aprender a conviver
com isso?

Pois bem, vou aplicar isso nessa situação.


Passei meses maravilhosos com Gab, e ainda tenho
mais alguns. Serei grata por isso. Quanto à nossa
separação, há algo que posso fazer quanto a isso?

Não sei.

Se não der para fazer nada, eu posso


aprender a conviver com isso?

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Não, creio que não.

Voltei para o salão de festas e vi Betty e


Tony se abraçando, rindo e trocando carinhos
enquanto conversavam. Se as duas conseguiram
assumir seu relacionamento, mesmo sendo tão
diferentes uma da outra, por que Gab e eu não
poderíamos também dar um jeito?

Quem sabe nós dois não possamos aprender


algo com elas?

Quem sabe?

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De volta
Tony, Betty, Erika, Gabriel e eu entramos
na mansão do casal ternura da Sissy Walker, e eu
rodopiei pela sala, contente de saber que não
precisaria entrar em um avião nos próximos meses.
Por mais que eu fosse sentir falta das rotinas de
shows, viagens e passeios por países
desconhecidos, ficar em terra firme era
maravilhoso.

— Pois bem, cheguei, quero ficar bem à


vontade, na verdade eu sou assim... Descobridor
dos sete mares, navegar eu quero...!

— Ei, Tim Maia de saia, pega suas malas,

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estão pesadas para burro! — Antônia reclamou,


arrastando como conseguia minha mala, e eu corri
para pegar minhas coisas de suas mãos.

— Desculpa, Tony, estou tão feliz de estar


em ca... Bem, na casa dos outros... Enfim, estou
feliz de não estar em um hotel!

Caminhei na direção da ala dos


funcionários, cantarolando Tim Maia, e parei em
frente aos dois quartos, olhando para as duas
portas. Não me lembrava qual delas levava àquele
que tinha sido meu quarto.

Sei que um dos quartos é de Gab, o que


significa que também é meu, e que o outro é aquele
que deveria ser somente meu. Mas as portas são

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iguais! Estou confusa.

— Tá em dúvida se vai dividir o quarto


comigo, Costureira? — Gabriel perguntou com
diversão na voz quando apareceu atrás de mim.

Olhei para ele e sorri.

— Estou, tava pensando em ficar com a


Erika na ala dela, o que você acha?

— O que, no quarto dela?

— Na cama dela, meu amor. Já deu uma


olhada naquele corpo? Ah, claro que já, você já
esteve dentro dele. A vida é muito injusta mesmo...

Gabriel riu e abriu a porta do quarto da


esquerda, levando suas malas para dentro do
cômodo.

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— Ah, era esse... — comentei enquanto


entrava atrás dele e colocava minhas malas num
canto. — Escuta, Gab, acho que vou deixar as
malas no outro quarto, para não entulhar esse, o que
você acha?

— Precisa? Daqui um tempinho você vai


para o seu apartamento mesmo. Bom, tudo bem,
deixa aqui as coisas mais importantes.

— Ok! Acho que vou arrumar as roupas no


closet do outro quarto também. Eu tenho mais
roupas do que você, não vai caber no seu...

Gabriel deixou as malas dele no closet e me


olhou com as sobrancelhas franzidas.

— Não quer aproveitar e usar a outra cama

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também? — perguntou com uma pitadinha de


ironia na voz que me fez rir.

— Claro que não, a sua é mais confortável.


Vou pegar o resto das malas! — disse e voltei para
a entrada da mansão.

Roupas arrumadas, malas parcialmente


desfeitas, afinal, minha estadia, assim como a de
Gab, na mansão, seria temporária, banho tomado,
voltei para o outro quarto. Entrei sem bater e vi
Gabriel só de toalha, segurando um cabide com
uma calça jeans preta.

— Opa, que legal, cheguei na melhor parte!


Vamos transar! — exclamei e corri até a cama,
caindo de joelhos nela e fazendo Gabriel rir.

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— Que disposição, Lena. Para quem estava


pálida de enjoo há pouco tempo, você se recupera
bem rápido. Uma coisa é estar animada para cantar
Tim Maia, outra é atividade física.

— Ih, tá negando sexo, é? A idade chegou


mesmo... Sessenta anos é uma idade complicada
mesmo, mas não se preocupe, eu compro catuaba
para você — provoquei enquanto olhava minhas
unhas numa atitude falsamente blasé.

— Você é tão engraçadinha... — Gabriel


disse enquanto voltava para o closet para pegar
uma camisa.

— Sou, né? A Erika também acha, creio


que vou lá perguntar se ela não quer me fazer

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companhia, já que o meu... Hm... Já que você não


me quer mais — disse enquanto me deitava na
cama e me aconchegava nos travesseiros macios.

— Quando seu objeto de desejo deixou de


ser a Aline para se tornar a Erika? Eu não
acompanhei esse processo...! — Gab gritou do
closet, me fazendo rir.

Logo me enfiei por entre o tecido macio da


cama, sentindo meu corpo relaxar totalmente.

— Uma luz azul me guiaaa, com a firmeza


e os lampejos do farol... E os recifes lá de cima me
avisam dos perigos de chegar... — voltei a cantar a
música de Tim Maia, totalmente relaxada e
distraída. Ri quando ouvi Gabriel me acompanhar

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do closet:

— Angra dos Reis e Ipanema, Iracema e


Itamaracá... Porto Seguro, São Vicente, braços
abertos sempre a esperar...

Gabriel saiu do closet, e eu ergui a cabeça


para olhar para ele. Lindo, como sempre, mas com
roupas casuais e, pasmem: cantando.

Taí uma cena rara de se ver.

— Olha, não só conhece a música como


sabe a letra! Viu como você tem um coração,
Segurança? Ninguém que saiba cantar Tim Maia é
desalmado. Podemos ter filhotes agora. Quer
menino ou menina?

Gabriel riu e deitou ao meu lado, se

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enfiando embaixo das cobertas comigo.

— Quando você diz filhotes, se refere a


gatos, certo?

— Exato! Quero um preto, um branco, uma


gata malhada igual a uma vaca, uma gata rajada
como um bolo formigueiro e quero que todos
tenham nomes gostosos!

— É? Tipo quais?

— Não faço ideia. Mas quero que meu


primeiro gato tenha um nome mágico. Algo
relacionado a... Hm... — me virei de lado para ficar
de frente para Gabriel, que sorria levemente
enquanto me ouvia. — Não sei, mas tem que ser
algo bem gostoso.

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— Tipo café.

— Tipo café, Segurança! Mas nada


extremamente óbvio, tipo “Cafeína”. Algo mais
legal. Mas eu tenho tempo ainda para decidir, estou
enrolando para ter um gato tanto quanto enrolei
para fazer a tatuagem... Ah, falando nisso...!

Gabriel imitou minha posição e se virou de


frente para mim, pegando minha mão e plantando
um beijo na palma, me fazendo dar um sorriso
tímido.

— Lá vem... — ele disse, dando aquela


risada maravilhosa.

— Eu quero fazer outra tatuagem!

— Imaginei que você fosse dizer

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exatamente isso — Gab respondeu. — Já pensou no


que vai ser?

— Não, não quero pensar. Quero fazer.


Quero fazer algo na coxa. Flores, corujas, gatos,
caveiras, tribal, qualquer coisa. Até carpa eu pensei
em fazer, mas não vou pensar nisso até que eu vá
em um tatuador foda e veja o trabalho dele. Não
posso repetir o que fiz em Londres, é suicídio
artístico. Me leva no seu?

Gabriel balançou a cabeça confirmando e


me deu um meio sorriso.

— Sabe que isso é meio viciante, não sabe?


A tendência é que você queira se pintar toda daqui
para frente.

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— Sei. Falou o cara que só tem essas


tatuagens há uns quarenta anos. Não quer fazer uma
também? Tá na hora de fazer algo novo!

— Não sei, Costureira, talvez...

— Então pronto, fechou! No seu dia de


folga a gente vai no seu tatuador e escolhe. Agora
vamos transar! — exclamei e o agarrei, me jogando
em cima dele, que estava deitado ao meu lado.

Gabriel arregalou os olhos, mas sorriu e me


beijou, agarrando minha cintura e me puxando para
cima de seu belo corpo.

— Eu tenho que ir trabalhar, Lena... — ele


disse sem muita convicção.

— Ué, mas você não botou o terno... —

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disse, confusa, e comecei a levantar sua camiseta e


beijar suas costelas.

— Não há necessidade de usar terno hoje.


Ninguém vai sair e a Erika já está verificando os
esquemas de segu... — ele começou a explicar, mas
parou de falar quando eu passei a língua em seu
peito até sua tatuagem.

— Ué, então você não precisa ir trabalhar,


Segurança! Pode ficar comigo, cantar Tim Maia,
ver se a gente bate o recorde mundial de orgasmo
feminino mais rápido em uma transa
heterossexual... — disse e mordi seu mamilo, mas
Gab me segurou pelos ombros e me afastou.

— Lena... Eu realmente preciso ir

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trabalhar... Eu tenho que verificar o seu


apartamento e o meu... — ele começou, mas eu tirei
suas mãos dos meus ombros e me debrucei sobre
seu corpo, beijando sua boca com força e
segurando seus cabelos com as mãos.

Separei nossos lábios por um segundo para


responder enquanto esfregava meus quadris contra
os dele:

— Quinze minutos não vão te matar. Você


diz que precisou ir ao banheiro, que precisou
organizar o closet... — disse enquanto tirava meu
vestido. — Que você precisou checar se meus
harness ainda cabem em mim, mesmo eu tendo
engordado um quilo na viagem... Olha, cabem! Que

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incrível! — ergui o corpo, colocando as mãos na


cintura e mostrando o suspender. — O que mais
você pode dizer? Ah, sim, que precisou muito,
muito, coisa urgente, verificar o perímetro do meu
corpo!

Gabriel se apoiou nos cotovelos e ficou me


olhando tagarelar enquanto eu desabotoava sua
calça. Um pequeno sorriso brincava em seus lábios.

— Checar a trava do meu sutiã... Levanta


— disse quando puxei sua calça. Gab ergueu o
quadril, e eu o despi, deixando-o só de cueca. —
Conferir as câmeras dos celulares que tiram fotos e
gravam vídeos maravilhosos nossos... Ah, e estudar
as fotos que tirei com a câmera instantânea. É

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muita coisa para fazer, Segurança!

Puxei Gab pela gola da camiseta, fazendo


com que sentasse na cama, e tirei a peça puxando
pela parte detrás. Em segundos, Gab estava só de
cueca, e eu, de calcinha, sutiã e harness, sentada
em seu colo.

Senti o atrito de sua ereção crescendo e


encostando na minha parte preferida e sorri,
vitoriosa, mas Gab não deu o braço a torcer.

— Lena, eu realmente preciso... — ele


começou a dizer, mas se calou imediatamente
quando eu saí de cima dele, abaixei sua cueca e,
literalmente, caí de boca nele.

Tirei sua ereção de minha boca, me levantei

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com a maior cara inocente e perguntei:

— Precisa o que, Gab? Precisa muito ir ver


aquele monte de gente que agora você nem lembra
o nome, né? Realmente, não posso te atrapalhar no
seu horário de trabalho, ainda que Erika esteja
fazendo tudo sozinha. Bom, eu vou tomar outro
banho. Tcha-au! — disse e me levantei da cama,
deixando Gabriel deitado com um sorriso no rosto e
as mãos nos olhos.

Entrei no banheiro e fechei a porta, me


abanando com a mão direita enquanto a outra
descia seu caminho até o local que Gabriel deveria
estar... adentrando naquele momento.

Droga, molhada demais. E extremamente

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sensível. E mais impaciente do que nunca. Que se


dane, não tô com saco para joguinhos!

Abri a porta do banheiro e quase corri de


volta para a cama, empurrando Gabriel, que estava
se levantando, e puxei sua cueca para baixo antes
de me sentar em cima dele. Gab nem pestanejou:
afastou minha calcinha e me penetrou, soltando um
gemido rasgado alto que me fez tapar sua boca com
minha mão.

— Olha, o feitiço virando contra o


feiticeiro! — disse, ofegante, antes de tirar a mão e
enfiar minha língua em sua boca quente.

Gabriel me segurou pela cintura, marcando


o ritmo do movimento do meu corpo, e eu mordi

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seu lábio quando suas unhas curtas me arranharam


até o quadril. Ergui o corpo e movi meus quadris,
sentindo meu ventre inteiro reagir a cada pequeno
movimento ou contato do meu corpo com o de
Gab.

Quando minhas costas começaram a suar,


saí de cima de Gabriel, que se levantou
imediatamente, tirou a cueca de vez, me colocou de
quatro e puxou minha calcinha com tanta força, que
eu ouvi barulho de tecido sendo rasgado. Em
seguida, me penetrou tão rápido, que eu precisei me
apoiar na cabeceira da cama.

Ergui o tronco o suficiente para que Gabriel


pudesse pegar em meu cabelo e sorri quando ele

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entendeu o recado, passou a mão num punhado de


mechas e puxou o suficiente para que eu precisasse
empinar mais a bunda e levantar a cabeça.

Com as mãos na cabeceira da cama, senti


cada investida de Gabriel contra mim e fechei os
olhos enquanto o prazer dominava meu corpo cada
vez mais intensamente. Gab desferiu um tapa
contra minha bunda e eu sufoquei um gemido ao
sentir a pele arder contra sua mão. Nossa, como eu
amo essa mão pesada!

Gabriel soltou meu cabelo e segurou meus


quadris com as duas mãos. Eu larguei a cabeceira
da cama e me apoiei nos cotovelos, afundando o
rosto no travesseiro quando senti o ângulo do meu

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corpo facilitar a penetração. Gab parou de se mover


e apoiou e testa na minha pele quente enquanto
controlava a respiração.

Aproveitei o momento em que ele se


segurava e o afastei para me deitar de costas na
cama, erguendo o corpo só para tirar meu sutiã e
voltando a deitar em seguida.

Gabriel se deitou sobre mim e me penetrou


devagar, contraindo o rosto. Uma gota de suor caiu
sobre meus lábios e eu sorri antes de lamber os
lábios e sentir o gosto salgado em minha língua.

— Lena... Tá difícil segurar... — Gab


confessou, e eu ri antes de puxá-lo para se deitar
sobre meu corpo.

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— Não precisa segurar, depois você me


compensa... — eu sussurrei em sua orelha e mordi
seu lóbulo enquanto abraçava seus quadris com
minhas pernas e movia meu corpo contra ele.

Gabriel juntou nossos lábios rapidamente e


se apoiou nos joelhos e nos cotovelos, voltando a se
movimentar. Fechei os olhos e mordi o lábio para
não gemer quando Gab aumentou a velocidade.
Meus dedos dos pés se contraíram, e eu logo notei
que não haveria necessidade de nenhuma
compensação.

Gab segurou meu seio com força e eu


arranhei suas costas em resposta, sentindo seu
quadril dar uma leve estremecida. O movimento

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começou a ficar mais e mais intenso, e eu precisei


me segurar para não deixar nenhum som sair, mas
isso se tornou muito difícil quando senti o orgasmo
vindo.

Ok, ok, talvez a gente realmente bata o


recorde mundial de orgasmo feminino mais rápido
em uma transa heterossexual...

Mordi seu ombro e arranhei seu braço do


começo da tatuagem até o final, sorrindo ao ouvir
seu gemido de dor. Em resposta, ele saiu de dentro
de mim, me virou de costas e deslizou para dentro
com toda facilidade do mundo, como se fôssemos
moldados perfeitamente. Foi quase imediato. Uma
energia maravilhosa se espalhou do meu ventre

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pelo corpo todo, até a ponta dos meus dedos do pé,


que se contraíram como nunca, e eu atingi aquele
lugarzinho no paraíso que Gab vivia me levando.

Ele foi logo atrás de mim.

Com a respiração ofegante, deitamos na


cama, um de frente para o outro, cobertos de suor.
Gabriel fechou olhos enquanto regularizava sua
respiração, me fazendo rir.

— Olha, Segurança, acabou o controle? —


perguntei e ri quando ele me deu um tapa na bunda.
— Sete meses, e ainda não consegue ouvir uma
provocação sem me bater com essa mão pesada,
né? Vou começar a revidar. A cada tapa, eu vou
arrancar um pedaço da tinta da tatuagem, até você

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ficar com o braço igual a uma tela branca.

Sua risada rouca tomou conta do quarto, e


ele se desculpou:

— Eu não consigo me segurar perto de


você, Costureira...

— Tá me ouvindo reclamar? Pode


continuar, eu acho sexy sua falta de controle —
respondi e tirei o cabelo molhado do rosto. — Eu
preciso de um banho...

— Eu também...

Apoiei minha cabeça na mão e meu


cotovelo na cama e perguntei:

— Quer ir na frente? Seria melhor se eu


fosse primeiro, preciso... bom, tirar você de mim,

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sabe como é... — disse e sorri quando ele virou o


rosto na minha direção.

— O banheiro daqui é grande, não quer vir


comigo?

Pisquei antes de responder:

— Tomar banho com você?

Gab me olhou, confuso, e riu da minha


hesitação.

— Uau, que passo incrível na relação, não?


Dormir no mesmo quarto, encontros furtivos em
bares, sexo... Como você chama? Artesanal? Então,
sexo artesanal em locais escondidos de todos os
hotéis, tentativas incessantes de me pegar num
avião, turismo em vários países, uma centena de

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orgasmos, abolir preservativo, tudo isso é ok,


normal, agora, tomar banho juntos...! É daqui para
um cartório! Grandes possibilidades de eu querer
filhos daqui para frente, inclusive! — Gab zombou
fingindo estar impressionado.

— Por que você não vai tomar naquele


lugar onde o sol não bate com frequência? — eu
gritei, rindo. — Ok, vamos! Mas vai na frente, eu
tenho que me assegurar que não vou pingar que
nem um conta-gotas no chão.

— Ué, o que que tem se pingar?

Olhei para ele com os olhos semicerrados e


os lábios franzidos.

— Logo se nota que você nunca escorregou

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nisso, né? Você desliza que nem num desenho


animado e bate a cara na parede, Segurança.

Gabriel gargalhou tão alto, que eu tapei sua


boca com as mãos rapidamente.

— Segurança! Seu escandaloso!

— Isso já aconteceu com você? —


perguntou ainda rindo, tirando minhas mãos de seu
rosto.

— Nem queira saber... Já, Gabriel, já


aconteceu. Uma vez, com meu primeiro namorado.
Quase quebrei o nariz, meti a cara na porta com
tudo porque escorreguei e deslizei — admiti
quando ele ergueu uma sobrancelha. — Não queira
saber mais detalhes. Anda, vai logo.

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Gab se levantou, ainda dando risada de


mim, e eu franzi os lábios, rindo a contragosto.
Levantei segundos depois e fui andando com
cuidado até o banheiro. Gab ainda não tinha
entrado no boxe quando eu cheguei, pois estava
testando a temperatura da água. Então, eu
gentilmente o empurrei do caminho e entrei com
tudo, antes que eu pingasse no chão. Grande erro.
A água estava muito quente, e eu dei um berro.

— Eu vou matar você, Gabriel! Se quer


galinha cozida, me avisa que eu compro o frango
no mercado! — gritei enquanto fechava a torneira
de água quente e suspirava de alívio quando a água
gelada encostou em minha pele quente.

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Rindo, Gab colocou a mão embaixo da água


e tirou correndo.

— Ok, eu espero você tomar banho


primeiro. Não sei como você aguenta tomar banho
gelado assim. Estamos em Londres, pelo amor de
Deus.

— Eu digo o mesmo daquela água


escaldante! Dava para fazer um daqueles chás
malignos da Erika nessa água!

— Exagerada... — ele comentou entre


risadas e se encostou na parede do banheiro,
totalmente nu, me observando tomar banho. Revirei
os olhos e abri a torneira de água quente, tentando
temperar a água para ficar morna.

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— Vem, Gab. Não consigo tomar banho


com você olhando.

Gabriel ergueu as sobrancelhas e perguntou:

— Mas você não odeia água quente?

— Odeio, mas essa tá morna. Meio-termo.


Vem, entra.

Sorrindo, ele me obedeceu e entrou no


boxe, franzindo um pouco o nariz quando sentiu a
temperatura da água, mas não reclamou. Quando
seu corpo se acostumou com a temperatura, Gab
me pegou pelo braço e me abraçou. Tentei não
reclamar da água morna, mas foi mais forte que eu.

— Parece que eu tô tomando banho de café


de boteco...

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Gabriel deu uma risada e fechou a torneira


de água quente. Senti sua pele se arrepiando com o
frio e abri a boca para protestar, mas ele me
interrompeu:

— Nem sempre o meio-termo é possível,


Lena. Às vezes, um dos dois tem que ceder.

Olhei para ele, que mirava cada canto do


meu rosto com os olhos brilhando, e tentei dizer
algo, mas não consegui. Acabei pensando em
vários tipos de interpretação para aquela frase, e
meu coração ousou ter um pouco de esperanças
sobre o que aconteceria em alguns meses, mas logo
voltou atrás. Ninguém disse que abrir mão de sua
vida seria algo vantajoso, e eu sabia disso.

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Gabriel me abraçou com força, eu deitei a


cabeça em seu peito, e nós ficamos sentindo a água
fria correr por nossa pele morna sem dizer nada por
um bom tempo, apenas ouvindo o barulho da água
cair no ralo e, no meu caso, o coração de Gab
batendo forte contra meu rosto.

Aquela frase que sempre acalentava meu


coração, “quem sabe?”, piscou na cabeça diversas
vezes, o que acalmou meus medos um pouco.

Afinal, quem sabe a gente não...?

Bom, você sabe.

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Vingança
— Bom dia, preciosa! — exclamei para
Tony ao entrar em seu quarto com uma bandeja de
café da manhã. — Bom dia, Betânia! Vamos
acordar, que hoje é dia de fazer prestação de contas,
juntar um milhão de notas fiscais, olhar dezeeeenas
de documentos enfadonhos e fazer pedidos de
material de costura e escritório para que eu possa
deixar a banda toda gostosa em roupas poderosas!

Disse isso tudo num fôlego só, coloquei a


bandeja no chão e fui abrir as cortinas, deixando
um lindo sol de sete horas da manhã iluminar o
amplo quarto do casal rockstar.

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— Uau, que manhã mais linda! O céu tá


totalmente azul, não tem uma nuvem! Olha,
Betânia, já viu um céu tão azul assim? — eu
perguntei, animadona, e me virei para olhar as duas
moribundas na cama. — Vamos, gente, levantem!

Betty se escondeu embaixo das cobertas,


onde Tony já estava escondida desde o momento
em que a luz entrou no quarto, e eu ri ao ouvir sua
voz:

— Gabrieeeeeeel, tem uma maluca no meu


quarto atentando contra minha viiiidaaa! — berrou,
a voz abafada pelo grosso edredom que a protegia
da terrorista aqui.

Peguei a bandeja do chão, coloquei em cima

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de um aparador perto da porta e fui acordar as duas


de modo mais... físico. Rindo, me ajoelhei na
beirada da cama e comecei a puxar as cobertas.
Betty deu um gritinho e Tony segurou as cobertas.

— Não, Lena, não estamos vestidas!

Parei de puxar a coberta e coloquei minhas


mãos nos quadris antes de dizer:

— Ora, e eu com isso? Já sei como é o


corpo da Tony perfeitamente e já imagino
perfeitamente como é o seu, levando em conta a
descrição pormenorizada que Antônia me passou
durante esses oito meses de contrato. Ver as duas
peladas seria apenas um bônus no meu emprego.
Mas, ok, vou dar essa privacidade a vocês. Vou

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virar de costas enquanto vocês se vestem.

— Não, Lenaaa... Vai embora, volta daqui a


cinco horas... — Betty gemeu, fazendo Tony rir
enquanto se escondia mais ainda embaixo da
coberta. — Gabrieeeeeeeel, tira essa mulher maluca
daquiiii!

Saí de cima da cama e fui buscar a bandeja,


toda sorridente.

— Nem adianta, meu amor, vocês estão por


conta própria hoje. Subornei os dois seguranças
para que eles não me incomodassem nessa árdua
tarefa que é preparar o café de vocês e acordar todo
mundo.

Betty colocou a cabeça para fora do

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edredom e me perguntou com um sorriso no rosto:

— Subornou como?

— Simples, Betânia! Erika ganha o terninho


chiquérrimo que eu comprei num brechó lindo na
Espanha, mas que não coube em mim, e Gabriel foi
chupado até não sobrar nenhuma gota de líquido no
corpo dele. Aquele ali tá no bagaço hoje.

— Lena, informação além da conta... — ela


gemeu, mas eu ouvi diversão em sua voz.

— Ué, tá reclamando, é? Gabriel foi


obrigado a ver a banda toda fazendo todas as orgias
do mundo por anos, não foi? Então pronto, agora
vocês vão ter que ouvir detalhes sexuais que não
pediram. Por exemplo, sabe que o Gabriel tem um

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sinalzinho muito fofinho, em formato de coração,


bem pequenininho, logo na cabeça do...

— Não quero saber, eu não gosto de pinto,


Helena! — Betty gritou e voltou a se esconder nas
cobertas. — Qual é a vantagem de ser um rockstar
se nem meus funcionários me obedecem?

— Ah, Gabriel tem uma habilidade


louvável, Tony! Escuta essa — eu disse, ainda
segurando a bandeja com café, torradas, mel,
manteiga, duas maçãs, iogurte e granola nas mãos.
Ah, e uma rosa branca que roubei do jardim. —
Gabriel sabe uma técnica para tornar o sexo anal
não tão desconfortável que é maravilhosa, ele pega
dois dedos, lambuza de lubrificante e dobra assim,

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ó, e enfia delicadamente no meu...

— Meu bom Deus, ok, ok, acordei, Helena


Maria! Posso me vestir, tomar um banho? — pediu,
derrotada, os cabelos azuis totalmente
despenteados, como se ela tivesse enfrentado um
furacão de noite.

Bom, ela enfrentou, aquele furacão de um


metro e cinquenta, ruivinho.

— Não! Café primeiro, depois vocês vão


tomar banho e transar bastante no banheiro. Toma.
Café fresquinho, 100% arábica, torra média, com
chantili e dois dedinhos de leite, do jeito que vocês
gostam! Ah, e açúcar mascavo, que é mais saudável
e tem quase o mesmo gosto, apesar da aparência de

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areia de gato.

Ajoelhei na cama e empurrei a bandeja para


as duas. Betânia se sentou na cama, tomando
cuidado para não me deixar ver nada, e me deu um
suspiro e um sorriso a contragosto.

— Ok, Lena, você venceu... Chama o


Gabriel para mim quando sair? Eu preciso
confirmar um...

— Ah, ele tá na porta! Eu pedi para ele


ficar, caso você tentasse me bater — brinquei e
recebi uma careta dela em resposta. — Gab! Pode
entrar, elas estão... decentes, de certo modo...

Gabriel entrou no quarto, vestido em um


dos ternos mais elegantes que eu já vira na vida —

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o que era um desperdício, usar aquela beleza para


checar câmeras na mansão, mas... o terno era dele,
né? — e deu um bom-dia sério e profissional para
Betty e Tony.

— Gabriel, se você deixar essa maluca


entrar no meu quarto de novo, eu... — a líder da
banda começou a ameaçar, mas eu interrompi.

— Vai fazer o que com ele, Betânia? Vai


cantar bem alto no ouvido de Gabriel, até ele
morrer? Fazer um solo de baixo de mil horas de
duração? Para de reclamar, você ficou um monte de
dias de bobeira enquanto eu e ele nos matávamos
de trabalhar! Eu nem visitei meu apartamento
ainda! Sabe quanto trabalho deu organizar tudo,

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além dos mil relatórios e dossiês? Estamos no meio


de outubro, tá na hora de voltar para o trabalho!

Betty ergueu o lábio superior numa careta e


disse:

— Quantos meses faltam para você ir


embora? — disse em tom de ameaça de
brincadeira, mas todo o meu bom humor foi
embora imediatamente, e eu desviei o olhar de
Tony, que arregalou os olhos quando ouviu a piada
da namorada.

— Amor... — ela tentou alertar, mas eu a


interrompi e respondi:

— Eu vou embora no início de março,


Betty, então são quatro meses e uns quebrados.

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Bom, eu vou deixar vocês sozinhas... Espero você


no escritório... — disse e me virei sem olhar para as
duas, pegando Gabriel pela mão e o levando para
fora do quarto.

Assim que fechei a porta, Gabriel pegou


meu rosto entre as mãos e ficou avaliando minha
expressão por um momento. Contive as emoções e
tentei soar animada com o Segurança:

— Quer me ajudar a desfazer as caixas? Se


você quiser, eu posso te explicar como funcionam
as etapas de criação de peças... Você queria que eu
falasse mais do meu trabalho quando estávamos em
Portugal, lembra?

Gabriel afastou meu cabelo do rosto, ficou

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em silêncio por um momento antes de me


responder:

— Lembro, e você só me enrolou até agora,


não me contou quase nada.

Sorri e coloquei as mãos sobre as dele.

— Então combinado. Passe suas tarefas


para Erika e me encontra no meu-outro-quarto
daqui a pouco. A maior parte das coisas já está no
quarto dos espelhos, mas sobraram algumas
coisinhas pequenas pra levar pra lá.

— Ué, você não ia encontrar Betty no


escritório?

— Eu vou. Mas elas ainda vão tomar café,


banho e ficar uns vinte minutos brigando porque a

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baixista lá foi inconveniente comigo. Eu conheço a


Tony, ela adora conversar sobre tudo. Dá tempo pra
gente organizar tudo certinho. Topa?

Gabriel ficou buscando alguma coisa nos


meus olhos, mas eu fiz de tudo para mantê-los
neutros. Fiquei pensando em outras coisas
aleatórias, como o apartamento de Gabriel, que eu
ainda não havia conhecido. Como eu estava
trabalhando na mansão, acabei não visitando o
estúdio que alugaram para mim, então Gab acabou
ficando comigo na ala dos funcionários. Era mais
prático.

— Topo, Costureira — ele disse, me tirando


dos meus devaneios. — Topo o que você quiser,

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contanto que você pare de tentar esconder o que


está sentindo, como está fazendo agora.

Mordi o lábio e abaixei a cabeça, pensando


em como ter puxado os olhos da minha mãe,
imensos e expressivos, era ruim. Tudo seria mais
fácil se eu tivesse o mesmo pai de Júlia e herdasse
aquele olhar de peixe morto tão conveniente...

Meia hora depois, estávamos no quarto dos


espelhos, meu ateliê temporário.

— Onde deixo essa caixa, Costureira? —


Gab perguntou, e eu apontei com a cabeça para um
canto. — Era a última. O que você vai fazer agora?

— Bom, agora eu preciso abrir todas e

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separar tudo. Aviamentos de tecidos, de acessórios,


dos materiais de costura restantes...

— Hm, ok. Parece fácil. Aviamentos são


aqueles negócios que você usa para costurar, certo?

— Exato. Ilhoses, linhas, gorgorões, essas


coisas. São as caixas com círculos desenhados nas
laterais. Essas a gente abre por último. Vamos abrir
as de tecido primeiro.

Gab concordou, e começamos o trabalho.


Meia hora depois, quando todas as caixas e
embalagens estavam abertas, me virei para ele para
contar um pouco sobre todo aquele material:

— Olha, Gabriel, vou te explicar sobre os


tecidos — virei todas as caixas com os tecidos com

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pouca metragem e trouxe os rolos de tecidos para o


meio do quarto. — Existem classificações, como
qualquer coisa no mundo, que diferenciam os
tecidos de acordo com características específicas,
como entrelaçamento de conjunto de fios...

— Sim, claro, o mundo todo é classificado


de acordo com o entrelaçamento de conjunto de
fios — Gabriel disse totalmente sério, a ponto de eu
demorar para entender que era uma piada.

— Segurança idiota! Posso continuar? — eu


ralhei, apesar do sorriso no rosto. — Então, como
eu dizia, os tecidos podem ser planos, malhas ou
não-tecidos. Aqui, só temos tecidos planos, como
esse popeline, esse tricoline e essa adorável chita

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que trouxe do Rio, só Deus sabe o porquê...

Peguei um quadradinho com um metro de


chita azul e vermelha e mostrei para Gabriel.

— Ué, é tão colorido... Por que você não


usaria?

— Porque é um tecido muito vagabundinho


para fazer o que eu preciso. Ele é excelente para
artesanatos, fica lindo em objetos de decoração,
mas para roupas é um desastre. Fora que encolhe
que é uma beleza, tem que lavar antes, coisa que eu
não fiz. Não sei por que trouxe... Enfim, esses são
os tecidos planos. Malhas são oooutra história.
Enquanto nos planos há um entrelaçamento de dois
conjuntos de fios que se cruzam em um ângulo

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reto, nas malhas...

Parei de falar quando notei o olhar de


Gabriel. Ele estava sério, parado no mesmo lugar,
prestando atenção em tudo que eu dizia, mas seu
olhar era... diferente. Ele me olhava como se não
me visse há anos, ou como se tivesse acabado de
me conhecer. Não sei explicar esse olhar, ele era...
lindo.

Levantei do chão, onde estava ajoelhada


separando os tecidos, fui até ele e comecei a tirar
seu terno. Imediatamente seu olhar foi substituído
por aquele profissional, me fazendo rir.

— Calma, Gab, não vou te deixar pelado


aqui. Só quero tirar seu terno, para você sentar

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comigo no chão com conforto. E sua gravata. E seu


cinto. Não me olha com essa cara, sua calça não vai
cair sem ele, eu tenho certeza. Aliás, pensando
bem, vamos tirar tudo!

— Costureira, horário de trabalho... — ele


alertou, apesar do bom humor.

— Shh! Acha que eu não sei ver as horas?


Espera, em uma das caixas tem uma roupa de
trabalho para você. Uma mais confortável. Qual era
mesmo...? — olhei as mais de vinte caixas de
roupas espalhadas pelo quarto, cada uma com um
carimbo de um país diferente, e comecei a procurar.

Encontrei a caixa de Milão e sorri aliviada


ao ver que era ali mesmo que estava uma calça

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preta, uma camisa maravilhosa, de tecido glorioso,


a bomber collar Jacquard, e entreguei para ele.

— É igual a praticamente tudo que tem no


meu guarda-roupa, Lena... — ele comentou
enquanto olhava as peças.

— É, mas é tudo Armani, querido. Sente o


toque dessa camisa. Anda, troca. Esse terno é
chique demais para você usar em casa.

— Ah, porque uma roupa Armani é melhor,


né? Ricky não vai se incomodar com esse gasto?
Deve ter sido um pouco mais caro do que o
orçamento, não foi? Até onde eu me lembro, da
última vez que comprei, Armani custava de quatro
dígitos para cima. Cada peça.

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Dei de ombros e voltei a ajoelhar no chão


enquanto Gabriel fechava a porta do quarto e
começava a se despir. Pensei em corrigi-lo e dizer
que só custou três dígitos, mas aí lembrei que se
fosse converter a moeda para real, daria brincando
quatro dígitos, até porque paguei em euro, então
achei melhor ficar quieta quanto a isso e expliquei
o que importava:

— Há uma diferença entre um terno chique


e uma camisa chique sendo usada em casa, Gabriel.
Enfim, a calça comprei em um brechó, é da coleção
re-re-re-retrasada, foi uma pechincha e uma sorte
de ser exatamente do seu tamanho. A camisa é da
coleção atual, comprei na loja mesmo, mas paguei
com meu cartão de crédito pessoal, não com o da
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banda, então tanto faz o que aquele chato do Ricky


poderia dizer.

Gabriel parou de desabotoar a camisa de seu


uniforme e me olhou, questionando o motivo
daquilo com o olhar. Hesitei antes de explicar o
real motivo de ter comprado aquelas roupas.

— Eu queria te dar algo que fosse bom, mas


que não fosse necessariamente um terno. Algo que
você pudesse usar também fora do ambiente de
trabalho. Eu sei que estamos trabalhando agora,
mas... Sei lá, só queria que você usasse algo
escolhido por mim sem ser... o de sempre.

Fui até ele e o ajudei a tirar a camisa, mais


para que ele não visse meu embaraço do que para

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realmente ajudá-lo. Por sorte, ele não falou nada,


apenas murmurou um “obrigado, Lena”.

— Posso continuar explicando a diferença


entre os tecidos? — perguntei quando ele terminou
de se vestir e se olhou em um dos diversos espelhos
que cobriam as paredes do quarto. — Uau, Gabriel,
você ficou uma coisa de louco com essa roupa.

Sorrindo, ele se virou de frente para mim.

— Continua sendo uma roupa caríssima que


estou usando no horário de trabalho, Costureira.
Sua lógica é fascinante. Mas, obrigado, eu gostei.
Só não entendi o motivo ainda, já que você já me
deu várias camisetas com estampas duvidosas de
café, caso não lembre...

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Coloquei as mãos na cintura e balancei a


cabeça, rindo.

— Exatamente por isso. Até agora, eu já


vesti a banda inteira, de todos os modos possíveis,
seja costurando ou escolhendo peças. Você, não, ou
só te dei camisetas vagabundinhas, ou só escolhi
seus uniformes. Não tem graça ficar comprando
roupa para você trabalhar, então pensei que seria
bom comprar algo bom, memorável, para você
lembrar de mim quando... Bom, você sabe.

Gab parou de sorrir, se aproximou, mas não


encostou em mim quando disse:

— E você acha que eu precisaria de alguma


coisa para lembrar de você quando você for embora

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daqui? Não existe um dia desses meses todos com


você que eu não vou lembrar, Helena. Na verdade,
sua ida daqui a quatro meses e os outros oito meses
desde que você chegou são praticamente a única
coisa em que eu tenho pensado há algum tempo.
Ponha isso na sua cabeça antes de tentar comprar
coisas desnecessariamente caras para mim.

Ele disse isso com o semblante sério, e seus


olhos gritavam que ele estava falando a verdade.
Fiquei na ponta dos pés e beijei sua boca ao ouvir
aquelas palavras.

— Eu sei, Gabriel. Eu sei, eu também penso


nisso o dia todo. Eu só... Enfim, podemos voltar
aos tecidos?

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Gab me olhou por um instante, sorriu,


soltou meu cabelo do rabo de cavalo, deixando
livres os meus cachos, que estavam tomando forma
depois do alisamento, me abraçou e disse:

— Só cinco minutinhos, e a gente volta — e


me encostou contra uma das paredes de espelho,
beijando minha boca com paixão.

***

— Lena? Posso entrar?

Ouvi a voz de Betty e saí do meio das


calças de Tony, penduradas na arara dela, uma hora
depois de ter bagunçado algumas caixas com

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Gabriel, apesar do horário.

Ora, um inocente intervalo não matava


ninguém, matava?

— Pode! Segurança, pega ali para mim a


caixa de sapatos preta. Essa mesma. Obrigada.

Betty entrou e olhou ao redor, vendo um


monte de caixas de papelão desmontadas num
canto e uma infinidade de roupas, cintos, sapatos de
salto, sapatos masculinos, botas de cano longo,
faixas de cabelo, cardigãs, camisas, blusas,
camisetas, vestidos e outras coisas amontoadas no
meio do quarto.

No canto oposto ao da porta, as araras com


os nomes de cada um eram preenchidas com as

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roupas, sendo classificadas por tipo, cor e uso. Os


tecidos, devidamente arrumados por mim e Gabriel,
estavam próximos à máquina de costura, logo em
frente à porta, na grande mesa, que estava lotada de
coisas. Dei uma olhada na Magic Manson e pensei
que era arriscado mantê-la tão na beirada assim. Fiz
uma nota mental de arrumar aquilo, antes que
alguém derrubasse minha filhota.

— Uau, que bagunça, Lena! Quer que eu


chame alguém da limpeza para te ajudar? — Betty
perguntou enquanto desviava de uma pilha de
calças jeans.

Abri a caixa de sapatos que Gabriel me


entregou antes de voltar a colocar os vestidos de

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Aline em cabides e tirei as pulseiras de couro,


tachas e rebites de Diego, jogando numa caixa onde
eu estava colocando todos os acessórios dos
membros da banda.

— Imagina, gatinha. Se não tiver problema,


deixa o Gabriel comigo só por hoje, ele tá sendo de
muita ajuda. Além do mais, eu estou ensinando
algumas coisas para ele sobre moda e costura, então
está sendo divertido! — comentei, animada.

Betty ergueu uma sobrancelha e olhou para


Gabriel, que desviou o olhar e enfiou em um cabide
o vestido azul-turquesa justinho que eu havia
costurado no início da turnê para Aline, para logo
em seguida pendurá-lo na arara.

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— Sei, divertidíssimo! — ela ironizou. —


Gab, esse vestido que estava na sua mão, ele é feito
de quê?

Gabriel olhou a peça, pegou um pedaço do


tecido e tentou esticar. Não conseguindo, concluiu:

— Tecido plano. Tricoline? — ele me


perguntou.

— Quase, Segurança, é popeline! Parabéns!


— exclamei e bati palmas. Gabriel me deu seu
sorriso de canto de boca e voltou a guardar outros
vestidos.

O queixo de Betty não caiu, ele fez um salto


olímpico e mergulhou graciosamente no chão, de
tão impressionada que ela ficou.

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— Uau! Eu... Uau! Nem eu sei isso! — ela


disse e me olhou, apontando para Gabriel enquanto
tentava articular seus sentimentos. — Eu estou
muito...

— Chocada? Com o quê? Eu sou péssima


para ensinar qualquer coisa, mas Gabriel aprende as
coisas absurdamente rápido, você não sabia?

Betty cruzou os braços e perguntou a ele:

— Então por que o senhor nunca aprendeu a


tocar um instrumento, passando esses anos todos
com a banda? — Gabriel ficou em silêncio,
tentando não sorrir, então Betty finalizou. — Você
só é rápido para aprender o que te interessa, né,
senhor Gabriel? Bom, vou deixar vocês dois

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sozinhos. Daqui a meia hora, me encontra no


escritório, ok, Lena? Já que você me acordou, então
vamos logo resolver as coisas pendentes. Sua
pentelha.

Ri quando vi Betty sair do quarto, bem


rabugenta, e fui até Gabriel, tirando um cabide de
sua mão e passando meus braços em seus ombros.

— Então quer dizer que o senhor tem


inteligência seletiva? Nossa, olha o tecido dessa
camisa, meu Deus do céu! — eu suspirei de prazer
e deslizei as mãos por seus ombros e desci por seu
peito.

Gabriel não disse nada, apenas sorriu e


deixou que eu tagarelasse sobre as tramas e

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urdumes e tudo o mais da camisa que comprei para


ele com tanto esmero.

— Já tô vendo que você vai acabar usando


no meu lugar, como fez com as outras camisetas de
café, né? Ou com aquele trapo rasgado que eu usei
quando nos conhecemos e que, sabe lá Deus como,
você transformou em uma camisola.

— Olha, você reconheceu a estampa?


Nossa, Gab, que memória! Cinco anos depois!

Sorrindo, ele passou o braço pela minha


cintura, e com a outra mão puxou meu cabelo, me
fazendo erguer a cabeça, e beijou meu pescoço
antes de dizer:

— Como eu disse, não tem nada em relação

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a você que eu não lembre, Costureira.

Fechei os olhos e deixei que ele me


provocasse, beijando lentamente minha pele, me
arrepiando toda.

— É, eu já percebi... Você é um excelente


aluno, aprende tudo muito rápido... O que fazer, o
que não fazer, plano zenital, plongê, contra-
plongê... Tem mais umas coisinhas para aprender,
sabe?

— A câmera tá aqui? — ele perguntou e


olhou ao redor.

— Não, mas meu celular tá. Quer pegar um


ângulo legal com esses espelhos? Bagunçar outras
caixas de novo?

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Enquanto me olhava nos olhos antes de


começar a me despir, disse:

— Achei que não ia sugerir nunca, Lena.


Deixa Ricky e o restante da equipe esperarem mais
um pouco.

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Máquinas de costura
— Oi, So-So! Como estão as coisas aí?
Jura? Que bom! Ótimo! Como estão as meninas do
Joe e da Paula?

Ouvi um barulho na porta do ateliê e me


levantei do banquinho para ver quem queria entrar.
Era Betty, que me deu seu sorriso perfeito de
sempre e perguntou se podia falar comigo
rapidinho. Retribuí o sorriso e apontei para o
celular que estava preso entre meu rosto e meu
ombro, pedindo um minutinho enquanto eu
encerrava a ligação e largava o pano de poeira que
estava em minhas mãos.

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— So-so, rapidinho, a líder chegou aqui. Já


te ligo. Não, não era nada sério, era só para esfregar
na sua cara a maravilhosa DataStitch PRO Capsule
1501-II que está me olhando nesse minuto. Sim,
meu amor, bordadeira delícia e totalmente
profissional, 1500 pontos por minuto, borda até a
Mona Lisa numa calcinha fio-dental, se você
quiser... Sim, é essa mesma! Não, infelizmente ela
vai ficar aqui, para quem for me substituir quando
eu for embora... Sim, alguém vai me substituir, né,
amor? E vai ser útil sim, vou bordar todas as roupas
com a marquinha linda da banda. Ela foi
absurdamente cara, mas a banda é muito rica, eu
nem ligo. Enfim, deixa eu ir. Também te amo,
beijo!
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Desliguei o celular e larguei o pano no


chão, indo cumprimentar Betty com um abraço.

— Betânia, sua linda! — dei uma risada


quando ela me ergueu do chão ao me abraçar. —
Ei, isso tudo é saudade? Não me vê há quantos
dias? Eu sei que eu sou uma amiga maravilhosa,
mas não é para tanto.

— Pare de se gabar, sua metida. Vim saber


se as coisas que você comprou chegaram...

— Chegaram, quase-cunhadinha, são


maravilhosas! Olha, eu comprei duas máquinas.
Uma overloque, aquela ali, cinza, tá vendo? E uma
de bordar, essa belezura aqui. Custaram os olhos da
cara da gravadora, mas eu não poderia ligar menos!

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— exclamei, sorridente.

— Entendi... Escuta, não me leve a mal, eu


e Tony adoramos vocês dois aqui, mas em algum
momento você pretende usar o apartamento que a
gravadora alugou pra você?

— Ah, sei lá, talvez no natal? — comentei,


erguendo os ombros. Não estava muito no clima
para me separar de Gab, ir cada um para o seu
apartamento, então estava curtindo ficar na mansão.

— Ok, por mim... E essa bagunça toda aqui


com a sua máquina, você pretende arrumar um dia?
— perguntou e apontou para Magic Manson, que
estava aberta, já que eu estava dando um trato nela,
passando óleo, essas coisas.

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— Não reclame, até que tá tudo bem


arrumadinho, para início de produção de coleção.
Além disso, minha vó sempre dizia que um quarto
limpo é sinal de que há uma máquina de costura
quebrada. Faz parte, bonequinha — expliquei e
apontei para uma caixa com as agulhas de bordado
que estavam próximas ao braço dela. — Olha, pega
essa caixinha aí pra mim, por favor. Só toma
cuidado com o chão, tá cheio de óleo, porque eu...

Não consegui terminar a frase, pois a líder


da Sissy Walker escorregou e tentou se segurar no
fio da Magic Manson, minha máquina de costura
do coração, que estava perigosamente no canto da
mesa.

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Nem consegui prender a respiração. Betty


conseguiu não cair no chão, mas o mesmo não
posso dizer da minha máquina, que se esborrachou
que nem uma jaca madura. A única diferença entre
uma jaca madura e Magic Manson é que jacas não
fazem o barulho de peças quebrando que minha
máquina fez.

— Eita... — a baixista disse ao ver o


calçador, o volante e mais duas pecinhas que não
conseguir identificar de primeira rolarem para um
canto de um modo totalmente não natural. Também
notei alguns pedaços da carcaça espalhados,
provavelmente uma das quinas deve ter perdido o
material plástico que a envolvia.

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Com o coração aos pulos, corri até perto de


Betty, me ajoelhei ao lado de Magic, minha
máquina amada, comprada quando eu tinha vinte e
dois anos, e contemplei seu corpo sem vida,
pensando em como eu poderia esganar a baixista da
Sissy Walker por aquele assassinato a sangue frio.

Erika entrou correndo no quarto,


acompanhada de Gabriel, mas ambos relaxaram ao
ver que estava tudo bem. Quero dizer, “tudo bem”
entre aspas, porque naquele quarto em breve teriam
dois cadáveres: minha amada máquina e Betty, que
me olhava com a culpa estampada no belo e
perfeito rosto.

— Gabriel e Erika, qual de vocês vai me

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emprestar a arma? Betânia, amor meu, você prefere


uma morte rápida, ou posso fazer você sofrer
bastante? Um tiro no estômago, por exemplo, te
deixaria viva por um bom tempo enquanto eu
torturo você com depilação anal com cera fria.

Erika disfarçou uma risada com uma tosse,


me fazendo olhar para ela.

— Ei, querida guarda-costas, me passa essa


coisa tão bonita que você tem no coldre, por favor?
Coisa rápida, prometo gastar somente uma bala.

Betty estendeu a mão na minha direção e


começou a pedir desculpas:

— Lena, foi sem querer, eu compro uma...


— ela disse e colocou a mão no meu ombro, mas

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eu dei um tapinha nela.

— Eu vou te matar, Betânia... Enquanto


você dorme. Vou te sufocar com esse seu cabelo
belo e sedoso. Vou seduzir sua mulher. Vou
quebrar suas guitarras. Vou colocar laxante na sua
comida. Ok, mentira, não vou fazer nada disso, só
vou chorar a morte de minha amiga, companheira
de tantos anos, tantas costuras... Por favor, me
deixem sozinha para organizar o velório de Magic.

Vi Betty olhar para Gabriel em busca de


apoio, mas o Segurança continuava em sua
expressão rígida, profissional. A segunda voz da
banda de rock indie mais famosa do mundo estava
sozinha naquela situação.

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— Se eu deixar você levar essa máquina aí


que você tanto gostou, você me perdoa? Eu arranjo
para Ricky nunca ficar sabendo — tentou negociar.

A sugestão foi tão maravilhosa, que eu parei


de fazer cara triste na hora e estendi a mão para ela.

— Opa, perdoado, Betânia! Olha, ganhei


uma DataStitch PRO Capsule 1501-II, que incrível!
Agora, se me dá licença, vou recolher os pedaços
do corpo de minha amiga e procurar um técnico
pela área para ver se há como ressuscitar Magic.
Foi ótimo fazer negócio com você, cunhadinha!
Mas se quebrar mais alguma coisa minha, eu juro
que vou te envenenar.

Betty piscou algumas vezes, revirou os

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olhos, mas acabou apertando minha mão e sorrindo


antes de me dar um abraço.

— Você é muito esquisita, sabia, Helena?

— Sabia. Agora se manda, eu preciso


encontrar um técnico — eu respondi e a empurrei
delicadamente para fora do quarto. — Vocês dois,
se mandem também, preciso trabalhar.

Erika e Gab sorriram daquele jeito de quem


concorda com a afirmação da baixista — a de que
eu sou esquisita — e saíram do quarto, me
deixando sozinha com Magic Manson.

Fui até o MacBook de Gabriel, que passava


mais tempo comigo do que com ele, liguei para
Sophia no Skype, minimizei a tela e comecei a

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procurar um técnico de máquinas de costura. So-so


atendeu quase imediatamente, e eu comentei
enquanto salvava alguns números de possíveis
profissionais para cuidar de minha máquina:

— So-so, por uma cagada homérica, a


Wings ganhou a bordadeira. O que é ótimo, essa
desgraçada custou em euro, não foi nem em dólar.

Sophia me perguntou quem eu precisei


chupar para conseguir ganhar uma bordadeira
profissional de 1500 pontos por minuto e que
custava mais de trinta mil euros, e eu ri antes de
contar o que houve com Magic.

— Ah, Lena, então a morte de sua máquina


não foi em vão. Tá vendo como há males que vem

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para o bem? No final, tudo dá certo, boba.

Olhei para a miniatura de Sophia no


cantinho da tela do notebook de Gabriel, pensei no
que ela estava dizendo e dei um sorriso
esperançoso.

— Espero que você esteja certa, So-so...

E eu realmente esperava.

É óbvio.

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No apartamento
Meu celular começou a tocar
escandalosamente, era o aviso de que eu não bebia
água havia mais de quatro horas, então parei de
trabalhar e me espreguicei em meu banquinho.
Olhei as horas e ergui as sobrancelhas,
impressionada ao ver que já eram quase nove horas
da noite.

Olhei os desenhos técnicos dos modelos que


eu anexaria aos relatórios e dossiês do material a
ser entregue no final de meu contrato. Estavam
ótimos. Comecei a prender os desenhos no imenso
quadro de cortiça de meu apartamento temporário,
quando ouvi a porta sendo destrancada.
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— Boa noite, Segurança! — exclamei sem


me virar, terminando de prender os papéis.

Logo Gab apareceu por trás de mim,


beijando meu pescoço, o que me fez levar um
susto.

— Nossa, você é muito silencioso! — ri e


me virei para beijar sua boca macia.

Gab sorriu e me puxou pela cintura, me


permitindo saborear seus lábios ainda quentes de
café.

— Tudo certo com seu apartamento? —


perguntei quando nos soltamos, e eu voltei a
prender a uns desenhos e comecei a organizar
minha mesa de desenho.

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Gabriel caminhou até a cozinha e começou


a guardar as compras.

— Sim, tá alugado por mais uns meses.


Tem uma empresa cuidando disso.

Guardei meus cadernos, aquarelas e passei


um paninho na mesa enquanto perguntava:

— Trouxe roupas suficientes para ficar aqui


de vez?

Limpei as mãos no pano e fui ajudar Gab a


guardar a comida na geladeira.

— Sim, não preciso de muito. Deixei boa


parte dos meus ternos na mansão, mas não serei
necessário por agora. Posso ficar aqui e ir para lá
somente quando for preciso.

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Fui olhando os pacotes de café em grão que


ele comprou e aprovando ou reprovando. Depois
daqueles meses experimentando todo tipo de grão,
nos blends mais diversos possíveis, acabei ficando
um tanto exigente na hora de decidir qual café seria
o escolhido para ser moído e apreciado.

— Torra escura, Gab? Jura? — reclamei


quando vi um café de marca duvidosa.

Ele fechou a porta da geladeira e deu de


ombros.

— Eu gosto de suco de carvão de vez em


quando, você sabe. É sempre bom ter um café de
bêbado, daqueles que dão jeito em qualquer
ressaca. Vem, vamos sentar um pouquinho.

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Gab me levou pela mão até o imenso sofá


da sala, e desabamos nele, afundando lentamente e
gemendo de prazer.

Totalmente em estilo industrial, o


apartamento alugado para mim tinha janelas
imensas com vista para a Clapham High Street,
sofás modernos e grandes demais para uma pessoa
só, uma cozinha funcional e convidativa, com
diversos aparelhos domésticos de última geração,
um lavabo no andar de baixo e um imenso banheiro
no andar de cima, que nada mais era que um
mezanino onde ficava, além do cômodo com uma
banheira estranhamente vintage, o closet e a cama
king size.

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Era perfeito, e eu estava muito feliz de Gab


ter “se mudado” comigo para lá, resolvendo a
questão de “nos separarmos” antes da hora.

Gabriel me puxou para perto e beijou meu


cabelo, respirando fundo.

— Tá cansado, Segurança? Já suspirou


umas três vezes desde que chegou.

— Sim, deu trabalho ir buscar sua máquina


no inferno da pedra.

Levantei o olhar num salto e perguntei,


animada:

— Minha máquina? Ela ficou pronta? O


técnico disse que teve conserto? Eu esqueci de
verificar! Passei a semana finalizando o material

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para enviar para o documentarista!

— Sim, teve, mas ela ficou lá ainda. Uma


peça que faltava atrasou a entrega, então... Como
me fizeram ir lá por nada, e digamos que não é
exatamente aqui do lado, eles prometeram entregar
amanhã aqui. O conserto custou quase o preço de
uma máquina nova, mas eu sei que você gostava da
Marilyn Manson, então...

— Magic — eu corrigi e fiz cara de birra, o


que fez Gabriel rir. — Magic Manson, Segurança
idiota, já disse isso cem vezes.

— Eu sei, Costureira, só estou implicando.


Ah, por sinal, qual nome você vai dar para a
máquina nova? Aquela que borda... coisas.

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Franzi o nariz, pensativa. Não tinha pensado


muito no assunto ainda, então precisei refletir por
uns segundos.

— Provavelmente alguma coisa que


envolva alguma banda de rock alternativo e algum
jogador ou jogadora de basquete. Talvez use Leton
James mesmo. Veremos. Escuta, vamos comemorar
a ressurreição de Magic? Quer fazer alguma coisa
agora?

— Sim. Quer ir ao terraço?

Soltei a mão de Gab e bati palmas, animada


como uma criancinha. Era o lugar mais bacana do
apartamento, um terraço um uma graminha
artificial, uma vista sensacional de Clapham e o

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melhor: privacidade.

A noite estava maravilhosa, com uma


superlua iluminando toda a área e ressaltando a
beleza da região.

— Quer sentar, Costureira? — Gab


perguntou quando eu estalei o pescoço depois de
ficar olhando a lua por tempo demais enquanto
segurava sua mão. Olhei para ele e sorri.

— Até quero, mas a última vez que sentei


num jardim, fui parar nos trending topics do
Twitter como uma mulher louca e apaixonada.
Corro esse risco aqui, mesmo essa grama sendo
falsa e o terraço sendo privado?

— Talvez, apesar de tudo — ele brincou e

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se inclinou para me beijar.

Ficamos ali por algum tempo, sentindo tudo


aquilo que acompanhava nossos encontros e
preenchia meu peito, até que Gab interrompeu o
beijo e se sentou na grama, me puxando para sentar
junto. Como queria olhar a lua, me deitei e dobrei
os joelhos, apoiando os pés no chão.

Gabriel me olhou e ergueu uma


sobrancelha, dando de ombros e deitando ao meu
lado.

— Eu li num site que a próxima superlua


igual a essa, tão grande e brilhante, só vai dar as
caras em 2034. Mas é aquilo, eles dizem isso uma
vez por ano, é a mesma coisa sobre ver Marte ou

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cometas... “Nossa, o próximo vai ser daqui a cento


e onze anos”, aí aparece uns oito meses depois... —
comentei enquanto me aconchegava perto de
Gabriel, que ergueu o braço para que eu deitasse
em seu peito.

— Não tem chance de a câmera estar em


um desses bolsos mágicos do seu vestido, tem?
Queria tirar uma foto... — comentou, me fazendo
rir.

— Quer tirar fotos de sacanagem aqui,


Segurança? Achei que você estava cansado.

Ouvi sua risada e tirei o celular do bolso do


vestido e entreguei para ele.

— Toma, tira com o celular, depois a gente

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revela.

— Ok. O que você vai fazer pra guardar


aquele monte de fotos? Um mural? — perguntou
depois que fotografou a lua rapidamente.

— Não, acho mais seguro um scrapbook.


Em ordem cronológica, vai ficar bem legal.

— Entendi... — ele disse e ficamos em


silêncio olhando a lua, mergulhados em
pensamentos.

O celular de Gab vibrou no bolso, e ele se


levantou por um momento para atender. Virei de
lado para observá-lo falar com Erika e sorri quando
ele desligou o telefone e voltou a deitar na grama.

— Que foi, Costureira? — perguntou

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quando notou que eu estava o admirando.

Sorri e balancei a cabeça para os lados,


dizendo que não era nada, para em seguida deslizar
até perto dele e o puxar para um beijo suave.

Seus lábios macios encostaram nos meus


com calma, e sua língua pediu passagem por entre
eles de forma quase carinhosa. Interrompi o beijo
rapidamente, para poder erguer o corpo e me
debruçar sobre Gabriel e não o obrigar a virar o
rosto para mim.

Fiz menção de retomar o beijo, mas parei


quando vi Gabriel fechar os olhos, aguardando o
contato dos meus lábios. Seu rosto estava tão
relaxado, tão pacífico, tão belo, que, por um

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momento, me esqueci de todas as barreiras


defensivas que coloquei ao redor do meu coração
por causa do término do contrato, em poucos
meses.

— Você é um dos motivos, Gab — eu disse


quando não consegui mais controlar. Meu peito
estava transbordando felicidade por estar ali,
daquele jeito, no meio da grama, em um terraço de
apartamento alugado em Clapham, na Grande
Londres, que estávamos dividindo como um casal.

Um casal de verdade, sem prazo de


validade.

Gabriel abriu os olhos preguiçosamente e


me perguntou com a voz rouca:

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— Um dos motivos para...?

Pensei se deveria deixar para lá, dar uma


desculpa qualquer, fazer um mistério igual ao dia
em que disse ao taxista russo que Gab era meu
“lyubimyy”, mudar de assunto, mas não consegui.

Apoiei uma mão na grama e o braço no


peito de Gab e respondi:

— Da minha tatuagem. Você é um dos


motivos. Betty tinha razão.

Gabriel não alterou a expressão, mas seus


olhos brilharam por um momento, até que um
pequeno sorriso despontou em seus lábios.

— Eu sei, Costureira. Eu sempre soube. Vai


mesmo querer fazer outra tatuagem?

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Dei um sorriso tímido e agradeci a Deus por


não prosseguirmos no assunto, pois estava já
sentindo vergonha pela declaração. Balancei a
cabeça concordando, e Gab disse:

— Quer ir amanhã? Eu falei com o Mike,


ele tem um horário vago e guardou aquele desenho
que você gostou, sabe?

Assenti com a cabeça e sorri. Mike era um


excelente tatuador, o conheci na semana anterior,
quando ele estava fazendo um desenho minimalista
lindo de uma raposa. Eu me encantei e desejei
ardentemente aquela belezinha na minha pele.

Sorrindo, me inclinei para voltar a beijar


Gabriel, que colocou a mão em minha nuca e me

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puxou para sentar em seu colo com a outra mão.


Dei uma risada pela audácia, mas não fiz menção
de sair dali. Apenas me inclinei de novo e o beijei,
apoiando os cotovelos na grama ao lado de sua
cabeça e sentindo seus braços me rodearem e me
apertarem, de novo como se tivessem receio de que
eu fosse embora a qualquer minuto.

Como de costume há muito tempo já, eu me


senti em casa.

De certo modo, em nossa casa.

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Mergulho indesejado
— Ok, muito obrigada. Sim. Sim. Claro,
imagina! Obrigada, um beijo, querido!

Desliguei o telefone e dei um grito animado


de pura felicidade. Saí correndo do quarto dos
espelhos, na mansão de Betty e Tony, e corri até a
piscina, onde toda a banda estava conversando e se
refrescando.

Gab e Erika estavam sentados nas beiradas


de duas espreguiçadeiras conversando, e eu revirei
os olhos ao ver os dois de uniforme naquele calor
todo, mas não comentei nada. Era dia de trabalho
para todos os funcionários que não sabiam a

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diferença entre dois acordes de guitarra. Incluindo


eu.

Quase pisei em uma embalagem de creme


para pentear e tropecei em um prato com migalhas
de alguma comida antes de conseguir chegar na
beira da piscina. Procurei Betty e Aline entre as
beldades que se bronzeavam ou tomavam banho na
água límpida.

— Betty, eu consegui!

A líder da banda tirou os óculos de sol e me


olhou, assustada.

— O que você conseguiu, mulher?

— O editorial! Aline vai sair na Vogue!


Sete páginas de um editorial com pegada urban

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rock!

Aline demorou alguns segundos para


entender do que eu estava falando, mas quando
sacou, deu um berro animado e nadou até Betty, a
abraçando com força. Os outros membros da banda
comemoraram e eu dei saltinhos de animação na
beira da piscina.

— Como você conseguiu, Lena? — Diego


perguntou e nadou até a borda da piscina, onde eu
estava em pé.

— Prometendo muitos favores para meio


mundo lá dentro. Nem queira saber quais! — eu
disse, rindo, e me ajoelhei, feliz da vida.

— Sério? Não, espera, quero saber quais

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foram! — insistiu, me fazendo rir.

Olhei para Gabriel, que me olhava com um


sorriso divertido no rosto, e disse para Diego em
tom conspiratório:

— Eu te conto quando o Segurança não


estiver ouvindo, pode ser?

Gabriel deu uma risada alta, e eu o


acompanhei, mas meu riso morreu na garganta
quando Diego me puxou pelo braço e me jogou na
piscina. Com o susto, meu coração disparou e eu
respirei errado, engolindo um monte de água e
voltando para a superfície tossindo e cuspindo água
que nem um chafariz entupido.

Diego tentou me ajudar, mas eu o empurrei

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e fui para a borda, saindo da piscina enquanto


tentava parar de tossir, ajoelhada na beirada.

Gabriel surgiu ao meu lado em segundos e


me pegou pela mão quando eu consegui
desengasgar. Minhas mãos tremiam com o susto, e
eu me levantei e me agarrei em seu terno com
força, sentindo o coração bater a mil por hora.

Droga.

Isso nunca é bom.

— Diego! Você é idiota? A Lena já falou


que não gosta de piscinas! — Betty gritou e saiu da
piscina pela escadinha, correndo na minha direção
ao ver meu estado. — Lena, como você tá?

Olhei para Betty e tentei dizer algo, mas o

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ar não entrava em meus pulmões, então tentei


disfarçar, balançando a mão no ar, e caminhei
apressadamente na direção da mansão. Ouvi Betty
e Aline ralharem com Diego, que tentou se
desculpar e gritou meu nome enquanto eu corria,
apesar da falta de ar, para a ala dos funcionários.

Entrei no quarto ainda reservado para


Gabriel e para mim, me ajoelhando no chão
enquanto as minhas mãos se contraiam, meus olhos
enchiam de lágrimas e a sensação de que eu ia
morrer se espalhava rapidamente pelo peito.

Gabriel apareceu ao meu lado


imediatamente e se ajoelhou perto de mim, me
dando a mão para segurar enquanto eu tentava

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regularizar a respiração.

— Pelo nariz, Lena. Devagar. Tá tudo bem,


foi só um susto, você tá segura aqui, lembra disso
— ele me aconselhou, e eu o obedeci, respirando
fundo e tentando me acalmar.

Em alguns minutos, eu já estava respirando


naturalmente, ainda que o tremor nas mãos não
tivesse cessado. Gabriel se levantou e me ajudou a
fazer o mesmo. Eu o acompanhei até o banheiro e
deixei que ele tirasse minha roupa e me levasse até
o chuveiro.

Deixei a água fria cair no corpo e respirei


fundo, aliviada pela crise ter ido embora.

Momentos depois, ainda meio hesitante,

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caminhei pelo quarto, sentei na cama e suspirei, me


abraçando no roupão atoalhado.

— Uau. Veio com tudo dessa vez, mas até


que foi embora rápido... — eu disse e limpei a
garganta numa tentativa falha de fazer minha voz
voltar ao normal. Eu tinha tossido demais, então
estava com a voz toda rasgada.

Gab sentou ao meu lado e me abraçou,


beijando minha testa.

— Qual foi o gatilho dessa vez?

— Diego me puxou muito rápido, sem me


dar tempo de reagir. Eu estava com a guarda baixa,
então me assustei, e a adrenalina correu solta. Com
o susto, engoli muita água e fiquei sem respirar por

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uns segundos. Aí é certeiro. Um homem me


pegando de surpresa e falta de ar. Receita do
sucesso para nocautear a costureira.

— Entendo... Tem alguma muda de roupa


sua aqui ainda?

Pensei por um momento, afinal, eu não


estava mais dormindo ali, até que lembrei de um
vestido de Aline que talvez coubesse em mim.
Como as roupas da banda estavam todas ali,
Gabriel só precisou ir até o quarto do figurino e
buscar. De roupa íntima, ele me trouxe uma cueca
dele, pois ele sempre deixava mudas de roupas em
seu quarto, na mansão.

— Eu vou falar com Erika e já volto, ok?

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Parei de secar meu cabelo com a toalha e


olhei para ele, na tentativa de tranquilizá-lo.

— Ah, não se preocupa comigo, eu já estou


bem — garanti, mas Gabriel me olhou com o rosto
sério por uns segundos e saiu do quarto sem dizer
nada, voltando dois minutos depois e começando a
tirar seu terno.

— Ué, o que houve? Eu te molhei?

— Não, fui pedir dispensa. Vou ficar com


você.

Surpresa, levantei da cama e caminhei até


Gabriel.

— Não precisa, Gab, eu estou melhor, juro!


Estou com sono, mas isso é normal, você sabe. Eu

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sempre fico moída depois dessas situações.

Gabriel voltou o rosto na minha direção, e


eu vi que tinha algo mais que ele não estava me
contando.

— O que houve, Gabriel? Você está com


aquele olhar sombrio. Tem algo errado com você.
Que dia é hoje? Novembro, dia... Ah! — exclamei
quando me lembrei. — É aniversário de sua mãe.
Eu lembro, você mencionou naquele dia que
conversamos sobre signos, não foi?

Gabriel cerrou os lábios numa linha fina e


suas sobrancelhas se franziram enquanto seu rosto
todo se contraía.

— Você tem uma memória impressionante

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para aniversários...

Eu me aproximei de Gab e o ajudei a tirar


as roupas, puxando seu cinto e o enrolando antes de
guardar no closet.

— Sim, sou boa com datas de aniversário,


Segurança. Contanto que não seja o meu
aniversário e contanto que as pessoas me contem as
datas, senhor Gabriel, eu nunca esqueço de uma...
O que houve, ativou algum gatilho me ver passando
mal? — perguntei quando saí do closet e notei sua
expressão de desagrado. Parecia que ele estava
passando por algum tipo de conflito interno.

— Não é bem isso, Lena, é que...

— É que é um saco me ver daquele jeito

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num dia que deveria ser especial, né? Acasos


cagados do destino, eu entendo, não precisa se
explicar. Obrigada por se preocupar comigo —
disse e dei um sorriso compreensivo para ele, que
relaxou um pouco o rosto — Vai tomar banho
agora?

Gabriel balançou a cabeça concordando, e


eu dei um beijo em sua boca antes de voltar para o
closet para escolher suas roupas enquanto ele
entrava no banheiro. Um tempo depois, Gab, já
vestido, sentou na cama ao meu lado e beijou meu
ombro.

— Quer ver alguma coisa? — perguntei


enquanto mudava os canais da televisão do nosso

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quarto. — Aliás, acho melhor eu dar um pulo lá


fora, Diego deve estar se sentindo um cuzão, seria
bom falar com ele...

— Não precisa, Erika disse que ia falar, eu


disse a ela que você está bem.

— Ah, disse? Então tá ótimo. Que filme é


esse? — perguntei quando vi o nome aparecer na
tela — Aah, credo! É aquele que tem umas mil
cenas de violência sexual! Não, obrigada. O que
acontece com uns diretores e roteiristas, que amam
enfiar cenas assim em tudo quanto é filme? É
alguma tara doentia?

No auge da minha tagarelice, não me dei


conta de que Gabriel estava sério demais. Quando

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desisti de procurar algo bom e decidi deixar numa


comédia romântica qualquer, olhei para Gab e notei
sua expressão ainda fechada.

Virei de frente para ele na cama e procurei


por seus olhos, franzindo as sobrancelhas enquanto
tentava entender o que o tinha deixado desse jeito.
Foi quando me dei conta.

— Sua mãe. Você disse que seu tio atacou


ela. Foi assim que ele atacou? Como nesse filme
idiota? — perguntei de repente.

Gabriel arregalou um pouco os olhos e abriu


a boca para responder, mas fechou em seguida.
Hesitou por uns instantes, mas acabou me
contando, retomando a história que ele tinha

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começado na Suíça, mas nunca terminou:

— Meu tio, irmão de meu pai, era


completamente apaixonado pela minha mãe, desde
moleque, mas nunca falou pra ninguém. Meu pai se
casou com ela, e ele escondeu o sentimento. Até
que um dia eles ficaram sozinhos, meu tio e minha
mãe, na minha casa, e ele não resistiu e a atacou,
como já mencionei antes. Eu cheguei da faculdade
e flagrei ele tentando forçar minha mãe. Tirei ele de
cima dela e chamei meu pai e a polícia. Foi quando
levei a facada da cicatriz, como te contei em Milão.

Ele apontou para a região coberta pela


tatuagem e voltou a explicar:

— Meu tio conseguiu convencer os

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policiais de que havia sido consensual, que eu era


um drogado problemático e com problemas
mentais, e eu passei a noite na cadeia por isso. Meu
pai teve um infarto, de tão nervoso que ficou, e
minha mãe nunca se recuperou. Ela morreu uns três
meses depois disso.

Arregalei os olhos. Eu já conhecia parte


dessa história, mas não com tantos detalhes.

— E o seu tio?

— Morreu montado na grana dos meus pais.


Mencionei que ele aplicou um golpe neles, não
mencionei? Pois é. Foi um dos motivos do infarto.
Minha mãe ficou com fama de prostituta na família
do meu pai, nós perdemos a casa e tudo que havia

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nela e, para completar, eu fiquei com a ficha suja. É


suja até hoje, por sinal, e ninguém na minha cidade
antiga me vê com bons olhos. Minha namorada da
época, Mariana, terminou comigo, meus amigos
viraram as costas. Fiquei totalmente sozinho.

Tentei não reagir de modo exagerado ao que


Gabriel me contou, mas foi difícil. Olhei para as
minhas mãos, para meus pés e depois para o teto,
sentindo os ombros doerem com a tensão.

— Foi meu sensei quem me ajudou nessa.


Quando meu pai morreu e minha mãe ficou doente,
eu precisei largar a faculdade para ajudar em casa,
mas não deu tempo nem de conseguir um emprego.
Logo fiquei sozinho e sem ter como pagar as

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despesas. Meu sensei disponibilizou um quartinho


em seu dojo e me deu um emprego de assistente lá.
Anos depois, ele me mandou pra cá, para a
Academia, onde graduei e virei instrutor depois.

Senti o olhar de Gabriel em cima de mim,


me avaliando, mas não disse nada, apenas absorvi
aquela história horrível e com um final tenebroso
para sua pobre mãe. Respirei fundo e balancei a
cabeça antes de falar:

— Sabe, Gabriel...? De vez em quando, eu


me pergunto como alguns homens conseguem ser
tão... repugnantes.... Não que as mulheres sejam
todas santas, mas os homens... Parece que forçam a
barra para tornar o mundo um lugar merda.

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Incrivelmente, Gabriel tentou defender o


tio, o que não fez o menor sentido para mim. Não
me venham com esse papo de que é amor, laços de
sangue, nada disso é desculpa para diminuir o que o
criminoso fez. Se minha irmã tivesse feito qualquer
coisa parecida, eu nunca tentaria justificar nada,
ainda que meu amor por ela não diminuísse. Amor
não é desculpa para passar a mão na cabeça dos
outros. Gabriel, acima de todas as pessoas, deveria
saber disso.

— Meu tio não era totalmente mau, ele... —


Gab tentou explicar e passou a mão na cabeça,
como se estivesse irritado e desconcertado ao
mesmo tempo. — Ele cometeu um erro e... Ele não
soube lidar com os sentimentos que tinha... Se ele
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tivesse alguém para conversar, nada disso teria


acontecido. Meus pais estariam vivos, Mariana
estaria comigo ainda e ele não teria feito...

Eu balancei a cabeça para os lados,


discordando de sua fala. Levantei da cama e fui
caminhando até o banheiro, parando por um minuto
e olhando por cima do ombro.

— Desculpa, Segurança. Eu nunca vou


concordar com você nesse aspecto. Homem escroto
não merece minha compaixão, não importa os
motivos que o levaram a tal ação.

Antes de entrar no banheiro para terminar


de secar o cabelo, olhei de novo para Gabriel, que
estava de olhos fechados, como se estivesse

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sentindo dor, e perguntei quando me dei conta de


algo que ele disse:

— Espera, Mariana estaria com você? Foi


isso que você disse? Mariana, sua ex-namorada? É
isso que você queria, Gabriel? Estar com essa
mulher ainda?

Gabriel abriu os olhos e virou o rosto na


minha direção rapidamente quando percebeu o que
tinha dito. Assim que viu a mágoa em meu rosto,
ele se levantou da cama e tentou explicar:

— Não, não foi isso que eu quis dizer, eu...

Não deixei ele terminar, entrei no banheiro


e fechei a porta atrás de mim. Fui até a pia, liguei o
secador e peguei uma escova, me sentindo

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totalmente sem esperanças da humanidade, como


sempre me sentia quando esse tipo de coisa
chegava ao meu conhecimento.

Balancei a cabeça para os lados, respirei


fundo e engoli em seco. Eu sei, foi uma escolha
bosta de vocabulário, eu não sou idiota, sabia bem
o que existia entre nós. Mas não mudava o fato de
que aquele comentário me machucou. Não é porque
sou uma pessoa conhecida por não ser ciumenta,
que fico confortável em ouvir esse tipo de coisa.

Uma lágrima escorreu pela minha


bochecha, e eu a limpei com as costas da mão,
voltando minha atenção para meu cabelo. Enquanto
ouvia o barulho do secador, pensei que eu poderia,

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mais tarde, me desculpar com Gabriel por ter sido


tão crua e o confortar. Bem ou mal, é uma data
ruim para ele, não poderia ser indiferente a isso.

Pensei nas mulheres que Alexandro


violentou, nas mães que perderam seus filhos para
ele, que os obrigou a se prostituírem apesar da
idade, nas mulheres que foram agredidas por ele,
por todas as mulheres que sofriam diariamente nas
mãos de homens e não tinham a sorte de ter ao seu
lado pessoas maravilhosas como Gabriel ou Joe,
como eu tinha.

Desliguei o secador e me olhei no espelho.


Mesmo com toda a cota de violência que eu tinha
sofrido, já que encontrei na minha vida não

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somente Rodrigo, que tentou me violentar, como


Alexandro, que tentou me matar, eu não podia
negar que eu tive sorte em outros aspectos, com
outras pessoas. Uma delas estava no quarto, ou
provavelmente já tinha saído, o que não era
exatamente uma surpresa, levando em conta nossa
conversa.

Olhei meu rosto, ainda meio inchado por


causa de tudo que aconteceu, e pensei que, por mais
que Gab estivesse errado, aquele era um dia em que
deveríamos dar força um para o outro, não brigar
sobre quem é vítima ou deixa de ser.

Sim, era isso que faria, deixaria esse imbecil


desse tio babaca apodrecer no inferno junto de

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Alexandro.

Larguei tudo na pia e voltei, hesitante, para


o quarto, já esperando que ele estivesse vazio. E
estava, o que fez com que eu sentisse uma vontade
imensa de me abraçar. Por que Gab tinha que fazer
isso, fugir do quarto toda vez que algo o
perturbava? Ele...

Mal comecei a formular o pensamento,


Gabriel saiu de dentro do closet, olhando para
baixo e em seguida me vendo parada quase na porta
do banheiro. Olhamos um para o outro por um
instante, como se fosse necessária uma avaliação
prévia do humor do outro, e logo atravessamos a
distância entre nós e nos abraçamos em uma

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confusão de braços apertando com força os corpos.

— O terno, você esqueceu de guardar... —


ele disse, justificando sua ida ao closet, o rosto
enfiado na curva do meu pescoço.

— Hm, verdade, desculpa... Esqueci


também de pegar suas palavras cruzadas, é
importante um homem da sua idade, com essa
defasagem de vocabulário que você tem, treinar a
memória, sabe? Para não falar bobagens como
“qualquer uma entrar no meu quarto” ou “eu ainda
estaria com minha ex-namorada”...

Apesar da provocação, não soltei Gabriel


por nenhum segundo. Fiquei agarrada nele como se
tivesse medo que ele fosse embora. Sua risada

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esquentou meu pescoço e sua resposta logo veio:

— Desculpa, Lena, eu só... Como eu te


disse na Alemanha, isso tudo é muito novo para
mim...

Soltei ele um pouco ao escutar essas


palavras e mirei seus olhos. Pensei em perguntar
por que isso era novo para ele, se ele era mais
velho, mais experiente e com a mesma quantidade
de ex-namorados que eu, mas ele se adiantou e
explicou:

— Mariana foi minha primeira namorada,


em todos os sentidos, quando eu ainda era um
moleque de faculdade. Erika foi a segunda, mas
você sabe muito bem as circunstâncias do meu

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relacionamento com ela, o quanto nós brigamos


acima de qualquer coisa. Além delas, tive aquela
quantidade gigante de casos de uma noite regados a
mentiras, por questões de segurança, como você
também sabe. Já com você...

Encostei em seu rosto com as mãos e alisei


seu lábio com o dedo indicador por um momento
enquanto ele buscava as palavras. Meu coração
estava acelerado no peito enquanto eu esperava.

— Você veio, entrou e ficou, foi natural. Eu


acabo falando coisas sem pensar, porque não
preciso dosar as palavras com você. Não há
necessidade, então acabo me enrolando, falo sem
pensar nas possíveis interpretações. Esse tipo de

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relacionamento, com essa naturalidade toda, não é


usual para mim.

Passei os dedos em seu rosto, sentindo sua


pele quente e macia, sua barba por fazer, suas
sobrancelhas arqueadas de um jeito atraente, refleti
por uns momentos e sorri.

— Não é para mim também, Gab...


Desculpa pelo que eu disse antes. Continuo
achando tudo aquilo, mas fui cruel ao falar daquele
jeito e não respeitar a memória do seu tio.

Gabriel afastou um pouco minha franja da


frente do rosto e me deu um pequeno sorriso
enquanto balançava a cabeça para os lados, como
se dissesse para eu não me importar com isso.

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— Eu sei que você tem razão. Meu tio era


um homem podre, mas eu não posso ficar
relembrando disso. É só por isso que disse aquelas
coisas. Ele morreu sozinho e infeliz, eu sei, ele teve
o que mereceu. Eu apenas não preciso ficar
alimentando ódio em cima de defunto.

Assenti com a cabeça, entendendo seu lado,


e mudei de assunto:

— Enfim, estamos nos saindo muito bem,


não estamos? Para um casal que é inexperiente
nesse tipo de relacionamento... Hm... como posso
dizer? Saudável? Olha, já até moramos juntos e
nunca tentamos nos esganar! — comentei, vendo
seu sorriso brilhante tão lindo. — Segundo a minha

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irmã, não querer apertar o pescoço do parceiro é o


primeiro passo para o casam...

Estava tão tranquila brincando com Gab


depois de um momento tenso, que nem me dei
conta do que estava falando, até que me interrompi
e limpei a garganta, tentando disfarçar meu
embaraço. Gabriel tentou se segurar, mas acabou
dando uma risada.

— Bom saber que eu não sou o único que


fala coisas sem pensar. É reconfortante, obrigado.

Fiz uma careta desdenhosa, mas me estiquei


e beijei seus lábios antes de tentar produzir algum
tipo de defesa frente a esse poder de Gab em
derrubar todo e qualquer filtro que eu tivesse.

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— Espero que a gente consiga criar um


filtro, então, Segurança, o mais rápido possível,
para evitar tortas de climão como essas que
estamos comendo hoje. Ah! — gritei quando Gab
me virou rapidamente e me jogou na cama, se
deitando sobre mim e beijando meu pescoço
enquanto dizia:

— Paciência é a chave, Costureira.

— A chave de quê?

Ele parou de me beijar e me olhou, um


brilho divertido nos olhos enquanto eu tentava o
puxar de volta para que continuasse beijando meu
pescoço. Estava bem no clima de agir como se nada
tivesse acontecido naquele dia tão estranho, em que

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eu tive uma crise, descobri coisas horríveis sobre o


passado de Gab, discuti com ele e ainda precisei
encarar o close errado de uma menção a uma ex-
namorada. Clássico dia bosta.

Bom, sempre podemos tentar reverter um


dia bosta em um dia maravilhoso, não podemos? É
tudo uma questão de sintonização, equalização e
ajustes finos, afinal de contas.

— É a chave de tudo, ora. A gente vai dar


um jeito nisso, mas tem que ter paciência,
Costureira. Lembre-se que Roma não foi construída
em um dia...

Revirei os olhos, fiz aquele movimento de


sempre, quando eu usava o peso de Gab a meu

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favor e invertia nossas posições, ficando por cima,


e murmurei antes de devorar seus lábios:

— Você fala demais, Segurança...

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Dezembro
Três meses para o fim do contrato

Estava sentada, tomando sol no terraço do


nosso apartamento enquanto bebericava um suco de
musgo, receita que prometia milagres para o corpo,
nas palavras de Erika. Estava relaxando após
enviar, finalmente, meu dossiê completo e
finalizado ao responsável pelo documentário de
moda. Como consultora de moda, meu trabalho
com a Sissy Walker havia terminado, então me
permiti relaxar um pouco.

Estava fazendo um dia de sol agradável

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naquele finalzinho de outono em Londres, mesmo


que as temperaturas estivessem mais baixas do que
eu estava acostumada no Brasil. Porém, após
praticamente dez meses de Europa, aqueles 10º não
estavam mais me fazendo bater queixo. Um casaco
simples, um gorrinho e minhas boas e velhas meias
7/8 de lã eram a companhia ideal para aquele
restinho de dezembro.

— General, posso subir? Está nua? —


Diego me tirou de meus devaneios, e eu abri os
olhos e gritei em resposta:

— Não, pode vir! Como entrou aqui? —


perguntei quando ele terminou de subir as escadas
do terraço e sentou ao meu lado, dando um

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encontrãozinho no meu ombro à guisa de


cumprimento.

— Gabriel abriu pra mim, já vai começar a


reunião com o restante da banda.

Assenti com a cabeça, mas minha ficha logo


caiu. Reunião? Que reunião? Perdida, questionei:

— Espera, do que você está falando? Aqui?


Por que ninguém me avisou? Vou matar Gabriel!
— comecei a me levantar, mas Diego me segurou
pelo braço.

— Relaxa, é uma reunião informal, não diz


respeito a vocês, só aos membros da banda.

— Ah... Ok, menos mal... Pierre não veio,


então?

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— Veio, está lá dentro.

— Diego! Se um dos responsáveis pelo


estilo veio, então eu deveria estar lá! — eu disse e
fiz menção de me levantar, mas ele me segurou
pelos ombros.

— Não, Lena, porque a reunião é sobre


você.

Parei de tentar me soltar das mãos do


guitarrista e cruzei as pernas, virando de frente para
ele.

— Sobre mim? Por quê? O que aconteceu?


O que eu fiz que não estou sabendo? Mandei o
relatório para a pessoa errada?

— Nada, General, respira. Eles estão

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decidindo se vão te dar folga no natal.

Cruzei os braços, desconfiada, e retruquei:

— Todos vão ter folga no natal, Diego,


menos Gabriel e Erika. Não faz sentido uma
reunião.

— Exatamente — ele disse e me deu um


sorriso enigmático.

— Exatamente o que, guitarrista de quinta?


Quer me enlouquecer? Me explica o que tá
pegando, antes que eu jogue você desse terraço!
Seria ótimo como vingança, depois do evento da
piscina!

Diego abriu a boca para falar algo, mas


ficou sério de repente.

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— Lena... eu nunca pedi desculpas direito


pelo que houve naquele dia. Não achei que ia...
como chama aquilo?

Relaxei a expressão por um momento e


tratei de tranquilizar o pobre rapaz.

— Ativar um gatilho? Não se preocupa,


querido, eu sei que não foi sua intenção. Eu que
estava com a guarda muito baixa e me assustei.
Meu problema é quando um homem faz algo que
eu não espero e não quero, entende? Eu costumo
reagir socando a pessoa, mas como não sou fã de
nadar em piscinas, me engasguei, fiquei sem ar, aí
piorou tudo. Mas eu tô ótima, não se preocupa.

Ele assentiu com a cabeça, com a cara de

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quem aprendeu bem a lição.

— Desculpa, não vou fazer de novo.

Respirei fundo, fechei os olhos, sentido os


raios de sol esquentando meu rosto, e brinquei:

— Não vai mesmo, ou eu arranco um naco


do teu braço à dentadas. Me deliciarei em cada
segundo de sua punição.

Ouvi a risada rouca do guitarrista, que


parecia mais tranquilo depois de colocar tudo em
pratos limpos.

— Sua canibal! Não sabia que você curtia


essas coisas estranhas!

— Não reclama. Se você fosse Gabriel,


seria na bunda.

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— O que seria na minha bunda? — o


Segurança perguntou com diversão na voz.

Surpresa, vi que ele estava atrás de mim,


então levantei a cabeça e encostei nos seus joelhos.

— Nem queira saber, Segurança sorrateiro.

Gab riu e estendeu a mão para mim.

— Vem, a Betty quer falar com você.

— Opa, é pra já! — disse e aceitei sua mão,


me levantando e deixando Diego sentado na grama
artificial do terraço.

Antes de sair, olhei por cima de ombro e vi


a jarrinha de suco verde. Eu tinha bebido quase
tudo, mas os poucos cubos de gelo derreteram,
então ela estava cheia de um líquido diluído e

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esquisito, nem um pouco atraente.

— Ah, espera um segundo, Gab. Diego...

— Oi! — ele disse e virou a cabeça na


minha direção.

— Me empresta seu celular? — pedi


enquanto me aproximava dele com a expressão
mais inocente que consegui colocar no rosto.

— Pra quê? — perguntou, desconfiado.

— Ai, só me empresta, neurótico.

— Nem pensar! Tem fotos particulares


aqui, incluindo suas com Gabriel! Vai que você
queira deletar?

Coloquei a mão na cintura e franzi os


lábios.

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— Você fez backup delas?

— Claro que fiz, faço backup de tudo no


meu celu... — ele começou a dizer, mas eu não
deixei que terminasse, me aproximei rapidamente,
peguei a jarra de suco e derramei em sua cabeça de
uma vez.

— Helena! — ele berrou, a voz rasgada de


frio, e logo diversos palavrões em espanhol foram
ouvidos ao longo da rua principal de Clapham.

— Pronto, agora estamos quites. Você me


molha, eu te molho de volta.

Gabriel segurou uma risada dando uma


tosse fingida que obviamente eu notei.

— Me acompanha até o interior da

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residência, senhor?

Ele balançou a cabeça, rindo de mim, e


estendeu o braço.

— Depois de você, senhorita.

Entramos juntos no flat, ouvindo os


xingamentos de Diego, que jurou vingança. Soltei o
braço de Gab antes de entrar na imensa sala do
apartamento e dei boa tarde a todos, que estavam
em silêncio me esperando, cada um sentado em um
local diferente.

— Então, o que está acontecendo? Por que


estão aqui e por que ninguém me avisou que teria
reunião na minha casa?

Betty se levantou do sofá e veio em minha

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direção, parando por um segundo ao ver Diego


aparecer resmungando e indo até a arara de roupas
no ateliê, ao lado do sofá maior. Por se tratar de um
grande flat, amplo, a sala dividia espaço com meu
local de trabalho, bem como manequins, máquinas
de costura e bordado, tecidos e um mundo de cores
e artes. Nesse mundo, é claro, havia várias roupas
dos membros da banda.

— Eu não sei se quero saber o que


aconteceu... — ela comentou, olhando Diego levar
uma muda de roupas até o banheiro social do
apartamento.

— Não queira, não é importante. Diga —


pedi. Meu modo profissional estava entrando em

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formação, e as piadas em breve deixariam de ter


graça.

— Ah, sim. Lena, eu e o resto da banda


avaliamos sua produção nesse último mês e
ficamos muito impressionados. Você não só fechou
parcerias com marcas muito importantes, como fez
uma quantidade incrível de roupas para a banda.
Isso porque eu nem falei do editorial de moda da
Vogue, ou do relatório gigantesco que você
mandou para o documentarista três meses antes do
combinado. Você adiantou tudo em uma
quantidade limitada de tempo.

— Resumindo, você está demitida, seus


serviços não serão mais necessários — Diego disse,

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voltando do banheiro com uma camisa nova e uma


toalha minha nas mãos.

Que abusado, ainda usa minhas toalhas!

Todos no estúdio sorriram, mas eu não


achei nada engraçado, então continuei séria.
Gabriel estava com a mesma cara que eu.

— Iiih, General está de volta — o


guitarrista disse, e todos riram de sua piada, menos,
claro, Gab e eu. — E trouxe o Comandante junto.

Betty limpou a garganta, tentando controlar


suas risadas, e continuou:

— Fica quieto, homem! Então, Lena, você


não está demitida, é óbvio. Nós conversamos com o
Ricky, e a gravadora topou te liberar no natal.

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— Me liberar? Como assim? Tipo voltar


pro Brasil?

Betânia assentiu, e Tony bateu palminhas ao


seu lado, como se estivesse animada com a ideia.

— Não, não precisa, não pretendo voltar


para lá até março. Ainda tenho que bolar a coleção
que vocês solicitaram.

Betty piscou duas vezes antes de responder:

— Credo, mulher viciada em trabalho.


Deixa pra depois. O jatinho vai te levar para o Rio
alguns dias antes do natal e vai te buscar no dia
doze de janeiro...

— Betty... — comecei, tentando ser


delicada. — Obrigada, mas eu dispenso, não quero

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passar o natal longe do... sozinha.

Antônia deu uma risadinha animada e


interviu:

— E quem disse que você vai sozinha,


boba?

Pronto, agora não entendi mais nada.

— Vocês vão também?

— Não, Lena, o Gabriel também está sendo


dispensando de seus... — Betty começou, mas eu e
Gabriel a interrompemos:

— O quê? Pirou, Betty? Quem vai ficar no


lugar dele com a Erika doente assim? — apontei
para a guarda-costas de Betty e Tony, que estava
com o nariz vermelho, de tanto espirrar.

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— Eu não posso deixar a segurança da


banda toda só nas mãos dela, eu sou o chefe de
segurança!

Erika se levantou do sofá com seu lencinho


de papel nas mãos e exclamou:

— Ei, como não? É só uma gripe! Até lá já


melhorei, dado a quantidade de canja que essa vaca
demoníaca está me obrigando a comer — ela disse
e apontou para mim, me fazendo dar um pequeno
sorriso. Exagerada, eu só fiz umas sopinhas em
troca das receitas de suco detox que ela havia me
passado. — Além do mais, eu já contratei gente
para te substituir, Gabriel. Três seguranças amigas
minhas. Totalmente de confiança, com histórico

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limpo. Todas da Academia.

Olhei o rosto de Gabriel transitar de dúvida


para desconfiança e irritação. Antes que ele
respondesse Erika de modo atravessado, intervi:

— Ok, vamos por partes: vocês esperam


que eu vá para o Rio...

— Com Gabriel — Betty completou.

— Com Gabriel — eu acrescentei. — E


passe meio mês lá e volte para cá depois, como se
tivesse trabalhado o mês inteiro?

— Você trabalhou o mês inteiro, Lena —


Pierre interviu. — Aliás, desde que chegamos da
turnê, você trabalhou que nem uma possuída.
Costurou um guarda-roupa quase inteiro para todos,

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adiantou o trabalho dos próximos quatro meses,


mesmo dos que você não vai mais trabalhar para a
Sissy Walker, ou seja, nem será necessário
contratar de imediato outro ou outra costureira para
a banda quando você for embora. Ah, nem vou
dizer das peças-piloto da coleção da Sissy Walker
by Wings. Você merece essas férias.

Coloquei as mãos na cintura e ponderei a


oferta. Era realmente muito boa, dar um pulo em
casa, passar o natal com meus cortadores de
biscoito, minha árvore de natal e, ainda por cima,
em minha casa oficial.

Mas...

E se Gab não quisesse?

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— Eu preciso aceitar essa oferta até


quando? — perguntei, tentando não soar muito
ansiosa.

— Você já aceitou. Não é uma oferta, é uma


ordem. Vocês dois embarcam dia vinte de
dezembro. Gabriel não tira férias há anos, a
gravadora não quer ser processada por trabalho
escravo. Já foi um alívio você ter obrigado ele a
tirar folgas na turnê. Em geral, ele trabalha sem
parar nos shows, mal visita as cidades.

Olhei para ele, surpresa, mas Gab não disse


nada nem alterou sua expressão séria. Não sabia
que ele nunca tirava folgas nas turnês!

— Betty, eu não sei se... — comecei a dizer

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quando desviei o olhar do Segurança.

— Posso ter um minuto sozinho com a


Lena, por favor? — Gabriel perguntou de repente,
com o Modo Segurança Fodão ativado.

— Ué, vocês são dois, nós somos maioria,


vocês que saiam daqui... — Diego começou, mas
Antônia o pegou pelo braço e o arrastou porta
afora, rumo ao terraço, murmurando “o
apartamento é deles, burro”.

Cruzei os braços e olhei para Gab, que


estava no mesmo lugar, com a mesma cara, como
se estivesse em um show, não em nosso flat
alugado.

— O que você acha disso, Segurança? —

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questionei e me aproximei dele, ajeitando seu terno.


— Quer ir para o Rio? Sair da Sissy Walker e
entrar na Wings um pouquinho?

Perguntei com o rosto mais impassível que


eu consegui, mas, na realidade, estava um pouco
apreensiva com o que aconteceria se Gab recusasse.

Sem dizer nada, ele afastou meu cabelo do


rosto e ficou me olhando enquanto pensava.

— O que você acha disso, Costureira? —


ele me devolveu a pergunta depois de uns instantes.

Peguei em sua gravata e ajeitei seu nó,


distraída.

— Essa gravata é muito bonita. Você quem


escolheu?

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Gab sorriu e concordou com a cabeça, me


fazendo achar graça da mentira inocente, levando
em conta que eu escolhia suas gravatas
diariamente.

— Acho que seria ótimo, Gab. Você


conheceria o café da Manon, da Colombo, o
Freezie...

— Freezie? — perguntou e colocou as mãos


na minha cintura enquanto eu acertava o nó da
gravata de novo.

— É, o café gelado que minha irmã faz.


Receita de família, é divino. Enfim, a gente pode
ficar no meu apartamento, que é quase do tamanho
dos quartos de hotel em que ficamos, então você

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nem ia estranhar muito, depois de meses neles... Só


que eu tenho dois banheiros, cozinha, meu Xbox...
É ligeiramente melhor.

Ajeitei o nó mais uma vez, até que Gabriel


soltou um gemido estrangulado e afrouxou a
gravata no pescoço.

— Você tá me enforcando, Lena.

— Oh! Desculpa! Nem percebi!

Gab riu do meu nervosismo enquanto tirava


a gravata para refazer o nó.

— Estranho isso, não? — comentei quando


me afastei um pouco para que ele pudesse se
arrumar. — Parece que eu tenho quinze anos e
estou chamando um garoto para passear no

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shopping pela primeira vez. Enfim, vamos ou não?


Diz logo, eu tenho que organizar tudo, pedir para
alguém limpar o apartamento por mim, comprar
comida, essas coisas...

Gab terminou com a gravata, e eu dei um


passo para frente e apoiei as mãos em seu peito
enquanto olhava seu rosto, aguardando uma
resposta. Suspirei quando ele demorou a responder
e ficou só me olhando, como quem estivesse
avaliando uma situação.

— Bom, eu vou chamar a Erika para ir


comigo, então, já que você tá fazendo doce. Quem
sabe a gente não possa passar um natal
maravilhoso, cheio de saliências! Eu acho que eu

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tenho um suspender que vai ficar perfeito nela!

Soltei Gabriel e fui falando enquanto me


dirigia para a porta, tentando conter um sorriso
enquanto provocava o Segurança, que veio atrás de
mim, me pegou pelo braço e me virou de frente
para ele, me encostando na parede.

— Por que você me provoca assim,


Costureira? — perguntou enquanto beijava o canto
da minha boca.

— Porque é gostoso, Segurança, ver você


fazer essa cara, quando você é sempre tão
controlado. Já expliquei isso umas mil vezes... —
disse enquanto erguia meu queixo para Gabriel
descer seus lábios pelo meu pescoço. — Sobre a

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viagem, pensa só, Gab, você não vai mais precisar


tapar minha boca na hora de fazer coisas...

— Não vou? Você mora num apartamento à


prova de som? — perguntou enquanto descia pelo
meu ombro e abaixava a alça do meu vestido.

— Segurança idiota! — ri, puxei sou rosto


para perto do meu e o beijei rapidamente. — Foca
na viagem. Consegue ver o lado bom?

Gabriel me olhou, franziu as sobrancelhas,


como se eu tivesse falado algo meio absurdo.

— Eu não consigo ver nenhum lado ruim,


Lena.

Aliviada, sorri e voltei a beijá-lo, até Betty


entrar no apartamento e exclamar quando nos viu

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agarrados e encostados na parede:

— Ah, que ótimo! Estamos combinados,


então! Estejam prontos às nove no dia vinte! —
ordenou e piscou antes de sair e fechar a porta atrás
de si.

Gab, que não me soltou nem quando fomos


interrompidos, me olhou, balançou a cabeça,
sorrindo e revirando os olhos, e voltou a me beijar,
ignorando que estava em horário de trabalho, coisa
que eu também me esqueci por completo antes de
me perder nos braços do Segurança.

Natal.

Na minha casa.

Com Gab.

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O que mais eu poderia querer?

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Paixão Antiga
Trilogia Amor nas Alturas

Livro 3

C. Caraciolo

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Ficha Técnica

Copyright 2018 Editora Livros Prontos e Clara


Taveira

Todos os direitos reservados.

Trilogia Amor nas Alturas

Livro III

Autora: C. Caraciolo

Revisão: Raphael Pellegrini (Capitu Já Leu)

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You're still the one that holds me

Can't you feel it burning?

Can't you feel it burning still?[16]

Old Flame – Kimbra

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Prólogo
Já contei como foi meu primeiro encontro
com Gabriel, anos atrás, e como foi minha primeira
noite com o Segurança e toda a turnê maravilhosa
que passamos juntos. Agora, que Gab vai embarcar
no meu mundo, no mundo da Wings, do Rio de
Janeiro, de Botafogo e de meus amigos, é preciso
contar como esse mundo funcionava antes de o
Segurança da Sissy Walker aparecer.

Eu nasci e fui criada no interior de Minas


Gerais. Filha de pais extremamente conservadores,
sempre fui muito reprimida em diversos aspectos.
Minha irmã, Júlia, também foi, mas por ser onze
anos mais velha que eu, conseguiu se livrar das
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amarras dos preconceitos de nosso lar bem antes.


Eu devia ter uns sete anos quando ela se mudou
para o Rio de Janeiro com a desculpa de que a
faculdade lá era melhor que a de nossa cidade.

Bem, era, mas não foi somente esse o


motivo. A verdade é que Júlia, por mais que
gostasse de meu pai, não conseguia aceitar o que
nossa mãe havia se tornado. Quando o pai dela
faleceu, bem antes de eu nascer, mamãe entrou em
uma depressão profunda. Foi direto para o fundo do
poço. A avó paterna de Júlia, vovó Thereza, foi
quem cuidou de minha irmã enquanto mamãe
tentava melhorar. A única coisa que ajudou foi a
religião.

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Caindo de cabeça em uma igreja evangélica,


mamãe conheceu meu pai. Alguns anos depois
disso, eu nasci. Segundo Júlia, a diferença de nossa
mãe antes e depois da perda do marido e do
encontro com meu pai foi gritante demais. Por mais
que tenha sido excelente o casamento dos dois,
ninguém jamais questionará isso, mamãe se tornou
uma pessoa muito... complicada de se conviver.
Meus pais eram críticos demais, julgadores demais,
teimosos demais.

Eu aguentei viver com eles o máximo que


pude, mas assim que minha irmã se estabeleceu
financeiramente, o convite de me mudar para o Rio
surgiu, e nós duas conseguimos convencer os dois
sob falsas promessas de que eu seguiria na religião.
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Não segui e me odeio até hoje por ter mentido, mas


eu não conseguia mais viver em um ambiente tão
pesado e tão cheio de promessas de que eu ia para o
inferno se não fizesse um monte de coisas que para
mim não tinham sentido.

Fui morar com Júlia no apartamento em


Botafogo aos quinze anos. Estudei na escola em
que ela trabalhou, no Largo do Machado, e foi lá
onde conheci alguns amigos que permanecem ao
meu lado até hoje. Dentre eles, Roberto, meu
primeiro e único namorado homem.

Roberto era um filhinho de papai na época,


muito mimado pelo pai babacão e pela mãe
permissiva. Quando eu fui atacada por um

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adolescente em uma das raras visitas que eu fazia


aos meus pais, lá pelos meus dezessete anos, Beto
não soube lidar com isso. Não conseguiu entender
nem aceitar que aquilo foi um assédio, não foi
consensual e, movido pelos preconceitos socados
em sua mente por seu pai, terminou comigo.

O namoro já estava uma porcaria de


qualquer maneira. Ele foi um príncipe no início,
mas no final logo se transformou em um sapo. A
única coisa que dava certo entre nós dois era sexo,
e olhe lá. Desde quando sexo segura um
relacionamento? Confesso que dei graças a Deus
quando terminamos.

Poucos anos depois, Beto amadureceu, caiu

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em si e nós aos poucos criamos um laço de amizade


que se fortaleceu suficientemente para virar o que é
hoje. Ele é um de meus melhores amigos e, por
mais que eu não concorde com tudo que ele
acredita, respeito suas opiniões divergentes, e ele
faz o mesmo comigo. É o segredo de nossa
amizade: aceitar as diferenças um do outro sem
cobranças.

Outra pessoa que está sempre ao meu lado é


Joseph, irmão de Luciana. Eu o conheci por um
acaso em um bandejão de universidade quando fui
visitar a UFRJ com uma amiga da escola,
Anastácia. Ele era colega de turma do irmão dela e,
por um acaso, o dia em que aparecemos lá foi dia
de evento no campus dos dois.
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Quem também estava lá era Luciana, minha


querida e amada sócia. Eu a conheci do modo mais
estabanado possível: fiz uma piada com Anastácia,
que me empurrou de leve, mas eu acabei me
desequilibrando e me esborrachando em cima de
alguém. Sim, exatamente de Lula, coitada. Ela
tinha uns quatorze anos, mignonzinha, não sei
como não a esmaguei...

Apesar da diferença de idade entre nós três


— sou quatro anos mais velha que Lula e quatro
anos mais nova que Joseph —, nos demos bem de
cara. Saíamos os três, ou só eu e Luciana ou, para
meu deleite, só eu e Joe.

Obviamente, Joe e eu tivemos um lance no

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passado. Era impossível resistir a ele, com aquela


pele firme e cremosa cor de chocolate, o sorriso
brilhante e os olhos muito castanhos. Nem vou
mencionar o corpo, porque não me recordo mais
com clareza, mas vai por mim: era uma delícia. Um
dia, após umas garrafas de vinho, acabou rolando
uma noite, que virou duas, que viraram três.

Porém, acasos da vida, assim que nós dois


começamos a nos aproximar mais, surgiu
Alexandro, naquele evento horrível da Lyubov. Eu
me retraí completamente, como já mencionei antes,
e Joe foi completamente excluído de minha vida
por isso. Para ser sincera, todos os homens de
minha vida foram. Mesmo Roberto, mesmo meu
pai, que nunca nem soube da agressão.
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Nesse meio tempo, Joseph acabou


reencontrando uma ex-namorada da época da
faculdade e os dois se apaixonaram novamente e se
casaram anos depois, um tempo após eu ter
conhecido Gabriel e aprendido a conviver com
tudo. Eu virei madrinha da primeira filha deles,
Maria, e tenho o maior orgulho disso. Sophia e eu
fomos as madrinhas do casamento também, o que
foi hilário, um casamento sem padrinhos.

Para completar o ciclo de relacionamentos


pré-Gabriel, tem a própria So-so, minha
bonequinha. Ela apareceu na Wings como
costureira assistente, mas logo foi oferecido uma
sociedade para ela. Nós namoramos por um tempo,
o que não foi lá muito profissional de nossa parte,
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mas foi uma daquelas coisas que a gente não


explica. Eu nunca havia nem mesmo beijado outra
mulher antes dela, mas simplesmente nos
apaixonamos de cara, após poucos meses de
convivência. Não houve nenhuma outra mulher
depois dela, ainda que eu sempre brinque que sim.
Sophia foi única.

Terminamos de modo não tão amigável,


mas logo fizemos as pazes e, assim como foi com
Roberto, viramos amigas, completando o trio
perfeito de profissionais da Wings: Luciana, Sophia
e Helena Maria.

So-so, por sinal, casou com sua assistente


um tempo depois. Eu me pergunto se isso de

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namorar colega de trabalho é normal em outras


áreas fora da música e da moda, porque vou te falar
um negócio... Eu e Sophia, Sophia e Pâmela...

Gabriel e eu...

Bom, resumo feito, vamos ao Rio. Há


muitos lugares para mostrar a Gab, e eu não quero
perder um segundo pensando no que já passou.

Só temos mais três meses juntos.

Preciso aproveitar.

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Rio de Janeiro
Corri pela portaria do meu prédio até o
saguão, taquei a mão no braço do porteiro e o puxei
com tudo para um abraço afetuoso.

— Riqueeee! Quanto tempo, você tá


ficando careca!

— Dona Helena! Mas já chegou? A senhora


não voltaria só em março? — ele exclamou,
surpreso, mas retribuiu meu abraço, dando uma
risada contente, e cumprimentou educadamente
Gabriel, que acenou com a cabeça.

— Não, ainda não voltei de vez. Vou passar


umas semanas aqui, só para as festas de fim de ano

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mesmo, e já pego o avião de volta. Como estão as


coisas por aqui? Como está a Silvana?

— Está ótima, dona Helena, o...

— Lena, Rique. Se ficar me chamando de


dona Helena, vou voltar a chamar você de Senhor
Henrique — ameacei com um sorriso no rosto.

— Desculpe, Lena. O Washington passou


no vestibular, dona... Lena! — Rique me contou
com os olhos brilhando de orgulho.

Larguei a mala no chão e coloquei as mãos


no rosto, positivamente surpresa. Eu adorava
aquele menino. Ele era bem pequeno quando
cheguei no prédio, e era comum encontrá-lo
brincando em algum canto da portaria. As paredes

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eram verdadeiras pistas de corridas para seus


carrinhos que desafiavam a gravidade.

— Não brinca! Ai, que bom, Rique,


parabéns! Diz pra ele que eu pago a formatura!

— Nossa, dona... Hm... Lena... Não


precisa... — ele contestou com timidez.

— Eu, hein? O que não precisa é o


condomínio subir toda hora! A festa de formatura
eu faço questão! Me chama daqui a cinco anos, eu
pago tudinho. Bom, Rique, eu preciso subir, estou
louca por um banho e pela minha cama macia, e
não quero continuar atravancando a portaria com as
malas. Depois a gente se vê!

— Claro, Lena. Seja bem-vinda! Boa noite,

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senhor! — ele cumprimentou Gab com um sorriso


imenso no rosto.

Assim que o Segurança e eu entramos no


elevador, ele me olhou com curiosidade.

— Quem é Washington?

— O filho dele! Gosto tanto do menino, que


fiz uma parceria com uma escola metida a besta
que tem aqui perto uns três anos atrás. Desenhei os
uniformes novos, fiz as peças piloto e um amigo
nosso fez as fotos das propagandas da escola. Em
troca, conseguimos uma bolsa pro guri. Inteligente
até dizer chega, eu sabia que ele ia passar pra onde
quisesse.

Gab ergueu as sobrancelhas, balançou a

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cabeça assentindo e me beijou, só para não perder o


costume de dar uns amassinhos em elevadores.
Beijei sua boca macia até a grade barulhenta do
elevador antigo abrir quando chegamos em meu
andar. Saímos juntos e assim que atravessamos o
curto corredor e paramos em frente à porta,
algumas coisas chamaram a nossa atenção. Gab
escutou barulhos, e eu notei que o tapete da porta
estava virado ao contrário.

Joseph.

— Lena, tem alguém no seu apartamento —


Gabriel disse, sério, enquanto olhava para baixo e
ouvia atentamente a movimentação.

— É, eu sei. Notou o tapete? Joe sempre faz

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isso para me avisar que vai ter festa surpresa. É um


jeito de fazer com que eu não tenha um ataque
cardíaco, mas ao mesmo tempo não revelar para
ninguém que estragou a brincadeira.

Toquei a campainha umas quatro vezes e


coloquei a mão no olho mágico, para que ninguém
me visse.

— Ele tem a chave? — Gabriel perguntou,


parecendo estranhar aquela informação.
Provavelmente entregar a chave da sua casa para
diversas pessoas deveria infringir algumas centenas
de regras de segurança.

— Todos os meus amigos têm minha chave.


Lula e Joe já moraram comigo por algum tempo,

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enquanto não arrumavam apartamento aqui, e


mantiveram as cópias. Roberto tem uma para casos
de emergência, assim como Sophia. Aliás, falando
nela, como você lida com pessoas beijoqueiras?

— Beijoqueiras...? — ele me perguntou,


confuso, e eu abri a boca para responder, mas a
porta se escancarou e precisei tapar as orelhas por
causa do grito esganiçado de minha sócia:

— Nããããão, sua quenga! A gente montou


uma festinha surpresa! Não corta minha onda! —
Sophia gritou e bateu a porta na nossa cara.

Suspirei e olhei para Gab enquanto pegava


as chaves na bolsa.

— Senhoras e senhores, minha sócia e ex-

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namorada.

Gabriel piscou algumas vezes, mas uma


expressão divertida brincava em seu rosto quando
pegou a mala da minha mão para que eu pudesse
abrir a porta. Entramos os dois no apartamento
aparentemente vazio e escuro, colocamos as malas
de lado, e eu suspirei com as mãos na cintura.

— Poooxa, que saudade dos meus amigos...


Seria tão bom se eles viessem me receber... — falei
com a voz entediada enquanto tirava meus tênis.
Gab riu e me imitou, tirando suas botas e deixando
do lado da porta, como sempre fizemos em todos
aqueles meses de turnê.

A diferença é que agora ele estava em meu

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apartamento. Seria delicioso, se não fosse a festa


surpresa. Estava doida para deitar o Segurança em
minha cama e dormir até a semana seguinte com a
cabeça em seu peito, sentindo seu cheiro gostoso.

— Eles vão aparecer em algum momento?


— Gabriel sussurrou, quase preocupado em
estragar a surpresa.

— É, pelo visto não. A gente pode largar


tudo aqui e transar, né? — sugeri e olhei para ele
com um sorriso brincalhão no rosto.

— É uma boa. Aquele sofá parece bem


confortável — respondeu e foi até meu sofá, se
esparramando da forma mais espalhafatosa que
conseguia.

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Corri até ele e pulei em seu colo, beijando-o


com vontade, quando todos os meus amigos saíram
do limbo gritando “Surpresa!”

Obviamente, o grito cessou quando eles


viram Gab e eu atracados num beijo bem baboso,
encenado especialmente para a ocasião.

— Ah, Lena, você sempre corta minha


onda! — Sophia disse quando eu saí de cima de
Gabriel gargalhando.

Totalmente animada, corri até ela e a


abracei com força, mostrando toda a minha
felicidade por rever uma amiga tão querida depois
de meses longe.

— Sua cachorrona, que saudades eu senti de

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você! — exclamei e a levantei do chão. Sophia deu


um gritinho e me abraçou de volta quando eu a
soltei, me pegando pelo pescoço e me beijando com
tudo na boca. — Eca, Sophia, não coloca língua, já
te falei que não podemos mais fazer isso!

Ela me soltou e riu, limpando seu batom de


meus lábios em seguida. Virei para abraçar Joe,
meu melhor amigo, que vinha em minha direção,
mas parei imediatamente quando vi Sophia correr
até Gabriel, se jogar nele e o beijar na boca do
mesmo modo que fizera momentos antes comigo.
O coitado mal teve tempo de se levantar, ela
literalmente pulou nele com tudo.

— Ei, ei! Pega leve aí na emoção, eu nem te

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apresentei a ele ainda!

Sophia o soltou e sentou no sofá ao seu


lado, se abanando com a cara vermelha de quem
fez arte.

— Nossa, que homem! Eu nem gosto da


coisa, mas... Que homem. Tem lábios de mulher.
Alguém já te disse isso? E olha que eu conheço
bem lábios de garota!

Gabriel me olhou, perdidinho da Silva, e eu


fui até ele, limpando o batom borrado de sua boca e
tentando não rir dos “lábios de mulher” e da cara
que ele fazia. Em menos de cinco minutos, o
Segurança já tinha passado pelo batismo da Wings
com louvores.

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— Gabriel, Sophia, Sophia, Gabriel. É, ela é


totalmente maluca, mas tem bom coração.

— Alou? Tem mais gente querendo um


pedaço de você, Helena! — Emília, ex-integrante
da Trophy Husband, antiga banda de Tony,
reclamou, e eu me virei para abraçá-la. — Trouxe
aquela desertora da Antônia com você?

— Claro, tá na mala maior! — brinquei


quando a soltei e recebi um abraço coletivo do
restante dos ex-membros da banda enquanto Emília
foi abraçar Gabriel, que cumprimentava Joseph.

Soltei os meninos e finalmente corri para


Joe, que abriu bem os braços e me recebeu num
abraço bem apertado, me levantando do chão e

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beijando meu pescoço.

— Como você tá, papai? — perguntei


quando ele encostou sua testa na minha e sorriu.

— Melhor impossível! Paula te mandou um


beijo imenso, ela tá na casa da mãe com Maria
fazendo... Sei lá, deixando que as que avós façam
aquelas coisas que só elas sabem fazer com os
netos. Entupindo de doces, tornando minha menina
diabética antes da hora, essas coisas...

Ri e o soltei, correndo para abraçar Anya e


Felipe, amigos da época do ensino médio, ao
mesmo tempo. Anya, além de minha amiga,
também era nossa principal advogada. Logicamente
me contive e não soltei nenhuma pergunta de

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trabalho, aquele não era momento para isso. Só


queria mesmo era abraçar todo mundo e
comemorar que todos estavam reunidos por minha
causa, pela nossa chegada.

Em seguida, olhei ao redor, estranhando a


ausência de outras duas pessoas importantíssimas
em minha vida.

— Cadê Lula? Cadê Roberto? Ele não veio,


o safado? Abriu aqui por perto alguma livraria de
cinco andares, por isso ele está atrasado?

— Estou aqui, lindinha! — Beto gritou,


vindo da cozinha com uma garrafa de cerveja na
mão. Corri até ele e o abracei com carinho. —
Sentiu minha falta?

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— Claro que não. Eu já senti sua falta em


algum momento da vida, Doutor Roberto? —
perguntei, brincando e dando um peteleco levinho
na ponta de seu nariz.

Roberto sorriu e desviou o olhar de mim


logo em seguida. Então algo que eu não esperava
aconteceu: todo o seu bom humor se dissipou ao
ver Gabriel sentado novamente em meu sofá.

O Segurança, por outro lado, olhava para


Roberto com uma certa curiosidade enquanto todo
mundo parecia alheio ao clima e continuava se
instalando nas cadeiras disponíveis, no braço do
sofá, no chão, enfim, onde dava para sentar em meu
pequeno apartamento.

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— Ué, quem é esse? — Beto disse, um


tanto seco, e apontou para Gab com o gargalo da
garrafa.

Olhei para Roberto, depois para Gabriel e


procurei o olhar de Joe, tentando entender o que
estava acontecendo. Como Joe apenas deu de
ombros e não disse nada de imediato, fiquei mais
confusa ainda.

Ok, eu até entendo que esteja rolando uma


boa quantidade de álcool, mas não sabia que
Roberto sofria de amnésia alcoólica!

— Como assim, quem é esse, Roberto? —


perguntei, tentando entender o que estava
acontecendo ali. — É o Gabriel, ora!

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— Tá, e quem é Gabriel? O que é o


Gabriel? — questionou enquanto fuzilava o
Segurança com o olhar.

Gab apenas deu um leve franzir de


sobrancelhas, que eu sabia perfeitamente o que
significava, e eu imediatamente me peguei
pensando em quem ganharia uma possível briga
física. Roberto era faixa preta em um monte de
lutas, eu me lembrava disso da época em que
namorávamos, de seu gosto por artes marciais,
mas... Gabriel era Gabriel.

Será que mancha de sangue é difícil de tirar


do estofado do sofá?

— Vem cá, quantas dessas cervejas ele já

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bebeu? — perguntei para Joseph, que estava calado


no canto, as sobrancelhas erguidas enquanto
observava o climão.

Vendo que ninguém me explicaria, decidi


eu mesma tirar satisfação com meu ex-namorado
maluco.

— Como assim, Roberto? Você sempre


soube quem ele é, e todo mundo sabia que eu traria
o Gabriel para ficar comigo nessas semanas. Aliás,
o único motivo de eu ter vindo para o Rio é porque
ele viria junto!

Roberto voltou para a cozinha para deixar a


garrafa vazia sem dizer nada, e eu olhei para
Anastácia, totalmente confusa com a cena patética.

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— O que deu nele, alguém sabe me dizer?

— Ele achava que Gabriel não era sério e


que você voltaria correndo para ele... — Anya
sussurrou em tom de segredo, arregalando os olhos
claros e afastando os cabelos ruivos da frente do
rosto.

Minhas mãos imediatamente foram para os


quadris, como se eu fosse uma matrona italiana
prestes a dar esporro na prole desobediente.

— Há! Que idiota! Roberto, não vou tolerar


disputa de machinho na minha casa. Se você não se
comportar, eu te jogo pra fora — afirmei bem alto,
para que ele pudesse escutar perfeitamente cada
uma das minhas palavras da cozinha.

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Beto voltou para a sala e ergueu as mãos em


sinal de rendição, mas seu rosto continuava sério
como antes.

O que deu nesse homem? Há muitos anos


que ele não faz esse tipo de coisa!

Revirei os olhos diante da carranca de meu


ex e caminhei até Gabriel, que já estava de pé,
analisando a situação, o rosto sério de sempre.
Olhei para Sophia e pedi que ela saísse do meio do
sofá, para que eu pudesse sentar entre ela e o
Segurança, mas So-so fez melhor: se levantou e
pegou Gab pelos ombros, fazendo com que ele se
sentasse também. Claramente ele deixou que So-so
o guiasse, porque se não deixasse, nem se ela

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subisse em uma escada conseguiria fazer o homem


ceder.

— Vai, ignora o ex-babaca de sua mulher e


foca sua atenção em mim, bonitão! Me conta, como
foi o voo de vocês? Lena vomitou em você?
Vomitou nele, Lena?

— Claro, eu sempre vomito nele. É um


lance que a gente tem, sabe? — brinquei quando
Gab passou um braço ao redor dos meus ombros, e
eu recolhi as pernas e encostei nele, beijando a
palma de sua mão, como vinha fazendo nas últimas
semanas. Era um hábito que eu nem havia notado
quando começou, mas que eu sempre tinha quando
estávamos juntos. Se não era a palma, era a

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tatuagem no ombro, quando eu alcançava.

E isso foi o suficiente para todo mundo ficar


em silêncio e olhar em nossa direção com
expressões fofinhas, como se fôssemos um casal
lindinho e admirável de anime adolescente.

Meio constrangida com todos aqueles


olhares, desencostei de Gabriel assim que entendi a
reação, mas Gab imediatamente me puxou de volta,
fazendo todo mundo soltar um longo e sonoro
“ooownn”.

— Credo, bando de urubu, cuidem das vidas


de vocês — eu reclamei, envergonhada. — Bom,
vamos às apresentações. Gabriel, em ordem:
Emília, Oscar e Charles, da querida e finada

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Trophy Husband. Mas você já os conhecia, né?

Gab assentiu, os cumprimentou com um


gesto de cabeça e sorriu. Os três acenaram e
sorriram de volta, e eu prossegui:

— Joe, meu melhor amigo — ignorei os


protestos de Beto e Felipe e continuei após a
constatação do fato —, Roberto, meu ex-namorado
metido a proprietário, Felipe, amigo da época de
escola e namorado de Anastácia há oitenta e quatro
anos. Anya, uma de minhas vadias e minha
advogada principal. Sophia, minha ex e única
namorada, além de alma gêmea, e... Gente, cadê a
Lula? Meu coração tá até dolorido aqui, sem ela!

— Lula está vindo, Lena, o carro quebrou

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no meio do caminho... Mas ela mandou mensagem


avisando que está chegando — Joe explicou,
sentado no chão, próximo ao sofá.

— Poxa... Espero que não demore, não é a


mesma coisa sem ela... Ah, mas você conhece a
Lula, não conhece? — perguntei para Gabriel
quando percebi meu furo.

— Claro que conheço, Costureira, ela


estava no dia do show deles — comentou e
apontou para Trophy — com a Sissy Walker.
Esqueceu? Quase cinco anos atrás?

Como eu esqueceria aquele dia,


Segurança?!

— Ah, menos mal, então. Ainda assim,

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quero que Luciana venha logo. Só tem quatro das


cinco vadias aqui.

— Das cinco suki? — ele brincou, fazendo


referência ao meu engano na Rússia, quando o
chamei de “vadia” pensando estar chamando de
“amigo’.

— Sim! Você nunca vai me deixar esquecer


disso, vai?

Gab balançou a cabeça negando e sorriu


quando eu me inclinei e o beijei na boca de leve.

— Segurança idiota... — murmurei quando


ele beijou meu rosto.

Um barulho de foto sendo tirada cortou


nossa interação, e quando eu olhei para a frente, me

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lembrei que não estávamos sozinhos. Emília estava


com um celular apontado em nossa direção
enquanto todo o resto da sala nos olhava
atentamente. Eles realmente estavam
acompanhando cada minúsculo gesto de carinho
entre nós.

— Gente... O que tá acontecendo entre


vocês dois? — Joe perguntou com um sorriso no
rosto, praticamente esperando que anunciássemos
nosso casamento na semana seguinte. Se bobear,
teria até uma garrafa de champanhe na geladeira
esperando o brinde dos noivos.

Olhei para Gabriel, que tinha no rosto a


mesma expressão levemente confusa que eu, e

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respondi:

— Ué, como assim? É surpresa para alguém


isso aqui? Vocês não entram na internet mais?

— Vocês estão namorando? Se pegando, eu


sei que sim, mas... — Emília perguntou, exultante
enquanto teclava algo em seu iPhone.
Provavelmente enviando para Antônia, aquela
shippadora louca.

Revirei os olhos, provavelmente pela


décima vez naquela noite, e tirei um elástico do
pulso para prender o cabelo enquanto respondia à
pergunta da maneira mais evasiva que conseguia:

— Vocês e essa mania de nomenclaturas


pra tudo. Cadê a Lula, cara? — reclamei,

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encerrando um assunto que mal começara.

— Ela tá vindo, Lena, já dissemos —


Roberto respondeu, com o rosto mais tranquilo.

— Sei... Mas e aí, o que tá pegando? Me


contem as novidades! Joe, como está a Maria? E a
nova baby? — perguntei e começamos a conversar
sobre o que todos fizeram nos últimos meses,
quando eu estava viajando pela Europa com Gab...
Quero dizer, com a banda.

Em determinado momento, Roberto avisou


que ia trazer cervejas para todos, fez três viagens da
cozinha até a sala, mas na última delas só trouxe
duas garrafas: uma para mim e uma para ele. Fiquei
esperando ele ir buscar a de Gabriel, mas o mimado

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simplesmente se encostou na parede perto da porta


e começou a beber tranquilamente, como se Gab
nem estivesse ali.

Olhei para o lado, para ver se o Segurança


tinha percebido, o que era estúpido de se pensar.
Obviamente ele notara, fazia parte de seu trabalho
estar atento a tudo ao seu redor, e ele sempre fora
extremamente observador.

Seu rosto não estava rígido daquele jeito de


sempre, mas não havia exatamente felicidade
estampada ali. A julgar pelas sobrancelhas um
pouco erguidas e franzidas, Gabriel estava ao
mesmo tempo irritado e entediado, como se tivesse
que se preparar para alguma tarefa enfadonha.

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Como, por exemplo, jogar meu ex-


namorado porta afora depois de um voo longo e
cansativo.

— Ele é sempre assim? — perguntou e me


olhou, aguardando minha resposta. — Quero dizer,
ele sempre parece ter doze anos de idade, como
agora?

— Em geral, dezessete, mas hoje a quinta


série tá demais — Sophia respondeu por mim, com
os olhos arregalados como se fosse um action
figure de anime.

— Oi, eu estou na sala. Podemos parar de


falar de mim como se eu não estivesse aqui? Já
tenho que aturar o galã aí me encarando como se

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fosse um segurança de bar — Roberto disse com


um certo tom sarcástico enquanto ajeitava os óculos
no rosto, o que me irritou mais ainda.

Que abusado!

Bufei, entreguei minha garrafa para Gab,


me levantei, trotei até Beto e o peguei pela gola da
camisa. Imediatamente, uma voz animada ecoou
pela sala:

— Oba, UFC! Sinto tanta falta de assistir


lutas na televisão, agora vou assistir pessoalmente!
Ebaaa! — Sophia gritou, me fazendo desviar o
olhar por um momento.

Todos riram daquele comentário, menos eu,


Roberto e Gabriel, que depois de me ver em ação

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na Rússia, provavelmente imaginava possíveis


consequências da minha raiva. Ignorei o
entusiasmo da minha sócia e voltei a atenção para
Beto, que estava aguardando meu ataque com uma
expressão tranquila no rosto.

— Escuta aqui, qual é o seu problema,


Roberto? Vai agir como machinho agora? Passei os
últimos oito, nove meses, sei lá, sem te ver, e
quando volto, você fica de palhaçada? Você tá na
minha casa, eu não aceito esse tipo de besteira,
você tá careca de saber disso! — disparei, mas ele
nem hesitou na hora de responder:

— Você o defende como se vocês tivessem


um relacionamento, Helena.

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— Eita, Lena, eu não deixava! — Sophia


gritou inflando mais ainda a situação. — Chamou
sua mãe de rameira e seu pai de cornudo! Quebra a
cara dele, Lena! Ah, não me olhem desse jeito,
minha digníssima cancelou o canal de esportes
semana passada.

Revirei os olhos novamente.

Sophia sendo Sophia. Mais uma vez!

Voltei a atenção para Beto, que continuava


me olhando com aquela expressão calma e irritante
no rosto.

Que ódio!

— Como nós dois dizíamos... — ele disse


quando So-so se calou após uma cotovelada de

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Anastácia. — Você está agindo com esse cara


como se ele fosse algo seu além de um simples
colega de trabalho, Helena Maria.

Eu vou dar na cara de Roberto, e vai ser


hoje. Como ele ousa dizer isso na minha festa de
boas-vindas?

— Ué, estou errado? — perguntou quando


viu minha expressão de choque. — Até parece que
vocês estão juntos. Juntos de verdade, como você
esteve comigo, lembra? Aquilo sim era um
relacionamento, não essa brincadeira de vocês dois.

Ok, é oficial. Não vou dar na cara dele. Vou


matar o Roberto.

— Uau, você acha que aquilo que nós dois

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tivemos é um exemplo de relacionamento, mas o


que eu tenho com Gabriel, não? Vamos fazer a
matemática básica, Roberto! — eu exclamei e
soltei sua gola para enumerar com os dedos. —
Um: eu praticamente moro com ele, coisa que nós
dois, você e eu, nunca fizemos. Dois: fiz todos os
passeios que você pode imaginar com ele na
Europa, enquanto o mais longe que você me levou
quando estávamos juntos foi no Barra Shopping.

De novo, ouvi risadas, mas ignorei e


continuei a contagem.

— Três: tem uma centena de fotos nossas


rodando por aí, várias sem que a gente nem tenha
notado que foram tiradas, porque existe um OTP

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em cima de nós dois. Quantas fotos eu e você


temos da época em que namoramos? Pois é,
nenhuma. E da época da amizade colorida? Pois é,
pouquíssimas. Além disso, alguém já shippou nós
dois, você e eu?

— Eu não — Joe disse.

— Eu menos — Felipe comentou


tranquilamente.

— Eu shippei... — Anastácia ergueu a mão


e pareceu culpada. — Ah, vai, eles eram fofinhos
juntos, os dois super-mega-virgens e tímidos no
ensino médio e... Ok, desculpa, continua, Lena.

Não havia uma sobrancelha naquela sala


que não estivesse erguida para a declaração de

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Anastácia. Sério, eu e Beto formamos um casal


bem meia-boca na adolescência. Não dava para
shippar aquilo de modo algum.

— Enfim, voltando. Quatro: além da


Sophia, que acabou de me beijar, acho que a última
pessoa que eu peguei desde o início do meu
contrato... Hm... Acho que foi você, no ano-novo
passado, quando a gente bebeu além da conta!
Quase um ano! Ou seja, eu e Gab somos adeptos da
monogamia! Cinco: eu trouxe Gabriel para o meu
apartamento, meu lindo e íntimo apartamento, para
passar o natal comigo. O natal, Roberto!

— Natal é natal, ela tem razão — Joe


sentenciou.

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— Verdade, todo mundo sabe o que isso


significa pra ela — Sophia concordou e disse em
seguida, com a voz animada: — Legal, Lena saiu
de passar o ano-novo com Roberto pra passar o
natal com Gabriel! Que upgrade! Go, Lena, fly, fly!

Ignorei mais uma vez os comentários e


continuei, as mãos na cintura, como se eu fosse
uma mãe dando bronca no filho desobediente.

— Se você somar todos esses itens,


Roberto, eu acho, não sei, que talvez eu e Gab
tenhamos vivido mais momentos importantes do
que eu e você tivemos há mais de dez anos. Ou não,
vai dizer que Gabriel veio apenas garantir minha
segurança, já que eu sou famosa até dizer chega?

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Para minha maior surpresa, Beto deu de


ombros, cruzou os braços e arrematou:

— Ele poderia ter vindo para aproveitar a


viagem. O Rio de Janeiro é lindo nessa época do
ano. Nada disso é prova de que vocês estão em um
relacionamento.

— Argh! Meu Deus, estão dando doutorado


pra gente burra agora? Roberto, eu e Gabriel
estamos juntos, não juntos na mesma sala, juntos
como um casal! Um casal de mais de um metro e
oitenta que vai quebrar a sua cara se você
questionar ou continuar se intrometendo em nossa
vida assim. Fui clara?

Não esperei ele responder e trotei de volta

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até meu lugar no sofá, me sentando no estofado


com força. Roberto, em contrapartida, se sentou no
chão com a maior calma, todo satisfeito, e estendeu
a mão para Charles. Confusa, vi o ex-baterista
estalando os lábios de irritação, pegando a carteira
no bolso e retirando duas notas de cem, que foram
parar na mão aberta de Beto.

De repente, todos começaram a fazer o


mesmo, Sophia recebendo dinheiro de Emmy,
Oscar pagando Anastácia, Felipe pagando Joe.
Todos que ganharam alguma nota pareciam
totalmente satisfeitos.

— O quê...?

— Bom, como eu arranquei a confissão,

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vocês todos me devem cinquenta reais cada, por


favor — Beto disse e estendeu as duas mãos,
recebendo notas de quase todos com um sorriso no
rosto.

— Mas... — olhei para Gabriel, que sorria


em silêncio. — Você entendeu?

— Acho que sim... Rolou algum tipo de


aposta em cima de nós estarmos ou não juntos.
Sophia, Joe, Anastácia e Roberto apostaram que
sim, o resto que não. Quem conseguisse fazer você
admitir, levava a maior parte. É isso? — Gab
perguntou para Joe, e meu amigo balançou a cabeça
concordando.

Roberto se levantou, guardou o dinheiro na

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carteira e foi até a cozinha, trazendo uma cerveja


para Gabriel.

— Desculpa a brincadeira, cara. Bem-vindo


à família — disse e entregou a garrafa para Gabriel,
que aceitou a cerveja e acenou com a cabeça, um
pequeno sorriso no rosto.

Pequeno.

Bem pequeno.

Tipo uma sombra de um projeto de sorriso


que dizia “não se aproxime, ou quebro seu nariz”.

Eu não o culpo por não ter simpatizado com


Roberto de primeira. Ninguém consegue, Beto é o
rei dos closes errados, mesmo quando tenta dar um
close certo. E primeiras impressões são fortes.

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— Mas vocês são muito ridículos! Muito!


Como você topou isso, Sophia? — perguntei,
ultrajada.

— Preciso fazer minhas unhas, minha


cremosa — ela disse e olhou para a mão com uma
expressão serena no rosto, como se não fosse nada
de mais aquilo tudo.

Bufei e dobrei as pernas no sofá, pegando a


garrafa de Gabriel de sua mão e bebendo metade da
cerveja num único gole.

— Tem vodca aí? Vou precisar de algo


forte para aguentar vocês me sacaneando essa
noite.

Todos riram e eu acabei rindo junto

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enquanto me aconchegava em Gabriel, que voltou a


colocar o braço nos meus ombros. Felizmente, o
assunto “pegadinha do Mallandro” morreu, e nós
engatamos em assuntos diversos, sendo
interrompidos pela campainha. O som cortou todos
os assuntos, deixando o ambiente em completo
silêncio.

— Oba, deve ser a Lula! Alguém abre a


porta? — pedi, animada, e me levantei num salto,
pronta para abraçar minha amiga.

Emília e Sophia se entreolharam sorrindo, e


eu olhei ao redor, vendo sorrisos contidos de todos,
inclusive de Gabriel.

— Ué, o que houve? O que vocês estão

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tramando? Gabriel? — perguntei, mas ele deu de


ombros e não disse nada.

Beto abriu a porta, mas no lugar das tranças


coloridas ou do black tradicional de Luciana, vi um
mar de cabelos naturalmente pretos e muito lisos e
aquela pele negra e cremosa como um mousse de
chocolate.

— Maninhaaa!!!

Meu queixo caiu enquanto fui abraçada


efusivamente por aquele mulherão que chamo de
Grande Irmã desde que me entendo por gente.

— Júlia?

Deus, muitas emoções para um dia só! Esse


povo esqueceu que a família é cardíaca?

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Júlia
— Ai, que saudades, meu amor! Deixa eu te
olhar! Ei, o cabelo ainda não perdeu o efeito do
alisamento? Nhé, prefiro cacheado, juba, dente-de-
leão, mas tá legal também, onduladinho! — minha
irmã disse enquanto me soltava e se afastava para
me dar um “confere”.

Abri a boca para responder, mas estava


muito chocada para dizer alguma coisa. Minha
irmã, que não vinha ao Brasil havia anos, estava na
minha sala! Depois de tudo que senti na Espanha,
quando a saudade e o desejo de estar perto dela
foram mais fortes que tudo, eu de fato estava ao
lado de Júlia!
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— Como...? Quando...?

— Eu fui convidada para ministrar um


curso de férias na UERJ, maninha! Tudo pago, só
que bem de última hora, me avisaram tem umas
semanas, por isso só comentei com o Segurança.
Ele me disse que talvez vocês viessem para cá,
então mantivemos segredo!

Olhei para Gabriel, que sorria com a maior


expressão de tranquilidade no rosto. Que safado!
Mirei minha irmã e a abracei novamente, dessa vez,
sentindo seu cheiro de morango e enterrando meus
dedos em seus cabelos macios.

— Grande Irmã! Eu nem... Cara, que


saudade!

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— Ei, eu também quero esse amor todo! —


exclamou Lula atrás de mim, e eu tirei um braço de
Júlia e abracei as duas ao mesmo tempo. Duas
pessoas que eram verdadeiros presentes na minha
vida.

Depois que eu apertei bastante Luciana e


Júlia, minha irmã largou a bolsa na mesa, deixou os
sapatos na porta e foi direto na direção de Gabriel,
ignorando todo mundo que havia se levantado para
falar com ela.

Ele, notando sua intenção, se levantou do


sofá e se inclinou em sua direção, mas ela
exclamou antes de o abraçar:

— Nossa, você é mesmo um gato,

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Segurança! Deus abençoe o bom gosto da família.

Gabriel pareceu hesitar por um momento


antes de dar um sorriso meio sem graça. Quase ri
de sua total falta de costume em lidar com elogios.
Ou com mulheres elogiando seus atributos de
forma não-sexual.

— E tem lábios macios como nuvens! —


Sophia exclamou quando se levantou para receber o
abraço de Júlia.

— Você já o beijou? — ela perguntou ao


mesmo tempo em que eu questionei:

— Você já beijou nuvens?

As risadas explodiram pela sala,


principalmente quando So-so estendeu os braços e

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puxou o rosto de Júlia para o beijo de sempre. Até


Gabriel riu. Era impossível não se contagiar pelo
espírito livre e jovem de minha sócia.

Sentei no sofá ao lado de Gabriel, que


desviou o olhar de Júlia, o direcionando para mim.

— Que foi? — perguntou, o bom humor


nítido no rosto. Ele estava começando a se sentir
em casa, e isso fez meu coração derreter no peito.

— Por que não me contou, Segurança? Que


sabia de minha irmã vindo pra cá?

— E estragar essa sua expressão


maravilhosa de surpresa e felicidade? Nem pensar,
Costureira — afirmou e afastou meu cabelo da
frente do rosto.

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Respirei fundo, sentindo o peito se encher


de alegria, e abri a boca para falar o que me veio à
mente, mas fechei em seguida, e parte daquela
felicidade que estampava o meu rosto foi contida.

Faltou coragem.

Gab diminuiu o sorriso e olhou para meus


lábios, como se soubesse o motivo da minha
hesitação. Em seguida, se voltou para Emília,
chamando sua atenção:

— Emília, é você quem fala russo fluente,


não é? — ela assentiu com a cabeça, e ele
perguntou: — Pode me dizer o que significa
lyubimyy?

Emmy, que tinha acabado de sentar após o

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abraço de Júlia, sorriu amplamente e explicou:

— Claro! É uma expressão para se referir a


um homem que você gosta. É tipo um apelido
carinhoso, como “querido”, mas literalmente
significa “favorito”. Ah, se pronuncia “lúbimí”, só
para vocês saberem. A versão feminina é
“lyubimaya”.

Franzi os lábios para Emília, que ficou


confusa com meu olhar.

Vaca fofoqueira.

— Precisou de seis meses para descobrir,


hein, Segurança idiota? Não podia ter procurado no
Google? — retruquei para esconder meu embaraço.

— Eu procurei, assim que chegamos no

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hotel em Moscou. Foi fácil decorar, lyubimyy


lembra lyubov, então... — respondeu com uma
expressão divertida no rosto.

— Ué! E por que não me disse?

Gab não respondeu, apenas continuou com


o mesmo olhar e se virou para responder a uma
pergunta qualquer de Joe. Não insisti no assunto,
mas fiquei pensando nisso por mais algum tempo.
Era óbvio que ele tinha procurado, o que eu estava
pensando? Eu que não tinha notado, mas,
realmente, lyubimyy se assemelha um pouco a
lyubov, que não somente é o nome do bar onde eu
fui agredida por aquele infeliz que morreu, como
também significa “amor” em russo.

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Eu expliquei isso para ele no táxi, naquela


tarde em Moscou.

Eu sou uma tapada.

Pouco mais de uma hora depois da chegada


de minha irmã, enquanto eu ainda estava
comparando mentalmente as duas palavras — lyub-
ov e lyub-imyy têm o mesmo começo! —, Júlia
disse aquilo que eu mais queria ouvir: que todos
estavam indo embora.

— Bom, gente, o papo tá ótimo, vocês estão


todos lindos... Menos você, Playboy Mexicano, te
odeio — sentenciou num tom zombeteiro.

— É recíproco, não se preocupe — Beto

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respondeu de brincadeira e deu um passo para trás


quando Júlia fez menção de ir para cima dele, mas
Luciana a segurou.

— Você também, Felipe, tá horroroso de


cabelo curto — Júlia disse depois que se recompôs
e apontou para o namorado de Anastácia, que
sempre teve cabelo longo, mas decidiu cortar
depois de anos com a aparência de metaleiro.

— Ei! — reclamou, mas ela ignorou e


continuou falando:

— Enfim, acho que o Segurança e a


Costureira estão mortos de cansados. Eu também
estou, foram mil horas de voo. Obrigada pela
carona, querida — disse para Lula, que a abraçou

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pela cintura, contente. — Vamos para sua casa?

Emília reclamou e se arrastou até o sofá, se


agarrando nas minhas pernas.

— Eu vou viajar para a casa dos meus pais


semana que vem... Quero ficar com a Lena... —
choramingou.

— Você já ficou com a Lena, coração.


Aliás, quem aqui não ficou com a Lena? Viu só,
todo mundo já ficou com a Lena, menos elas três
— Sophia brincou quando só Júlia, Lula e
Anastácia levantaram as mãos.

Eu me senti uma putona.

Uma putona que jamais deve beber.

Gab olhou para Emília, Joe, Beto, Sophia e

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Felipe, que não levantaram as mãos, ergueu uma


sobrancelha para mim e abriu um sorriso um
cadinho irônico. Senti as bochechas pegando fogo,
o que era ridículo, já que não era como se todo
mundo ali tivesse dezesseis anos. Principalmente
Gabriel, com quase quarenta na cara, chefe de
segurança de uma banda trepadeira e,
principalmente, alguém que transou mais na vida
do que... Bom, do que eu, possivelmente. São dez
anos de vantagem, então...

— Ei, Trophy Husband, eu não fiquei com


nenhum de vocês! Emília, aquilo não foi um beijo
de verdade! Foi um selinho acidental, sua
criançona, causado por uma dose excessiva de
tequila e... Ah, vão cagar.
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Rindo da minha cara, meus amigos foram


saindo do apartamento, incluindo Júlia, que estava
hospedada na casa de Lula e do marido. Quando
finalmente todos foram embora, nos obrigando a
prometer que sairíamos juntos nos próximos dias,
fechei a porta e me encostei na parede, exausta.

Gabriel veio até mim e colocou seus braços


ao meu redor.

— Eu não fiquei com a Trophy Husband,


poxa... Nem com a irmã do Roberto, que não veio,
mas que você ainda vai conhecer... E teve gente ali
que eu só dei uns beijinhos... —balbuciei, fazendo
Gab rir.

— Sério que você está preocupada com

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isso? Que tipo de pessoa você acha que eu sou?


Dessas que só ficam com alguém se ela for virgem?

Fiz um bico e soltei um muxoxo sem graça.


Gabriel, por outro lado, estava achando tudo muito
engraçado, levando em conta sua expressão
divertida. Em poucas horas de Rio de Janeiro, eu já
tinha visto mais sorrisos do Segurança que no
início da turnê.

— Pegar amigos deve ser muito mais


interessante do que pegar pessoas desconhecidas
em noites únicas e regadas a mentiras, não acha?
Sabe quantas vezes eu já precisei mentir meu nome,
para que ninguém descobrisse que eu trabalho com
gente famosa? Você está bem mais no lucro do que

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eu nesse aspecto, senhorita Andrade.

Dei de ombros e assenti, pegando em seus


braços. Ele tinha razão, afinal de contas, e eu não
tinha motivos para sentir vergonha do meu passado.
Logo eu, que sempre fui tão tranquila com esse tipo
de coisa. Devia ser o jet lag que estava me
deixando doidona.

— Além do mais, se você estiver sem graça


com isso, lembra que eu não tenho tanta moral, eu
já beijei a Sophia, né? Aliás, ela não é lésbica?
Achei que você tinha mencionado isso, mas ela me
beijou com tanta... heteressexualidade...

Dei uma risada e expliquei:

— Totalmente sapatão, mas Sophia gosta de

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beijar todo mundo. Não é algo sexual, é como se


fosse um modo de dizer “bom dia”, ou de mostrar
carinho.

Gabriel franziu um pouco os lábios


enquanto refletia sobre aquilo. Com certeza era um
costume bastante peculiar.

— Isso quer dizer que ela sempre vai tentar


me beijar enquanto eu estiver aqui?

Tentei segurar uma risada e assenti frente à


pergunta sinceramente preocupada de Gab.
Imaginar o Segurança de mais de um metro e
noventa fugindo dos beijos daquela nano-pessoa
que é a Sophia me pareceu muito engraçado.

— E você está totalmente tranquila com

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isso — ele disse não como uma pergunta.

— O que eu posso fazer? Sophia vai tentar


me beijar enquanto eu estiver aqui também. Ela
beija todo mundo, Gab. E tenta não deixar, pra ver
a carinha triste que ela faz! Paula, esposa de
Joseph, no começo ficava sem jeito, mas agora ela
já se inclina quando Sophia vem na direção dela.

Gab franziu levemente os lábios, como se


duvidasse de mim.

— É sério! Ela já beijou todos que estavam


nessa sala. Todos mesmo. Roberto, Anastácia,
todos. Ninguém resiste quando ela arregala aqueles
olhos imensos dela.

Ele ergueu as sobrancelhas e fez uma cara

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de “quer apostar?”, como quem não estivesse


totalmente satisfeito com aquilo.

— Ah, se você se incomoda, eu falo com


ela, quer? Ela vai ficar te olhando com cara de
cachorro pidão até o ano que vem, mas ela para.
Sophia respeita limites, não é tão sem noção assim.

— Não, tudo bem, não me importo. Se ela


conseguir me alcançar, então ela merece, né? —
brincou, me tranquilizando. — Então, vamos falar
sobre a vinda da Júlia. Que surpreendente, eu não
sabia que ela vinha para cá — brincou e se inclinou
para beijar meu rosto e meus lábios.

— Você não presta, Segurança. Você e todo


mundo, fui enganada direitinho! Você sabia

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daquela aposta ridícula também?

— Não, só da Júlia mesmo.

— E do lyubimyy — disse, atestando o


quanto fui tapada.

— E do lyubimyy.

— Por que não me contou que sabia o


significado? — perguntei e o abracei pela cintura.

— Não sei. Acho que esperei algum


momento de hesitação de sua parte — ele enterrou
o nariz em meu pescoço e aspirou profundamente
antes de voltar a me olhar.

— Como hoje — deixei escapar, sentindo a


pele arrepiada por seu toque.

Gabriel me olhou por uns segundos antes de

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responder.

— Como hoje, Costureira. O que você ia


dizer naquela hora?

Coloquei as mãos em seus antebraços e abri


a boca, tentando expressar em palavras o que
gostaria.

— Que eu estou feliz de você estar aqui...


— menti.

Ok, isso era verdade, mas não era tudo o


que eu queria dizer.

Gab piscou duas vezes, e eu percebi que ele


não tinha acreditado em mim. Ainda assim, ele
sorriu e encostou seus lábios nos meus, como fazia
sempre que desejava me dar tempo para algo.

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Beijamo-nos por uns minutos e paramos


quando o cansaço bateu pesado e eu não consegui
conter um bocejo.

— Desculpa, Segurança... — pedi, e ele


balançou a cabeça, dispensando meu comentário.
— Vem, deixa eu te mostrar o apartamento.

Peguei Gab pela mão e fiz um pequeno tour


— proporcional ao tamanho do apartamento —
pelos cômodos, até chegar no quarto. Até aquele
momento, o Segurança não tinha passado da sala
ainda.

— Aqui é o local onde vamos transar até dia


doze — brinquei e bocejei de novo, arrancando
uma risada de Gab, que entrou no cômodo,

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tornando-o muito pequeno para seu tamanho.

— Começando agora? Estou vendo sua


disposição — comentou com a voz séria, mas eu
reconheci seu tom de brincadeira. Dei uma risada
enquanto procurava por toalhas no armário.

— A Anya e o Felipe arrumaram a casa


para gente na semana passada, então está tudo
limpo. Toma, vai no banheiro social, eu vou no
daqui. Os dois são minúsculos, então nem dá pra
gente tomar banho junto — expliquei e dei um
beijo de leve em sua boca.

Antes de ir até o banheiro do quarto, olhei


por cima do ombro e vi Gabriel parado próximo à
cama, esfregando um olho, parecendo cansado, mas

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ao mesmo tempo à vontade. Mesmo sendo muito


grande para meu lar, ele parecia estar muito
confortável ali.

Parecia estar em casa.

Com um sentimento novo palpitando no


peito, fui tomar meu banho, antes que toda a
hesitação de antes sumisse, e eu acabasse falando
mais do que deveria.

***

Meia hora depois, saí do banheiro de


calcinha e uma camiseta de faculdade — da

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Luciana, para ser sincera, já que minha passagem


pelos espaços universitários durou menos tempo
que minha viagem em turnê pela Europa — e com
a toalha enrolada no cabelo. Como de costume,
estava um calorão no Rio em dezembro, então
decidi diminuir a temperatura do ar.

Gab estava deitado na minha cama, lendo


um livro e usando só a calça do pijama, e
possivelmente derretendo dentro dela. Ele já era
quase britânico, o clima quente do Rio seria um
castigo para quem estava acostumado com
temperaturas próximas do zero. Estranhei,
inclusive, ele estar de calça, ainda que já tivesse
ligado o ar-condicionado, mas aproveitei para
admirar seu corpo seminu por um momento, meio
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distraída.

— Quer tirar uma foto, Costureira? Vai


durar mais — comentou, abaixando o livro e
sorrindo para mim.

Que homem.

— Não, queria chupar você.

Gab ergueu as sobrancelhas e sorriu,


abrindo a boca para comentar algo, mas eu o
interrompi:

— É, eu sei, eu sou muito direta, blá, blá,


blá. O problema é que eu estou morta, é capaz de
dormir com a boca em você. Só largo no dia
seguinte, imagina? — brinquei e me ajoelhei na
cama, engatinhando até ele e pegando o controle

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para diminuir a temperatura do quarto.

— Não seria muito agradável. Vamos


dormir e amanhã a gente se resolve, Costureira.

Deitei ao seu lado, puxando Gab para perto.


Ele deixou o livro na mesa de cabeceira e me
abraçou, tirando a toalha do meu cabelo e jogando
no chão de qualquer modo. Nem liguei, de tão
cansada que estava.

Ele afastou meu cabelo úmido e me virou


de costas, beijando meu pescoço e se encaixando
em meu corpo, me fazendo suspirar.

— Gab...

— Hm?

— Quer conhecer a Wings amanhã?

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— Quero. A loja ou o escritório?

— Dá pra fazer os dois, o escritório fica nos


andares superiores da primeira loja. Mas, se rolar
preguiça, podemos ir na do Rio Sul, que é aqui
pertinho.

— Ok, a gente vê amanhã, pode ser? — ele


sugeriu, beijando meu ombro e passando a mão em
minha tatuagem nas costelas.

— Pode.

— Boa noite, Costureira.

— Boa noite, Segurança...

Fechei os olhos e tentei dormir, mas


demorei bastante para conseguir, apesar de estar
exausta. A surpresa de Júlia, a viagem, a revelação

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de que Gab sempre soubera o significado de


lyubimyy, vê-lo em minha casa daquele jeito, tão
adaptado, tudo estava mexendo com o coração de
um jeito assustador.

Fiquei ouvindo a respiração de Gabriel, que


adormeceu rapidamente, enquanto eu tentava
controlar as batidas furiosas no meu peito.

Que coisas aconteciam entre nós dois, isso


era óbvio. Mas que isso tudo seria tão intenso, a
ponto de me sentir como se uma escola de samba
estivesse fazendo ensaios de bateria dentro de mim
só porque Gabriel estava ali, dormindo ao meu
lado, era um pouco além do que eu imaginava.

Droga de coração bestalhão.

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Sensei
Acordei um pouco confusa e temerosa,
procurando qual parte do meu apartamento em
Londres estava pegando fogo, quando entendi tudo.

Eu estava em casa.

No Brasil.

No Rio de Janeiro.

Com Gab.

Olhei para o Segurança, que dormia como


se estivesse morto, e ri antes de me levantar da
cama e exclamar:

— Gabriel! Acorda, é dia de fazer turismo!

Gab levantou num pulo, totalmente em

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alerta, mas desabou novamente no colchão,


resmungando, quando percebeu que o barulho todo
era somente eu e minha delicadeza. Mesmo que
tivéssemos feito turismo por todas as cidades, e que
no final da turnê tivéssemos acordado juntos muitas
vezes, acordar com o Segurança na minha cidade,
perto de todas as pessoas importantes na minha
vida, tinha uma alegria especial. Precisávamos
comemorar isso!

— Helena, minha família também é


cardíaca, e eu não sou exatamente um moleque de
vinte anos... — ele murmurou em inglês, me
fazendo rir enquanto ia ao banheiro tomar um
banho para começar meu dia.

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Já totalmente desperta após uma chuveirada


trincando de tão gelada que estava, voltei ao quarto,
vendo que Gabriel já tinha dormido novamente.
Decidi, então, fazer um café levanta-defunto para
despertar de vez o pseudo-britânico dorminhoco e
enfim começar nosso dia juntos.

Botei para tocar uma música alta no som,


tomando cuidado para não incomodar nenhum
vizinho chato, e não pude deixar de gargalhar
quando, segundos depois, ouvi a porta do banheiro
batendo. Gabriel tinha o sono pesado, mas tudo na
vida tinha limites: é impossível dormir com Zella
Day cantando a plenos pulmões.

Menos de uma hora depois, Gab e eu, já

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com o ar-condicionado da sala ligado no máximo,


saboreávamos nosso café da manhã em minha
pequena e organizada sala.

— É realmente um apartamento minúsculo,


Costureira. Por que você mora aqui? — ele
perguntou enquanto passava requeijão no pão.

Estalei os lábios e mordi um pedaço de


queijo antes de responder:

— Não fale mal do meu lar sagrado e


amado, seu troglodita. É suficiente pra mim, pra
que eu precisaria de algo maior que isso?

Ele ergueu levemente os ombros, o rosto


sério, porém relaxado, e comentou:

— Para encher de gatos? Não sei, é pequeno

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demais. Não me leve a mal, é adorável e é


totalmente a sua cara. Essa decoração, essas flores
de tecido, esses quadros... — apontou para as
diversas aquarelas que enfeitavam as paredes da
sala, parecendo aprovar tudo. — Mas, ainda assim,
é muito pequeno. Você é alta, não te incomoda ter
pouco espaço? Quantos metros quadrados tem esse
apartamento?

Olhei para a sala, que era o cômodo mais


amplo da casa, e puxei na memória aqueles
números que sempre aparecem no IPTU.

— Acho que uns sessenta, se não me


engano. Quantos tem o seu?

Ele sorriu enquanto mastigava e respondeu

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assim que engoliu uma parte da comida:

— Creio que umas quatro vezes isso...

— Hm, seboso metido.

Gabriel riu alto de minha birra, cobrindo a


boca aberta com as costas da mão, e terminou de
comer antes de comentar:

— Meu sensei também gosta de


apartamentos pequenos. Não entendo muito isso em
vocês, sabia? De pequenos, já bastam os quartos de
hotel que eu preciso dormir sempre.

Estalei os dedos, como se tivesse entendido


algo, e servi mais café na caneca de Gabriel e na
minha.

— Aí, é isso, Segurança! Você gosta de

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casas grandes por estar habituado a quartos


minúsculos de hotéis impessoais. Eu gosto do meu
apartamento porque é meu, meu cantinho,
comprado com minha irmã quando ela ainda
morava aqui no Brasil. Seu sensei deve gostar da
casa dele pequena provavelmente porque ele...

Foi aí que minha ficha caiu.

— Espera. Seu sensei... — disse afastando


repentinamente a caneca de café do rosto.

Ele me fitou por um momento, os olhos cor-


de-continente me encarando.

— O que tem ele?

Empolgada, arrastei a cadeira para mais


perto de Gab e o puxei pelo braço desnudo,

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encostando na cicatriz escondida por baixo da


tatuagem.

— Sabe há quanto tempo estamos juntos?

— Claro que sei, nove meses, quase dez,


por quê? — perguntou, parecendo confuso com a
mudança no rumo da conversa.

— Exato! Sabe quantas vezes você já falou


algo de seu sensei nesses nove, quase dez meses?

— Ora, várias, Lena — ele comentou, rindo


como se achasse aquilo um absurdo.

— Ah, jura? Beleza, me diga três vezes —


desafiei, já sabendo do resultado.

Gabriel limpou a mão em um guardanapo e


começou:

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— Falei sobre ele na Suíça, quando te


contei sobre meu tio, depois em Londres, mês
passado, quando te contei sobre minha ex-
namorada...

Cruzei os braços, aguardando o final.

— E...?

— E... — o sorriso zombador começou a


diminuir, e Gabriel mirou um ponto qualquer no
teto do apartamento enquanto pensava. — E... E só.
Ué, eu nunca falei nada sobre ele além disso? —
perguntou em inglês, mostrando quão confuso
estava.

— Nunquinha — respondi em português


mesmo. — Eu não sei o nome do seu sensei, nem

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onde ele mora, o que faz da vida hoje em dia... Não


quer me contar?

Gab hesitou por um momento, me olhando


com a expressão rígida habitual, mas logo relaxou e
concordou, bebendo o final do café e começando a
tirar a mesa assim que demos o desjejum por
encerrado.

— Não, deixa tudo aí, depois a gente tira.


Estamos de férias, Segurança, eu não quero nem
pensar em mover um dedinho com louça.

Ele sorriu e me puxou pelo braço quando


me levantei, beijando minha boca com uma certa
dureza de quem estava tentando relaxar apesar das
memórias tensas.

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— Não precisa falar disso se não quiser,


você sabe, não sabe? — perguntei contra seus
lábios, e ele encostou a testa na minha por um
momento antes de responder:

— Lógico que sei, Costureira, mas eu quero


falar. Meu sensei é uma das figuras mais
importantes em minha vida, é estranho você não
saber nada sobre ele. Acho que me esqueci, ou
imaginei que você já sabia. Não faz sentido mesmo.
Mas vou te contar.

Com o coração quentinho de felicidade,


levei Gab até meu imenso e familiar sofá e sentei
nele com tudo, afundando no estofado e sentindo o
Segurança fazer o mesmo.

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— Bom, por onde começo? Você já sabe


tudo do meu tio, certo?

— Que ele era um homem vil, podre,


traidor, safado, mau caráter e...?

— Ok, você sabe bastante — ele me


interrompeu, um leve sorriso brincando nos lábios.
— Pois é, meu sensei é o oposto extremo a tudo
isso.

— Qual é o nome dele? — perguntei,


passando as pernas por cima das de Gab, que me
abraçou e contou:

— Haroldo, mas ele prefere ser chamado de


Lloyd.

— Lloyd? — perguntei, franzindo as

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sobrancelhas.

— Lloyd. Segundo ele, é a versão inglesa


de seu nome. Enfim, eu obedeço e chamo assim,
porque ele faz um mata-leão como ninguém e tem o
pior humor que eu já conheci em um homem adulto
na vida.

Dei uma risada, tentando imaginar alguém


que conseguiria dobrar ao meio o Segurança
imenso sentado ao meu lado. Sabendo que o sensei
era instrutor de Gab desde a adolescência, a cena de
um vovô judoca botando aquele homenzarrão para
dormir era no mínimo engraçada.

— Lloyd é quase trinta anos mais velho que


eu, já tinha seu dojo desde muito tempo antes

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quando eu apareci, moleque, pra treinar com ele.


Eu tinha dezoito, quase dezenove, quando meus
pais morreram, e ele nem pestanejou quando soube
que eu estava sem teto: foi até a minha casa, que
não era mais minha, enfiou metade das minhas
roupas e pertences em uma mala imensa que ele
mesmo trouxe e saiu de lá sem falar nada. Eu
apenas o segui, sem saber bem o que fazer.

“Quando chegamos no dojo, que era a


quinze minutos dali, ele apenas arrastou minha
mala até um quartinho nos fundos do local, levou
um aspirador de pó, limpou tudo de um jeito bem
tosco, mas o suficiente para eu não morrer de rinite
alérgica, e jogou minhas roupas em cima da cama,
dizendo ‘pronto, guri, pode arrumar tudo’. E foi
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embora, me deixando ali, completamente perdido.

Pisquei algumas vezes, em dúvida se aquela


atitude tinha sido altruísta ou um pouco seca.
Talvez um pouco das duas coisas. Gab sorriu, como
se imaginasse meus pensamentos, e deu um tapinha
na minha coxa, apertando minha última tatuagem.

— Eu sei, você provavelmente penduraria


luzes de natal, pintaria o quarto de verde-limão e
compraria uma king-size para alguém em uma
situação como a minha. Mas Lloyd era um homem
de quase cinquenta anos, solteiro, rabugento, no
final da década de noventa, Costureira. Não dá para
esperar uma festa de boas-vindas, dá?

— Que absurdo! Eu jamais pintaria de

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verde-limão!

Gab ergueu as sobrancelhas, aguardando


que eu completasse a frase.

— Eu pintaria de rosa clarinho, para dar


uma sensação boa de acolhimento.

Sua risada preencheu meu apartamento por


um momento antes de ele continuar a contar sua
história, a expressão relaxada ainda no rosto.

— Enfim, Lloyd tentou, com alguns amigos


advogados, reaver minha casa, mas meus pais
confiavam muito em meu tio e passaram
procurações e tudo mais para ele. A casa deixou de
ser de minha família meses antes de meu pai
morrer, não havia muito o que fazer.

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Franzi os lábios, irritada, mas não disse


nada, apenas continuei mirando o belo rosto de
Gabriel.

— Não tive muito tempo para ficar de luto.


Tranquei meu curso de enfermagem, arrumei um
emprego de segurança em uma boate e, nas horas
vagas, ajudei meu sensei com a administração
básica do dojo, assim como cuidei da limpeza e
organização de coisas mais físicas. Comprar
instrumentos necessários ou trocar lâmpadas, coisas
do tipo.

— Por que você não trabalhou somente com


ele? Precisava ir trabalhar em uma boate? —
perguntei, sentindo calafrios ao lembrar da Lyubov.

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Gab deu de ombros e explicou os detalhes:

— Não havia tanto o que fazer no dojo, ele


já tinha instrutores suficientes, e eu precisava de
dinheiro para pagar minhas despesas lá. Lloyd
nunca me cobrava, mas eu fazia questão de pagar
ao menos o que eu gastava ali.

— E é normal boates contratarem moleques


de dezenove anos para serem seguranças?

Gabriel parecia se divertir com a minha


inocência.

— Lena, eu tenho um metro e noventa e


dois. Eu já tinha um metro e noventa e dois naquela
época, já era faixa preta. Eu era um pouco menor
do que hoje, claro, tem vinte anos de treinamento

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aqui — ele disse e fez um gesto amplo para seu


delicioso corpo. — Mas sempre fui grande, mesmo
aos dezenove. Eles nem olharam meu currículo, só
perguntaram se eu sabia segurar uma arma e
pronto.

Revirei os olhos e ergui o corpo, sentando


no colo de Gab, de frente para ele.

— Homens e seus problemas fálicos com


armas... O cara te entrega uma arma sem você ter
porte? Que lindo isso!

Gabriel riu de minha lógica de moça da


cidade grande e explicou:

— Era uma cidade do interior do Rio


Grande do Sul, Lena, não espere tanta coisa assim

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da roça. Enfim, passei uns dois anos trabalhando no


mesmo lugar de noite e cuidando do dojo de dia,
até que um dos instrutores ficou doente, precisou
deixar o trabalho, e Lloyd sugeriu que eu ficasse no
lugar dele. Eu aceitei, me demiti da boate, mas meu
sensei não me deixou trabalhar por mais de seis
meses.

— Ué, por quê?

Gabriel segurou minha cintura, me


ajeitando eu seu colo, e me puxou pela nuca para
um beijo rápido antes de continuar:

— Segundo ele, havia um potencial que não


poderia ser desperdiçado com um dojo minúsculo
no interior. Lloyd então investiu todo seu dinheiro

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para me mandar pra Academia do Reino Unido, e


eu, mesmo a contragosto, aceitei. Bom, dá pra
imaginar o restante da história, não?

— Não, Segurança idiota. Como um


segurança de boate vira chefe de segurança de uma
banda de rock indie? Não faz sentido algum. Burro.

Revirando os olhos, mas rindo mesmo


assim, ele explicou:

— Eu fiz o curso, formei mais rápido do


que todos que entraram comigo, e os instrutores me
ofereceram uma vaga lá. Eu topei, passei uns cinco,
seis anos trabalhando na Academia, até que surgiu
uma vaga de guarda-costas em uma banda de rock
alternativo.

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— A Sissy Walker? — perguntei, confusa, e


ele explicou:

— Não, outra banda. Fiquei por pouco


tempo com eles, a banda se separou porque todos
resolveram casar e ter uma penca de filhos.

— Ah, igual à Trophy Husband, a antiga


banda da Tony! — questionei, estalando os dedos.

— Exatamente. Voltei para a Academia,


mas não fiquei muito tempo lá. Logo a gravadora
da outra banda resolveu apostar na Betty e me
chamou para comandar a equipe de segurança.

— Hmmm, entendi... — assenti e franzi o


rosto por um momento. — E seu sensei, onde mora
agora?

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— Em Clapham.

Estava me inclinando para beijar o pescoço


de Gab, sentindo seu perfume tão familiar e
atraente, quando ouvi suas palavras e no mesmo
momento me endireitei, chocada.

— Clapham? Perto da gente? Quero dizer,


perto de você? E por que eu não o conheci, então?

Uma pontadinha de mágoa cutucou meu


coração ao descobrir aquilo. Logo pensei que Gab
não queria me apresentar a sua figura paterna mais
importante, porém o Segurança logo tratou de
desfazer essa ideia boba de minha cabeça:

— Porque ele está aqui, no Brasil, passando


férias, desde novembro. Ele odeia o inverno

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europeu, sempre se manda pra roça quando começa


a esfriar na Inglaterra.

Arregalei os olhos e abri a boca para


perguntar se poderíamos encontrá-lo, mas achei
melhor ficar calada, não querendo me meter tanto
assim.

Notando minha hesitação, Gab franziu as


sobrancelhas e me tirou do devaneio.

— Anda, fala, Costureira. Tá silenciosa


demais. O que você queria dizer? Quer saber se a
gente pode ir encontrar Lloyd?

Cruzei os braços por um momento,


pensando em como ele tinha um dom de ler minha
mente e comentei:

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— Como você sempre sabe o que se passa


em minha cabeça, hein?

Ele ergueu levemente os ombros e me deu


seu sorriso secreto, aquele que mostrava os dentes
perfeitos e fazia meu coração pular uma batida,
principalmente por saber que aquele era um sorriso
que só existia comigo.

— Não sei se dá, Costureira, para ir ver


Lloyd, ele está no Rio Grande do Sul, e eu não
estou muito no clima para visitar a cidade onde
nasci... Você faz muita questão? Ele deve voltar pra
Londres antes de nós dois, não prefere encontrá-lo
lá?

Assenti com a cabeça, era mais prático

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mesmo. Teríamos que ir para Londres de qualquer


forma, e fazer mais uma viagem em tão pouco
tempo de férias seria desnecessário.

— Gab, você é gaúcho, é? Agora que


percebi!

Ele piscou algumas vezes, ligeiramente


confuso, entortou a cabeça para o lado e respondeu:

— Você sabe disso há meses, Costureira.


Acho que desde que falamos do meu sobrenome.

— Ah! Verdade, tinha esquecido! Acho que


é porque você não fala cantando. Aliás, por que
você não tem aquele sotaque bonito que todo
gaúcho tem? Perdeu em Londres?

Observei sua sobrancelha se erguer por um

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momento, até que ele perguntou:

— Você é de Minas, não é?

— Yep.

— Por que você não fala comendo o final


das palavras, como todo mineiro fala? Perdeu no
Rio?

— Touché! — exclamei e ri, afundando o


rosto na curva de seu pescoço. Gab me virou em
cima do sofá e se deitou sobre mim, beijando meu
ombro, descendo por meu peito, barriga, até que
parou com a seção de carícias e me olhou antes de
perguntar:

— Escuta, você não pretende me arrastar


pelo Rio que nem turista, pretende?

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Um lento e torturante sorriso se abriu em


meu rosto, e Gab fechou os olhos por um momento,
brincando:

— Eu conheço o Rio, Costureira, a Sissy


Walker já tocou aqui uma porrada de vezes... —
reclamou de modo quase resignado, já que sabia
que seu pedido seria sumariamente ignorado.

— Conhece o Cristo Redentor?

— Não...

— Pão de Açúcar?

— Não, mas...

— Conhece a Escadaria Selarón?

— Costureira... — ele gemeu e deitou na


minha barriga, como se estivesse exausto. —

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Costureira, não tem nem doze horas que a gente


chegou, o fuso...

— Ah, não, meu amor, mas hoje é dia de


moleza, de pedir pizza e assistir filmes bobos no
Xbox! Amanhã a gente começa a turistada por
aqui! Mas você pode escolher pra onde quer ir,
pode ser?

Ele ergueu a cabeça por um momento e a


balançou, dizendo apenas duas palavras antes de
me beijar:

— Manon e Colombo.

Não pude deixar de rir contra seus lábios ao


ouvir o nome das confeitarias.

Irish coffee, então.

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Rio Sul
— Tcharam! A segunda loja da Wings! —
apontei para a loja no terceiro piso do shopping Rio
Sul, em Botafogo.

— Bonita. Mas gostei mais da do Centro


que você mostrou ontem. A do escritório — Gab
disse enquanto olhava a vitrine de longe.

Realmente não tinha muita comparação. De


um lado, um casarão histórico, com uma fachada
colonial linda e um conceito amplo e industrial; do
outro, uma loja bem decorada em um shopping
provavelmente construído na década de setenta,
mas que era um grande conjunto de lojas uma ao

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lado da outra, sem muita graça.

— É que aquela é maior, são dois andares,


né? — respondi enquanto olhava a tranquilidade de
Gabriel ao avaliar minha loja. Sempre amei isso,
ele nunca fazia elogios exagerados para me
agradar. Era sempre sincero do jeito dele. — Vem,
entra comigo, vai olhar as roupas.

— Eu? — perguntou, surpreso. — Mas é


uma loja de roupas femininas, não é?

Revirei os olhos e ajeitei meus óculos de sol


no rosto.

— Não pense tanto dentro da caixinha,


Segurança, a Wings é uma loja de roupas sem
gênero. Qualquer um usa o que quiser aqui. Por

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isso a gente investe tanto em pesquisa de tendência,


para que possa produzir peças únicas que se
adequem ao maior público possível. Mas chega de
falar disso, vai logo!

Puxei Gab pelo braço e entrei na loja, que já


estava destrancada, mas ainda fechada, já que não
eram dez horas ainda e o shopping não estava
oficialmente aberto.

Catarina, a subgerente, foi a única que


percebeu a movimentação e logo arregalou os olhos
ao me ver. Por algum motivo que nunca entendi
bem, ela morria de medo de mim, mesmo eu
constantemente tentando mudar essa situação. Em
compensação, ela se dava muito bem com Luciana,

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já que foi Lula quem a contratara. Ou a roubara, no


caso, já que minha sócia foi até a Escolha, uma loja
bem meia-bomba que trata seus funcionários que
nem lixo, e a trouxe para o nosso time. Uma das
melhores contratações da Wings, cá entre nós. Ela e
Stacy, vendedora do Rio Sul também, eram as
melhores de todas as lojas do Rio de Janeiro.
Vendiam gelo para esquimó e ainda o faziam
assinar um cartão de fidelidade.

Levei um dedo aos lábios, pedindo para


Catarina não falar nada, e sorri quando a bichinha
assentiu com a cabeça, assustada. Depois eu lhe
daria um abraço, mas antes queria ver como estava
minha loja preferida sem que ninguém notasse.

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Gab olhou ao redor, me fazendo rir quando


notei que estava avaliando, obviamente, o esquema
de segurança do local: câmeras, alarmes, essas
coisas. Percebi que ele passou tempo demais
olhando uma das câmeras, e que seu rosto estava
um pouco franzido, mas acabei não perguntando
nada, já que reparei que algumas roupas estavam
um pouquinho amassadas demais para o meu gosto.

Droga, mal cheguei, já vou ter que dar


bronca na gerente?

Suspirei, guardei meus óculos de sol na


caixinha e avisei a Gab que ia chamar Yvone para
bater um papinho rápido. Era função dela fazer a
vistoria que eu estava fazendo, e se as roupas

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estivessem indo todo dia para os manequins


amassadas daquele jeito, no mínimo nossos clientes
achariam que a Wings era desleixada com os
produtos quanto parecíamos ser com as lojas.

Gab, que tinha desviado a atenção da


câmera para uma camiseta vestida num manequim,
me perguntou com certa curiosidade:

— Isso é criação sua?

Virei o rosto na direção do manequim e


sorri. Era a camiseta Hypnotic, uma bem simples,
composta de alguns patches coloridos, um deles
escrito exatamente o nome da peça. Claro que era
criação minha, Hypnotic era o nome da música que
tocou quando Gab e eu nos conhecemos, lááá atrás,

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naquele show da Trophy Husband com a Sissy


Walker.

Mas que percepção espacial o Segurança


tem, achou de cara a bendita camisa!

— Talvez seja — respondi e contive um


riso frouxo quando vi Gab fotografar a peça com o
celular.

Deixei-o olhando as minhas roupas e fui


procurar a gerente. Consegui enxergar seu perfil no
mezanino da loja, onde ficavam os provadores e os
acessórios. Assim que gritei seu nome, e ela desceu
quase correndo.

— Lena! Você já voltou?! — Yvone


pareceu aflita ao me ver, o que acabei estranhando.

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Ela normalmente era muito calma, e exatamente


por isso tinha sido escolhida para a função.

— Já, coração, por quê? Tá tudo bem?

— Não necessariamente... Hm... Eu precisei


demitir a Stacy ontem, ela foi pega roubando...

Meu sorriso desapareceu imediatamente ao


ouvir aquilo.

A Stacy? Fui eu quem a contratou e


treinou! Não, não, não é possível, ela era de
confiança!

— Roubando? Você tem certeza?

— Sim, ela estava agindo de modo


estranho, e eu vi um pedaço de uma saia Diamante
saindo da bolsa dela.

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Cruzei os braços e olhei para as pontas dos


meus sapatos enquanto refletia sobre aquela
história torta. Ouvi passos ao meu lado e vi Gabriel
se aproximando, o rosto sério enquanto avaliava a
situação. Lembrei das câmeras e, sem hesitar,
peguei o telefone e liguei para uma de minhas
sócias.

— Sophia, pede para o TI a cópia das


gravações da loja RS no dia... Como assim, as
câmeras não estão ligadas? Ok, depois te ligo —
desliguei o celular, olhei para Gabriel, que acenou
com a cabeça, como se já soubesse que as câmeras
estavam inoperantes, e voltei a encarar Yvone. —
Por que as câmeras não estão funcionando? Por que
você não pediu o conserto? Há quanto tempo elas
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estão desativadas?

Não esperei ela responder e liguei para a


minha tão querida (e agora ex) vendedora.

— Stacy, meu amor, tem como você vir na


RS agora? Sim. Sim, vou te esperar na livraria,
pode ser? Beijo — voltei minha atenção para
Yvone, que estava a cada segundo mais aflita.

— Lena, eu não entendo...

— Catarina! Imprime para mim o relatório


de vendas da loja desse mês, em especial o de
Stacy, por favor! — gritei para a subgerente, que
correu e fez o que eu pedi em menos de três
minutos.

— Pronto, senhora... — ela disse com certo

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nervosismo na voz. Na tentativa de abrandar sua


tensão, dei um sorriso, indicando que ela não era o
alvo de minha preocupação.

— Não precisa me chamar de senhora, meu


anjo, eu já te falei mil vezes. Obrigada. Como está
seu filho?

Ela pareceu relaxar um pouco antes de me


responder.

— Bem, senho... Lena. Melhorando da


caxumba...

— Caxumba? O que você está fazendo


aqui? Ele não é pequeno? Não tem um laudo
médico que aconselha que você cuide dele? Vai
embora! Tira o resto do dia, eu fico no seu lugar!

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— exclamei e me virei para Yvone, já puta da vida.


— Por que essa garota tá aqui, se o filho dela tá
doente?

— Estamos desfalcadas sem a Stacy e sem


o Emmerson, que também está doente...

— Ok, então que você ligasse para o


escritório e pedisse um temporário. Temos uma
lista de folguistas imensa, era só você escolher! O
que está acontecendo com você, Yvone?

Yvone engoliu em seco e desviou o olhar.


Notei que havia um caroço muito grande naquele
angu e fiz mais uma ligação:

— Sophia, pede pra gerente da NA


dispensar o vendedor Felipe. Diz que ele está sendo

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requisitado aqui no Rio Sul e que eu vou dar um


vale imenso para ele caso ele consiga chegar em
Botafogo em menos de uma hora. Sim, sim, de
metrô, ele deve chegar rápido, o Nova América é
relativamente perto.

Yvone tinha as mãos apertadas uma na


outra quando eu desliguei o telefone. Peguei os
relatórios de vendas e os analisei brevemente,
levando um susto ao ver aqueles números tão
pomposos.

— A Stacy bateu a supercota de vendas?


Duas vezes? Por que ela roubaria a saia Diamante,
se ela ganharia um vale que pagaria três dessas no
final do mês, Yvone? Catarina, por que você ainda

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não foi embora? — eu quase gritei para a


vendedora, que estava parada ao lado de Yvone
com a bolsa aberta.

Catarina deu um pulo ao ouvir minha voz


irritada e gaguejou:

— E-eu... tô esperando a Yvone olhar


minha bolsa...

Meu queixo despencou quando ouvi aquilo.


Yvone estava checando as bolsas das minhas
funcionárias para ver se elas estavam roubando? Eu
sempre deixei claro que isso era proibido na
Wings! Nós confiávamos nos nossos funcionários e
sempre deixamos isso bem claro desde o dia da
contratação: valorize nossa confiança, ou a

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demissão é certeira. Até aquele momento, tinha


funcionado perfeitamente e criado um laço de
confiança com todos os vendedores, gerentes,
subgerentes e auxiliares! Além disso, tínhamos um
rigoroso controle de estoque, além de alarmes,
câmeras e tudo mais que fosse recomendado para
manter a loja segura.

Peguei o celular de novo e liguei uma


terceira vez para Sophia, que me atendeu meio
irritada.

— Desculpa, é importante. Liga para a


folguista Juliana e pergunta se ela está disponível.
Se sim, diga que ela está sendo requisitada na loja
do RS para o cargo temporário de gerente. Liga

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para o RH e avisa que eu estou suspendendo a


Yvone de suas atividades até o final do mês. Sim.
Eu te passo os detalhes por e-mail em cinco
minutos. Beijo.

Peguei a bolsa de Catarina e fechei seu


zíper sem olhar seu conteúdo.

— Vai embora, meu amor. Vai cuidar de


seu filho, anda — Catarina me deu um sorriso
emocionado e agradeceu, saindo da loja sem olhar
para Yvone, que estava atônita com tudo que
acontecia em tão pouco tempo.

Respirei fundo e me preparei para fazer


aquilo que eu mais odiava em minha profissão:
suspender alguém. Só não era pior do que demitir,

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coisa que eu imaginava que precisaria fazer em


breve.

Ao meu lado, Gabriel continuava em


silêncio, o rosto bem rígido enquanto avaliava tudo.
Eu deveria ter pedido para ele esperar em outro
lugar enquanto a briga de gato acontecia, mas de
qualquer maneira ele não teria para onde ir, já que o
shopping não estava aberto para ninguém ainda.
Somente funcionários — e donos e convidados, no
meu caso e dele — poderiam entrar antes das dez
horas da manhã.

Bom, depois de quase um ano vendo Gab


trabalhar, chegou a hora de ele me ver
trabalhando na parte não-artística da minha

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profissão. Respirei fundo, decepcionada, e


comecei:

— Yvone, você está sendo suspensa do seu


cargo até o dia trinta desse mês por conduta
inadequada em diversos aspectos. Todas as vendas
feitas pela loja nesse período, incluindo as do natal,
serão computadas para a Catarina e os outros
funcionários, mesmo os temporários. Segunda-feira
você vai comparecer no escritório para uma reunião
comigo, Luciana e Sophia sobre suas últimas
atitudes. Se eu descobrir que Stacy foi demitida
injustamente, você terá seu contrato rescindido.
Pegue suas coisas e pode ir para casa.

Não esperei que ela respondesse e fui para o

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caixa. Abri o e-mail da empresa e digitei


apressadamente um relatório para Sophia, checando
o relógio a cada minuto. Stacy chegaria em breve
no shopping, e eu precisava me certificar que ela
conseguiria subir, mas o e-mail com o relatório
precisava estar pronto antes que a loja abrisse, em
meia hora.

Exatamente esse tempo depois, quando eu


estava arrumando as araras sob o olhar atento de
Gabriel, Felipe, o vendedor da loja do shopping
Nova América, entrou todo esbaforido na loja.

— Felipe, seu vale virá junto de seu


pagamento, ok? Seja bem-vindo de volta —
cumprimentei, totalmente séria, enquanto passava

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os cabides para ele, que sorriu educadamente e


começou a trabalhar.

Peguei o celular e liguei para Stacy, que já


estava no shopping, mas foi barrada, como eu
imaginei que seria. Avisei a todos na loja que ia
buscá-la e me virei para Gabriel, que até aquele
momento apenas me acompanhava de um lado para
o outro, sempre voltando sua atenção para algum
detalhe da loja, como o alarme de porta, por
exemplo.

— Vai, pode ir, eu vou olhar a vitrine da


livraria enquanto isso, pode ser?

Assenti com a cabeça e fui correndo buscar


minha querida Stacy. A minha ex-funcionária veio

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chorando do momento em que me viu até


chegarmos ao terceiro andar no shopping e nos
sentarmos em um banquinho. Peguei no bolso da
calça um lencinho e entreguei para ela, que
agradeceu com um sorriso triste e começou a
limpar as lágrimas do rosto.

Dei alguns momentos para ela se recompor


e perguntei o que houve quando ela respirou fundo
e pareceu um pouco mais calma.

— Lena, eu juro pela minha mãe que não


roubei nada! Alguém botou a saia na minha bolsa,
eu juro! — ela disparou a se defender, e eu
coloquei as mãos em seus ombros na tentativa de
acamá-la.

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— Calma, Stacy. Respira. Me explica o que


aconteceu direitinho, quero ouvir sua versão.

Stacy respirou fundo de novo e enxugou o


rosto mais uma vez. Em seguida, me contou que
teve uma discussão séria com Yvone sobre sua
porcentagem de vendas, que veio mais baixa do que
ela havia calculado ao longo do mês. Poucos dias
depois que ela contestou a gerente, houve a
acusação de roubo, e ela logo foi demitida, o que
era muito suspeito.

— Eu não uso saia curta, Lena, você sabe!


A saia Diamante é a menor que temos... Que vocês
têm na loja... Por que eu roubaria uma saia que não
usaria? O que eu ganharia roubando vocês, que

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sempre confiaram em mim e me deram essa chance


que nenhuma outra loja deu?

— Stacy, eu sei. Eu lembro que você me


disse que nunca mais usaria uma peça daquele
tamanho na vida. Por isso eu desconfiei. Quanto
você recebeu de comissão nesse mês?

— Dois salários mínimos.

— Dois? Mas você vendeu quase cem mil


reais em duas semanas! Espera — peguei o celular
e liguei para Lula — Luciana, me diz uma coisa:
quem bateu recorde de vendas no período anterior
ao natal? Ok... Qual foi a porcentagem de vendas
da Yvone? Ok... Quem bateu recorde de vendas
gerais? Jura? — exclamei e olhei para Stacy, que

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amassava meu lencinho nas mãos. — Ok, obrigada.


Sophia tá por perto? Avisa a ela que precisamos
checar todos os pagamentos e comissões de todos
os funcionários do RS, principalmente as de Yvone,
nos últimos quatro meses. Liga para o RH e manda
eles reverterem a demissão de Stacy
imediatamente. Sim, a Yvone a demitiu. Sim. Pode
demitir por justa causa. Obrigada. Beijo.

Stacy me olhou com os olhos brilhando de


lágrimas e me abraçou, contente, após ter ouvido
que teria seu emprego de volta.

— Pronto, Stacy, tá tudo resolvido. Volta


para gente? — eu pedi com carinho.

A bichinha desatou a chorar e eu dei

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tapinhas em suas costas, pedindo que ela se


acalmasse, pois as poucas pessoas que começaram
a circular no shopping, agora aberto, estavam
olhando.

Peguei em sua mão, voltei para a loja e


chamei todos os funcionários para avisar que Stacy
estava de volta. Decidi de última hora que ela seria
a nova subgerente e que Catarina substituiria
Yvone, já informando sobre sua demissão. Todos
comemoraram aquela notícia, o que me mostrou
que a ex-funcionária não era mais tão querida
quanto antes.

Saí da loja, começando a dissolver meu


modo profissional, e fui atrás de Gabriel na livraria

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que ficava no mesmo andar da Wings, o


encontrando sentado em uma poltrona com um
livro nas mãos enquanto folheava distraidamente a
edição. Quando me ouviu chegando, ergueu o rosto
e se levantou, esperando que eu contasse o
desfecho de toda aquela bagunça.

— Desculpa, Gab... Eu tive que demitir


minha gerente, ela armou pra Stacy ser demitida.
Yvone não conseguia aceitar o fato de que uma
travesti era mais bem-sucedida que ela. Isso sempre
foi nítido pra mim, ela sempre teve esse lado
babaca, e eu conversei várias vezes sobre isso. Eu
achei que ela pararia com essa besteira, que a
convivência com a Stacy ia mostrar que travesti é
uma pessoa como qualquer outra, que esse
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preconceito não só é criminoso, como imbecil e


sem fundamento, mas... Uma vez babaca, sempre
babaca, impressionante...

Gabriel colocou o livro em uma das mesas


de mais vendidos e voltou para perto de mim, me
tranquilizando:

— Não se preocupa, Costureira, é o seu


trabalho, você tinha que fazer. Diego teria adorado
te ver toda durona. Provavelmente faria algumas
montagens e bombaria o Instagram — brincou e me
puxou para um beijo rápido.

— Sei... Ele provavelmente teria chorado ao


me ver demitir alguém. Enfim, vida que segue.
Quer comer alguma coisa? Tem um restaurante

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aqui que tem café da manhã com coisas meio


absurdas, tipo coxinha de camarão. Deliciosas, por
sinal. Aliás, você gosta de camarão?

— Gosto. Mas posso pedir um favor? —


Gab pediu enquanto saíamos da livraria.

— Claro, Segurança. Diga — parei de


andar, me virando de frente para ele.

— Podemos comer em casa e voltar outra


hora? Já vi a Wings, nada mais me interessa aqui
— seu rosto ficou sério de repente, o que era
comum se tratando de Gab, por isso não estranhei
de imediato.

— Claro! Acho ótimo! — exclamei,


sorrindo, e dei a mão para ele. — A gente passa na

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padaria, pode ser?

— Pode — ele disse quando pegou na


minha mão e nos encaminhamos para a saída.

Porém, sua mão trambolhuda estava


apertando a minha com um pouco mais de força
que o normal, e eu estranhei aquilo, então perguntei
antes de pedir um táxi:

— Ei, Gabriel, o que está acontecendo?

Ele respirou fundo e hesitou antes de


responder:

— Eu sei que você trabalha muito. Sei que


isso tudo é muito importante para você, assim como
o meu trabalho é importante para mim, nunca
duvidei disso. Mas eu não tinha visto você

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trabalhando diretamente com a sua marca ainda,


salvo nos momentos em que você falava com
Sophia e Luciana via Skype ou celular. Seu
trabalho sempre estava voltado para a Sissy
Walker. Quase nunca para a Wings.

Dispensei um táxi que parou próximo,


agradeci ao motorista e puxei Gabriel para longe do
ponto, antes que mais motoristas parassem no
meio-fio. Voltei a olhar para Gab e aguardei que
ele completasse seu raciocínio.

— Eu acho que tive um pouco de


esperanças que... que você pudesse fazer o seu
trabalho à distância. Como foi na viagem. Mas hoje
eu vi que não é possível. Você passou meses longe,

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e olha o que aconteceu. Você sempre disse que sua


função principal, além de criar roupas, era cuidar
dos funcionários. Você precisa estar aqui, afinal, é
sua loja, é sua função. Não dá pra te afastar disso
— explicou e passou os dedos no meu rosto
carinhosamente. — Por isso quero ir para casa, para
não perder muito tempo com coisas que eu já fiz
com você e que são dispensáveis, como passear em
shoppings.

Senti minhas sobrancelhas se franzirem e


despencarem no rosto em seguida. Meu peito se
encheu de tristeza quando compreendi o que ele
queria dizer com aquilo, e balancei a cabeça
concordando. Ele tinha razão, eu não podia deixar a
Wings definitivamente, eu era uma das peças
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fundamentais na empresa. Ele também não podia


largar tudo, principalmente Lloyd, que era sua
única família. Não havia meio-termo.

Gab me deu um sorriso triste e passou os


dedões nas minhas sobrancelhas.

— Vai te encher de rugas se continuar


franzindo o rosto assim — disse com um tom de
voz ameno, tentando tirar um pouco do peso
daquela situação.

Retribuí seu sorriso e coloquei as mãos


sobre as suas.

— Deixa, eu já, já, faço trinta anos, vou ter


a metade da sua idade, o que é muito. As rugas
tinham que aparecer em algum momento, não?

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Gabriel abriu um pouco mais o sorriso, me


mostrando seus dentes lindos, e me deu um beijo
rápido, mas carinhoso.

— Vem, Costureira, vamos para casa. Outro


dia a gente volta aqui, ou você me leva em outra
Wings, pode ser? — sugeriu, pegou minha mão e
entrelaçou seus dedos nos meus.

Olhei para ele por mais alguns segundos e


acenei com a cabeça.

— Pode, Segurança. Vamos pra casa.

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Pré-natal
Um dia antes do natal, entramos no
apartamento cheios de sacolas e completamente
exaustos. Ainda que tenhamos adiantado as
compras ao longo da semana, deixando para
comprar na véspera apenas as coisas perecíveis, foi
cansativo ficar na fila mais de uma hora e quase
apanhar de um monte de gente desesperada.

— Ufa! Não sei se aguento outra ida ao


mercado encarar aquelas velhinhas desesperadas
por peru de natal!

— Uma delas beliscou minha bunda... —


Gab comentou enquanto tirava os sapatos na

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entrada. Voltei minha atenção para ele, que estava


tranquilo, como se levar um beliscão no traseiro de
uma idosa não fosse nada muito anormal em sua
rotina.

— Jura? Olha só, há interesse em outros


tipos de peru também... Me dá, eu guardo tudo,
pode deixar — estendi a mão e peguei as sacolas
das mãos de Gab. — Liga o ar, por favor.

Depois que guardei tudo, peguei dois


Gatorades na geladeira e levei até a sala, que estava
começando a ficar climatizada, ou seja, habitável.
Sentei no sofá e esperei Gab sair do banheiro e
pegar a sua garrafa de minha mão para poder abrir
a minha. No primeiro gole, senti o prazer especial

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que somente bebidas refrescantes extremamente


geladas produzem quando são consumidas durante
o típico calor carioca.

— Isso é maravilhoso demais, cara... Mas


eu sinto falta do seu café forte... Esse calor tá me
colocando num estado de abstinência de cafeína
bem desagradável...

Gabriel sentou ao meu lado e sorriu antes de


levar a garrafa à boca.

— Será que os cubos de café já


congelaram? — ele perguntou quando eu coloquei
a perna em cima da sua.

Prendi a respiração, surpresa, e soltei o ar


rapidamente, tinha me esquecido do café que

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colocamos nas formas!

— Eu esqueci do Freezie! Sim, excelente


ideia, vou fazer nosso café dos deuses do Olimpo!
Nossa, Gab, é por isso que eu te a... chupo —
completei rapidamente e me levantei para verificar
se já dava para fazer café gelado, grata por ter
conseguido fugir antes que ficasse vermelha na
frente dele.

Abri o congelador e botei o dedo na forma


de plástico, sentindo a rigidez do gelo. Dei uma
sacudida, para ver se só tinha congelado a
superfície da forminha, e sorri satisfeita ao não
ouvir barulho de líquido. Estava perfeito.

— Gab, vai querer um Freezie, não vai? —

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gritei com a cara enfiada no congelador e dei um


salto ao ouvir sua voz próxima a mim. — Ai, não
faz assim, Segurança! Minha família é...!

— Cardíaca, eu sei, desculpa. Vou me


lembrar de fazer bastante barulho quando me
aproximar de você, prometo — ele disse,
brincando, deixou a garrafa de Gatorade na pia e
encostou no batente da porta da cozinha. — Talvez
use um de seus saltos, pra fazer aquele “toc-toc”, aí
você me escuta.

Sorri e rolei os olhos enquanto tirava as


formas e colocava na pia. Peguei meu
liquidificador e coloquei ao lado das forminhas
enquanto tentava me lembrar da receita de café

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gelado que minha irmã fazia. Gab ficou parado, me


olhando ir de um lado ao outro da cozinha, pegando
ingredientes nos armários, procurando talheres e
bufando ao não encontrar as coisas nos lugares
certos.

— Não sei se eu não lembro mais da


organização da minha cozinha porque passei quase
um ano fora, ou se é porque Anya e Felipe
bagunçaram tudo! Não encontro nem as coisas mais
básicas!

— Provavelmente pela primeira opção,


Costureira... Ué, achocolatado? — Gab disse com
uma voz demonstrando um perfeito estranhamento.

Parei de andar pela cozinha assim que ele

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me flagrou com o pote de Nescau na mão. Parecia


uma criança roubando doce.

— É receita da Júlia... — tentei justificar.


— Tem gosto de infância... Quer que eu faça um
separado para você, sem açúcar? Acho que tem
cacau em pó em algum lugar por aqui... Só não sei
está na validade, mas...

— Não, pode fazer do seu jeito. Só acho


curioso você gostar de café com achocolatado e...
canela? Você vai colocar canela no café junto do
Nescau? — ele exclamou quando me viu pegando o
potinho amarelo no armário.

— Ei, não pode olhar! É receita secreta, há


regras para que você tenha acesso a ela! Minha

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irmã louca é bem criteriosa quanto a isso, eu sigo


os ensinamentos da Grande Irmã — eu disse e me
virei de costas, escondendo os ingredientes do
Segurança.

O que não adiantou muito, já que Gab se


aproximou e beijou meu pescoço, fazendo minha
pele se arrepiar instantaneamente.

— E quais são as regras, Costureira...? —


perguntou e afastou meu cabelo antes de morder
minha pele arrepiada.

— Ahn... Não lembro... Acho que não


lembro nem os ingredientes, no momento... Ou do
meu nome — disse e protestei quando ele se
afastou, rindo, e voltou para o batente da porta.

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— Quais são as regras? — ele repetiu a


pergunta.

Afastei os pensamentos eróticos da mente e


tentei me lembrar:

— Hm... Deixa eu ver... São requisitos que


você precisa cumprir. Você precisa ter morado com
minha irmã em algum momento, ou ter morado
comigo... Precisa amar a Júlia... Precisa me amar...
Precisa ter saído do mesmo ventre que minha irmã
e... Hm... Qual era a última regra?

— Uau, só você se encaixa nisso tudo,


então? Injusto — concluiu, me fazendo rir.

— Não, besta, você precisa cumprir ao


menos um desses critérios, não todos. Eu me

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encaixo na maioria, por isso sei desde pequena. Saí


do mesmo ventre, amo a Júlia, morei com ela, etc.

— Sei... E qual é o último? — Gab


questionou, ainda encostado na porta, achando
engraçado aquele monte de bobagens.

— Não lembro... — disse enquanto


tamborilava os dedos na pia. — Ah! Sim! “Precisa
contribuir para a sociedade de algum modo útil ou
relevante”. Nossa, Júlia é muito pirada, eu nunca
me acostumo com isso. Bom, você se encaixa em
uma delas, então está apto a saber da receita —
comentei e sorri enquanto jogava as medidas certas
dos ingredientes no liquidificador, junto dos cubos
de café congelado e batia por alguns segundos.

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Abri a tampa do liquidificador, provei um


pouco com uma colher e revirei os olhos de prazer.
Maravilhoso, como sempre. Apesar do
achocolatado e dos outros ingredientes meio
esquisitos, a receita de café gelado de minha irmã
não era extremamente doce. Era saborosa e forte.

Júlia é um gênio da culinária!

Procurei nos armários meus copos térmicos


com tampa e canudo e coloquei uma quantidade
bem grande em cada um dos dois. Ofereci para
Gabriel, que pegou com cuidado, olhando
desconfiado para o seu conteúdo pela tampa de
acrílico transparente.

Já viram um homem de trinta e nove anos

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de idade nas fuças agir como um adolescente que


não quer comer brócolis? Eu já.

— Larga de ser covarde, Gabriel, e toma


logo um gole! — eu ordenei e bufei quando ele não
se moveu, mantendo os olhos semicerrados e
mirando o Freezie, sem mover um músculo.
Caminhei até a sala e gritei de lá: — Vou botar um
filme, quer ver alguma coisa em especial?

— Tomb Raider. Você comentou que tem


todos os filmes, não comentou? Eu nunca vi
nenhum deles, então... — ele perguntou quando
saiu da cozinha, ainda analisando o café gelado no
copo em suas mãos.

Olhei para ele e tentei não dar bandeira da

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felicidade que senti ao ouvir sua escolha de filme.


Ninguém, ninguém mesmo, de Júlia e Joseph até
Roberto e Paula, aguentava mais ver qualquer filme
da Angelina Jolie comigo. Principalmente os dois
primeiros Tomb Raiders, que figuravam no topo da
lista dos rejeitados. Ouvir aquela oferta vinda de
Gabriel era maravilhosa!

Botei o primeiro filme para rodar no Xbox e


me sentei ao lado de Gab, soltando uma risada ao
ver que ele ainda não tinha tomado um gole de seu
café enquanto eu já estava na metade do meu.

— Gab, nem experimentou, ao menos?


Bebe só um gole, se não gostar do Freezie, eu tomo
o seu — tentei negociar, mas Gabriel continuou

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olhando incerto para o copo de café.

— Parece lama, Costureira, não parece


café... Aliás, parece outra coisa, mas eu não quero
estragar seu apetite.

Levei a mão ao peito, escandalizada com


aquele comentário.

— Seu herege! Como ousas chamar o


Freezie de lama? Não entendo sua lógica, Gabriel!
Um segurança de elite, altamente qualificado, com
mais anos de experiência do que eu tenho de vida...

— Uau, tenho quase trinta anos como


segurança? Incrível, comecei antes dos dez e nem
percebi... — ele brincou. — O que tem a ver isso
tudo com minha resistência a tomar esse café

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suspeito com cara de exame de fe...?

— Não ouse completar essa frase! Se deseja


usufruir do meu belo corpinho até o dia doze de
janeiro, é melhor ficar quietinho! — eu disse com
um dedo erguido, rindo de sua audácia. — Tá com
medo de o gosto ser ruim? Espera, deixa eu facilitar
para você — disse e suguei uma boa quantidade de
seu café, engolindo a maior parte, mas deixando o
sabor na língua antes de beijar Gabriel.

Gab pareceu surpreso, mas logo me beijou


de volta e me puxou pela cintura para cima de suas
pernas. Parei de beijá-lo e dei um gritinho.

— Espera, Segurança! Eu estou toda suada,


deixa eu tomar um banho primeiro e você faz o que

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quiser comigo! Mas depois quero ver Tomb Raider


— declarei e voltei a sentar no sofá macio, feliz da
vida. — É ruim o sabor do café?

— Não, é agradável, por incrível que


pareça... Ao menos você não colocou mel ou
adoçante. Ou bacon, alpiste, açaí, óleo de motor de
máquina...

Olhei para ele, horrorizada com a


comparação.

— Estou cogitando a possibilidade de


abstinência durante essas semanas, senhor
Segurança de Elite — ameacei, mas Gabriel
somente riu e contestou:

— Ué, é o que faltava nessa sua mistura

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bizarra! Canela, achocolatado... O que foi aquele


troço que você colocou por último? Sal? Olha pra
isso, a aparência não é nem um pouco convidativa!
— exclamou e me mostrou o Freezie lindo e
reluzente, quase como um troféu de primeiro lugar.

Ok, realmente, a aparência era estranha,


mas o gosto era maravilhoso.

— É a mistura da minha irmã, Segurança


idiota, não fui eu quem criou, já disse. E não é
bizarra, é milenar, maravilhosa, criativa e tem gosto
de infância.

— Infância? A Júlia te dava café açucarado


na infância? Não me admira que você tenha viciado
depois de ter ficado... Como você disse naquele

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dia? Velha? Isso, velha. Idosa — ele provocou


tranquilamente e voltou a olhar para o café, ainda
não totalmente certo se deveria ou não beber.

— Idosa! Disse o homem que é trinta anos


mais velho do que eu! — eu gritei num tom de voz
agudo que deve ter maltratado golfinhos na
enseada.

Gabriel tomou um gole hesitante do café e


parou para rir do meu comentário.

— Você faz com que eu me sinta realmente


um velhote, Lena.

— Ué, mas não é? A idade de aposentadoria


aqui é sessenta e poucos, você já não bateu isso? Eu
vou ter que controlar seus remédios de pressão em

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alguns anos, não vou? — brinquei, mas parei assim


que vi o rosto de Gabriel sair de divertido para...
para algo que eu não sabia o que era.

Minha ficha caiu quando eu repassei


mentalmente o que havia dito e me dei conta de que
tinha acabado de fazer uma brincadeira sobre
planos do futuro, quando já sabíamos que não
teríamos um. Bebi o que sobrara em meu copo em
silêncio e olhei para a Angelina Jolie na tela da
televisão. Foram alguns minutos quieta, hesitando,
mas enfim tomei coragem de falar o que pensava,
ainda sem encarar Gabriel:

— É engraçado... é engraçado como a gente


começa a fazer planos para as coisas quando elas

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estão prestes a acabar, não é?

— É... — ele respondeu brevemente, a voz


séria.

Virei o corpo em sua direção e passei um


dedo gelado do copo do café em seus lábios
macios.

— Ao menos você vai embora daqui


sabendo que tomou a maior parte dos cafés mais
importantes do mundo...

Gab me deu um pequeno sorriso, me


perguntando quais seriam esses cafés.

— Os das cafeterias do Centro e o da minha


irmã. Você não gostou daqueles da Manon e da
Colombo?

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— Gostei, eram muito bons, principalmente


o Irish.

— Então! E agora você tomou, ainda que


cheio de frescura, o melhor dos melhores!
Inclusive, você ganhou o direito de aprender a
receita. Não está feliz de saber que você se encaixa
em um dos pré-requisitos para ter acesso a essa
maravilha da culinária brasileira?

— Um só? Achei que fossem mais.

— Sim, ser útil à sociedade. Tem outro?


Sair do mesmo ventre da Júlia, amar a Júlia, me
amar... — perguntei, e o coração deu um salto com
a possibilidade de Gab preencher esse pré-requisito.
— Ah, o lance de morar comigo ou com a Júlia?

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Sim, faz um certo sentido, o apartamento em


Clapham... De certo modo, nós moramos juntos,
né? Ok, então. São dois.

Ouvi Lara Croft atirando e olhei para a tela,


tentando me distrair do assunto que eu mais
adorava evitar.

Adorava não, precisava.

— Sim, estou feliz. Dos seis itens que você


citou, eu me encaixo em metade. Estou apto para
comercializar esse café pelo mundo todo, se quiser
— ele comentou com um sorriso nos lábios.

No auge da minha distração forçada, não fiz


as contas direito, então somente olhei para Gab e
retribuí o carinho, dando um beijo em sua boca e

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me aninhando ao seu lado para voltar a ver o filme.

Gabriel me olhou por uns instantes, como se


aguardasse uma reação minha, mas acabou
deixando de lado e voltou a tomar seu café gelado
enquanto passava um braço ao redor de meus
ombros e me puxava para perto.

Só fui entender o que ele dissera meses


depois, quando me vi sozinha em casa,
relembrando desse dia, o coração em frangalhos.
Pensei no comentário de Gabriel, fiz as contas
sobre os seis pré-requisitos de minha irmã e me
perguntei qual era o terceiro. Repassei mentalmente
cada um dos itens (ter morado comigo, ter morado
com a Júlia, ser útil à sociedade, nascer do mesmo

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ventre que ela, amar Júlia, me amar), excluí os


impossíveis, como ser irmão ou morar com Júlia, e
o improvável, como amar minha irmã, e os reais,
como ser útil ou ter morado comigo, e fiquei
impressionada ao notar como eu fora lerda de não
perceber de primeira o que ele estava tentando
obviamente me dizer.

Só sobrou “me amar”. E eu não notei isso


na hora.

Isso porque eu sempre fui boa em


matemática.

Imagina se não fosse?

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Cortadores de biscoito
Tirei o bolo de laranja do forno, com a
ajuda das luvas grossas de tecido que eu fiz depois
que cansei de queimar as mãos com as de silicone,
coloquei a forma pelando em cima da pia e sorri ao
ouvir o barulhinho do fundo de metal quente
encostando no mármore molhado. Sempre adorei
esse som, me lembrava de efeitos especiais de
filmes trash.

Peguei a outra forma com a massa de bolo


de nozes e coloquei no forno, para em seguida dar
uma checada no bolo pronto. A cozinha parecia
pegar fogo com o forno ligado há tanto tempo, eu já
estava suando e torcendo para terminar tudo de
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uma vez e voltar para o ar-condicionado


abençoado.

Peguei a caneta presa no porta-recados da


geladeira e risquei da lista de afazeres do dia de
natal os bolos e o pudim de coco. Faltava
“somente” fazer o arroz, a farofa, o peru e as
saladas. Ah, mas ao menos havia os biscoitos! Os
biscoitos eram a parte mais divertida do natal!

Peguei os ingredientes para colocar a mão


na massa e me dediquei a escolher os cortadores
adequados.

Em formato de árvore de natal, ok. Em


formato de peitinhos, não. Gravatinha, sim,
gatinho, não, pênis, não, sabre de luz, não,

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máquina de costura, SEMPRE, mãozinha, sim,


sapatinhos, não, caveirinha, não, arma...

Peguei o cortador em formato de pistola e


sorri, pensando que finalmente eu teria utilidade
para ele. Guardei os restantes, deixei os
selecionados no canto e comecei a esticar a massa e
a cortar. Terminei em alguns minutos, dando graças
a Deus, porque o calor estava de matar, levei a
forma grande para a sala e a cobri com um pano de
prato.

Estava voltando para a cozinha quando ouvi


um barulho, Gabriel vinha em minha direção
usando apenas a calça do pijama e mantinha o rosto
franzido por causa da claridade.

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— Bom dia, Princesa Aurora! — exclamei,


sorrindo, e me virei de frente para ele, dando uma
admirada básica em seu corpo.

Eu nunca ia me cansar de olhar para seu


porte, seus braços fortes, as tatuagens, o corpo de
homem grande e pronto para qualquer coisa. Quem
cansaria daquilo?

— Nossa, que luz toda é essa? O sol vai


passar o natal com a gente? — perguntou e foi até a
janela da sala, fechando as cortinas e suspirando de
alívio. — Ah, agora sim eu enxergo. Como você
consegue viver nessa claridade? Opa, o bolo ficou
pronto?

Tentei explicar que podaram violentamente

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a árvore, Bucetilde, que fazia sombra no


apartamento, mas Gabriel nem esperou que eu
respondesse, se aproximou da mesa onde o bolo
estava, tirou um pedaço com a mão e o enfiou na
boca.

— Ei, seu troglodita! O bolo era só para de


noite! — ralhei e corri para tentar salvar o restante
do pobre e desfigurado bolo de laranja. —
Segurança idiota... Vou ter que fazer outro...

Gab terminou de comer o pedaço roubado e


sorriu, me puxando pelo braço e beijando meu
rosto.

— Nem vem tentar me seduzir com esse seu


hálito de pasta de dente e bolo, você podia ter

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cortado com uma faca. Aqui no Rio, somos


educados, Gabriel. Usamos talheres para cortar as
coisas e depois comemos tudo com a mão — disse
e dei um sorriso a contragosto quando ele beijou
meu pescoço e me abraçou pela cintura.

— Até eu pegar a faca, o bolo já teria


esfriado. Aliás, ele está uma delícia. Você fez café?
Quero comer ele com café.

Resignada, me soltei de seu abraço e fui até


a cozinha pegar a garrafa térmica. Peguei os dois
copos térmicos que comprei em Paris e levei até a
sala. Gab os encheu e me deu um deles, pegando
mais um pedaço do bolo com os dedos.

— Gabriel, não, pega uma fa...! Ah, dane-

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se, traz tudo de uma vez... — eu me rendi e sentei


no sofá. Gab sorriu e fez o que eu pedi, sentando-se
ao meu lado e apoiando os pés na cadeira em
frente.

Peguei um pedaço do bolo e enfiei na boca,


fechando os olhos ao sentir o gosto de natal e de
infância na língua.

— Isso tá incrível, Lena. O que tem nele?

— É receita da minha irmã. É melhor você


nem saber. É tão pirado quanto o Freezie.

— Ok, eu posso conviver com a


ignorância... — ele disse por trás de seu copo.

Sorri e peguei mais um bocadinho antes de


perguntar:

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— Dormiu bem?

— Dormi, Costureira, principalmente


depois que você diminuiu o ar. Acostumou com
clima frio, né?

Dei um sorriso tímido e coloquei minhas


pernas em cima das suas.

— Totalmente. Eu gosto de calor, mas tá


difícil encarar mais de quarenta graus depois de
enfrentar um pedaço do inverno europeu... Não sei
como você não está estranhando.

Gab sorriu para mim e me ofereceu mais


bolo. Recusei balançando a cabeça, e ele deixou o
restante em cima da mesa, explicando:

— Eu costumo me adaptar rapidamente a

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diferentes condições climáticas, Costureira. Preciso


sempre viajar pelo mundo todo, acaba que a gente
acostuma a morrer de frio no inverno russo e três
dias depois encarar o verão argentino.

Fazia todo sentido, afinal de contas. Havia


quantos anos que Gabriel estava naquela rotina? O
suficiente para que seu corpo e sua mente se
adequassem a qualquer mudança climática brusca.

— Quer assistir alguma coisa? — ofereci


quando ele voltou a sentar ao meu lado e colocou
minhas pernas de volta em cima das suas.

— Pode ser. Escolhe alguma coisa aí. Tem


algo de bom na televisão brasileira às oito da
manhã?

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Dei uma risada e peguei o controle na


mesinha ao lado do sofá.

— Às oito eu não sei, mas como são onze,


talvez tenha algo...

Gab me olhou, surpreso, e checou as horas


em seu relógio de pulso.

— Por isso você me chamou de Aurora! É a


princesa adormecida, não é? Não sabia que estava
tão tarde. Por que não me acordou, Lena? —
perguntou, parecendo impressionado consigo
mesmo por ter dormido que nem uma pedra.

Achei graça de sua reação, mas não


respondi imediatamente. Eu adorava ver o
Segurança perdendo o controle e adorava mais

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ainda aquele ar de “estou de folga”, com o cabelo


curto despenteado, a cara de sono, o semblante
relaxando ao ver minha expressão de admiração.
Parei por alguns segundos e fiquei só olhando o
Segurança me dar seu sorriso de canto, que eu tanto
amava, enquanto bebia seu café.

Depois olhei para a árvore de natal montada


no canto da sala, enfeitada com as lembrancinhas
da turnê pela Europa, olhei de volta para Gabriel,
fitei seus olhos cor-de-não-sei, aquela cor
misteriosa que mudava de acordo com qualquer
coisa e que me encantava de qualquer jeito e a
qualquer hora, e sorri enquanto pensava na minha
sorte.

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Natal com Gabriel. Melhor, impossível.

— Ah, não te acordei porque você estava


tão sereno dormindo... Achei melhor começar a
cozinhar, já que acordei cedo demais. Ah, por sinal,
o peru tá prontinho para que você faça sua magia
nele. Hm, isso soou estranho... — eu expliquei e
fiquei olhando Gab fechar os olhos e rir do meu
acidental jogo de palavras.

— Ok, Costureira. Quer que eu faça que


horas?

— Ah, depois. Não sei, a hora que você


quiser comer.

— Você não tem um horário fixo para essas


coisas?

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— Não, ué. Deveria?

— Pessoas que amam esses feriados como


você costumam ser rígidas quanto a horários de
ceia, não? — Gab me abraçou pela cintura, e eu
sorri.

— Eu não tô nem aí, Segurança. Se quiser


fazer aquela galinha tratada a Whey agora, fique à
vontade. O mais legal do dia 24 são os biscoitos e o
bolo! — respondi e beijei seus lábios de leve. — Ih,
esqueci do forno!

Levantei correndo e fui ver o outro bolo.


Gab aproveitou e foi atrás de mim para começar a
cozinhar de uma vez. Combinamos de preparar
tudo e depois esquentar na hora que batesse fome,

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era mais fácil e ainda nos deixava livres a tarde


toda.

***

Passamos o dia comendo besteiras tipo


biscoitos, pipoca, sanduíches e suco de manga e de
acerola. Quando começou a anoitecer, Gab e eu
decidimos nos arrumar para o natal e cada um foi
para um banheiro tomar banho. Meia hora depois,
nos encontramos no quarto, eu enrolada em uma
toalha, e Gab usando as calças xadrez e a blusa de
universidade de sempre. Ele havia largado a
faculdade para se tornar segurança, mas acabou

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mantendo uma camisa por todos aqueles anos, o


que era engraçado de se ver.

Rindo da escolha de vestuário, acabei


escolhendo quase a mesma coisa, só que troquei as
calças por um shortinho xadrez e a blusa de
faculdade pela camiseta que comprei para Gabriel
em Londres, aquela com as manchas de café.

— Sabe que você já usou essa camiseta


mais vezes do que eu, né? — perguntou quando
fomos até a sala juntos.

— Sabe que você passa dois terços da vida


de terno, né? Alguém tinha que dar amor para suas
roupas casuais.

— Touché. Tá com fome? — perguntou

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quando eu o abracei e sorri.

— Na verdade, não. Mas quero comer


biscoitos.

— Mais? Comemos uns três pacotes


daquele tal de biscoito da vaquinha...

— Nossa, exagerado, comemos um só. E


ninguém te obrigou. Mas eu estou falando dos
biscoitos de natal, a melhor parte do dia vinte e
quatro! — disse e beijei a base do seu pescoço
antes de me virar e ir para cozinha, toda feliz.

— Ah, os biscoitos que você não me deixa


nem ver... Nem quero saber o que vai neles, mas
torço que a aparência lembre o bolo em vez do café
gelado — ouvi Gab falando da sala.

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— Ignoro você, Gab. Nos biscoitos vai


açúcar, tempero e tudo que há de bom. Ah, e
sangue de estagiários de moda virgens. Toma,
escolhe um! — ofereci quando voltei para perto
dele, me jogando no sofá, com o pote opaco de
biscoito nas mãos. — Não pode ver, Segurança, ou
perde a graça.

Gab me deu um olhar desconfiado e um


sorriso irônico.

— Ok, agora eu estou com medo do que vai


sair daí — brincou, mas enfiou a mão no pote assim
mesmo, tirando um biscoito em forma de máquina
de costura.

— Ah, droga! Eu queria ter comido ela!

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Olha, essa é a Shakira O'Neal, minha primeira


máquina de costura. Minha segunda, na verdade,
mas foi minha preferida por anos. Não é lindinha?
— perguntei, olhando para o biscoito decorado na
mão de Gabriel.

— Sim, adorável. Quer ficar com ela? —


ele ofereceu com bom humor.

— Claro que não! Você pegou, você come,


uai. Ok, deixa eu escolher um agora — enfiei a
mão e ri ao sentir o biscoito em forma de pistola.
— Que marmelada...

Tirei a arminha e mostrei para Gabriel, que


arregalou os olhos.

— Que tipo de cortadores você tem, Lena?

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— ele perguntou, risonho, antes de morder um


pedaço de seu biscoito. — Nossa, gostoso.

Contente pelo elogio, me aconcheguei em


seu abraço.

— Nem queira saber. Eu faço os biscoitos


de natal desde pequena, era comum na minha
família essa tradição. Minha irmã me manda pelos
correios vários cortadores, meus amigos compram
quando viajam ou quando encontram em lojas,
então eu tenho de tudo quanto é tipo.

— Sério? Me dá outro biscoito — Gab


pediu, e eu ofereci o pote para ele. — Tipo quais?

— Flores, animais, sapatos, casinhas, alguns


com temáticas geeks, coisas de costura...

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— Armas... — ele disse quando tirou um


biscoito igual ao meu, de pistola.

— Ah, isso foi meu tio maluco, o que Júlia


chama de tio Gun. Ele mandou fazer, cara. Se liga
na loucura do velho — expliquei e ri da cara que
Gabriel fez. — Ele vai gostar de você, Gab.
Principalmente de seu conhecimento em armas.

Peguei um biscoito e sorri ao ver o que


tinha forma de árvore de natal.

— Olha, que fofinha! Eu quase não uso


essa, meus amigos dizem que é óbvio demais. Aí eu
costumo usar a em forma de pênis e uso cobertura
verde. Uma piroquinha natalina.

Gabriel engasgou com um pedaço de seu

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biscoito, e eu comecei a rir antes de bater em suas


costas até ele respirar novamente.

— Obrigado. E obrigado por não ter feito


biscoitos com essa, eu não ia conseguir comer, só
rir até dia vinte e cinco.

Gargalhei de seu comentário e peguei um


biscoito para ele enquanto afundávamos em meu
sofá, sentindo a sala climatizada.

— Ai, que marmelada de novo! Olha, essa é


a Shakira, oficialmente minha primeira máquina.

— Como você sabe a diferença entre uma


máquina e outra, se esses biscoitos são iguais? —
Gabriel perguntou antes de pegar o doce da minha
mão.

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— Ué, a Shakira é uma máquina preta, e a


Shakira O'Neal, branca. Não viu a cor da cobertura,
Segurança idiota? — questionei e peguei o biscoito
mordido de sua mão, enfiando na boca. — Você
não é digno de comer a Shakira. Toma, escolhe
outro.

Gabriel pegou um biscoito em forma de


mãozinha e enfiou inteiro na boca.

— Credo, troglodita. Nem olhou o desenho


no biscoito. Espera, eu fiz vários desses, vou te
mostrar — olhei dentro do pote fosco e peguei
outra mãozinha. — Ó. Olha o indicador.

Entreguei o biscoito para Gab, que levou até


perto dos olhos e franziu as sobrancelhas.

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— Por que o dedo indicador tá preto...?


Ah... Ele está fraturado, é isso? Que mórbido, Lena
— ele zombou e sorriu para mim, me devolvendo o
biscoito. — Toma, não quero sua mão quebrada,
prefiro a Shakira Alguma-Coisa.

Rindo, peguei a mãozinha dele e comi,


entregando em seguida o pote. Ficamos ali,
comendo biscoitos de natal e rindo dos formatos,
quando Gab se lembrou de alguma coisa. Assim
que terminou de mastigar um biscoito em forma de
gravatinha, perguntou:

— Por sinal, o seu tio vai passar aqui?

— Meu tio? Qual, o tio Gun? Não, pelo


amor de Deus, meu tio é pirado demais, tem umas

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ideias ultraconservadoras assustadoras, não quero


ele na minha casa falando mal de Luciana por causa
do apelido dela, ou de Joe por causa dos dreads, de
Anastácia por não ter casado ainda, coisas assim.
Por quê? — perguntei, confusa.

— Você disse que ele vai gostar de mim,


achei que... — Gabriel se interrompeu quando se
deu conta de que eu, de novo, estava fazendo
planos para o nosso futuro. Nesse caso, planos de
apresentar meu tio a ele.

Eu não dava uma dentro, cara?

Cuidado com a burra.

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Presentes de natal
Voltei minha atenção para os biscoitos que
restaram dentro do pote e suspirei, sentindo o rosto
ficar vermelho ao perceber meu deslize, o segundo
envolvendo planos para dias que não existiriam.

— Tá foda isso, hein? Todo dia eu faço


algum comentário imbecil desses... Não, meu tio
não vem aqui. Na verdade, meu tio quase nunca
vem para o Rio, ele não gosta daqui. Segundo ele, o
Rio é um antro de corrupção, bandidagem, tráfico e
vagabundagem. É um amor, ele... Enfim, posso te
dar meu presente de natal? — perguntei e forcei um
sorriso, desviando um pouco o foco da minha
escorregadela.
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Gab me deu um sorriso meio de lado e


balançou a cabeça assentindo. Parecia achar curioso
meu deslize. Deixei o pote de biscoitos em seu colo
e fui buscar minha surpresa, o coração disparado no
peito. Adentrando o quarto, peguei a caixa de
sapatos decorada onde eu coloquei os quatro
presentes, comprados ao longo da turnê, e o último,
que pedi a Roberto que deixasse na portaria na
noite anterior.

Voltei para a sala e entreguei a caixa para


Gabriel, me sentindo mais animada ao ver seu
sorriso.

— Feliz Natal, Segurança! — dei um beijo


em sua boca, me afastando para que ele abrisse seu

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presente, e sentei em frente a ele, numa cadeira que


arrastei da mesa de jantar.

Gab sentou na ponta do estofado do sofá,


endireitando o corpo, abriu a caixa e tirou os fiapos
de papel, pegando cinco caixinhas de tamanhos
diferentes.

— Há uma ordem certa para abrir? — ele


perguntou, achando graça da quantidade de
presentes.

— Não. Mas a menor você pode abrir por


último, se quiser. Nela tá o presente mais
importante de todos, então creio que os outros vão
ser meio bobos se você abrir a menor primeiro.

Gab concordou com a cabeça mais uma vez

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e começou a abrir as caixinhas. Na primeira, havia


um chaveiro com uma versão chibi de um Homem
de Preto que eu achei idêntica a ele. Comprei em
Moscou, quando Gab estava distraído olhando
umas prateleiras cheias de bibelôs coloridos em
uma das lojas por onde passamos.

— Não é fofo? Olha, ele tem as


sobrancelhas grossonas iguais às suas. Eu pintei
com caneta permanente — expliquei quando
Gabriel ergueu o chaveiro e me olhou com uma
expressão irônica no rosto. — Vai, abre o resto.

A segunda caixinha tinha uma luva de copo


de café, dessas usadas para que a pessoa não
queime a mão. Tricotei escondida de Gabriel nos

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últimos três dias, em especial quando pedia a Gab


para ir comprar qualquer coisa no mercado e
enquanto ia ao banheiro. Claro que eu não comentei
isso com ele, era informação inútil. Mesmo minha
irmã sempre dizendo que “mesmo as mulheres mais
maravilhosas cagam”, não precisava sair dizendo
isso para ele, certo?

A terceira caixa, um pouco maior, tinha


uma caneca branca que eu pedira a Sophia para
encomendar. Nela, estava estampada a frase
“Sangue de groupies virgens” com uma fonte limpa
e clássica. Na parte de dentro da caneca, havia uma
ilustração vetorial, bem pequena, de uma arma. De
longe, ninguém ia notar a frase macabra da caneca,
muito menos o desenho da Glock na parte interior.
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Gabriel me deu sua risada frouxa, de olhos


fechados, quando viu o que estava escrito, e isso
encheu meu peito de alegria.

Em seguida, Gab pegou a quarta caixa e, ao


contrário do que fez com as três primeiras, ele a
balançou, fazendo um barulho escandaloso de
metal, e me olhou com culpa nos olhos.

— Opa. Era de quebrar?

— Não, seu troglodita, não era. Que bom


que você não sacudiu a da caneca...

Franzindo o nariz em uma expressão


divertida de culpa, ele abriu a embalagem, vendo
vários itens de metal.

— O que é isso?

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— São cortadores de biscoito, Segurança.


Botei no fundo da caixa a receita do biscoito de
natal, para você fazer quando voltar para Londres.
Olha, eu coloquei um cortador de mãozinha, um de
gravatinha, um de livrinho e um de máquina de
costura.

Peguei o cortador em forma de livro e o em


forma de máquina e mostrei para ele.

— Achei que o de livro combinaria com


você, já que você gosta de ler. O de gravata
também. Acho que o de arma seria o que mais
combina, mas eu só tenho um, e meu tio vai me
deserdar se eu te der. Esse cortador de máquina eu
tenho três iguais, então não vou sentir falta de um

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só. Não tem nada a ver com você, mas tem a ver
comigo, então... — eu expliquei, mas minha voz foi
morrendo ao ver a expressão de Gabriel, que foi
ficando séria aos poucos. — Eu não tô dando uma
dentro hoje, né?

Ele arriscou um sorriso e me agradeceu,


mas seu olhar não acompanhou o movimento de
seus lábios. Por um momento, pensei em não o
deixar abrir a última caixa, mas não tive coragem.
Temi que ele ficasse mais chateado com aquilo do
que feliz.

Gabriel colocou seus presentes de volta na


caixa, ficando só com a última caixinha, a menor de
todas, e me estendeu a mão. Eu me levantei da

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cadeira e sentei ao seu lado, sorrindo ao sentir seus


lábios no meu pescoço por um momento.

— Posso abrir o último?

Hesitei antes de responder e dobrei as


pernas, apoiando meus pés no sofá.

— Pode. Quero dizer... Não sei... Estou


meio lerda ultimamente, só dando bola fora com
esse lance de a gente se... Bom... de eu ficar aqui e
você... Você sabe — disse quase com a voz
morrendo na garganta.

Gabriel me puxou para perto e beijou meus


lábios antes de responder:

— Eu sei, Lena, é difícil para mim também.


Posso abrir? — perguntou com uma expressão mais

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tranquila no rosto, e eu balancei a cabeça


assentindo e me ajeitando no sofá.

Gab tirou o lacinho que eu amarrei na


caixinha e a abriu, me olhando em seguida com o
rosto totalmente rígido enquanto tentava
compreender o que aquilo significava.

Droga.

Errei de novo.

— O que é isso, Lena?

Senti meu rosto arder de vergonha e fiz


menção de pegar a caixa de volta, mas ele tirou do
meu alcance, jogou seu conteúdo na mão e mirou o
pequeno pedaço de metal que reluzia.

— O que parece, Segurança? É uma chave

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— falei, morta de vergonha, e cruzei os braços na


defensiva.

— De onde?

— Da casa da vizinha peituda, aquela que


não tira os olhos de você. Achei que seria legal
organizar um encontro entre vocês dois. É uma
chave daqui, ué! De onde mais? — respondi
enquanto desviava o olhar para meus pés apoiados
no sofá.

— Do seu apartamento? — Gab perguntou,


incrédulo.

— É, Gabriel, desse apartamento minúsculo


que estamos hospedados há vários dias. Olha, não
quer? Me devolve então. Eu peguei a cópia de

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Roberto, e ele ficou puto da vida comigo, me fez


jurar que eu faria outra quando voltasse. Me dá, que
ao menos eu economizo o dinheiro da cópia.

Gabriel observou a chave em sua mão por


um longo momento constrangedor e me olhou de
volta.

— Por que eu ganhei uma chave do seu


apartamento? — questionou com as sobrancelhas
franzidas.

— Porque todos os meus amigos têm uma


cópia. Seria estúpido não te dar uma, levando em
conta quem você é pra mim. Achei que poderia ser
útil se você um dia viesse para o Rio e eu não
estivesse em casa. Economizaria no hotel, acho...

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— tentei soar firme, mas minha voz foi falhando


aos poucos. Não era beeeem esse o motivo
principal, mas eu fiquei sem jeito de dizer o que
pensava.

A reação de Gabriel foi pior do que eu


imaginava, me deixando totalmente desconfortável.
Pensei que, como já havíamos declarado que
estávamos juntos, ele aceitaria a chave e ficaria
feliz, quem sabe isso não seria um bom motivo para
ele me visitar, ou... não sei, não faço ideia do que
eu pensei quando decidi dar aquele presente
estúpido.

Fiquei mirando com o canto do olho Gabriel


olhar para a chave de novo e se levantar em

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seguida, indo até o quarto sem dizer nada.

— Se for passar na cozinha, traz uma faca


para eu cortar essa torta de climão e servir de natal
para a vizinha peituda, ela vai adorar... — eu
resmunguei baixinho enquanto abraçava meus
joelhos, totalmente constrangida. — É por isso que
eu não entro em relacionamentos longos, é um
mico atrás do outro.

Gabriel voltou menos de um minuto depois,


trazendo uma caixa grande e quadradona. Arregalei
os olhos ao vê-la e não contive a pergunta:

— É para mim?

— Não, é para vizinha peituda — Gab


respondeu e sorriu, fingindo ir em direção à porta.

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Fiz uma careta e estalei os lábios. Ele


caminhou em minha direção, rindo dos meus
braços estendidos.

— Feliz natal, Costureira.

Peguei a caixa, toda contente, e cruzei as


pernas no sofá, afastando da cabeça a pseudo-DR
que provavelmente teríamos após eu abrir meu
presente.

Rasguei o papel e abri a caixa. Havia um


saquinho de veludo, uma caixinha do mesmo
material, uma caixa de papelão de tamanho médio,
também embrulhada em papel de presente e que
ocupava quase todo o espaço da caixa maior, e um
porta-retratos com a face virada para baixo.

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— Cinco itens! Olha, você se lembra do que


eu te disse sobre dar vários presentes, que fofo!
Tem ordem para abrir? — perguntei para Gab, que
sentou ao meu lado e balançou a cabeça negando.

Peguei o saquinho de veludo e abri o nó da


cordinha, virando seu conteúdo na mão. Caiu um
collar brooche maravilhoso, prateado, com uma asa
em cada ponta e vários brilhos delicados nas
pontas.

— Gabriel, que lindo!

Brindando minha visão com um sorriso


satisfeito e perfeito, ele me explicou:

— Comprei em Milão. Achei que você


poderia gostar, é elegante e tem asas... Tive medo

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de ser muito óbvio, por causa... Bom... Wings... —


ele explicou e deu de ombros, sorrindo. — Olha o
porta-retratos.

Botei a mão no objeto e brinquei:

— Uai, você disse que não tinha ordem


certa para... Gabriel...! — exclamei, surpresa
quando vi o que o porta-retratos de madeira preta
protegia.

Mirei Gabriel, depois, o presente, e busquei


palavras para descrever minha emoção. Era uma
aquarela belíssima que mostrava uma mulher
deitada em uma cama, dormindo, serena. Seus
cabelos imensos e anelados estavam espalhados por
todo o travesseiro e cobriam uma parte do seu

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rosto. Seu corpo estava de lado, então, apesar de


nua, não havia nada de indecente aparecendo. Seus
seios estavam cobertos por seus braços relaxados e
suas pernas, flexionadas.

Olhei de perto e reconheci minha tatuagem


na costela. Fiquei impressionada com a qualidade
do desenho, mas também fiquei confusa. Eu não
costumava dormir nua, nunca gostei, sempre me
senti exposta demais. Não me lembrava de uma vez
em que eu tivesse dormido a noite inteira com Gab
totalmente despida. Além disso, meu cabelo estava
longo e natural no desenho, mas a tatuagem já
estava na minha costela, o que não fazia sentido, já
que Pierre cortou e alisou meu cabelo muito antes
de Londres.
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Gabriel sorriu quando eu olhei para ele


meio perdida e me explicou:

— Eu tirei uma foto sua dormindo depois


da festa na Noruega. Lembra que a gente bebeu
aquela vodca toda e caiu no sono depois de transar?
Eu acordei no dia seguinte e te vi na cama,
totalmente nua e tão linda, que não resisti. Quando
voltamos para mansão, eu levei a foto para um
artista amigo meu e pedi que ele reproduzisse,
mudasse algumas coisas e acrescentasse a
tatuagem. Ele fez duas versões, uma delas mais
comportada, caso você queira pendurar em algum
lugar. Levei outras fotos também, então...

Olhei de volta para a aquarela e vi que tinha

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outro desenho na caixa, dentro de uma pequena


pasta transparente. Era tão linda quanto, mas bem
diferente: um close meu, de olhos fechados,
provavelmente uma reprodução de um dia que
estava ventando na mansão e Gab tirou uma foto
enquanto eu sentia o vento no rosto.

Ainda que eu saiba trabalhar com aquarela,


me ver retratada com tanto sentimento por outro
artista mexeu comigo. Era muito, muito lindo,
sempre amei de paixão aquarelas.

— Gab, eu tento ganhar uma dessas da


Sophia há anos, a cachorra pinta exatamente assim,
com esse talento todo, mas nunca fez nada
relacionado a mim... Essas aquarelas são todas

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minhas, essas penduradas, sabe? Ficou incrível,


Gab, obrigada. Eu amei — agradeci com
sinceridade e emoção.

Abri a terceira caixa, a maior de todas e


soltei um gemido de prazer ao ver uma action
figure da Lara Croft clássica, de 1996. Era um
modelo que, segundo Roberto me contara alguns
anos atrás, estava praticamente esgotado desde o
seu lançamento. Era uma peça muito, muito rara.

— Onde...?

— Londres. Encontrei em um antiquário


próximo ao hotel, quando você me mandou
comprar café, naquela segunda-feira, lembra? Eu
consegui um preço legal porque estava fora da

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caixa oficial. Aliás, foi uma sorte, eu passei na


frente do antiquário quando o dono estava
colocando a Lara na vitrine.

Balancei a cabeça, impressionada, e olhei


para a Lara, maravilhosa com suas duas pistolas. E
era a clássica, da primeira trilogia, não a palhaça da
segunda ou a criança da última! Tentei dizer algo,
mas não consegui. Era linda demais.

Contei e vi que já tinha desembrulhado


quatro presentes. Só faltava um.

— Abre a caixinha.

Só quando Gab disse aquilo que eu me dei


conta de que o último embrulho era uma caixa de
veludo, dessas de colocar joias, como... anéis.

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— Gab, diz para mim que tem um colar


aqui... — eu pedi, séria e um pouco assustada
enquanto encarava o pequeno cubo de veludo.

— Abre.

Com as mãos um pouco trêmulas, peguei a


caixinha e abri. Olhei para ele e para o seu
conteúdo. Tirei da caixa uma medalha prateada e
ergui as sobrancelhas ao ver que era uma... uma
coleira? Na medalha prateada, havia um número de
série e um nome que não notei qual era de primeira.

— O que é isso...? — perguntei enquanto


analisava a coleira em minhas mãos.

— Não é uma chave do meu apartamento,


eu realmente não pensei nisso... Mas achei que esse

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poderia ser um bom presente. É uma coleira de


gato. Para ver se te anima a adotar um bichano.
Você sempre disse que queria um, mas que não
tinha coragem... — ele disse com um pequeno
sorriso brincando em seus lábios.

Olhei para a coleira de veludo preto e passei


minha mão em sua superfície, sentindo a maciez da
peça. Foi aí que prestei atenção no nome gravado
na medalhinha. Melange?

— Por que Melange?

— Você disse que Melange devia ser um


elogio, lembra? Na Suíça, quando tomou o café
melánge? Depois, na mansão, disse que queria um
gato com um nome diferente, mágico. Achei que

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combinava. Só mandei fazer sem o acento, achei


desnecessário.

Ergui as sobrancelhas ao entender sua


explicação e voltei minha atenção para a coleira,
vendo os detalhes muito coloridos estampados no
objeto.

— Taí, gostei. Melange. Um gato gordo e


com cor de café com leite! Vem cá, vai ser guarda
compartilhada? — brinquei sem tirar os olhos da
medalha, mas me arrependi em seguida. — Cara, o
que tá acontecendo comigo nesse fim de ano?
Estou mais sem filtro do que o normal? É uma
besteira atrás da outra!

Sem olhar para Gabriel, guardei a coleira de

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volta na caixinha e botei dentro da caixa maior,


para em seguida ir até a mesa e deixar lá meus
presentes. Voltei para perto de Gabriel e dei um
sorriso triste, tudo aquilo era maravilhoso e
complicado ao mesmo tempo.

— Adorei tudo, Gab, obrigada. Agora vai lá


no quarto e pega uma fita adesiva, para eu tapar
essa minha boca imensa antes que fale mais
besteiras e deixe a gente mais desconfortável
ainda? Acho que seria uma excelente ideia para
esse natal.

Gabriel me devolveu o sorriso e sentou ao


meu lado, me puxando para perto enquanto se
deitava no sofá

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— Ué, a punição é para você ou para mim?


Não, deixa a boca livre, tenho vários usos
diferentes para ela — pediu, me fazendo rir alto.

— Segurança idiota! Acho que vou pegar


fita adesiva e tapar a sua boca grande também! —
brinquei e tapei a boca de Gabriel de brincadeira.

Retirei a mão em seguida, olhei seus lábios


macios e me inclinei para beijá-los, enquanto
Gabriel me abraçava e me fazia deitar em seu
corpo. Quando sua língua encontrou a minha, achei
melhor deixar, de novo, os pensamentos sobre
nossa eminente separação para outro momento. Era
algo complicado de se fazer mais uma vez, já que
eu costumava só pensar em problemas quando eles

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explodiam na minha cara, mas...

O alívio ao ver que Gabriel não ficou


incomodado com a chave e a felicidade de ver que
ele teve trabalho em escolher — e esconder de
mim! — vários presentes ao longo dos meses eram
maiores do que a preocupação.

— Sabe o que a gente podia fazer?

— Sexo? — ele perguntou subitamente, já


erguendo minha roupa.

— Não, eu...

— Sexo escandaloso?

— Não, Gab, estava pensando em...

— Sexo incomum, do tipo que nunca


fazemos.

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— Não, eu... Ué, qual é o incomum?

— Não sei, tem algo que a gente não tenha


tentado ainda?

Ponderei por um momento e balancei a


cabeça negando. Gabriel se levantou e me deitou no
sofá, para conseguir tirar minha roupa de modo
mais fácil. Enquanto isso, ia beijando meu corpo
daquele jeito que só ele fazia.

— Só nós dois, sem nada que machuque,


não que me lembre... — eu sussurrei quando ele foi
subindo até chegar nos meus seios. — Mas não era
isso, eu estava pensando em...

— Sexo a três. Você realmente gostou da


vizinha peituda, hein?

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Ah, nojento filho da mãe!

— Vou fingir que não ouvi isso,


Segurança... Estava pensando em Sexo de Natal!
Dizem que é quase tão bom quanto o Sexo de
Reconciliação! — eu expliquei e senti a risada dele
no meu pescoço. — Só não é tão bom quanto o...

— Sexo de Ano-Novo, já sei. Como você


sabe que é bom, se nunca fez? — ele disse
enquanto tirava minha camisa e meu short.

— Hm... Palpite? Poderemos comprovar,


não?

Ele parou de me despir, me olhou por um


segundo e um sorriso sacana surgiu em seu rosto.

— Depende, a vizinha peituda vai passar

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aqui no Ano-novo? Como você não é ciumenta...

Minha boca se abriu em choque, e eu já me


preparei para xingar até a quinta geração de
Gabriel, mas ele me calou com um beijo enquanto
se deitava sobre mim.

Quando fizemos amor no meu sofá, eu


percebi, ainda que assustada, que eu nunca mais
conseguiria trazer outra pessoa para o meu
apartamento como trouxe Gab. Ele entrou ali de
modo tão natural, se adaptando rapidamente ao
tamanho minúsculo da casa, não reclamando de
nada, se sentindo à vontade em cada pedacinho,
mesmo no ateliê, onde ele vivia batendo a cabeça
no pequeno lustre baixo, que vez ou outra eu me

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perguntava se ele não viera para ficar.

Não, nenhuma outra pessoa, salvo meus


amigos, conseguiria entrar no meu apartamento
daquele jeito, tão certo, tão encaixado, tão...
natural.

Nem no meu coração.

Disso, eu tenho certeza.

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Na casa de Roberto
— Maninha, tá pronta...? Meu senhor
celestial, o que é isso na sua coxa? — Júlia
exclamou quando entrou no meu quarto sem bater.

— Ei, se você bater os nós dos dedos na


porta, faz um barulho mágico que avisa a pessoa
que está dentro do ambiente, sabe? “Toc, toc, toc”?
— eu reclamei e corri para fechar o sutiã.

— É, porque eu nunca vi seu corpo, né?


Tudo aí é novo para mim! Quero dizer, isso aqui
com certeza! — Júlia disse apontando para a
tatuagem na coxa, a de raposa. — Quando isso
aconteceu?

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Gabriel entrou no quarto para ver o que


estava acontecendo, já que minha irmã deixou a
porta escancarada enquanto dava ataque de pelanca.

— Sei lá, final do mês passado? —


perguntei a Gab, e ele balançou a cabeça
concordando, já mais tranquilo ao ver que nada de
grave estava rolando ali.

Júlia cruzou os braços e me olhou,


desconfiada.

— Sei... A nossa promessa de não fazer


tatuagens para macho foi pelo ralo, não?

— Ai, de novo esse papo? Eu não fiz tatua...


— me interrompi quando Júlia virou de costas e
afastou a gola para me mostrar uma belíssima rosa

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aquarelada abaixo da nuca.

Fiquei tão impressionada, que deixei minha


roupa cair no chão.

— Grande Irmã, que linda! Espera... Tem a


ver...?

— O Tom tem uma igual no peito — ela


disse tentando soar blasé, mas eu conhecia minha
irmã suficientemente para ver que ela estava com
vergonha.

Botei a mão no rosto e exclamei:

— Minha menininha cresceu e arrumou um


príncipe encantadinho para sempre! Que gracinha!

Júlia fez uma careta de desdém e saiu do


quarto avisando que ia nos esperar na portaria.

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Olhei para Gab e apertei minhas próprias


bochechas, fazendo uma expressão fofinha.

— Que amor ver Júlia com vergonha! É


algo tão raro! Me ajuda aqui? — pedi quando
peguei minha blusa no chão e a vesti, dando o zíper
para Gab fechar.

— É? Você é mais envergonhada que ela...


Salvo quando tem sexo no meio, aí a vergonha
some — ele disse com humor na voz, e eu fiz uma
careta enquanto terminava de me arrumar para a
festa de ano-novo.

Chegamos na portaria do apartamento


Roberto, no Bairro Peixoto, localizado no centro de
Copacabana, quase dez horas da noite. Demos

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bobeira de achar que não teria trânsito quando


combinamos com Lula e Johnny, seu boy magia, o
horário para eles nos buscarem de carona,
esquecendo que a virada de ano em Copacabana era
só o principal evento da cidade naquela época.

Quando entramos no apê, todos já estavam


lá: Joe, Paula — muito grávida, por sina —,
Anastácia, Felipe, Sophia e sua esposa, Pâmela e, é
claro, Roberto e Ana, sua irmã gêmea. Os antigos
membros da Trophy Husband estavam com suas
respectivas famílias. Maria, filha de Joseph, estava
numa confortável casa de campo com os pais de
Paula.

— Piranhudaaa! — Sophia gritou e veio

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correndo me abraçar e me beijar. — Olha, sem


língua dessa vez! Oi, Lábios de Nuvens! — disse
enquanto enrolava o dedo na barra da blusa, com
cara de quem faria arte em segundos.

Dito e feito: Sophia me soltou e,


literalmente, pulou em Gabriel, plantando um beijo
imenso em seus lábios. Revirei os olhos e me virei
para Pâmela, perguntando:

— Você jura que lida bem com isso?

Pam riu e veio me abraçar.

— Isso é Sophia demais para eu querer


mudar. E eu também não posso reclamar, sempre
gostei dos beijos que ganhava antes de começarmos
a namorar.

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Assim que a soltei, dei uma risada alta de


sua confissão.

— Olha, eu gostei de você!

— Depois de quatro anos de convivência,


só agora que eu te conquistei? — perguntou, rindo
de mim.

— Eu não sou tão fácil assim, minha linda


— brinquei e fui abraçar os outros presentes.

Gab me acompanhou e foi cumprimentando


as pessoas à medida que elas foram me soltando
dos abraços. Ana estava exultante ao me ver, linda
como sempre, com seus olhos cor de chocolate,
idênticos aos do irmão, sua boca rosada e sempre
curvada em um sorriso e suas mil tatuagens

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coloridas pelo corpo.

Eu não a encontrava desde antes da viagem,


então nosso abraço foi apertado e cheio de saudade!
Tapei os ouvidos quando ela deu um gritinho ao ver
minha tatuagem na coxa, parcialmente coberta pela
barra da saia.

— Finalmente você se pintou! Deixa eu ver!


Que linda! Tem mais?

— Tem, na costela... — eu comecei a dizer,


mas fui interrompida por Ana levantando minha
saia e minha blusa ao mesmo tempo, procurando as
artes. — Ana!

— Ah, ninguém nunca viu suas coxas aqui!

— Mesmo que todos já tenham visto,

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encostado ou mesmo chupado minhas coxas, isso


não significa que eu queira mostrar sempre,
querida.

Ouvi risadas de todos e revirei os olhos


quando Ana fez beicinho. Então levantei
ligeiramente a blusa e mostrei a tatuagem de
cafeína para ela, que deu saltinhos animados e
bateu palmas.

— Adoro! Melhor tatuagem do mundo!


Vou tirar uma foto bem profissional e pendurar na
parede da minha cafeteria! É essa a tatuagem que
você fez para o Macho? Ele fez também? Oi,
Macho! — ela disse e correu para abraçar Gabriel,
que retribuiu o cumprimento, com um pequeno

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sorriso no rosto. — É você quem é viciado em café


também? Ótimo, Lena, leva ele semana que vem lá
no café, estou com um micro lote de uma fazenda
do Alto Mogiana! Ah, por sinal, Macho, é você
quem chupa bem?

Gabriel me olhou com as sobrancelhas


franzidas, como se me questionasse por que eu
tinha a língua tão solta, e eu levei a mão à testa.

— Vem cá, qual é o problema de vocês,


seus velhos fofoqueiros? Tem mais alguma coisa
que eu tenha confidenciado a algum de vocês que
tenha circulado entre os outros? — reclamei
tentando manter a postura séria frente às risadas
que pipocavam no ambiente.

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— Que você adora chupar o Gabriel? —


Anastácia disse antes de beber um gole de
espumante.

— Que uma das melhores fodas da sua vida


foi em Londres, com um monte de cupcake ao
redor de vocês? — Felipe comentou.

— Que você gozou que nem uma máquina


no bar na Itália? — Lula disse quando sentou no
sofá ao lado do marido.

Arregalei tanto os olhos, que temi que eles


pulassem das minhas órbitas. Abri a boca para
protestar, mas Joe continuou a tortura:

— Que o Gabriel tem uma mão pesada que


te leva ao céu e te puxa de volta depois pelo

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cabelo?

— Que quando o Gabriel te chama de


Costureira de manhã, com a voz rouca de sono, sua
nuca se arrepia toda?

— Ei...! — eu tentei interromper, mas


minha ex resolveu dar o golpe final:

— Ah, estamos esquecendo do principal,


gente! — Sophia disse com um enorme sorriso de
quem se refastelava com a cena. — Que qualquer
idiota vê que você e o Gabriel estão totalmente
apai...

Eu me levantei de um salto e ergui a mão,


pedindo silêncio.

— Poxa vida, gente, é sério que vocês vão

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ficar fazendo isso? Que coisa desagradável! Que


vocês são pessoas inconvenientes e sem noção, eu
sempre soube, mas acho que agora ultrapassamos
todos limites, não?

Um silêncio recheado de constrangimento


se instalou na sala. A única pessoa que não ficou
sem graça foi Gabriel, que abaixou a cabeça e
segurou a risada. Muito me impressionava que
meus amigos não tenham notado que eu estava
brincando, mas tudo bem, ao menos Gab notou.

— Eu nunca falaria coisas sobre a vida


sexual de vocês, por mais divertida que seja! Por
exemplo, eu nunca falaria nada sobre a Anastácia,
que...

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Todos na sala — salvo Gab — arregalaram


os olhos quando perceberam o que eu estava
prestes a fazer: contar detalhes que ninguém
precisava saber, né?

Parei no meio da sala e fui olhando cada um


dos meus amigos. Fingi ponderar por um segundo e
logo comecei:

— O que a gente pode jogar na roda sobre


Anastácia, essa bela e bem-sucedida advogada
ruiva? Que tal se eu citar que você é
completamente viciada em fazer coisinhas lá atrás,
a ponto de ficar mal-humorada se transar e não
rolar um sexozinho na porta dos fundos?

Anastácia, ruiva natural, branca feito uma

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vela, corou até a raiz do cabelo e me olhou com


cara de quem um dia se vingaria de algum modo
cruel.

— E sobre o Felipe, esse ex-metaleiro, que


disse sentir vontade de chorar quando Anastácia
não corta as unhas e arranca uns bifes das costas
dele na hora de transar? Segundo ele, “parece que
Anya é uma bruxa de contos de fadas, com aquelas
unhas pontudas” e que “dá para assaltar um banco
ameaçando o caixa só com as garras de Anastácia”.

Felipe ergueu o dedão para mim,


agradecendo ironicamente minha vingança.

— Valeu, Lena, você é um amor — disse


rindo enquanto Anya ria e mostrava as unhas como

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se fosse uma fera. Eu tinha pegado leve com o


metaleiro, já que o segredinho de Anya era mais
constrangedor.

Ao menos para Anya.

— Ah, mas eu nem comecei! Vamos falar


do Joseph, que não transou com a Paula durante a
gravidez das duas meninas, porque tem medo de
machucar o bebê! Manja muito de anatomia
feminina, Joseph! Continue desse jeito!

Paula riu tão alto, que Joe acabou cobrindo


o rosto com as mãos, envergonhado.

— Quem falta? Aaaah, claro, Roberto!


Roberto, meu amor, eu tenho tanta coisa para falar
de você...

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— Lena... — ele alertou com os olhos


arregalados, me fazendo rir de seu terror.

Sentei ao lado dele e passei o braço ao redor


de seus ombros.

— Homão da porra, né, não? Bonito,


inteligente, gostosão! Vem cá, gente, não é segredo
para ninguém que eu perdi minha preciosa
virgindade com Beto, é? Que nós namoramos por...
por quanto tempo, Beto?

— Um ano e alguns meses... — ele disse


entredentes, provavelmente lembrando que eu tinha
arsenal para uma guerra nuclear linguística.

— Isso! Amor juvenil, tão lindo! E também


não é segredo para ninguém que nós, depois de

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fazermos as pazes após o término, tivemos uma


amizade colorida por looongos e longos anos, não
é, Beto?

— É, Lena... — ele disse, parecendo


mortificado.

— Pois é, do mesmo modo que eu perdi


minha virgindade com ele, ele também perdeu a
dele comigo, olha que fofo! Quer que eu diga
quantos minutos durou nossa primeira vez, Beto?

— Ah, Lena, mas aí é compreensível, vocês


tinham uns quinze anos, não era? — Joe tentou
defender o amigo, mas eu não deixei barato:

— Então vamos falar da última vez que


transamos? Uns dois anos atrás? Naquela vez

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mágica que ficou conhecida como “A Guerra dos


Cem Segundos”?

Paula não se segurou e tombou a cabeça


para trás, de tanto rir. Sophia a acompanhou,
chamando minha atenção, e eu aproveitei a deixa e
voltei minha atenção para ela.

— Sophia! Minha amada sócia e ex-


namorada, a única mulher da minha vida, vamos
falar de você agora? De como você tem tara em
apertar os mamilos delicados das mulheres como se
estivesse rosqueando parafusos? Estou errada? —
perguntei a Pâmela, que tentou segurar a risada,
mas não conseguiu. — Quem falta agora? Lula!
Luciana, minha querida, maravilhosa, gata,

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inteligente, competente! Nunca vi uma pessoa tão


incrível quanto você, minha rainha! E também
nunca vi alguém mais apaixonado em sexo
artesanal do que você... Como é que se chama sexo
manual popularmente? Siriric...?

— Ok, ok! Entendemos já! Você é muito


cruel, Lena, sua biscate! — Lula gritou, me fazendo
rir.

— Bom, acho que já deu para entender, né?


Minha vida sexual de um lado, a de vocês de outro,
e ficamos bem assim com nossas intimidades.
Vamos beber?

Dei um sorriso falsamente inocente e me


sentei no sofá ao lado de Johnny, chamando Gab,

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que estava calado com o meio sorriso de sempre no


rosto, para sentar comigo no imenso sofá do
enorme apartamento de Beto.

Todo mundo me olhou com aquela cara de


derrota misturada com diversão, mas, felizmente,
logo o assunto morreu. Lula começou a contar
sobre um caso engraçado de uma funcionária da
Wings que foi pega agarrando outra funcionária nas
cabines de prova, e eu ri tanto com sua
interpretação do ocorrido, que Roberto me trouxe
duas taças de espumante, abastecendo de álcool
todo aquele entusiasmo.

— Toma, se já tá alegrinha assim antes de


beber, quero mais é te ver totalmente alcoolizada,

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lindinha.

Fiz careta para ele, mas aceitei as taças e dei


uma para Gabriel. Se ia aguentar Beto me
chamando por esse apelido ridículo, que ao menos
eu realmente estivesse mais pra lá do que pra cá.

***

Horas depois, quando todos já estavam


alimentados e o grupo que ia para a praia começou
a se arrumar, eu perguntei para Gab se ele queria ir
ver os fogos na orla. Sophia se meteu, respondendo
por ele:

— Claro que ele não vai querer. Um milhão

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de pessoas metendo a mão no teu rabo, acha que ele


vai conseguir relaxar? Tô errada, bonitão de lábios
macios? — perguntou para Gabriel, que negou com
a cabeça e explicou:

— Ia me sentir mais confortável num local


seguro. Por quê? Você quer ir, Lena?

Balancei a cabeça negando e expliquei:

— É que você é turista, achei que poderia


querer. Mas, olha, dá para ver pela televisão. Além
disso, Joe, Paula, Ana, Roberto, Lula e Jonathan e a
Grande Irmã vão. Só vão ficar aqui eu, você, So-so
e Pam, então vai ser ótimo.

— Ué, ótimo? — minha irmã perguntou


quando se aproximou da gente. — O restante de

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nós não é digno de seu desejo de companhia,


maninha?

Estalei os lábios e me levantei do sofá para


abraçar minha irmã.

— Nem um pouco, Grande Irmã. Quero


mais é que vocês abracem um dos fogos e vão
morar na lua — respondi e sorri quando minha irmã
gargalhou. — É que vai sobrar mais comida e mais
quartos pra gente.

Júlia revirou os olhos e tentou dizer algo,


mas a voz grave de Roberto a interrompeu:

— Ei, como assim mais quartos? Ai, meu


pai... Já vi que vou ter que forrar o colchão antes de
sair... Por favor, não transem na frente dos meus

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cachorros, eles já vão ficar com medo dos fogos...


— Roberto reclamou da cozinha americana,
parecendo meio desolado pela perspectiva de rolar
sexo sem ele estar por perto ou... bom, no meio.

Rimos de sua preocupação e nos


despedimos de todos. Beto relembrou de soltar os
cachorros, que estavam na área, em suas casinhas,
quando os fogos começassem, para que eles não se
sentissem sozinhos, deu algumas instruções
entediantes que todos nós — bem, menos Gab,
claro — já conhecíamos sobre seu lar e em seguida
todos os animadinhos saíram rumo ao caos da praia
de Copacabana.

Peguei os controles remotos da casa em

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cima da mesa da sala de jantar e voltei a me sentar


ao lado de Gabriel, e Sophia e Pâmela se
acomodaram no sofá em frente. Liguei a televisão,
coloquei no mudo e liguei a rádio, deixando o som
baixinho numa música ambiente.

— Psiu! Ei, Lena! — Sophia chamou, e eu


voltei minha atenção para a nanica sorrindo. —
Quer ouvir uma fofoca?

— Não — eu respondi e ri quando ela fez


beicinho. — Vai, conta, sua boba.

— A Wings vai ganhar uma herdeira,


finalmente — ela disse e me deu um olhar
luminoso enquanto batia palmas.

Franzi as sobrancelhas, confusa, e olhei

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para Gabriel, que ria de lábios fechados para


Sophia. Ele parecia ter entendido tudo, mas eu
estava boiando, boiando.

— Uma herdeira...? Como...? Ah! Não! É


sério? Não! Jura? — perguntei e me levantei com
as mãos tapando a boca. — Pâmela?

Pam balançou a cabeça com um sorriso


escancarado na boca e deu de ombros:

— Não dá pra ver o voluminho porque tem


bastante carne ao redor, né? Mas tem um baby aqui,
logo abaixo dessas banhas, ó — ela brincou e
apertou um pneuzinho, o que fez Sophia rir.

Pâmela era o que minha sócia chama de


gordelícia, o que, na minha humilde opinião, é um

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apelido bem meia-boca. Não que eu tenha muita


moral para julgar os apelidos alheios...

Surpresa, entusiasmada e completamente


chocada, tirei as mãos da frente da boca e as agitei
no ar. Quando Sophia e eu namoramos, eu optei por
fazer a cirurgia para não ter filhos, mas fiz sem
consultá-la, e isso partiu seu coração, já que ela não
poderia gerar uma criança por ser uma mulher
trans. Por isso, a notícia de que sua namorada
estava grávida era sensacional e enchia meu
coração de felicidade e alívio.

— Ai, cara, que coisa mais linda! É sério,


Sophia? — emocionada, corri para abraçar as duas.
— Meu Deus, eu vou costurar tanta roupa linda

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para ela... É menina mesmo? Já dá para saber?

— Já, é menina sim! Maria Flor — Pâmela


explicou quando eu a soltei.

— Mais uma Maria! Eu, Maria de Joe e


Paula e agora uma Maria Flor! Aiiii, que lindo,
gente! Mais alguém sabe?

— Só você. E seu homem também —


Sophia disse e foi receber o abraço de Gabriel, que
se levantou do sofá sem eu perceber.

— Meu...? Enfim, parabéns!

Depois que todos se abraçaram, voltamos a


sentar cada casal em um sofá, e eu retomei a
palavra:

— Poxa, então vocês não vão transar

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durante a virada, né? Sophia tem cara de ser cagona


igual ao Joe, desses que acham que não pode fazer
um love enquanto grávida.

Precisei segurar uma risada ao ver minha


amiga revirando os olhos.

— Você ainda quer fazer isso, Lena? Fazer


um love na virada do ano? Você tem umas taras
muito estranhas, na boa... Ainda quer transar em
um avião?

— Quer! Quer muito! — Gabriel respondeu


por mim, e Sophia e Pâmela riram da minha cara.

— E você não deu o que ela queria,


Gabriel? — Pâmela perguntou docemente.

— Você já andou de avião com a Lena,

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Pâmela? — ele rebateu a pergunta com uma


expressão divertida no rosto.

— Não...

— Eu já — Sophia respondeu, parecendo


um pouco entediada com as lembranças. — Ela
enche a cara de remédio, fica chapada ou passa a
viagem toda chorando, tremendo ou xingando
alguém, por causa do enjoo. Ou vomitando no
banheiro. Nunca consegui fazer a Lena relaxar em
nenhuma viagem. Ela prefere ir para Brasília de
carro, se puder.

Gabriel me olhou, parecendo surpreso com


o discurso de Sophia, e eu franzi os lábios,
envergonhada.

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So-so fofoqueira!

— Ah, é mesmo? Ninguém te acalma em


aviões, é?

— Vai, vai se achando mesmo, Segurança.

— Eu não disse nada — ele respondeu, mas


o canto do lábio levemente suspenso dava o tom
meio irônico e satisfeito que dançava em seus
lábios.

Ignorei seu olhar e puxei assunto com as


meninas, o que nos levou a engatar em uma
conversa animada sobre um monte de assuntos
distintos, em especial sobre o plano das duas
futuras mamães! Na minha cabeça, vários planos de
iniciar uma pequena linha infantil para a Wings

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pipocavam. Gabriel precisava apertar minha perna


vez ou outra, quando notava que eu estava viajando
para o mundo mágico dos laços, botões, fitas,
ilhoses...

Faltando uns dez minutos para a virada, a


campainha do apartamento de Beto tocou. Júlia,
Lula e Johnny entraram no apartamento com a
maior cara de tédio e explicaram que a praia estava
tão lotada, que eles não aguentaram a confusão e
voltaram para o conforto de um apartamento
imenso e seguro.

Assim que todos entraram, fechei a porta, a


tranquei e caminhei até a varanda. Olhei para o céu
e vi as nuvens escondendo as estrelas. Ia chover em

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breve, eles fizeram bem em voltar, eu pensei. Fogos


na praia com chuva é meio desagradável, vira um
fumacê sem fim.

Gabriel me seguiu, envolvendo seus braços


ao redor do meu corpo, e beijou meu pescoço. Sorri
e botei a mão em seu rosto, quando uma música
começou a tocar muito alto, nos distraindo do
momento romântico.

Olhei por cima do ombro e vi uma Luciana


animada aumentar cada vez mais o som,
reconhecendo imediatamente Teenage Dream, uma
música que Lula e eu sempre dançávamos para
comemorar alguma coisa.

— Vem, Lena! — Lula disse e começou a

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dançar sozinha.

— Nem pensar, estou muito velha para


Katy Perry... Ei! — reclamei quando Gabriel me
soltou e me empurrou para o meio da sala. —
Minha vingança será intensa, Segurança.

Ele nem alterou a expressão, apenas cruzou


os braços e me avaliou por um segundo, até que
Lula gritou:

— Vem, sua cachorrona! É nossa música!


Não dançamos há anos!

Revirei os olhos, mas não consegui deixar


de rir. Tirei meus sapatos, joguei para um canto e
andei até Lula, aguardando o refrão. Peguei Lula
pelo braço e a rodopiei, dançando nossa coreografia

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de Diário da Princesa feat. Katy Perry bêbada.

You make me feel

Like I'm livin' a

Teenage dream

The way you turn me on

I can't sleep

Let's run away and

Don't ever look back

Don't ever look back

Dançamos sob os olhares de todos, que


riam, batiam palmas ou, no caso de Gabriel, apenas

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acompanhava tudo à distância, com um sorriso


contido no rosto, como se estivesse se controlando
para não dar sua risada frouxa e alta na frente de
todos.

I'm a get your heart racing

In my skin-tight jeans

Be your teenage dream tonight

Let you put your hands on me

In my skin-tight jeans

Be your teenage dream tonight

Lula e eu finalizamos nossa coreografia


rindo e nos abraçando enquanto os presentes na
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sala batiam palmas e davam gritinhos. Virei para


olhar Gabriel, mas ele tinha sumido. Confusa com
aquilo, procurei Sophia, que me dirigiu um olhar
malicioso antes de sussurrar, movendo lentamente
os lábios para que só eu pudesse lê-los:

— Mandei ele para o primeiro quarto à


direita. Faltam cinco minutos para o fim de ano, vai
logo!

Soltei um gemido de felicidade e dei um


beijo na boca de So-So, que sorriu, se levantou e
chamou a atenção de todos para anunciar a
gravidez de Pâmela, tirando a atenção da minha
fuga.

Entrei no quarto de Roberto, fechei a porta e

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procurei o interruptor, o lugar estava um breu


completo. Eu me lembrava perfeitamente de como
era o ambiente, já tinha visitado aquele lugar um
monte de vezes, como amiga, namorada ou mesmo
amante ocasional. Mas nunca tinha entrado de
modo furtivo, como acabara de fazer.

Assim que encontrei o interruptor, duas


mãos imensas me agarraram e me jogaram contra a
parede. Dei um gritinho de susto e me segurei nos
braços de Gabriel, que já estava levantando minha
saia.

— Gab, o Beto vai me matar amanhã...! —


eu sussurrei, mas não estava realmente me
importando muito com o que meu ex iria pensar

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sobre uma rapidinha em seu quarto.

Gabriel beijou meu pescoço enquanto


descia a minha calcinha, e eu ri quando ele
respondeu:

— Manda um vale-presente da Wings para


ele, Costureira...

Beijei sua boca e desabotoei sua calça,


soltando um gemido quando Gabriel me ergueu e
esfregou o corpo no meu. Gab me soltou por um
momento e colocou uma mão na minha boca.

— Segura só até os fogos começarem,


aposto que não vai dar para te ouvir depois...

Balancei a cabeça concordando e tentei


prestar atenção em um pôster na parede, mas Gab

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me ergueu pelos quadris e me colocou em cima da


bancada de trabalho de Beto, jogando sem
nenhuma delicadeza um monte de livros, cadernos
e lápis no chão.

— Ele vai matar você, Gabriel... — disse,


baixinho, achando engraçada aquela postura meio
“foda-se” do Segurança.

— Acho que dou conta dele, Lena — ele


sussurrou, e sua voz estava ao mesmo tempo rouca
de desejo e com um leve traço de diversão.

— Dê conta de mim, no momento.

Quando Gabriel me obedeceu e entrou com


tudo em mim, eu mordi o lábio, tentando, de novo,
me distrair com a decoração do quarto imenso de

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Roberto. Olhei para o ventilador de teto, para o


quadro com uma foto do Darth Vader e para a
colcha da cama, mas desisti de buscar distração
quando Gabriel me puxou e me virou de costas,
apoiando meu corpo na mesa e separando minhas
pernas com o pé.

Os fogos começaram, e eu respirei aliviada,


mas Gabriel tapou minha boca assim mesmo. Senti
ele entrando e saindo inúmeras vezes e sorri
quando a mão pesada fez o que fazia sempre.

Meus pés se contraíram minutos depois, e


eu mordi a mão de Gab para tentar não gemer
enquanto o orgasmo se espalhava pelo meu ventre.
Gabriel me esperou terminar e saiu de dentro de

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mim, terminando fora.

Em seguida, me virou e me beijou com


força, me deixando sem ar enquanto eu me
segurava em seus braços. Ficamos abraçados até
nossas respirações estabilizarem.

— Por... por que você gozou... fora...? —


perguntei e apontei para o chão.

Gab riu enquanto se vestia e abotoava a


calça, ainda um pouco ofegante.

— Para você não pingar que nem um conta-


gotas, ora. Eu vou limpar, tenta não escorregar ali e
bater a cara na parede, consegue? Acho que sangue
no chão seria algo que Roberto não saberia lidar...

Ofeguei e dei um tapa em seu braço.

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— Segurança idiota! Como consegue ser


tão besta?

Gabriel sorriu, me abraçou e me calou com


um beijo longo e carinhoso.

— Só falta agora no avião, Segurança! —


comentei, enquanto Gab ajeitava minha saia, e sorri
ao ouvir sua risada frouxa.

— Tá bom, Costureira, a gente resolve isso


um dia, pode ser?

— Promessa de ano-novo, é?

— Promessa de ano-novo — ele confirmou


e me beijou de novo.

Estávamos cogitando a ideia de uma


segunda vez, quando minha irmã praticamente

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esmurrou a porta do quarto de Roberto aos gritos:

— Credo, vocês deviam ser estudados!


Anda, se arrumem, que eu quero abraçar vocês!
Tenho direito a um abraço de ano-novo da minha
irmã ninfomaníaca.

Reviramos os olhos e sorrimos quase em


sincronia. Dessa vez, nem precisava de sexto
sentido fraternal para justificar o fato de que a
Grande Irmã sabia o que estávamos fazendo ali.

Gabriel respirou fundo, relaxado, encostou a


testa na minha e disse, de olhos fechados:

— Feliz ano-novo, Costureira.

Sentindo o coração bater mais rápido do que


a sequência de fogos de artifício da praia de

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Copacabana, mirei seu rosto tranquilo, seus olhos


cor de continente, que se abriram e me encararam,
seus lábios curvados no sorriso secreto, e alisei sua
face com os dedos por um momento.

— Feliz ano-novo, Segurança.

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Nova aposta
Tombei a cabeça para trás enquanto me
movia freneticamente em cima de Gabriel, sentado
no sofá. Sentia ele entrar e sair de mim com
rapidez, num ritmo descompassado, o que se devia
ao fato de estarmos nos movendo ao mesmo tempo,
às vezes fora de sincronia.

Gab agarrou meu seio e o apertou enquanto


eu inclinava o corpo em sua direção, sem parar de
me mover.

— Gabriel, eu vou... — tentei articular, mas


estava sem fôlego demais.

— Então vai, Costureira — ele sussurrou e

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segurou minha cintura com ambas as mãos,


marcando um ritmo que me nublou a vista.

O apartamento estava no maior silêncio,


então só dava para ouvir o choque entre a minha
pele e a dele, além dos barulhos molhados de
sempre. Minhas costas estavam úmidas de suor, e
meu cabelo teimava em grudar no rosto. Eu
realmente não me importava com aquele detalhe,
apenas desejava continuar sentando no colo de
Gabriel sem nem dar tempo de respirar.

Estava em vias de explodir, quando a


campainha tocou, e eu parei de me mover
imediatamente com o susto.

— Droga... — reclamei — Já vai!

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Gabriel abriu os olhos, ofegante, e me


soltou, deixando que eu levantasse, mas, mal o fiz,
ele me segurou pelo braço, me fez ajoelhar, deu a
volta, veio por trás de mim e apoiou meu corpo no
estofado do sofá.

— Gab, deixa eu abrir a... ah! — eu gemi


quando ele se enterrou para dentro. Ele não ia
deixar era nada.

Peguei sua mão e levei à minha boca, pois


eu sabia que não conseguiria me segurar sozinha.
Gabriel me calou imediatamente e, como não podia
me dar os tapas que eu tanto amava, apenas
segurou minha bunda com força enquanto entrava
cada vez mais forte e rápido.

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Apoiei as mãos no sofá enquanto sentia as


ondas de prazer se espalharem do meu ventre para
o meu corpo a cada nova investida do Segurança.
Gozei em segundos e ouvi Gabriel fazer o mesmo
ao dar um gemido contido, fazendo meu corpo
arrepiar por completo. Passamos alguns minutos
controlando nossa respiração, até que a campainha
tocou de novo.

— Já vai, cacete! — gritei, ofegante, e


suspirei quando Gabriel saiu de dentro de mim, mas
não se afastou como devia, pelo contrário, enfiou
dois dedos. — Gab, para, ou eu não abro essa porta
nunca mais.

— Era esse o objetivo — Gabriel respondeu

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com diversão na voz, mas se levantou, me ajudando


a fazer o mesmo em seguida.

Dei um beijo rápido em sua boca e fui até a


porta olhar quem era o responsável por um dos
piores timings da vida, rivalizando seriamente com
Pierre quando estávamos na Grécia, e ele me ligou
pedindo glitter para maquiagem.

— Ah, eu não acredito que são vocês dois.


Nunca ouviram falar em WhatsApp? — gritei para
os irmãos ternura, Ana Rosana e Roberto.

— Já, lindinha, e te mandamos umas vinte


mensagens. Não sei se você se esqueceu de como se
olha as horas, mas nós combinamos de buscar
vocês quatro da tarde. São quatro e meia — Beto

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falou do outro lado da porta.

Olhei para o relógio preso na parede e fiz


uma careta, que logo vi estampada no rosto do
Segurança também.

— Droga. Perdemos o horário, Gab. Anda,


vai tomar um banho, eu atendo os dois — disse e vi
Gabriel assentir, indo em direção ao banheiro do
quarto.

Recolhi nossas roupas espalhadas pela sala,


fui até o banheiro social e peguei um roupão
atoalhado, me vestindo de qualquer jeito, só para
não deixar os dois na porta por mais tempo.

— Desculpa, gente, estávamos... — tentei


me explicar quando abri a porta e deixei os irmãos

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entrarem no apartamento.

— Transando, a gente sabe, deu para ouvir


— Ana sentenciou com aquele jeito tranquilo que
mantinha desde quando estudávamos juntas, na
adolescência.

Provavelmente até meus dentes devem ter


corado, levando em conta a cara que Roberto fez
enquanto tirava os sapatos e os deixava ao lado da
porta.

— Ah, vai, Lena, como se a gente não te


conhecesse — ele comentou de forma zombeteira.

— Em especial meu irmão, que sabe todos


os barulhos que você faz — Ana completou e
sentou no sofá, mas se levantou em seguida. —

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Melhor sentar na cadeira, né? O sofá está meio...


amadinho demais.

— Por amado, você quer dizer molhado,


Ana? — Beto perguntou e olhou para o sofá. — É,
tá molhado mesmo, dá pra ver algumas das suas
curvas estampadas. Aliás, Lena, você tá pingando
na sala inteira.

Horrorizada, olhei para o chão e para


minhas pernas, crente que as coisas que saíram de
Gab estavam naquele momento saindo de mim, o
que seria difícil, já que eu estava quase de pernas
cruzadas, mas não vi nada. Quando olhei para os
dois engraçadinhos, percebi que eles riam da minha
cara.

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— Ganhei, maninha. Ele terminou dentro


dela. Pode me dar — Beto disse e puxou uma nota
de cinquenta da mão de Ana, que fez um bico mal-
humorado. Aquela era a segunda aposta que
Roberto levava em cima de mim. Talvez fosse
interessante negociar algum tipo de acordo na
participação dos lucros.

— Ai, credo, gente, outra aposta? Vocês são


absurdos! E nojentos! Vou tomar banho, tentem
não brincar de CSI: Foda aqui, por favor.

Assim que saí do banho, ainda enrolada na


toalha, passei pela sala e vi Roberto e Ana sentados
no sofá, o que me deixou meio confusa, até notar
que eles tiraram a toalha de mesa e jogaram no

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estofado.

Minha toalha de mesa limpinha e novinha,


comprada na Alemanha, agora servia de capa de
proteção de sofá pós-coito.

— Já disse que vocês são ridículos? Hoje


não, né? Vocês são ridículos, os dois! — exclamei
enquanto ia para o quarto, mas não consegui deixar
de achar graça.

A vida dos meus amigos realmente deveria


ser um tédio para eles ficarem nessa fixação
comigo e com Gab, sério.

Fechei a porta atrás de mim e vi Gabriel


colocando uma camisa de botão por cima de uma
camiseta branca, me deixando imediatamente com

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vontade de transar mais — estava ficando


impossível resistir ao Segurança, ainda mais
gostoso daquele jeito. Entretanto, se fomos ouvidos
do corredor da rua, a porta do quarto não seria nada
eficiente em barrar possíveis sons mais animados.

— Não podemos dar um perdido nos Super


Gêmeos ali e transar até morrer? Meus hormônios
estão a mil por hora hoje — perguntei com cara de
desespero.

Gab me deu seu sorriso de sempre, abriu


meu armário e apontou para as roupas, pedindo que
eu escolhesse algo o quanto antes.

— Eu até que queria, Costureira, mas seria


cruel com eles. Qual desses você quer?

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— Pega o azul do canto, o sem alças. Esse.


Obrigada... Droga. Ok, Lena, não reclame, você vai
levar Gab para conhecer a Praia Vermelha hoje,
além do café de Ana-ao-Quadrado! É um bom
passeio. Claro, sentar no colo do Segurança por
duas horas consecutivas me parece melhor, mas...

Peguei o vestido das mãos de Gab e


comecei a vestir ainda pensando nas múltiplas
possibilidades de diversão naquelas horas.

— E quem disse que a gente não pode fazer


isso depois do passeio de turista? Termina de se
arrumar, vou beber uma água e cumprimentar os
Super Gêmeos — ele disse enquanto colocava a
carteira no bolso da calça jeans e seguia para a sala.

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Suspirei e concordei com a cabeça, ainda


que ela estivesse viajando para outro lugar que não
era exatamente a Urca. Bendita a hora em que
decidi mostrar a cidade para Gabriel...

Mas, ei, café na Ana Rosana, a melhor


barista do Rio de Janeiro! Tudo na vida tem seu
lado bom!

***

Como estávamos no carro de Ana,


chegamos à Urca em exatos oito minutos. Ana
estacionou na garagem do terreno, onde dividia
moradia com seu café maravilhoso, e minha boca

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salivou com a perspectiva de tomar o expresso


grosso com cara de chocolate derretido que minha
amiga fazia com tanto esmero. Era uma receita
autoral de Ana Rosana, então não encontrei nada
parecido em lugar nenhum do mundo.

Assim que saímos do carro, Gabriel olhou


ao redor, parecendo confuso:

— Ué, ela mora dentro do café?

Dei uma risada e expliquei um pouco da


distribuição do imóvel:

— Praticamente. Olha, essa casa de dois


andares é o café, tá vendo? Ali no canto, tem outra
casa, menorzinha, tipo uma casa de hóspedes. Ana
mora ali.

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Gabriel olhou ao redor, absorvendo a


informação como se estivesse checando o
perímetro. Mirou a casa branca com colunas de
madeira clara, a varanda, as mesinhas dispostas na
grama, o caminho lateral que dava para a garagem
e a casa de Ana, ao fundo. Em seguida, me olhou e
comentou, surpreso:

— Uau, isso que é amar o que faz.

— Olha quem fala, você praticamente mora


na mansão! Nem sei por que tem um apartamento,
se vive dormindo na casa de Betty! — exclamei
com as mãos na cintura, achando graça de seu
comentário.

Gab pensou por dois segundos e deu de

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ombros.

— É, tem razão, faz sentido. Apesar de que


o trabalho de Ana é diferente, ela vive cercada da
coisa mais gostosa do mundo.

— Eu? — brinquei.

Gabriel curvou os lábios num riso frouxo e


me abraçou.

— Eu ia dizer café, mas tá valendo também,


Costureira, vocês são quase vizinhas, e aposto que
você vive aqui.

— Acertou em cheio, Segurança. Vai, me


solta, vou te mostrar rapidinho a Praia Vermelha
enquanto Ana e Beto abrem a casa — pedi,
sorridente, e Gab me obedeceu, mas não soltou

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minha mão, nos mantendo ali.

— Eles não precisam de ajuda com nada?

— Ah, não, Beto tem que ajudar a irmã um


pouco, o imprestável. Além disso, hoje é o único
dia da semana em que o café não abre, então vai ser
rápido ligar só algumas luzes e máquinas de
expresso. Vamos?

— Vamos.

— Lena! Vai de prensa, globinho ou de


expresso? — Ana gritou de dentro da casa.

— Faz o que você achar melhor, gata! Me


surpreenda!

— Tá ferrada, Lena, ela vai colocar


morangos no teu café! — Beto gritou de dentro da

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casa, me fazendo rir.

— Bom, não posso dizer que não ia me


surpreender...

Gabriel e eu saímos pelo pequeno portão de


madeira rumo à praia, que ficava a dois minutos de
distância da casa de Ana.

— Aqui tem uma escola pública, tá vendo?


Ali atrás? Os moleques adoram dar um pulo no café
depois ou antes da aula — comentei enquanto
andávamos.

— Jura? Pra quê? Adolescentes bebem café


hoje em dia?

— Não, pra ler, bobo! No segundo andar da


cafeteria tem uma biblioteca, digamos... diferente.

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Qualquer um pode pegar os livros que quiser e


levar para casa, sem precisar prestar contas com
ninguém ou fazer ficha. Pode deixar um livro em
troca, se quiser, mas não é obrigatório. A única
coisa que ela pede é que devolva, se puder.

Gab assentiu com a cabeça e disse:

— Interessante. E esses garotos da escola


respeitam o pedido? Devolvem o livro?

— Sim, sempre. No começo, alguns eram


malandrões e levavam os livros embora sem avisar.
Mas depois que conheceram a dona, toda tatuada,
gente boa, com aquele sorriso lindo que só a Ana
tem, eles passaram a respeitar. Quando querem
muito um livro em definitivo, eles pedem para

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Aninha, que dá sem nem pestanejar.

— Ué, isso não dá prejuízo? Ficar


comprando livros toda hora para refazer o acervo?

— Não, por dois motivos: primeiro que a


Ana é herdeira. O pai morreu e deixou muita grana,
então ela nunca vai ficar no preju com nada. Em
segundo lugar, Ana e Roberto compram livros em
camelôs, barraquinhas, sebos, uma vez por semana.
É o passeio preferido dos dois, as buscas por livros
usados com preços módicos, então não sai tão caro
como se comprassem as obras na livraria.

Gab ergueu as sobrancelhas e balançou a


cabeça, desviando o olhar por um momento
enquanto atravessávamos a rua no sinal, rumo à

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Praça General Tibúrcio.

— Eu gostei da Ana, achei ela uma pessoa


agradável.

Olhei de canto de olho para ele e perguntei


com um leve tom de ironia na voz, já adivinhando
sua resposta:

— Só gostou dela? O irmão gêmeo não


agradou?

— Não, só dela. Roberto é... tolerável.


Tolerável porque é seu amigo, eu já teria quebrado
a cara dele há muito tempo se não fosse por isso.
Não gosto do jeito que ele olha pra você, ou fala
com você, ou... respira o mesmo oxigênio que você.

Acabei gargalhando no meio da rua,

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chamando a atenção de alguns gringos que


rumavam em direção ao Bondinho.

— Você é ótimo, Segurança! Ciúmes do


Roberto, a última pessoa no mundo que teria
chances comigo! Quem diria!

— Eu não estou com ciúmes, é só... — Gab


tentou se defender, mas eu o interrompi e apontei
para a entrada do teleférico:

— Olha, ali é onde o povo vai pegar o


Bondinho. Ali na frente é a praia, conhecida como
Praia Vermelha. É minúscula, mas extremamente
calma e segura, então atrai muitos gringos. Aqui é
área militar, sabe? — expliquei, montada na minha
vibe de guia de turismo e ignorando as bobagens

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ciumentas de Gab.

— É, eu vi na placa ali. E presumi pela


quantidade de militares andando por aqui. —
zombou e apontou para quatro milicos
completamente uniformizados em seus postos, no
sol quente do verão carioca. — É um bairro muito
bonito — comentou enquanto atravessávamos a
pracinha com uma grande estátua no centro.

Gabriel mirou o Morro da Urca por um


momento, e eu notei um sorriso de satisfação em
seu rosto. Era difícil, realmente, não ficar extasiado
com aquela visão do morro do Pão de Açúcar.

— Quer ver o bairro por dentro depois que


eu te mostrar a praia? As casas da Urca são lindas,

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bem diferentes umas das outras!

— Pode ser. Mas e o meu café? Você fala


tanto as habilidades de barista da Ana, eu quero
provar se é isso tudo mesmo — ele comentou
tranquilamente, me dando um olhar de esguelha
com uma sobrancelha levantada.

— Depois do café, besta — respondi, rindo,


e continuamos caminhando até chegar na Praia
Vermelha. — Ó, essa é a praia. Bonitinha, não?

Gabriel, que estava me olhando tagarelar,


desviou a atenção e focou no visual maravilhoso da
praia. Foi a primeira vez que o vi totalmente sem
palavras. Virei de frente para ele e sorri ao ver sua
expressão de encantamento disfarçado.

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— É... bonitinha... — ele disse com um


pouco de ironia na voz. — Bonitinha é a grama da
mansão, Lena, isso aqui é muito lindo. Lindo até
demais. Chega a ser ofensivo para as outras cidades
que não têm essa vista toda...

Bati palmas, animada por ver que eu não era


a única a achar o Rio mais bonito que Paris. A
Praia Vermelha era bem pequena, uma faixinha de
areia de nada, mas o que mais encantava eram os
morros ao redor, a vista do bondinho, a pista de
caminhada, com várias árvores... Para quem estava
acostumado com cenários urbanos, era um prato
cheio para os olhos.

— É porque você ainda não viu a mureta da

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Urca! Eu amo esse bairro, quero um dia comprar


um canto pra mim aqui. Os preços caíram bastante
depois dos eventos internacionais na cidade, tipo
Copa, Olimpíadas, então creio que um dia farei
isso. O problema é que eu acho meio loucura torrar
meu dinheiro só para poder aproveitar uma vista
bonita. E eu gosto tanto do meu apartamentico...
Preciso de um bom motivo para sair dali.

Gab desviou o olhar o morro do Pão de


Açúcar e focalizou meu rosto.

— Aqui é um bom lugar para pessoas


paranoicas como você. É um bom motivo, não?
Sabe, esse tipo de pessoa que acha que vai ser
assaltada a qualquer momento?

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Ora!

— Ei, eu não sou paranoica! Só moro aqui


há tempo suficiente para saber que andar com uma
câmera caríssima aparecendo é chamariz de assalto,
Segurança idiota! Ainda mais em Copacabana,
onde os assaltantes têm radar pra gringo que nem
você e foguetes nos pés, correm mais que o Papa-
Léguas! Muito me admira você não saber disso!

Rindo, ele me puxou pela cintura e colou


seus lábios nos meus, tornando aquele momento,
com um dos cenários mais bonitos do Rio de
Janeiro, inesquecível para a memória, ainda que
estivéssemos falando sobre besteiras como assaltos
e personagens de desenho animado.

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— Adoro quando você tenta me dar lições


de segurança. É... bonitinho — ele disse, repetindo
a palavra que usei para descrever a praia.

Acabei rindo, apesar de querer fazer birra, e


o beijei de volta, sentindo seus braços apertarem
minha cintura. Mas rapidamente fomos
interrompidos por meu celular que tocava sem
parar.

Pierre realmente fez escola de timing


errado, e os primeiros alunos foram os Super
Gêmeos!

— São os irmãos empata-foda de novo.


Vamos, os cafés estão prontos. Eu quero te mostrar
também as fotos emolduradas de Ana-ao-

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Quadrado. Tem uma minha quando criança,


inclusive.

Gabriel me olhou de lado e franziu as


sobrancelhas, parecendo confuso.

— Ah, tem a ver com café. É uma foto


minha com uns dois anos na sala da minha antiga
casa, esticando os braços, tentando alcançar um
copo de café em cima de uma mesinha de centro.
Eu nunca tinha provado café na vida,
provavelmente estava só com sede e achava que
aquilo era água, suco, sei lá, mas Ana ficou
encantada quando soube da história e me roubou a
imagem.

— Nossa, seu vício vem dessa época? Dois

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anos de idade? Sua irmã não foi presa por


negligência infantil? — Gabriel me perguntou.

— Estamos engraçadinhos hoje, não? —


retruquei. — Aliás, não era minha irmã quem
estava comigo, era minha mãe. Se alguém fosse
presa, seria ela, não a Júlia, né?

Gabriel me olhou rapidamente, o rosto


ficando sério por um momento, mas logo relaxou.

— Ah, verdade, você tem outra mãe. Júlia


tem uma postura tão maternal, que até esqueço que
você não é filha dela.

Parei de andar, soltei a mão do Segurança e


tapei a boca, chocada, e Gab no mesmo momento
me olhou em alerta, seu modo Segurança Fodão

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sendo ativado.

— Meu Deus. Você acabou de sugerir que


Júlia poderia ser minha mãe. Júlia vai te matar se
souber que você falou isso. Vai te matar muito,
Gab. Vai te matar mortinho, e não tem treinamento
na Academia Militar do Agente 47 que te salve.

Gab piscou por um segundo e logo começou


a rir quando entendeu minha preocupação.

— Não ri, eu estou falando sério! Ela vai


arrancar sua cabeça fora se souber que você
insinuou que ela teria idade para ser minha mãe.
Ela é só onze anos mais velha que eu, Gabriel,
assim como você!

— Eu sei, Costureira! Mas não falei em

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relação à idade, falei quanto ao modo como Júlia


lida com você, como se tivesse te criado. Você não
morou sempre com ela?

Botei as mãos na cintura e neguei com a


cabeça.

— Não? Achei que sim. Você morou com


seus pais, então?

Dei um suspiro e tomei fôlego para resumir


minha história parental para Gabriel, que parou de
rir e me passou a me ouvir atentamente.

— Morei antes de ela ir pra faculdade e


depois voltei a dividir o mesmo teto com ela aos
quinze. Vim fugida dos meus pais, religiosos
pirados, e morei com ela até os vinte, quando a

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safada se mudou para os Estados Unidos e nunca


mais voltou.

Gabriel assentiu com a cabeça, sério,


pensou por uns instantes e hesitou antes de
continuar no assunto:

— Por que você nunca me contou nada


sobre seus pais? — perguntou com curiosidade e
cuidado ao mesmo tempo.

— Por que você nunca me contou nada


sobre o seu sensei antes de alguns dias atrás? —
rebati a pergunta, e ele ergueu rapidamente as
sobrancelhas, como se dissesse “bom, é verdade...”
— Meus pais morreram, Gab. Bom, tecnicamente,
eu morri para eles. Eles pararam de falar comigo

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quando souberam que eu namorava a Sophia. Só


meus tios que ainda falam comigo. Tio Gun finge
que eu nunca namorei nenhuma mulher, ou justifica
minha sapatonice dizendo que eu tenho instintos
masculinos, por isso eu sei atirar bem.

Gabriel cruzou os braços e fez uma careta,


parecendo um tanto contrariado com a postura de
Tio Gun.

— Não sei se vou gostar de seu tio...

Dei um sorriso contido e um passo para


frente, colocando as mãos nos ombros de Gabriel,
que logo descruzou os braços e colocou as mãos em
minha cintura, por cima do vestido. A expressão de
descontentamento não saiu de seu rosto.

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— Você não vai conhecer meu tio, Gab.


Prefiro levar um soco na cara a deixar tio Gun
chegar perto de você. É capaz de ele se apaixonar
quando der uma olhada no seu coldre, e meu tio é
um velho bem-apessoado, não sei se conseguiria
competir com ele.

Gabriel revirou os olhos, mas riu de minha


piada.

— De qualquer maneira, eu vou te levar pra


conhecer Haroldo quando chegarmos em Clapham,
prometo.

— Lloyd — eu corrigi, e Gab franziu os


lábios, contrariado. — Que bom, quero conhecer
sua figura paterna! Depois de saber das podridões

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do teu tio, que merecia o Oscar de pior familiar do


mundo... — botei a mão no queixo e pensei bem no
que estava dizendo. — Hm... bem certo que meus
pais me deserdaram, chamaram Sophia de
“aberração” e meu pai quase bateu nela... Ok, tudo
igual, no final das contas, um monte de parente
porcaria.

Gabriel ergueu as sobrancelhas e logo as


franziu, provavelmente pensando no que eu dissera
a respeito de So-so.

— Seu pai tentou bater na...?

— Ops. Péssimo assunto, não? Ok, chega


do momento paternal. Café?

Dei meu melhor sorriso para o Segurança,

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que permaneceu com a expressão séria por um


minuto, uma veia saltada no pescoço, me fazendo
suspirar. Eu e minha boca grande. É Gabriel, afinal
de contas, era óbvio que ele ficaria revoltado ao
saber que meu pai tinha tentado agredir minha
amiga.

Tentando acalmá-lo, contei alguns detalhes


do dia em que meus pais e eu cortamos relações,
assim sobraria menos espaço para a imaginação de
Gab:

— Meu pai fez a Vera Verão, gritou um


“eeeepaaaa”, disse que não ia aceitar que a filha
dele caísse em pecado, blá, blá, blá, mas viu que eu
não estava reagindo às ameaças. Então fez menção

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de partir pra cima dela, em uma tentativa de me


atingir. Joseph se colocou na frente da Sophia,
então obviamente meu pai deu pra trás. Meus pais
são grandes, é óbvio, mas você viu o tamanho de
Joseph. Ele é tão grande quanto você, nunca meu
pai conseguiria passar por cima dele. Mas, ei, não
se preocupe, já foi, ninguém nunca mais vai bater
na Sophia!

— Nunca mais...? Alguém já bateu nela


antes? — ele perguntou, mais chocado que antes, e
eu agitei minhas mãos no ar quando notei minha
burrada. Gabriel não sabia do histórico de violência
sofrida por Sophia. A violência padrão sofrida por
uma mulher como ela no Brasil. Mas depois eu
poderia contar, isso o irritaria muito, e com razão.
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— Ai, Deus, só estou piorando tudo! Vem,


Gab, vamos tomar café e depois passear pela Urca.
Vamos escolher uma casa lá, comprar e ter dez
filhos seguranças pra cuidar da Wings e de todos os
nossos amigos! Podemos começar a fazer um hoje
mesmo, que tal? — brinquei, e Gab relaxou um
pouco o rosto, me dando a mão para que fôssemos
até o café de Ana.

Quando passamos em uma das entradas que


dariam nas ruas com casas lindas, Gab, que ainda
estava em silêncio, pareceu muito interessado em
uma transversal em especial, como se já a
conhecesse e estivesse tentando lembrar de algo,
mas logo seguimos caminho sem que ele dissesse o
que pensava. Eu também acabei não perguntando,
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afinal, depois de tantas gafes, precisávamos o


quanto antes de um bom café para mudar o clima
que se instaurara.

Foi somente depois que voltamos para o


Café Primeiro, que Gabriel perguntou se
poderíamos dar um pulo em uma das ruas. Fiquei
desconfiada com aquele súbito interesse, mas
acabei deixando para lá, o acompanhando por um
passeio rápido por dentro do bairro após o café.

Eu, mais do que ninguém, sabia quão


encantadora e charmosa a Urca podia ser à primeira
vista. Não importava se seus visitantes eram sérios
e fechados na maior parte do tempo.

É a Urca, afinal de contas.

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Onze de janeiro
— Costureira... — Gab me chamou
baixinho, com a voz rouca de sempre, fazendo
minha nuca se arrepiar.

Esfreguei os olhos, ainda sonolenta, e


levantei o corpo da cama, abrindo um enorme
sorriso ao ver Gabriel de pé ao meu lado.

— Bom dia, Segurança... — respondi, com


um humor que deixaria Gustavo Kuerten com
inveja.

Botei os pés no chão, me espreguicei


rapidamente e passei direto por Gabriel, indo ao
banheiro antes de o cumprimentar — não queria

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deixar meu hálito Frescor de Múmia envenenar o


Segurança. Voltei para a cama e o puxei para um
abraço de bom dia, e Gab deixou que eu o jogasse
na cama, sorrindo enquanto eu o beijava.

— Acordou de bom humor? — perguntou


quando eu parei de beijá-lo.

— Eu sempre acordo de bom humor ao seu


lado, Segurança, que pergunta. Escuta fez café?

Gab me deu um sorriso de mostrar os dentes


e balançou a cabeça concordando. Aquele homem
sabia como fazer uma mulher verdadeiramente
feliz.

— Fiz, mas também comprei um café


gelado para você.

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Arregalei os olhos e tirei meus braços de


seus ombros, me levantando da cama de um salto.
Sempre amei cafés gelados, tanto quanto amo
banhos trincando!

— Comprou? Por quê? É meu aniversário?


— exclamei enquanto corria até a sala procurando a
bebida, quando minha ficha caiu. — Ah. É meu
aniversário, Gab! Esqueci! Caramba, hoje já é dia
onze? Como passou rápido!

Gabriel veio atrás de mim e beijou meu


ombro, deixando uma risada escapar e me fazendo
sentir seu hálito na pele.

— Você realmente esqueceu do seu


aniversário? — disse num tom descontraído.

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Peguei o copo com meu café e suspirei de


prazer ao sentir a bebida refrescar a boca enquanto
me enchia de disposição.

— Sim, eu sempre me esqueço, não ligo


para o meu aniversário, eu já te disse. O dos outros
é mais legal.

Ele parou ao meu lado, perto da mesa de


jantar, cruzou os braços e questionou, como quem
não queria nada:

— Sei... Então você não vai querer seu


presente?

Tal e qual aconteceu em Portugal, arregalei


tanto os olhos e tão rapidamente, que se
estivéssemos em um desenho animado, um “toin!”

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bem alto seria ouvido a distâncias.

Eu acabei de receber presentes de Gab no


natal e já terei mais uma rodada!

— Olha, não quero soar materialista, mas eu


adoro ganhar presente, então... Quero! — exclamei
e voltei a tomar o café, passeando o olhar em volta
da sala.

Gab riu da minha animação e foi para o


quarto buscar a surpresa. Voltou segundos depois
com um envelope pardo dobrado ao meio.

— Ah, Gab, que adorável! Esse é o meu


presente, um contrato de submissão? Pode fazer um
rolinho com esse papel e enfiar no... — brinquei,
mas ele me interrompeu:

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— Abre, Costureira. É o desenho da


tatuagem que você esboçou em Clapham, antes de
virmos pra cá. Eu mandei para uma tatuadora
amiga minha, que é especializada no tipo de
desenho que você queria, e ela mandou de volta
com o traço profissional.

Abri os olhos e entreguei o copo de café


gelado para ele enquanto abria o envelope,
totalmente animada. Uma exclamação de surpresa
escapou dos meus lábios quando eu vi a imagem.
Era um desenho abstrato, muito colorido, cheio de
flores arredondadas que se mesclavam em cores
vivíssimas. Era belíssimo, exatamente o que eu
imaginava e desejava!

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Reconheci o traço e a assinatura de uma


tatuadora que eu admirava desde sempre, e
perguntei para Gabriel, impressionada:

— Você é amigo da Ivana?

Gab ergueu as sobrancelhas, parecendo um


pouco surpreso de eu conhecer o trabalho dela.

— Você conhece a Ivana?

— Óbvio! É meu sonho douradinho ser


tatuada por ela, seu traço é único! Que incrível,
Gab! Mas... Você conhece algum tatuador que
saiba reproduzir essa arte? Porque, até onde eu sei,
a Ivana é meio cigana e deve estar, sei lá, na
Croácia agora.

— Conheço, a esposa do meu tatuador, que

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fez sua tatuagem de raposa.

— Em Londres? Gabriel! Isso é


maravilhoso! — gritei e pulei em seu colo,
abraçando seus quadris com as pernas e beijando
sua boca com paixão.

Gabriel me abraçou de volta e me encostou


na parede que dava para o corredor do andar, ao
lado da porta da rua, me segurando pela cintura e
pelo traseiro enquanto devolvia com o mesmo
desejo meu beijo.

Mal comecei a me animar com o nosso


contato, a campainha do apartamento tocou e
escutamos minha irmã gritando do lado de fora:

— Vamos parar com essa chupação, que eu

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quero abraçar a boneca aí!

Gabriel parou de me beijar e olhou para a


porta, meio confuso com aquela sequência de
beijos interrompidos.

— Tem câmeras no seu apartamento? —


perguntou enquanto me colocava no chão.

— Não, a Júlia tem um sexto sentido


absurdo para esse tipo de coisa. Nunca entendi isso
— disse e abri a porta para minha irmã, que deu um
grito animado e me abraçou, me girando que nem
uma boneca de pano pela sala.

— Viadinha! Parabéns!

— Ugh, Grande Irmã, para, eu vou acabar


vomitando na casa toda! Deixa eu colocar os pés no

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piso, sua girafa! — gritei, e Júlia me colocou no


chão, gargalhando.

— Que trajes são esses, mulher? Acordou


agora? — ela perguntou, apontando para minha
calcinha de nuvens e minha camisetinha preta. —
Credo, mal acordaram e já estavam se comendo?
Quantos anos vocês têm, dezessete? Ah, você eu
sei que tem sessenta, né, Segurança? Que vigor!

Gabriel sorriu para Júlia e recebeu seu


abraço, o que fez meu coração dar um saltinho.
Eles se deram muito bem, logo de cara, e sempre
que minha irmã se dava muito bem com um homem
como estava acontecendo ali, seu lado casamenteiro
aflorava. O oposto extremo também acontecia:

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quando ela achava que uma pessoa não era a certa


para mim, rejeitava o pretendente imediatamente.

A maior prova disso é que minha irmã


odeia o Roberto até hoje.

— Bom dia para você também, Júlia.

Ela retribuiu o sorriso e se virou para mim,


me puxando pelo braço e indo sentar nas cadeiras
da sala:

— E aí, gostosona, o que vai querer fazer?


Ver Tomb Raider? O último que saiu?

Olhei para ela, confusa com sua proposta.

— Não saiu ainda, burrinha...

Júlia sorriu com ironia e respondeu:

— Não saiu aqui, né? Porque já vazou na


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internet há três dias. Quer ver? Eu trouxe! — disse


e puxou uma pen drive, em forma de patinho de
borracha, que estava presa em seu colar.

Franzi os lábios, mais pela oferta e menos


pela pen drive ridícula, e ponderei antes de
responder:

— Mas vazou a versão final? Não tem graça


ver a versão com tela verde no fundo...

Júlia revirou os olhos, tirou os sapatos e o


jogou perto da porta sem nenhuma delicadeza,
indicando que minha pergunta era totalmente
estúpida.

— Pare de ser enjoada. Sim, é a versão


final, mas tá sem legenda, o que não é um problema

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para vocês dois, né? — questionou antes de se


jogar no sofá. — Ah, que delícia esse sofá novo,
Lena! Até que enfim trocou, um milhão de pessoas
transaram naquele outro.

— Júlia, não seja inconveniente... — eu


pedi com voz cansada e peguei o copo de café que
Gabriel deixou no chão ao lado do sofá. Acabei
rindo quando ela respondeu:

— Você acha que foi a única a morar nesse


apartamento, meu amor? Aquele sofá foi ninho de
amor não só seu, mas meu e de muitos amigos que
eu emprestava o apartamento quando ia viajar.

— Ugh! Que nojo! Obrigada por me contar


isso dez anos depois — respondi com a imagem

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mental do que tinha feito no local somada à de


outras pessoas fazendo muito mais do que eu,
inclusive Júlia.

Não, Lena, sua irmã não transa, não da


forma que você transa. Ela faz amor, nheco-nheco,
nada de sexo hard.

— Imagina, minha querida, tô aqui pra isso!


E eu usava uma capinha nele, não sou tão
porquinha assim — explicou enquanto tirava o
colar do pescoço e jogava a pen drive de patinho
para Gabriel, que a pegou no ar facilmente e foi
conectar no Xbox.

Que sincronia. Será algo que vem com a


idade?

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De repente, Júlia se levantou do sofá como


se tivesse lembrado de alguma coisa e foi até a
cozinha rapidamente. Gabriel a seguiu, o que me
deixou desconfiada, eles já tinham armado para
mim duas vezes antes, no aniversário de Júlia e na
minha chegada ao Rio. Peguei o controle do
videogame e fui acertando tudo enquanto olhava
vez ou outra para a porta da cozinha, tentando
captar o que rolava por lá.

Eles estão tramando algo, tenho certeza.

Júlia saiu da cozinha e foi até o quarto pegar


o travesseirão enquanto Gab sentou ao meu lado
com um sorriso no rosto.

— Por que vocês foram juntos para a

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cozinha? — inquiri com um tom falsamente sério.

— Ver se seu bolo está gelado o suficiente


— explicou e me pegou pelo braço, me
aproximando.

— Bolo? Vai ter bolo? — exclamei,


fingindo surpresa. — De quê?

— De tangerina — olhei para ele de cara


feia. — De chocolate com coco, do que mais? Não
é seu sabor preferido? É uma torta, na verdade.

Balancei a cabeça e dei um sorriso


orgulhoso.

— Muito bem, Segurança, sua memória


para meus gostos é impressionante. Quer ver uma
coisa? — perguntei quando olhei seus lábios

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curvados em um sorriso divertido.

— Quero.

Peguei Gab pelo pescoço e aproximei seu


rosto do meu, beijando seus lábios de forma
sensual, parando para rir quando Júlia gritou do
quarto:

— Parem de se chupar, eu ainda estou aqui,


só estou procurando um elástico de cabelo!

Gab olhou para a porta do quarto e voltou a


olhar para mim, parecendo surpreso.

— Não disse? Sexto sentido, Segurança.


Minha irmã nunca me pegou no flagra com
ninguém, porque ela sempre sabia quando eu estava
ocupada. Sempre!

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Gabriel balançou a cabeça e curvou os


lábios para baixo, fazendo um “uau” silencioso.
Júlia voltou do quarto com os cabelos presos num
rabo de cavalo alto, jogou o travesseirão no chão,
no meio de nós dois, e se deitou.

— Júlia, não quer sentar no sofá? —


Gabriel perguntou ao ver minha irmã se espreguiçar
igual um gato no chão.

Jú olhou para ele de cabeça para baixo e


sorriu.

— Own, que cavalheiro, meu cunhadinho.


Não, eu gosto do chão, obrigada. Anda,
quenguinha, dá play nesse filme, quero ver se essa
joça é boa mesmo. Aposto que Angelina e aquela

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outra magrela vão sentir inveja dessa Lara.

Dei uma risada e ignorei a provocação de


Júlia. Assim que coloquei o filme para rodar, deitei
no colo de Gabriel, deixando os pés para fora do
sofá. Eu queria ficar confortável, acreditando que
isso me ajudaria a gostar do filma. Mas, cá entre
nós, foi uma porcaria. A atriz que fazia a Lara era
boa, mas o cenário era feio, os outros atores eram
fracos, o enredo estava meio cagado e os efeitos
visuais, um horror.

— Ao menos a trilha sonora era boa... —


Gabriel comentou quando o filme acabou, mas não
pude esconder minha cara de nojo quando ele e
minha irmã voltaram o rosto em minha direção.

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— A atriz também era boa... — Julia disse


enquanto ria dos efeitos que o longa produzira em
mim.

— É, alguma coisa tinha que ser boa, né?


Preciso de um café depois de ver essa obra-prima.
Vai ganhar uns dez Framboesas de Ouro, escuta o
que eu estou dizendo —levantei do sofá e fui à
cozinha.

— Lena, coloca uma roupa, meu amor. Tá


me deixando embaraçada ver essa marca de mão na
sua bunda... — Júlia gritou da sala, e eu me virei
correndo para procurar a tal marca.

Voltei para a sala com a garrafa térmica na


mão e me virei de costas, mostrando a bunda para

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ela.

— Que marca, garota? Tem marca nenhuma


aqui! Gabriel me bate, não me espanca!

— Ugh, informação demais, não quero


saber — ela disse e colocou a mão na altura do
estômago, como se estivesse enjoada.

— Ué, começou, agora aguenta. Sabe, tem


uma coisa que o Gabriel faz que é incrível, ele faz
tipo o gesto de mão do Homem Aranha, sabe? Aí
ele enfia na...

— Lá, lá, lá, lá, não estou ouvindo... —


Júlia disse e se levantou do chão, indo até o quarto
com as mãos nas orelhas e batendo a porta atrás de
si.

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Nada foi feito, a não ser novamente revirar


os olhos e rir da maluca. Creio que Gab tenha visto
a cor do cérebro naquela tarde.

***

Tomamos café juntos depois de ver aquele


filme horroroso e eu, a pedidos incessantes de Júlia,
coloquei uma saia.

— Quer sair para algum lugar, Lena? —


Gab perguntou quando minha irmã religou o Xbox,
puxou uma cadeira para sentar mais próxima da
televisão e colocou um jogo de luta para rodar.

— Nossa, nem pensar! Quero mofar aqui

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até dar a hora certa de eu completar vinte e nove!


— disse quando voltei a sentar no sofá.

— Trinta — Júlia me corrigiu sem tirar os


olhos da televisão.

— Vinte e nove, Grande Irmã. Você fez


quarenta e é onze anos mais velha que eu, maluca.
Quase a mesma coisa que Gab.

— Trinta. Eu comprei a vela de trinta,


aceita, que dói menos.

— Vinte e... Ah, dane-se, trinta, tá feliz?

Júlia escolheu seu personagem preferido,


uma capoeirista peituda, e iniciou o jogo, me
encarando por sobre o ombro com um olhar de
desafio enquanto a tela de carregamento surgia.

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— Muito. Aí você passa a ter metade da


idade do Segurança! Olha que lindo! A balzaquiana
chupando o vovô! — disse antes de explodir em
uma sonora gargalhada.

— Vem cá, você dá aula na universidade


com essa boca?

— Faço muitas coisas com essa boca, meu


amor — ela disse e me mandou um beijinho
estalado antes de voltar sua atenção para a tela.

Com aquela boca, provavelmente Tom


deveria ter boas noites de sono!

Ri dela e me aninhei no colo de Gabriel, me


deitando na mesma posição de antes e engatando
uma conversa com Gab sobre filmes ruins até

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minha irmã cansar de jogar e pedir uma pizza.


Passamos a manhã e boa parte da tarde vendo
televisão, rindo, conversando e matando as
saudades.

Mas como a ideia de um aniversário sem


música alta e um monte de gente socada no meu
apartamento era um tanto inadmissível para a
Grande Irmã, quando começou a anoitecer, Júlia
ligou o rádio nas alturas. Say say say, do Michael
Jackson com Paul McCartney, tocou no dom e
imediatamente ela começou a cantar e dançar no
meio da sala.

Rindo, pensei em me levantar para cantar


com ela, mas logo em seguida a campainha tocou e

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Júlia foi abrir a porta. Êta, mulher sensitiva! Lula


entrou no apartamento cantando a parte de Michael
Jackson, sendo acompanhada por Joe, Roberto e
Anastácia:

All alone

I sit home by the phone

Waiting for you, baby

Through the years

How can you stand to hear

My pleading for you

You know I'm cryin

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Balancei a cabeça, achando graça, e me


escondi atrás do travesseirão, mas Beto me pegou
pelo braço e me rodopiou pela sala, me fazendo
pensar se esse cosplay de pião era necessário em
todos os encontros comigo. Logo me soltei de
Roberto e o abracei, fazendo o mesmo com os
outros e revirando os olhos quando quatro caixas de
presentes surgiram na minha frente.

— Lena, isso foi totalmente não combinado.


Não sei o que eles estão fazendo aqui — Júlia disse
na maior cara de pau enquanto cumprimentava
todos, menos Roberto, claro. Os dois nunca se
bicariam, não adianta.

Estalei os lábios, obviamente não

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acreditando na mentira, e me virei para meus


amigos, pegando os presentes.

— Obrigada, queridos, vocês são lindos.


Não respeitam a regra implícita de que só se
comemora aniversário à noite, noite mesmo, mas
tudo bem. Obrigada assim mesmo — eu agradeci
quando minha irmã diminuiu o volume do som e
todos puxaram cadeiras para se sentar, deixando o
sofá livre para mim e Gabriel, que sorria calado.

Fui até o quarto e guardei os embrulhos,


voltando segundos depois e sentando no lugar de
sempre: meu querido sofá. Assim que sentei,
percebi que Gabriel mantinha um olhar de
estranhamento, possivelmente causado por meu

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gesto de levar tudo para o quarto sem nem tocar


nos embrulhos.

— Não vai abrir os presentes?

Roberto olhou de Gab para Júlia e Lula e


voltou a olhar para o Segurança, perecendo não ter
entendido sua dúvida.

— Ué, Gabriel... A Lena não abre presente


na frente de ninguém, ela tem vergonha de não
gostar e dizer na cara da pessoa. Você não sabia? É
uma das coisas mais marcantes nela, tanto quanto
ser viciada em café. Ela faz isso com presentes,
comidas, doces, qualquer coisa que ofereçam e que
ela possa não gostar.

Gab ergueu as sobrancelhas e voltou o olhar

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questionador na minha direção, me fazendo corar.

Droga, é agora que o Segurança acha que


vou fazê-lo assinar uma certidão de casamento.

— Não abre presente de ninguém? — ele


reforçou a dúvida quando perguntou para Júlia, que
respondeu enquanto cruzava as pernas e roía a unha
do indicador.

— Não, ela abre os meus. Se não gostar, ela


fala na cara, sem medo de me ofender. Isso, meus
amigos, é o verdadeiro amor. Aprendam — brincou
olhando para meus amigos, que fizeram caretas de
escárnio.

Quis que um buraco abrisse no chão da sala


e eu caísse no apartamento do vizinho de baixo, de

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tanta vergonha. Todos os presentes que Gabriel me


deu foram abertos na frente dele sem problema
algum, o que esfregava em sua cara meus
sentimentos muitas vezes inconfessos.

— Ah, é mesmo? — Gabriel parecia


entender tudo, e o sorriso no rosto dizia isso
perfeitamente. — Curioso...

Esfreguei os olhos, constrangida, e falei por


entre os dedos:

— Eu abro os de Joe também... — tentei


explicar, mas Joseph me interrompeu:

— Mentira, você parou de abrir quando eu


casei com a Paula. Mas... Vem cá... Por que você
está se justificando?

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Joseph, maldito! Por que tinha que


complicar mais ainda minha situação?

Meus amigos me olharam, aguardando a


resposta, e eu pude ver Júlia dando um sorrisinho
irônico. Ela já tinha sacado, mas, felizmente, ficou
calada. Gab, que não era bobo nem nada, também
notou e ficou quieto.

— Então, que horas eu vou dançar Birthday


com a Júlia? — disse, desviando o foco dos
presentes.

Gabriel riu do meu embaraço, me puxou e


me deu um beijo carinhoso na boca, fazendo meus
amigos reclamarem e Júlia bufar. Quando nos
soltamos, somente consegui olhar para ele e sorrir

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constrangida.

— Vai se gabando mesmo, Segurança


idiota.

— Eu não disse nada, Costureira... — ele


comentou e olhou para mim com aquele sorriso
lindo que eu tanto amava ver no rosto.

Por um momento, me esqueci que meus


amigos e minha irmã estavam na sala e só tive
olhos para Gabriel. Aparentemente, ele também
estava na mesma situação, dado o brilho intenso em
seu olhar.

Pensando bem, que diferença fazia se


alguém estava apontando o óbvio sobre nós? Era
como dizer que a chuva molha. Ninguém precisa

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afirmar diariamente isso para que todos já saibam


do fato.

Mas ainda precisávamos voltar para minha


festinha improvisada de aniversário. Como sempre,
os sentimentos ficaram para depois.

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Antigos namorados
— Aí nós acabamos por isso — terminei de
contar o motivo do final do meu namoro com
Roberto quando éramos adolescentes. Puxei a mão
de Gab e plantei um beijo em sua palma.

Gabriel retribuiu o beijo na minha e voltou


a repousar a mão em minha barriga, onde estava
antes, enquanto conversávamos sobre nossos
relacionamentos passados, deitados na cama do
quarto e olhando para o teto, no dia seguinte ao
meu aniversário.

— Sei... Roberto realmente é um babaca,


hein? Por que você ainda é amiga dele?

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Deixei uma risada escapar antes de


responder.

— Acho que é uma pergunta que todo


mundo me faz... Roberto é um cara legal, sério.
Quero dizer, na medida do possível. Era muito pior.
Ele desembabacou um pouco depois da morte do
pai. O cara era um escroto, corrupto, nojento,
cínico, e ele percebeu que tava indo pelo mesmo
caminho. Apesar desse lado imaturo, Beto tem um
bom coração, é honesto... Tem lá seus defeitos e
chatices, mas aí é problema dele. Enfim, já contei
do primeiro namorado. Sua vez.

Gabriel voltou o rosto para mim e deu um


pequeno sorriso.

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— Eu só tive uma namorada, Lena, a


Mariana, que me deu um chute quando aconteceu
aquilo tudo com meu tio e meus pais. O lance da
minha ficha ficar suja, sabe?

Virei de lado, apoiei o rosto na mão e o


cotovelo na cama antes de perguntar:

— Sei disso, mas e Erika? Ah, vai, não faz


essa cara, vai! Eu daria uma falange para saber
alguma coisa sobre vocês dois!

— Sério? Seu nível de curiosidade dos


meus relacionamentos passados é assim, é? Estou
impressionado — ele zombou, apesar do expressão
séria.

— Ah, não, não estou falando do

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relacionamento, estou falando de sexo. Me conta os


detalhes dela! Corpo, por exemplo. Nível de
fluidos, seios, tamanho de partes, essas coisas. Ela
geme alto? Ela tem mó cara de que berra que nem
um rinoceronte!

Gabriel ergueu a cabeça e uma sobrancelha


e riu antes de deitar de novo.

— Essa sua ausência total de ciúmes


deveria ser estudada, Costureira.

— Ah, Segurança, vai, eu só quero saber o


básico, poxa! Ó, se eu te contar algo íntimo de
algum amigo meu, você me conta da Erika?

— Não, porque eu não quero saber nada de


nenhum amigo seu, ora! E digamos que já descobri

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bastante coisa depois da noite de ano-novo —


respondeu imediatamente, achando graça.

— Sei, não quer... Eu entendo você não


querer saber do Joe, por exemplo, que é um macho
imenso, mas não quer saber nadinha de nada sobre
Sophia, tão linda, delicada, com aquela cintura
microscópica e aqueles peitões? Sabe, ela foi a
única mulher com quem eu dormi na vida. Não
quer saber nadica de nada? Nem um detalhe
pequenino?

Gabriel levou as mãos ao rosto e soltou uma


risada derrotada de homem que não é de ferro e
adoraria saber certos detalhes como aqueles.

— Ok, Costureira, eu conto. Mas, antes,

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você vai me contar uma coisa em troca.

Sentei na cama e bati palmas, mostrando


minha animação.

— O que você quiser! Vai, manda bala!

Gab sentou também e me olhou bem fundo


nos olhos antes de perguntar:

— Você citou o Joe agora, me lembrei de


uma coisa que eu estou pra perguntar faz tempo:
você e o Joe já tiveram alguma coisa mais séria do
que a amizade de hoje? Você comentou que abria
os presentes que ele te dava.

Oh-oh...

Senti meu sorriso morrendo no rosto ao ver


Gab tocando no assunto. Droga, como eu posso

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explicar isso?

— Pela sua expressão, sim... Durou quanto


tempo? — ele concluiu, o rosto sério, mas sem
traços de raiva ou ciúme.

Mordi o lábio e cruzei os braços, na


defensiva.

— Quanto tempo ele gostou de mim ou


quanto tempo eu gostei dele?

— Ah, vocês namoraram?

— Não. É... complicado... — disse e me


levantei da cama. — Quer café? Vou fazer um
Freezie pra mim.

Saí do quarto sem esperar resposta, me


recriminando pela atitude impensada. É óbvio que

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Gabriel estaria pensando todas as besteiras do


mundo, já que eu fugi da pergunta, fisicamente,
inclusive.

Abri a geladeira e peguei os ingredientes


para fazer café gelado, mas parei quando ouvi
passos atrás de mim. Prendi o cabelo num rabo-de-
cavalo, como que para tomar coragem e agradeci:

— Obrigada por fazer barulho, Gab, assim


você não me para o coração.

Ouvi sua risada e acabei o acompanhando.

— Vai, Costureira, me conta. Começou,


termina — ele pediu, me fazendo bufar.

— É complicado, Gab, já disse.

— Por que é complicado? Porque ele era

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casado?

Quase derrubei o copo do liquidificador


quando ouvi aquilo. Imediatamente me virei pronta
para chutar a cara do Segurança por aquela simples
sugestão, mas relaxei quando vi que ele sorria para
mim, nitidamente me provocando a contar a
verdade.

— Segurança idiota! Não vai ter café pra


você mais! Nem sexo. Vai ficar na mão até
voltarmos pro Reino Unido!

Gab me abraçou por trás e beijou meu


pescoço enquanto tentava não zombar
descaradamente de minha rabugice. Quando
finalmente parou de rir, eu contive um sorriso e

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expliquei:

— É complicado porque eu e Joe sempre


fomos muito próximos, mas sempre existia algo
que nos impedia de... bom... de nos aproximarmos
mais. Primeiro, quando eu o conheci, ele namorava
a Paula.

— A esposa dele? Quando foi isso? — Gab


disse enquanto afastava meu cabelo e beijava
minha nuca.

— Quando eu tinha dezoito, ele tinha uns


vinte e dois. Eles terminaram depois de um tempo,
eu e Joe ficamos juntos, mas rolou o lance no bar, a
agressão daquele lá que morreu.

— Sei — Gab comentou entredentes, me

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fazendo sorrir.

— Eu fiquei grilada, daquele jeito que você


me conheceu, e fechei as portas para qualquer um
entrar. Quando você e eu conversamos naquele dia
em Londres, quando você sem querer torceu meu
pulso, eu fiquei mais tranquila. Só que Joe voltou a
namorar a Paula pouco tempo antes, então...

— Então vocês não ficaram juntos por isso.

— Sim. E a Sophia apareceu. Rapidinho,


me solta só para eu pegar o restante dos
ingredientes — pedi, e Gab me obedeceu.

— Deixa que eu pego. Mas continua, e


quando você e Sophia terminaram, não rolava mais
nada? — questionou enquanto procurava a canela e

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o pote com as avelãs nos armários.

— Não, eles já estavam casados. Eles


tiveram uma crise em um momento, quase
divorciaram, mas felizmente voltaram.

— Entendo... E se ele tivesse divorciado...?


— perguntou, mas eu pude notar que ele se
arrependeu imediatamente da pergunta.

Parei de jogar os cubos de café congelado


no liquidificador, me virei para Gabriel e avaliei
sua expressão. Era a mesma forma contida de
sempre, praticamente impassível, mas eu já havia
aprendido a ler as mensagens que os olhos de Gab
passavam. Ele estava ligeiramente desconfortável,
como se estivesse se preparando para ouvir uma

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resposta que não queria saber.

Não tirava a razão dele. O que eu tive com o


Joseph foi muito maior do que o que ele teve com
Erika. Não tinha nem como comparar. Eu também
ficaria desse jeito se Gab tivesse “um Joe” dele.
Também me perguntaria o que aconteceria se “esse
Joe” estivesse disponível.

Puxei o braço de Gabriel, que veio em


minha direção, e passei os braços ao redor de seu
pescoço, beijando seus lábios com bastante calma.
Gab pareceu surpreso de imediato, mas me beijou
de volta, me abraçando com força como se tivesse
medo que eu fosse sair correndo dali.

Interrompi o beijo aos poucos, finalizando

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com uma mordidinha de leve em seu lábio e


respondi:

— Respondendo sua pergunta, em um


universo paralelo, talvez eu e Joe teríamos ficado
juntos. Só que Joe e Paula deveriam ter ficado
juntos desde o começo, eu só fiz atrapalhar o
romance dos dois. Você quer saber se a gente já
teve algo? Eu te conto, Gab.

Passei os dedos nos lábios entreabertos do


Segurança e sorri quando vi que ele aguardava com
a expectativa vincando a testa.

— Sim, nós tivemos. Tivemos muita coisa


juntos. Ele é e sempre foi meu melhor amigo. O
casamento deles, por exemplo, foi um dos piores

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eventos que eu já fui, porque eu quis muito arrastá-


lo de lá e o impedir de ficar com ela. Simplesmente
não fazia sentido ele casar com outra pessoa que
não fosse eu, entende?

Gabriel assentiu com a cabeça e continuou


me olhando, as mãos na minha cintura.

— Existem coisas na vida que fazem


sentido. Você e eu, por exemplo. Faz todo sentido,
não faz? Pois é, na época, o que fazia sentido pra
mim era Joseph ser a pessoa que mais me ajudava
quando tudo aquilo aconteceu, então eu precisava
dele disponível. Só que eu não teria mais o Joseph
por perto quando precisasse dele, então... Eu não
fiz nada, era errado, e pra completar, eu estava

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namorando a Sophia. Foi muito conflituoso aquele


dia. Eu namorando, mas não querendo que Joe
casasse. Foi um egoísmo extremo da minha parte.
Ouso dizer que foi vulnerabilidade também.

Dei de ombros, em uma tentativa de


diminuir a importância de Joseph na minha vida,
mas era óbvio que Gabriel não era besta e percebeu
o sentido daquilo tudo.

— Quando ele veio até minha casa e disse


que havia terminado o relacionamento com Paula,
durante uma crise dos dois, eu poderia ter dito
“poxa, que saco, fica aqui, então”. Mas eu não
disse. Não me pareceu certo. Então eu mandei que
fosse atrás da esposa, e ele foi, e isso se mostrou

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uma excelente decisão.

Lambi os lábios, que estavam ficando


ressecados sem motivo aparente, e continuei, sem
deixar de abraçar Gabriel, que mirava minha boca
com o rosto ainda rígido.

— Se ele tivesse recusado minha ordem, eu


não sei o que teria acontecido. Realmente não sei.
Talvez, em outro universo, eu teria ficado com ele,
talvez fosse um passo natural. Ele provavelmente
moraria comigo e... Bom, o resto seria história. Mas
no mundo real, aqui, eu faria de tudo para que eles
voltassem. Aqui, Gab, eu não estou... predestinada
a ficar com Joseph.

Gab avaliou minha expressão por um

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momento, os olhos brilhando e um minúsculo


sorriso no rosto, como se ele estivesse satisfeito,
mas não quisesse dar bandeira. Em seguida, o
sorriso de satisfação aumentou, mas se transformou
em um de ironia quando perguntou:

— Sei... E você está predestinada a ficar


com quem? Com a Wings?

— Olha, Segurança inteligente! Exatamente


com ela! Ainda mais agora, que teremos uma
herdeira, né? A filha de Sophia — brinquei e o
soltei para continuar a fazer nosso café gelado —
Engraçado, déjà-vu.

Ele encostou na pia e cruzou os braços


enquanto eu media os ingredientes e os colocava no

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liquidificador. Contive um sorriso, pois queria


brincar com Gabriel, para dissolver o clima que se
instalou no ar.

— Déjà-vu? Por quê? De quando?

— Ah, da Rússia. Quando você ficou com


ciúmes de mim com aquele vendedor bonitão,
lembra? Aquele de olhos azuis da cor do céu da
Urca em dias de sol.

O sorriso espertalhão de Gabriel morreu no


rosto imediatamente, me fazendo parar de colocar
canela no café para não sujar a pia toda.

— Eu não fiquei com... — ele tentou se


defender, mas eu o interrompi:

— Não ficou com ciúmes na Rússia?

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Arram! — ironizei. — Nem agora, né? Você não


sente ciúmes nunca de ninguém, é verdade! É tudo
coisa da minha cabeça! “E se o Joe não tivesse
continuado o casamento, mimimi?” Isso não é
ciúmes, verdade, é só curiosidade inocente —
brinquei e levei um tapa na bunda, dando um
gritinho de susto enquanto ria.

— Engraçadinha você, não? — disse e me


puxou de leve pelo rabo de cavalo, me fazendo
olhar para ele. — Não estou com ciúmes, só queria
saber se eu estaria aqui caso Joe não fosse casado.

Passei os braços ao redor do pescoço de


Gabriel e abri mais ainda meu sorriso.

— E isso não é ciúme? O que você chama

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de ciúme, Segurança? — provoquei aproximando


minha boca da sua.

Gabriel hesitou por um momento, como se


não soubesse bem a resposta para a minha
pergunta.

— Não sei, talvez achar que a pessoa é


propriedade da outra?

Franzi os lábios e olhei para o teto enquanto


refletia.

— Não sei se concordo totalmente... Talvez,


para algumas pessoas, seja isso mesmo. Para
outras, pode ser só medo de perder a pessoa, eu
acho... — comentei, pensativa.

— Como você pode saber? Você nasceu

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sem uma célula de ciúme no corpo... — ele


brincou, ainda que estivesse sério.

Voltei a olhar para ele e dei uma risada ao


ver o brilho zombeteiro em seus olhos.

— Quem disse?

— Eu disse, ué. Você não sente um


centímetro de ciúmes de ninguém, Costureira.

— Centímetro? Ah, não é bem assim


também, Gab. Acabei de falar que quase impedi o
casamento do Joseph, não ouviu? Se isso não é
ciúme para você...

Falei sem pensar e não me dei conta do que


aquela frase poderia parecer: que de Joe eu sentia
ciúmes, de Gabriel não. Gab, aparentemente,

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pescou exatamente esse sentido, já que uma sombra


passou por seu olhar rapidamente. Fiz uma careta e
tentei me explicar:

— Você entendeu, Gab. Joe e eu somos


amigos hoje, eu o amo muito, muito mesmo, mas
não existe a menor, minúscula, mínima chance de
eu sentir algo por ele além de amor fraterno. Já
quanto a você, eu não sinto ciúmes porque você
nunca me deu motivo, deu?

Gab continuou um silêncio e deu um


pequeno sorriso enquanto botava as mãos em meus
quadris.

— Até onde eu sei, Segurança, você


respeitou nosso acordo monogâmico durante toda a

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turnê, não deu corda para nenhuma mulher que se


aproximou, e eu vi várias tentando, nem adianta
negar, não instalou nenhum aplicativo de pegação
no celular durante esses dez meses, não entrou em
nenhuma igreja com nenhuma mulher e se casou
com ela lá... Bem certo que... você tem demorado
bastante para voltar das idas ao mercado, hein,
senhor Gabriel? Tá dando mole pra vizinha peituda,
não tá? Se for para pegar ela, me chama, eu
participo — falei, tentando manter o rosto sério.

O pequeno sorriso de Gabriel aumentou e se


transformou em uma risada rouca.

— Droga, achei que tinha conseguido


disfarçar, Costureira. Aquela ali sim, tem uma boca

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de veludo, é impressionante.

— Desgraçado! — gritei, mas não consegui


reprimir o riso frouxo que saiu pelos lábios, então
empurrei o Segurança e voltei minha atenção para o
café que já derretia dentro do liquidificador. — Vai
lá, então, come ela inteirinha! E passa o resto da
semana com ela, eu volto pra Londres sozinha!
Bem vou arrumar um macho novo e britânico pra
mim lá!

Olhei para Gab, que fez uma careta de


descontentamento.

— Hm, Lena com ciúmes é cruel. Prefiro


Lena sem ciúmes.

Revirei os olhos, sorrindo, e coloquei o café

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da garrafa térmica junto dos outros ingredientes.


Tampei o liquidificador e o liguei, aguardando
tempo suficiente para deixar o Freezie com textura
de smoothie. Assim que desliguei, provei a bebida e
coloquei nos dois copos. Gab pegou um deles,
bebeu metade e comentou, retomando o assunto:

— Então nesse universo, eu estou aqui.

Bebi um golinho, peguei o copo de sua mão


e coloquei junto do meu em cima da pia. Havia
uma represa de sensações deliciosas querendo se
romper de meu peito, mas eu fui com calma até
Gab. Dei um passo à frente, encostei meus lábios
no canto de sua boca, deixei que minha pele
encostasse na sua, mas não coloquei as mãos nele.

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Gab fechou os olhos e conteve a respiração


por um segundo quando eu passei os lábios pelo
seu pescoço até a base de seu ombro nu, parando
para beijar delicadamente a cicatriz coberta pela
tatuagem.

— Por sorte minha, sim — disse e deslizei


as mãos espalmadas pelos seus braços até chegar
em seus ombros, pescoço e rosto. — Porque você é
o meu lyubimyy, o meu...

— Preferido — ele completou e levantou


meu rosto, se perdendo em meus olhos enquanto eu
fazia o mesmo nos seus.

— Algo assim, Gab.

Nada mais foi dito naquele momento. Sua

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boca encontrou a minha, suas mãos soltaram meu


cabelo e tiraram meu vestido enquanto as minhas o
livravam de sua calça de pijama. Em poucos
minutos, eu estava sentada na bancada da cozinha,
com Gabriel entre as minhas pernas, o corpo colado
no meu enquanto eu o beijava com a paixão e a
vontade de quem tem uma certeza na vida.

Pouco me importava o que teria acontecido


em outro universo.

Aqui, neste, Gabriel entrou e não sai mais.

Ponto final.

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Voltando para Londres


— Costureira, pegou tudo? — Gab
perguntou enquanto eu verificava minhas malas.

Para nossa tristeza, nossas semanas de férias


no Rio acabaram, ainda que Betty tivesse estendido
nosso prazo do dia doze de janeiro para o dia
quinze. Nossa vontade era ficar ali para sempre, só
vendo filmes, passeando, comendo e fazendo um
love. Mas trabalho é trabalho, né?

— Acho que sim, Segurança! Cadê a Júlia?


— perguntei do quarto e ouvi a voz de minha irmã,
que entrou no cômodo em toda sua exuberância
charmosa, com o cabelo brilhando como se tivesse

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saído do salão:

— Já estou aqui, maninha! Pronta pra levar


você para o aeroporto... O que é bom, para variar,
eu levar alguém para o aeroporto, não o contrário...
— ela comentou, me fazendo rir.

Levei minhas malas para a sala e coloquei


num cantinho enquanto Gabriel trazia as suas. Júlia
nos esperava girando nas mãos as chaves do carro
de Luciana e Jonathan, devidamente emprestado
para nos levar embora.

— Grande Irmã, agora que você é toda


fodona nas universidades americanas, podia tirar
mais folgas e vir pra cá, não é? Sinto sua falta, sinto
falta de te abraçar e sentir esse cheiro maravilhoso

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do seu cabelo, poxa... — comentei, quase fazendo


beicinho.

— Ô, maninha chorona, não faz manha!


Mas você tem razão, também sinto saudades de
ficar perto de você. Prometo vir pra cá duas vezes
por ano, ok? Caso eu não possa vir, me prometa
que vai pra lá, pra gente não passar tanto tempo
longe uma da outra. Promete? — ela disse e
levantou o dedo mindinho para mim.

Juntei o dedo no dela e balancei a cabeça,


firmando nossa promessa. Eu já tinha viajado a
trabalho para mais de vinte cidades diferentes em
não sei quantos países ao longo daquele ano,
poderia dar um jeito de ir ver minha irmã pelo

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menos uma vez ao ano nos Estados Unidos.

— Poxa, taí um tipo de promessa que eu


não posso fazer... — Lula brincou ao entrar no
apartamento e ver meu dedinho preso no de minha
irmã.

Gabriel, que já estava na sala, franziu as


sobrancelhas quando ouviu a piada, já que não
entendeu de imediato, mas assentiu quando ela
mostrou a mão que faltava um dedo, consequência
de um acidente que sofrera aos oito anos de idade.

— Seu apelido é tão conveniente, Lula... —


ele comentou, me fazendo rir. Luciana
imediatamente explicou:

— Não é? Foram uns moleques da escola

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que me deram, querendo zombar de mim, mas


acabou pegando, e como combina com meu nome,
eu gostei. Tem me dado uns problemas
ultimamente, sabe, com esse monte de julgamento
envolvendo o ex-presidente, mas eu sei lidar com
isso. Enfim, é por isso que não posso fazer
promessas de mindinho, razões óbvias.

— Ah, sim, porque você perdeu os dois


mindinhos, né, Luciana? Tem o da mão direita
ainda, então dá para prometer, ué! — respondi,
fazendo ela rir e me mostrar aquela fileira linda de
dentes perfeitos, iguais aos do irmão. — Cadê o
gostosão do seu marido?

— Não pode vir, mas te mandou um beijo.

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Deu uns galhos lá no pub e ele foi resolver as


pendengas — ela disse enquanto se esticava toda
para beijar o rosto de Gab, que precisou abaixar a
cabeça para aceitar o cumprimento. — Credo,
vocês são muito altos.

— Você que é nanica, igual Sophia, o que


eu posso fazer? — respondi enquanto a abraçava.

Recebi uma careta em resposta e o


momento de cumprimentos e delicadezas acabou
por aí. Luciana sendo Luciana, prática.

— Bom, vamos? Temos... três horas até o


voo. Tempo de sobra. Te vejo daqui a dois meses,
gatinha — disse para Luciana, mas ela não sorriu,
pelo contrário, franziu o cenho e desviou o olhar,

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como se estivesse triste. — Ok, não é bem a reação


que eu pensei, mas... Vamos, Gab?

Olhei para Gabriel, que estava parado ao


meu lado, perto da porta, agora totalmente
distraído, olhando para o sofá como se tivesse
esquecido de alguma coisa.

— Gab? Vamos?

Ele desviou o olhar e voltou sua atenção


para mim, sorrindo como se nada tivesse
acontecido.

— Sim, vamos.

Pisamos no aeroporto uma hora depois.


Trânsito e distância, uma péssima combinação.

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Minha irmã, a única pessoa que veio conosco, mal


chegou, já nos largou sozinhos e foi até uma
livraria do aeroporto, dizendo que queria comprar
um livro aleatório que não consegui entender o
nome.

— Uau, nota-se que ela está arrasada com a


minha ida... — brinquei quando nos sentamos nos
bancos de metal próximos à livraria. — Veja como
nem conseguir conceber a ideia de ficar longe de
mim... — comentei num tom falsamente dramático.

Eu ri de minha própria piada e olhei para


Gabriel, que não sorria, apenas olhava distraído
para um ponto qualquer na nossa frente. Aquela
reação do Segurança me fez engolir em seco, sabia

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exatamente no que ele estava pensando. Em dois


meses, quem faria o papel de Júlia seria ele, me
levando até o aeroporto e se preparando para ficar
longe de mim.

— Gab, eu... Podemos fazer um acordo?

Ele parou de olhar para o nada e voltou seus


olhos brilhantes para mim.

— Podemos não falar sobre o que vai


acontecer daqui a dois meses? Fingir, só por essas
semanas que restam, que eu não estarei aqui,
sozinha e sem você, em março?

Ele piscou algumas vezes, como se não


estivesse entendendo o objetivo daquela proposta, e
eu emendei:

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— A não ser que a gente encontre um


modo, Gab, de... prolongar o que temos... não faz
sentido ficar ressaltando o inevitável. Nós temos...
seis semanas juntos. Olha, nem são dois meses,
como eu pensei, é um mês e meio... Enfim,
podemos focar nas seis semanas e fingir que elas
serão eternas?

Gabriel continuou me olhando sem dizer


nada, até que eu desviei o olhar quando escutei a
voz de minha irmã surgir próxima de nós, falando
com o marido ao telefone, sem nenhuma sacola de
compras nas mãos. Que mentirosinha.

— Yep... Nope... Yep... Nope... Love you too


— e desligou antes de parar na nossa frente.

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— Uau, você é tão eloquente... — brinquei,


fazendo Júlia rir.

— Já tiveram a conversa chata sobre fingir


que vocês não vão se separar em março? Posso
sentar aqui já? — inquiriu, nos impressionando.
Olhei para Gabriel, que tinha no rosto uma
expressão estoica, mas eu sabia ler seus olhos,
então...

— Como você sabia que a gente...? —


tentei perguntar, porém ela cruzou os braços, ainda
de pé na minha frente, e me interrompeu:

— Porque sou sua irmã e conheço você


como ninguém. Há três coisas que você é um
fracasso — ela começou a dizer e enumerar com os

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dedos. — Alfaiataria, lidar com homens te


agarrando e tomar banhos quentes. Em
contrapartida, há três coisas que são dons seus: sua
memória fotográfica, coordenação motora e evitar
pensar em problemas. O seu bom e velho “não vou
pensar nisso agora”. O dia que você não fizer mais
isso, eu mudo de nome. E de gênero. Se der, mudo
de cor, que nem o Michael Jackson.

Desgraça de mulher inteligente.

— Escuta, por que você não aproveita que


estamos no aeroporto e compra uma passagem para
ir à Merda? Dizem que a Merda é adorável nessa
época do ano, com neve caindo e tudo...

— Ah, sim, Merda é aquela cidade perto de

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Boston? Conheço, realmente é adorável —


respondeu, e foi inevitável não rir daquela pateta.
Até Gabriel, que estava em silêncio, deu uma
risada. — Ok, vamos brincar de Lena. Não vamos
pensar em nada agora, vamos apenas aproveitar a
companhia uns dos outros!

Minha irmã deu um tapinha no meu ombro,


me mandando sair do meu lugar, e desabou no
banco, entre Gab e eu.

— Me conta, Lena, já conseguiu comer o


Segurança no avião? Sei que seu sonho é fazer um
amor nas alturas, mas sabe que há outras
possibilidades além do sexo normal, né? Veja bem,
em aviões, há diversas oportunidades de sexos fora

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do padrão, sempre dá pra fazer um bom artesanal,


um dry hump, um boque...

— Eu acho que vou comprar um café,


alguém quer? — Gabriel disse e se levantou
rapidamente, mas nem esperou resposta, apenas
caminhou para longe de minha irmã tarada, o que
nos fez rir frouxamente.

— Ah, homens, como eu os adoro. Mesmo


adultos, não aguentam a pressão de uma mulher
desbocada — Júlia disse quando Gab sumiu de
nossas vistas.

— Ele aguenta a minha pressão, Júlia, mas


ninguém merece ouvir a cunhada falando em
bolagatos, concorda? — retruquei e ri quando Júlia

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sacou uma lixinha rosa do bolso da calça jeans e


começou a acertar as unhas.

— Sei. Cunhada. Bom ver que você admite


assim, com tanta tranquilidade.

Ops.

— Ah, você entendeu. Eu... — tentei


explicar, mas ela me interrompeu, sem desviar a
atenção de suas unhas.

— Ele é um cara de ouro, o Gabriel. No


nível do Joe, Lena. E você sabe o que dizer “no
nível do Joe” significa pra mim, levando em conta
que o Joseph é o único cara que eu achei que daria
certo com você. Tem certeza que vai deixá-lo ir
embora assim, tão facilmente? O Gabriel, não o

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Joe, claro.

Olhei para ela, constrangida, e tentei fazer


graça:

— E quem disse que eu vou deixar ele ir


embora? Sou eu quem vai se mandar, esqueceu?

Minha irmã revirou os olhos e cruzou os


braços, sem paciência para minha tentativa de
desviar do assunto.

— Eu sei, Júlia, eu sei que ele é um homem


maravilhoso, sei disso tudo, estou com ele há quase
um ano — assumi a contragosto, pois não queria
falar sobre aquilo. — Eu não posso evitar pensar
nisso pra sempre, mas...

— Se ele te pedir pra ficar, você fica? Com

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ele, quero dizer — ela explicou e aguardou minha


resposta.

Hesitei um momento, dois, três, que logo se


tornaram minutos. A resposta era, ao mesmo
tempo, óbvia e incerta. Minha irmã suspirou
quando viu que eu não falaria mais nada.

— Temos um problema bem grande aqui,


senhoras e senhores... Dois adultos com carreiras
de sucesso e uma distância gigante entre os dois —
ela disse e assoprou uma unha. — Lena não pode
largar a Wings, Gab não pode largar a Sissy
Walker, ou sei lá o que o segura na Europa. E
agora, José?

Evitei falar que não tinha certeza sobre a

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Sissy Walker ser o motivo que o segurava lá, ainda


que soubesse quão importante o trabalho era para
Gab. Júlia não sabia de Lloyd, e eu não contaria
uma história que não era minha.

Mesmo sabendo que essa história


provavelmente nos separaria.

— E agora você cala sua boquinha, que


Gabriel tá chegando — eu ordenei quando vi Gab
chegando com uma bandeja de papelão e três cafés.

Júlia parou de lixar a unha, pegou uma


mecha de seu cabelo, enrolou nos dedos e ficou
observando o Segurança se aproximar e oferecer os
cafés:

— Café? Mocca, puro e descafeinado, não

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sei o que você toma, Júlia — ele explicou e


apontou para os copos.

Ela se levantou, parou na frente de Gabriel e


o fitou por longos segundos, o suficiente para
alguém ficar constrangido.

No caso, eu.

— Júlia, mamãe não te ensinou que é feio


encarar o coleguinha? — briguei e me levantei
também, tentando entender o que minha irmã
estava tentando fazer.

Foi a primeira vez na vida que me senti


baixinha. Júlia é mais alta que eu, a desgraçada tem
mais de um metro e oitenta e ainda estava de salto,
quase da altura de Gabriel, que por si só já é muito

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maior que eu. Maldita hora em que resolvi vir de


tênis!

— Júlia? — Gabriel perguntou, o rosto


neutro, apesar da torta de climão que eu estava
saboreando. — Mocca, puro ou descafeinado?

Minha irmã pegou um dos copos, bebeu um


gole e me passou. Pegou outro, bebeu outro gole e
deixou de volta na bandeja. Por fim, pegou o
terceiro, provou e fez careta.

— Cruzes, que café ruim.

— Café de aeroporto, o que você esperava?


— Gabriel perguntou, um traço de humor na voz.

— Esperava um café minimamente


saboroso, uma Coca-Cola, uma solução pro

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problema de vocês, qualquer coisa que não fosse


uma bebida com gosto de bunda velha.

Gabriel não alterou a expressão ao ouvir


aquilo, ao contrário de mim, que quis abrir um
buraco no chão e enterrar a cabeça. Júlia não tinha
falado que a gente iria deixar isso para depois, meu
Deus do céu?

— Gosto de bunda velha? Isso presume que


você já provou duas bundas, uma velha e uma
nova, para saber a diferença. A situação nos
Estados Unidos está tão ruim assim para
imigrantes?

Eu estava bebendo meu mocca quando ouvi


isso e quase fiz a típica cena de filme, cuspindo

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tudo para rir. Gabriel fazendo piadas com minha


irmã era algo que eu guardaria para sempre na
memória.

Minha irmã mordeu o lábio por um


momento, desviou o olhar, tentou segurar, mas
acabou caindo na risada. Ela realmente simpatizava
com o Segurança.

— Você é ridículo, Segurança! Ridículo!


Devia casar com essa mocreia aí e ter nove filhos...
Ah, sim, minha irmã foi ao veterinário se castrar,
esqueci.

— Júlia! — eu gritei com voz aguda,


chocada demais com o vocabulário absurdo —
Castrar? Você é uma grandessíssima filha da...

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— Enfim, você, Gabriel, devia casar com


ela, ter nove gatos e servir de babá pros filhos de
todos os seus amigos, é isso que você devia fazer
— Júlia me interrompeu, soltou esse bando de
besteira de uma vez e apontou para a livraria de
novo. — Agora que mencionei casamento e fiz
minha irmã corar até a raiz do cabelo, vou voltar
pra livraria e fingir de novo que algo me interessou
lá. Volto daqui a dez minutos. Espero ver um anel
com uma pedra imensa no dedo de Lena, Gabriel.
Não me decepcione, Segurança!

E sem mais, a pessoa mais sem noção do


planeta voltou para perto dos livros do aeroporto,
segurando o café descafeinado — qual é o
propósito de um café sem cafeína? —, me deixando
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em uma situação levemente constrangedora. Gab


sabia que casamento era algo que não fazia parte
dos meus planos, mas como a situação toda havia
mudado — quero dizer, antes havia o nada, depois,
havia Gab, né? —, não nego que fiquei sem jeito
com aquela indireta totalmente direta.

Até porque casamento, por mais atraente


que fosse, não ia resolver nada. O problema nunca
foi assumir um compromisso. O problema era a
distância física que existia entre nós, era tudo
aquilo que nos prendia em países distintos,
separados por um oceano e pela impossibilidade de
abrir mão de algo fundamental em nossa vida.

Gabriel sentou ao meu lado, colocou a

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bandeja de papelão no banco vazio do lado oposto e


bebeu seu café puro antes de comentar
tranquilamente:

— Você mencionou algo sobre Sophia ser


pirada, mas esqueceu de dizer que Júlia seria a mais
insana de todas as pessoas que te rodeiam,
Costureira.

Ri por trás de meu copo e senti vontade de


suspirar. Gabriel deliberadamente ignorara a
provocação e decidira atender meu pedido.

— Eu avisei isso naquele dia no Skype, na


primeira vez que usei seu MacBook, você que não
prestou atenção. Minha irmã não dá a mínima para
nada, é por isso que ela é assim. Ela não se importa

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se as pessoas vão ficar sem graça com as palavras


dela. Ela decide dizer, e é isso, aguenta quem for
durão o suficiente para não ficar vermelho.

Gabriel voltou sua atenção para mim, mirou


minhas bochechas, que deviam estar coradas ainda,
deu um pequeno sorriso e bebeu o restante de sua
bebida. Ficamos em silêncio por um momento, Gab
olhando para os sapatos, eu, para suas mãos
trambolhudas. Quase dava para ouvir as
engrenagens trabalhando em sua cabeça, levando
em conta que ele abriu a boca e fechou umas quatro
vezes antes de finalmente dizer:

— Eu topo seu acordo, Costureira. Por


agora, a gente tenta não pensar em março.

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Meu coração bateu com força no peito, e eu


quase respirei aliviada por ouvir aquilo.

— Obrigada. Acho que vai ser melhor


assim, caso a gente não consiga... Sabe?

— Arrumar um meio-termo — ele


completou enquanto olhava em meus olhos, a
expressão fechada.

— Sim. Dar um jeito.

Quis perguntar se ele achava que era


possível, se ele achava que havia alguma
possibilidade, mas me faltou coragem, então
mudamos de assunto e conversamos sobre como
foram nossos dias no Rio, os passeios, as praias, os
dias de turistas, tudo que fosse mais trivial.

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Quando deu a hora de embarcar, me despedi


de Júlia ouvindo promessas de que voltaríamos a
nos ver em breve. Observei minha irmã abraçar e
quase levantar Gabriel do chão, de tanta força que
ela usou nos braços — o que ela estava fazendo nos
Estados Unidos, servindo ao exército? —, e entrei
no finger segurando a mão de Gab.

— Ugh... Aquele café tava doce até dizer


chega... — eu comentei, já sentindo o enjoo que
antecedia meus voos. — Droga, esqueci de comprar
o remédio, Gab! Onde eu estou com a cabeça?

— Não seja por isso, eu peguei no seu


banheiro — ele disse e tirou do bolso da calça uma
cartela de Dramin.

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Arregalei os olhos e peguei a cartela,


sacando logo um comprimido e engolindo sem
auxílio de nenhum líquido.

— Você é maravilhoso.

Gabriel murmurou um agradecimento


ligeiramente envergonhado — bem ligeiramente: é
o Segurança, afinal de contas — e entrou no avião
comigo.

O resto do longo voo se deu sem muitas


novidades: eu chapada de remédio, Gabriel lendo
um livro, depois eu acordando meio sem saber onde
estava e querendo transar quando lembrei que
estava em um avião, Gabriel me dizendo pela
trigésima vez que necrofilia não é a praia dele, eu

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chamando o Segurança de frouxo, ele somente


rindo da minha birra e nós conversando sobre as
futuras agendas de trabalho.

Vez ou outra eu segurava sua mão com


força, quando me dava conta de que o próximo voo
que eu faria seria realmente sem ele, e por vários
momentos pensei em quebrar o nosso acordo e
tentar negociar uma forma, mas sabia que era
melhor não fazer isso naquele momento.

Seis semanas eram muito pouco tempo para


se perder com coisas aparentemente inevitáveis,
então sempre que meu coração acelerava ao pensar
nisso, eu apenas me inclinava e beijava Gabriel,
que correspondia imediatamente, como se soubesse

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exatamente o motivo daqueles beijos e


compartilhasse do mesmo sentimento que eu.

Quero dizer...

É óbvio que Gabriel sempre compartilhou


do mesmo sentimento que eu.

Alguém ainda tinha dúvidas?

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Contemplação
Com a caneca de Gabriel nas mãos, a de
Sangue de Groupies Virgens, fiquei olhando de
longe a movimentação da mansão, os membros da
banda chegando para uma noite de pizza e
bebedeira, como era comum. Eles, é claro, não me
viram, eu estava distante e meio escondida, sentada
no chão, as costas coladas no tronco de uma das
árvores imensas do terreno. Eu era um pontinho
distante no horizonte, próxima à entrada da casa.

Naquele dia, Gabriel precisou sair com


Betty e Tony, então eu aproveitei o tempo livre
para ficar quietinha ali. Bebi mais um gole do café
e ajeitei o casaco nos ombros, faltavam quatro
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semanas para o contrato acabar, mas eu estava


conseguindo ignorar esse detalhe e me concentrar
em coisas mais importantes, como o fato de que
Lloyd finalmente chegara em Londres e eu o
conheceria naquele mesmo dia.

De vez em quando, flashes do dia em que


conheci Gab, quase cinco anos antes, pipocavam
em minha mente, e eu me distraía totalmente de
tudo, pensando em como as coisas evoluíram,
mudaram, aumentaram...

Gabriel era apenas um segurança


perambulando pelo backstage naquele dia. Um
homem que me atraiu, somente isso. Olha para o
que ele é hoje... A mudança é gigantesca.

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Estava viajando nas alturas, quando a voz


que eu tanto amava me tirou dos devaneios.

— Lena? Por que tá escondida aqui?

Ele tinha surgido do nada ao meu lado, me


causando um leve sobressalto.

— Gab! Já chegou? Nem ouvi o carro


passando — comentei e olhei para o lado, onde
ficava a estradinha que conectava a entrada e a
guarita com a mansão em si.

— É, eu notei. Eu buzinei pra você, não


ouviu? — ele perguntou, a diversão nítida na voz, e
sentou ao meu lado.

Prendi a respiração quando ele fez aquilo,


mas aí me dei conta de que ele não estava de terno,

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mas sim de calça jeans. Ufa, imagina estragar um


dos ternos caros com terra?

Sorrindo, me inclinei para perto e beijei


seus lábios antes de responder:

— Não, eu estava totalmente distraída,


desculpa. Toma, tá quentinho ainda — disse e
ofereci meu café.

— Obrigado — disse enquanto aproximava


a caneca dos lábios, o rosto tranquilo. — No que
você estava pensando que te fez vir para esse canto
afastado e se desligar do mundo?

Com um sorriso tímido aparecendo, desviei


o olhar de Gabriel para a mansão.

— No dia em que nos conhecemos. Eu me

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jogando em você, te seguindo naquela escadaria,


você quase transando comigo sem camisinha...

Gabriel bebeu o café e riu de meu


comentário. Aquela fora a primeira vez que fiz o
Segurança perder o controle comigo, eu me lembro
perfeitamente.

— Eu não ia transar com você sem


camisinha, Costureira, por quem me toma?

— Ah, não ia? Se bem me lembro, quem


indicou esse pequeno detalhe fui eu.

Ele balançou a cabeça para os lados,


explicando suas intenções ocultas.

— E quem te disse que o que eu ia fazer


precisava de camisinha? Você não vive falando que

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minhas mãos são trambolhudas? Elas sabem fazer


mais do que segurar uma arma, Costureira, achei
que você já tinha notado.

Inclinei a cabeça para o lado, erguendo as


sobrancelhas rapidamente, como quem diz “ô, e
como sei”, e Gabriel voltou para o café por um
segundo, um sorriso nos lábios.

— Mas, para ser bem sincero, pensar em


qualquer coisa que não fosse você seminua era
realmente difícil.

Dessa vez, quem riu fui eu.

— Que dia, aquele... Fiquei pensando nele


durante meses a fio. Roberto adorou isso, cá entre
nós. Talvez exista um motivo para ele ter feito

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aquela brincadeira de mau gosto no Rio, sabe?


Vingança?

Gab franziu as sobrancelhas e me perguntou


o que Beto tinha a ver com nossa primeira vez.

— Bom, ele sempre foi meu amigo... com


benefícios, você sabe. Digamos que eu... hm...
tenha acidentalmente chamado Beto de “Gabriel”
um dia... Sabe? Em circunstâncias não muito...

— Você chamou Roberto pelo meu nome


enquanto fazia sexo com ele? — Gabriel
perguntou, incrédulo, e eu notei que a vontade de
rir surgiu com tamanha força, que ele quase
engasgou com o café. — Você dormiu enquanto
transava com ele, quase quebrou seu nariz batendo

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a cara na parede após fazer sexo com ele, e ainda


trocou o nome dele em uma transa? Meu Deus,
Lena, vocês são um desastre como casal! Como
aquele imprestável ainda é seu amigo depois disso
tudo?

Cobri o rosto com as mãos, morrendo de


vergonha, e Gabriel deu sua risada frouxa ao me
ver daquele jeito.

— Nós não éramos um casal, só quando eu


era adolescente, então tá tudo bem, Segurança.
Você faz com que eu me sinta uma megera! —
exclamei quando ele puxou minhas mãos e
continuou rindo ao me ver corada.

— Bom ver que eu não preciso me

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preocupar com ele. Você sozinha consegue pisotear


a autoestima do homem. Pobre Roberto, me faz até
sentir pena dele agora.

Gab beijou minhas mãos, e eu corei mais


ainda.

— Você não precisa se preocupar de modo


algum com ele, Segurança, já disse que não temos
mais nada, nem queremos ter. Não há como
“pisotear a autoestima” dele se eu não sou nada de
Roberto além de amiga!

— Dado o seu histórico, creio que você vai


arrumar um jeito de sapatear nele mais um pouco,
Costureira. Acho bom, continue fazendo isso.
Minha pena já passou.

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Gabriel me puxou para perto e me beijou


por um momento, mas eu o interrompi para zombar
um pouquinho:

— Você não foi mesmo com a cara dele,


né?

— Não — respondeu de modo direto. —


Tenho motivos para simpatizar? Vejamos, quando
você foi atacada por aquele cara naquela igreja, nos
seus dezessete anos, Roberto ficou ao seu lado?

— Não... Na época, ele meio que me culpou


por aquilo...

— Argumento um. Próximo: Roberto


consegue compreender que, por mais que vocês
dois tenham sido os primeiros um do outro, isso

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não dá um certificado de propriedade para ele em


relação a você?

— Não muito...

— Argumento dois. Próximo: quantos anos


vocês tiveram de amizade colorida?

— Hm... Uns seis...

— Ok. Há quantos anos você está comigo?

Engoli em seco e senti o coração palpitando


com força no peito.

— Um...

— Argumento três. Próximo: onde ele


mora?

— Perto da minha casa, em Copacabana...

— Argumento quatro. Próximo: vocês têm


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uma relação comercial? Algo que envolva um


contrato, reuniões?

— Sim, ele é o proprietário do prédio da


Wings... O do Centro, que fica o escritório...

Eu estava ficando ligeiramente sem graça


com aqueles motivos. Era fofo e constrangedor ao
mesmo tempo.

— Por causa disso, vocês costumam se ver


com frequência?

— Sim, semanalmente.

— Argumento cinco. Próximo: ele é casado,


comprometido?

— Até onde eu sei, não...

— Então ele pode ficar te rodeando que

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nem um urubu quando você voltar para o Rio, e


nada o impede de dar em cima de você?

— Ahn...

Não era bem assim, mas adiantaria repetir


para o Segurança que o tesão entre Beto e eu já
havia esfriado há milênios?

— Argumento seis. Próximo: você...?

— Ok, ok, entendi. Pode odiá-lo o quanto


quiser, Segurança... — eu murmurei, e peguei a
mão de Gabriel, entrelaçando meus dedos nela e
apoiando o corpo no dele.

— Muito obrigado, Costureira. Mas, mesmo


sem permissão, eu ia odiar de qualquer maneira.
Ele pode ter coisas com você que eu não posso,

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coisas demais que eu... como você diz? “Daria uma


falange”? Sim, coisas que eu daria uma falange
para ter. É motivo suficiente para eu não morrer de
amores por Roberto. É uma pena que ele tenha a
ficha tão limpa, seria ótimo arranjar um motivo
para mandá-lo para bem longe, tipo Bangu ou
quaisquer que sejam os nomes dos presídios do
Rio...

Arregalei os olhos e virei o rosto para olhar


Gabriel, que retribuiu o movimento, mas apenas
sorriu, como se aquilo fosse a coisa mais tranquila
do mundo, quebrar algumas leis e olhar a ficha de
meu ex-namorado. Também percebi seu
comentário romântico, mas fiquei tão chocada com
a segunda parte de sua fala, que o deixei de lado
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por um momento.

— Gabriel! Você não pode...! — tentei


brigar, mas ele pousou a caneca ao seu lado e
literalmente se jogou em cima de mim, me deitando
contra a grama, um sorriso sacana escancarado no
rosto. — Ai, vai sujar a minha roupa...

— Mas me conta, em qual parte desse


flashback sobre o dia em que nos conhecemos você
estava? — perguntou, ignorando minha reclamação
e beijando meu pescoço. — Já chegou na parte em
que a gente entrava no meu quarto e fazia sexo
durante horas a fio? Ou ainda estava nas escadas,
quando meus dedos deslizaram com uma facilidade
impressionante pra dentro de você? Sempre me

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perguntei se caberia um quarto dedo, sabia?

— Você está me provocando para me


distrair, Segurança, eu sou não sou boba... —
reclamei com a voz falhando pelo desejo que já
começava a incendiar meu corpo.

— Nunca disse que você era, Lena. Pelo


contrário, você é um gênio. Veio para o único lugar
que tem um ponto cego nas câmeras externas da
mansão.

Dei um sorriso travesso, empurrei Gab e


respondi enquanto tentava sentar:

— E você acha que eu descobri isso


sozinha? Eu me lembro de você reclamando desse
ponto com a Erika.

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Gab curvou os lábios para baixo, como se


estivesse impressionado, e refletiu por um
momento enquanto se levantava e me dava a mão
para fazer o mesmo.

— Eu disse isso em abril ou maio do ano


passado. Como você lembra disso? — perguntou
quando eu me levantei com sua ajuda e deixei que
ele me levasse para a parte entre a árvore e o muro
de cerca-viva, onde havia o ponto cego.

— Eu lembro de tudo sobre você,


Segurança idiota.

Ele sorriu, mostrando seus dentes lindos,


pegou o celular do bolso e gravou uma mensagem
para Erika, avisando que ficaria distante por meia

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hora, mas que logo voltaria. Nem esperou a


resposta, apenas me encostou na árvore e começou
a me beijar.

De todos os lugares em que fizemos sexo,


todos os quartos de hotel, pontos cegos em
corredores, quarto de Roberto, meu ateliê com
gente na sala — no dia do meu aniversário —,
banheiro de bar na Itália, enfim, esse monte de
lugar aleatório, sentir o seu corpo contra o meu,
sentir Gabriel se enterrando para dentro de mim
enquanto estava encostada em uma árvore na
mansão de nossas chefes foi, sem sombra de
dúvidas, a vez mais louca de todas.

Arriscamos muita coisa, quebramos umas

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cinco regras profissionais, voltamos para a mansão


depois cheios de terra nas roupas, ouvimos
piadinhas intermináveis e, para completar a audácia
das Filombetas, ainda respondemos à provocação
dos nossos chefes nos agarrando na frente de todo
mundo, sem nem ligar para mais nada.

Ora, dois burros velhos trabalhando para


pessoas mais novas que adoravam fazer piadinha
sobre nós. Querem material para isso? A gente dá
material, uai!

Já dei tanta coisa hoje mesmo...

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Conhecendo o sogro
— Helena, Lloyd, Lloyd, Helena – Gab
apresentou, e o esforço que fiz para não resfolegar
de medo da cara feia do sensei do Segurança
provavelmente me arrebentou algumas pregas.

Aguardando nossa visita em seu


apartamento, que realmente era tão pequeno quanto
o meu no Brasil, estava um velhinho de cabelo
totalmente branco, com a maior cara de poucos
amigos que eu já tinha visto na vida. Achei que ele
era a cara do Lima Duarte numa versão rabugenta,
mas senti que se falasse isso, provavelmente iria
piorar minha situação. Ele não parecia estar muito
feliz com minha visita.
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Aliás, ele não parecia estar feliz nem com a


própria vida.

E as pessoas ainda falam que Gabriel é


sério!

Eu continuava imóvel, nervosa como uma


adolescente indo conhecer os pais do namorado,
vestida em um de meus melhores terninhos, com
uma maquiagem leve que não gritava “piranha” —
coisa que eu não tenho problema algum, mas,
convenhamos, era um idoso de sessenta, quase
setenta anos, né? —, torcendo para que ele gostasse
de mim.

Gabriel, me vendo travada na porta de


entrada e olhando Lloyd sentado em uma cadeira,

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próximo à janela do apartamentico em Clapham,


me puxou para dentro, se esforçando para não rir.

Limpei a garganta e passei a mão no


terninho, tirando pelos de gato inexistentes. Sabe
quando você tenta desamassar o que não está
amassado, corrigir o que não está errado e limpar o
que não está sujo? Era o que eu estava fazendo.

Deus, eu estava muito nervosa. E sem


motivo, era só o sensei dele, pelo amor de Deus!

Lloyd se levantou, quase me fazendo chorar


de nervoso. O desgraçado do velhote era maior que
Gabriel! Como podia?

Deus, eu nunca te pedi nada de sério, mas


faça com que eu consiga controlar a bexiga e não

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fazer xixi de medo.

Lloyd parou no meio da sala, a uns cinco


passos de distância de mim, e eu precisei olhar para
o alto, mesmo estando de salto.

O filho da mãe devia ter dois metros de


altura, e isso não é um exagero.

Franzindo os lábios, ele cruzou os braços e


olhou para Gab, parado ao meu lado e
resmungando em português:

— Humpf. Ao menos ela não constatou o


óbvio. “Nossa, Lloyd, como você é alto”. Odeio
que me falem isso. Não preciso de nenhum anão
me dizendo o que eu já sei desde os quinze anos.
Você é a tal da Helena? – perguntou, o rosto

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totalmente franzido.

Agora entendi de onde Gabriel herdou a


expressão profissional. A diferença é que ele não
me assusta, já esse gigante imenso na minha
frente...

Ao contrário de mim, o Segurança estava


tranquilo. Enquanto soltava o nó da gravata,
caminhou até o sofá, me deixando sozinha frente a
frente com aquele monte de músculos da terceira
idade, e despencou no estofado, suspirando de
prazer.

— Esse teu sofá é incrível, Lloyd. Eu devia


ter comprado um igual naquele dia —Gab
comentou tranquilamente, totalmente à vontade, e

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tirou o terno, jogando no chão ao lado do móvel.


Meu coração até falhou uma batida ao ver toda
aquela falta de cerimônia.

— Ei, imprestável, mantenha a ordem do


meu apartamento, por favor? — Lloyd ralhou, e eu
me encolhi de susto.

Cara, eu devo ter me borrado já. Será que


pega mal eu verificar no banheiro dele?

— Então não chame Lena de “a tal da


Helena”. Não achei que a idade ia te deixar tão
mal-educado assim, burro velho.

Lloyd fez uma cara tão feia para Gab, que


ele percebeu meus olhos arregalados de pavor e deu
uma risada alta, apontando para mim.

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— Velhote, você tá assustando ela, olha.


Lena, senta aqui, ele não morde.

O sensei me olhou, a expressão ainda


contraída, como se estivesse prestes a fazer uma
daquelas coisas de caratê, judô, sei lá, e quebrar
minha coluna como se fosse um palitinho de
dentes. Dei um passo para trás sem nem perceber, e
finalmente Lloyd suavizou a expressão.

— Eu não vou te machucar, garota. Não me


culpe por ter nascido com essa cara de merda.

Pisquei algumas vezes e relaxei


minimamente quando ele se virou e voltou a sentar
na cadeira próxima à janela. Ainda um pouco
amedrontada, caminhei até Gab e sentei ao seu

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lado, enquanto o Segurança achava graça de meu


pavor. Logo que me acomodei, ele me puxou pelo
braço e beijou minha têmpora, mas não tive
coragem de retribuir: meus olhos não perdiam
Lloyd de foco em momento algum.

Na verdade, o que eu estava sentindo era


um misto de choque pelo tamanho daquele senhor e
medo de ele me odiar. Eu sabia que Lloyd jamais
me machucaria nem nada, era o sensei de Gabriel,
afinal de contas.

Mas isso não diminuía meu medo.

— Então, Klein, seu imprestável, essa é a


sua garota? É essa que você vive enchendo a porra
do meu saco falando toda hora? — ele perguntou

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enquanto pegava um cigarro em um maço largado


no batente da janela.

Olhei para Gab, que ficou subitamente sério


e evitou me encarar. Ora, ora, alguém estava
falando muito de mim, é?

— Se não fosse ela, acho que eu estaria em


maus lençóis trazendo outra pra te conhecer, não,
velhote? — respondeu, a voz séria de Segurança
Fodão Ativado.

Lloyd tossiu por um momento, e eu me


perguntei se aquilo era uma risada ou se ele havia
engasgado com a fumaça.

— Entendo sua fixação por ela, Klein.


Apesar da cara de quem tá de cu trancado de medo

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de mim, ela não parece ser uma daquelas que você


comia no passado.

— Lloyd... — Gabriel alertou, a voz


parecendo cansada. — Precisa falar assim?

O sensei soltou uma espiral de fumaça,


encarando Gab, bateu o cigarro em um cinzeiro e
largou a guimba lá. Fiquei tão impressionada com a
rapidez dele em tragar aquilo tudo, que nem me
irritei com o comentário. O vovô devia ter sugado o
cigarro mais rápido que exaustor de cozinha
industrial.

— Ué, ela é burra? Acha que você, com


quase quarenta anos na cara, nunca comeu
ninguém? Helena, né? — ele me perguntou, e eu

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somente acenei com a cabeça, me mantendo ereta


no sofá, desconfortável. — Sabe que Klein tinha
um ímã para gurias frouxas? Daquelas que gostam
de macho com cara de malvado, tipo esse
imprestável aí, sabe como é?

Meu Deus, que pessoa agradável.

— Todas elas iam ao dojo querendo falar


com ele, achando que com o poder do amor
vaginal, elas curariam Gabriel de todos os males e
o fariam sorrir novamente. Perdi a conta de quantas
tiveram seus corações partidos nas mãos dele.

Ele finalizou o discurso apontando para Gab


com o cigarro, e eu imediatamente olhei para
Gabriel com a expressão de dúvida no rosto. Como

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assim, corações partidos pelo Segurança?

— Ele não fazia por mal, eu sei. Tinha


muita coisa acontecendo na cabeça do menino pra
que ele pudesse prestar atenção em gurias
deslumbradas. Mas não muda o fato de que partiu
vários. Um monte imenso de gurias chorando no
meu dojo. Que grande filho da puta — disse e
soltou uma tosse-risada rouca quase nostálgica.

Gabriel parecia querer morrer ao meu lado.


Estava mordendo o lábio inferior por dentro e
balançando levemente a cabeça, como se estivesse
pensando em um modo de me tirar dali. Quase ri de
seu desconforto.

— Há, finalmente um sorriso. Deixar Klein

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sem jeito te relaxa, guria? — Lloyd perguntou, e eu


me surpreendi ao ver que realmente estava com os
lábios curvados para cima. — Gostei de ti, deve ser
desafiante pro imprestável estar ao seu lado.

— Você é repugnante, velhote — Gab disse


com a voz mortificada. — O que deu em você?
Comeu brownie de maconha, pra estar tão
engraçadinho?

Lloyd ergueu os ombros, sacando mais um


cigarro, e Gabriel se levantou de repente, indo até
ele e tirando o maço de suas mãos.

— Ei, seu puto, devolve!

— Nem fodendo. Fuma esse último aí e


pronto — exclamou e voltou para o meu lado, me

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entregando o maço e pedindo para eu guardar na


bolsa.

O sensei quase rosnou quando reclamou:

— Essa merdinha custou dez libras,


imprestável, devolve! Aposto que vai fumar meu
maço, usando essa desculpa cagada de que tá
preocupado com minha saúde. Você sempre fez
isso, de roubar meus cigarros!

Desviei o olhar para Gabriel, chocada com a


informação, mas ele somente me puxou pelo
ombro, me fazendo encostar o corpo no seu, e
respondeu tranquilamente:

— Eu não fumo, e você sabe disso


perfeitamente, velhote. E, até onde eu sei, você não

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pode fumar. Onde está a Amelia, por sinal? — Gab


olhou para uma porta fechada, e logo imaginei que
ali seria o quarto do apartamento.

Lloyd resmungou alguma coisa, e ouvi


novamente a pergunta sendo feita:

— Onde está Amelia, Lloyd?

— Eu mandei embora. Muito chata, fala


demais, quer atenção o tempo todo.

Gabriel literalmente suspirou, deitando a


cabeça no estofado do sofá por um momento.

— Lloyd, é a quinta enfermeira que você


manda embora. Está ficando difícil conseguir
alguém que cuide de ti, velho teimoso — reclamou,
e eu senti sua mão apertando levemente meu

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ombro. Provavelmente Gabriel nem notou que


estava fazendo isso.

O sensei fez uma expressão de desdém e


apontou para uns quadros na parede, que eu nem
tinha notado antes.

— Tá vendo esse monte de certificado aqui?


Eles dizem que eu estudei o suficiente de um monte
de coisa pra não precisar de babá. Pelo amor de
Deus, Klein, estou muito velho pra alguém vir me
dar meus remédios e controlar a quantidade de
vezes que vou no banheiro. Anda, vamos falar de
você e da “tal da Helena”, que o assunto era mais
interessante. Me diga, Helena, você vai embora
para aquele país maravilhoso e quente quando?

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Pisquei algumas vezes e olhei para Gab,


incerta sobre o que fazer. Quando ele se levantou,
me deixando sozinha no sofá, e caminhou até a
porta fechada, entrando no quarto, olhei para o
sensei, que aguardava uma resposta enquanto
finalizava seu último cigarro.

— Daqui a algumas semanas, senhor.

Ele fez um gesto com a mão e bateu as


cinzas no cinzeiro.

— Não me chame de senhor, guria, eu já


sou velho sem precisar de título.

— Sim, senhor. Quero dizer, sim. Desculpe


— gaguejei, e ele deu outra daquelas tosses que
pareciam uma risada.

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— Você é engraçada, guria. Colorida.

De onde eu estava, consegui ver Gabriel


revirando um armário no pequeno quarto. Quando
ouviu as palavras de seu sensei, ele ficou imóvel
por um momento, mas logo voltou a procurar sei lá
o quê.

— É um contraste interessante com Klein,


que é todo cinza desse jeito. Talvez, no fundo,
aquelas gurias apaixonadinhas tivessem razão,
afinal de contas. Talvez o jeito de fazer com que
alguém como Gabriel fique menos tenso seja dando
um pouco dessa cor que você tem.

Engoli em seco e voltei a olhar Gabriel


dentro do quarto. Novamente, ele ficou imóvel, e

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dessa vez passou a mão na cabeça, respirando


fundo. Em seguida, retomou as buscas, até achar
uma bolsinha preta e fazer menção de se virar.
Desviei o olhar rapidamente e mirei Lloyd.

— Ahn... Obrigada. Eu acho.

Gabriel não deu tempo do sensei responder,


apenas voltou para a sala com a bolsinha na mão.

— Esses são os remédios que eu comprei


antes de você ir para o Sul, Lloyd?

O velhote revirou os olhos e bufou.

— Sim, papai. Não tomei nenhum e estou


vivo, veja só o milagre da medicina!

Gab encostou a cabeça no batente da porta


do quarto e fechou os olhos por um momento, com

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uma postura cansada.

— Lloyd, você tem sessenta e oito anos de


idade e pressão alta. Pelo amor de Deus, homem,
você quer morrer? Me fala, que eu trago um veneno
mais rápido que essa merda desse cigarro que você
insiste em...

Lloyd apenas ergueu a mão para Gabriel,


que se calou imediatamente, me chocando. Nunca
tinha visto alguém silenciar o Segurança assim de
modo tão simples e rápido antes. Apertei as mãos
no colo, subitamente nervosa com o rumo daquela
conversa, mas principalmente por que estava
conseguindo entender onde ela ia terminar.

— Klein, o que já conversamos sobre eu

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não ser seu protegido? — perguntou calmamente, o


rosto um pouco menos travado.

— Nada que diga respeito à sua saúde,


Haroldo — Gabriel respondeu, e Lloyd se levantou
ao ouvir seu nome de batismo, caminhando até Gab
com uma certa dificuldade que eu não havia notado
antes.

O senhor parou na frente de Gab, mirou o


Segurança por um momento e respirou fundo antes
de começar:

— Gabriel, eu tenho quase setenta anos de


idade. Se chegar minha hora de morrer, eu vou
morrer, e é assim que a vida é. Você devia parar de
se preocupar tanto comigo e se preocupar mais com

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outras coisas. Aquela guria de pernas longas e


cabelo enrolado sentada no meu sofá, por exemplo,
é algo muito mais importante do que um burro
velho que já viveu demais e que só quer uns
cigarros para espantar esse frio infernal desse cu de
mundo de cidade em que moramos.

Eu nem piscava enquanto tentava decifrar


as reações dos dois. Parecia uma competição de
quem ficava mais sério e sustentava o olhar por
mais tempo. Meu coração disparou no peito, pois,
por mais que Gabriel estivesse com o rosto rígido,
eu sabia muito bem o que estava passando por sua
cabeça.

Dor.

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Gab não gostava de ver seu sensei, sua


figura paterna mais importante, o homem que
estendeu a mão para ele quando ninguém mais o
ajudou, se entregar a esse tipo de estilo de vida
destrutivo. Setenta anos não era uma idade
absurdamente avançada para aquilo tudo, e isso era
óbvio tanto para mim quanto para ele.

— Lloyd, eu não quero me meter mais na


sua vida do que já me meto. Mas você precisa
tomar os remédios, precisa deixar que as
cuidadoras te mediquem. Eu juro não implicar mais
com seus cigarros, mas ao menos os remédios,
velho burro.

Ele bufou e caminhou em minha direção,

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estendendo a mão.

— Devolva meus cigarros, guria.

Olhei para Gabriel, que balançou a cabeça


para os lados, não respondendo à minha pergunta
silenciosa, como se estivesse derrotado. Voltei a
mirar Lloyd e tomei toda a coragem que nem sabia
que existia em mim:

— Não, nem pensar.

Tanto Gab quanto seu sensei me olharam,


surpresos. Eu me levantei, minha bolsa contra meu
peito, e completei:

— Gabriel pediu para você tomar os


remédios, você não tomou. Pediu para você se
dedicar a eles a partir de agora, você não falou

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nada. Então não tem cigarros — sentenciei


decidida, mesmo que internamente eu estivesse
completamente apavorada.

Sob o olhar chocado do gigante, caminhei


até a janela, peguei o isqueiro, um modelo lindo,
retangular, com tampa e uma bandeira do Reino
Unido estampada no metal reluzente, mostrei para
eles e avisei:

— Muito bonito. Vai ficar comigo até você


jurar que vai ao menos se dedicar aos remédios,
senhor Sensei do Segurança.

A pedagogia de Júlia sempre surtia efeitos.


Se fez uma besteira, vai perder algo que gosta até
mudar de comportamento.

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— Ei, você não pode...! — ele começou a


reclamar, mas imediatamente se calou e bufou. —
Tinha que ser sua garota, não, Klein? Retiro o que
disse, não gostei de você, sua abusada. Vai,
imprestável, me dá logo esses remédios fodidos aí.
Escreve essa porra na porta da geladeira, que eu
tomo. Vocês dois se merecem, dois cuzões de uma
figa!

E foi reclamando enquanto caminhava


lentamente até o quarto, batendo a porta atrás de si.
Continuamos ouvindo ele reclamar por mais uns
dez segundos, até que Gab virou o rosto em minha
direção.

— Bom, acho que foi um ótimo primeiro

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encontro com ele.

Entortei a cabeça, incrédula, e resfoleguei


quando Lloyd falou um palavrão em inglês dentro
do quarto.

— Ele vai sair em algum momento? Ou


nossa visita acabou?

Gab veio até mim, tirando minha franja da


frente do olho, e disse, um sorriso brincando na
boca:

— Nossa visita até se estendeu demais,


Costureira. Lloyd não gosta de ninguém na casa
dele, me admira que tenha deixado você ficar mais
tempo que o normal.

Olhei para a porta do quarto, ainda ouvindo

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os resmungos dele, que já se tornavam uns sons


indistintos.

— Não passamos dez minutos aqui,


Segurança.

Ele assentiu com a cabeça e me beijou por


um momento, me soltando e indo atrás do seu terno
largado no chão.

— Vamos. Quero comer algo, minha


barriga está roncando.

Fiquei meio sem ação, em dúvida se ele


estava falando sério ou não, mas quando Gab abriu
a porta do apartamento e fez um gesto para que eu
passasse, vi que era de verdade.

— Mas... os cigarros e o isqueiro? —

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perguntei, e ele riu.

— Pode levar, depois eu devolvo. Deixa ele


ficar irritado mais um pouco. Pode ser que ajude na
hora que eu contratar outra enfermeira para cuidar
dele.

Pisquei várias vezes e saí do apartamento,


ainda meio perdida se o encontro com meu pseudo-
sogro tinha sido um sucesso, um fracasso ou outra
coisa inexplicável.

Gab, notando minha confusão nos efeitos


que eu tinha produzido em seu sensei, pegou em
minha mão, acertando meu sobretudo por cima do
terninho.

— Você não diz que eu tenho um sorriso

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secreto que eu não mostro para ninguém além de


você? Então, Lloyd também tem. Só que ele não
mostra para ninguém, nunca. Eu mesmo nunca o vi
sorrindo de verdade, de mostrar os dentes. É esse
poço de rabugice, e piora quando está frio em
Londres, Costureira. É assim mesmo. Se quer
saber, ele adorou a visita.

Lentamente virei a cabeça em sua direção e


parei de caminhar pelas ruas de Clapham rumo ao
nosso apartamento, colocando a mão em sua testa
para checar a temperatura.

— Será que você está com febre e


delirando? Se aquilo é adorar a visita, imagina o
que seria odiar? — Gab riu de mim, e eu aproveitei

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o bom humor para comentar. — E você, mocinho,


não pense que eu esqueci o que seu sensei disse!

Ele parou de rir quase imediatamente, os


olhos um pouco abertos demais, como se estivesse
em um terreno perigoso de ciúmes femininos
subindo à tona.

— Sobre as gurias de coração partido? Ué,


achei que você não tinha ciúmes de passado...

Franzi as sobrancelhas e fiz um gesto com


as mãos quando entendi seu comentário.

— Não estou falando disso, bobo, estou me


referindo a você fumar no passado. Você era
mesmo fumante?

Gab ergueu as sobrancelhas, fez um “ah,

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sim, isso” e balançou a cabeça assentindo, olhando


para as pessoas passando ao nosso lado,
encapuzadas de frio.

— Sério?

— Arram.

— Tipo, fumante de verdade?

— Totalmente — ele respondeu, me


olhando com tranquilidade.

— De ficar com os dedos amarelados?

— Marlboro vermelho, Costureira.

Levei a mão ao peito, assombrada. Não


conseguia imaginar Gabriel, que cuidava tão bem
de sua saúde, fumando rolinhos de morte desse
jeito.

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— E de fumar um maço por dia?

— Às vezes, dois. Depende do que


acontecia no trabalho.

Se eu arregalasse mais os olhos, eles


provavelmente cairiam das órbitas. Gabriel poderia
ser um daqueles ícones de geração saúde:
academia, alimentação saudável e zero vícios.
Cigarro definitivamente não combinava com o Gab
que eu conhecia.

— Ok, esse maço do Lloyd vai ficar


comigo. Não vou deixar você nem chegar perto
dele! Vai que tem uma recaída? — exclamei e
apertei minha bolsa novamente contra o peito,
fazendo Gab sorrir.

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Sem dizer nada, ele pegou meu rosto entre


as mãos, se inclinou em minha direção e encostou
os lábios nos meus. Sua língua abriu passagem por
entre eles e logo encontrou a minha, me fazendo
abaixar a guarda e parar de segurar a bolsinha com
tanta força. Assim que passei os braços ao redor de
seu pescoço, ele interrompeu o beijo e disse contra
o meu pescoço:

— Eu só fumo quando estou insatisfeito,


Costureira. A última vez que coloquei um cigarro
na boca foi há uns quatro anos. Não se preocupe.

Fiz rapidamente as contas, lembrando do


que havia acontecido nessa data citada, e abri um
imenso sorriso, me sentindo especial. Se a última

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vez em que ele fumou foi pouco tempo depois de


me conhecer, quer dizer que eu, desde o início,
signifiquei algo para ele.

Logo puxei Gab para outro beijo, quando


seu celular tocou. Ele pegou rapidamente e riu
quando leu uma mensagem.

Era Lloyd.

“Na próxima vez, ao menos traz um


daqueles teus cafés afrescalhados. E manda tua
guria cuidar bem do meu isqueiro, que eu tenho ele
há mais anos que ela tem de vida. Seus
imprestáveis.”

Envoltos em uma atmosfera deliciosamente


familiar, fomos juntos até nosso apartamento, rindo

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daquela tarde esquisita e do sogro mais doido que


uma pessoa poderia ter na vida.

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Amiga antiga
— Ai, caralho...! — gritei e levei o dedo à
boca.

Pela sétima vez em uma semana, eu tinha


cortado o dedo com a tesoura. Dessa vez, eu só fiz
abrir um corte que já estava cicatrizando, então
sangrou mais do que o normal.

Peguei a caixa de lenços de papel, que eu


estava deixando à mão depois da segunda vez que
me machuquei, e enrolei o dedo nele, amarrando
com um elástico de cabelo. Passei a mão na testa
suada e afastei a franja dos olhos, tudo parecia
incomodar, atrapalhar meus movimentos. Saco, o

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que está acontecendo comigo?

Desliguei a luz da máquina de costura e


apoiei a testa na mesa, me sentindo exausta. Mal o
relógio de pulso apitou seis horas, e eu já me sentia
como se fossem duas da manhã.

Faltavam sete dias para o final do contrato,


e eu estava uma pilha de nervos. Logo eu, que
sempre fui tão prática, além de ter o dom de deixar
assuntos complicados para depois — como Júlia
bem mencionou em nossa despedida —, passava os
dias escondida no quarto dos espelhos, na mansão
de Betty, já que ficar sozinha no apartamento era
sufocante. Meu dia a dia se resumia a recosturar
várias peças, encontrar defeitos que provavelmente

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não existiam, criar peças novas, rasgar croquis e


lutar contra a vontade de chorar que a todo
momento me acometia.

Quando meu celular apitava com


mensagens de Gabriel avisando que acabara seu
turno, eu me sentia um pouco melhor, guardava
tudo e ia para nosso quarto. Quase não conseguia
conversar com ele: mal entrava no quarto, eu já me
jogava nele e o beijava com paixão, como se não
quisesse desperdiçar nenhum minuto dos nossos
dias restantes com conversas inúteis sobre o futuro.

Só quando terminávamos de fazer amor é


que conversávamos sobre tudo: trabalho, as
viagens, fotos, coisas do dia a dia. Quase tudo, na

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verdade. O final do contrato nunca era um assunto


a ser debatido.

Estava pensando sobre isso no quarto dos


espelhos, quando a playlist de fossa que eu criei
para trabalhar, cheia de Melanie Martinez,
Semisonic, Kimbra e Lana Del Rey, começou a
tocar Old Flame. Era a música que mais mexia
comigo, tanto pela letra quanto pelo modo como a
cantora interpretava, meio desesperada, meio triste.

A letra era totalmente oposta ao que eu


sentia: falava de um amor que estava acabando,
apagando como uma chama antiga. Kimbra
lamentava seu parceiro ter se tornado tão frio e oco
e se perguntava para onde fora o sentimento dos

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dois. Já comigo e com Gabriel era o contrário:


sabíamos perfeitamente onde estava o nosso
sentimento e que não era uma chama se apagando,
pelo contrário. O que não sabíamos era como ele
ficaria quando eu fosse embora. Como nós
ficaríamos quando eu fosse embora.

Uma irritação crescente começou a surgir


no peito quando eu percebi quão irônica a vida era:
eu amava um homem, era bem claro que ele me
amava também, mas não podíamos nem ao menos
dizer isso um para o outro, pois sabíamos que não
poderíamos ficar juntos. Queria ouvir da boca de
Gab o que eu já tinha certeza, mas colocar isso para
fora era um ato performativo muito... real.
Concretizado. Dolorido.
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Meio-termo não era uma opção, um dos


dois teria que ceder para que o relacionamento
pudesse funcionar. Mas como um relacionamento
funcionaria se um dos dois precisava renunciar
parte de sua vida?

Gabriel seria feliz largando seu emprego de


segurança da Sissy Walker? O que ele faria no Rio
de Janeiro sem trabalho? Sei que ele não precisaria
trabalhar, Gab tinha dinheiro suficiente para nunca
mais fazer nada na vida. Mas, repito, o que ele faria
o dia todo? Tricô? Arrumaria um emprego de
segurança no Rio? Eu me arrepiava de pavor só de
imaginar. O Rio é uma cidade bem complicada para
sua profissão, muita violência e muita corrupção.

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Mas, mesmo que Gab não quisesse mais


trabalhar, como ficaria Lloyd? O sensei rabugento e
teimoso, única família do Segurança, jamais
aceitaria ir com ele, por mais que não mostrasse
contentamento em morar na Europa. Ele era
orgulhoso demais para ir junto de seu ex-pupilo
como se fosse um idoso incapaz. Nossa única visita
a ele tinha sido bastante ilustrativa quanto ao desejo
do sensei de não ser mais um dos protegidos de
Gabriel.

Mas Lloyd também não poderia ficar


sozinho, isso era óbvio. Alguns dias depois de
nossa visita, ele esqueceu os remédios mais umas
dez vezes, levando Gabriel à beira da loucura por
causa de sua teimosia em aceitar uma enfermeira.
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Tinha passado mal, e Gab o levara à emergência,


simplesmente para estabilizar a pressão arterial. Foi
mais um susto para o Segurança e mais um reforço
de que o sensei rabugento precisava de atenção.

E quanto a mim? Eu seria feliz largando a


Wings? Seria feliz trabalhando exclusivamente com
a Sissy Walker, caso houvesse oportunidade? Seria
reconfortante para mim largar aquilo pela qual eu
batalhei a vida toda, deixar meus amigos, minha
casa e me mudar? Não, não seria.

Até porque a Sissy Walker já tinha um


figurinista. Eu seria apenas uma funcionária
dispensável.

Meio-termo não era possível, mas um de

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nós ceder também não. Nosso amor era impossível,


e os dois sabiam perfeitamente disso. Por isso, a
cada dia que passava, a data do término do meu
contrato se aproximava, e eu ficava mais nervosa,
mais irritadiça e mais triste.

Quando Old Flame acabou, Training


Wheels, da Melanie Martinez, começou a tocar. Era
a música que Gabriel dizia ser a minha música de
dor, eu cantava o refrão sempre que me machucava,
como no dia em que o médico colocou meu dedo
no lugar.

Aquela melodia me deixou mais irritada


ainda, e soquei a mesa num impulso, sem ver que
meu desfazedor de pontos estava equilibrado em

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uma fenda da mesa de madeira.

— Puta que pariu! — eu gritei quando tirei


a ferramenta afiada da mão e tentei estancar o
sangue que saía do corte.

— Lena? — ouvi a voz de Tony e dei um


salto. — Eu vim avisar que vamos pedir pizza,
mas... Nossa, amiga, você se machucou?

Tony atravessou o quarto e pegou na minha


mão, olhando o corte com uma expressão de
preocupação marcando seu tão familiar e belo
rosto. A bichinha parecia que ia chorar de susto.

— Espera, vou pegar o kit de primeiros...

— Não, não precisa. Pega só a caixa de


papel ali. A de lenços de papel.

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Tony piscou duas vezes, mas me obedeceu


e ficou me olhando limpar o sangue que escorria do
furo na lateral da mão.

— Isso enrolado no seu dedo... É papel


escondendo um corte? É, estou vendo a mancha de
sangue. Você está fazendo isso de propósito?

Olhei para ela e respondi, mal-humorada:

— Sim, eu adoro me mutilar, nunca contei?


Claro que não, eu só estou mais desastrada do que
nunca. E olha que eu tenho uma coordenação
motora maravilhosa. Só que nada... nada tá dando
certo, nada... — disse enquanto tentava estancar o
sangue, mas ele brotava do corte sem parar.

— Acho que você vai precisar tomar uns

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pontos, Lena... — Tony quase sussurrou quando eu


joguei o papel sujo de sangue no chão e peguei
outro.

A explosão veio tão naturalmente, que eu


nem consegui segurar o tom de voz alto:

— Eu preciso tomar muitas coisas, Tony!


Preciso tomar pontos, tomar vergonha na cara,
tomar um avião, tomar jeito para não deixar esse
coração idiota mandar na minha vida! Preciso
quebrar esse celular idiota, que repete as músicas!
Tá tocando Old Flame de novo! Tem cinquenta e
sete músicas nessa playlist, mas ele só toca essa
porcaria!

Levantei de um salto para trocar a música e

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larguei a caixa de lenços no chão. Marchei até o


celular, mas Tony me puxou pelo braço e me
abraçou pela cintura, entendendo tudo que
acontecia ali.

— Me solta, Tony! Eu preciso trocar essa


música! — gritei, mas não me movi um centímetro,
pelo contrário, permanecia ali, somente a
abraçando de volta.

Quem olhasse, pensaria que eu estava


consolando Tony, já que nossa diferença de
tamanho era grande, mas era o contrário. Pela
primeira vez em muito tempo, eu me permiti chorar
sem me preocupar com nada.

— Pode gritar, Lenita. Grita, me bate, canta

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a música, se quiser. Olha, essa música eu conheço,


já ouvi você tocando tanto no som, que decorei.
Vem, canta comigo!

Old flame, I fell for your inferno

Where did all the love go?

Can't you feel the wind blow you closer to


me?

Acabei dando uma risada ranhenta ao ouvir


minha amiga cantando com voz fina a música da
Kimbra, mas logo voltei a chorar tudo o que não
estava chorando nos últimos dias. Sabia que estava
manchando sua roupa de sangue na altura da gola,

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mas não liguei, apenas chorei agarrada à minha


amiga tão querida.

— Isso é muito injusto, Antônia! Eu passei


anos sozinha, bem, tranquila! Tive dois namorados,
amei os dois do meu jeito e fiquei bem quando tudo
terminou! Sempre achei que ficaria bem sozinha
pelo resto da vida, tomando rios de café e cuidando
da Wings e de sete gatos!

— Sete gatos...? — Tony perguntou e eu


ouvi um pequeno traço de diversão em sua voz,
mas ignorei seu questionamento.

— Por que o Gabriel tinha que aparecer e


bagunçar tudo? Por que eu tinha que deixá-lo entrar
no meu coração assim, sabendo que a gente não

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tinha a menor esperança de ficarmos juntos no


final? — eu gritei e a soltei, me sentando no
banquinho de costura.

Tony se aproximou e me puxou contra seu


peito, e dessa vez eu a abracei pela cintura,
sentindo suas mãos em meu cabelo, num carinho
levemente reconfortante.

— É injusto isso não dar certo, se nunca fez


parte dos nossos planos isso sequer existir!

— Lena... tudo muda, as pessoas mudam, os


desejos mudam. Você não é a mesma pessoa de
quando a turnê começou. Você precisa aceitar isso,
até mesmo para tentar pensar em algo... Você ama
Gabriel?

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— Eu preciso responder isso? — perguntei


ainda agarrada a ela, mas já sem chorar.

— Não, é bem óbvio. Você já cogitou ficar


aqui?

Soltei Tony do abraço e olhei meu corte,


que tinha parado de sangrar. Ela tirou os braços de
mim e procurou meus olhos, mas não contive
completamente o sarcasmo quando respondi:

— Não, Antônia! Que ideia sensacional,


vou correndo contar pro Gabriel a novidade!

Tony não reagiu à minha resposta, apenas


aguardou que eu abandonasse a postura agressiva e
respondesse de fato o que vinha pensando o tempo
todo.

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— Claro que cogitei, Tony... Mas é


impossível, minha amiga, você sabe disso. Eu
tenho minha vida lá, não posso largar tudo — disse
voltando ao tom de voz angustiado de antes.

— Não é possível um meio-termo?

— Qual? Ficar torrando rios de dinheiro de


avião num relacionamento à distância?

— Por que não?

Dei uma risada triste diante daquela


proposta absurda.

— Eu não funciono assim, você sabe, e Gab


também não. Você consegue imaginar uma vida
onde você só vai ver Betty, sei lá, uma vez a cada
três, quatro meses? E quando vocês saírem em

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turnê? Quase um ano sem ver Gabriel? E se a turnê


for grande, dessas tipo Thirty Seconds To Mars, de
dois anos? Quanto tempo eu fico sem vê-lo?

— Não... Mas e se...— ela começou a falar,


mas eu a interrompi.

— Já pensei em todas as possibilidades,


querida. Você não pode se esquecer de Lloyd, você
sabe quem é, não sabe? Então, não dá. Nós dois já
pensamos em tudo, é só nisso que pensamos nessas
últimas semanas. Não dá, Tony — disse e uma
lágrima abusada rolou pela bochecha, bem quando
pensei ter cessado o choro.

Enxuguei com raiva o rosto e suspirei, me


sentindo exausta física e emocionalmente.

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— Acho que eu manchei sua roupa toda de


sangue... Deixa eu ver... — pedi e dei a volta em
Tony, olhando suas costas. — Que bom que você é
baixinha, foi só no pescoço. Não deixa Gabriel te
ver, ele vai achar que você levou um tiro.

Tony deu uma risada, se virou para mim e


colocou as mãos em meus ombros.

— Você sempre vai ser bem-vinda aqui,


Lena. Você sabe disso. Moro aqui agora, eu e Betty
estamos juntas oficialmente, então posso dizer isso
com tranquilidade. Em algum momento, se for o
que você e Gab quiserem, uma solução vai
aparecer.

Dei mais um sorriso triste e coloquei a mão

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em seu rosto, sentindo aquela pele de pêssego que


só ela tinha.

— Você é e sempre foi maravilhosa, amiga.


A Betty é uma mulher de sorte. Principalmente
depois do que eu vi na escadaria na Grécia.

Tony tentou segurar uma risada, mas não


conseguiu, e eu tirei a mão correndo quando vi que
meu machucado abrira novamente.

— Ops! Acho que sujei sua cara! — e


peguei a caixa de lenços de papel, puxando um
montinho e passando em seu rosto. — Pronto. Tá
linda. Só troca de roupa, antes que Erika e Gab
tenham um ataque cardíaco achando que tem um
terrorista na casa, sério.

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Tony sorriu para mim e bagunçou meu


cabelo antes de se virar e ir na direção da porta.

— Ah, Lena — disse antes de sair do quarto


dos espelhos. — Eu vou trazer a maleta de
primeiros socorros para você. Vai dar tudo certo,
garota. Você vai ver. A gente vai bolar uma solução
pra isso.

Balancei a cabeça concordando, ainda que


não acreditasse no que ela tinha dito. Tony saiu do
cômodo, e eu me sentei na poltrona confortável que
Betty comprou para mim. Apertei o lencinho de
papel no machucado e cantarolei Training Wheels
enquanto aguardava a maleta.

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Letting go, letting go

Telling you things you already know

I explode, I explode

Asking you where you want us to go

You've been riding two wheelers all your


life

It's not like I'm asking to be your wife

I wanna make you mine, but that's hard to


say

Is this coming off in a cheesy way?[17]

As mãos ásperas de Gabriel pegaram em


minha mão machucada, mas não me assustei, tinha

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ouvido seus passos quando entrou no quarto. Além


disso, imaginei que Tony o mandaria.

Abri os olhos e vi o Segurança ajoelhado no


chão enquanto verificava o machucado que eu tinha
refeito. Ao seu lado, havia uma maleta aberta com
itens de primeiros socorros. Desencostei da
poltrona e deslizei para o chão enquanto olhava
Gab passar um remédio qualquer no machucado.

— Isso arde — comentei com uma careta


quando ele esfregou sem delicadeza alguma o local.

— Criançona... — ele disse e deu um


sorriso cansado, mas sem me olhar.

— Vai arrancar as plaquetas que fizeram


barreirinha para o sangue não sair... — teimei.

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Gabriel deu uma risada, e eu continuei


reclamando:

— Tem certeza que você fez uns períodos


de enfermagem, como me disse? Parece que está
tentando arrancar meu dedo fora, e não fazer um
curativo.

Ele me olhou após ouvir esse último


comentário, e seu sorriso sumiu quando viu minha
expressão e meus olhos inchados.

— Lena...

— Continua, Segurança. Olha, voltou a


sangrar.

Gabriel olhou para meu machucado e


pressionou um algodão enquanto pegava com a

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outra mão uma tesourinha e esparadrapo. Fiquei


observando ele fazer um curativo e agradeci
quando terminou e fechou a maleta.

— É, você tem talento pra essas coisas,


Gab... Ficou ótimo.

— A gente precisa conversar, Costureira...


— ele ignorou meu elogio, se levantou e me deu a
mão. — Não dá pra manter mais o acordo.

Eu me inclinei para limpar os joelhos de


suas calças, que ficaram cheios de sobras de linhas,
e aproveitei para ajeitar seu terno quando me
levantei, como sempre fazia.

— Não sei se há o que se conversar,


Segurança... Você acha que tem algo a ser feito? —

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questionei e olhei bem dentro de seus olhos. —


Achou uma solução? Se tiver uma, me fala, por
favor. Mas eu sei que não tem, eu já pensei em
tudo, você já pensou em tudo. O tempo que a gente
vai perder falando sobre isso não poderia ser
convertido em outras coisas?

— Sexo? — Gab perguntou, mas não havia


malícia ou ironia em seu olhar, apenas uma
insatisfação latente.

Botei as mãos em seu peito e respondi:

— Também. Sexo, conversas, cafés,


passeios, terminar minha tatuagem do braço,
aproveitar os momentos em que ficamos na cama
sem fazer nada, rindo de uma bobagem qualquer.

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Temos uma semana, Gabriel. Deixa eu evitar


pensar nisso por pelo menos mais esses dias.

Gab continuou me olhando, e eu vi tristeza


em seus olhos, o que fez meu rosto se franzir em
uma careta de dor.

— I love everything you do... When you call


me fuckind dumb... for the stupid shit I do... —
cantei baixinho quando Gab me abraçou.

— Música de dor... — ele disse, e eu só


balancei a cabeça concordando enquanto colocava
as mãos por dentro de seu terno, segurava sua
camisa e sentia o cheiro do pescoço do Segurança.

Infelizmente, chegou o momento que eu


mais temia: o tempo se encarregou de mostrar que

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não há nada a ser feito. E nem eu nem Gabriel


estávamos sabendo lidar com aquilo.

Ninguém conseguiu bolar uma saída, uma


alternativa, uma... uma máquina de teletransporte,
qualquer coisa. O fim estava próximo e doía mais
do que levar um tiro, acordar num hospital depois
de uma agressão ou colocar um dedo no lugar. E
não havia nada que pudéssemos fazer para aplacar
aquela dor.

Não havia meio-termo.

Não há solução.

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Mil fotos
Com a caixa de fotografias instantâneas na
mão, me sentei no chão do estúdio da mansão de
Betty e Tony, onde havia combinado com as
meninas um encontro para poder arrumar o livro de
imagens da viagem.

Naquela tarde, todos os homens da banda


foram dispensados com uma desculpa qualquer e se
encontravam na casa de Diego. Mexer com aquelas
fotos todas ia me deixar um pouco melancólica
demais, e eu não queria que nenhum deles me visse
chorosa. Em especial, Gabriel.

O único homem que ficou conosco foi

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Pierre, mas ele era meu amigo direto, então não


havia problema.

— Lena? Que foi, que você tá com essa


carinha? — a voz de Aline, que tinha acabado de
entrar no estúdio munida de duas baquetas
vermelhas, me tirou dos meus pensamentos.

Levantei a cabeça e olhei para ela, sorrindo


ao notar que ela usava uma de minhas criações.
Exatamente a blusa que eu fiz às pressas quando ela
tinha se machucado e precisava dar uma entrevista
importante, na Grécia. O “pirulito de natal gótico”,
como alguém mencionara.

— Não sei, Aline... Eu me diverti muito


tirando essas fotos todas, sabe? Mas não estou

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muito animada agora que tenho que mexer nelas...


Enfim, melancolia antes da hora. Betty está vindo?

— Sim, estava garantindo que todos os


homens fossem embora — ela disse e colocou a
mão em meu ombro, em um gesto reconfortante.

— E eles foram?

— Sim! Erika arrumou uma desculpa e


mandou os machos héteros para a casa de Diego.
Ela disse que já volta, só está passando instruções
para as seguranças e vem em minutos. Seremos só
nós, mulheres! E Pierre, claro.

— Perfeito! — exclamei, um pouco mais


animada.

Pouco tempo depois, as meninas foram

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entrando no estúdio uma atrás da outra e fecharam


a porta. Betty entrou por último e veio até mim com
uma garrafa de vodca e uma de vinho nas mãos, me
fazendo revirar os olhos e rir.

— Duvido que tenha trazido cola, mas


cachaça ela trouxe — brinquei.

— Ué, não quer? Ok, então, eu vou na


cozinha e pego achocolatado para você, só um
minuto.

— Não, não, tá ótimo! Me dá a vodca, eu


odeio vinho! — pedi, fazendo todo mundo rir.

— Então, Lena, como você vai fazer isso


aí? O que podemos fazer por você?

Respirei fundo, fui até a caixa de papelão

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com todos os itens de scrapbook, tesouras, tecidos,


notas fiscais de presentes comprados, fitas, botões e
tudo mais e o grande livro de fotografias, comprado
exatamente para aquilo.

— Bom, como vocês sabem, eu tirei uma


montanha de fotos e preciso organizar em ordem
cronológica e enfeitar as páginas com qualquer
coisa que fique harmônico. Por exemplo, as fotos
de Paris podem ter enfeites como corações de
tecido ou papel colorido, pedaços das fitas que
comprei lá, essas coisas.

— E você vai colar tudo nas folhas desse


caderno, é isso? — Aline perguntou. — Quantas
fotos você tem nessa caixa? — apontou para a

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caixa de sapatos que eu apertava contra o corpo, de


forma inconsciente.

— Muitas. Eu tirei pelo menos duas fotos


por dia, creio eu.

— Uau, Lena! Mas você passou doze meses


com a gente! Tem quantas, mil fotos aí?

— Não necessariamente mil, algumas eu


joguei fora, não ficaram boas, mas umas quinhentas
sim, provavelmente. De todos os lugares por onde
passamos, desde aqui até o... até o Rio de Janeiro...
— completei, cabisbaixa ao lembrar das “férias” na
minha cidade.

— Ok, então, vamos lá! Joga tudo no chão,


e a gente separa! — Erika disse,

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surpreendentemente animada, e sentou no chão.

Todas nós a acompanhamos, e eu virei a


caixa de cabeça para baixo, deixando centenas de
pequenas fotos se espalharem pelo chão do estúdio.
Engraçado, parecia ter mais foto do que eu
imaginava...

— Uau, foto pra cacete. Me dá esse vinho


aí, deixa eu beber antes — Aline brincou e abriu
uma das garrafas.

— Olha, já achei uma foto erótica, que


legal! — Pierre disse e balançou no ar a foto que
minha irmã tirou de mim e de Gabriel no Rio, em
que ele estava sem camisa e eu, de biquíni. — Ué,
mas se vocês dois aparecem nessa foto, significa

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que tinha alguém com vocês! Não acredito que


vocês fizeram surubão e não me chamaram! Tenho
uma montanha de interesse no Gabriel, sua megera
egoísta!

Não consegui conter uma gargalhada ao


ouvir aquilo. Tirei a foto da mão do figurinista e
expliquei:

— Em primeiro lugar, não é uma foto de


sacanagem. Minha irmã quem tirou num dos dias
em que foi me visitar no Rio, ela que mandou
Gabriel fazer isso. Ele estava sem camisa porque
estava trocando de roupa, e ela achou que daria
uma bela foto. Não estamos transando, estamos
apenas posando para uma foto, seu exagerado.

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Olhei a foto e o sorriso morreu um pouco no


rosto. Era uma das minhas preferidas e esfregava na
minha cara que tudo ia acabar em poucos dias.

— Sei... Olha, outra erótica! — disse, me


tirando dos devaneios, e mostrou uma foto que eu
nem sabia que existia: eu sentada no colo de
Gabriel enquanto ele levantava minha blusa.

Ok, essa é um pouco erótica mesmo.

— Ué, que foto é essa?

— Ah, fui eu que tirei, Lena — Erika disse


tranquilamente enquanto separava algumas fotos
em montinhos. — Foi um dia que vocês se
comeram na ala dos funcionários, voltando do
apartamento de vocês, lembra desse dia?

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Ruborizei até a alma ao ouvir aquilo.

— Quando foi isso, Erika...? — perguntei,


horrorizada.

— Quando vocês meio que se mudaram de


volta pra cá, digamos assim. Vocês estavam se
atracando e a câmera estava ao alcance das minhas
mãos, então... Me impressiona vocês não terem
escutado o barulho.

Meu Jesus Cristo...

— E você guardou a foto com você?

— Não, passei para Betty, ela estava


guardando todas as fotos que tiramos sem vocês
verem.

Oi?

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— Betty...? — olhei para a líder da banda,


que estava tranquila, fazendo um penteado
elaborado no cabelo multicolorido, e perguntei —
Do que ela está falando...?

— Ah, de fotos como essa, olha! — Betty


explicou e começou a me mostrar um monte de
fotos minhas e de Gabriel. Algumas eu já tinha
visto no Instagram deles, mas outras eram
totalmente inéditas, como uma em que eu e ele
trocávamos um beijo calmo, como se tivéssemos
todo o tempo do mundo para curtir um ao outro.

— Vem cá, vocês compraram filmes


também?

— Não, na maioria das vezes, usamos os

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seus — Aline explicou enquanto mostrava uma foto


minha beijando Gabriel atrás de uma janela.

— Ah... Então é por isso que não duravam...

Envergonhada, voltei minha atenção para as


pilhas de fotos e fui respondendo a todas as
perguntas das meninas sobre os locais de algumas
imagens. Apesar de a maioria estar datada, uma
parte eu não lembrava com exatidão o local onde
fora tirada.

— Essa foi na Holanda... Hm... Não lembro


dessa... Acho que foi na Bélgica, antes de eu
quebrar o dedo... Essa foi no voo para Itália, com
certeza, Gabriel quem tirou. Mas, vem cá, vocês
guardaram essas fotos secretas que estou tendo

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conhecimento só agora e botaram na caixa nesse


minuto, é isso? — perguntei para as meninas e
todas assentiram.

— Sim, a gente temeu que você jogasse


fora. Betty guardou aí nessa caixa imensa sua hoje
de manhã — Erika explicou, e eu só assenti,
pensando em como eram malucas, todas elas.

— Essa aqui é onde, Lena? — Betânia


perguntou e me mostrou uma foto minha olhando
distraída para o nada.

— Ah, foi no Rio, antes de eu tirar a câmera


da mão de Gab e guardar na minha bolsa. Onde já
se viu um segurança treinado e experiente tirar foto
assim, com uma câmera cara no meio da rua?

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Erika desviou a atenção das fotografias que


tinha nas mãos e me olhou.

— Ah, entendi agora o que ele quis dizer


com “paranoia brasileira”...

— Oi? — perguntei, mas a guarda-costas


apenas balançou a cabeça e prosseguiu:

— Todas essas fotos foram postadas no seu


Instagram?

Franzi os lábios, fazendo birra por não saber


o que ela queria dizer com “paranoia”. Ora, bolas,
ninguém lia jornal naquela banda? O Rio de
Janeiro é conhecido mundialmente pelos assaltos,
gente!

— Não, claro que não. Creio que menos da

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metade daqui tenha ido. A maior parte das fotos de


Gabriel, por exemplo, são inéditas, ninguém além
de nós dois teve acesso. Opa, essa aqui é melhor
ninguém ver mesmo...! — exclamei quando Pierre
esticou a mão para pegar uma foto da pilha das
desorganizadas e eu acabei percebendo um pedaço
de uma foto um pouco... íntima demais.

— Ah, não, deixa eu ver! Por favor! —


Pierre implorou. — Eu nunca te peço nada,
Leninha linda da minha vida! Me conta pelo menos
o que é!

— Nem pensar. Gabriel me mataria se


soubesse que eu tirei essa foto.

Ele fez um beicinho impossível de resistir, e

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eu acabei mostrando a foto pare ele, que puxou


correndo a revelação e aproximou tanto do rosto,
que parecia ter hipermetropia.

— Meu bom e misericordioso Deus! Ok, eu


já sabia que Gabriel era gostoso, mas isso aqui é
demais! Poxa, mas eu jurava que ele tinha alguma
tatuagem secreta na bunda...

— Na bunda? A foto é da bunda dele?


Deixa eu ver! — Aline gritou e se levantou,
levando Tony e Betty junto pelas mãos. Só Erika
não se mexeu e me olhou com cara de quem já
tinha visto aquilo tantas vezes, que já não era
novidade.

— Nunca viram uma bunda de homem na

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vida... — ela comentou, e eu dei de ombros


sorrindo antes de pegar a foto delas e mostrar para
Erika. — Opa, ok, a foto tá bem legal. Posso ficar
com essa? Você não tem outra cópia não?

— Engraçadinha. Essa é uma das fotos após


sexo que eu tirei de Gab, ele estava indo tomar um
banho. Sério, ele vai me matar se souber que eu
mostrei pra vocês. Aliás, preciso pegar as fotos
mais pornográficas, acho que me distraí e joguei na
caixa junto das outras... Imagina, uma das fotos é
um P.O.V. perfeito de segundos antes de eu colocar
minha boca no...

— Aaaah! Achei! Que foto maravilhosa,


meu Deus, obrigada por essa visão! Gente, Gabriel

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é imenso, olha! — Pierre gritou e agitou uma foto


no ar, me fazendo pular em cima dele, derrubá-lo
no chão e lutar pela defesa da honra do Segurança.

Assim que consegui pegar a bendita foto,


exclamei:

— Ok, vamos fazer um pacto! Por algum


erro, algum deslize meu, as fotos íntimas que eu
tenho com Gab vieram parar aqui. Todas vocês
estão expressamente proibidas de contar para
alguém sobre qualquer coisa que possam ver aqui,
ok? E vão me passar todas as fotos que
encontrarem, ou eu guardo tudo e vou arrumar o
scrapbook sozinha junto dessa garrafa de vodca!
Você também, Pierre!

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As meninas todas tentaram controlar as


risadas e ergueram as mãos em juramento, e Pierre
imitou o gesto.

— Isso significa que você vai deixar a gente


ver qualquer foto que possa aparecer a pistola de
Gabriel? — Pierre perguntou, e eu levei a mão à
testa, me recriminando por ter sido tão descuidada e
colocado as fotos no lugar errado.

Gabriel ia me matar, eu tinha certeza disso.

***

Umas duas horas — e umas vinte fotos


comprometedoras minhas com Gab, devidamente

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guardadas no bolso a cada momento em que


alguém as encontrava — depois, o scrapbook
estava quase pronto, separado por ordem
cronológica e, consequentemente, por país, salvo as
imagens tiradas na mansão, que foram feitas no
início do contrato e naquele momento.

Ver aquelas fotos todas me causou um


sentimento agridoce: ao mesmo tempo em que
fiquei muito feliz e com o coração transbordando
sentimentos diversos, senti saudades de algo que se
encerraria muito em breve. Eu tentei me controlar e
não mostrar que estava um caco por dentro, mas...

— Ei, Lena! — Erika exclamou enquanto


olhava as últimas páginas do álbum. — Você não

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decorou as páginas do mês de fevereiro!

— Ele não acabou ainda, ué. Pretendo tirar


mais fotos até o... Bom, até dia primeiro de março.
De qualquer forma, eu não vou levar o livro, então
não tem problema se ficar sem decoração no último
mês.

— Não vai? — as meninas todas


perguntaram em uníssono.

— Então por que nós tivemos esse trabalho


todo? Tem cola até no meu útero, se bobear, fora a
purpurina que vou encontrar nos meus ovários
quando for fazer um exame de rotina...! — Betty
começou a reclamar, mas eu a interrompi pegando
o álbum da mão de Erika, folheando-o rapidamente

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até parar em duas páginas que estavam repletas de


fotos minhas e de Gabriel juntos.

Eram as fotos tiradas por outros membros


da banda, as que nem sabíamos que existiam. Elas
estavam sem data e ninguém sabia maiores detalhes
do local, então organizei todas em páginas só delas.
Mostrei para Betty e perguntei:

— Acham mesmo que eu vou conseguir


olhar para essas fotos quando chegar em casa?
Aliás, acham mesmo que eu vou conseguir não
olhar para essas fotos todos os dias? Não me levem
a mal, eu amo o Rio de Janeiro, amo meu
apartamento, mas acham que vou conseguir
revisitar esses momentos olhando para todas essas

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fotos — comecei a mostrar as fotos não somente


com Gabriel, mas sozinha, abraçada a Betty, Tony,
tomando sorvetes com Erika, prendendo o cabelo
de Aline, brincando com Pierre e muitas outras —
sem me sentir um caco?

Aline e Tony abaixaram a cabeça, Pierre


suspirou e Erika e Betty se entreolharam em
silêncio.

— Pois é, não vou. Vou deixar aqui,


escondido em algum ponto da mansão, para Gabriel
encontrar. Ou, sei lá, se algum de vocês quiser,
pode ficar, tem várias fotos de vocês aí dentro, por
mim, podem... — tentei completar, mas minha voz
falhou quando lágrimas começaram a cair dos meus

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olhos. — Ah, não, por que eu estou chorando?

Enxuguei rapidamente as lágrimas e respirei


fundo, olhando para o teto, mas não consegui
impedir a maldita cachoeira que começou a rolar
pelo meu rosto. Tentei cobrir o rastro molhado com
as mãos para que ninguém visse o que era óbvio:
que eu não conseguia aceitar o inevitável.

Ouvi Betty dizer alguma coisa e escutei


passos e portas se fechando. Quando tirei as mãos
do rosto, vi que só ela estava ajoelhada ao meu
lado: todas tinham ido embora.

— Vem, Lena. Pode chorar.

Do mesmo modo que fiz com Tony, me


agarrei em Betty com toda a força, deixando que

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meu coração gritasse tudo o que queria, apesar do


choro ser silencioso.

Não dissemos nada. Não havia o que dizer


naquele momento, nada que pudesse reconfortar ou
aplacar alguma coisa. Só havia o que sentir, e isso
já era demais.

Algum tempo depois, quando as lágrimas


secaram e eu me levantei de seu colo, Betty me deu
um sorriso triste e limpou minha maquiagem
borrada com um lencinho que tirou do bolso.
Respirei fundo, me sentindo um pouco mais
aliviada após o consolo silencioso de Betty.

— Como líder da banda, Lena, eu digo que


a gente precisa conversar. Mas não agora. Agora a

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gente vai sair daqui, vou te levar para o meu quarto,


vamos tomar um banho...

— Juntas? — perguntei, tentando cortar um


pouco da melancolia do momento.

— Claro! Vou perder a chance de te ver


nua? — ela brincou, e eu dei uma risada abafada.
— Vem. Vamos botar isso tudo para fora com uma
boa chuveirada. Eu fico do lado de fora.

Balancei a cabeça e me levantei. Fomos


juntas até o quarto dela e de Tony, que estava lá
nos esperando. Tomei um banho, vesti um roupão
novo de Betty e deitei na cama. Betty e Tony
fizeram o mesmo e, minutos depois, estávamos
todas deitadas, confortavelmente vestidas em

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roupas atoalhadas.

— Tem tanto tempo que eu não deito


seminua numa cama com uma mulher... — brinquei
e sorri ao ouvir a gargalhada das duas.

Esfreguei os olhos e suspirei, a vontade de


chorar havia dado uma trégua e o peso no peito
também.

— Quer conversar? — Tony perguntou.

Neguei com um movimento de cabeça, e


Betty estendeu o braço, me fazendo deitar junto
dela e abraçando meu ombro. Apoiei a mão em sua
barriga e suspirei, exausta.

— Diego teria um treco se visse as três na


cama, assim.

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— Sim! — ela disse e riu, me apertando


mais no abraço. — Ia pingar saliva no peito. Aliás,
Gab também piraria.

— Com certeza. Sentaria a mão na minha


bunda a noite inteira. Não que eu esteja
reclamando, pelo contrário.

— Ah, ele gosta disso também? — Betty


perguntou, surpresa.

— Quem não gosta? Por que, tá


interessada? Quer que eu conte detalhes de Gab?

Betty ergueu a cabeça e me olhou,


assustada.

— Não. Eu realmente não gosto de homem,


Lena, me poupe dos detalhes nojentos da anatomia

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masculina.

Minha gargalhada foi tão espontânea com a


cara de nojo de Betty, que até me assustei.

— Isso vale pra mim também, Helena


Maria! — Tony reclamou, virando de barriga para
baixo enquanto me olhava de cara feia.

— Vocês são hilárias! Fizeram altas


putarias na frente do Gabriel, mas ficam cheias de
pudores quando eu falo alguma coisa sobre ele!

— Ei, a gente nunca fez... — Betty


começou a se defender, mas se calou quando viu
meu olhar de incredulidade. — Ok, talvez a gente
tenha se empolgado em alguns momentos, mas
Gabriel ganha bem o suficiente para pagar uma boa

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terapia, senhora Klein!

Meu coração falhou uma batida ao ouvir a


baixista me chamar daquele jeito, mas eu afastei a
euforia, controlando os pensamentos fantasiosos.

— Ah, é? Pois vocês duas ganham muito


melhor que ele, então podem pagar um bom
psicólogo e curar esse trauma aí de homem. Vamos
falar sobre o tamanho do Gabriel como um todo.
Sabe, ele tem um comprimento ideal, é grande, mas
não é aquela coisa assustadora que só causa dor e...

— Argh, que nojo! — Tony fez menção de


se levantar, mas eu a agarrei pelo roupão e a joguei
de volta no colchão, subindo em cima dela e
segurando seus pulsos unidos. — Socorro, Betty,

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salve sua mulher!

Betânia arregalou os olhos, e o brilho de


humor que eu vi neles me encorajou a prosseguir na
brincadeira.

— Aí, em relação à grossura, Gab tem um


pau bem veiúdo e grosso, mas, novamente, não é
tipo uma lata de Coca-Cola, é do tamanho perfeito
para a minha...

—Nããão! Socorro! — Tony fechou os olhos


enquanto tentava soltar os pulsos do meu aperto,
mas eu não dei trégua e continuei contando, rindo
que nem criança:

— Gab tem um vigor que poucos possuem,


sabe? Ele consegue me segurar contra a parede e

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meter em todos os buracos que...

— Aaaah! Chamem um padre novo e um


padre velho, ela está possuída!

Betty estava ajoelhada ao meu lado,


tentando respirar enquanto gargalhava da reação de
Tony, e eu quase a ajudei quando ela engasgou com
a própria saliva.

Deitei ao lado de Tony, que parecia uma


mocinha desonrada de filme de época, de tão
canastrona que era sua expressão. Ri até meus
olhos se encherem de lágrimas.

— Espera, eu não terminei! — exclamei


entre risadas, segurando as mãos da vocalista. —
Ainda não falei sobre o pacote completo! Vamos

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agora analisar os testí...!

— Santa Mãe de Cristo! — Betty gritou, me


interrompendo, e colocou a mão na minha boca, me
calando e sacudindo minha cabeça com a outra
mão. — Chamem um exorcista que cure essa pobre
alma perdida nos pecados da carne!

Mesmo com sua mão contra minha boca, eu


gargalhei tanto que me engasguei. Betty tirou as
mãos de mim e bateu nas minhas costas quando
comecei a tossir, até que consegui respirar
novamente e deitei, ofegante. Tony era uma massa
amorfa de risadas.

Enxuguei as lágrimas dos cantos dos olhos e


me virei para ela, que repetiu meu gesto,

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encostando os joelhos dobrados nos meus.

— Olha para gente, meninas! A grande


chefona de uma banda de rock, a vocalista brilhante
e a sócia proprietária de uma grife de roupas
famosa rindo que nem três adolescentes de doze
anos... — eu disse, sorrindo.

— Continuamos sendo humanas, apesar de


sermos fodonas, ué. Faz parte — Betty disse,
olhando para o teto, ainda com o sorriso imenso no
rosto. — Aliás, antes que eu me esqueça, sua
tatuagem está belíssima! — ela apontou para o
curativo que tinha retirado pouco antes de deitar, já
que estava pinicando. — Posso tirar uma foto?

Balancei a cabeça concordando e sorri

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quando vi Betty pegar o celular e fotografar minhas


flores, que cobriam praticamente o braço todo,
incluindo o ombro. Era a tatuagem que Gabriel me
dera de presente de natal. Demorei para tomar
coragem, já que era imensa, mas acabei
conseguindo e fiz tudo em uma única sessão de
muitas — muitas — horas, no dia de folga do
Segurança. Doeu e foi bem cansativo, mas valeu a
pena, ela realmente era perfeita.

— Ficou incrível — Tony concordou. — É


a primeira vez que a vejo inteira pessoalmente, já
que você só tem usado roupas de mangas
compridas desde o dia em que fez.

— É, eu não queria pegar sol, tive medo de

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me queimar nesses dias de céu limpo. Mas eu nem


deveria ficar abafando muito. Vou deixar respirar
um pouco.

— Faz bem. Ela é linda. Quando cicatrizar,


vai ficar mais bonita ainda — Betty afirmou.

— Obrigada. Deus te ouça — brinquei e


fiquei olhando a líder da Sissy Walker postar a foto
no Instagram, sob o olhar atento de sua namorada.
— Meu sutiã apareceu na foto?

— Acho que apareceu, tem problema? —


perguntou, um pouco incerta.

— Não, só diz que é da Wings. Porque é


mesmo, ó — comentei e mostrei a pequeninha
asinha bordada na alça.

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— Ok, chefa, pode deixar — ela brincou e


voltou a deitar do meu lado.

Deitei, fechei os olhos e respirei fundo,


afastando os pensamentos desagradáveis da cabeça
e aceitando a mão de Tony, que entrelaçou seus
dedos nos meus e me deu um sorriso carinhoso.
Betty fez o mesmo, e nós encaramos o teto,
confortáveis na cama gigante e nos roupões fofos.

De mãos dadas, nós três nos permitimos não


pensar na despedida que estava logo ali, a poucos
dias de distância. Apenas ficamos juntas até
cairmos no sono.

Aproveitei cada segundo desse momento,


me permitindo sentir esperanças para o futuro que

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esmurrava a minha porta e me puxava para longe


da pessoa que eu mais amava no mundo.

Havia dúvidas quanto a isso?

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Última noite
— Segurança...? — chamei, hesitante.
Gabriel abriu os olhos prontamente e virou o rosto
em minha direção. — Eu... Você notou como o
tempo passou rápido?

Hesitando por um momento, ele girou o


corpo, ficando de frente para mim na cama, e pegou
na minha mão.

— Passou... — ele respondeu de maneira


curta, quase como um sussurro.

Seu rosto não tinha nenhum traço de humor,


desejo ou raiva. Apenas um sentimento que eu não
sabia classificar com precisão, mas que me parecia

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inconformidade.

— Passou... — eu repeti, quando não soube


o que dizer. — Sabe uma coisa engraçada sobre
gatos? Eles são estranhamente moles. Gatos
conseguem se enfiar em qualquer caixa de papelão,
bolsas, buracos, como se fossem feitos de matéria
líquida e não tivessem nenhum osso...

Ele piscou algumas vezes, como se eu


estivesse falado algo um pouco surpreendente, mas
não disse nada e continuou me olhando,
aguardando que eu completasse o raciocínio:

— Eu queria ser como um gato. Queria me


adaptar a qualquer coisa assim, queria que uma
caixa de papelão apertada fosse suficiente, mas não

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é. E, olha, no momento, tudo é uma caixa de


papelão. Ficar na Wings é uma caixa de papelão,
ficar aqui é uma caixa de papelão, tudo é
desconfortável e incompleto. Eu só queria ser água
no momento. Matéria líquida, que desse pra você
colocar numa garrafa e ir bebendo aos poucos...

Coloquei a mão sobre a de Gabriel, que


apenas a apertou, mas não disse nada. Seu rosto não
se moveu um músculo sequer. Suspirei, fechando
os olhos, e ouvi sua voz grave:

— Eu cumpri nosso acordo, Costureira. Não


falei sobre sua ida, salvo naquele dia em que você
se machucou.

Não abri os olhos, só balancei a cabeça.

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Meus olhos ardiam, mas eu não queria que ele visse


as lágrimas que causavam esse desconforto, então
os mantive bem apertados.

— Mas eu pensei diariamente em uma


solução. Tentei descobrir algo que pudéssemos
fazer, alguma saída, mas todas eram... como suas
caixas de papelão. E assim como eu não posso te
pedir para ficar em uma caixa, não exigir a mesma
coisa de Lloyd. Eu realmente não sei o que fazer.

Assenti com a cabeça de novo.

— A vida é injusta. Um monte de casais


errados por aí ficam juntos até o fim das vidas
medíocres deles, enquanto eu só queria um jeito de
ficar com você plenamente, sem precisar escolher

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nada, sendo água. Mas não encontro um modo —


eu comentei.

Virei de costas para Gab e levantei a


cabeça, esperando seu braço passar por debaixo
dela.

Gabriel me abraçou e me apertou com


força. Ficamos em silêncio por um tempo imenso,
até eu não aguentar mais e pedir para ele me soltar.
Ele me obedeceu e perguntou se eu estava bem,
normalmente passávamos muito tempo naquela
posição.

— Não, estou, eu só preciso... Pegar café na


cozinha. Volto já... — disse, tentando manter a voz
neutra.

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Saí do quarto sem nem colocar uma meia ou


um sapato que fosse. Digitei a senha do alarme
principal, que eu já sabia de cor, destranquei a porta
e saí da mansão, correndo pelo jardim e me
sentando embaixo da árvore do ponto cego das
câmeras. Não liguei para a terra, que mancharia a
minha camisola, apenas me sentei com tudo no
chão.

Passei meus braços ao redor da cintura, me


abraçando, e olhei para o céu estrelado. As
lágrimas que inundavam meus olhos desde quando
eu estava no quarto puderam rolar livremente
enquanto eu tentava distrair a mente contando as
constelações.

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Em pouco tempo, as poucas lágrimas


evoluíram para trilhas grossas, e eu me peguei
chorando de novo pela terceira ou quarta vez em
poucos dias. Usei a manga da camisola para tentar
enxugar os olhos, mas o tecido logo ficou molhado
demais para ser útil para alguma coisa.

Dobrei os joelhos, apoiei os braços neles e


abaixei a cabeça enquanto chorava. Não tentei
parar, apenas deixei tudo que estava vindo sair de
uma vez.

Quando finalmente consegui me estabilizar,


ouvi uma voz feminina chamando meu nome.
Levantei o rosto, assustada, e vi Betty em pé ao
meu lado, vestindo uma camisola parecida com a

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minha, de algodão, segurando uma caneca de café.

— Posso sentar? — perguntou com carinho.


Balancei a cabeça e fui um pouco para o lado, para
que ela pudesse apoiar as costas no tronco da
árvore como eu estava fazendo. — Toma. Trouxe
para você.

Peguei a caneca de café que ela me estendia


e agradeci, mas não bebi de imediato.

— Acho que agora a gente vai ter que


conversar, boneca...

Balancei a cabeça concordando e olhei


minha caneca, aguardando que ela falasse algo.

— Sabe, Lena? Quando eu te conheci, cinco


anos atrás, achei que você não teria nenhuma

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chance com o Gab. Já estava tão acostumada a vê-


lo sozinho e sem reagir às groupies que surgiam aos
montes, que achei que ele fosse assexuado.

Acabei dando uma risadinha triste, essa era


uma coisa que Gabriel nunca foi.

— Mas aí, quando Tony comentou que


vocês passaram a noite juntos, eu percebi que
estava errada sobre meu próprio segurança. Por um
momento, até pensei que vocês dois poderiam se
dar bem, mas você foi embora, e ele ficou. Vocês
eram tão diferentes, mas tão parecidos ao mesmo
tempo, que eu achei um absurdo aquela separação.
Mas vi que o que vocês tiveram não passaria
daquilo, um encontro incrível que mudou todo

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mundo. Inclusive o resto da banda, que passou a


ver Gabriel como uma pessoa de carne e osso, não
uma muralha de gelo.

Suspirei e tomei um gole do café, sentindo o


sabor forte e delicioso igual ao que Gab fazia.
Pensei em perguntar para Betty quem tinha
preparado a bebida, mas não quis interrompê-la
com uma curiosidade boba.

— Quando eu percebi, quase quatro anos


depois, que precisaria contratar alguém para
consultoria de moda, nenhum nome foi discutido
quando Tony sugeriu você. Conheço seu trabalho,
sei como você é profissional e competente. Não
hesitei ao propor a sua contratação para a

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gravadora, que aceitou de prontidão.

“O que eu não imaginava, Lena, é que,


nesse segundo encontro de vocês dois, tudo daria
tão... certo. Que isso tudo fosse tão natural. Achei
que vocês tinham um tesão imenso e que
aproveitariam a companhia um do outro, mas...
Naturalmente, as coisas foram evoluindo, de forma
tão simples e prática...”

Mais lágrimas escorreram pelo meu rosto,


mas nem me incomodei em enxugar dessa vez.

— Eu não sou cega, Lena. Todo mundo


notou também. O modo como se olhavam, como
evitavam se tocar no começo, como Gabriel sempre
olhava ao redor durante os shows, procurando você,

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que passou a ficar enfiada nos bastidores. Era algo


que incomodava ele, não te ver por perto, sabia?
Enfim, por um momento, até pensei que vocês
estavam apenas curtindo as viagens nas folgas do
trabalho, mas... Não era só isso. Os toques de vocês
foram mudando, os beijos em público foram
surgindo, as mãos dadas, os abraços, as
preocupações, os sorrisos foram aumentando... A
turnê acabou, nós voltamos para cá, e vocês
continuaram na mesma sintonia. Foram até morar
juntos, no apartamento que a gravadora alugou para
você. Ficamos surpresos com isso.”

Mordi o lábio, tentando impedir que as


lágrimas evoluíssem para soluços. Odiava chorar,
odiava muito, mas sabia que não adiantava brigar
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contra aquele maremoto que reverberava em mim.


As palavras de Betty me atingiam como pesadas
ondas, eu sabia que havia verdade em cada uma
delas.

— E agora você vai embora. Com o coração


partido, é óbvio. E eu me sinto culpada. Não me
leve a mal, eu sei que você fez um trabalho
sensacional nesses doze meses, você sabe disso.
Não me arrependo nem um pouco de ter te
contratado, o documentarista disse que o material
entregue é de um nível surpreendente. Mas me
arrependo muito de ter contratado você para ficar
próxima de Gab. Não imaginei que vocês dois
terminariam esses doze meses tão tristes como
estão agora. Eu não imaginei que seria tudo tão...
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desse jeito, Lena. Me perdoa, por favor.

Balancei a cabeça rapidamente, como que


dispensando seu pedido de desculpas. Betty
respirou fundo uma, duas vezes, e continuou:

— Você foi a única pessoa que fez Gabriel


rir desse jeito. Nunca vi meu próprio chefe de
segurança relaxar tanto como nesses doze meses.
Não só eu, todos da banda. O motivo de gostarmos
tanto de vocês dois juntos é que tudo fica mais leve
quando isso acontece. Gabriel relaxa ao seu lado, a
gente escuta as risadas do Segurança, Lena. Sabe
quantas vezes eu ouvi Gab rindo antes de você?
Conto nos dedos. O máximo era um sorriso ou algo
assim. Mas ouvir uma gargalhada, nossa, até me

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assusta quando eu escuto. É um som totalmente


diferente, não estamos acostumados.

Minhas mãos tremeram quando levei a


caneca à boca de novo. Bebi o café de uma vez e
enxuguei as lágrimas e o nariz na manga molhada
da camisola.

— Toma, enxuga na minha — Betty


ofereceu a manga do casaquinho, me fazendo rir.
Acabei aceitando, mas enxuguei só os olhos.

Ela tirou a caneca da minha mão e me


puxou para perto. Aceitei o convite e deitei a
cabeça em seu colo, me sentindo uma estranha, e
não em casa, como sempre me sentia na mansão. E
eu sabia que nada tinha a ver com ela, com Tony, a

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Sissy Walker ou a mansão. Tinha a ver com


Gabriel.

— Não existe a menor possibilidade de


você ficar? — Betty perguntou.

Balancei a cabeça negando.

— E a Wings? E minha vida no Rio? Há


pessoas que dependem de mim lá, assim como
Lloyd depende de Gab aqui. Além disso, o que eu
faria aqui?

— Eu poderia te contratar
permanentemente, Lena... — Betty argumentou
com a voz insegura. Ela sabia que eu não seria
necessária para a banda, e que isso não adiantaria.
Largar tudo, assim, não era a saída.

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Ficamos em silêncio por algum tempo, até


Betty parar de fazer carinho no meu cabelo e
perguntar.

— Você ama o Gabriel?

Não respondi. Mais lágrimas intrusas


começaram a cair dos olhos, molhando as pernas de
Betty, que não falou mais nada, apenas continuou
mexendo no meu cabelo.

A resposta era bem óbvia para qualquer um


naquela casa, mas eu me recusava a contar. Não
poderia falar aquilo em voz alta, não quando eu não
podia dizer para Gabriel ainda. Era loucura admitir
meus — óbvios — sentimentos para qualquer outra
pessoa que não ele.

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Enquanto eu não me tornasse água, não


diria a ninguém o quanto eu amava Gabriel. Era
realmente um ato performativo que eu só faria no
dia em que me tornasse matéria líquida e pudesse
me adequar a uma situação desagradável, como
largar minha vida inteira. Esse era o certo a ser
feito.

Agora, se isso nunca acontecesse, se nada


pudesse ser feito, se eu nunca conseguisse me
tornar mole e largar tudo, então eu guardaria essas
palavras dentro do peito e não contaria para
ninguém. Deixaria todas lá, em silêncio, mas
palpitando, aquecendo e esfriando o corpo ao
mesmo tempo, até o dia em que meu coração
parasse de bater.
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Só precisava guardar isso por um pequeno


tempo.

Só enquanto eu respirasse.

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Muito de você
Uns quinze minutos depois de ter levado
café para mim, Betty disse que ia me deixar
sozinha. Levantei com ela e sorri, agradecendo a
caneca. Ela me abraçou e reforçou que tudo ficaria
bem, tal e qual Tony afirmara dias antes. Balancei a
cabeça concordando, ainda que não acreditasse, e
fiquei olhando minha futura ex-chefe se afastar,
entrando na mansão.

Olhei de novo para o céu estrelado e


suspirei. As lágrimas haviam secado, mas o peso no
peito não dava trégua. Nenhuma xícara de café ou
conversa com amigas iria diminuir a dor que eu
estava sentindo. Era estranha, forte, áspera. Era
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nova, mas antiga ao mesmo tempo. E, pelo visto,


seria minha companheira pelo resto de minha
existência.

Esfreguei os olhos e caminhei de volta para


a mansão. Não pensei no que falaria quando
encontrasse Gabriel, mas não liguei. Era melhor
ficar ao seu lado chorando do que longe e sozinha
enquanto olhava as estrelas.

Fechei a porta, digitei a senha do alarme e


voltei para o quarto. O cômodo estava vazio, então
fui procurar Gabriel pela mansão, o encontrando
em pé na cozinha principal, os cotovelos apoiados
na bancada e a cabeça abaixada. A mesma cozinha
de nosso primeiro café juntos, quase um ano antes.

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Ao seu lado, uma caneca de café aparentemente


frio estava intocada.

Não, Lena, não chora. Segura.

Puxei um banco e me sentei ao seu lado.


Gabriel levantou o rosto e me observou. Seus olhos
estavam secos, mas não havia o brilho de sempre
neles.

— Acho que seria bom que deitássemos,


Segurança... Amanhã acordamos cedo...

Gab não disse nada, apenas balançou a


cabeça e ergueu o corpo. Em seguida, me estendeu
a mão e, quando levantei, pegou meu rosto entre as
mãos me olhou como se quisesse memorizar cada
detalhe de mim, tal como vinha fazendo em vários

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momentos dos últimos doze meses.

— Quer tirar uma foto? — perguntei


enquanto colocava as mãos sobre as suas.

Gabriel me deu um sorriso mínimo e


balançou a cabeça antes de responder:

— Quero, Costureira.

— Podia ter tirado várias nesses últimos


meses, Segurança idiota...

— Eu tirei, esqueceu? Um monte delas.

Beijei sua mão e brinquei:

— Aquelas coisas borradas que você chama


de fotos? Não conta... Vem, vamos dormir... —
disse, tirando minhas mãos das suas. Gabriel não se
mexeu.

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— Me dá um bom motivo, Lena... — ele


pediu enquanto me olhava tão fundo nos olhos, que
achei que ele poderia ler meus pensamentos.

Mordi o lábio, observando sua postura


desanimada, e respondi:

— No quarto tem uma cama e nenhuma


câmera, Gab.

Gabriel suspirou e me soltou.

— Bons motivos, Costureira...

Olhamo-nos por um momento, mas não


falamos nada. Gabriel estendeu a mão, e fomos em
silêncio até o quarto, de mãos dadas, dedos
entrelaçados.

Mal a porta se fechou, nos abraçamos e

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trocamos um beijo apaixonado. Minha camisola foi


ao chão em segundos, assim como a camiseta de
Gab.

Suas mãos exploravam minhas costas como


se não conhecessem cada canto delas enquanto as
minhas tentavam desamarrar a corda da calça de
pijama. Quando consegui finalmente, Gabriel me
soltou para tirar a calça e me deitou na cama,
puxando minha calcinha e deitando em cima de
mim em seguida.

Sua boca beijou meu pescoço, meu lóbulo e


meu queixo, arrancando gemidos baixos de minha
garganta enquanto eu abria as pernas e as passava
ao redor de seus quadris. Gabriel levou a mão até o

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meio das minhas coxas e enfiou um dedo, devagar,


apenas para verificar se eu estava lubrificada o
suficiente. Em seguida, se posicionou de novo em
cima de mim e me penetrou de uma vez, ficando
imóvel enquanto nossas respirações se acertavam.

Abracei Gabriel pelo pescoço e puxei seu


rosto para perto. Beijei sua boca macia e passei as
mãos na lateral de seu rosto quando ele começou a
se movimentar para dentro e para fora de mim.
Fechei os olhos, sentindo o prazer se espalhar pelo
meu ventre e apagar, ainda que momentaneamente,
a tristeza da despedida iminente.

Gab entrelaçou os dedos nos meus e ergueu


minhas mãos para trás enquanto entrava e saia de

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dentro de mim. Ergui meu tronco da cama quando


ele levou sua mão calejada pela minha coxa, saindo
de dentro de mim para tentar me virar de costas.
Imediatamente o impedi de me colocar de quatro na
cama, botando a mão em seu peito e dizendo com a
respiração ofegante:

— Hoje não, Segurança. Não tem você o


suficiente em mim desse jeito.

Gabriel me olhou por uns segundos e me


beijou com força, me agarrando e me fazendo girar
para cima dele. Abaixei o tronco e o beijei
enquanto ele deslizava para dentro de mim.

Beijei cada pedaço da sua tatuagem no


peito, ergui o quadril, fazendo com que ele

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escapasse de mim, e comecei a beijar seu corpo, até


chegar em sua ereção. Gabriel respirou fundo
quando eu a tomei em minha boca.

Quando ele estava quase terminando, parei


e me levantei. Gabriel se levantou junto, me
encostou na parede e repetiu o trajeto que minha
boca fizera, parando por um momento para beijar
com calma a minha tatuagem nas costelas,
descendo até encostar onde eu mais ansiava.

Gemi baixinho quando ele começou a


circular a língua ali, mas não conseguir controlar o
gemido mais alto quando ele enfiou dois dedos sem
nenhum aviso em mim, como sempre. Levei a mão
à boca e mordi meu dedo, num esforço enorme de

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não produzir sons enquanto Gabriel me levava à


beira do paraíso, mas parava em seguida.

Meu coração estava apertado, como em


todos os últimos dias, mas aquele era um raro
momento em que eu não sentia tanta dor. Eu
precisava aproveitar cada momento dele, porque a
dor que viria depois seria intensa, e eu sabia disso
perfeitamente.

Sem dizer nada, Gab se levantou, me


ergueu, me fazendo rodear a sua cintura com as
pernas, e me colocou sentada na mesa do quarto,
espalhando meus croquis e colagens pelo chão.

Em seguida, me penetrou de novo, e de


novo, e de novo, até eu pedir que ele esperasse um

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pouco, pois eu estava sensível demais. Gab me


beijou sem sair de dentro de mim, mas me
obedeceu. Eu o abracei pelo pescoço mais uma vez,
e ele me ergueu pela cintura, me tirando da mesa.

Sem parar de me beijar, me deitou na cama


de volta e voltou para o meu interior, uma, duas,
três, dezenas de vezes, até que nós dois chegamos
no ponto do paraíso onde não havia dor, não nos
poucos segundos que precedem o estado quase
profundo de relaxamento.

Ficamos abraçados por mais algum tempo,


até ele sair de dentro de mim, rolar para o lado e me
puxar para outro abraço. Nem me importei com
nada, só o abracei, apertando seu corpo quente ao

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meu, torcendo e pedindo a Deus que me tornasse


líquida. Eu precisava ter coragem e precisava largar
tudo. Não podia ficar sem aquilo, não conseguia
ficar sem Gabriel.

Mas não me tornei líquida. E, naquele


momento, com as respirações estabilizadas, o suor
secando nos corpos, mas os corações ainda
retumbando, eu soube que nunca me tornaria. Nem
Gabriel.

Somos sólidos, sempre fomos, sempre


seremos. Gab não pode abandonar sua família, eu
não posso abandonar a minha, não dá para perder
uma parte de minha alma para deixar de perder
uma de meu coração.

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Por que precisamos escolher?

Senti os dedos de Gab na minha pele, na


minha cintura, me segurando com força. Não chorei
na frente dele, ele não chorou na minha. Não
falamos mais nada, só ficamos abraçados, ouvindo
as batidas rápidas de dois corações feridos. Senti
todas as emoções possíveis fuzilando meu coração:
raiva, solidão, inconformidade, tristeza, euforia,
carinho, amor...

Guardei o “eu te amo” que fez de tudo para


escapar pelos meus lábios. Não quis piorar a
situação, não quis reforçar o óbvio e tornar tudo
mais difícil ainda. Eu sabia que Gabriel ia
responder do mesmo modo, e se ele pedisse

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qualquer coisa depois disso, eu daria. Qualquer


coisa, eu largaria tudo, e os dois sabiam que não era
certo.

Ficamos assim até o sono vir e aplacar um


pouco da dor. Tive a impressão de ter escutado
Gabriel dizer algo antes de adormecer, mas não
consegui entender o que era. Achei melhor assim.
Dependendo do que fosse, eu sacrificaria tudo na
vida em busca do que ele me pedisse após isso, e
esse era meu maior medo.

O amanhã devia ser proibido de chegar.

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Despedida
Gabriel levou minhas malas até o carro, e eu
fui até a sala me despedir de todos. Diego, Jim,
Pierre, Erika e Aline me aguardavam em silêncio e
me olharam apreensivos quando eu apareci.

— Credo, gente, parece um velório. Eu só


estou indo embora, vocês vão sobreviver sem mim!
— tentei brincar, mas ninguém riu, nem mesmo eu.
— Gente, por favor, não façam essas caras, eu já
odeio despedidas, não piorem tudo. O Rio é... perto
daqui... mais ou menos. Vocês podem me visitar
quando quiserem. E tem também o mundo mágico
da internet. Skype e WhatsApp tão aí para isso...

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Pierre se levantou do sofá e correu até mim,


me abraçando com força. Fechei os olhos e respirei
fundo antes de o abraçar de volta.

Não chore, Lena, não chore.

Dei um sorriso que ninguém no mundo


conseguiria acreditar ser verdadeiro quando Pierre
se afastou e olhou meu rosto, como que buscando
lágrimas ou coisa parecida. Ia comentar alguma
coisa, mas Aline se adiantou:

— A gente tá triste de ver você e Gab


tristes, Lena... E de saber que você não vai voltar
mais...

Surpresa, soltei Pierre e olhei para Aline,


que estava séria e com os olhos repletos de pena.

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Eu nunca disse aquilo, mas ela acertou em cheio.


Não pretendia mais voltar a Londres, não
importava o motivo, pois sabia que aquilo só faria
mal a mim e a Gabriel. Era melhor que a gente
ficasse separado, para não sofrer mais do que já
sofreríamos.

Gab entrou na sala a tempo de ouvir a frase


de Aline e me olhou com as sobrancelhas franzidas
e o olhar questionador e derrotado ao mesmo
tempo. Engoli em seco ao vê-lo com aquela
expressão e me virei para abraçar Diego, desviando
de seu olhar dolorido. Abaixei e recebi um abraço
gostoso de criança da filha de Jim, que me deu um
beijinho na ponta do nariz, me fazendo sorrir
verdadeiramente.
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Aline me abraçou com força e depois Pierre


veio fazer o mesmo novamente. Fui até Diego e o
apertei com muita força, já sentindo falta de suas
besteiras, piadas sacanas e de suas fotos tiradas sem
permissão. Ele me agarrou pela cintura, me ergueu
e me rodou no ar, me fazendo gritar, para logo em
seguida, me soltar e bater continência com um
sorriso no rosto.

Erika veio na minha direção, depois a


esposa de Jim, e depois fiz mais uma rodada de
abraços. Olhei ao redor para ver se restava alguém
e respirei fundo, tentando sorrir.

— Pronto! Já beijei todo mundo, dei tchau


para todo mundo! Enfim, agora vou pegar um avião

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e viajar de volta para o Hell de Janeiro. Apareçam


lá quando quiserem passar calor. Eu amo todos
vocês. Menos você, Diego, desculpa. Ainda não
esqueci do evento na piscina. Tenho que afogar
mais uns três celulares seus para ficarmos quites de
verdade — brinquei e ri de sua expressão de
desdém.

Acenei para todos e me virei, saindo da


mansão sem olhar para trás, sentindo que deixava
um pedaço de mim ali dentro, um pedaço que eu
nunca poderia recuperar.

Tony e Betty já estavam no carro nos


esperando, nos bancos traseiros. Gab sentou no
banco do motorista e eu me sentei no do

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passageiro, sentindo o coração apertar enquanto


fazia um esforço imenso para não olhar a mansão.

Liguei a rádio e deixei que apenas as


melodias encerrassem o silêncio do ambiente. Uma
música da Katy Perry acabou e logo deu lugar a
uma da Shakira: Underneath Your Clothes.

Ótimo, bosta de música triste do cacete!

Mudei a rádio com raiva e aguardei uma


propaganda acabar para revirar os olhos quando
uma música mais triste ainda começou a tocar.
Deixei que ela tocasse, pois não ia adiantar ficar
trocando de rádio e mostrar a todos quão arrasada
eu estava, então só cantarolei a música tentando
soar animada, o que era... bom, impossível, dado o

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teor da letra e meu humor.

— Tanta música boa, tinha que ser


exatamente essa...? — murmurei para mim mesma
e vi pelo canto do olho Gabriel virar o rosto na
minha direção, mas não falar nada.

Sempre que o carro parava em um sinal,


Gab colocava a mão na minha perna ou eu fazia o
mesmo na sua, retirando assim que o carro andava.
Em alguns momentos, sua mão me buscava, e eu
sentia um aperto que me dizia o que eu já estava
careca de saber: Gab estava lutando contra ele
mesmo ao me deixar ir embora. Era tão difícil para
ele quanto era para mim. Isso era óbvio, mas doía a
cada vez que ele demorava segundos extras para

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largar minha mão, arrancando com o carro quando


algum motorista impaciente buzinava.

Durante todo o trajeto até o aeroporto, eu


fui pedindo a Deus para que não deixasse Gabriel
pedir que eu ficasse. Porque eu ficaria sem nem
hesitar, e não era o certo a ser feito.

Meu coração doía como nunca na vida, meu


peito estava pesado, minha boca, ressecada, e meus
olhos ardiam pelas lágrimas não derramadas. Se
essa não era a pior despedida da minha vida até
então, eu não fazia ideia do que poderia ser pior.

Chegamos no aeroporto quase em cima da


hora. Gabriel e eu, que somos tão controlados em
relação à pontualidade, fizemos de propósito. Não

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queríamos prolongar o sofrimento que seria ficar


esperando a decolagem sozinha dentro do jatinho
da banda enquanto a torre de controle não liberava
a pista.

Olhei no relógio e me adiantei até a entrada


da sala de embarque, olhando pelas imensas janelas
do aeroporto. O dia estava lindo, azul, fresco,
brilhante naquele fim de inverno, para surpresa de
todos. Preciso dizer que estava o oposto extremo do
meu humor?

Brinquei com a alça da bolsa por um


momento antes de levantar a cabeça e olhar para
meus amigos. Betty veio até mim e deu um abraço
forte, me soltando em seguida sem dizer nada e

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bagunçando minha franja. Sorri para ela e me


afastei, me virando para Tony, que tinha os olhos
marejados, mas estava relativamente inteira. Ela era
durona na queda, eu sempre soube disso.

Recebi o abraço mais forte e caloroso de


todos e retribuí do melhor jeito que pude, passando
a mão em suas costas e sentindo seus cabelos
perfumados perto do meu rosto.

— Eu juro que vou ao Rio um dia desses te


visitar, ver como estão todos na Trophy Husband...
— Antônia disse quando me soltou.

Dei um sorriso triste antes de responder:

— Ai de você se não for. Eu te arrasto pelos


cabelos até lá.

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— Se isso fizer você voltar para cá, eu até


quebro o juramento... — ela brincou e me deu um
sorriso carinhoso.

Em seguida, se afastou para que eu pudesse


dar tchau a Gabriel. A despedida tinha outro sabor.
Antônia era minha amiga, uma das melhores, senão
a melhor. Foi quem me salvou de Alexandro na
Lyubov, foi quem sempre esteve ao meu lado.

Mas Gabriel era Gabriel.

Ali, naquele aeroporto tão claro, iluminado


e amplo, nós éramos muito mais do que amigos.
Gabriel era meu lyubimyy, e eu... eu era a dele. Sua
lyubimaya. Eu sabia disso. Eu nunca tive dúvidas
disso. E isso doía mais do que se o sentimento fosse

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unilateral.

O olhar de Gabriel queimava fundo em


mim, me fazendo questionar se realmente não
haveria um meio-termo, uma solução, qualquer
coisa... Mas não havia, eu sabia.

Ajeitei seu terno, tirei uma poeirinha que


grudara na gravata e pedi:

— Sorri, Segurança... Já basta eu


carrancuda.

Gab tentou sorrir, mas não conseguiu. Seus


lábios se curvaram em uma tentativa infrutífera de
suavizar a tensão de seu semblante, mas logo
voltaram à expressão anterior. Suspirei antes de
finalmente dizer o que tinha pensado durante todo o

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trajeto:

— Me dá um bom motivo para eu ir


embora.

Gabriel tomou meu rosto entre as mãos e


respondeu com a expressão dura, porém resignada:

— Não consigo pensar em nenhum,


Costureira.

— Nem um pequeno? — perguntei,


tentando não chorar. — Só um, Gab, qualquer um...

— Não, Lena, nenhum, nem mesmo um


pequeno — ele respondeu antes de me beijar.

Eu me agarrei a ele e o beijei com vontade,


derramando todo o sentimento guardado no peito
enquanto ficava na ponta dos coturnos e o abraçava

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com força. Sua mão se enroscou em meu cabelo,


me puxando para mais perto ainda, e meus dedos
fizeram o mesmo com seu cabelo, que estava um
pouco mais comprido do que o normal.

Sua língua entrou na minha boca sem pedir


licença, sem nenhum tipo de pudor, mesmo Gab
sabendo que nossa chefe — ou melhor, a chefe dele
— estava ali perto, nos olhando, e que ele ainda
estava em horário de trabalho. Não importava, nada
mais importava, só sentir o sabor de sua boca, o
sabor que só Gabriel tinha e que ninguém mais no
mundo conseguiria descrever ou reproduzir.

Quando parou de me beijar, eu percebi algo.


Um gosto diferente, amargo.

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— Gab... O que se deu daquele maço de


cigarros que eu levei na bolsa, da casa do Lloyd?

Ele apenas me encarou, o rosto contraído,


como se estivesse em conflito, e eu imediatamente
entendi.

— Você fuma quando está insatisfeito, não


foi isso que me disse?

Gab apenas assentiu, e eu fiz o mesmo.


Engoli em seco e cantarolei a música de dor,
olhando sua gravata e ajeitando seu nó:

— I love everything you do...When you call


[18]
me fucking dumb... — parei de cantar e dei um
suspiro meio estrangulado.

— Quem deveria cantar essa música sou eu.

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Eu nunca te chamei de idiota, mas você me chama


dia sim, dia não... — ele tentou brincar, mas
nenhum dos dois riu.

— Segurança idiota... — eu respondi e


suspirei. — Quem vai limpar sua arma agora?

Gabriel não respondeu minha tentativa de


piada.

— Mande um abraço para Lloyd por mim,


por favor.

Ele balançou a cabeça, assentindo.

— O velho pediu para eu deixar um


presente para você. Tá dentro da sua bagagem de
mão.

Pisquei por um momento, mas apenas

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balancei a cabeça, concordando. Nada me animaria,


então tanto faz como tanto fez.

Foi uma vitória não chorar. Soltei Gabriel e


apertei as mãos com força, sentindo as unhas
machucarem minha pele. Sabia que meu rosto
devia estar horroroso, mas consegui não derramar
nenhuma lágrima na frente de Gab, que tinha os
olhos secos e tristes.

— Até mais, Costureira — ele disse em


português, ainda sem sorrir.

— Até mais, Segurança... — eu respondi


em inglês, andando de costas e olhando seu rosto.
— Sorri, Gab...

Gabriel balançou a cabeça negando, e eu

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precisei morder o lábio para não desabar. Virei de


costas e fui embora, mas não resisti a dar uma
última olhada antes de entrar na sala de embarque.

Betty e Tony estavam ao lado dele, a pena


era evidente no rosto delas quando botaram as
mãos nos ombros de Gabriel, que apenas me olhava
sem dizer nada. Tony me olhava com uma
expressão incerta. Uma lágrima idiota caiu pela
minha bochecha, e eu entrei correndo na sala, antes
que alguém me visse chorando.

Com as lágrimas borrando a maquiagem,


entrei no jatinho e me preparei para a viagem mais
desconfortável e triste da minha vida. Não
importava quão desagradáveis tivessem sido outras

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viagens com Sophia, Lula, Joe, ou mesmo as pontes


aéreas que precisei fazer quando fiz o ensaio da
Vogue. Nenhuma viagem seria tão ruim quanto
aquela, num jatinho de luxo como o da Sissy
Walker. Nem todo o conforto e comodidade do
mundo apagariam que eu estava sem as principais
coisas que me acalmavam em viagens de avião.

Eu estava ali, sem Dramin, sem sono, sem


companhia de algum amigo, qualquer coisa. Eu
estava ali sem o Gabriel, sem o meu Gabriel, que
ficou no aeroporto enquanto eu partia, não veio
comigo nem pediu para que eu ficasse.

Olhei no relógio de pulso e calculei quantas


horas eu teria que aguentar sozinha até chegar no

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aeroporto do Rio, onde Roberto estaria me


esperando para me dar uma carona. Muitas. Aliás, o
que mais eu teria pela frente seriam horas solitárias
regadas a lágrimas a partir desse dia primeiro de
março.

Lembrei do tal presente de Lloyd e revirei a


bolsa, encontrando o isqueiro de metal com uma
bandeira do Reino Unido impressa. Pelo que o
sensei de Gab havia dito, era um objeto valioso, o
que fez com que eu voltasse a chorar.

Sentindo meu estômago revirando enquanto


olhava pela janela, observei o cenário passar
enquanto o avião decolava. O céu azul
repentinamente se tornou sem cor, meu celular, que

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eu esqueci de desligar, mostrava uma foto minha e


de Gab completamente monocromática, minhas
unhas, pintadas de amarelo, estavam foscas e
acinzentadas.

Tudo se tornou cinza.

As cores tinham ficado no aeroporto.

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Primeiro Mês
Ouvi a campainha tocar, mas não fiz
menção de ir ver quem me incomodava em pleno
sábado, quase um mês depois da minha separação
de Gabriel. Em vez disso, me enrosquei no
cobertor, levantando a cabeça somente para olhar
as horas, e voltei a deitar quando vi que não eram
nem oito da manhã.

Mal peguei no sono de novo, a campainha


tocou mais uma vez. E outra. E outra. E outra!

— Ok, ok, estou indo...! — falei em voz


alta, mas sem ânimo nenhum.

Nem me dei ao trabalho de me vestir. Fui de

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camiseta e calcinha até a porta e olhei pelo olho


mágico, rangendo os dentes ao ver que era Roberto.
Destranquei a porta e a abri, mal dando tempo para
que ele desse um oi:

— Que é, Roberto? Hoje é sábado, são sete


e pouca da manhã... Me deixa dormir até domingo,
por favor.

Beto, que estava radiante e lindo em sua


roupa casual de professor universitário — quase
uma versão brasileira de Ted Mosby, de How I Met
Your Mother —, me deu um sorriso iluminado,
ignorando meus trajes.

— Claro que não, eu trouxe café da manhã!


— disse e ergueu as sacolas de compras. — Vai, sai

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da frente, vamos comer.

Revirei os olhos, mas fiz o que ele mandou,


nunca se nega café, ainda mais quando a sacola
mostra a logomarca do Café Primeiro.

— Tira os sapatos na...

— Na porta, Lena, eu sei. Cem anos de


amizade e você ainda manda essa? Enfim, como
você está?

Fechei a porta e respirei fundo, tentando me


controlar e não dar uma resposta atravessada a um
amigo que só veio me fazer companhia. Ora bolas,
que pergunta estúpida. Como eu estava? Um caco!
Deprimida, morrendo de saudades, de coração
partido, querendo chorar a cada minuto, me

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controlando para não ligar para Gabriel, me


controlando para não pegar um avião e ir até a
mansão, me controlando para não contar há quanto
tempo eu estava nesse buraco — vinte e nove dias,
dez horas e uns quinze minutos —, me controlando
para não fazer nenhuma besteira do tipo largar tudo
que eu construí por quase dez anos de muito
trabalho.

Eu só queria dormir e acordar ao lado de


Gabriel. Só isso. Não queria acordar e saber que o
ponto alto do dia seria tomar café com Roberto.

— Estou ótima, melhor impossível... —


respondi depois de uns segundos de silêncio.

Não tinha vontade de brigar. Não estava

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com vontade de fazer nada. Só dormir. Beto tirou


os sapatos, deixou ao lado da porta e foi arrumar as
compras de café da manhã na minha mesa, na sala,
eu apenas fiquei lá, parada, olhando ele fazer o que
queria.

— Sei... Você tá com olheira, seu cabelo tá


seco que nem aqueles pentelhos de espiga de milho,
creio que esteja uns cinco quilos mais magra e suas
unhas estão todas descascadas e roídas, mesmo as
unhas do pé, estou vendo... Você realmente está
ótima.

Passei a mão no cabelo, tentando não soar


ofendida.

— Nossa... E me admira você ainda estar

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solteiro...

Roberto riu do meu comentário e foi até a


cozinha, voltando rapidamente com pratos,
canecas, talheres e tudo que manda o figurino. Eu
me sentei no sofá e fiquei olhando ele arrumar
tudo, com direito a uma rosa amarela, que deveria
ter tirado do traseiro, só podia.

— De onde veio essa flor de gente doente,


Roberto? — perguntei com a voz desanimada.

— Para de reclamar, lindinha. Vem, vamos


colocar carne nesses ossos. Eu trouxe iogurte do
solzinho. Ainda é seu preferido?

Revirei os olhos de novo, mas me levantei e


sentei à mesa, pegando o iogurte, tirando o lacre e

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bebendo direto na garrafa.

— Uau. Bom, ok, se comer, já tô feliz. Ó,


eu trouxe lá do Café Primeiro esse grão 100%
arábico... — apontou para um saco fechado de
grãos de café.

— Arábica — eu disse quando parei de


beber o iogurte.

— Oi?

— Não é arábico, é arábica. Sua irmã é


barista, você nunca ouviu nada do que ela passa o
dia falando, inútil?

Roberto suspirou, pegou um pão francês e


começou a cortá-lo em silêncio, o que fez com que
eu me sentisse um pouco mal por ser tão grosseira.

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— Desculpa, Beto, eu... Tá difícil, tá bem


difícil.

— Eu sei, lindinha, isso é nítido. Por isso eu


estou aqui, eu quero fazer você se sentir bem. Você
sabe que eu te amo, Helena, isso não é segredo para
ninguém. Você é uma das pessoas mais importantes
da minha vida, tão importante quanto minha irmã, e
é horrível te ver assim.

Peguei a garrafa de iogurte e girei nas mãos


enquanto Beto falava aquilo tudo. Quando ele tinha
se tornado um babão sentimental? Que pessoa
ridícula.

— E pode parar de me xingar mentalmente,


sua escrota. Depois de comer, nós vamos dar uma

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volta na praia de Botafogo, ver pessoas, essas


coisas.

— Ver pessoas? A última coisa que eu


quero é ver pessoas, Beto! Quero me curvar numa
bolinha e hibernar! E eu não quero café, eu não
tomo mais café.

Beto prendeu a respiração com o susto e me


olhou, assombrado.

— Como assim não bebe mais café? Você é


movida a café!

— Era. Não tem mais o mesmo gosto que


antes, parece terra molhada e cinza de cigarro.

— Ah, Lena, deve ser o tipo de café. Já sei,


vou encomendar aquele que você tanto gosta, da

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Black Fuel. 11:20, não é esse o nome? Ou é 11:11?


4:20?

Levantei da cadeira, sentindo o tédio


crescer, e fui até meu guarda-roupas vestir alguma
coisa mais apresentável. Voltei cinco minutos
depois, de vestido, mas deixei bem claro que não
iria sair de casa nem se o Papa em pessoa viesse me
buscar. Sentei de novo e voltei a beber o iogurte
com o mesmo ânimo de antes.

— Lena, seja racional — ele disse depois de


um tempo de silêncio. Sua voz não estava mais
animada, parecia um tom profissional de professor
sério. — Se seu relacionamento com Gabriel é
impossível, então você tem que fazer algo para

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esquecê-lo. Ou isso, ou parar de ser teimosa, ligar


para ele e arrumar um arranjo, um meio-termo.

Bati o iogurte na mesa com tanta força, que


gotas do líquido grosso e rosa voaram da garrafa
aberta. Roberto nem se mexeu, mas seus olhos se
arregalaram por um momento. Percebi uma certa
satisfação nele, o que fazia sentido: eu passei os
últimos vinte e nove dias apática, como se estivesse
no modo automático. Qualquer reação extrema
minha era melhor do que o silêncio que vinha se
tornando costumeiro.

— Você acha que eu já não pensei em tudo,


Roberto? Acha que eu sou idiota? O que você quer
que eu faça, largue tudo e vá pra lá? Quer que ele

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largue tudo e venha pra cá? Não existe meio-termo,


seu imbecil! — urrei para Roberto, a centímetros
do seu rosto, que estava impassível.

Roberto se levantou da cadeira com


tranquilidade, me pegou pelos pulsos e, me tirando
da cadeira, me jogou na parede, prendendo meu
corpo no seu. Meu coração disparou, e logo a apatia
começou a ser substituída por raiva.

— Bebeu, Roberto? Me solta agora, ou eu


vou...

— Vai o quê? Me socar? Me bater? Me dar


um chute no saco? Ok, dê! Dê e me diga se isso
melhorou seu humor de algum modo. Se isso
melhorar, ok, então manda ver. Porque ninguém

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mais aguenta esse fantasma que você se tornou,


Helena! Você não come direito, não sai de casa pra
nada, a não ser ir para o trabalho, faz tudo
automaticamente, ignora nossas ligações, não
atende quando batemos na sua porta...

Hesitei antes de falar, sabendo que tudo


aquilo era verdade, mas respondi:

— Eu não abri hoje?

— Abriu hoje, exato. Mas sabe há quantos


dias eu estou tentando falar com você? Desde
quando fui te buscar no aeroporto. Você desabou de
chorar no desembarque, chorou até a gente chegar
no meu apartamento, chorou a noite inteira e depois
foi embora sem falar nada. Depois disso,

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desapareceu. Não me atendeu nenhuma vez,


mesmo que eu tenha te procurado praticamente em
todos os lugares.

Engoli em seco. Ele tinha total razão, eu


estava uma bagunça completa e sem ânimo para
nada. Era um espelho de meus sentimentos.

— Quanto tempo tem que você não fala


com a Tony, com os rapazes da banda? Quanto
tempo tem que você não fala com Gabriel?

— Desde quando viajei... — respondi e


tentei soltar os pulsos que Roberto ainda prendia,
mas não do jeito certo, aquele que aprendera nas
aulas de defesa pessoal. Queria só me livrar das
suas mãos, dele, da dor que sentia no peito, de tudo.

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Queria só me livrar, sair dessa prisão que eu mesma


criei para mim. Essa maldita caixa de papelão.

— Então liga pra ele, Lena. Para de se


torturar, para de ser tão burra!

— Eu não quero ligar pra ele... — eu gemi,


mas Roberto não afrouxou o aperto no pulso. Não
era bem verdade, eu queria, pensava nisso todo dia,
toda hora, mas sabia que seria pior.

— Não quer? Então vamos dar uma volta.


Vamos sair, vamos arrumar companhia, Lena.
Vamos reagir, por favor.

— Não quero, Beto... — eu gemi de novo, e


meus olhos se encheram de lágrimas enquanto
minhas mãos paravam de lutar. Eu era a pura

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derrota em pessoa.

Roberto hesitou quando me viu daquele


jeito e afastou seu corpo do meu, soltando meus
pulsos e levando as mãos até meu rosto, me
forçando a olhar para ele.

— Lena... Ao menos liga para ele... Você


precisa reagir, fazer alguma coisa...

— Não quero fazer nada... Só quero dormir,


me deixa dormir... — eu murmurei, e as lágrimas
começaram a molhar as mãos de Roberto.

— Eu sinto que vou me arrepender muito


disso, mas...

Sem nenhum tipo de alerta, Roberto voltou


a me imprensar contra a parede e chocou seus

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lábios nos meus pela primeira vez em muitos anos,


me dando um daqueles beijos que antigamente
faziam meu sistema dar reboot, mas que naquele
momento nada fez a não ser substituir a tristeza
latente no peito por um ódio gigantesco.

Empurrei Beto com toda a força que


consegui juntar e enxuguei meus lábios com as
costas das mãos, irada como não ficava há muito
tempo. Senti como se a Lena fantasma tivesse sido
mandada de volta para o além.

Durante todos os dias daquele mês, eu


apenas sobrevivi. Comia quando sentia que meu
corpo não ia aguentar mais ficar vazio, bebia
quando minha garganta arranhava pela sede,

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tomava banho sempre no mesmo horário, fazia


sempre a mesma escova no cabelo, para não ter
trabalho, escovava os dentes mecanicamente, ia
para a Wings e fazia tudo de modo impassível, não
sorria para ninguém, não conversava com ninguém,
não via filmes, não ouvia música, não lia livros,
não tirava fotos, não atendia telefonemas. Nada. Só
cumpria as obrigações diárias básicas. Terminando
tais obrigações, eu somente ia para cama e chorava
até dormir.

Porém, naquele sábado, quando Roberto, o


único que tinha coragem para me provocar daquele
jeito, fez aquilo que eu mais odiava no mundo, algo
mudou. Parei de sentir pena de mim e de Gab e
passei a sentir ódio do mundo. Das injustiças, da
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distância, do destino, de Deus, de todos. Todos os


responsáveis por eu não estar nos braços do homem
que eu amo e que me ama.

Naquele sábado, o fantasma se transformou


em um demônio.

— Enlouqueceu, seu playboy de quinta?!


Quer que eu reaja? Então tá, vou reagir!

E, pela primeira vez na vida, em uma vida


com várias torções, dedos quebrados e coisas que
eu fazia em homens que me forçavam a algo, eu
quebrei um nariz a ponto de me machucar,
fraturando dois dedos de uma vez só.

O mais bizarro nessa equação estranha —


nariz quebrado, dedos quebrados, sangue — foi ver

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que, no auge da minha irritação, eu me esqueci por


um momento de quem era o homem largado no
chão, deitado em uma pequena poça crescente de
sangue, tentando se levantar e estancar o
sangramento do nariz enquanto eu abraçava minha
mão junto ao corpo.

Era meu ex-namorado, um de meus


melhores amigos, uma das pessoas mais
importantes da minha vida. Por mais babaca que ele
pudesse ser de vez em quando, Roberto se
importava comigo, queria meu bem. E eu nem
liguei. Senti vontade de apertar seu pescoço por ele
ter todo aquele contato comigo, mesmo sem
merecer. Senti nojo por não ser Gabriel. Senti
desprezo por ele estar sujando meu chão, senti
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impaciência por ver que ele estava demorando para


levantar.

Assim que ele conseguiu se estabelecer, foi


até a cozinha, pegou um pano de prato, colocou na
frente do rosto e foi embora sem me olhar. Nesse
momento, minha raiva chegou a níveis
incontroláveis, e eu gritei com todas as forças que
meu corpo cansado permitiu antes de cair ajoelhada
no chão e chorar em frente à poça de sangue,
sentindo a mão formigando e o coração doendo.

Eu realmente estava uma bagunça.

Eu realmente preciso fazer algo. Não posso


mais ficar assim.

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Segundo Mês
Dei uma lambida na casquinha enquanto via
um casal brincar com um cachorro loiro no Parque
Guinle. Dei um pequenino sorriso, o primeiro em
dois meses, quando o cachorro desviou o olhar dos
donos para uma cadela que havia chegado na grama
do parque. Em segundos, o cachorro começou a dar
uns berros escandalosos, como se alguém estivesse
torturando-o, e meu sorriso se abriu um pouco.

— Opa, um sorriso! Já é um começo! —


Lula brincou e sentou ao meu lado.

— Lu! O que tá fazendo aqui? — perguntei


antes de me inclinar e beijar seu rosto, sem nem

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sombra do sorriso de segundos antes no meu rosto.

— Vim te procurar. Passei na sua casa, mas


você não estava, imaginei que estivesse aqui. Opa,
chocolate, me dá um pouquinho? — ela disse e
pegou minha casquinha, abocanhando metade do
sorvete.

— Fique à vontade... — respondi e suspirei.


— Esse cachorro é muito engraçado, ele não sabe
latir, ele berra quando vê outros cachorros —
comentei e apontei para o bichano.

— Ah, é? Ah, eu já o vi por aqui. Tem


outros que são iguais, dão uns gritos, vivo me
assustando quando venho com o Johnny — Lula
respondeu e cruzou as pernas no banco, olhando

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para as árvores do parque. — Lembra que a gente


sempre vinha pra cá antigamente?

Dei uma risada sem humor.

— Claro que lembro. Você tinha uns


dezesseis anos, eu uns dezenove... Depois a gente
passou a frequentar essa pracinha quando seu irmão
casou, você dizia que tinha certeza que ele ia
terminar com a Paula.

Lula me devolveu a casquinha e riu da


lembrança.

— É, eu tinha... E eu estava certa, eles


terminaram. Voltaram, mas não muda o fato de que
eu estava certa, né? Ainda acho que você e Joe
seriam um casal melhor, mas tudo bem. É a vida.

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Revirei os olhos, mas não disse nada. A


última coisa que eu queria ouvir é se eu seria um
bom casal com qualquer pessoa no planeta. Estava
sendo difícil controlar todos os acessos de raiva que
eu estava sentindo desde o “acidente” com Roberto.

Como se lesse minha mente, Luciana disse:

— Ah, por sinal, Lena, você não perguntou,


mas o nariz do Beto ficou um pouco torto, porque
ele não foi ao hospital imediatamente. Sugeriram a
ele fazer uma plástica, mas ele negou. Ao menos,
ele saiu de lá com uma namorada, acredita? Se deu
bem com uma enfermeira e... Enfim, como está a
fratura?

Ergui a mão direita, ainda no gesso, e

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respondi:

— Ótima. Vou tirar o gesso em breve. Não


me olha com essa cara, ele fez o que eu mais odeio
no mundo, e ele sabia desde o começo o que seu
gesto poderia acarretar. Era um péssimo momento
para me agarrar. Aliás, qualquer momento é
péssimo quando se trata de agarrar alguém à força.
Ele mereceu.

— Ah, não, eu sei disso. Mereceu mesmo.


Mas você quebrou a mão, Lena. O soco que você
deu no Beto foi muito passional, garota. Eu nunca
te vi desse jeito, e te conheço há dez anos. E não só
isso, você saiu de uma mulher apática para esse
monstro rabugento que quebra o nariz dos outros,

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quebra câmeras fotográficas, grita com seus


funcionários... Eu não sei o que é pior, o fantasma
de Lena ou a Lena Cruella de hoje.

Desviei o olhar e mirei um pug passando. O


cãozinho me deu um daqueles olhares esquisitos
típicos da raça, me arrancando um outro sorriso, o
segundo nos últimos meses. Luciana deu um
suspiro impaciente.

— Lena, Lena, Lena... Essa sua mania de


deixar seus sentimentos para depois não é saudável.
Você devia saber disso. Você devia ligar para o
segurança da banda e pelo menos falar com ele...

— Ai, Luciana, para de ser chata! Já falei


que não tem o que fazer, deixa eu acostumar com a

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ideia de que não posso ficar com o Gabriel! — eu


explodi de repente, e logo controlei a voz, pois
tinha chamado a atenção de algumas pessoas.

Lula suspirou de novo e voltou a pegar a


casquinha da minha mão, comendo tudo sem pedir
permissão. Estalei os lábios, mas não disse nada,
qualquer coisa que dissesse seria pior. Era só um
sorvete, não podia deixar até isso me irritar.
Luciana também ficou em silêncio, até seu celular
vibrar e ela o atender.

— Oi, Joe. Sim, ela tá aqui. No banco do


local dos cachorros. Isso. Ok, fala pra ele me
esperar — disse e desligou o celular. — Lenita,
preciso resolver umas pendengas com o Jonathan

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do trabalho dele, ele tá me esperando lá fora. Joe


vai me substituir.

— Substituir...? — perguntei, confusa, mas


ela me deu um beijo no rosto e foi embora sem dar
mais detalhes.

Minutos depois, Joe apareceu com duas


casquinhas, uma de chocolate e uma mista, e se
sentou ao meu lado, exalando sua beleza por todos
os poros.

— Ei, Chocolícia — eu cumprimentei


enquanto prendia o cabelo em um coque bem
apertado, do jeito que dava, levando em conta meu
gesso. Não sorri nem para Joseph, o que mostrava
como eu estava de bom humor.

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— Ei, Colorida — ele respondeu e apontou


para minha tatuagem no braço, a de flores, que
davam um pouco de cor para minha pele, que
estava quase cinzenta pela ausência de sol. —
Toma, imaginei que minha irmã fosse comer o seu.
Acertei? — perguntou e me deu uma das
casquinhas.

— Na mosca — peguei o sorvete e


agradeci. — Escuta, Joe, por mais que eu adore a
sua companhia, o que Lula quis dizer com você a
substituir?

Joseph me olhou de canto de olho e


suspirou. Ai, que porre! Lá vem sermão. Serei
presa se enfiar essa casquinha no olho dele?

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— Estamos preocupados com você, Lena. O


grupo todo tá fazendo o possível para tentar te
ajudar de algum modo a... voltar a ser o que era.
Ou, ao menos, ficar um pouco melhor. Só
queremos tentar te ajudar a ficar bem.

Revirei os olhos e comecei a morder —


literalmente — o sorvete. Depois de uns minutos de
silêncio raivoso de minha parte, perguntei:

— E o que você pretende fazer? Me entupir


de sorvete? Mandar eu ligar para o Gabriel? Me
beijar à força?

Joe deu uma risada abafada antes de


responder:

— E quebrar esse belo nariz que minha mãe

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me deu? Não, obrigado, eu vi o estado do Beto


depois que você socou a cara dele. Aliás, vocês já
voltaram a se falar?

— Não — respondi prontamente. — Por


mim, nem faço questão. Entendo que ele queria me
ajudar, me fazer reagir, mas ativar todos os meus
gatilhos possíveis em um momento que eu estou
frágil não é exatamente o modo mais inteligente e...
bem, nem o mais bondoso. Ele sabe do meu
histórico com homens me forçando a fazer algo que
eu não queira, e aquilo acabou comigo. Eu chorei a
noite inteira depois que voltei do hospital.

— Chorou? Por que não me ligou? — Joe


perguntou, surpreso.

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— Porque você tem uma esposa e duas


filhas. Não posso mais ficar pedindo socorro pra
você a cada crise, Joseph — respondi, agora bem
desanimada. — Droga, cara, por que tudo tem que
ser tão complicado? Odeio essas coisas de coração,
sentimentos, essas baboseiras. Me irritam. Tudo me
irrita. Tudo parece cinza, desnecessário e irritante.

Joe passou o braço pelos meus ombros e me


fez deitar em seu peito, o que eu aceitei de bom
grado, respirando fundo e sentindo seu perfume
amadeirado. A raiva deu uma pequena trégua, bem
pequena.

— Lena, vou ser sincero com você: eu já te


vi bem no buraco, triste, doente e tudo o mais. Mas

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nunca te vi assim, tão solitária, tão irritadiça. Nem


quando você terminou com a Sophia você ficou
desse jeito. Você nem ao menos está culpada por
ter quebrado a cara de um amigo. Eu sei que você
tá de saco cheio de ouvir isso, mas tá na hora ou de
você aceitar que não vai poder ficar com o Gabriel,
ou tentar alguma coisa, abrir mão de alguma coisa.

Eu me remexi no peito de Joe, me sentindo


desconfortável. Sabia de tudo aquilo, mas... era
difícil. Eu passei momentos inesquecíveis ao lado
de Gab, não estava pronta para deixar tudo para trás
assim, tão facilmente. E não era como se eu fosse
conseguir.

É fácil falar o que eu preciso fazer. Se fosse

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fácil, eu tinha feito dois meses atrás.

— O que não dá, Lena, é para você ficar em


cima do muro do jeito que está. Não quer esquecer,
não quer deixar para trás, não quer conhecer outras
pessoas, mas também não quer ligar para ele e
colocar um ponto final nesse sofrimento, seja
largando tudo para ficar com ele, seja aprendendo a
conviver com essa página da sua vida. Não foi ele
quem te ensinou isso? Esse lance de “aprender a
conviver com algo”? Então.

Meu peito doeu com tudo ao ouvir aquilo.


Gab e eu não estávamos mais juntos, mas nós
nunca encerramos o relacionamento do jeito certo.
Não dissemos adeus um para o outro, mas sim um

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“até logo”.

Além disso, ele também não entrou em


contato. E isso bagunçava a minha cabeça de um
modo inexplicável, pois eu não conseguia
interpretar aquele silêncio. Não tinha mais seu
sorriso secreto revelando mensagens que só eu seria
capaz de decifrar.

— Eu só vou te dizer isso uma vez, Lena, e


juro pelas Marias, a minha e a de Sophia, que vai
nascer mês que vem, como você bem sabe, que não
vou repetir mais isso. Acho que todo mundo já está
te enchendo muito o saco com essa situação. Mas,
Lena: ligue para o Gabriel. Se não for para tentar
arrumar um jeito, que seja para encerrar tudo.

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Levei minha casquinha até os lábios e


limpei o sorvete que começara a derreter e sujar a
mão. Em seguida, levantei do peito de Joe,
endireitei a postura e suspirei, me sentindo exausta
física e mentalmente.

— Eu sei, Joe... Eu vou fazer isso. Só não


consigo agora, preciso de mais um tempo.

— Ok, leve o tempo que for. Só comece a


preparar sua cabeça e seu coração para o fato de
que acabou e que não há nada que possa ser feito
quanto a isso. Quanto mais cedo você aceitar que
não pode ficar com a pessoa que você ama, mais
cedo seu coração se cura e você parte para a
próxima, dá uma chance para amar outra pessoa.

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Olhei para Joe e dei um sorriso triste. A


ideia de amar outra pessoa era impossível para
mim.

— Experiência própria?

Ele retribuiu o sorriso, me puxou para perto


e beijou minha testa.

— Com certeza, querida.

Suspirei, pensando no que ele havia dito.


Sim, Joe tinha experiência com isso. Foi o que ele
fez no passado, na época em que era apaixonado
por mim. Mas nada na vida era tão simples assim.
Ele tinha a Paula, eu não tinha ninguém, não queria
ninguém.

Quais eram as minhas opções?

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1: Aceitar que não tinha chances de ficar


com Gab. Botar na cabeça e no coração que
acabou. Que não tem jeito;

2: Abrir mão de alguma coisa e ficar com


Gab.

Qual das saídas era a melhor? Qual era a


menos pior? 1 ou 2? Não existia uma terceira?

Pensei bem, me lembrei da coleira com a


medalhinha que Gab me deu e logo uma ideia
brotou na cabeça:

3: Adotar um gato.

Ok, opção 3, por enquanto.

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Terceiro Mês
— Ei, cachorrona! Seu celular pessoal tá
apitando que nem louco ali em cima da mesa! —
Sophia gritou para mim de um canto do ateliê da
Wings.

Levantei a cabeça e dei um dos meus


olhares gelados que todos estavam começando a se
acostumar na Wings. Sophia e Lula vinham
cortando um dobrado para assumir as
responsabilidades que necessitavam do trato
interpessoal, me deixando mais livre para criar e
fazer qualquer outro trabalho burocrático. Como
consequência, eu tinha produzido uma série de
peças sóbrias, com poucas cores e cortes agudos,
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retos, secos.

— Deixa, não deve ser nada importante...


— respondi e voltei a conferir uns relatórios de
vendas.

— Vai atender, Lena. Para de ignorar suas


mensagens. Não seja uma adolescente bobona,
você tem vinte e nove anos, não treze — ela ralhou
comigo, e eu bufei, irritada, antes de me levantar e
obedecê-la. — Aliás, você parece ter treze sim, já
que teve a cara de pau de comprar um celular e um
número novo só para poder ignorar as mensagens
de Tony no antigo! Bela amiga você, hein?

— Não enche, Sophia... Você não tem uma


máquina pra ir lubrificar, não? Vai e me deixa em

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paz — ralhei, mas acabei indo buscar o raio do


celular de qualquer modo.

Desbloqueei a tela e comecei a dar uma


olhada nele, marcando as mensagens inúteis como
lidas. Grupos de WhatsApp de moda, maquiagem,
música, um monte de coisas. Silenciei a maioria até
o ano seguinte, para não ter mais chateação, mas
fiquei sem paciência para fazer o mesmo com
todos. Eram muitos, então apenas fechei o app e fui
ver meus e-mails do endereço pessoal.

Apaguei um monte de spam, arquivei


algumas mensagens para ler depois e fui
classificando os e-mails de acordo com sua
importância. Estava quase terminando a checagem

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quando meu coração pulou no peito. Havia uma


mensagem não lida de Betty. Outra, dentre as
dezenas que ela vinha me mandando ao longo
daqueles três meses pós-Sissy Walker. E, como
sempre, a expectativa do que teria na mensagem fez
minhas mãos tremerem, mesmo sabendo que não
devia ser algo sério.

Abri o e-mail e li tudo. Pelo tom formal do


assunto, imaginei que fosse algo diferente de todos
que ela estava enviando praticamente todos os dias.
Ao contrário desses, a nova mensagem continha
uma proposta de contrato permanente como
figurinista e estilista da Sissy Walker.

Suspirei, cansada. Betty vinha tentando me

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chamar informalmente de volta para a mansão


desde o dia em que saí, mas eu apenas ignorava
seus pedidos ou recusava educadamente. Cansei de
ter essa conversa com ela. O que eu poderia fazer?
Largar minha empresa, minha vida? Eu passei
muitos anos construindo meu patrimônio, muitas
horas de suor, trabalho, muito dinheiro investido,
muitos cortes nas mãos e furos nos lábios para
chegar onde cheguei. Largar tudo por causa de
amor era suicida e só funcionava nos livros, onde
ninguém sabia o que acontecia depois que o casal
ficava junto.

Além do mais, não é como se Gabriel


tivesse me pedido isso também, ou se oferecido
para fazer o mesmo. Do mesmo jeito que eu fiquei
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três meses em silêncio, Gabriel também ficou.


Provavelmente ele deveria estar fazendo o mesmo
que eu: se preparando para aceitar nossa separação
definitiva. Se bobear, ele já até teria conseguido.
Ele sempre foi uma muralha, então...

Idiota, quem você quer enganar com esse


papo?

Pensei em não responder o e-mail, mas no


final do texto havia um PS: “por favor, olhe o
grupo de WhatsApp da Sissy Walker”. Eu havia
saído do grupo assim que voltei para o Rio, mas,
aparentemente, Betty me colocara de volta. Abri o
app e procurei o grupo. Realmente estava lá, e com
1249 mensagens não lidas.

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Uau, esse povo fala pra burro!

Subi as mensagens até o começo, passando


o olho rapidamente por elas, mas sem olhar nada
em especial. Betty me colocou no grupo havia
menos de uma semana, e eu rolei os olhos quando
vi que teria que ler tudo do começo. Sentei no
braço do sofá do ateliê e comecei.

A maior parte das mensagens era sobre


noitadas, singles, detalhes técnicos de músicas,
piadas e etc. Confesso que me peguei rindo de
algumas e senti saudades de todos, em especial de
Diego, Pierre e Tony. Todos eram muito queridos,
mas eu me aproximei mais desses três durante os
últimos doze meses.

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Notei que Gabriel não falava uma palavra


naquele grupo, mas assim que comentei um “vou
ler tudo em breve”, logo as setinhas duplas ficaram
azuis. Ou seja, todos no grupo, incluindo ele, leram
as mensagens.

Estava chegando no final das conversas, ou


seja, lendo as mais recentes, quando vi uma bateria
de fotos enviadas por todos os membros, um de
cada vez. A primeira era a foto do avião, que
tiraram enquanto eu e Gab estávamos dormindo de
mãos dadas indo para Barcelona.

Escrotos! Por que querem nos torturar


desse jeito?

Pensei em não olhar mais nada, mas a

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curiosidade foi maior do que o bom senso, e eu


rolei a tela para baixo. Não havia mais texto,
somente fotos. Abri a seguinte e prendi a respiração
ao ver fotos que eu nem notei quando foram
tiradas.

A segunda era no saguão do hotel em


Barcelona, um clique meu em que eu olhava para
Gabriel com o rosto sério enquanto ele conversava
com Betty e Tony.

A terceira foto registrou o primeiro show,


nos bastidores, quando eu estava de braços
cruzados ao lado de Gabriel, totalmente
concentrada na apresentação, olhando os figurinos
dos membros da banda. Se bem me lembro, eu

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estava um pouco preocupada com o vestido de


Aline, pois estava com medo de ter ficado muito
chamativo. Gabriel não estava com os braços
cruzados, mas seu rosto estava igualmente rígido
enquanto observava os membros. Era uma foto
muito bonita que mostrava nosso profissionalismo.
Era digna de ser impressa e colocada em um porta-
retratos, pensei com o coração apertado.

A quarta era o flagra de quando trocamos


um beijo longo no elevador do hotel enquanto
subíamos para nossos quartos.

A quinta foto era do momento em que beijei


Gab no dia da pizza, na Noruega. Estávamos tão
colados, que fiquei com vergonha de o ter beijado

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na frente de todos daquele jeito.

A sexta imagem me fez rir: era uma


colagem com vários cliques do meu showzinho no
parque em Berlim, quando cantei Still Into You e
virei meme. Viramos meme, aliás.

A sétima foto, dessa vez enviada por Tony,


e não por Diego ou Betty, mostrava o nosso almoço
em Dublin, quando eu provocara Gab por debaixo
da mesa. Na foto, eu estava com um garfo na boca,
olhando para Gabriel, que estava totalmente sério.
Provavelmente, naquele momento, eu estava com o
pé direto em seu... Bom, dá para imaginar, não?

A oitava foto, enviada por Diego, foi do


momento em que eu levantei minha blusa na sala

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de reuniões para mostrar a tatuagem feita em


Londres. Gabriel estava com um mínimo sorriso no
rosto enquanto eu sorria abertamente.

A nona foto me causou um aperto no peito


imenso: foi do momento em que Gabriel me
abraçou quando eu me levantei do chão, após o
ataque de pânico que tive em Manchester. No
cantinho da foto, Aline adicionou uma carinha com
uma lágrima no olho.

Eu não apareci na décima foto. Era uma


selfie de Aline e Diego, na qual Gabriel aparecia no
fundo segurando o cartão do nosso quarto e
olhando para ele com um pequeno sorriso.
Reconheci o saguão do hotel em Manchester e

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imaginei que tivesse sido no dia em que Betty nos


juntou em um quarto pela primeira vez.

A seguinte foi clicada por Diego e mostrava


Gab me olhando por cima do ombro enquanto eu
dobrava as roupas não usadas no show na Grécia. O
ângulo da foto era perfeito, pois era possível ver a
concentração em meu rosto e, ao mesmo tempo, o
cuidado no olhar de Gab.

A foto seguinte, enviada por Diego dessa


vez, mostrava Gabriel e Diego boquiabertos no bar
na Itália, em Roma, quando eu e Erika dançamos
juntas “Beautiful Liar” no Just Dance. De fato, fora
uma bela performance.

Vi mais algumas, larguei o celular e me

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sentei no sofá do ateliê com as mãos no rosto. A


raiva de sempre foi substituída pela tristeza. As
duas revezavam no peito, lutando por espaço.

Enquanto sentia como se tivesse uma pedra


de gelo no coração, me perguntei: qual era a
necessidade disso tudo? Quando eu pensava estar
melhorando, estar reagindo, estar... sei lá, tentando
viver, eles tinham que mandar aquele monte de
fotos? Eu não via lógica, somente uma veia sádica
bem, mas bem cruel.

— Gatinha? O que houve? — Lula disse


quando entrou no ateliê e me viu abraçada aos
joelhos, com o rosto escondido neles.

Levantei o rosto, falei das fotos, e ela me

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pediu o celular. Lula avaliou minha expressão por


um momento e começou a olhar as fotos. Vi várias
emoções em seu rosto: surpresa, felicidade,
carinho, tristeza e incredulidade.

— Você viu todas as fotos? — ela me


perguntou enquanto me devolvia o celular.

— Não, parei na de Portugal, acho.

— Veja o resto — Lula disse com o rosto


sério.

— Luciana, eu não quero... — tentei dizer,


mas a voz alta de Lula me interrompeu
imediatamente:

— Não foi um pedido. Já estamos todos de


saco cheio desse seu mau humor, desse seu orgulho

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idiota. Abre essa merda de aplicativo, vê as fotos,


decide o que quer fazer, antes que eu, Sophia ou
qualquer outro enfie um soco na sua cara, sua velha
ranzinza! — ela ameaçou e girou nos calcanhares,
saindo em seguida sem dizer mais nada.

Pisquei os olhos várias vezes, surpresa com


aquela postura, e peguei o celular. Passei
rapidamente por fotos do dia do aniversário de
minha irmã, de beijos furtivos, da festa de
encerramento da turnê, de fotos enviadas por
Emília e Sophia do meu fim de ano com Gab e do
meu aniversário, até chegar nas do último mês, que
foram as que mais mexeram comigo.

Vi várias imagens de uma tela de monitor e

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demorei para entender do que se tratavam.


Reconheci como sendo prints da câmera de
segurança da cozinha principal. Na primeira,
Gabriel estava sozinho em frente ao cooktop. Na
segunda, ele estava entregando algo, provavelmente
uma caneca, para Betty. Na terceira, ele estava com
os cotovelos apoiados na bancada e de cabeça
baixa, do jeito que eu o encontrara na noite anterior
ao meu retorno.

A quarta capturava o Segurança segurando


meu rosto entre as mãos e eu com as mãos por cima
das suas. A quinta mostrava o momento em que eu
peguei em sua mão para que pudéssemos voltar
para o quarto.

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Continuei passando as fotos, lutando contra


a vontade de chorar que nem um bebezinho de
colo. As últimas fotos foram tiradas no aeroporto,
todas clicadas por Tony. Eu me lembrei de a ter
visto segurando um celular, mas não imaginei que
estivesse nos fotografando.

Passei em sequência várias fotos que me


mostravam desde o momento em que estava
distraída e Gabriel fazia o meu check-in, até o
instante em que eu me virei para olhar Gab antes de
entrar na sala de embarque. Havia inclusive uma
foto dele sentado sozinho nos bancos do aeroporto,
obviamente arrasado.

Suspirei pesadamente e mandei uma

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mensagem para o grupo com as mãos trêmulas:

“Qual é o objetivo de vocês? Me fazer


sentir pior do que eu já estou? Parabéns,
conseguiram. Preparem-se para ver a coleção mais
cafona e sombria que a Wings já lançou nesses
anos todos.”

Fiquei olhando a tela do celular para ver se


alguém respondia. Selecionei a mensagem que
enviei e cliquei em “informações” para ver se
alguém tinha lido. Todos tinham recebido, mas
somente Betty e Aline leram.

Logo em seguida, Betty mandou mais uma


mensagem:

“Aceita a proposta, Lena.”

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Suspirei e respondi:

“Betty, me chama numa mensagem privada,


por favor”

Betty fez o que eu pedi e disparou:

“Lena, essa é a melhor solução de todas.


Você trabalha com a gente, vem sempre que for
necessária. A gravadora aceitou ter dois
figurinistas, já que Pierre também trabalha com
cabelo e maquiagem.”

Respirei longa e profundamente. E quem


disse que eu queria trabalhar novamente com eles?
Quem disse que eu queria um emprego por pena,
assim? Betty era um amor, mas era muito nova e
romântica.

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“Por que você está insistindo tanto nesse


assunto, Betty? Não me leve a mal, fico lisonjeada,
mas não entendo...”

“Porque não aguento mais ver Gabriel de


mau humor”

“E você acha que isso vai resolver alguma


coisa entre ele e eu? Pensa comigo, Betty: só
vamos nos ver quando EU for trabalhar. Se a
banda entrar de férias por cinco meses, são cinco
meses em que não nos veremos? Acha mesmo que
isso daria certo, eu aqui no Rio e ele aí, longe pra
caralho?”

“Acho.”

Bufei, irritada. Que mulher teimosa!

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“Pois bem, não daria. Eu não funciono


assim. Não quero migalhas de Gabriel. Quero ele
por inteiro. Em relação a oferta, agradeço, mas
recuso. Eu já tenho minha vida aqui, querida. Além
do mais, não sei se você sabe, mas Gabriel não
entrou em contato comigo em nenhum momento
desses últimos três meses. Tem certeza de que eu
trabalhar para vocês é o que ele quer?”

Silêncio por alguns momentos.

“Posso te mandar mais uma foto?”

“O quê? De mim e de Gabriel? Não, por


favor.”

“Não é de você e de Gabriel. É só uma foto.


Por favor, é a última que eu mando.”

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Hesitei antes de responder, mas acabei


concordando. Em poucos segundos, meu celular
carregou uma foto, fazendo meu coração pular uma
batida.

Era Gabriel sentado no sofá da ala dos


funcionários da mansão de Betty, com a caneca de
café do Sangue de Groupies Virgens na mão. Em
seu colo havia uma espécie de livro quadrado, de
capa colorida, bem grande. Era meu scrapbook.
Meu não, dele, na verdade.

Seu terno estava um pouco esticado nas


mangas e era possível ver um rabisco na lateral de
seu pulso esquerdo. Uma tatuagem? Não,
impossível, Gab não fazia tatuagens assim, que

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aparecessem fora do terno. Era uma regra pessoal,


lembro que ele falou isso uma vez em nosso
apartamento em Clapham.

Olhei seu rosto e a saudade de sempre


torturou meu coração. Era o rosto rígido de sempre,
sério, mas seu olhar estava distante enquanto
segurava a caneca próxima à sua boca apertada.

Dei um suspiro longo e torturado antes de


responder:

“Ok, ele continua lindo como sempre,


obrigada por me informar. Algo mais?”

Betty começou a digitar, mas parou. Uma


imagem logo apareceu e meu celular carregou o
arquivo rapidamente. Era um pedaço ampliado da

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mesma foto de antes, só que mostrando o rabisco


no pulso. Arregalei os olhos, surpresa ao notar que
realmente era uma tatuagem, mas não consegui
identificar o que era.

“O que está escrito, Betty?”

Betty demorou quase um minuto para


responder, me deixando apreensiva. O que raios
tinha naquela tatuagem para ela querer tanto me
mostrar?

“C8H10N4O2, Helena”

Quase deixei o celular cair no chão quando


recebi a mensagem. É a fórmula molecular do
mesmo composto que eu tenho tatuado na altura
das costelas!

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“Cafeína”

“Sim, Lena. Ele fez a tatuagem semana


passada”

Respirei fundo e tentei raciocinar enquanto


meu coração martelava no peito.

Gab fez a mesma tatuagem que a minha, só


que de outro modo! Eu não... Como...? Achei que
ele estava superando tudo, pelo silêncio e...

Meu celular vibrou com uma mensagem


imensa de Betty, e eu parei de tentar entender o que
estava acontecendo para poder ler.

“Lena, sendo muito honesta com você: você


realmente não é necessária para a banda, pois já
temos um profissional para o seu cargo. Mas se for

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preciso que a gente minta dizendo que há


necessidade de mais um figurinista, a gente
mantém Pierre somente como maquiador e
cabeleireiro e você vira a figurinista oficial. Agora,
se você não quiser mais trabalhar conosco, o que é
completamente compreensível, levando em
consideração sua vida aí, você precisa ao menos
deixar o Gab ir. Conversar com ele e encerrar
tudo, para que ao menos ele tente voltar a ser o
que era antes de você. Por favor, querida, por todo
o amor que você sente por ele: resolva a situação
de vocês dois. Só te peço isso.”

Ela tinha toda razão. Toda, todinha.

Não havia a menor possibilidade de me

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mudar para Londres, e a ideia de manter um


trabalho duplo, parte em Londres, parte no Rio, era
quase suicida. Seria extremamente cansativo ficar
indo e voltando, indo e voltando, e não seria uma
boa resolução dos problemas de qualquer modo. Eu
continuaria ficando longe de Gab por vários
momentos, vários períodos.

Prometi à líder da banda que eu tanto amava


que iria resolver tudo naquele dia mesmo. Ela
agradeceu, mandou um monte de mensagens
dizendo que estava com saudades e logo
encerramos a conversa.

Larguei o celular no sofá e olhei para o teto


enquanto refletia sobre toda a informação.

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Faltavam poucas horas para meu horário de


trabalho terminar, então achei melhor respirar
fundo e fazer o que precisava fazer.

Decidi ligar, enfim, para Gabriel.

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Melange
Entrei no apartamento e tirei as sapatilhas
na porta, esperando que Melange, minha gata
adotada, burra, desastrada, vesga e completamente
apaixonante, viesse me receber, como sempre fazia.

— Oi, minha gordinha... — disse quando


ela veio da cozinha e se enroscou nas minhas
pernas. — Comeu muitos insetos hoje, Mel? Não
jogou nenhum na minha cama, jogou?

Melange miou em resposta, e eu a peguei no


colo, dando vários beijos em sua carinha gordinha.
Ri quando ela tentou se soltar e a joguei em cima
do sofá, mas a bichinha caiu toda torta e despencou

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para trás com nenhuma graça felina. Parecia uma


jaca caindo do pé.

— Ops... Esqueço que você tem quatro


patas esquerdas, meu amor, desculpa.

Depois de me certificar que os ossinhos de


Mel estavam todos inteiros e no lugar, fui me
arrumar. Tomei um banho rápido, coloquei um
vestido qualquer, peguei o notebook no colo e
sentei no sofá, tomando coragem para ligar para
Gab.

Respirei fundo e avaliei o que deveria falar


para ele. Minha respiração estava acelerada, me
fazendo segurar o notebook com força, como se
tivesse medo de ele cair.

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Eu não fazia a menor ideia do que se daria


daquela conversa. Tive medo de Gabriel me pedir
para largar tudo e eu aceitar. Tive medo de não me
pedir nada. Tive medo de pedir algo a ele e ter meu
pedido negado. Tive medo de não conseguir falar o
que queria.

Muitos medos, nenhuma certeza.

A única certeza que eu tinha era que não


havia meio-termo em relação ao meu sentimento
por ele. Isso não havia dúvidas. Não nasci para
relacionamento à distância. Ou era totalmente
presencial, ou eu sofreria igualmente. Não sou
pessoa de aceitar migalhas de amor.

Puxei uma cadeira e coloquei o notebook no

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assento, roendo as unhas enquanto via a tela de


carregamento do MacBook. O coração batia com
força, e eu descontei toda a ansiedade nas unhas já
roídas. Em pouco tempo, eu estaria roendo os
ossos, de tão nervosa que estava.

Lembrei do dia em que Jonathan, marido de


Lula, comentou ter visto um homem idêntico a
Gabriel no Centro do Rio, o que fez meu coração
saltar loucamente, como se estivesse em uma
frigideira quente. Era só um engano, mas foi o
suficiente para me deixar totalmente mal-humorada
naquele dia e com os batimentos cardíacos a mil
por hora.

Exatamente do jeito em que eu estava

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naquele momento enquanto olhava a tela do


notebook. Bom, tirando o humor ruim. Eu só estava
nervosa, esperando tudo iniciar.

— Vai, Lena, larga de ser cagona! Liga


logo pra ele! — ralhei sozinha, parecendo uma
louca.

Abri o Skype e vi o ícone que dizia que


Gabriel estava online. Com a mão um pouco
trêmula, cliquei no botão para iniciar uma chamada
de vídeo e cruzei as pernas no sofá, verificando se a
câmera estava num bom ângulo na miniatura.

Segundos depois, Gabriel apareceu na tela


do computador, e eu não consegui segurar um
resfolegar. Ele atendeu prontamente, como se

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estivesse esperando a ligação naquele exato


momento.

— Segurança...! — eu disse e meu coração


pulou no peito ao ver seu lindo rosto na tela do
notebook, com o sorriso brilhando, como se não
conseguisse conter os sentimentos.

Por um momento, a tristeza e a raiva que


me acompanhavam nos últimos três meses deram
lugar para um sentimento que eu nem me lembrava
mais como era.

Esperança.

Junto dele, veio um sorriso aberto. Desses


de mostrar todos os dentes da boca.

— Costureira. Achei que não ia ligar nunca,

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já estava impaciente — Gabriel disse.

Droga.

Acho que vou chorar.

Desviei o olhar e mirei o teto, bufando.


Ouvi sua risada e voltei a olhar para a tela do
computador.

Ai, que vontade de sair correndo daqui e


correr até os braços dele!

— Tá rindo de quê? Segurança idiota.

Gabriel aumentou o sorriso e comentou:

— De você tentando não mostrar o que tá


sentindo, como sempre. Nada mudou, pelo visto.

Balancei a cabeça para os lados e sorri.


Sorri de verdade, sem precisar forçar, sorri por
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estar feliz.

Apenas... sorri.

— Não, nada mudou, Gabriel. Nadinha.

Sim, continuo apaixonada por você e


continuo esperando o momento de dizer a palavra
certa a respeito dos meus sentimentos. Same old,
same old.

Gab abriu a boca para falar algo, mas


fechou, e seu rosto logo mostrou uma certa
confusão:

— Isso é um gato atrás de você?

Olhei para trás e sorri ao ver Melange


tentando subir no encosto do sofá. Peguei ela no
colo e apontei para a câmera, tentando fazer com

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que Mel virasse a cara na direção da câmera.

— Sim, é a Melange. Dá tchau para o vovô,


Mel! — disse e balancei a patinha dela no ar. —
Ok, gorda, eu te solto, agora vai comer outra
aranha, vai?

Soltei Melange no chão e revirei os olhos


quando ela correu para a cozinha e derrubou potes
de plástico no chão.

— Burra como uma porta... — comentei e


voltei minha atenção para Gabriel, que tinha um
sorriso um pouco melancólico no rosto.

— Você finalmente pegou um gato... — ele


comentou.

Mordi o lábio e cruzei as pernas no sofá.

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Será que Gab tinha entendido isso como uma


tentativa de deixá-lo para trás? Sai o Segurança,
entram dezenove gatos?

— A medalhinha que você me deu


precisava de companhia... Bom, eu também...

Ficamos em silêncio por um momento, um


olhando para o outro, até que eu não pude mais
segurar:

— Gabriel, eu estou sentindo tanto a sua


falta, que dá vontade de socar alguém. De novo.
Juro que pensei em ligar para o meu tio e passar
uns dias na casa dele, atirando em tudo quanto é
coisa. Foram os piores meses de trabalho da vida de
todos os meus colegas e funcionários. Eu estou

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insuportável, eu sinto raiva o dia inteiro, fico triste


o dia inteiro, nada parece fazer sentido em lugar
nenhum. Você queria que eu não escondesse o que
estou sentindo? Pois bem, eu não escondo. Eu
quero quebrar metade do Rio de Janeiro. E depois
quero chorar até secar. E depois quero fugir daqui e
levar você para uma ilha deserta. É isso.

À medida que fui metralhando Gabriel com


essas frases, ele foi erguendo as sobrancelhas e um
sorriso começou a crescer em seu rosto, como se
ele estivesse satisfeito por eu, enfim, estar me
abrindo.

— Eu imagino, Costureira. Estou assim


também. Todos estavam fazendo cara feia pra mim

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aqui. As seguranças novas me odeiam, os


jardineiros passaram a me odiar, a equipe de
limpeza me odeia, não há uma pessoa que fique
feliz com a minha presença. Mas eu não posso
evitar, meu humor não está muito... adequado —
ele disse enquanto pegava sua caneca na mesa de
cabeceira.

Sorri para ele, sentindo uma imensa paz


aquecer meu peito, e notei que a caneca era a que
eu dera de presente de natal.

— Isso é café? — perguntei e minha boca


salivou de vontade, depois de três meses sem pôr
uma gota na boca. — Eu não tomo um tem tanto
tempo... Acho que vou fazer um agora!

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Gabriel abaixou a caneca e me perguntou,


surpreso:

— Ué, como assim não toma um tem


tempo? Como você está trabalhando?

Ri de seu comentário e me levantei com o


notebook na mão, indo até a cozinha e deixando
“Gabriel”, ou seja, o MacBook conectado com o
Segurança via Skype, em cima da geladeira.

— Durmo de duas em duas horas em cima


da mesa. Minha assistente configurou o alarme do
celular para me acordar várias vezes por dia.

Botei uma leiteira com água no fogo


enquanto ouvia a risada do Segurança e me senti
um pouco mais em casa, ainda que.. bom... eu já

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estivesse em casa.

— Há quanto tempo você não bebe café? —


perguntou, e eu levantei o rosto para olhar para ele
no computador.

— Três meses, dois dias e... umas cinco


horas, creio eu.

Gabriel arregalou os olhos e abriu a boca


para falar algo, mas fechou logo em seguida. Ele
sabia exatamente o que tinha acontecido há três
meses, dois dias e cinco horas. Foi a última xícara
de café que tomei na mansão, na noite anterior ao
meu retorno para o Rio.

— Como estão as coisas aí? Quero dizer,


além do fato de que você está grosso com todo

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mundo — perguntei, tentando mudar de assunto e


não desabar de chorar e correr até o aeroporto mais
próximo.

— Nubladas. Estranhas. Cinzentas. Uma


maravilha. E aí? — respondeu entre um gole de
café e outro, e eu precisei rir, o que era algo muito
novo nos últimos meses. Minhas bochechas até
doeram.

Desliguei o fogo antes que a água entrasse


em fervura e comecei a passar um café enquanto
pensava em suas palavras. Gabriel descreveu
perfeitamente meus dias desde que retornei da
mansão.

— Do mesmo jeito que aqui. Melange dá

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um pouco de vida para casa, mas não é a mesma


coisa sem você. Além do mais, ela tem mania de
dormir em cima da minha máquina de costura e
rolar nos tecidos, o que é bem desagradável quando
eu estou com humor bosta e sem cafeína.

— Ou seja, sempre. Pobre Melange — Gab


disse com um traço de humor na voz, e eu dei mais
uma risada.

— Segurança idiota! Pronto, meu café


está... Nossa, sente o cheiro disso! Como eu
sobrevivi esse tempo todo? — disse enquanto
cheirava meu café quentinho na caneca.

Virei e caminhei para fora da cozinha, mas


voltei quando ouvi Gab gritando meu nome.

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— Ops. Esqueci que você não pode andar,


Segurança — disse e ri junto dele enquanto pegava
o notebook e colocava de volta na cadeira da sala.

Sentei no sofá, olhei para Gab em


expectativa, como se beber café fosse um evento
importantíssimo, e bebi um gole. Para minha
surpresa e desgosto, o sabor não estava dos
melhores, então fiz careta.

— Tá ruim? — Gab perguntou, achando


graça.

— Tá horrível! Eu desaprendi a fazer café?


Ai, meu Deus, o que vai ser da minha vida sem
café, sem sexo, sem...

— Sem sexo? — ele perguntou, as

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sobrancelhas franzidas.

Estalei os lábios e olhei para a imagem de


Gab na tela, espantada.

Uai, o que acha que fiz nos últimos meses?


Frequentei casas de swing?

— O quê? Você acha que eu cheguei e já


saí pulando na cama de alguém? Pelo amor de
Deus, Gabriel, achei que você me conhecia um
pouquinho.

Gab piscou algumas vezes antes de dizer:

— Eu conheço, mas não achei que você


fosse ficar tão... sozinha assim. Eu vi uma foto sua
com Roberto que... Bom, achei que você estava...
digamos... afogando suas mágoas nele.

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Revirei os olhos, ignorando por um


momento a dúvida de que foto seria essa, e
aproximei a caneca do rosto antes de responder:

— Qualquer um que me conhece sabe que


eu não faço sexo casual quando eu amo alguém.
Meu corpo simplesmente não reage a mais ninguém
além de você, o que eu posso fazer? Ainda mais
com Roberto, pelo amor de Jesus!

Levei a caneca aos lábios e bebi mais um


pouco do café. O sabor, de repente, me pareceu
bem melhor.

— Olha, ficou gostoso! Hm, deve ser a falta


de costume. O segundo gole ficou melhor,
provavelmente é por causa da... — disse e me

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interrompi quando me dei conta do que havia


acabado de falar.

Ops.

Eu, por um acaso, acabei de dizer que amo


Gabriel? Via Skype?

Só para confirmar mesmo.

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Café bom
Assim que percebeu o que eu havia dito —
muito antes de mim, claro —, Gabriel foi
aumentando o sorriso no rosto, enquanto eu piscava
repetidas vezes, surpresa com as palavras que
fluíram tão naturalmente por meus lábios.

Todo aquele acordo implícito de que não


falaríamos isso um para o outro porque sabíamos
que não ficaríamos juntos se quebrou tão
facilmente, que eu só faltei ouvir barulho de algo
estilhaçando.

Ou isso, ou Mel tinha derrubado outra


caneca minha.

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Fui rapidamente na cozinha conferir —


droga, a caneca que minha irmã me deu de natal.
Eu vou fazer um churrasco de Melange hoje, na
boa —, limpei a bagunça que minha gata burra
tinha feito, voltei, ainda vermelha, para sala e sentei
de volta no sofá sem encarar a câmera de frente.
Para quebrar meu embaraço, Gabriel, que ainda
sorria abertamente, mudou de assunto assim que
me viu:

— Falando em quebrar coisas, eu soube que


você quebrou o nariz do Roberto, Costureira,
quando ele tentou te beijar sem sua permissão. Fez
bem. Devia ter quebrado mais partes dele. O
pescoço, por exemplo.

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— Ué, você soube disso? Como?

— Sua irmã. Eu tenho ela no Skype,


lembra? Ela me liga praticamente todo dia e ordena
que eu te ligue. É bem insistente, a Júlia... — ele
disse e revirou os olhos, me fazendo rir.

— Não acredito! Sério? Meu Deus, que


abusada! Desculpa, Gab...

— Não, não tem problema, eu gosto dela, é


divertida. Teimosa, mas divertida. Fora que ela me
manteve atualizado sobre você, então não vou
negar que foi ótimo.

Franzi os lábios numa careta inconformada.


Eu evitei falar com Tony, arriscando minha
amizade com ela, só porque não queria informações

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de Gab, enquanto ele teve fofocas minhas


diariamente? Vou matar a Júlia. Farei churrasco
dela também.

— O que ela contou?

— Do nariz quebrado de Roberto, da


cirurgia que ele recusou, mas que era necessária
para consertar o estrago que você fez, do fato de
que ficou meio torto e não teve muita solução, que
vocês dois passaram um tempo sem se falar, de
você ter quebrado de novo os dedos, da quantidade
de sangue que ficou no chão do seu apartamento...

— Eu me sinto um monstro ao ouvir isso...


Mas eu pedi desculpas pra ele, ele pediu desculpas
de volta, e o nariz dele está bonito, meio tortinho,

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deu um charme, sabe? — comentei, meio sem


graça.

— Ah, é? Ok, se você diz... — ele rebateu


com um sorriso irônico. — Enfim, também soube
que você perdeu uns quilos, mas depois recuperou,
do seu mau humor, da câmera que você
acidentalmente quebrou quando jogou na parede
em uma briga com Anastácia...

Levei as mãos ao rosto, envergonhada, por


Gab saber de tudo aquilo.

— Soube que Anastácia comprou uma


máquina nova para você, do complô que seus
amigos estão fazendo, pensando seriamente em te
assassinar...

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— Ok, ok, já entendi...

— Só não sabia que você não estava


tomando café. Nem da Melange. Nem que você não
estava descontando sua tristeza no Roberto.

Ou seja, não soube das partes mais


importantes.

Dei de ombros. Também não sabia o motivo


de Júlia esconder aquilo tudo dele, mas fazer o
quê? Minha irmã era estranha mesmo.

Respirei fundo e entrei no assunto que


precisava discutir, não poderia passar a noite toda
apenas o atualizando sobre os piores meses da
minha vida.

— Mudando de assunto, eu preciso falar

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com você, Gabriel... A Betty me mandou um


contrato, mas eu não...

— Eu arrumei um meio-termo, Lena —


Gab me interrompeu.

Pisquei, confusa, e abaixei a caneca de café,


deixando-a no chão ao lado do sofá. Obviamente,
uma bateria de escola de samba começou a ensaiar
dentro do meu peito enquanto eu me dava conta do
que ele estava dizendo.

— Arrumou um o quê...? Um meio-termo?


Qual? — perguntei, empolgada.

— Você aceitaria o contrato se fosse a única


opção?

Mordi o lábio e minha animação passou.

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Era esse o meio-termo? Eu ir atrás dele? Isso não


só era meio injusto, mas também meio machista.
Por que eu tinha que largar a Wings, mesmo que
parcialmente, enquanto ele ficava todo glamoroso
em seu trabalho permanente, morando quase ao
lado do trabalho, sem precisar viajar para lá e para
cá?

Isso fez meu peito doer. Mais uma vez, um


sentimento que não aparecia havia muito tempo
surgiu: decepção.

— Gab... Eu não posso, você sabe disso.


Não é justo nem vantajoso. Vou te ver uns quatro
dias por mês, no máximo, quando não houver turnê.
E ficar me deslocando pra lá e pra cá não é

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exatamente meu plano ideal de vida. Não sozinha.

Gabriel me olhou com o rosto totalmente


sério e perguntou:

— Você ainda confia em mim?

Dei um sorriso antes de responder:

— O quê? Você quer fazer sexo virtual e


gravar? Mas a gente já tem tantos vídeos juntos,
Gabriel, não cansa não? Aliás, eu achei um vídeo
que você não tem, maravilhoso!

— Não, Lena, eu... Espera, qual vídeo? —


ele perguntou com interesse, e eu gargalhei,
ignorando sua expressão surpresa.

— Óbvio que eu confio em você, Gabriel,


eu te amo, Segurança idiota. Olha! Dessa vez foi

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premeditado, não acidental! Deixa eu ver se o café


ficou mais gostoso! — disse, me abaixei para pegar
a caneca no chão e bebi um gole. — É, não,
continua igual ao que era antes, mas já é alguma
coisa.

Sorri para Gabriel, que me sorriu de volta e


abriu a boca para falar algo, mas eu o interrompi:

— É estranho pensar que eu quis dizer isso


tantas vezes, mas sempre me segurei porque sabia
que a gente ia se separar, e agora que eu estou aqui
e você aí, milhões de quilômetros de distância de
mim, eu consigo dizer com tanta naturalidade... —
disse e dei um sorriso triste para ele.

Ficamos em silêncio por uns instantes, até

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que Gabriel comentou:

— Eu encontrei seu álbum de fotos,


Costureira.

Não fiquei surpresa ao ouvir aquilo. Três


meses depois, é óbvio que ele ia encontrar. A
mansão de Betty era grande, mas não era a
Biblioteca de Babel.

Balancei a cabeça, assentindo, mas não


disse nada.

— Você não decorou fevereiro. O restante


do álbum está todo cheio de coisas coloridas,
botões, ingressos, mas a parte relativa a esse mês só
tem algumas fotos.

Dei de ombros e permaneci em silêncio. O

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que eu poderia dizer? Gabriel, ao ver que eu não


falaria nada, continuou puxando assunto:

— Eu tenho visto as fotos que seus amigos


postam no Instagram. Se você não está tomando
café, o que você tanto bebe nas canecas?

Entortei a cabeça para o lado, tentando


entender de que fotos ele estava falando.

— Quais fotos, Gab?

— Ué, você não viu as fotos que seus


amigos tiraram de você? Luciana, Joseph, Paula,
Sophia, Roberto... Inclusive, uma das fotos que ele
postou foi a responsável por eu achar que vocês
dois estavam... Bem, você sabe. Você não percebeu
nada? — disse enquanto mexia no celular. — Tá no

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Instagram dele.

— Não! Quando? Espera, vou ver! — disse


e peguei o celular, abrindo rapidamente o aplicativo
e olhando o perfil de Roberto. — Qual foto, eu não
encontro...? Ah! Achei...

Era uma foto um pouco... comprometedora,


digamos assim. Foi no dia em que eu fui até a casa
dele pedir desculpas. Acabei dormindo lá, pois
bebemos umas garrafas de vinho, e não quis voltar
para casa bêbada, então fiquei e pedi uma camisa
emprestada. A foto que ele tirou sem eu notar — e
ainda postou sem minha permissão, o que me fez
sentir vontade de quebrar o nariz dele de novo —
mostrava uma Lena distante, fervendo água no

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fogão, usando uma camiseta, que obviamente não


era minha, aparentemente sem nada além de uma
calcinha por baixo.

— É, faz sentido você pensar que eu e ele


estávamos transando. Mas não estamos, não há a
menor possibilidade. Eu só dormi lá, mas nada
aconteceu. Ah, e respondendo, é chá de morango.

— Chá de morango? — ele perguntou,


incrédulo. — Você trocou café por chá de
morango? Quem é você, e o que fez com a Lena
que eu conheço?

Dei uma risada e joguei o celular no sofá


enquanto me ajeitava no estofado.

— Não só de morango, tenho tomado vários

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chás em busca de um substituto para o café. Chá


verde é bom, tem muita cafeína, mas o gosto de
capim é insuportável. Que bom que o café voltou a
ficar gostoso, agora posso voltar a ser gente.

Gab sorriu, hesitou por um momento, antes


de retomar:

— Lena, sobre o contrato, eu não quero que


você...

— Não, Gab, não vamos falar sobre isso.


Por agora, vamos só matar um pouco da saudade.
Me conta o que você fez nesses três meses. Eu não
tive uma Júlia para me manter informada, né?

Gabriel respirou fundo e me deu um


pequeno sorriso, parecendo um pouco

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inconformado.

— Não teve porque não quis, Tony passou


os três meses te procurando. Mas tudo bem, vamos
saciar sua curiosidade. O que quer saber?

E começamos a conversar sobre bobagens


do dia a dia durante horas, até que o sono começou
a bater e nós desconectamos com a promessa de
que nos falaríamos no dia seguinte, no mesmo
horário.

Meu coração estava repleto de saudades,


mas estava feliz ao mesmo tempo. Mesmo que eu
não tivesse decidido nada ainda, saber que Gab não
esquecera de mim era maravilhoso e, naquele
momento, suficiente para que eu pudesse ter uma

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noite de sono tranquila.

E suficiente também para me fazer sorrir!

Uau, existe ginástica para músculos


faciais? Acho que os meus estão flácidos por falta
de uso...

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Um pouco de ação
Cheguei do trabalho morta de cansada.
Tinha sido um dia exaustivo, em que precisei
visitar várias lojas junto de Sophia, por diversos
motivos diferentes. Então estava quebrada quando
deu a hora de falar com Gab. Ainda assim, corri
para fazer um café e ligar para ele, como havíamos
combinado no dia anterior, afinal passei cada
segundo do dia com um sorriso no rosto por causa
desse encontro. Eu poderia ter sido atropelada por
um rolo compressor, ainda tentaria conectar com o
Segurança.

Passei também horas pensando se deveria


ou não aceitar o contrato de Betty, e estava
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inclinada para aquilo, mas havia uma pequena parte


de mim que dizia não ser o certo a se fazer. Além
disso, era muito pouco ter Gabriel só por uns dias
no mês. Não sabia dosar se aquilo me faria bem...
Convenhamos, se eu não aceitei antes, por que
deveria aceitar agora?

Assim que a água chegou perto do ponto de


fervura, desliguei o fogo, fiz meu café na prensa
francesa, coloquei no copo térmico que comprei em
Paris e fui até o computador, que já tinha iniciado o
Skype automaticamente. Liguei para Gabriel, que
atendeu quase imediatamente.

— Boa noite, Costureira — Gab disse, mas


eu não o vi na tela, só escutei sua voz.

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— Boa noite, Segurança... Cadê você? Só


estou vendo seu quarto!

— Ah, só um minuto, estou botando uma


roupa, só aceitei a ligação e voltei a me trocar —
disse e apareceu na imagem sem camisa, só com a
calça xadrez de pijama, e eu ergui as sobrancelhas,
satisfeita com aquela visão.

— Ai, Gabriel, por que faz isso comigo?


Não, não, não coloca o resto da roupa, fica sem. Tá
frio aí?

Gab, que estava em pé se vestindo, parou o


ato, riu, mas terminou de colocar a camisa, apesar
do meu pedido.

— Tá, Costureira, aqui não é o Rio — ele

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disse e sentou no banquinho em frente à mesa, onde


seu MacBook estava.

— Droga. Foi bom ter um relance de você...


As únicas fotos que tenho suas são pornográficas,
não posso olhar, ou meus ovários explodem.

Gabriel riu de fechar os olhos antes de


perguntar, uma mão na testa, como se estivesse
achando aquilo tudo hilário demais:

— Você guardou aquelas fotos?

— Claro que guardei, ué! Separei todas, não


ia colocar nos álbuns, né? São maravilhosas, por
sinal, acho que vou pegar e te mostrar, aguenta aí.

— Não, Lena, não me mostra! — Gab


tentou pedir, mas eu já tinha saído de perto do

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computador e ido até o quarto buscar as fotos


guardadas dentro de um livro, escondidas no fundo
do armário.

Voltei com o livro na mão, uma edição


velha e gasta de Dom Casmurro que minha irmã
amava, mas esquecera sem querer no apartamento
quando passara o fim de ano com a gente, e me
sentei de novo no sofá.

— Vejamos... Vamos começar por... — abri


o livro em uma página qualquer e tirei uma das
mais de vinte fotos escondidas entre as páginas. —
Essa aqui. Meu Jesus encandecido! Ok, não vou
mais olhar as fotos.

Guardei a foto, um clique extremamente

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detalhado que Gabriel fez na mansão. Eu estava de


quatro, ele, dentro de mim, e a lente da câmera
captou com perfeição desde seu colega de
aventuras no meu interior, até o brilho de minha
excitação em toda a região. Era uma foto e tanto,
uma das poucas que eu consegui impedir as
meninas de verem quando montamos o scrapbook.

Gabriel deu a risada frouxa que eu tanto


amava ao ver aquela cena: eu, claramente excitada,
tentando disfarçar e me mexendo demais no sofá
enquanto jogava o livro no canto, para não precisar
mais me torturar com aquilo.

— Vai, ri mesmo, Segurança idiota. Você tá


aí, pegando geral, aliviando suas frustrações

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sexuais. Eu tô aqui, sentada em uma poça de amor,


sentindo meus ovários tentando implodir, subindo
pelas paredes que nem um pit bull caçando
lagartixa.

— Pit bull...? Bela comparação. E quem


disse que eu estou pegando geral? — ele perguntou
com uma sobrancelha erguida e tom de desafio.

— Ah, não está? Burro, então. Deve estar


com tudo azul já. Ou é roxo? Como se diz quando
um homem não transa e fica com tudo dolorido?
Blue balls?

Dessa vez, Gabriel gargalhou, não somente


riu.

— Costureira, sua ausência de ciúmes...

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— Deveria ser estudada, eu sei, Gab. Mas


vai mesmo achando que eu não estou com ciúmes.
Na verdade, estou aliviadíssima de saber que você
fez um... Como se chama isso? Voto de castidade?
Abstinência? Eu, particularmente, passo metade do
meu dia trabalhando e a outra metade pensando em
sentar no seu...

— Podemos mudar de assunto? — Gab


pediu e se moveu na cadeira, parecendo
desconfortável. — Creio que eu deva estar com
tudo azul, sim, então seria bom a gente não falar
muito em sexo, Lena, senão não só os seus ovários
que vão explodir.

Contive um sorriso e uma ideia me veio à

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mente. Mordi o lábio, tentando conter o sorriso


sacana que queria escapar, e ofereci:

— Quer fazer alguma coisa? — deixei o


sorriso escapar quando Gabriel arregalou os olhos.
— Eu desconecto aqui e ligo o Skype no iPhone, dá
para pegar umas imagens maravilhosas.

— Costureira, não me provoca... — ele


alertou, um sorriso brincando nos lábios enquanto
olhava para os lados, aparentemente procurando o
celular.

— Por que não? É só um artesanal inocente,


ninguém vai morrer por isso. Se você não quiser, eu
vou desligar, faço tudo sozinha e te mando um
vídeo depois. Prefere?

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Gabriel não respondeu, apenas me deu um


sorriso, desconectou e me chamou de novo no
Skype. Atendi com o celular e sorri para ele antes
de dizer:

— Showtime, baby.

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Abre mão de algo?


Uma semana se passou desde o dia em que
tomei coragem para ligar para Gab. Nós nos
encontrávamos todo dia via Skype, à noite, quando
os dois não estavam mais trabalhando. Depois do
dia em que sugeri um pouco de ação virtual, nós
praticamente não conversamos. Mal conectávamos,
já íamos fazer... bem, dá para imaginar.

Era um excelente modo de eu não refletir


sobre o que estava acontecendo: um
relacionamento estranho e à distância.

Tudo que eu menos queria.

Porém, no sétimo dia, Gabriel não deixou

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que eu o seduzisse virtualmente. Mal eu aceitei a


ligação, ele já começou a dizer:

— Lena, você ainda não respondeu se você


aceitaria o contrato que Betty mandou. Melhor,
deixa eu reformular a pergunta: você se mudaria
para cá se essa fosse a única opção?

Confusa, pisquei algumas vezes, tentando


entender o motivo de ele ter começado nosso
encontro daquele jeito. Também não entendi a nova
pergunta. O contrato não falava nada em me mudar,
mas sim passar temporadas em Londres.

— Boa noite para você também, Gabriel.

— Não mude de assunto, Costureira. Eu não


aguento mais ver você de longe. Eu preciso de você

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por perto, preciso beijar seu corpo inteiro, sentir


seus cheiros, seus sabores, sua pele. Eu preciso que
você responda a minha pergunta. O que você
acharia de um dos dois se mudar? Você acharia
ruim vir para cá, por exemplo?

Droga.

Ele finalmente me pediu.

— Gab, eu não sei...

— O que te incomoda nessa equação,


Costureira? Um se mudar para o país do outro, para
que a gente possa ficar junto? Ou você vir trabalhar
para a Sissy Walker e ficar com a Wings ao mesmo
tempo? É algo desse tipo?

Olhei para a imagem de Gabriel na tela e

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mordi o lábio antes de explicar:

— Tudo é incômodo, Gab. Eu não consigo


conceber a ideia de ter migalhas de você, de ficar
conversando com você como eu converso com a
Júlia, numa tela de computador. Não interessa quão
disponível o avião esteja para mim, eu continuarei
vendo você pouquíssimas vezes por mês, isso
quando eu conseguir te ver!

Não consegui terminar a frase de primeira.


Só balancei a cabeça para os lados, buscando as
palavras certas. A vontade de chorar, tão
adormecida na última semana, retornou.

— Isso é além do que eu consigo, Gabriel.


Não tenho força suficiente para encarar outro

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relacionamento à distância. Eu sei, é basicamente o


que estamos fazendo nessa semana, mas eu não sei
até quando isso vai ser suficiente para mim. Eu
quero te abraçar, também quero sentir seu cheiro,
seu gosto, sua mão pesada, quero transar com você,
quero sentir o gosto de café na sua boca, não numa
caneca qualquer. Eu quero dizer que te amo contra
a sua pele, não por um microfone. E não duas vezes
por mês. Uma hora de conversa é muito pouco pra
mim.

Gabriel ouvia tudo em silêncio e sua


expressão não se alterou em nenhum momento. A
mesma expressão rígida, profissional, séria, sisuda
de sempre. Acabei sorrindo ao ver aquilo.

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— Sabe, se você tivesse me pedido para eu


ficar aí três meses atrás, eu não teria nem hesitado.
No aeroporto, por exemplo, eu até fugia com você,
se você me pedisse, de tão arrasada que estava. Mas
hoje eu não posso, Gab. Não consigo imaginar ver
você só ocasionalmente. Ou eu vejo você sempre,
ou é melhor não ver mais. Senão, eu acabo
largando tudo que demorei a vida para construir
para ter mais de você. E, Gab: estou muito
inclinada para fazer isso. Largar a Wings.
Principalmente depois que voltamos a nos falar.

Gabriel ficou em silêncio por quase um


minuto antes de perguntar:

— Seu único problema é esse?

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Revirei os olhos e ri, levando a mão aos


olhos.

— Você acha pouco, Segurança? Largar


minha empresa, meu país e ir morar em um país
estranho para mim?

Ele abriu um pequeno sorriso e disse:

— Se eu te pedir para abrir mão de algo por


mim, você abre? Eu realmente arrumei um meio-
termo, Costureira.

Mordi o lábio e apertei as mãos no colo,


subitamente ansiosa. Gab tinha falado, na primeira
vez em que liguei para ele, que existia um meio-
termo, mas não explicou o que era. Eu presumi que
fosse eu trabalhar para a banda, mas,

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aparentemente, era mais do que isso.

Refleti por uns instantes e abri a boca para


falar algo, quando Melange veio correndo do
quarto e pulou no meu colo, pisando com força em
mim. Mel era meio bruta: ela não amassava
pãozinho, virava cimento na minha barriga. Mas
com amor, o mesmo que uma enxada dava à uma
boa massa.

— Ai, bolota! O que foi? Quer mais ração?


Quer comer, gordinha? Miau, miau, miau, Whiskas
Sachê?

Melange deu um miadinho e bateu a pata na


minha cara, do jeito esquisito que ela sempre fazia
quando queria pedir carinho.

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— Tá vendo, até sua gata tá falando para


você responder logo o que eu estou perguntando —
Gab pediu com um pouco mais de animação.

Coloquei Mel de lado e ri do comentário


bobo de Gabriel, que ergueu as sobrancelhas,
aguardando minha resposta.

Decidi fazer o oposto do que sempre fiz:


não deixei para pensar sobre o assunto em outro
momento, nem fiquei horas refletindo sobre as
possibilidades daquilo. Se Gabriel disse que tinha
um meio-termo, então eu faria minha parte e
confiaria nele. Confiança não é um dos pilares de
um relacionamento?

— Ok, Segurança. Eu abro mão do que

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você quiser.

— Mesmo se for a Wings? — ele


perguntou, estranhando, e meus olhos encheram de
água.

Droga.

Tive medo que ele pedisse isso.

Mas agora não tem mais volta. Entre a


Wings e Gabriel, eu escolho Gabriel.

Mesmo que isso me doa.

— Se esse for o único modo de ficar com


você, Gabriel, sim. Não é algo que eu queira, mas
não há outra opção, há? — minha voz foi sumindo.
Realmente doía.

Ainda assim, ficar longe de Gab era pior,

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então...

Gabriel ficou em silêncio por uns vinte


segundos, olhando a tela do computador. De
repente, ele estendeu a mão e pegou algo que
estava ao lado do notebook, longe do alcance da
câmera. Arregalei os olhos quando vi que era um
cigarro aceso.

— Gab! Você realmente voltou a fumar?

Ele fitou a câmera por um momento, e foi


quase como se pudesse olhar em meus olhos
enquanto apagava o cigarro no cinzeiro.

— Não mais, Costureira.

Eu acabei sorrindo, mesmo que sentisse


uma pontadinha de dor. Ia comentar algo, mas

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Melange pulou em cima de mim mais uma vez —


pedindo a comida que esqueci de botar — e eu dei
um sobressalto, me agarrando na gorducha
enquanto ouvia Gabriel rir.

— Bom, vesguinha, ao menos você não vai


morrer de câncer de pulmão, já que pelo visto papai
decidiu parar novamente de fumar.

— Olha, “papai”? Não era vovô? — Gab


perguntou, achando graça.

— Ué, não quer guarda compartilhada?


Aceite, ela é tão sua quanto minha. Se reclamar, eu
peço pensão.

— Ok, eu assumo a paternidade... Escuta,


Lena, eu preciso... — ele começou a falar, mas eu o

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interrompi, já fazendo planos para o futuro, ainda


que houvesse uma pequena pontada no peito. Eu ia
abandonar a Wings, afinal de contas.

— Depois a gente arruma um gato para


você com nome de arma, Gab! Tipo “Glock”!
Gosta de Glock, Mel? — perguntei para a gata, que
miou, reclamando, e tentou se soltar de mim. —
Vai, sua baleia, vai se afundar nos meus tecidos.
Tenta não se matar, sua burra!

Apoiei o cotovelo no braço do sofá e fiquei


olhando Melange correr para o ateliê e derrubar
alguma coisa lá dentro, como sempre. Parecia uma
gata destrambelhada de desenho animado. Revirei
os olhos e voltei minha atenção para Gab, que ria.

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— Cara, ela é muito burrinha. Para


completar, ela não tem parte do rabo, algum
imbecil sem coração cortou, então é muito
desastrada, derruba tudo, cai da mesa, da pia...
Temo pela saúde de seus ossinhos, tadinha. Mas
fala, o que você ia dizer? É sacanagem, não é? Vai
vir com aquela fala mansa, rouca, dizendo que quer
sentir meu gosto ou qualquer uma das coisas que o
Diego falava pras fãs histéricas.

— Coisas que o Diego...? — ele perguntou


com um sorriso.

— É, essas cafonalhas que todo homem


gostoso diz, tipo “quero você gritando meu nome”,
ou vai fazer cosplay de Kilgrave.

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— Cosplay de Kilgrave?

— É, o vilão de Jessica Jones, sabe? O que


dizia “jogue café na sua cara” e as pessoas
obedeciam, porque o poder dele era controlar
mentes.

— Sei... E o que tem a ver com sexo? —


perguntou com diversão na voz.

— Ué, quando o cara olha para mulher e diz


“goze, fulana!” e a mulher goza imediatamente!
Essas ordens na cama, que eu odeio terrivelmente.
Lembra que você brincou de Kilgrave em... Hm...
Onde foi? O país seguinte à Espanha, qual foi
mesmo? Sem ser a França.

— Suíça. Eu lembro sim. Lembro também

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que você mandou que eu me calasse e te fod...

— Exatamente! Foi esse dia mesmo! Bom


que você ainda lembra, o sangue das groupies
virgens tem poder — disse, rindo abertamente,
fazendo minhas bochechas doerem.

— Lembro perfeitamente, você estava


assustadora naquele dia. Achei que ia me bater em
algum momento.

— Eu tava com raiva por causa da França!


Achei que a gente ia transar adoidado em Paris,
mas minha menstruação desceu exatamente no dia
de folga, lembra? Mas diz, o que você ia falar? —
pedi, retornando o assunto anterior.

Gab me deu um sorriso irônico e disse:

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— Não, não era nada muito importante. Eu


só ia dizer que eu obviamente, nitidamente e sem
nenhum tipo de dúvida, também te amo, Helena
Maria, mas eu posso deixar para depois, não posso?
Falar de vilões roxos de quadrinhos da Marvel
parece tão mais agradável...

Senti meu sorriso crescendo no rosto


enquanto meu coração batia com força. Que
Gabriel me amava, eu não tinha dúvidas. Mas ouvir
isso de sua boca, ainda que ela estivesse tão longe
da minha, era maravilhoso e reconfortante e me fez
ter certeza de que que tudo daria certo no final.

— Sim, Gab. Você pode deixar para depois.


Guarda para quando a gente se encontrar

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pessoalmente, quando eu resolver tudo com as


meninas. Por agora, você pode só me mostrar sua
tatuagem nova, que eu ainda não vi, por incrível
que pareça. Ouvi dizer que é igual a minha,
procede?

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Conflituoso
Era um sentimento muito agridoce. Por
mais que eu estivesse triste por abrir mão da
Wings, a marca que criei quando era uma
jovenzinha de nada e que lutei tanto para fazer
crescer, eu sentia que era o certo a se fazer. Gabriel
só tinha Lloyd, ele não poderia largar um dos seres
humanos mais importantes de sua vida, já em idade
avançada e repleto de problemas de saúde, por mim
assim. Colocando na balança, era muito mais
injusto que ele largasse a única pessoa que
acompanhara toda a sua vida e que precisava de
apoio no fim da vida, do que eu, que estava presa
somente por um negócio. Eu poderia continuar
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como estilista em qualquer lugar do mundo,


enquanto Lloyd morreria abandonado por aquele
que deveria protegê-lo no fim da vida.

Mas ao mesmo tempo, também não era o


certo a se fazer. Envolvia abdicar de muito de mim,
daquilo que me constituiu como pessoa, além de
criar um recomeço. Mais um, assim como ocorrera
em outros momentos em que precisei olhar para os
lados e recomeçar a vida, aprendendo a conviver
com minha história.

Ou seja: era e não era. A escolha de vida de


Schrödinger.

Durante aquela semana toda, evitei pensar


no fato de que minha vida ia mudar para sempre.

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Porém, naquele dia, em que levei a proposta de


venda da minha parte da sociedade, meu peito doía
incessantemente. E exatamente essa dor fazia com
que eu me sentisse culpada. Eu ia me mudar, ia
ficar ao lado do homem da minha vida. Por que
então eu não conseguia ficar completamente feliz?

As respostas eram óbvias, mas eu continuei


com meu plano. Primeiro, recusei a proposta de
trabalhar para a Sissy Walker. Não havia
necessidade, eu poderia acompanhar Gabriel nas
turnês mesmo sem aquela desculpa boba de que
eles precisavam de mim como figurinista. Eu podia
ser uma excelente profissional, mas Pierre sempre
deu conta de tudo sozinho, e eu também tenho meu
orgulho. Não aceitaria um emprego dado
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praticamente por pena.

Faltava apenas completar um ciclo.


Primeiro, vender minha parte na Wings. Depois,
me mudar com Melange para Clapham. Parecia
perfeito. Mas também não parecia.

Era tudo muito confuso, assustador, certo e


simples. Eu sabia o caminho, o que não significava
que o percurso seria tranquilo e sem sobressaltos.

Conferi os documentos nas mãos, feitos


pela advogada da Wings, minha amiga da época da
escola, Anastácia, e respirei fundo, decidida a,
apesar de tudo, encarar minhas escolhas de frente.

Um sorriso escapou dos lábios quando


pensei no que aconteceria em seguida.

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Gabriel.

Eu ficaria com Gabriel.

Não sabia ainda qual era o seu meio-termo,


mas eu ficaria com ele, ao lado dele. Quando isso
me vinha à mente, todo o resto sumia. Seu sorriso,
seu cheiro, suas mãos trambolhudas, seus beijos,
seu toque, seu corpo colado no meu...

— Olha, ela já tá pensando saliência, tá


vendo! O pescoço ficou vermelho, ali! — escutei a
voz de Sophia zombando de mim e abri os olhos,
vendo minha querida futura ex-sócia entrando na
sala de reuniões, acompanhada de Luciana.

Fiz uma careta de desdém e me levantei,


acertando meu terno. Elas perceberam meus trajes e

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riram de mim.

— Você veio toda businesswoman, garota!


Toda elegante, toda montada na alfaiataria e no
salto alto italiano! — Luciana brincou,
atravessando a sala e pegando minha mão, me
fazendo dar uma voltinha.

Sophia riu e fechou a porta, indo ligar o


projetor e acertar a temperatura da sala de reuniões.

— Credo, mulher, você vive com o ar no


talo agora! Acostumou com a Europa, aí ficou
metidona! — reclamou, com aquela voz doce, o
que tirou todo o ar severo da bronca. — Nossa,
devia ter vindo de calças e sobretudo, pra aguentar
esse frio!

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Ela passou a mão no vestido extremamente


bem costurado, feito por ela mesma, e colocou as
mãos na cintura, rindo sozinha.

— Mas estou tão bonitinha nesse aqui, né?


Eu aguento o frio, vai. Enfim, vamos começar?

Nossa mesa de reuniões não era muito


grande, já que não havia necessidade de um tampo
gigante. Cabiam somente umas dez cadeiras, ainda
que a sala fosse ampla e confortável. Sophia sentou
ao lado de Luciana, do lado oposto ao meu, e em
poucos segundos, elas encarnaram seus respectivos
lados profissionais, prontas para ouvir minha
proposta, ambas com o rosto sério. Então respirei
fundo e comecei:

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— Bom, meninas, vocês já sabem o que eu


tenho a dizer. Todos sabem que a Wings foi criada
por mim há muitos anos, mas que só cresceu com a
chegada de Luciana na parte administrativa e,
posteriormente, de Sophia na criativa. Sem vocês, a
Wings não passaria de uma marca que vende peças
exclusivas no Facebook e olhe lá. Eu amo vocês e
amo nossa empresa, e sempre estive inclinada a
fazer tudo por ela. Vocês podem contar comigo
para o que for necessário. Coleções, dúvidas, dicas,
eu mando todo material de pesquisa que eu bolar lá.
Jamais vou deixar vocês desamparadas, eu
realmente amo a Wings...

— Mas você ama o Gabriel mais — Sophia


completou e abriu um pequeno sorriso triste.
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Assenti com a cabeça, e meus olhos


encheram de lágrimas. Ao notá-las, eu me abanei e
forcei uma risada.

— Olha, logo eu, toda chorosa assim?


Enfim, eu não quero que vocês fiquem com raiva
de mim, ou...

— Meu amor, com raiva de você? Pelo


amor de Deus, Lena, você parece burra de vez em
quando, viu? — Luciana disse, em seu modo
sincerão ativado. — Lena, faça o que seu coração
manda, seja feliz, minha amiga! Você está
totalmente satisfeita em vender sua parte da Wings
e ir embora?

Hesitei por um momento, mas respondi com

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toda a sinceridade que eu tinha dentro de mim:

— Não, Lula, não estou. Mas eu farei tudo


o que for preciso para ficar junto de Gabriel. Se
essa é a única solução, então é isso. Ruim sem a
Wings, pior ser Gabriel. Nem tem comparação.

As duas se entreolharam e sorriram.

— Você realmente ama esse homem. É


incrível, eu... Fico muito, muito feliz, Lenita — So-
so disse, e dessa vez foi ela quem se abanou,
tentando não chorar. — Ai, que momento mais
gay! E olha que eu sou sapatão, nossa, credo.
Enfim, vamos ao que importa. Luciana, pode
entregar a proposta.

Franzi o cenho, confusa. Que proposta? Eu

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é que deveria entregar uma proposta!

Lula abriu sua pasta, retirando uma folha de


dentro, limpou a garganta brevemente e começou a
ler com sua melhor e mais profissional voz.

— Proposta de contratação de...

— Oi? Espera, espera! — interrompi,


totalmente perdida. — Não, amores, não quero
mais decidir nada! Eu estou vendendo a minha
parte, não posso mais interferir na Wings desse
modo!

Sophia estalou os lábios e olhou para


Luciana.

— Eu não disse que ela não ia deixar você


ler a proposta?

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— Disse. Saco isso, garota impaciente. Nem


assinamos nada, ela já tá assim! — Lula reclamou e
tirou do bolso da calça social uma nota de
cinquenta, entregando para Sophia, que apenas
sorriu e guardou o dinheiro.

Jesus, que povo viciado em apostas. Preciso


lembrar de nunca ir com elas a Vegas!

— Você pode me dizer o que está


acontecendo aqui, pelo amor de Deus?

Sophia cruzou os braços e respondeu:

— Pode, se você nos deixasse falar,


apressada! Ok, deixa que eu resumo pra ela, Lu, ou
a bicha vai explodir que nem panela de pressão
velha. Lena, é o seguinte, antes de você vender sua

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parte, queremos sua opinião em relação à


contratação de uma empresa terceirizada.

— Mas...! — tentei argumentar que aquilo


não fazia sentido, dado a natureza daquela reunião,
mas Sophia pegou a pasta das mãos de nossa
amiga, colocou a folha e a deslizou na mesa para
mim.

— Leia, garota. E não seja tão ansiosa


assim, nem parece a Lena profissional de sempre.
Lembre-se que enquanto não assinarmos a compra,
você ainda será sócia da Wings e terá
responsabilidades com a empresa — repreendeu no
seu tom de voz mais fofo, porém sem desativar o
modo profissional.

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Murmurei um pedido de desculpas e peguei


a folha. Era uma solicitação do RH para contratar
os serviços de uma equipe nova para cuidar da
manutenção de toda a área responsável pelo TI,
sistemas gerais, PDV e... segurança?

— Qual é o problema com nosso esquema


de segurança atual? — perguntei, confusa. Não era
perfeito, mas estava longe de ser necessário uma
mudança em todo o equipamento a ponto de
precisar contratar uma equipe temporária só para
isso.

— Está uma merda — Sophia disse e mirou


as próprias unhas.

— Não, não está.

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— Está sim, Lena — retrucou Luciana. —


Olha a próxima página da pasta. É uma lista de
cento e onze problemas encontrados em todo o
esquema, a começar pelas câmeras. Depois do que
aconteceu em dezembro com aquela vendedora da
loja do Rio Sul, percebemos que não dava mais
para ficar com a empresa atual e contratamos uma
empresa para fazer uma avaliação.

Analisei o relatório, ficando impressionada


com a quantidade de defeitos detalhada.

— Meu Deus do céu, por que a empresa


anterior permitiu que isso acontecesse? Houve
algum prejuízo extra?

— Por volta de cinquenta mil reais mensais.

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Todos eles constatados pela responsável pelo


relatório.

Meu queixo despencou, e eu me levantei de


um salto da cadeira.

— Cinquenta mil...? Eu não acredito, que


empresa filha da puta! Quem descobriu isso tudo?

— Acabei de dizer, Helena, a responsável


pelo relatório.

Fiz um gesto com a mão, o coração


acelerado de raiva por saber dessa falha tão
tardiamente, e perguntei com impaciência:

— Tá, quem é? Cadê ela? É uma mulher? Já


averiguaram sobre as qualificações? Pode ser um
golpe para ganhar a conta da Wings. Eu posso

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conseguir a ficha deles e...

— Ou pode falar com ele, o cara tá lá fora,


esperando para você entrevistá-lo. Não é uma
mulher, é uma empresa, não leu o relatório na tua
frente, garota? — Lula ralhou comigo, e eu me
senti uma estagiária de primeiro período de
marketing. Minha cabeça estava nas nuvens
mesmo.

Olhei para os papéis. TWS, esse era o nome


da empresa. Não disparou nenhum alarme em
minha mente, então perguntei:

— Quem tá aí é um representante ou o
dono?

— Dono. Imaginamos que você ia querer

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conhecer alguém, ele veio pessoalmente.

Ergui as sobrancelhas, satisfeita com a


eficiência das duas.

— Ótimo, manda entrar. Deixa eu dar uma


olhada nele. Mas depois continuamos nosso
assunto.

As duas se entreolharam, sérias, assentiram


e se levantaram. Estranhei a postura e abri a boca
para perguntar para onde elas estavam indo,
quando, assim que passaram pela porta, o tal do
responsável apareceu na sala, fazendo meu coração
parar.

Prendi e soltei a respiração imediatamente,


precisando me apoiar na mesa quando os olhos cor

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de continente me encararam, um brilho de diversão


me ofuscando.

— Gabriel...?

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Era óbvio
— O quê...? — tentei articular, mas não
consegui.

Gab fechou a porta atrás de si e, para minha


surpresa, a trancou. Em seguida, tirou o terno preto,
de corte perfeito, afrouxou o nó da gravata e veio
em minha direção. Eu nem pensei bem no que
estava acontecendo direito ali. Quando vi seus
passos, me ergui de um salto e corri para ele,
pulando em seus braços sem dar tempo à mente de
juntar as peças.

O terno de Gabriel caiu no chão, e creio que


eu tenha pisado em cima sem querer, mas logo o

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Segurança me abraçou e me ergueu do chão, me


encostando na parede da porta enquanto eu o
beijava sem nem pensar em mais nada que não
fosse sua boca, seu cheiro, seu toque.

Quando meu fôlego enfim acabou, apertei


meus braços ao redor de seu pescoço e tentei
articular alguma coisa:

— O que você...? Como...? Quando...?


Por...?

Sua risada quente aqueceu meu pescoço, e


eu logo senti seus lábios em minha pele.

— Uma coisa de cada vez, Costureira. Vem,


temos uma reunião nos aguardando.

Reunião?

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Gab me colocou no chão, mas não se


afastou, apenas pegou meu rosto entre as mãos e
me beijou com toda a calma do mundo, saboreando
meus lábios e minha língua enquanto soltava meu
cabelo preso em um coque apertado.

— Gab... Espera, que reunião...? — tentei


perguntar, separando minha boca da dele, mas o
Segurança não permitiu.

Imediatamente senti uma movimentação na


parte de baixo e percebi que Gab estava se
segurando para não me colocar em cima da mesa de
trabalho. Depois de três meses e duas semanas
longe, eu nem consegui hesitar. Mordi seu lábio, e
ouvi seu protesto:

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— Lena, eu... eu realmente preciso


conversar com você, e... estamos na Wings, não
faria muito sentido...

— O que não faz sentido é sua hesitação,


levando em conta que não há câmeras na sala de
reunião e que você trancou a porta.

Ele sorriu e explicou:

— Foi instintivo, Costureira — e ergueu


uma perna minha, fazendo com que o contato entre
os corpos me arrancasse um gemido baixo. — Você
consegue não fazer barulho?

Rindo, o soltei e comecei a retirar sua


gravata e camisa, sentindo seus dedos afoitos
fazendo o mesmo comigo. Meu corpo inteiro se

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acendeu como um fósforo, mas eu não pude deixar


de brincar antes de sentir a pele contra o tampo
gelado da mesa de reunião:

— Você é um poço de romantismo,


Segurança.

Naqueles trinta minutos, eu consegui estar


com Gabriel em silêncio, sem gemer como eu
gostaria. Foi difícil, levando em conta que
estávamos há três meses longe um do outro, mas
consegui. Não fazia ideia do que me esperava após
aquilo, então apenas me concentrei em sentir seu
corpo no meu mais uma vez.

Já era um excelente motivo para me distrair.

Um motivo de um metro e noventa e dois.

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***

— Costureira... — Gab murmurou, deitado


de barriga para cima no chão frio da sala. — Acho
que quebramos umas cinco regras profissionais...

Ri contra seu peito, concordando.

— Seis, se considerar cada uma das coisas


com o um item só. Não beijar, roçar, chupar,
transar, dar em cima ou ter qualquer tipo de
envolvimento amoroso ou sexual com um colega de
trabalho em ambiente de trabalho...

Sua risada foi como música para meus


ouvidos.

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— Bom que você já conectou as peças do


meu plano maligno, podemos pular a parte
profissional da coisa...

Levantei a cabeça e olhei para ele.

— Não, não conectei totalmente. Mas


levando em conta esse papo de as meninas
quererem contratar uma empresa que supostamente
é sua... Como chama? B2W?

Gabriel começou a erguer o tronco, e eu fiz


o mesmo, mas sentei em seu colo, as pernas o
abraçando pela cintura. Ele tirou uma mecha de
cabelo do meu rosto e olhou meu rosto inteiro,
daquele jeito que só ele fazia.

— TWS, Costureira. Sigla de Two Way

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Street.

— Two Way...? Via de mão dupla? —


perguntei, confusa, mas a ficha logo caiu. — Ah!
Two Way Street! A música que dançamos na festa
de encerramento da turnê da Sissy Walker! “I can’t

make you fall for me[19]”!

Ele acenou com a cabeça, os olhos


brilhando.

— Ok, agora você tem minha atenção


profissional. O que está acontecendo, Gab? Você
abriu uma empresa? Por quê? O que vai fazer
trabalhando para a Wings? Como vai...?

Gabriel colocou um dedo em meus lábios,


pedindo silêncio.

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— Helena Maria, você pode conseguir ter


uma reunião de trabalho completamente pelada e
montada em outra pessoa, mas eu não consigo nem
lembrar meu nome com você assim. Ou você
levanta e a gente se veste, ou a gente fala sobre isso
depois. O que você preferir.

Olhei para seus braços fortes e para as


tatuagens, e o desejo me queimou por dentro.

— Não dá para fazer os dois ao mesmo


tempo?

Gab riu e provocou:

— Não dá para ter tudo na vida, Costureira.


Escolhe um dos dois.

Ponderei por uns segundos, mas me

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levantei. Pude notar uma expressão de decepção


brincalhona em Gabriel, mas não disse nada. Eu
também estava decepcionada de tal possibilidade
não ser muito... como poderia dizer, profissional.

Assim que nos vestimos, Gab me puxou


para perto.

— Ei, você não disse que ou a gente ficava


junto, ou conversava?

— Há um meio-termo aqui, Costureira, já


que estamos vestidos — ele disse, me abraçando e
enfiando o rosto em meu cabelo, respirando fundo.
— Deus, Lena, por que demorou tanto pra me
ligar?

Todo o restante do clima erótico e divertido

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se dissipou quando ele me perguntou aquilo. Senti


uma pontada no peito, mas o abracei antes de
explicar:

— Acho que eu precisava perceber que nem


sempre o trabalho é a coisa mais importante na
vida, Gab. Precisei ficar longe de você o suficiente
para perceber que não quero ficar longe nunca
mais. E que a Wings é parte de mim, mas nunca vai
ser tudo.

Ele parou de beijar meu pescoço e me


olhou, o rosto sério.

— Vai me dizer agora o que está


acontecendo? Essa empresa é um modo de
compensar minha saída? Não consegui entender

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ainda.

Gabriel me puxou pela mão e sentou em


uma cadeira, me fazendo sentar ao seu lado e me
virando de frente para ele.

— Vamos por partes, ok? — pediu e


prosseguiu quando eu assenti. — Como você já
sabe, os últimos meses foram um terror para mim,
para a Sissy Walker e para meu sensei. Sei que o
mesmo aconteceu com você, a Wings e seus
amigos.

— Por que você não entrou em contato,


então? — interrompi, mas ele apenas me olhou com
a expressão compenetrada. — Desculpa, continua.

— Não entrei porque eu precisava arrumar

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uma solução, Lena. Juntos, não conseguimos bolar


nada. Nada que não sacrificasse alguém. Quais
eram as nossas opções? — ele me perguntou, e eu
respirei fundo antes de responder.

— Quase nenhuma, todas envolvendo uma


mudança de minha parte...

— Exato. Isso não seria justo, Helena. Eu


trabalhava para uma banda, não era dono de nada,
não tinha nada construído que eu não pudesse abrir
mão. A não ser meu sensei, que não poderia ficar
sozinho em Londres.

Arregalei os olhos de expectativa.


“Poderia”? Agora pode?

— A questão toda é que você tinha uma

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empresa, eu tinha uma família. Abrir mão de


qualquer um desses seria cruel. Por isso eu não
entrei em contato, porque eu precisava de tempo
para bolar uma saída.

Assenti com a cabeça, compreendendo


perfeitamente seu silêncio naqueles três meses.

— Do momento em que você entrou


naquele avião até as horas seguintes, eu não sei
bem o que aconteceu. Num momento, estava te
vendo ir embora, de repente, estava sentado no sofá
do apartamento alugado para você. Betty disse que
me levou até lá para que eu pensasse melhor. E eu
pensei, Helena. Pensei a noite inteira, a manhã
seguinte inteira, pensei enquanto entregava as

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chaves do que foi nosso lar por meses, mas nada


me vinha à mente.

“Pensei em possibilidades estranhas, como


talvez abrir uma Wings em Londres, o que seria
difícil, ou convencer Lloyd a voltar para o Rio
Grande do Sul e fazê-lo jurar que ia se cuidar e
manter uma enfermeira. Mas eram ideias frágeis
demais, perigosas demais. Precisava de algo
concreto, algo que te passasse... segurança.”

Acabei rindo de seu trocadilho acidental, e


as duas lágrimas presas em meus cílios
despencaram pelo rosto. Nem notei que elas tinham
se formado e imediatamente corri para enxugá-las,
mas Gab me impediu, segurando minhas mãos.

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— Deixa, Lena. Não precisa esconder as


coisas de mim.

Olhei para cima por um momento, mas


acabei obedecendo, e duas grossas faixas de
lágrimas escorreram quando notei sua tatuagem no
pulso pela primeira vez.

Cafeína.

Confesso que foi um alívio ver o sorriso


secreto que Gabriel deu antes de inclinar o corpo
em minha direção e beijar o rastro molhado
deixado por elas. Depois que respirei fundo, me
controlando um pouco, ele prosseguiu:

— Em uma conversa com meu sensei, ele


deu a solução perfeita. Lloyd estava de saco cheio

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de me ver daquele jeito, me chamou em seu


apartamento, me xingou muito quando eu peguei
seu maço de cigarros e fumei os três restantes, sem
nem ouvir o que ele dizia. Levei um soco naquele
dia.

Arregalei os olhos, sem saber se era


brincadeira ou não. Gab riu de minha surpresa e
beijou minha boca por um momento antes de
prosseguir:

— Acho que mereci. O homem tem quase


setenta, mas ainda é forte. Acho que eu não levava
um soco no estômago desde quando era um calouro
na Academia.

Ele disse isso com uma tranquilidade

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inversamente proporcional às palavras.

— Gabriel...! Como ele pôde...?

Gab soltou uma de minhas mãos e fez um


gesto para que eu não ligasse, como se ser agredido
não fosse grande coisa.

— Não foi a primeira, pelo visto não vai ser


a última. Lloyd é um pouquinho mais... rabugento
que eu.

Pisquei algumas vezes, mas não disse nada.


Estava impressionada demais para fazer sentido.

— Enfim, depois que consegui respirar de


novo, Lloyd me surpreendeu novamente: me pediu,
pela primeira vez na vida, ajuda. Disse que estava
ficando preocupado com sua memória, que anda

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cada dia pior, e pediu para morar comigo.

“Obviamente eu fiquei chocado demais para


falar qualquer coisa de imediato. Foi quando
admitiu que havia esquecido uma chaleira no fogo
um dia, o que provocou um pequeno incêndio na
cozinha. Aquilo foi mais um baque para mim. Não
somente eu não poderia ficar com você, como
agora Lloyd estava oficialmente dependente de
mim.”

Meu coração estava totalmente disparado no


peito, temendo o que se daria dessa conversa toda.

— Eu obviamente aceitei e sugeri vender


nossos apartamentos, o meu e o dele, e comprar um
lugar melhor. Não faria sentido eu ter privacidade,

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nada me importava sem você ao meu lado. Ele


topou a ideia, disse que aquele apartamento era
grande demais para ele, acredita?

Uma risada escapou de meus lábios por um


momento. Lloyd conseguia morar em um
apartamento menor que o meu, não sei bem em
qual caixa de fósforos ele gostaria de morar.

— Bom, passamos meses procurando um


lugar, mas nada. Até que há algumas semanas, eu
recebi uma mensagem do corretor. Encontrei uma
casa perfeita, grande, espaçosa e com uma casa de
hóspedes minúscula, do jeito que meu sensei gosta.

Gab parou de falar, me dando tempo para


assimilar tudo, mas eu apertei sua mão, nervosa, e

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pedi que ele prosseguisse, pois eu não estava


conseguindo entender onde a Wings e a tal da TWS
se encaixavam nisso.

— Ok, essa era a primeira parte do que eu


queria te falar. A segunda é sobre essa sua ideia
absurda de vender sua parte da Wings. Onde você
estava com a cabeça, Helena Maria Andrade? —
Gab perguntou, o rosto subitamente franzido, me
deixando confusa.

— Oi? Eu... Como assim? Você me


pediu...!

Ele balançou a cabeça para os lados.

— Eu jamais poderia pedir para você deixar


a Wings, mas quando eu te perguntei se você

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abriria mão de algo, você imediatamente pensou


que fosse isso. O que você fumou para concluir
isso?

Lembrei da expressão de espanto no rosto


de Gab quando eu mencionei a venda da Wings e
pisquei, totalmente perdida.

— Você...! Não, você...! Não... não era um


pedido?

— Óbvio que não! Eu queria saber o que


você achava de um dos dois ir morar no país do
outro e se você abriria mão de algo por mim. Você
que imaginou coisas. Quando a Anastácia me disse
que você solicitou uma proposta de vendas, eu
quase caí da cadeira, Costureira. Eu não achei que

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você estava falando totalmente sério naquele dia


em que conversamos.

Abri a boca, um pouco surpresa. Se ele não


estava pedindo para eu abrir mão da Wings, do que
ele estava falando?

— Ok, vamos agora à terceira coisa que eu


tenho a dizer. Calma, está conectada com essa.
Você disse que abriria mão de algo por mim, certo?
Então me contrate. Abra mão da empresa de
segurança que você contrata agora e coloque a
TWS no lugar.

Endireitei o corpo na cadeira, ouvindo


minhas engrenagens trabalhando a todo vapor. Meu
lado profissional entrou em atividade, mas o lado

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sentimental travou uma batalha com ele.

Beleza, contratar Gab era uma ideia


sensacional, mas... Como ele trabalharia para a
Wings?

— Há alguma parte disso que eu não estou


entendendo, Segurança... Como você vai cuidar de
uma empresa longe daqui?

O sorriso de Gabriel se abriu lentamente,


fazendo a esperança se espalhar pelas minhas veias
imediatamente enquanto eu concluía onde ele
queria chegar.

— Você não vai estar longe daqui.

— Não, Costureira.

— A casa que você encontrou... é aqui?

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— Sim, Costureira. Lembra que eu quis


olhar uma rua na Urca quando você me levou na
Praia Vermelha, em janeiro?

— Sim...

— Então, eu reconheci a rua porque a casa


de esquina pertencia aos pais de um ex-aluno meu,
Liam Patrick, um brasileiro que se formou na
Academia quando eu era instrutor. Um dos
melhores que eu tive, talvez o melhor. Ele tinha
uma foto dos pais abraçados na porta da casa, uma
foto antiga, pendurada na parede de seu dormitório,
e eu reconheci imediatamente quando vi. Era bem
na entrada daquelas ruas da Urca, uma casa de dois
andares, com um muro muito baixo e umas janelas

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características.

— Certo... — eu disse, tentando controlar


minha vontade de pular nele e gritar de felicidade.

— Liam sempre disse que a Urca era o


lugar mais seguro do Rio de Janeiro, por ser um
bairro nobre e militar. Você confirmou isso quando
disse que gostaria de morar lá, então, assim que
Lloyd pediu para morar comigo, eu entrei em
contato com diversas imobiliárias e comecei a
busca por uma casa lá.

Meu peito parecia que ia explodir de


euforia.

— E você encontrou.

— Encontrei. Não comprei ainda, queria

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sua opinião antes. Eu estou no Rio há uma semana,


e tudo foi acordado com a Betty, Lula, enfim, todo
mundo já estava sabendo. Só precisava que você
topasse esse meio-termo, Costureira.

Tapei a boca com as duas mãos, incapaz de


falar qualquer coisa.

— Mas e seu trabalho...? E a Sissy Walker?

Ele deu de ombros.

— Eu amo todos, mas eu estou velho, Lena.


Vou fazer quarenta anos, e há anos que eu sinto
falta de raiz, de... sossegar. De parar em um lugar
só, criar raízes, criar umas plantas, uns gatos, sei lá.
Essa vida de viajante não é mais para mim. Preciso
de uma casa grande, cheia de calor humano, não de

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mais frio. Por isso passei esse tempo procurando


um lugar, acertando detalhes e finalmente pedi
minha demissão semana passada, quando o corretor
me ligou confirmando tudo. Erika vai ficar no meu
lugar como chefe de segurança da banda.

Sentei na beirada da cadeira, encostando


meus joelhos nos dele e apoiando minhas mãos em
suas pernas.

— E o Lloyd vem junto, então?

— Se ele vem? Ele só não me socou de


felicidade porque eu estava atento na hora de contar
sobre a casa. Ele odeia o frio da Europa, você sabe,
e já estava de saco cheio de morar lá. Foi ele quem
sugeriu, inclusive, eu trabalhar para a Wings.

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— Aí você decidiu abrir uma empresa... —


concluí.

— Ideia de Anastácia. Ela é muito certinha


com essas coisas burocráticas, não?

Uma risada alta escapou de meus lábios.


Totalmente certinha, aquela viada!

— Ok, vamos com calma agora, Segurança.


Vamos resumir — eu pedi, tentando não agitar as
mãos no ar como uma criança feliz.

— Ok, vamos — Gab concordou, achando


graça.

— Você vai se mudar para o Brasil.

— Certo.

— Para o Rio de Janeiro.

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— Exato.

— Para a Urca, mais especificamente.

— Isso.

— Vai abrir uma empresa para cuidar da


segurança da Wings.

— Já abri, Costureira — ele me corrigiu, se


levantando da cadeira e me puxando pelas mãos.

— Ah, sim. Ok. Você abriu uma empresa


para cuidar da segurança da Wings.

— Exato.

Sua mão alcançou a minha, e um beijo foi


depositado na palma.

— E você vai ficar comigo, aqui.

— Se você me quiser, sim — respondeu, os


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olhos me encarando enquanto minha outra mão


recebia o mesmo beijo que a direita.

Fiquei em silêncio por um momento,


deixando que seus lábios brincassem pelo meu
pulso, afastando a camisa social. Deixei que ele
desabotoasse a peça, expondo meu ombro e minha
tatuagem do braço. Quando senti seus beijos na
pele colorida, fechei os olhos, saboreando a
sensação.

— E há alguma dúvida sobre isso ainda,


Segurança?

Ele subiu a trilha de beijos lentos até o


pescoço, encostando seu corpo no meu. Senti sua
risada e sorri junto.

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— Não sei, vai que isso aqui seja algo


casual para você?

Continuei parada, deixando ele voltar a


explorar meu corpo com sua boca quente e macia.

— Verdade, Segurança idiota. É apenas


sexo. Totalmente isso.

Abri os olhos quando ele se aproximou de


minha boca, mas mal ele encostou em meus lábios,
as pálpebras se fecharam e as palavras saíram sem
que eu conseguisse controlar:

— Eu amo você.

Gab ficou imóvel por uma fração de


segundo e me deu seu sorriso secreto. Foi a
primeira vez que não vi ou ouvi esse sorriso, mas

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sim o senti, ali, contra meus lábios.

Prossegui com a profusão de sentimentos


que queriam sair de mim:

— Amo sua rabugice — botei as mãos em


seu rosto, me afastando por um segundo para olhar
em seus olhos brilhantes. — Amo seu lado
profissional — passei os polegares pelas maçãs do
rosto. — Amo sua voz, seu corpo, seu jeito... Amo
cada centímetro... — fui passando os dedos por seu
braço e não resisti a uma brincadeira — ... do seu
pau.

A risada engasgada de Gab quase me fez


fraquejar e parar com a declaração, ainda mais
quando ele disse:

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— Jane Austen se revira no túmulo, de tanta


inveja de seu romantismo, Helena Maria.

— Ué, mas não é para ser sincera? Eu vou


dizer o quê? “Amo cada centímetro do seu sistema
respiratório, em especial seu pulmão”?

Gabriel apertou minha cintura, dando uma


risada antes de responder:

— Há diversas coisas que você poderia


falar, Costureira. Poderia dizer que ama cada
cicatriz minha... — ele disse enquanto levava uma
mão até a minha cicatriz na nuca, resultado da
agressão na Lyubov. — Que ama cada página de
minha história... — sua outra mão passou por cima
da tatuagem de cafeína, na costela. — Que ama

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saber que eu te amo... Porque, você sabe, não sabe?

Os lábios logo voltaram para meu rosto,


encostando no maxilar, no canto da boca, no
pescoço.

— O que eu sei? — perguntei, de olhos


fechados, as mãos em seu antebraço enquanto eu
era encostada na mesa novamente.

— Que eu amo você? Sabe, não sabe?

— Não recebi o memorando, Segurança. Tá


naquela pasta que a Lula entregou? Se você for
trabalhar comigo, vai ter que ser mais responsável
no que diz respeito a documentos... — brinquei e
passei as pernas ao redor de seus quadris.

— Ok, prometo ser mais cuidadoso no

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próximo. Ei... — ele chamou, afastando o rosto do


meu e me fazendo abrir os olhos. — Eu amo você,
Costureira.

A única coisa que me veio à mente naquele


momento foi o conceito de ato performativo, ou
seja, quando uma certa situação só passa a existir a
partir do momento em que um enunciado, uma
frase, uma advertência é dita. Por exemplo, quando
um padre diz “eu vos declaro marido e mulher”, ou
um policial diz “você está preso”. Pronto, você
casou ou foi preso.

Naquele momento, tudo se encaixou em


seus devidos lugares. Os três meses de sofrimento
desapareceram, os doze de convivência se tornaram

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lembranças maravilhosas e o futuro brilhou à nossa


frente. A paixão antiga, de anos, se concretizou
como o sentimento mais poderoso, que nos faria
renunciar a tudo na vida, e Gab e eu nos tornamos
mais do que colegas de trabalho que dormem
juntos, namorados ou amantes.

Nem sempre fui uma pessoa de ter o amor


em alta conta. Achava que era somente uma
mistura de hormônios de vários tipos, um coquetel
somado com uma grande imaginação romântica.
Deus, como eu estava errada.

Gabriel também. Por anos ele imaginou


que, devido a seu passado mais sombrio, seu
destino era não ter raízes em lugar nenhum. Com

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ninguém. Gab estava tão enganado quanto eu.

Podemos não ser um exemplo de casal


meloso, cheio de flores — mesmo que eu tenha
muitas desenhadas no corpo, fruto do presente de
Gab —, bombons e corações de balão metalizado.

Mas nós somos.

Ele não é, eu não sou. Nós somos.

Somos imortais.

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Rua Boquete Pinto


— Pronta? — Gab me perguntou, e eu
sacudi a cabeça, o coração aos saltos no peito. —
Ok, pode abrir os olhos.

Obedeci, e uma exclamação de surpresa


escapou de meus lábios.

— Gabriel Scherer Klein...! — olhei para


ele, surpresa. — Você comprou uma das maiores
casas da Urca! Fala sério, você ameaçou o
proprietário, não ameaçou?

Ele tentou segurar a risada e fazer uma


expressão séria, mas falhou miseravelmente. O
sorriso orgulhoso de quem estava satisfeito com

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minha reação estampava seu rosto.

— Sim, como você adivinhou? Comprei


uma arma nova com o traficante da esquina, já que
a minha ficou em Londres, aí já vim com o dedo no
três-oitão.

Entortei a cabeça para o lado, tentando fazer


uma expressão blasé.

— Nota-se que você realmente é um


quarentão, Gab. Ninguém mais fala três-oitão aqui
desde 2003.

Ele deu de ombros e me pegou pela mão


para entrarmos na casa.

— Eu morei vinte anos em Londres, dá um


desconto. Vem, vamos olhar tudo — disse e abriu o

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portão.

Novamente, fiquei espantada. O muro da


casa era mediano, um pouco maior que eu, então
tive um vislumbre da residência por fora. Mas por
dentro, era tudo muito mais incrível: uma grama
verdinha, uma casa de hóspedes no canto direito,
uma piscina pequena, um gazebo fofo com uns
banquinhos e a casa em si, no lado esquerdo do
terreno.

A casa. Minha mãe do céu.

Não era uma mansão nem nada, mas era


grande, muito grande! Tinha dois andares e, pelo
que pude notar, um sótão que servia de terceiro
andar. Havia uma varanda de madeira charmosa,

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assim como vigas do mesmo material por todo o


lado.

A melhor definição daquela casa era “lar”.

E era linda, e seria nossa.

— Bacana, não? — ele perguntou, olhando


ao redor. Ergui uma sobrancelha e me voltei para
Gab.

— Bacana? Bacana é a grama da mansão de


Betty e Tony, isso aqui é espetacular.

Ele deu um sorriso satisfeito e completou:

— Parece um lar.

Apenas sorri e assenti com a cabeça, sem


comentar nossa transmissão de pensamentos. Eu
poderia ver Melange rolando por aquela escada,

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como uma bola de boliche, derrubando todos os


futuros gatos pelo caminho. Imaginei os insetos que
ganharia de presente de bom dia, os muitos potes e
louças quebradas, mas, principalmente, pensei em
Gab e eu ali, curtindo cada canto daquele jardim
juntos.

Ops, calma, Lena, só passou um dia do


retorno, pega leve na expectativa. Você ainda mora
no seu apartamento.

— Vem, vamos olhar por dentro.

Entramos na casa, e eu arregalei os olhos.


Uma sala ampla, mas não gigantesca, como eu
imaginei que seria, conectada à cozinha americana.
Perfeita!

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— Uau, que linda! Precisa de uma pintura,


mas é muito incrível! Olha, que cozinha fofa!

Saí da sala e corri até a cozinha, dando uma


olhada geral nos armários. Sorri, satisfeita, ao ver
que caberia tranquilamente tudo que era meu, mas
me repreendi mentalmente. Já estava fazendo
planos de ir morar ali, e nós tínhamos menos de
vinte e quatro horas de retorno, oficialmente, já que
ele fora à Wings no dia anterior, depois foi pegar as
chaves da casa, deixando a visita para aquele dia.

Convenhamos, depois de todo aquele


momento de reencontro, eu só queria transar com
Gabriel até não conseguir mais andar no dia
seguinte. E foi o que fizemos. Mas até que eu

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estava conseguindo andar direitinho por aquela


casona toda!

Sentar seria um desafio, mas tudo bem, não


havia móveis mesmo.

— Gab, você não acha que é muito grande


só para você, não?

Ele fechou a porta da sala e veio até mim.

— Eu gosto de casas grandes, Costureira,


esqueceu? Fora que não é só para mim, Lloyd vai
morar na de hóspedes e... bem... Vamos olhar os
quartos?

Notei sua mudança de assunto, mas não


insisti.

— São quantos? —perguntei e aceitei sua

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mão estendida.

— Três. Dois no andar de cima e um aqui.


Quatro, se você considerar o seu ateliê como um —
explicou enquanto me mostrava o primeiro andar
da casa.

Estávamos subindo as escadas, quando me


dei conta do que ele havia dito e empaquei.

— Meu... ateliê? Eu vou ter um ateliê aqui?


— perguntei, confusa.

— Ué, não? Você não comprou uma


máquina nova? Ela não vai caber no seu, deixa uma
das duas aqui. O quarto é maior do que o seu ateliê
no seu apartamento, então você não precisa
transferir tudo para o escritório da Wings.

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Boquiaberta, deixei que ele me levasse até o


segundo andar e entrei no quarto que Gab me
informou ser o ateliê. Era não somente espaçoso,
mas também arejado e tinha uma janela imensa
com vista para uma árvore frondosa, que ficava no
terreno da casa.

— Uau, Gabriel, que incrível! Olha, minha


mesa de corte vai ficar um escândalo aqui!

— Gostou? Ok, vamos para o outro quarto,


então — Gab disse com um sorriso, e eu o
acompanhei, feliz da vida.

O quarto em questão era o principal, maior


do que o ateliê, mas eu realmente não fiquei
impressionada depois de saber que Leton James, a

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minha máquina nova, teria mais espaço sem


precisar ir para o escritório.

Comentei isso com Gabriel, que apenas


sorriu e me mostrou o restante da casa, descendo as
escadas sempre de mãos dadas comigo.

— Viu que tem um lavabo nesse andar?


Você não vai mais precisar me fazer comprar café
na rua quando quiser usar o banheiro... — Gabriel
disse tranquilamente enquanto me mostrava a área
interna, atrás da cozinha.

Olhei para ele, chocadíssima, e demorei


para formular a pergunta:

— Como...? Você sabia?

Gabriel riu alto e respondeu:

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— Claro que eu sabia, Lena! Você nunca


usava o banheiro quando eu estava por perto! Aí,
de repente, surgia uma vontade de tomar café,
mesmo de noite? Lena, eu não sou tão idiota quanto
você pensa...

Meu queixo caiu enquanto ouvia ele falar.


Achava que meu truque para quando a natureza
chamava era tão inteligente e infalível... Ele me
enganou por quase um ano!

— Você é cruel, Segurança. Muito cruel,


destruindo assim meu plano de fingir que eu não
tenho intestino.

Gab soltou uma gargalhada e me puxou pela


cintura, beijando meu pescoço e me puxando de

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volta para dentro da casa. Paramos novamente na


maravilhosa sala, e ele apontou para a janela.

— Escuta, tirei a cerca elétrica, ou ia fritar a


Melange quando você trouxer a burra para cá... Ela
é castrada?

Olhei para o local onde ficava a cerca, do


lado de fora, no muro, e fiz careta. Que bom que
ele tirou, odeio cercas elétricas.

— É sim. E tem um chip de identificação


também. Tá totalmente vacinada, vermifugada,
tudo. Só não consegui trocar o cérebro dela, apesar
de ter tentado... Opa! — eu exclamei quando ouvi
um barulho de campainha estridente. — Uau,
potente, não?

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Gabriel suspirou e disse:

— Extremamente. Vou mandar trocar, já


levei cada susto. Me dá um minuto, vou atender.

— Ah, eu vou com você...

— Não, espera aqui. Eu já volto. É uma


encomenda que eu estava esperando — ele pediu,
com um ar misterioso e o rosto rígido de Segurança
em Serviço, e eu fiquei com a pulga atrás da orelha,
mas obedeci enquanto olhava pela janela a linda
árvore do terreno.

Cinco minutos depois, Gab entrou no quarto


com as mãos para trás. Parecia um pouco hesitante,
como se estivesse tentando equilibrar uma bandeja
com taças de cristal nas costas.

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— Então, Lena, o que achou da casa? Posso


comprar?

Franzi as sobrancelhas e cruzei os braços.

— Claro, Segurança, ela é maravilhosa!


Não precisava de minha permissão pra isso,
precisava?

— Permissão, não, mas opinião, sim. Ok,


vou comprar, então. Eu realmente gostei dela.

Uma risada involuntária escapou dos meus


lábios, mas eu logo a refreei, pois estava
estranhando seu comportamento suspeito. De
repente, Gab fez uma careta de dor rápida, que logo
disfarçou.

— Gab... O que tem em suas mãos? —

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tentei dar a volta, mas ele girou o corpo junto, um


sorriso brincalhão nos lábios. — Gabriel! O que
você está escondendo? Quem tocou a campainha?

— Pode ter paciência, Costureira? Então, eu


estou no Rio há mais de uma semana, ainda que
tenha ido te encontrar só ontem, certo?

— Certo... — comentei, intrigada.

— Pois é, eu já vim nessa casa três vezes. A


primeira quando estive com o corretor, a segunda
quando vim trazer Lloyd aqui.

— Lloyd já está no Brasil?

Ele assentiu, e logo fez careta de dor


novamente, mas disfarçou.

— Eu tenho a sensação, Segurança, que

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você sabia controlar suas emoções melhor


antigamente.

Gab riu e continuou:

— Você não faz ideia, Costureira, de como


tem razão. Enfim, Lloyd está em um hotel próximo
à casa de Luciana. Na segunda vez que eu vim
aqui, ele esbarrou em uma senhora ali na esquina,
os dois começaram a conversar e eu fiquei
segurando vela durante mais ou menos uns
quarenta minutos.

Tapei a boca com as mãos para não rir tão


alto. Que Lloyd era um idoso malhado e
relativamente inteirão, eu já tinha percebido, mas
que seria popular assim, logo na chegada, isso era

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novidade.

— Quando eu já estava criando teias de


aranha, a senhora pediu desculpas e disse que
precisava ir cuidar de sua gata, pois ela tinha dado
cria uns meses antes, mas só um gatinho
sobreviveu, e ela estava indo levar o filhote no
veterinário para vacinar e tudo. Bom, resumo da
história, Lloyd provavelmente está apaixonado,
então...

— Então? — perguntei, não conseguindo


entender o rumo da prosa. — Meu Deus, a mulher
vai se mudar pra cá também?

Gabriel riu, mas balançou a cabeça para os


lados.

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— Não, mas esse flerte inesperado me fez


ganhar algo que eu posso trocar com você.

— O quê? — perguntei, achando graça


naquilo. Tentei novamente olhar o que havia nas
mãos de Gab, mas ele de novo girou o corpo e me
impediu.

— Eu proponho uma troca, Costureira.


Você me deixa cuidar de seu apartamento, colocar
ele para alugar, essas coisas, vem morar comigo...

Arregalei os olhos por um momento, mas


me controlei e fingi seriedade, ainda que quisesse
gritar “óbvio que sim, desgraçado!”

— Certo. O que eu ganho em troca? —


barganhei, afinal, ninguém se tornava uma

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empresária de sucesso se não maximizasse os


lucros.

Ele sorriu e respondeu simplesmente:

— Glock.

— Glock? Uma pistola? Eu não tenho porte


de arma, Gabriel, nem pretendo ter algum... Ai,
meu Deus do céu!

Gabriel colocou as mãos para a frente, e eu


descobri o motivo das caretas de dor: um filhote de
gato preto com a cara de bunda mais fofa do
mundo! Glock me olhou como se me odiasse, sem
nem me conhecer.

— Gab! É o filhote da sua nova madrasta?

Rindo, ele me entregou o bebê, que tentou

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me unhar de todos os jeitos, mas eu nem liguei e


continuei segurando como se estivesse ganhando
carinho.

— Tipo isso. Eu quase o chamei de Lloyd,


notou como ele tem a mesma cara de rabugento do
velhote?

— Total! — eu exclamei, olhando o gato


me encarar como se fosse me matar durante o sono.
— Que coisa mais linda! Mas você quer me dar
esse filhote do Belzebu em troca do meu
apartamento? Poxa, Gab, achei que você me
amasse.

Gabriel colocou a mão no bolso da calça


jeans e tirou uma caixinha pequena e amassada de

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Band-Aids, me mostrando. Minha risada, meio


estrangulada pela dor das unhas fininhas de Glock,
provavelmente foi ouvida em Jacarepaguá quando
eu vi do que se tratava.

— Amo tanto, que me precavi e comprei


desses de super-herói para esses arranhões que ele
está te dando. Se você topar vir morar com a gente,
Costureira — ele disse e se aproximou, ignorando o
gato encapetado tentando arranhar não só a mim,
como a ele também — eu prometo comprar Band-
Aids até de princesa da Disney.

Sentindo o amor e a felicidade


transbordarem do peito, eu me aproximei de Gab e
beijei seus lábios, ouvindo Glock reclamar e tentar

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fugir de nosso abraço coletivo. Quando paramos de


nos beijar, eu sorri e disse:

— Olha, eu não estava muito animada com


essa perspectiva de morar aqui, mas esse Band-Aid
da Liga da Justiça aí...

— Foi divisor de águas, não foi? Sabia que


ia te conquistar. Então, é um sim?

Entreguei Glock para ele, e subitamente o


gato se acalmou.

Por dez segundos.

— Ele gosta de você, Gab. E, sim. É um


sim. Um imenso e gigante sim. Vamos morar na
Rua Boquete Pinto juntos!

Gab estava vindo selar o convite com um

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beijo, quando ouviu minha frase e recuou para rir.

— Você viu a placa?

— Vi! O nome da rua realmente é Boquete


Pinto?

Ele negou com a cabeça, com um sorriso no


rosto, e me beijou rapidamente, me pegando pela
mão para sair da casa. Disse que já explicava, antes
precisava devolver o gatinho para a vizinha, que
cuidaria dele até a mudança. Minutos depois,
voltou e apontou para a placa como o infame nome
enquanto entrava no terreno para trancar a casa.

— O antigo proprietário, um general


aposentado insuportável, disse que isso é obra dos
estudantes de uma escola pública que tem dentro do

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forte militar, no final do bairro. Os moradores


trocam a placa e eles aparecem e pintam um “b” no
lugar do “r” com corretivo líquido. Como vocês
chamam aqui no Rio? Liquid Paper? Branquinho?
Aquele item escolar que serve para cobrir erros de
caneta, sabe?

Tentei controlar a risada, mas não consegui.

— Gente, isso é genial demais! Olha, nem


dá para ver de longe que é feito à mão! Mas como
ele sabe que é obra desses estudantes? Se a escola
fica dentro do forte militar, não faz sentido que eles
saltem do ônibus só para fazer isso, faz? É uma
caminhada daqui até lá. Eu sei porque meu tio já
me levou lá, numa das poucas vezes em que veio

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pro Rio.

— Não sei, mas você precisa entender que


esse general é completamente preconceituoso.
Provavelmente isso é obra de adolescentes que
moram por aqui, mas, para ele, todos os males do
mundo são causados por gays, negros, pobres e,
claro, estudantes de escola pública.

— Sério? — questionei enquanto saíamos


do terreno e ele trancava o portão.

— Sim. Foi sabendo disso que eu consegui


a casa pelo preço que foi. Paguei metade do valor
de mercado contando algumas... mentirinhas
inocentes. Além de preconceituoso, ele é bem
burro.

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Parei de andar e o encarei.

— Jura, Gabriel? — perguntei, chocada. —


O que você contou para o cara?

Eu sabia o valor de mercado. Não era


absurdo e exorbitante para uma casa na Urca,
principalmente porque o mercado imobiliário
estava em queda. Mas, ainda assim, era um valor
considerável para um imóvel de dois andares. Pagar
metade nele era de uma sorte tremenda!

— Foi fácil. Erika puxou a ficha do ex-


proprietário, descobrimos que ele é armamentista,
extremamente conservador, cheio de ideias
estranhas sobre pena de morte, casamento gay,
separação do país em nordeste e sudeste... Então foi

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fácil conquistar a simpatia.

— Ué, como isso pode ter sido fácil? Você


fingiu concordar com ele, é isso?

Gab pegou na minha mão e começamos a


caminhar pela rua paralela à Roquete Pinto.

— Não só isso, eu vim armado.

Meu queixo despencou pela segunda vez no


dia.

— Você realmente veio armado? Jura? Em


área militar? Mas você não tem porte, nem trouxe a
Glock para o Brasil!

— Eu sei, mas ele não. Vim de coldre só e


fiquei de terno. Ele viu o coldre e praticamente se
apaixonou por mim. Pra completar, eu concordei

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com tudo que ele falava. Era tanta merda, que eu


pensei em tomar... Como se diz mesmo? Um banho
de sal grosso? Isso, cogitei me jogar no mar, pra
tirar a energia cagada dele — explicou e me deu
um sorriso enquanto atravessávamos a rua repleta
de folhas secas no chão.

— Que tipo de coisas ele falava?

— Ah, um monte de coisa criminosa que


fez com que eu me sentisse um cuzão. “Direitos
humanos para humanos direitos”, “mulher tem que
ganhar menos porque vai engravidar e tirar licença-
maternidade”, esse tipo de barbaridade. Acho que
nunca menti tanto na minha vida... Em
compensação, ele adorou e foi baixando o preço a

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cada bobagem que eu concordava enquanto


apontava um defeito da casa, ou da sociedade, do
governo, etc.

Impressionada com a astúcia de Gab, tapei a


boca com as mãos e ri em seguida, virando a
esquina rumo à rua principal da Urca.

— Você o enganou, Gabriel? Que gênio!


Conseguiu uma casa maravilhosa por um preço
incrível e ainda despachou um babaca para longe
das pessoas com cérebro! Ele disse para onde ia?

— Miami, se não me engano. Segundo ele,


lá “as pessoas são educadas, e não macacos
famintos”. Um amor de pessoa, o ex-morador da
casa.

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— Nossa, tô vendo. Já vai tarde, que seja


bem feliz no raio que o parta.

Gabriel sorriu e pegou o celular para


chamar um táxi pelo aplicativo.

— A reforma termina quando? —


questionei quando ele voltou a atenção para mim e
sorriu após olhar para o Pão de Açúcar. Ele
realmente gostava daquela vista, eu podia perceber.

— Uns dois meses, no mais tardar.

— E o esquema de segurança?

O táxi apareceu, nós entramos no veículo e


demos as instruções para o taxista.

— Tudo acertado também. Eu vou instalar


câmeras, trocar as fechaduras e colocar alarmes.

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Em alguns meses, a casa estará pronta para a


mudança. Vou voltar para Londres semana que
vem para organizar e despachar tudo pra cá. Ah, eu
preciso de ajuda para comprar os móveis.

— Ah, Sophia pode ajudar, ela é ótima em


decoração. Ela é ótima em tudo, na verdade...
Quase um Bombril artístico.

Ele sorriu e apoiou a mão na minha coxa


enquanto olhava brevemente a rua passando.

— Olha, Gab! Você vai comemorar seu


aniversário de setenta anos comigo! Que coisa mais
sensacional!

Gabriel voltou a me olhar, me puxando para


perto enquanto ria, e me perguntou:

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— Eu envelheço uma década por ano, é isso


mesmo? Ano passado, durante a turnê, eu fiz
sessenta, segundo você. Esse ano já completo
setenta?

— Por aí, Segurança. Quem mandou parar


de consumir... — não completei a frase, pois
acreditei que o taxista fosse se assustar com a
referência ao sangue de groupies virgens. Era uma
piada interna demais, então limpei a garganta e
mudei de assunto. — Uau, vai ser incrível, Gab! Eu
nem acredito que as coisas deram certo!

Gabriel abriu seu sorriso secreto, em todo o


seu esplendor de amor e felicidade.

— Sim, Costureira. Deram.

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Eu me aninhei ao seu lado e peguei em sua


mão, e juntos rumamos para meu futuro ex-
apartamento, tendo apenas uma certeza no mundo:

Algumas coisas fazem sentido na vida. Uma


delas é a gente, Gabriel e eu.

Mesmo depois de todo esse tempo.

Sim.

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Epílogo
— Costureira? Já arrumou tudo? — Gabriel
me perguntou da sala enquanto eu trazia minhas
coisas do ateliê.

— Arrumei, Segurança! Leva minha mala?


— pedi, entregando para ele a única bagagem que
eu levaria para o Distrito Federal, onde ficaríamos
por algumas semanas em uma viagem de
averiguação das lojas novas de lá.

Sophia, Joe, Lula, Anastácia e Paula


estavam em nossa casa, conversando entre si,
quando a esposa de meu amigo pediu:

— Lena, quase esqueci! Pode me trazer um

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cartão postal de Brasília? Um daqueles que mostra


o céu bonito de lá? Queria colocar num quadrinho
na parede! — pediu, e eu achei fofa a simplicidade
do pedido. Enquanto Anastácia me pedia quilos de
doces regionais sempre que eu viajava a trabalho
com o Segurança, Paulinha me pedia um
cartãozinho de nada.

Lloyd, por outro lado, não achava nada


bonitinho. Notamos isso quando ele bufou de modo
exagerado e revirou os olhos, sentado em meu sofá
com Glock no colo.

— Que brega, garota. Nunca foi em


Brasília? Duas horas de avião, vai lá e tira uma foto
você mesma. Bando de fresco que quer tudo pronto

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na mão.

Paula piscou algumas vezes, e eu notei que


ela mordeu o canto interno do lábio para não rir. Os
modos rabugentos de Lloyd, felizmente, nunca
incomodaram nossos amigos, pelo contrário. Todos
morriam de rir com o sensei de Gab e sua total
ausência de bom humor.

— Vou trazer um para você também,


velhote — Gabriel prometeu ao entrar na sala e
pegar o finalzinho do discurso do sensei e riu
quando uma almofada voou em sua direção.

— E você, senhor segurança gostosão? Vai


me trazer o que de presente? — Sophia perguntou e
se aproximou dele, pegando em sua gravata e

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acertando o nó. Alguns hábitos nunca morriam, e


arrumar a roupa dos outros sempre foi muito
comum entre as donas da Wings.

— A Lena sã e salva? — Gab respondeu,


um sorriso brincando nos lábios.

— Ih, pronto, virei a Whitney Houston em


O Guarda-Costas... Vou trazer um soco na sua cara,
Sophia, se não tirar as mãos da gravata de Gabriel.
Nem precisa esperar eu voltar, te dou agora mesmo
— respondi e vi Sophia tombar a cabeça para trás
de tanto rir.

Joe cruzou os braços e entortou os lábios


antes de reclamar:

— Acho injusto isso. Gab mal entrou para o

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grupo, e já fica mais com Lena do que a gente. Vou


fazer um sindicato de amigos e reivindicar meus
direitos. Exigimos uma divisão mais igualitária de
sua presença.

— Mal entrou? Mas, amor, se for considerar


a turnê, eles estão juntos há mais de dois anos! —
Paula começou a argumentar, mas foi interrompida:

— Opa, eu ajudo com o sindicato! Você


fica com a Lena, Joe, eu faço companhia para o
Gabriel — Anya disse enquanto olhava Gabriel de
cima a baixo.

Ele apenas revirou os olhos, mas acabou


sorrindo. Já estava acostumado com os hormônios
em ebulição dos meus amigos. Todo dia uma

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cantada direcionada para alguém, depois de quase


um ano de convivência com eles, nem tinha como
achar ruim.

Principalmente levando em conta que ele


era quase obrigado a beijar Sophia toda hora. Quem
não era, afinal de contas?

De repente, ele lembrou de algo, se virou


para Lloyd, o rosto totalmente sério, e começou:

— Sensei, não esquece que a Moka


precisa...

— Tomar os remédios uma vez por dia, eu


sei, imprestável, eu moro aqui! Por que foram
adotar um gato tão problemático? Já não basta
Melange quebrando as patas uma vez a cada seis

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meses, fugindo de casa e tentando se matar se


jogando na frente do 107? Agora ainda preciso
controlar remédio de gato além dos meus! Vocês só
me dão trabalho no fim da vida.

O esforço que fiz para não rir daquela


versão humana do Walter, marionete do humorista
Jeff Dunham, não tinha nome ainda. Foi imenso.

— Adotamos porque é um gato


problemático, Lloyd! Olha a carinha dela, quem
resiste a esse rostinho de bicho carente cheio de
problema nos rins e rejeitado por todos nas feiras
de adoção? Né, meu amorzinho? Meu trocinho
doente? — fiz um chamego enquanto agarrava
nossa gatinha branca de três anos, que tentava fugir

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do meu abraço desesperadamente.

Lloyd se levantou, resmungando qualquer


coisa sobre “boiolagens”, “vê se não demoram em
Brasília” e “vou é comer, que é o que eu faço de
melhor” e foi para sua casa sem se despedir.

Já acostumada com o jeitão de meu sogro,


apenas dei de ombros e comecei a procurar Glock,
que estava em seu colo minutos antes.

— Onde está o tamborim? — perguntei


quando Moka conseguiu se soltar e saiu correndo
para longe de mim e se escondeu em cima da
geladeira. — Gab, tá vendo o Glockinho por aí?

Gabriel foi até a área e trouxe nosso gato


preto, o mais mal-humorado, que não gostava de

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ninguém, a não ser, claro, do Segurança e de Lloyd.

Lloyd, principalmente. Os dois nasceram


um para o outro.

— Oi, meu churrasquinho, vem cá e me dá


um... Ai! — Glock arranhou minha mão quando eu
tentei pegá-lo no colo. — Que saco, por que eu
nunca consigo pegar em qualquer tipo de Glock
sem que leve uma bronca ou um arranhão?

Gabriel fechou os olhos e riu de mim


enquanto colocava o gato no chão.

— Talvez porque você não deva pegar em


nenhum tipo de Glock, nunca, Costureira. Já deu
tchau para Melange?

— Já, ela tá deitada em cima da máquina de

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costura, como sempre. Ô bicha para gostar do


ateliê! Bom saber que alguém vai seguir o legado
da família.

— O táxi chegou, Lena! — Lula gritou da


entrada.

Gritei um agradecimento e um “já vamos” e


me voltei para todos na sala:

— Bom, é isso, gente! Nos vemos daqui a


alguns dias!

Comecei a abraçar meus amigos e revirei os


olhos quando Sophia me beijou na boca e correu
para beijar Gabriel, como de costume.

— Sophia, eu vi um brilho de língua aí.


Pâmela realmente não liga para isso? O que

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acontece com sua sapatonice que some quando vê


Gabriel, hein?

— Continua aqui, meu amor, mas quem


resiste a esses lábios macios de mulher? Não me
admira que você tenha parado de fazer aquelas
calcinhas com estampas de nuvens. Para que vestir,
quando você pode sentir seu toque celeste em
sua...?

— Ok, ok! Vamos embora, Segurança? —


eu interrompi e todos riram da minha vergonha.

Sopramos um beijo para todos,


cumprimentamos o taxista, guardamos nossas
malas e partimos para o aeroporto. Em duas horas,
já estávamos no avião, eu nauseada, agarrando à

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mão de Gabriel como se minha vida dependesse


daquilo quando a máquina mortífera começou a
taxiar, e Gabriel, tranquilo, como sempre.

— Lena, sabe quem vai estar em Brasília


também? A Sissy Walker, naquele festival de rock.

— Eu sei! — quase gritei, fechando os


olhos com força. — Tony me avisou! Quer ir? Eu
topo, estou com saudades de todos! Meu Deus, esse
avião não decola nunca? Meu estômago está
chorando em espanhol aqui!

— Lena... — Gabriel chamou, e eu abri os


olhos, nervosa.

— Que é? Preciso de uma distração, Gab,


fala qualquer coisa aí! — eu implorei.

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— Eu amo você — ele disse quase


instantaneamente, e eu relaxei o aperto de sua mão.
— Ufa, obrigado, mais um pouco e meus dedos
ficavam roxos.

Olhei para ele, um pouco surpresa, e


Gabriel me olhou de volta com um sorriso no rosto,
achando graça de minha expressão. Não
costumávamos usar “eu te amo” como “bom dia”,
ainda que soubéssemos claramente dos sentimentos
que compartilhávamos, então sua declaração
conseguiu me distrair. Sempre declaramos nosso
amor com atitudes ou brincadeiras, mas falar
diretamente, assim, a gente quase nunca falava.

— Eu sei — respondi e ri de sua expressão

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contrariada. — Ufa, até que enfim! — exclamei


quando o avião finalmente estabilizou.

— Tá melhor? — Gabriel perguntou me


dando um sorriso divertido enquanto pegava seu
celular e o ligava.

— Sim, obrigada... Gab... Hm...


Aproveitando que você está tão romântico... Eu
preciso te contar uma coisa...

Gabriel abaixou o celular e me olhou com o


rosto subitamente sério.

— Não me diga que você quer outro gato.

— Quero — respondi e dei um sorriso


culpado.

— De novo, Lena? Já temos três gatos, você

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quer um quarto?

— Gab, o gato é um trocinho minúsculo


marrom escuro, cor de café, que foi abandonado na
chuva! Ele tá mamando ainda e é o gatinho mais
lindo que eu já vi! A moça que resgatou não tem
dinheiro para cuidar dele, ela já tem outros seis...
— eu argumentei, mas Gabriel me interrompeu:

— E você quer imitá-la? Faltam só três para


isso, Helena.

— Ah, vai! Até parece que você não gosta


do Glock! Passa o dia agarrado nele!

— Sim, eu adoro nossos gatos, não há


dúvidas quanto a isso, mas não significa que eu
queira virar um tio velho cheio de gatos.

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— Mas você já é tio, da Maria Flor, da


Maria do Joe, daqui a pouco todos os nossos
amigos vão procriar loucamente, você será tio de
todos, que dirá padrinho! E também já é velho,
quase noventa anos, o que custa ter só mais um
gato? A casa tem espaço, eles são limpinhos, não
dão trabalho...

Como Gabriel se manteve sério, eu suspirei,


resignada.

— Bom, ok, eu não vou insistir mais.

— Obrigado, Lena — ele agradeceu com o


rosto sério, e o alívio era nítido em sua voz.

— Imagina, Gab, eu só quero que você seja


feliz ao meu lado. Olha, Lloyd disse que vai ficar

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com o Carretel até que a gente volte, ok? Ele se


apaixonou no gatinho e já levou pra Dona Laura
ver. Ela, como boa gateira, está encantada com o
bichano! — comentei, toda animada.

— É, ela gosta, né? Espera...! Lloyd vai


ficar com quem? — Gabriel perguntou, boquiaberto
quando se deu conta do que eu tinha dito.

— Carretel, o gatinho que eu e você


adotamos.

— Helena! — Gabriel exclamou, mas eu o


puxei pelo terno e o beijei. Ele inicialmente
resistiu, mas depois correspondeu meu beijo e
pegou meu rosto entre as mãos. — Você é
impossível.

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— Perdão, Gab. Mas você vai amar o


Carretel, ele é uma bolinha adorável, parece um
grãozinho de café peludinho!

Gabriel revirou os olhos, mas acabou


sorrindo, resignado. A casa era imensa, mais um
não faria diferença para nós.

— Promete que é o último?

— Juro. Só mais ele e a gente para. A não


ser que você queira mais...

— Não, tá ótimo!

Sorri e me encostei nele, satisfeita. Gabriel


colocou a mão na minha coxa, e eu coloquei a
minha por cima, me sentindo em paz.

— Gab...?

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— Diga.

— Você imaginou, há mais de seis anos,


naquele show da Sissy Walker com a Trophy
Husband, que um dia isso tudo aconteceria? Eu,
você, uma casa na Urca, gatos, Lloyd, a Wings,
você virando um CEO gostosão?

Gabriel pegou minha mão e a beijou, rindo


no meio da ação ao ouvir meu último comentário.

— Não sei se ser dono de uma firma tão


pequena quanto a TWS poderia me alçar ao posto
de “CEO gostosão”, Costureira.

— Microempresário gostosão, então? —


perguntei, e ele pareceu ponderar por um momento.

— Ok, eu aceito a alcunha de bom grado —

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brincou, me fazendo rir, e logo continuou. —


Respondendo sua pergunta, não, de modo algum.
Achei que nunca mais ia te ver, que só nos
encontraríamos em outra vida, sei lá.

— É, eu também. E, no final das contas,


tudo era possível.

— Sim, era — ele disse e me olhou, dando


seu sorriso secreto, mostrando toda a paixão que
existia dentro de si. Em seguida, me puxou pela
blusa e me beijou.

Coloquei as mãos em seu pescoço e


aprofundei o beijo, sentindo o desejo surgir quando
ele desceu o rosto e arranhou meu pescoço com sua
barba por fazer.

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— Ei... Sabe o que a gente podia fazer? —


perguntei quando ele parou de me beijar no
pescoço e mordeu meu lábio.

— O que, Costureira?

— Aproveitar que todo mundo está


distraído e dar aquele pulo maroto no banheiro que
você sempre promete, mas nunca cumpre.

Gab ergueu as sobrancelhas, surpreso com a


proposta, e perguntou:

— Você ainda quer transar num avião?


Achei que já tinha deixado de lado, nunca mais
tentou me...

Revirei os olhos e o interrompi:

— Ai, Segurança, esquece, você pensa

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muito. Bom, vou sozinha ao banheiro lavar o rosto


e acertar esse maravilhoso full body harness que a
Sophia fez para mim. Acho que a cinta-liga dele
soltou da meia arrastão, sabe? Meia ⅞ é um saco!
— exclamei e sorri quando ele me olhou com os
olhos semicerrados.

Menos de um minuto depois, Gab entrou


atrás de mim no banheiro e me empurrou contra a
parede, me beijando com paixão. Rindo que nem
uma adolescente apaixonada, passei o dedo em seus
lábios entreabertos. Meu coração estava batendo
daquele jeito que sempre batia ao lado de Gabriel, e
eu sentia o dele do mesmo modo, retumbando no
peito contra minhas mãos.

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Em segundos, nos livramos do máximo de


roupa que aquele banheiro minúsculo permitia,
torcendo para que ninguém na companhia aérea
viesse nos repreender, e, finalmente, fizemos um
love a vários pés de altura.

Saí primeiro, ajeitando minha roupa, voltei


para meu assento como se nada tivesse acontecido,
olhando discretamente ao redor, e Gab apareceu
minutos depois, o rosto franzido de quem tentava
não rir.

Ficamos em silêncio por uns segundos, até


que explodimos em uma risada abafada por nossas
mãos, tentando não chamar muita atenção.

— Sou eu, ou transar em um avião é bem

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sem graça? — perguntei baixinho, aproximando o


corpo do de Gab, que me puxou pelo rosto e
respondeu depois de me beijar:

— Definitivamente esses banheiros não


foram feitos para duas pessoas imensas como nós
dois transarem, Costureira. Mas valeu a
experiência. Tem mais algum tipo específico de
sexo que você queira tentar? Não sei se meu
pescoço aguenta outra dessas nesse avião.

Eu o beijei de volta, tentando não rir contra


seus lábios, e dei uma mordidinha em sua boca
antes de dizer:

— Sim, eu fui ao dentista um dia desses e


encontrei isso ó:

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Peguei minha bolsa de mão e tirei uma


folha dobrada ao meio. Era uma página de uma das
revistas da recepção, que eu arranquei sem
ninguém ver. Gabriel desdobrou a folha amassada,
leu, fechou os olhos e riu frouxamente.

— Lena, você ainda vai me enlouquecer.

Animada, apontei:

— Olha, eu risquei tudo que a gente já fez!


Sexo no ano-novo, no natal, sexo com gente na
casa, sexo em quartos de hotéis estrangeiros, sexo
em banheiro de bar, sexo na piscina, sexo em uma
banheira, sexo com vibradores, sexo com...

— Ok, eu já entendi, Costureira. Toma,


risca “sexo no avião”. Quanto tempo temos para

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cumprir essa lista toda? Tem ainda uns cem itens


aqui... — ele me perguntou, os olhos brilhando de
excitação.

Dei de ombros e fiz o que ele pediu.

— A vida toda, talvez? — guardei a folha


dobrada na bolsa e me endireitei no assento,
olhando o belo rosto do Segurança que eu tanto
amava.

Ele balançou levemente a cabeça para os


lados antes de comentar:

— Ok, mas a gente faz meta para 2020,


pode ser? Completar a lista inteira até lá. Depois a
gente cria uma lista nova.

— Combinado, Segurança.

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Gab me puxou pela gola da blusa e me


beijou com toda a calma do mundo, despejando
todo seu sentimento por mim naquele suave
contato. Fiz o mesmo sem reservas, me sentindo
plena e repleta de amor.

Tudo se encaixou em seus devidos lugares:


a saúde de Lloyd deu uma boa melhorada depois
que se afastou do clima frio e veio morar conosco,
Gab se encaixou perfeitamente na Wings,
resolvendo problemas que nós nem sabíamos que
existiam, eu pude continuar em minha empresa
amada, todos nós convivíamos em uma casa cheia
de amor — e rabugice bem-vinda.

Além disso, nossos gatos eram felizes,

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nosso lar era perfeito, nossos amigos sempre


estavam por perto, mesmo o pessoal da Sissy
Walker, que nos visitava anualmente ou sempre
que podiam...

Estava tudo perfeito, a não ser por um


pequeno detalhe:

Klein é um nome tão bonito, não é?

Estava na hora de ele se unir ao Andrade.

Mas isso eu resolveria na volta da viagem


para Brasília.

Já passou da hora.

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Bilhete largado em cima da mesa da sala


da casa principal, um mês antes do primeiro
natal de Lena e Lloyd

“Seus bostas,

Não transem mais na piscina enquanto eu


estiver aqui. Sou velho, não cego, meus olhos ainda
estão sangrando por ver praticamente meus filhos
trepando que nem dois coelhos na água.

Helena Maria, quero meu isqueiro de volta,


sua abusada. Tá esperando eu morrer pra me

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devolver?

Klein, imprestável, compre adesivos de


nicotina para mim, ou juro por Deus que não deixo
mais o Glock dormir comigo.

Família mais inútil essa que eu arrumei,


puta que pariu, viu? Devia ter ficado naquele cu de
cidade gelada dos infernos naquela merda de
Europa.

Lloyd.

P.S.: Obrigado pelos biscoitos em forma de


kimono, estavam deliciosos. Tem mais? Se tiver,
tragam pra cá junto do café boiola de vocês, hoje é
dia de jogo do Botafogo.

Tragam Melange também. Mas deixem a

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Moka, ela é muito chata e carente.”

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Bônus: Via de mão dupla

Capítulo 1
Lar

Em todos os anos em que treinei novos


seguranças na Academia do Reino Unido, jamais
me senti tão esgotado quanto estava naqueles dias.
Nem mesmo o café — meu companheiro de todas
as horas — parecia ter efeito. Eu estava exausto.

Sentei no sofá, mas me levantei


rapidamente quando senti um volume estranho por
baixo das almofadas.

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— Lorena! — gritei quando uma menina de


cabelos longos, presos em uma trança, e olhos
escuros e brilhantes saiu de dentro do estofado com
um sorriso sapeca no rosto — Eu podia ter te
machucado! Anda, sai daí, tem tanto lugar pra você
se escon...

Parei de falar quando, além de Lorena, filha


mais nova de Paula e Joseph, saíram de dentro do
sofá Maria Flor, filha de Sophia e Pâmela, de seis
anos, Gustavo, filho de Luciana e Jonathan, de
cinco anos, mesma idade de Guilherme, filho de
Roberto com a namorada, Amanda. No total, foram
quatro crianças saindo de dentro do imenso sofá da
sala.

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— Meu Deus... O fundo desse sofá é oco?


— perguntei, me esticando para espiar dentro do
estofado e ver se alguma outra criança tinha ficado
perdida por lá.

Escutei a risada de Lena vindo da cozinha


americana. Ela sabia disso? Bom, pelo menos
algum adulto na casa sabia dessa informação.
Imagina se um deles adormecesse enquanto
esperava para pregar uma peça, não conseguisse
sair, sufocasse e...?

Respirei fundo, lembrando que não havia


perigos eminentes. Estávamos todos na minha casa,
em área militar e protegida. Lugar mais seguro que
aquele não existia.

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Encarei os diversos sorrisos e olhos


brilhantes, que já estavam maquinando a próxima
travessura. Bem, não havia perigo nenhum além
dos normais em uma casa cheia de crianças. Ou
seja: eu precisava, sim, ficar alerta. Ao menos um
pouco.

— É, tio Gab. Você não sabia que ele é


oco? — perguntou Andy, a mais velha de todas, ao
entrar na sala, falando em seu português cheio de
sotaques, igual ao do pai, Jim. — O sofá é seu.

Lena — com suas mechas de cabelo escuro


presas por uma tiara no topo da cabeça, em um
penteado todo torto feito pelo filho de Roberto, que
parecia ter uma paixão secreta pelo cabelo

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cacheado da Costureira — apareceu na sala


segurando uma bandeja cheia de lanches. Sua
gargalhada chamou a atenção das crianças, que
correram até a mesa.

Lena sorria para os pequenos enquanto


arrumava a mesa farta. Ela tinha muito mais jeito
com eles do que eu. Apesar que, segundo Tess,
minha sobrinha, filha de Júlia, eu era o tio
divertido, já que conseguia participar com
facilidade das brincadeiras desgastantes, como
correr e pular na praia. Lena deixava essa parte
comigo e ficava sentada na areia, tirando fotos,
lendo livros ou, como era mais comum, desenhando
alguma roupa em seu inseparável caderno de
rascunhos.
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O tio chato, claro, era Lloyd. Ainda assim,


até as crianças gostavam dele. Era natural no
velhote: mesmo sendo um grosseirão, todos
gostavam de seu jeito e de seu coração mole, apesar
da fachada endurecida.

— Cadê as outras crianças? Tá na hora de


comer e depois votar no filme da noite. Pirralhos!
Apareçam! Hora do rango! — ela gritou, e uma
pequena multidão de crianças se sentou em tudo
quanto é canto da sala: sofá, braço do sofá, pufes e,
principalmente, no chão.

Nós estávamos cuidando dos filhos de todos


os amigos e parentes naquelas férias, dando uma
folga para os adultos, que viajaram para todos os

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cantos do mundo. Na casa da Urca, nosso lar havia


mais ou menos seis anos, estavam passando férias
exatamente sete crianças: uma da Sissy Walker,
quatro de nossos amigos daqui mesmo e uma
parente de sangue, filha de minha cunhada, Júlia.

A mais velha das crianças, Andy, tinha onze


anos, enquanto as mais novas, Gustavo e
Guilherme, tinham somente cinco, e eram as que
davam menos trabalho, por incrível que pareça.
Como tinham a mesma idade, os dois se deram bem
desde o começo e passavam o dia brincando juntos.

Por mais que fosse trabalhoso e cansativo,


estávamos tirando de letra o “trabalho” de babás
naquele mês de março bonito e ensolarado. Até o

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presente momento, na segunda semana desde que a


casa na Roquete Pinto virou uma imensa creche,
nós contabilizamos somente dois tombos e um
dente lascado, o de Maria, a terceira mais velha,
com nove anos de idade, que tropeçou em um dos
gatos quando tentou ir ao banheiro e bateu o rosto
na parede.

De madrugada, logicamente.

Não preciso dizer o que ela interrompeu


com esta queda. Acordei Lena duas e meia da
madrugada, achando que seria um horário seguro,
que nenhuma criança estaria acordada para ouvir
qualquer barulho nosso vindo do quarto. Mas me
enganei. Assim que ouvimos o choro, precisamos

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nos vestir em tempo recorde e sair correndo para


fazer o necessário: ver o que houve, calcular o
estrago e, finalmente, pegar o carro e correr até o
hospital mais próximo.

Eu não sabia que era possível sair tanto


sangue de uma criança tão pequena...

Fora esse evento, estávamos indo muito


bem, obrigado, e as crianças se divertiam bastante
com tio Gab e tia Lena. Não que nós dois fôssemos
exatamente os cuidadores mais tradicionais.
Algumas crianças notaram isso no dia que
permitimos que o filme da noite fosse Sexta-Feira
13. Não foi nossa decisão mais sábia. Acabamos
tendo quatro pessoinhas a mais dormindo em nossa

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cama. Terminei dormindo no chão, servindo de


“barreira contra monstros”, enquanto Lena protegia
os menores do pesadelo.

— Tio, o que tem pra comer agora? —


perguntou Guilherme, o mini-Roberto. — Minha
barriga tá roncando muito!

Assim que notei que algo estava faltando


nele, ajoelhei no chão e olhei bem fundo nos olhos
do menino, que se arregalaram, fazendo uma
expressão exatamente igual à que o pai fazia
quando estava nervoso.

Eu não era fã de Roberto, mas gostava


muito do seu filho. Era uma boa criança. O garoto,
entretanto, parecia ter um misto de desconfiança

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com admiração em relação a mim. Normalmente,


admiração. Naquele momento, desconfiança.

— Que foi, tio? — ele perguntou,


assustado, e Lena precisou tossir para que eu
suavizasse a expressão. Não era minha intenção
assustar o filho como tinha prazer de fazer com o
pai.

— Onde estão seus óculos, mocinho? —


perguntei, tentando fazer uma voz firme, porém
suave, para não o deixar com medo de mim. —
Você quer tropeçar e quebrar os dentes, que nem a
Maria?

— Ei, tio Gab! Poxa, meu dente já tá bom,


pare de zombar de mim! — Maria reclamou,

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fazendo Lena rir de novo. — Eu tenho quase dez


anos, se eu não quebrar algumas coisas de vez em
quando, não terei uma infância plena!

Desviei o olhar para a pequena e depois


para Lena, que parecia tão impressionada quanto
eu. Era surpreendente as pérolas que Maria soltava.
Parecia uma adulta falando, provavelmente
resultado da influência positiva dos inúmeros livros
que lia. E da tia, que tinha uma mente tão afiada
quanto a língua.

— Eu nunca me acostumo com essa


maturidade dela... Já notou que ela é mais parecida
com a Luciana...?

— Do que com a própria mãe? Claro que já,

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ela é uma versão chibi da Lula, é impressionante.


Vem cá, Maria, tem certeza que você não é filha da
Luciana? — Lena perguntou enquanto voltava a
arrumar a mesa da sala com o lanche da tarde.

— Tenho, tia. A não ser que minha tia tenha


casado com meu pai, o que é deveras nojento só de
pensar.

Várias crianças falaram “eca” em uníssono,


mas nós só prestamos atenção no vocabulário da
guria, que era melhor que o nosso. Quem usa
“deveras” na década de 20 do século XXI?

— Opa, notaram uma coisa? — Lena


perguntou de repente, e todos olharam para ela. —
Ninguém está botando a mesa comigo. Posso saber

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o motivo?

— Porque isso é função de menina, não é?


— Guilherme perguntou, e Lena deixou cair no
chão um pacote fechado de batatas fritas.

Fiquei chocado com o machismo já presente


em uma criança tão pequena. Já estava prestes a
descontar pontos de comportamento dele, quando o
menino deu um sorriso meio torto.

— Brincadeira, tia Lena, meu pai falou que


isso ia te irritar e falou que me daria cinco reais se
eu falasse — ele explicou, risonho e contente com
o feito, mas parou de rir quando não consegui
evitar a careta.

Há um motivo para eu não ser fã do

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Roberto. Não importa se ele está compromissado, é


pai e se tornou uma pessoa mais madura, continua
sendo o rei da piada inconveniente.

Uma vez babaca, sempre babaca.

Andy, que estava sentada no sofá olhando


as crianças mais novas, olhou para mim e
perguntou:

— Tio Gab, é verdade que você olha feio


para o Guilherme porque não gosta do pai dele?

Lena, de novo, deixou cair o que tinha nas


mãos. Dessa vez, foi um pacote de biscoitos tipo
isopor.

Droga, talvez eu não seja tão sutil quanto


conseguia ser antigamente.

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Constrangido, limpei a garganta para ganhar


tempo antes de responder.

— Não, claro que não, Andy, de onde você


tirou isso? Estou olhando de cara feia pra ele
porque hoje Guilherme já perdeu dois pontos de
comportamento, um por não usar os óculos e outro
agora, por pregar uma peça na tia Lena — tratei de
explicar e fiquei aliviado quando a expressão
magoada de Guilherme suavizou e o pequeno
sorriu.

— Aah, sim... Então por que você bateu a


cara do pai dele em uma porta? Ouvi meus pais
falando sobre isso um dia — Andrea insistiu no
assunto, fazendo com que eu e Lena batêssemos as

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mãos na testa ao mesmo tempo. Isso fez muitas


crianças rirem, menos Guilherme, claro.

— Eu vou matar Jim e Stacy — Lena disse


entredentes para mim, com um sorriso forçado no
rosto. — Vai, se vira agora pra explicar isso, a
culpa é sua, afinal de contas. Vou botar a mesa
sozinha, conta a história.

Dei um suspiro exagerado. Eu não me


arrependia de ter feito o que fiz. Lembro que
quando conheci Roberto, eu realmente quis ter uma
conversa particular com ele, justamente por tudo
que ele tinha feito Lena passar quando mais nova e
por ainda a estar rondando como um cachorro
adulto depois de tantos anos.

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Não o fiz na época, entretanto, pois se Lena,


que foi a pessoa prejudicada, era sua amiga e o
tinha perdoado, eu não deveria me importar. Mas
eu me importava, e muito. Saber que ele ficaria ao
lado dela quando eu não podia me enchia de um
sentimento nada digno. E depois, quando vi a foto
que Roberto postou no Instagram, de Lena seminua
em sua casa, e soube depois do beijo forçado que
deu em minha esposa, quis fazer muito mais do que
bater a porta na cara dele.

Entretanto, vendo a desconfiança nos olhos


de Guilherme, fiquei feliz por não ter feito nada
mais drástico. Teria que explicar muito mais para o
garoto e, possivelmente, traumatizar uma criança
pequena.
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Peguei uma das cadeiras da mesa de jantar,


a coloquei perto do sofá e sentei de frente para os
meninos, que se amontoaram no sofá e no chão
para me ouvir contar a história. Guilherme, em
especial, sentou muito próximo a mim, lembrando-
me que precisava contar uma versão editada da
verdade.

Olhei para a parede atrás do sofá, onde


havia uma quantidade imensa de fotos de todos
tipos, selecionadas e organizadas pelas crianças, e
comecei a contar a história que elas tanto queriam
ouvir:

— Bom, por onde começo? Há mais ou


menos sete anos, tia Lena começou a trabalhar para

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a Sissy Walker...

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Capítulo 2
Tio Gun

Fiz um breve resumo de como eu e Lena


ficamos juntos, até chegar na parte que importava
para aquele bando de criança xereta: o dia em que
agredi Roberto.

— Quero que vocês entendam, crianças,


que não me orgulho do que fiz. O que aconteceu é
que tio Gab e tio Beto não eram exatamente...
Como posso dizer isso? — olhei para Lena,
procurando ajuda, porém ela apenas deu de ombros
e foi até a cozinha pegar os sucos e refrigerantes.

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O que aconteceu com aquela história de


“estar ao lado até a hora da morte”?

— Amigos? — Maria tentou ajudar.

— Exatamente. Não éramos amigos —


ainda não somos, eu pensei. — Tio Beto era muito
ciumento em relação a tia Lena, e um dia, quando
nós dois, Lena e eu, ainda não estávamos casados,
ele quis animar a tia, que estava triste, e a beijou à
força.

Antes que alguma das crianças, que estavam


confusas com aquela informação, perguntasse algo,
Lena voltou da cozinha e explicou:

— E a tia aqui odeia que façam isso.


Escutem, meninos, escutem bem o que eu estou

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dizendo: nunca tentem beijar ninguém que não


queira beijar vocês. É errado, feio e digno de
palmadas, ouviram? Continue, Gab — ela pediu e
foi para a cozinha, voltando em seguida cheia de
garrafas e caixas de suco.

— Você quer uma mão, Costureira? Hoje


não é o meu dia de botar a mesa? — perguntei, já
que parecia um pouco atrapalhada com o monte de
coisas que estava trazendo, porém Lena apenas
negou com a cabeça e pediu para continuasse a
história. — Ok, voltando. Alguns meses depois,
quando nós dois já estávamos juntos, o tio de Lena
pediu para me conhecer, o que eu topei, é claro.

— É aquele tio maluco, velho e que gosta

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de armas? — Maria perguntou, e Andy completou


em inglês:

— O tio Gun?

Estalei os dedos, confirmando.

— Exatamente, ele mesmo. Como alguns de


vocês já sabem, tio Gun é uma figura paterna
importante...

— E pirada — Lena completou, fazendo os


meninos darem risadas.

— E pirada na vida de tia Lena, assim como


tio Lloyd, então eu vim me apresentar. Só que tio
Beto foi visitar tia Lena exatamente no dia...

— Aí você bateu no meu pai por isso? —


Guilherme perguntou, parecendo magoado de novo.

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Merda. Nunca pensei que me arrependeria


daquela portada, sempre achei que era pouco perto
do que ele merecia. Agora, contudo, quem parecia a
criança de cinco anos era eu.

— Não, na verdade, eu pensei nisso, mas aí


mudei de ideia, pois violência não leva a nada. Só
que esbarrei nele sem querer, sabe?

Esperava que nenhuma criança tivesse


percebido o olhar incrédulo de Lena para mim.
Parecia um desenho animado, afinal o que eu disse
era uma mentira descarada, e nós dois sabíamos
disso. Lembrei-me do fato verdadeiro de cinco anos
atrás, quando Lena estava meio ansiosa pelo meu
primeiro encontro com o tio Gun, assim como eu.

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Eu queria causar uma boa impressão no tio,


afinal, ele realmente era a figura paterna dela, já
que os pais a deserdaram por completo por causa
do relacionamento passado com Sophia. Nem
mesmo foram em nosso casamento, o que, sendo
honesto, não fez diferença para ninguém.

Tio Gun, por outro lado, ainda que tivesse


umas ideias reacionárias complicadas, era uma boa
pessoa e realmente amava a sobrinha como se fosse
sua própria filha. Lembrei de uma série antiga que
Erika, minha ex-companheira de trabalho da Sissy
Walker, gostava de ver, Modern Family, que tinha
um personagem muito semelhante ao Tio Gun: o

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Jay Pritchett, que não amava a ideia de o filho ser


gay, mas fazia o possível para lidar com isso sem
ser um babaca completo.

Tio Gun era mais ou menos assim: podia


não concordar com a orientação sexual da sobrinha-
filha, mas fazia seu melhor para respeitar, e eu
valorizava seu esforço, mesmo que soubesse que
não era mais do que sua obrigação.

Além do mais, Gilmar compartilhava


comigo outra coisa além do amor por Helena: o
desprezo total por Roberto. Eu sabia que o velho
maluco não havia gostado de Roberto quando o
conheceu, lá quando a Lena tinha seus vinte e
poucos anos, e sua opinião sobre o babaca não

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melhorou ao longo dos anos, o que me fez pensar,


naquele dia em que o conheci, que talvez ele não
fosse tão maluco assim...

***

O velho elevador do prédio de Lena subia


devagar e silenciosamente, apenas fazendo barulho
quando chegou ao andar e sua grade fez o som
enferrujado de sempre ao abrir. Empurrei a porta,
levando minha bagagem e me lembrando
mentalmente de quais eram os modelos de pistolas
preferidos de Tio Gun, quando notei o corredor
estranhamente escuro e ouvi Lena falar em voz
alta:

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— Só um minuto, Beto, deixa só eu impedir


meu tio de se enforcar com a gravata. Tio, pelo
amor de Deus, não precisa ficar nervoso, o Gabriel
não morde...

Roberto, Lena? Porra, Roberto? O que esse


merda tá fazendo no seu apartamento?

Voltei a fechar a porta, minhas mãos


cerradas em punho, controlando minha ira. Eu sou
uma pessoa calma. Em controle das minhas
emoções. Centrado. Porém, por semanas, imaginei
Lena só de camisa, suas longas pernas à mostra,
enquanto fazia um café para dividir com Roberto.
Ele saboreando sua pele, sentindo o aroma dos seus
cabelos, ouvindo seus gemidos sussurrados...

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Mesmo que eles não tenham feito nada,


minha imaginação fértil foi suficiente para me
enlouquecer naqueles dias sem fim até que eu
pudesse ficar com Lena em definitivo. Não havia
palavras no mundo que fossem suficientes para
descrever o que senti, o buraco onde me enfiei
quando resolvi olhar o perfil daquele idiota em
busca de alguma imagem de Helena, depois de
quase três meses longe dela.

Respirando fundo e me segurando para não


perder mais ainda o controle, pressionei o botão do
elevador que impedia a grade de fechar, para que
eu não acabasse descendo ou subindo para outro
andar. Foi quando vi uma movimentação pela
pequena janela da porta elevador e reconheci a
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barba e os óculos de Roberto. Ele parecia distraído,


então aproveitei a oportunidade e empurrei a porta
com muito mais força do que o necessário, sabendo
que ele estava muito perto. Esse era o problema de
Roberto, não era? Ele sempre estava perto demais.

O barulho de “crec” produzido pelo


encontro de seu nariz com a madeira da porta
pareceu música em meus ouvidos. Uma lesão em
cima da outra era algo bom no caso dele, poderia
finalmente fazer a cirurgia e deixar a porra do nariz
reto, já que ele não o fez quando Lena o entortou.

Mantive a expressão serena quando passei


por ele e seus gemidos para entrar no apartamento.
Eu havia acabado de retornar de Londres, para onde

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fui resolver as últimas pendências antes da


mudança definitiva para a Urca, então estava
morrendo de saudades de minha Helena Maria,
depois de três semanas longe.

Lena sorriu ao me ver, os olhos brilhando


daquele jeito que fazia meu coração acelerar como
se eu fosse um adolescente, mas seu sorriso morreu
no rosto assim que Roberto entrou de volta no
apartamento, logo atrás de mim, o nariz tapado
pelas mãos.

Deixei minha mala no canto esquerdo da


porta, onde sabia que Lena ia me mandar deixar os
sapatos, e olhei para frente, ignorando os gemidos
de Roberto ao meu lado. Tio Gun — eu o reconheci

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pelas fotos de Lena — empunhava uma Taurus


bem polida em minha direção, mas eu sabia que ele
não era uma ameaça. Imaginei que ele faria isso
quando visse o sangue, então não alterei a
expressão tranquila do rosto.

— O que aconteceu...? — Lena perguntou e


quase surtou quando notou o sangue pingando na
camisa de grife do playboy, como Julia gostava de
chamá-lo. Adoro esse apelido, por sinal. Já
mencionei o quanto minha cunhada é sábia? —
Beto! O que houve? Tio, vai no meu ateliê e pega
uma toalha! Agora, tio! Gabriel, faz alguma coisa!

Roberto tentou conter o sangramento com


as mãos, mas claramente não deu certo. Ele devia

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saber, levando em conta que já tinha quebrado o


nariz antes. Idiota.

Ele não tem um doutorado? Dão doutorado


para pessoas burras assim hoje em dia?

— Ops. Desculpe, Roberto, não te vi —


falei, duvidando que tivesse sido convincente em
minhas desculpas.

Lena parou de tentar ajudar Roberto e me


olhou, assombrada. Que mulher linda, fica atraente
até com raiva. Sou um homem de sorte. Ela colocou
as mãos sujas de sangue na cintura, pronta para me
dar uma bronca, e eu notei que esse gesto manchou
seu vestido azul preferido.

Ok, talvez a minha sorte acabe assim que

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ela se der conta disso.

— Foi você, Gab? Você bateu no Roberto?


Por quê?

— Não foi culpa dele, Lena... Eu não vi a


porta do elevador abrindo... — o playboy disse com
a voz anasalada quando ela voltou para perto dele.
Lena tirou delicadamente os óculos do rosto de
Roberto e entregou para ele a toalha que o tio
trouxe do ateliê, a arma ainda em punho.

Meu Deus, quanta frescura, é só um nariz


quebrado, não enterrei uma bala no joelho dele, ou
qualquer coisa assim.

Se Roberto tivesse me conhecido na época


da Academia, ele estaria fodido, definitivamente

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ferrado. Naquela época, eu era uma versão mais


jovem de Lloyd e que não ligava a mínima para os
outros. Aí, sim, todos poderiam ficar histéricos
desse jeito.

— Shh! Para de falar, Beto, sua voz tá


saindo estranha! Espera, vou te levar no hospital.

— Não, não precisa... Eu já sei o


procedimento, Lena, não é a minha primeira vez.
Eu vou no pronto-socorro, é aqui do lado. Vamos
ver se dessa vez eles consertam o estrago. Pode
ligar pra Amanda enquanto isso? Ela não está em
plantão hoje, eu ia encontrar com ela depois de te
dar os documentos novos do prédio...

Ótimo, pelo menos ele sabe se virar

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sozinho. Ou não, vai ter que chamar a namorada.


Se houver uma próxima vez, ele vai ter que chamar
a mãe também? Que bebezão.

— Não, Beto, espera...! — Lena tentou


chamar, mas ele foi embora do apartamento,
batendo a porta atrás de si. — Eu não acredito,
Gabriel, que você quebrou o nariz dele!

Eu, que permaneci tranquilo em meu terno


formal, com minha mala de rodinhas parada ao meu
lado, dei de ombros antes de responder.

— Ele estava com a cara colada na porta


quando eu abri, o que posso fazer? Sabe que a luz
do corredor queimou? Não tá dando pra ver quase
nada...

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A boca dela se abriu, e eu quase podia ver o


palavrão se formar, mas antes deu uma olhada de
esguelha para o tio e desistiu. Achei curioso, Lena
era tão desbocada, mas evitava a boca suja na
frente do tio.

Adorável.

— Você bateu a porta do elevador na cara


dele de propósito, Gabriel! Eu conheço você,
aproveitou o momento e a ocasião e quebrou o
nariz dele!

Sabendo que não adiantaria muito negar, dei


o meu melhor sorriso e rebati:

— Não foi o mesmo que você fez quando


ele te agarrou naquele dia?

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— Foi, mas ele me beijou à força! Não


beijou você!

Sabia que a Costureira estava irada, que ela


não gostava de demonstrações de violência assim,
supostamente gratuitas, no entanto, o seu
argumento não foi nem um pouco convincente. Era
esse, dentre tantos outros, o principal motivo de ter
batido a porta nele. E se pudesse, eu teria batido
mais umas quatro vezes, uma atrás da outra. Crec,
crec, crec, crec.

Como mencionei, o Gabriel de uns dez anos


antes, quando ainda era chamado de Comandante
Scherer, nem teria hesitado. Lena devia agradecer a
Deus pela minha mudança.

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Roberto também. Principalmente ele, aliás.

— Exatamente, Helena. Ele beijou você à


força. Não me importa que tenha feito isso em uma
suposta tentativa de te ajudar. Ele fez algo com
você que você não queria, e a cada vez que Roberto
ousar fazer isso de novo, eu vou quebrar uma parte
dele, mesmo que você já tenha quebrado antes.

Apesar da ira que flamejava em meu


sangue, disse isso com seriedade letal de quem
cumpriria a promessa palavra por palavra. Lena
parecia, ao mesmo tempo, emocionada e revoltada.
Eu sabia o que vinha por aí: um discurso inflamado
sobre como ela pode se defender sozinha e não
havia necessidade de eu ter arrancado sangue do

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ex-namorado dela. Sim, eu sabia disso tudo, mas


nada mudaria minha promessa.

Respirei fundo, não queria perder mais um


minuto do meu reencontro com Lena por causa de
Roberto. Organizar tudo para a mudança estava
sendo cansativo, e eu só queria ir morar com
Helena de uma vez, não ficar brigando por causa de
playboy. Aproximei-me dela, colocando as mãos
no seu rosto enquanto falava:

— Helena, entenda uma coisa: eu faria isso


com qualquer um que fizesse o que Roberto fez. Se
fosse o Diego fazendo isso com, sei lá, a Sophia, eu
faria o mesmo, mesmo os dois sendo meus amigos.
Se eu faria isso com alguém que eu gosto, imagina

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com um babaca que fez mal para a mulher que eu


amo? Roberto tem sorte de não levar um tiro. Se ele
tivesse tentado algo além daquele beijo, não creio
que ele estaria aqui hoje para te entregar nenhum
documento.

Beijei sua boca com uma delicadeza


inversamente proporcional às minhas duras
palavras. É óbvio que eu não mataria ninguém, não
mais, mas eu ensinaria várias coisas para ele, o
suficiente para que nunca mais tentasse nada contra
nenhuma outra mulher. Sabia que Lena ainda não
estava satisfeita, mas nem ela e nem o playboy
poderiam fazer nada. Roberto aprenderia bons
modos, nem que eu precisasse usar minhas técnicas
de segurança de elite para ensiná-lo. Sempre fui um
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excelente professor.

Tio Gun, que estava parado no mesmo


lugar, ainda segurando a pistola, mas apontando
para baixo enquanto me ouvia falar, guardou a
arma no coldre, me fazendo pensar na bronca que
deve ter levado de Helena por entrar no
apartamento armado.

— Ele tem razão, Mariazinha. Gostei dele.


Gostei mesmo. Olá, rapaz. Sou Gilmar, o pai de
Lena.

— Tio.

Olhei atravessado quando Lena o corrigiu,


expressão copiada pelo tio Gun. Por mim, ele seria
sempre o pai, já que o biológico não somente

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abandonara a filha, como tentara agredir Sophia.


Tio Gun podia ser esquisito, mas ao menos não era
violento nem desnaturado a esse ponto.

Lena deu de ombros ao ver nossas


expressões. Dois contra um, afinal de contas.

— Pai, então — murmurou, ainda


contrariada com tudo. Foi nesse momento que ela,
ao fazer menção de cruzar os braços, olhou as
próprias mãos e depois o vestido manchado, me
metralhando com o olhar.

Com certeza a melhor saída foi fingir que


não tinha notado suas ameaças silenciosas e
caminhar, já sem os sapatos — não provocaria
Helena tanto assim — até seu tio, tirando Roberto

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de cena o quanto antes.

— Me desculpe, senhor Gilmar, por essa


situação — pedi e apertei sua mão. — Vejo que o
senhor tem uma 889, calibre 38, em perfeito estado.
Eu acho essas janelas de refrigeração no cano
reforçado perfeitas para o equilíbrio, além de
impressionar pela beleza.

Tio Gun abriu um sorriso enorme, como se


eu fosse algum milagre de natal. Lena bufou e foi
trocar de roupa e limpar as mãos enquanto seu tio
tagarelava. Com certeza sabia do meu plano, mas
não teria disposição para retomar o assunto. Tio
Gun não gostava do Rio, e receber ele em sua casa,
ainda por cima armado, fazia com que Lena não

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quisesse prolongar mais ainda uma situação


desconfortável.

— Eu tenho mais modernas, mas esta é a


minha favorita. Agora se você gosta de Taurus, eu
poderia te mostrar minha coleção e...

***

Alguém pigarreou, me trazendo de volta


para o presente. As crianças me olhavam com
expectativa enquanto eu repetia a desculpa que
tentei contar para Lena cinco anos atrás: o corredor
estava escuro por causa de uma lâmpada queimada,
eu estava de cabeça baixa para pegar a mala e abri a

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porta sem saber que Roberto estava do outro lado.


Sem querer. Tudo nem um pouco planejado.

— Foi isso que aconteceu. Viu, Gui? Nada


sério — concluí na maior cara de pau.

— Ah, tio, então foi só um acidente! —


Guilherme exclamou, se levantou e me abraçou,
triplicando a minha culpa. Meu Deus, Lena vai
jogar isso na minha cara por toda a eternidade. —
Você não bateu no papai de propósito, então tá tudo
bem!

Minha linda e adorável esposa, que estava


sentada em uma cadeira ao meu lado,
acompanhando a história sabendo da versão real
daquele dia, quando o nariz de Roberto jorrou

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sangue como um chafariz de história de terror,


apenas balançou a cabeça para os lados e riu da
mentira inocente.

— Tio Gab, aproveitando que você tá tão


falante, não quer contar como foi que você pediu a
tia Lena em casamento? — Andy perguntou,
parecendo eufórica com a perspectiva de saber
como foi.

Provavelmente, na cabecinha pré-


adolescente dela, foi algo extremamente romântico,
em uma carruagem próximo ao Central Park, de
noite, com flores, neve e essas bobagens todas. Mas
não foi exatamente isso que aconteceu.

Encarei as outras crianças, que estavam de

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olhos arregalados, como se também quisessem


saber da história, e voltei a olhar para Lena, que
não me olhava mais com ironia, mas sim com um
pequeno sorriso envergonhado no rosto levemente
ruborizado. Tão linda quanto no dia em que eu a
conheci, há quase dez anos. Talvez até mais bela.

Respirei fundo e comecei a nova história,


torcendo para que fosse a última da noite. Mas algo
me dizia que não seria...

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Capítulo 3
Grammy

Andy estava animada, ela lembrava mais ou


menos o que havia acontecido naquela noite de
premiação, já que presenciou a correria daqueles
dias, mas eu sabia que ela não conhecia os detalhes.
Já Tess, minha sobrinha, era muito nova para se
importar. Contudo, assim que cresceu um
pouquinho e descobriu a relação entre a Sissy
Walker e seus tios, ela passou a se interessar, então
sentou ao lado de Andrea e me olhou com atenção.

— Ok, vou contar como foi o pedido de

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casamento. Há dois anos, mais ou menos, tia Betty


e tia Tony decidiram que iam dispensar o diretor do
clipe do então novo single da banda e assumiram a
direção do vídeo, chamando Lena para ajudar na
parte artística das filmagens. O single e o vídeo,
como vocês devem saber, fizeram muito sucesso e
renderam vários prêmios para a banda, em especial
o Grammy. Alguém não sabe o que é um Grammy?

Andy levantou o bracinho rechonchudo:

— Papai tem um monte numa prateleira lá


em casa!

— Eu também sei o que é! É aquele troço


dourado que fica no banheiro, não é? — Gustavo
comentou com sua voz de criança pequena

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animada.

— Isso. Tia Lena, por ter dirigido o vídeo,


também ganhou um. Ela deixa o dela lá porque
gosta que nossas visitas brinquem com ele quando
vão ao banheiro. Fazendo poses na frente do
espelho, sabe? Enfim, no dia da entrega dos
prêmios...

Olhei para Lena, que já tinha contado


aquela história um milhão de vezes na Wings, e
pensei antes de começar o relato.

Lembro que eu estava um pouco sonolento


naquele dia, já que tinha retornado a uma rotina
bem diferente do que o comando da segurança de
uma marca de roupas: naquela noite, eu era

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novamente segurança de banda de rock, ainda que


somente de uma pessoa, a diretora do clipe, minha
então namorada. Por outro lado, Lena estava
totalmente acordada e alerta.

— Costureira, não quer contar essa não? Eu


acho que você sabe mais detalhes que eu.

Ela sorriu, sustentou meu olhar por um


momento, foi até a cozinha, trouxe uma garrafa
com água e em seguida parou ao meu lado.

— Ok, então, eu conto essa. Mas só essa,


viu, Segurança? Vamos lá: no final da noite, depois
que a Sissy Walker já tinha arrebatado um monte
de Grammys, tia Tony perguntou se poderíamos
fazer uma reunião importante que eu estava

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enrolando há quase um ano...

E então Lena começou a contar sobre


aquele dia especial.

***

— Lena, tá tudo organizado para reunião?


— Tony me perguntou na limusine, quando
estávamos voltando para o hotel, logo após a
cerimônia.

Respirei fundo e mordi o lábio, pensativa e


ansiosa. Eu prometi, não foi? Se a gente ganhasse o
prêmio, faríamos a reunião no mesmo dia. Sorri
para ela e balancei a cabeça confirmando.

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— Reunião? Reunião de quê? Quando,


hoje? Não, pelo amor de Deus, não façam isso com
a gente! Meus pés estão chorando de dor, eu
preciso tomar um banho, uma vodca e dormir até
semana que vem! — Aline reclamou quando se deu
conta do que estávamos falando.

— Desculpa, Line, mas é reunião


extraordinária, extremamente necessária — Betty
explicou.

— O que houve? — Erika despertou ao


ouvir a voz assustada de Aline e olhou para
Gabriel, que estava tão confuso quanto o resto da
banda.

— Gente, serão dez minutos, no máximo.

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Lena precisa apresentar uma proposta nova de


parceria entre a Sissy Walker e a Wings e...

— E não pode fazer isso amanhã? — Jim


reclamou, irritado. — Aliás, qual é a outra parceria
que dá para ter entre a Wings e a banda? Já são três
coleções de roupas, uma de bijuterias, uma de
sapatos, um clipe cheio de prêmios... Qual é a
próxima parceria? Um anúncio de casamento entre
vocês três?

Betty parou de cutucar o esmalte da imensa


unha postiça e me olhou com um sorriso imenso no
rosto. Tony fez o mesmo, rindo, antes de
completar:

— Olha, não seria má ideia! Tipo poliamor?

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— e fez menção de se levantar do banco para vir na


minha direção. Betty a acompanhou, sorrindo.

— Excelente, na verdade! Imagina que


filhos lindos a gente não teria? Eu não posso ter
filhos, mas vocês podem ter alguns! — respondi e
imitei seu gesto, mas fui impedida por Gabriel, que
me segurou pela cintura e me fez sentar de volta no
banco. Jim fez o mesmo com Betty, e Diego, com
Tony, fazendo com que nós caíssemos na risada.

Inclinei o corpo na direção de Gabriel e


beijei sua boca, achando graça de sua rabugice, mas
logo ouvimos um barulho de foto e nos separamos.
Diego estava teclando algo em seu smartphone com
um sorriso cansado no rosto.

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Deus, será que ele nunca se cansará disso?

— Di, um monte de anos que eu e Gab


estamos juntos e ainda tem gente nos fotografando?
Ao menos coloca o celular no silencioso!

— Minha namorada me pediu uma foto de


vocês dois em troca de um nude. Ela tem um blog
de notícias de famosos, então, se for preciso, eu
invado o quarto de vocês quando estiverem
transando e mando uma sex tape para ela.

Gabriel deixou uma risada escapar, e eu


balancei a cabeça, conformada. Coloquei as pernas
em cima das de Gab e me aconcheguei em seu
abraço. Em seguida, pedi meu Grammy, e ele me
deu, rindo de mim quando eu o abracei. O prêmio,

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não Gab.

Jamais, em toda a minha vida, eu imaginei


que iria ganhar um prêmio tão nada a ver com
minha carreira. Era emocionante e divertido ao
mesmo tempo. Já estava planejando botar o troféu
no banheiro, que nem a Adele fazia, para que
visitas pudessem brincar na frente do espelho.

O percurso não foi longo até o hotel, e


assim que chegamos, combinei com todos a reunião
no meu quarto e de Gab em meia hora. Para aliviar
um pouco o clima, prometi algumas pizzas e
garrafas de vodca, ou seja, o já costumeiro menu de
fim de show da banda, pelo que eu me lembrava da
turnê na Europa. Mesmo assim, todos ainda

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reclamaram, só parando quando Betty deu a palavra


final:

— Não é um pedido. Vocês têm meia hora


para trocar de roupa, tomar um banho, sei lá, e
aparecer no quarto de Lena e Gabriel — ordenou e
entrou no elevador, sendo seguido por Jim, Aline e
Diego, que me fuzilaram com o olhar, me fazendo
rir.

Gab me olhou, o rosto gritando seu cansaço,


e perguntou:

— O que você está armando, Costureira?


Sei que você é viciada em trabalho, mas... Não dá
para ser amanhã? Foi um dia cheio para todos nós...
Eu já desacostumei dessa rotina de eventos e tudo

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mais. Só quero garantir que você está segura e


dormir até voltarmos para o Rio...

Olhei para seu belo rosto, sentindo meu


coração dançar no peito, e sorri.

— Não, Segurança, desculpa. Tem que ser


agora — respondi, me agarrei ao meu Grammy e
entrei no outro elevador, sem olhar para trás, sendo
seguida pelo homem da minha vida.

Meia hora depois, a Sissy Walker, composta


de três roqueiros sonolentos e mal-humorados,
Tony e Betty, além de Erika, Pierre e outras
seguranças, estavam sentados nos sofás da suíte do
hotel, todos querendo esganar a mim e a Betty.

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Gabriel não pertencia mais à banda, mas sua


expressão de descontentamento era bem semelhante
a de todos.

— Até terno a General colocou... Parece


quando ela trabalhava com a gente... Que mulher
mais... — Diego começou a reclamar, mas eu o
interrompi com toda seriedade que consegui reunir:

— Será que vocês poderiam facilitar um


pouco a minha vida e parar com essa postura
infantil? Acham que eu não estou exausta também?
Acham que eu marquei isso aqui porque adoro
torturar vocês? Se não fosse importante, eu deixaria
pra amanhã! Eu preciso apresentar essa proposta
antes que eu perca a coragem! Sabe há quanto

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tempo eu estou planejando essa reunião e não


consigo marcar? Era para isso ter acontecido depois
da primeira viagem para Brasília, sabe quando foi
isso? Tem muito tempo!

Aline levantou os olhos de uma pulseira em


seu braço que estava mirando, distraída, e olhou de
mim para Betty, parecendo surpresa. Quase deixei
escapar um sorriso quando a líder e baixista da
Sissy Walker balançou a cabeça, assentindo para
ela. Aline me olhou de volta com os olhos
arregalados e voltou a atenção para Erika, que
acompanhava as perguntas silenciosas da baterista
com o olhar.

Em poucos segundos, todas as mulheres

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presentes estavam a par do que eu queria com


aquela reunião, mas os homens nem prestaram
atenção na troca de informações silenciosas.
Mesmo Gabriel, tão perspicaz, me olhava tentando
disfarçar o tédio e o cansaço, sem entender nada.

Liguei o projetor portátil e joguei a imagem


do meu notebook na parede branca da suíte.
Respirei fundo e enfim comecei a reunião.

— Boa noite...

— Madrugada! — Diego me corrigiu e


levou uma cotovelada de Tony.

— Boa noite — enfatizei. — Eu peço


desculpas pelo horário, ainda mais depois de uma
festa tão maravilhosa, cheia de prêmios, mas eu

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tenho prazos a serem cumpridos e creio que a


parceria não poderia ser feita sem que um dos
fornecedores obtivesse sua resposta hoje. A
parceria da Sissy Walker com a Wings tem se
mostrado muito frutífera e...

— Resume...! — Diego reclamou, mas eu o


silenciei dando um soco na mesa, tentando não rir
do sobressalto que todos os homens presentes no
quarto deram quando a madeira tremeu.

— E, por isso, Betty, Ricky e eu decidimos


que está na hora de expandir a parceria para algo
além de coisas puramente comerciais. Decidimos
criar uma pequena ONG de apoio a mulheres
vítimas de violência doméstica, a Recomeço —

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abri um arquivo no notebook e a logo da ONG,


criada por Lula, apareceu projetada na parede. —
Essa ONG oferecerá assistência médica,
psicológica e moradia, para mulheres que tenham
sido violentadas, agredidas ou que estejam tentando
lidar com as cicatrizes de relacionamentos
abusivos.

Olhei para os homens presentes no quarto e


vi que conseguira chamar a atenção deles. Gabriel
me olhava com interesse no lugar do tédio de antes.

— Ofereceremos a essas mulheres bolsas de


estudos, cursos de idiomas, informática e de
excelência em vendas e atendimento, o que for
necessário de acordo com cada caso. Betty sugeriu

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que cursos de música e costura fossem incluídos e


eu gostaria de saber a opinião de todos quanto a
isso. Gostaríamos de contar com a imagem de
vocês para conseguir mais patrocínios. Será algo
pequeno, uma fundação de apoio no Rio de Janeiro.

Olhei para Diego e Jim, que pareciam


satisfeitos, e logo todos toparam a iniciativa.

— Ok. Então está tudo acertado. Traremos a


ONG a público em alguns meses, quando eu
finalizar as parcerias com os patrocinadores.

Apesar de o assunto ser sério, dei um


sorriso. Gabriel parecia que queria expulsar todo
mundo do quarto e me mostrar exatamente o
quanto estava orgulhoso de mim.

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Considerei essa possibilidade.

Foco, Lena. Foco.

— Ok, assunto encerrado. Era somente isso.


Eu encerro a reunião informando que todos os
arquivos relacionados ao que conversamos hoje
serão enviados por e-mail para vocês
imediatamente, que as agendas com locais e datas
de elaboração de material de propaganda da ONG e
da coleção nova da Sissy Walker by Wings serão
organizadas pela Shirley e pela Lula em alguns dias
e enviadas diretamente para todos e,
principalmente, que Gabriel deveria se casar
comigo assim que voltarmos para o Brasil.

Todos demoraram um tempo para captar

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minha última frase, que foi dita com ênfase, mas


Gab foi o primeiro a notar. A expressão dele ao
entender o que eu estava propondo foi algo que vai
ficar na minha mente para sempre.

Amor.

Puro, líquido, vivo.

E um certo choque também.

Impagável.

***

— Ei! Espera! Foi a tia Lena quem fez a


proposta, e ainda por cima assim? — Maria quase
gritou, interrompendo o relato de Lena. A pequena
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parecia horrorizada.

— Ué, qual é o problema? — perguntei,


achando graça da expressão de assombro na
menina. Parecia que Lena tinha cometido algum
erro fatal.

— Mas tá errado, tia Lena! Não pode ser


assim! Tem que ser romântico e com joelho no
chão! Você botou joelho no chão?

Tentei pensar em quantas vezes ela colocou


os joelhos no chão por mim e pisquei os olhos,
tentando afastar os momentos íntimos que
povoavam minha mente.

Deus do céu, quantas semanas faltam para


essas crianças irem embora? Será que posso dar

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um Dramin para cada uma, só para elas


cochilarem por uma horinha?

Lena conteve a vontade de revirar os olhos,


eu notei, e explicou:

— Não, não botei o joelho no chão,


desculpa. Mas olha, a festa de casamento teve tudo
romântico, você não lembra? Eu usei um vestido
imenso, tio Gab tava todo bonitão naquela roupa de
pinguim, vocês todos estavam elegantes, a gente
fez juras de amor, trocou alianças...

— E depois trocaram saliva na cozinha da


casa da tia Tony e da tia Betty, que eu vi — Andy
disse, fazendo Lena ruborizar.

Ops, eles viram aquilo? Deus, a gente não

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somente “trocou saliva” naquele evento. Houve


uma profusão de mãos em diversos lugares que eu
espero que Andrea não tenha visto...

Se não me falha a memória, eu acho que


teve sexo tradicional em cima da mesa da cozinha
da mansão, local escolhido para o casamento.

Bom, se ela não parece traumatizada, então


é porque só viu beijos mesmo.

— Ok, ok — tentei apaziguar os ânimos


antes que começassem a resmungar o famoso
“eca”. — A tia Lena me pediu em casamento, sim,
Maria. Mas não foi errado. Foi inesperado e
perfeito.

— Tio — Tess chamou, e eu voltei minha

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atenção para a filha de Júlia. — Quando vocês


casaram, você sabia que a tia Lena era a única da
sua vida?

Abri os braços, convidando a menina para


se aproximar, e a coloquei no colo, olhando para
Lena enquanto dizia:

— Tio Gab e Tia Lena não são muito de


coisas românticas, Tess. Mas não é porque a gente
não compra flores um para o outro, que a gente não
se ame, entende? Pelo contrário, a gente se ama
muito. No momento que tio Gab viu a tia Lena pela
primeira vez, sabia que ela era especial, que era
uma mulher incrível e que ela poderia ganhar meu
coração. Infelizmente, algumas coisas ruins tinham

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acontecido tanto com a tia Lena, quanto com o tio


Gab, e a gente não estava pronto pra ficar junto.
Você já viu a tia quando fica brava, né?

A menina balançou a cabeça e olhou, meio


assustada, para Lena, que sorriu um de seus
sorrisos que desmancham a carranca de muita
gente, inclusive a de Tess, que acabou dando uma
risadinha.

— Então, tia Lena e tio Gab tinham que


resolver coisas só deles, para que tia Lena não
ficasse mais brava com ninguém e para que tudo se
acertasse em relação aos nossos trabalhos. E tudo
deu certo, e hoje eu sou casado com a mulher mais
incrível do mundo. Botar ou não o joelho no chão

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não faz diferença quando você encontra a pessoa


certa.

O coro de “own” me mostrou que convenci


boa parte do público. Maria, entretanto, ainda
estava de braços cruzados e meio emburrada.
Aquela ali não é fácil de convencer. Coloquei Tess
de volta ao chão e, em um raro ato impulsivo,
ajoelhei-me aos pés de Lena:

— Helena Maria, você é a mulher da minha


vida. Você trouxe a cor, o sabor e alegria aos meus
dias. Aceitaria casar comigo de novo e de novo?

Lena ergueu as sobrancelhas, genuinamente


surpresa, olhou para as crianças, depois para mim,
botou as mãos na cintura e disse:

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— Precisa perguntar, Segurança idiota?

E se ajoelhou no chão junto a mim, pegou


meu rosto entre as mãos e me beijou com calma —
afinal, tínhamos uma plateia menor de idade ali.
Assim que parou de me beijar, me olhou e sorriu
antes de dizer:

— Um casamento sem tio Gun se


debulhando em lágrimas ao fundo? Não sei por
que, mas essa ideia me parece muito apetitosa,
Segurança.

— A mim também, Costureira. Temos um


acordo, então. Quer ir para Vegas? É uma opção,
não?

— Uma opção perfeita.

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Assim que nos levantamos, vimos que uma


das crianças tinha um sorriso imenso no rosto.
Maria parecia finalmente satisfeita com nossa
declaração pública de amor.

Acho que ganhei pontos de comportamento.

Que bom, hoje não vamos assistir Peppa


Pig, graças a Deus.

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Capítulo 4
Dois tiros

— Alguém tem mais alguma dúvida,


curiosidade ou qualquer coisa assim por hoje, ou
podemos comer? — Lena perguntou.

— E por que não podemos comer enquanto


ouvimos o tio Gab? Não comemos com as orelhas
— Gustavo perguntou com a mesma expressão que
a mãe fazia quando Sophia ou Lena falavam algo
que ela considerava óbvio ou idiota, o que era bem
usual, já que Luciana era uma mulher
extremamente inteligente e não perdia nada.

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— Você acabou de perder um ponto pela


insolência, mocinho — Lena disse para Gustavo e
foi até um quadro branco pendurado na parede da
porta de entrada da casa. — Vamos ver quantos
pontos você ainda teeem... Ah, que pena, é a quinta
vez só essa semana que você perde pontos, então
hoje não vai poder votar no filme da noite!

Com a maior tranquilidade, Lena anotou


uma pequena cruz ao lado do nome de Gustavo, e
em seguida riscou a linha onde o nome do filho de
Luciana estava escrito.

— Mas eu não...? Ah, não queria mesmo!


— ele disse e cruzou os braços fazendo birra. —
Mas se eu precisar ver aquela porca chata de novo,

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eu vou pro meu quarto.

Lena balançou a cabeça e revirou os olhos


enquanto guardava a caneta de quadro no porta-
canetas preso à parede. Ele daria trabalho para
Luciana e Jonathan, com certeza.

— Ei, ela não é chata, é a Peppa! — Maria


Flor reclamou, fazendo beicinho. — Tio Gab,
prende ele!

Quase engasguei com a água, que caí na


burrada de beber enquanto as crianças discutiam.
Por que eu puniria alguém tão sensato? Eu estava
com Gustavo, não aguentava mais aquele bicho
rosa de voz irritante. Parecia que todos os
personagens naquele desenho — adultos ou

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crianças — tinham alguns pontos a menos de Q.I. e


queriam roubar os meus.

— Gabriel agora é policial, por um acaso?


— Lena perguntou enquanto caminhava até a mesa,
um sorriso contido no rosto. — Vem, pirralhada,
vamos comer, depois a gente conversa mais.

A maioria das crianças obedeceu Lena,


menos Gustavo e Maria Flor, que ficaram se
encarando com um bico imenso no rosto. Oh-oh.
Problemas no paraíso? Os dois se davam tão bem!

— Tio Gab pode prender sim quem faz


coisa errada, ele já levou até um tiro!

— E daí? — Gustavo retrucou. Eu e Lena


nos entreolhamos, avaliando se algo de errado

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aconteceria ali.

— E daí que só policiais levam tiros!

Gustavo levou a pequena mão até a testa e


exclamou:

— Você é burrinha! Qualquer um pode


levar tiro, é só ter uma alma apontada pra ele!

— Uma arma, querido. E não chame sua


amiga de burrinha, é feio e ofensivo pra ela. Você
gostaria de ser chamada de burrinho? — Lena
corrigiu o pequeno, que abaixou a cabeça, refletiu
um pouco e balbuciou um pedido de desculpas para
Maria Flor, que continuou de bico.

Caminhei até perto de Lena e fiquei olhando


para os dois, avaliando a situação. Maria Flor me

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olhou de canto de olho e viu que eu não estava


satisfeito com aquela situação.

— Flor... Ele te pediu desculpas. O que


você faz agora? — perguntei com o rosto sério.

— Eu aceito e peço desculpas também — o


olhar de Flor não foi muito convincente, mas
preferi não falar nada. Depois eu passaria um
relatório completo do dia para os pais de cada um,
como fazia sempre, ainda que Lena achasse
desnecessário, e avisaria aos pais de seu gênio.

Situação controlada, começamos a nos


servir do lanche, cada um com um prato de bambu
nas mãos, já que vidro estava totalmente proibido
na casa depois que Andy deixou cair um prato

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quase em cima do meu Glock, coitado. Já não era


sociável, o bichano, ainda sofria um atentado!
Nunca mais ele apareceu no mesmo ambiente que a
filha de Jim, ficou na casa de Lloyd e não saiu mais
de lá. Eu não o julgo por isso. Ele, ao contrário de
Melange, tinha um excelente instinto de
sobrevivência.

— Aliás, meninos, só corrigindo: tio Gab


não levou só um tiro, levou dois — Lena comentou
tranquilamente, e de repente, todas as crianças
estavam olhando para mim, como se procurassem
um furo sangrento em minha pele. Olhei feio para a
delatora com quem me casei. Por que ela contou
essa informação?

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— Nossa, tio Gab, você é mais vazado que


uma peneira! — Guilherme comentou, e Lena caiu
na risada sem conseguir se controlar. — Como que
isso foi?

Bufei, vendo que aquela maratona de How I


Met Your Mother que Lena fez com as crianças não
poderia de modo algum ser positiva. Eu disse que
não era série de criança, agora elas pensavam que
eu era Ted Mosby e passaria o dia contando
histórias.

Fui até a mesa, peguei um copo com


refrigerante e bebi tudo de uma vez, desejando que
fosse uma boa tequila. Lena nada disse, só ficou me
observando com aqueles olhos expressivos que

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sempre me diziam o quanto ela me amava, mesmo


quando não saíam palavras pelos lábios que eu
tanto adorava.

Que saudades desses lábios inchados,


vermelhos, ao redor do meu...

— Tio Gab! Conta a história! — Tess


pediu, me tirando de meus pensamentos.

Voltei para a cadeira, desabei nela e


suspirei. Não podia reclamar. Era mais fácil contar
histórias do que correr atrás de trezentas crianças
pela praia da Urca. Ok, não eram trezentas. Porém,
sob o sol quente e me preocupando se as crianças
não cairiam no banco de areia da Praia Vermelha,
parecia que eram milhares delas. Chegava tão

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cansado, que me sentia tão velho quanto Lloyd.

Por isso meu sensei nunca ia para a praia


conosco. As crianças quase o mataram de tanto
correr na única vez em que ele tentou ir.

— Ok, o que vocês querem saber agora?

Guilherme veio até perto de mim, sentou


aos meus pés e disse:

— Como você levou o tiro.

Lena se aproximou com uma cadeira na


mão esquerda e sentou ao meu lado, o prato com
lanches para nós dois na mão direita.

— Não acha irônico que de todas essas


crianças a que mais te idolatra é exatamente o
herdeiro do seu inimigo número um? — ela falou

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baixinho e em inglês, para que Guilherme não


entendesse e o restante não escutasse.

— Isso me faz ter esperanças por ele. Esse


menino tem bom senso, apesar de ser filho de quem
é — respondi também em inglês e ergui os ombros,
com um falso conformismo, e botei a mão em sua
coxa nua, alisando brevemente a tatuagem de
raposa. Lena revirou os olhos e sorriu, puxou as
mangas da camisa até o cotovelo e passou o braço
pelo meu, se movendo mais para perto de mim.
Beijei seu rosto antes de continuar — Ok, então,
vamos lá.

Mas foi só voltar a prestar atenção nas


crianças, que percebi Andy olhando para a gente

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com um sorriso no rosto. Ela riu e colocou o dedo


na frente da boca, fazendo um gesto de silêncio e
prometendo implicitamente que não contaria nada a
ninguém.

Merda, que audição essa garota tem!

Sorri para ela, agradecendo o seu silêncio


enquanto as outras crianças se acertaram em seus
assentos.

Comecei a contar, mas, inicialmente, não


detalhei tanto quanto eles gostariam:

— Houve, um dia, uma tentativa de assalto


na Wings, em uma loja de rua. Eu estava presente
no dia, exatamente para verificar uma nova falha no
esquema de segurança da loja, então consegui agir

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rapidamente quando o assaltante apontou a arma


para a...

Lena limpou a garganta, me interrompendo,


e eu olhei para ela, que falou em voz baixa:

— Diga que foi de um vendedor qualquer.


Sophia não contou para Flor que ela era o alvo, e
isso não foi noticiado na mídia, lembra? — ela
pediu em inglês de novo, fazendo algumas crianças
reclamarem da interrupção.

Assenti com a cabeça e prossegui:

— O homem tentou se aproximar de um


vendedor da Wings, e eu entrei na frente quando
percebi. Levei um tiro no braço, mas o homem foi
preso imediatamente.

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As crianças pareciam fascinadas, mesmo as


que já conheciam essa história por alto.

— E como foi, tio Gab? — Tess perguntou.


— Doeu muito?

Já que era para contar histórias e


impressionar, eu poderia enfeitar um pouco, já que
a verdade era meio sem graça: tiro de raspão,
emergência, alguns pontos e Lena me paparicando,
ainda que estivesse machucada também, por uma
semana. A parte da atenção extra não foi sem graça,
foi bem divertida, para ser sincero. Eu deveria levar
mais tiros de raspão.

A criançada me encarava, esperando um


conto espetacular, então caprichei:

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— Doeu muito. O tio Gab levou um tiro no


braço e achou que morreria, a bala passou
queimando como fogo! — mostrei a cicatriz
coberta pela tatuagem, ou ao menos o relevo dela.
— Foi tanto sangue, dor e horror. Mas o tio foi
forte, aguentou tudo calado e foi ao hospital, e o
doutor me deu uma injeção com a agulha do
tamanho do meu dedo. E essa nem foi a pior parte!
Ele costurou minha pele com uma agulha maior
ainda e...

— Gabriel! — Lena chamou minha atenção.

Ops, acho que me empolguei. Metade das


crianças estava com cara de choro.

— E é por isso que vocês não podem mexer

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com armas, tá? Elas são perigosas. E nem devem


reagir a assaltos, principalmente aqui no Rio.
Combinado?

Todos balançaram a cabeça concordando,


ainda um pouco assustados.

— E tia Lena, onde ela tava quando você


levou o machucado? — perguntou Tess, uns
segundos depois.

Olhei para Lena, que sorriu e suavizou o


meu relato:

— Estava ao lado dele, ora. Não saí de perto


de Gab por nenhum momento.

Quase ri de sua mentira inocente. Na


verdade, Lena, assim que soube do que aconteceu,

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correu que nem uma enlouquecida do escritório,


empurrou todo mundo que estava na frente e, assim
que me viu com a mão no braço, com o sangue
vertendo por meu terno, ordenou ao segurança da
loja que a soltasse — o que Marcos fez, o filho da
puta foi contra todo o meu treinamento, eu devia ter
demitido ele — e partiu para cima do homem com
uma força que nem eu sabia que ela tinha.

Nesse dia, Lena quebrou, mais uma vez, os


dedos, de tanto que socou o homem que atentou
contra seu marido e sua sócia. Marcos precisou tirar
Helena Maria de cima dele antes que ela colocasse
o homem em estado comatoso. Do mesmo jeito que
eu entrei em cirurgia, minha esposa também entrou.
Eu por causa do braço, ela por causa da mão. Por
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incrível que fosse, os danos na mão dela eram


piores que o meu.

Foi um ótimo passeio de casal, aquele dia...

— E você escondeu com a tinta o furo, tio?


— Guilherme perguntou, me tirando dos devaneios
e apontando para meu antebraço, exatamente na
tatuagem que fiz para cobrir a nova cicatriz.
Assenti com a cabeça, e ele continuou — E tia
Lena também levou um tiro? Ela tem uma pintura
igual, no mesmo lugar!

Lena tirou o braço do meu e mostrou a


tatuagem para as crianças.

— Não, eu não levei um tiro. Mas achei


bonita a dele e fiz também.

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— Que falta de imaginação, tios! — Maria


Flor comentou, mas com uma expressão tão
inocente, que nem conseguimos brigar com ela. —
Vocês têm outra dessas?

Lena se levantou, ergueu um pouco a blusa,


o suficiente para mostrar a tatuagem das costelas, e
eu levantei o pulso. Obviamente, nenhuma das
crianças entendeu como as duas tatuagens de
cafeína se complementavam, então prometemos
que explicaríamos um dia. Uma coisa era contar
sobre histórias do passado, outra bem diferente era
dar aulas de química. Tinha meus limites. Se nem
minha cunhada, que é doutora nisso, gosta de dar
aula sobre o assunto, imagina se eu vou gostar.

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Assim que minha esposa sentou ao meu


lado de novo, pensei em fazer um comentário
depois de ver aquela pele cremosa, mas acabei,
com bastante dificuldade, me controlando. Aquelas
longas pernas cruzadas ali, ao meu lado, tão
próximas de mim... Poderiam estar ao redor dos
meus quadris...

Como disse antes, por mais adoráveis que


fossem as crianças, era de se esperar que, por causa
delas, nós dois, Lena e eu, estivéssemos na maior
seca desde nossa primeira — e única — separação,
no final do contrato dela na Sissy Walker. Quando
conseguimos qualquer coisa além de algo manual
de madrugada, era por sorte divina. Praticamente
toda noite havia uma criança saudosa dos pais, ou
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um gato gritando porque pisaram em seu rabo,


alguém tendo pesadelos ou pior: Guilherme e seu
sonambulismo. Empata-fodinha, ele.

— Né, tio Gab?

Balancei a cabeça, tirando meus


pensamentos de coisas que não deveriam ser
pensadas com aquele monte de criança me olhando,
e pedi a Flor que perguntasse de novo.

— Eu disse que você e tia Lena são todos


rabiscados, né? Mas só vocês, praticamente, são
rabiscados!

— Não, meu pai também é todo pintado! —


Andy disse, se referindo a Jim, e Guilherme
comentou:

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— Meu pai também tem tinta em um braço.

— O meu também — Tess comentou,


pensou um pouco. — Ué, Flor, suas mães também
têm tatuagens, não tem? Sua mãe morena tem
aquelas flores no ombro, sua mãe loira tem aquela
bonequinha de palito com seu nome.

— Por isso eu disse praticamente, dã! —


Flor comentou, um pouco emburrada, fazendo Lena
rir — Mas ninguém é tão colorido como tio Gab e
tia Lena, ora! Olha, eles têm os dois braços
cobertos, algumas na perna, tia Lena tem cor até
nos pés!

— Eu posso ser colorida que nem a tia Lena


também! — Lorena levantou, colocando os braços

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na cintura e batendo o pé.

Maria se intrometeu:

— Pode não, porque você é muito pirralha!


Se toca, garota!

E uma confusão de crianças dizendo o que


podiam ou não fazer começou. Eu e Lena nos
entreolhamos, elas estavam a um passo de entrar no
modo mega-briga, onde quando um gritava, os
outros gritavam e tudo terminava em uma
cacofonia de choros e acusações sobre quem
começou a discussão.

Meu Deus do céu... A ideia de dar Dramin


para eles voltou. Existe uma versão infantil do
remédio? Preciso checar na internet e nos

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relatórios de alergias de cada um deles.

Talvez chá de camomila seja melhor. Ok,


amanhã vou comprar vinte caixas de chá. E do
verde também. Preciso de cafeína extra.

Lena revirou os olhos, me olhou e assentiu


com a cabeça, me autorizando a interromper a
loucura toda. O modo mega-briga começara. Era
hora de apelar. Coloquei os dois dedos na boca e
assoviei alto e prolongado. As crianças, uma por
uma, pararam de berrar e taparam as orelhas com as
mãos.

Quando a última criança ficou em silêncio,


Lena e eu suspiramos de alívio. Maravilhosas,
todas as crianças, mas incrivelmente cansativas.

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Creio que até minha esposa esteja se sentindo uma


avó, mesmo que não tenha nem chegado na casa
dos quarenta ainda, como eu.

Lena caminhou tranquilamente até o quadro


e começou a riscar o nome de cada uma das
crianças que entraram na confusão, o que fez com
que todas reclamassem, ameaçassem choro e
batessem seus pés no chão. Recebi um olhar de
“faça alguma coisa, Segurança idiota!” e comecei a
procurar desesperadamente um novo tema para
outra história.

Ao menos elas ficam quietas quando eu


conto algo...

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Capítulo 5 – Final
Sorte

Conseguimos apaziguar as crianças com a


promessa de que responderíamos qualquer pergunta
que quisessem fazer. Elas me perguntaram, meio
desconfiadas, se realmente podia ser qualquer
coisa, e eu garanti que sim.

Mas eu me arrependi da promessa assim


que Maria mandou a primeira:

— Tio, o que significa boquete? Tá escrito


na placa de rua daqui, Rua Boquete Pinto, mas eu
reparei que a letra B foi modificada. Por que

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alguém mudaria o nome de uma rua assim? Qual é


o significado disso?

Abri e fechei a boca, sem saber o que dizer


ou se aquilo era mesmo uma pergunta válida, o que,
considerando a quantidade de olhos que me
encaravam, era. Virei-me para Lena, procurando
auxílio, porém ela tinha fugido para a cozinha.
Muito companheira! Engoli em seco, procurando
uma saída.

— Boquete é o nome de uma cidade da


Rússia, Maria, há um vizinho russo aqui, é uma
homenagem.

— Ué! — a menina astuta franziu a testa.


— E por que a mamãe disse que vocês se

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apaixonaram porque tia Lena é boa nisso? Ouvi ela


falando com tia So-so um dia, por isso lembrei
quando vi a placa da rua...

Socorro.

— Eu... É... Lena... Hmm... É que a tia Lena


e eu percebemos que estávamos apaixonados
durante o show nessa cidade, na Rússia, aí a Paula
deve ter se referido a isso...

— Ahhhh! — as crianças responderam,


satisfeitas com a resposta, e eu fugi para a cozinha,
onde Lena se escondeu para rir contra um pano de
prato.

Eu podia ter todo o treinamento do mundo,


tático, bélico, tudo, mas nenhum foi capaz de me

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preparar para essas perguntas indiscretas de


crianças. Pelo menos nenhum perguntou de onde os
bebês vinham.

Não faço ideia de como vou colocar isso


nos relatórios diários...

Abri a boca para brigar com Lena por ter


me deixado na fogueira sozinho, mas meu celular
começou a vibrar. Apontei para ela, que estava
segurando o pano contra o rosto, me olhando por
trás dele, e lancei o olhar de “você me paga,
Costureira” antes de atender.

Stacy, mãe de Andrea, sorria na foto de


contato no meu celular. Atendi a ligação
estranhando a hora, geralmente ela ligava para a

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filha de manhã, não de noite.

— Como estão as férias, Stacy?

— Gabriel, as meninas viram televisão ou


usaram o celular hoje? — ela falou em tom urgente,
o que já me deixou em estado de alerta.

— Não, por quê? Passamos o dia na praia e


depois contando histórias.

— Ótimo! Vazaram notícias nossas e de


Diego, e não quero que as crianças descubram a
novidade desse jeito. Vou fazer uma chamada de
vídeo, você poderia espelhar o celular na televisão?

Disse que sim, sabendo que Stacy não


contaria nada a menos que eu fizesse o que pediu.
Fiquei tentado a buscar na internet qual era a tal

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novidade, porém seria mais justo descobrir junto


com os outros. Chamei Lena e reuni a criançada ao
redor da televisão. Conectei a chamada, e Stacy
apareceu junto de Jim, Diego e a namorada, uma
blogueira espanhola uns dez anos mais nova que
ele, na tela da televisão da sala. Todos sorriam
abertamente, e no fundo eu podia ver a mansão
isolada que alugaram para as férias no Caribe.

Todas as crianças acenaram para os adultos,


que retribuíram. Tony e Betty logo apareceram na
ligação, mandando beijos para todos.

— Nós descobrimos uma grande surpresa


hoje. A Sissy Walker vai aumentar de tamanho! —
Stacy disse quando acabaram os cumprimentos

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iniciais.

Andrea foi a primeira a entender, afinal era


o sonho dela ter um irmão, desde pequena, mas os
pais aguardavam o momento certo. Como a banda
estava de férias prolongadas, quase um hiatus,
talvez eles tenham decidido o momento, afinal.

— Você tá grávida, mamãe?

— Sim, meu amor! Você vai ganhar uma


irmã ou um irmão e uma prima ou primo.

Diante da cara de interrogação de todos,


Diego e Anna começaram a sorrir. O guitarrista
parecia extasiado ao olhar da namorada para a
câmera do celular:

— Anna também está grávida.

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Enquanto todas as crianças davam parabéns


ou comemoravam ao seu modo, Lena me olhou
com os olhos muito abertos e um sorriso congelado
no rosto, que provavelmente fazia par ao meu.
Sabíamos o que isso significava: mais crianças para
que nós cuidássemos daquele jeito, uma vez por
ano, durante longas e assexuadas quatro semanas.
Só que agora teríamos crianças menores ainda!

Deus, preciso comprar livros que me


ensinem a lidar com isso. E se uma delas
engasgar? E se tiver alergias esquisitas...?

Lena pigarreou, e eu a acompanhei,


tentando não dar bandeira do pequeno pânico que
se instalou em nossas mentes, e parabenizamos

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todos, nos despedindo em seguida e levando as


crianças para tomar banho.

As crianças mais velhas, ou seja, Andy e


Tess, tomavam banho sozinhas, as menores
precisavam ser supervisionadas. Não sabia como
duas crianças de cinco anos conseguiam molhar o
banheiro, as paredes, a mim e até o teto em um
simples banho, e comentei isso depois que Gustavo
e Guilherme já estavam secos, vestidos e deitados
no sofá, aguardando a hora do filme.

Lena me mandou deixar de reclamar, já que


eu ajudava no banho somente de dois meninos,
enquanto ela tinha três para auxiliar. Era justo que
eu não reclamasse.

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Quando finalmente todos estavam de banho


tomado e alimentados, já era tarde da noite. Foi
difícil controlar as crianças, já que estavam
empolgadas com a novidade. Para eles, bebês eram
como brinquedos, e elas já queriam brincar com
eles!

Passava das onze horas quando a última


criança escovou os dentes e se aconchegou nos
futtons onde dormiam, ainda que a gente tenha
arrumado um dos quartos só para eles.
Aparentemente, dormir na sala era mais
empolgante de algum modo que nós, adultos, não
entendíamos, então deixamos que eles dormissem
onde queriam. Compramos uma babá eletrônica,
dessas com câmera, posicionamos em cima da
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mesa, de modo a pegar um ângulo bom da sala


toda, e pronto, problema resolvido.

Na hora do filme, Lena conseguiu


convencê-los a assistir Tomb Raider, apesar de ser,
segundo Maria, um filme velho e ultrapassado.
Acho que minha esposa teve palpitações ao ouvir
isso.

Apesar de todas as bombas e explosões, eles


adormeceram em menos de trinta minutos. Creio
que o último suspiro de energia deles tenha se
esgotado após a euforia da notícia da gravidez de
Anna e Stacy. Respirei aliviado quando confirmei
que todos estavam quase roncando, de tão
mergulhados no sono.

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Dever cumprido.

Só por hoje.

Levantamo-nos com cuidado, cobrimos


todos, ajeitamos a temperatura do ar-condicionado
e verificamos se algum gato tinha deitado com
alguém. Como sempre, Melange, que era a mais
dada de todos os felinos da casa, estava enroscada
em Maria Flor, que amava a gata zarolhinha. Glock
estava passando dias difíceis, escondido na casa de
Lloyd, Carretel era indiferente às crianças, e Moka
era um meio-termo entre o mais novo e Mel:
gostava de ficar por perto, mas nem sempre.

Assim que desligamos a televisão,


ajustamos uma suave música ambiente, bem

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baixinho, suficiente para apenas acalentar o sono


das crianças, e deixamos a babá eletrônica ligada
em cima da mesa, fomos para nosso quarto.
Deitamos na cama, exaustos, e suspiramos.

— Ai, meu Deus... Mais duas grávidas... —


Lena comentou e pegou o celular, passando o dedo
na tela e vendo que os resultados dos testes de
gravidez de Stacy e Anna realmente haviam
vazado. — Nas próximas férias coletivas, daqui a
dois anos, teremos duas crianças extras, Gab. Mais
duas. E Andy está entrando na adolescência, daqui
a pouco é Maria e Tess... Deus nos ajude. Um
monte de criança pequena, mais três adolescentes!

Tentei segurar o riso que surgiu junto ao

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desespero, sentimento esse que também estava


estampado no rosto de Helena quando completei:

— Isso se ninguém mais inventar de


engravidar enquanto a fase de amamentação dos
novos não passar. Vamos lembrar que Tony ainda
não teve bebês, né? Nem Betty. Nem Anastácia e o
namorado. Meu Deus, por que temos uma família
tão grande?

Rimos — de nervoso — de como nossos


amigos eram férteis, o oposto de nós. Cuidar das
crianças dos outros era suficiente para aplacar
qualquer necessidade que pudesse surgir. Coisa
impossível de acontecer, por sinal.

Nós não queríamos filhos, e ponto final. Há

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casais que não se sentem completos sem filhos, e


há casais que não precisam procriar para tal. Nós
nos encaixamos no último caso. Até porque nossa
casa agora era oficialmente a Sissy-Wings Baby
Care, então...

Olhei para minha mulher, que estava com o


sorriso exausto que a acompanhava nos últimos
dias, desde quando nossa casa tinha virado essa
louca, confusa e incrível colônia de férias. Não
nego que, apesar de cansado, eu estava me
divertindo. Porém aquelas coisas que estavam em
segundo plano já estavam me enlouquecendo.

Poucos anos antes, Lena e eu cumprimos o


desafio que ela propôs. Fizemos sexo de todas as

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formas monogâmicas possíveis. Em uma praia, em


avião, em datas comemorativas, sexo tipo BDSM
— o que odiamos, por sinal —, enfim, a longa lista
foi realizada com sucesso.

Para completar aqueles dois anos de noites


estupendas, essas semanas como babá realmente
estavam minando toda e qualquer oportunidade
sexual e, pelo amor de Deus, eu tenho um tesão
absurdo em minha esposa.

Ficar longe dela desse modo vai me deixar


totalmente azul em breve.

Pensei nas crianças adormecidas na sala e


olhei para a babá eletrônica em cima da mesa de
cabeceira. Nenhum sinal de movimentação, todas

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estavam realmente no décimo sono. Talvez elas


estivessem cansadas o suficiente para não subir de
noite para nosso quarto, como algumas gostavam
de fazer. Afinal, elas passaram a manhã na praia
Vermelha e a tarde ouvindo histórias, e ainda teve o
anúncio da gravidez... Quem sabe?

Lena, a pessoa que mais me conhece e me


decifra no mundo, logo leu meus pensamentos e
virou de lado na cama, me dando um de seus
sorrisos sedutores.

— Gab, sabe que eu adoraria tomar um


banho agora? Afinal, não podemos trancar a porta
do quarto, mas a do banheiro sim, certo? Se alguma
criança entrar, a gente veste um roupão e diz que

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estávamos escovando os dentes, ou sei lá.

Levantei de um salto da cama, sendo


acompanhado por Lena, que riu quando eu a
abracei e a beijei imediatamente. Meu corpo inteiro
respondeu ao contato com os lábios daquela mulher
que me enlouqueceu anos antes e me enlouquece
diariamente, de vários modos possíveis.

Quando seus braços passaram por meus


ombros e ela aprofundou o beijo, passando a língua
pela minha, pressionando seu corpo contra o meu
de modo quase febril, os dias de abstinência
cobraram seu preço, e eu só faltei sentir dor, de tão
excitado que fiquei. Passei as mãos pela sua
cintura, seus quadris, até precisar me inclinar para

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poder pegá-la no colo. Lena conteve a respiração e


sorriu contra meus lábios, se segurando em mim
como se eu fosse uma tábua de salvação.

Caminhei com ela no meu colo, me


beijando sem parar, sem me dar nem tempo de
olhar para o caminho até o banheiro, mas consegui
entrar no cômodo sem nenhum acidente. Assim que
fechei a porta atrás de mim com o pé, tentando não
fazer muito barulho, Lena desceu do meu colo e
começou a me despir rapidamente.

Nesses anos todos com ela, nunca me


acostumei totalmente com suas habilidades com
roupas. Do mesmo jeito que ela costura uma em
minutos, consegue tirar a minha com tanta rapidez,

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que eu ainda fico impressionado. Em segundos, eu


estava só de boxer, enquanto ela estava toda
vestida.

— Que gracinha, você pretende ficar assim,


cheia de panos? — brinquei quando ela me puxou
para perto, sem fazer menção de tirar sua própria
roupa. — Então tá.

Puxei Helena pelo braço e a levei para


dentro do boxe, tapando sua boca com a mão, pois
ela não parava de rir quando abri a torneira do
chuveiro e a molhei inteira.

— Aaah, água morna não, Gab! — ela deu


um sussurro raivoso, mas não conseguiu deixar de
rir, só quando eu a pressionei contra a parede de

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azulejos — Ok, já pode tirar minha roupa agora,


Segurança, eu já estou no ponto de fervura.

Sorrindo, puxei sua blusa por cima da


cabeça e larguei num canto. Depois me ajoelhei,
beijei cada um de suas tatuagens no caminho
enquanto tirava seu short e terminava de despir
aquela mulher maravilhosa que, sabe lá Deus por
que, aceitou se casar comigo e formar uma linda
família.

Ou melhor: aquela mulher que me pediu


para casar com ela.

Enquanto ela puxava a última peça que


cobria meu corpo, me peguei pensando em como
sou um homem de sorte. Encontrei Helena em um

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show da Sissy Walker, que nada tinha de diferente


de tantos outros. Ela estava lá de penetra, porque
sua amiga, Tony, da Trophy Husband, não queria
viajar sem ela, já que estava nervosa com seu
primeiro show grandes proporções. Lena fingiu ser
figurinista da banda para justificar sua presença —
coisa que acabou, anos depois, virando verdade —,
mas não conseguiu manter a farsa por muito tempo,
já que, assim que me viu, pareceu hipnotizada e se
esqueceu por completo de onde estava.

Já tive namoradas, casos de uma noite,


todas essas coisas, mas Lena sempre foi a que mais
se impressionou com minha aparência. Anos
depois, descobri que ela tinha um modo
profissional que a deixava completamente séria
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durante as horas de trabalho. Portanto, quando me


viu, ela não estava realmente trabalhando, seu
hiperfoco estava longe de ser ativado naquela noite.
Porém ela afirma que, mesmo se estivesse
realmente trabalhando, seria impossível não ficar
daquele jeito. Afinal, como ela sempre brinca, eu
sou o melhor exemplar do que mais a atrai. E ela
sabe que é totalmente recíproco: Helena Maria
Andrade Klein é a personificação do meu tipo ideal
de mulher, em todos os sentidos possíveis.

Naquela noite em que nos conhecemos, só


consegui pensar, após aquele sexo estupendo que
fizemos, que nenhuma outra foda casual teria o
mesmo sabor. E realmente não teve. Lena era
única, e eu sabia que sempre seria.
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Mas, por uma sorte divina, Betty e Tony


resolveram trazer a minha esposa para perto de
novo. E eu mergulhei de cabeça em um
relacionamento com prazo de validade estipulado
por um contrato de trabalho. Nunca, nunca mesmo,
imaginei que me envolveria tanto com alguém
como ela. Não me levem a mal: Erika é uma
mulher maravilhosa, perfeita em seus defeitos e
qualidades. O único problema é que, naquele
momento, ela não era a mulher perfeita para mim.
Ela não era a Helena Maria, com seu nome
dramático de novela mexicana, sua língua afiada,
sua boca suja, seu cabelo gigante — ou alisado,
tanto faz, sentirei o mesmo por ela se estiver careca
fazendo cosplay de Agente 47 — suas mãos
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cobertas de pequenas cicatrizes de costura. Helena


é única.

Helena é a única.

E aí vieram os meses em que fiquei longe


de Lena. É curioso pensar que foram somente três.
Para mim, pareceram anos, décadas. No dia
seguinte à ida de Lena, eu já sabia que não poderia
ficar sem fazer nada. Eu já estava velho demais
para toda a rotina de ser segurança de banda. Como
sempre disse para meu ex-pupilo, Liam Patrick, na
época em que era instrutor na Academia, eu sempre
senti falta de uma casa grande e de raízes, de calor
humano. A ideia de me mudar para perto de Helena
foi perfeita.

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O meu único medo era ela não aceitar mais


ficar comigo. Seu silêncio de três meses só não foi
pior por causa de Júlia e de seu marido, Tom, o
famoso ex-jogador do Giants de NY. Os dois me
ligavam diariamente para reforçar que Lena não
havia me esquecido, só estava tentando lidar com a
dor. Por isso não entrei em contato: eu precisava
fazer tudo do modo correto, para não deixar
dúvidas de que eu queria ficar com ela pelo resto de
nossas vidas, e também para não a pressionar.
Queria que ela se mudasse comigo não por
chantagem emocional, mas por confiar em mim.

Quando Lena interpretou meu pedido de


abrir mão da empresa de segurança da Wings como
um pedido para ela mesma abandonar sua empresa,
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eu tive certeza que tudo daria certo. A marca era a


vida da Costureira, e mesmo assim ela aceitou
largar tudo por mim.

Óbvio que eu jamais aceitaria isso. Tanto


não aceitei, como eu mesmo larguei meu emprego
na Sissy Walker e vim trabalhar com ela. Mas sua
intenção me marcou profundamente. Eu
provavelmente teria pedido aquela mulher incrível
em casamento naquele dia, por Skype mesmo, se eu
pudesse, mas eu sabia que não podia. Lena não é
mulher que você pressione contra a parede assim.

Quero dizer... Figurativamente, já que,


nesse momento, é exatamente e literalmente o que
estou fazendo agora, pressionando seu corpo quente

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contra o meu, sentindo seu interior úmido me


apertando enquanto a penetro repetidas vezes. Sua
boca pressionada contra meu ombro, em uma
tentativa de não produzir nenhum barulho, vez ou
outra me mordendo e fazendo com que eu precise
me controlar para não gemer.

Já se foram não sei quantos anos desde


aquela primeira noite, quando nos conhecemos. Já
se foram não sei quantos anos desde a segunda
noite, no início do contrato de Lena para Sissy
Walker. Já se foram dois anos, três meses e alguns
dias — confesso que não sou tão preciso com datas
quanto ela — desde o dia em que Lena me pediu
em casamento. Já se foram mais de vinte meses
desde o dia em que Tio Gun levou Lena até mim,
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naquela tarde perfeita, na mansão da Sissy Walker,


com toda a nossa família ao redor.

As risadas de todos quando Lena largou do


braço de Gilmar e, indo contra todas regras de
etiqueta de um casamento, se jogou nos meus
braços e me beijou antes mesmo de a cerimônia em
si começar sempre vão ficar na minha cabeça. A
bronca que Tio Gun, que até então estava aos
prantos, deu nela, também. A bronca que Lloyd deu
em Tio Gun, então... Foi tudo perfeito.

São muitos anos ao lado dela, muitos


momentos perfeitos, vários bons, alguns não tão
bons assim. Vez ou outra, ainda somos atingidos
por fantasmas do passado, que invadem nossos

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sonhos e tentam estourar nossa bolha de felicidade.


Um grande exemplo disso são alguns pesadelos que
sempre tive, todos envolvendo as pessoas que matei
em meus primeiros anos como segurança. Isso
sempre ia contra o que eu acreditava, ia contra o
valor que sempre dei à vida humana, porém fazia
parte do meu trabalho. Exatamente por isso, deixei
de ser segurança de figurões e me tornei instrutor
na Academia.

Porém, aquilo nunca foi o suficiente, então


comecei a trabalhar com bandas de rock, o que foi
ideal, já que eu podia exercer minha profissão sem
me preocupar com cartéis, desafetos políticos e
afins tentando matar Betty, por exemplo.

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A questão é que um trabalho bom não anula


as memórias de um trabalho ruim, e sempre tive
dificuldade para aprender a conviver com o número
de corpos que se empilharam em minha lista,
independentemente de terem sido bandidos ou
assassinos. Não era algo agradável ver uma vida se
esvaindo por suas mãos.

Lena sabia disso, fez questão que eu


contasse tudo para ela em nosso primeiro ano
morando juntos, e essas diversas conversas que
tivemos foram fundamentais para que eu realmente
iniciasse o processo de aprender a conviver com
meu passado e com o que minha profissão exigiu
de mim.

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Mesmo quando os pesadelos voltavam, a


certeza de que nunca, nem nos piores momentos,
Lena deixou de estar ao meu lado, assim como eu
sempre estive e sempre vou estar aqui, pronto para
qualquer coisa, era suficiente para exorcizar esses
fantasmas. E com isso, vamos aprendendo juntos a
lidar com o que nos afeta, nossos demônios.
Sempre juntos.

Lloyd, por exemplo, nunca foi um fardo


para ela. De vez em quando, devido a sua idade, o
velhote cai doente, e Lena fica ao lado dele junto da
enfermeira, desmarcando compromissos, largando
tudo pela família. Outra pessoa poderia
simplesmente deixar tudo a cargo de terceiros, mas
não minha esposa. Ela tem um carinho sobrenatural
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por meu sensei, uma gratidão quase inexplicável


por ele ter feito tudo que fez por mim antes de nos
conhecermos.

Mais do que isso: ela é profundamente grata


por ele ter topado vir para o Brasil comigo, de
modo que nós dois, Lena e eu, pudéssemos ficar
juntos sem que ninguém sacrificasse nada. Eu
mantive meu trabalho, ela, o dela, e nossa família
ficou ao nosso lado. Era perfeito.

Na primeira vez em que senti vontade de


dizer que a amava, na festa de encerramento da
turnê pela Europa da banda, tocava uma música
chamada Two Way Street, via de mão dupla,
literalmente. A música dizia que o amor é isso, uma

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via de duas mãos, onde é necessário reciprocidade e


companheirismo. Nunca esqueci dessas palavras,
tanto é que nomeei minha empresa a partir dela,
TWS, e creio que seja a noção que mais combina
com meu relacionamento com Helena. Não é uma
competição, não é um embate, não é uma rua sem
saída. É uma parceria, uma sociedade, onde os dois
ganham quando se dedicam a fazer tudo dar certo.

É amor, afinal de contas, não uma


competição de tiro ao alvo.

Lena estremeceu quando eu a virei de costas


e puxei seu cabelo, me tirando dos devaneios. Ela
logo empinou a bunda, e a vontade costumeira de
dar um tapa veio, mas eu sabia que faria um

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barulho que a água do chuveiro e a música


ambiente na sala provavelmente não abafariam.

Droga. Controle-se, homem!

Voltei a penetrá-la, segurando seus quadris


com mais força do que deveria. Quando uma das
mãos de Lena, espalmadas nos azulejos, se cerrou
com força e ela ficou mais na ponta dos pés para
facilitar meu acesso, eu senti seu orgasmo vindo e
me apertando com uma força que levou embora
todo o meu controle. Dessa vez, quem precisou
pressionar a boca contra o ombro do outro fui eu,
pois a vontade de me libertar de uma vez foi muito
intensa. Mas consegui controlar minhas cordas
vocais, coisa que Lena não conseguiu, me fazendo

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tapar sua boca, como de costume.

Senti seus dentes contra meus dedos, não


para que eu a soltasse, mas por estar entregue ao
prazer que fluía entre nossos corpos, e aumentei a
velocidade até o limite. Fomos ao céu e voltamos
ao mesmo tempo, a respiração de ambos ofegante,
os corpos suados, afastados da água que caía do
chuveiro somente para disfarçar os barulhos
eróticos que produzíamos.

Abracei Helena, que apoiou os pés no chão


e se virou para me beijar. Sua boca mal conseguia
encostar na minha, de tanto que ela puxava o ar,
tentando estabilizar a respiração. Peguei seu rosto
entre as mãos e beijei seu queixo, seu maxilar, sua

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têmpora, seus olhos e, quando sua respiração


começou a se acertar, beijei sua boca.

— Eu te amo, Gabriel — ela disse, os olhos


ainda fechados, a expressão saciada e cansada. —
Você nem faz ideia de quanto...

Ri e comentei, ainda beijando o canto de


sua boca.

— Acho que faço um pouco de ideia sim,


Helena. Só um pouquinho.

Ela abriu os olhos e ergueu uma


sobrancelha.

— Não estou demostrando o suficiente? Ok,


amanhã vou fazer vitamina de Dramin e maracujá
para aquelas crianças todas e aí eu te mostro com

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mais ênfase.

Precisei de muito controle para não


gargalhar, afundando o rosto na curva de seu
pescoço. Sintonia perfeita, eu tenho pensado nisso
a semana toda.

— Vamos dar chá de camomila, é mais


seguro, Costureira... E a gente vai ter tempo
suficiente para isso quando elas voltarem para suas
casas.

— Combinado, então.

Voltei a beijar sua boca macia, úmida e


inchada de tanto me beijar, quando ouvimos um
barulho no quarto. Reviramos os olhos quase ao
mesmo tempo. Provavelmente era Guilherme vindo

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deitar conosco, como de costume.

Tomamos um banho rápido, nos vestimos e


fomos até o quarto. Dito e feito, lá estava Gui,
deitado exatamente no meio da cama, ressonando
tranquilamente, iluminado pela luz fraca vinda do
corredor. Suspiramos, checamos a babá eletrônica,
para ver se tinha mais alguém acordado ou fora da
sala, e deitamos na cama, aconchegando o guri
entre nós dois. Como de costume, ele se virou na
minha direção e agarrou meu braço. Dessa vez,
colocou a mão na minha cicatriz escondida pela
tatuagem e ficou arranhando com a unha, ainda
dormindo.

Acho que a história do tiro mexeu com ele,

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será?

— Gab — Lena sussurrou, e eu olhei para


ela, vendo seus olhos brilhantes me encarando. —
Já cogitou a possibilidade de um dia o Gui querer
seguir seus passos? Ele realmente te adora e fica
fascinado quando você conta algo sobre sua
profissão.

Suspirei mais uma vez.

— Já... Na verdade, ele me disse isso


durante o banho, que quer ser igual a mim quando
crescer. Vou ter que voltar a ser o Comandante na
Academia e treinar o filho do Roberto?

Lena deu uma risadinha abafada e


provocou:

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— Como se essa ideia fosse horrível para


você.

Contive um sorriso.

— Bendita a hora em que aceitei ser


padrinho do guri...

— Bem feito, quem mandou ser trouxa?


Agora aguenta as consequências — ela sussurrou,
com diversão na voz. Guilherme, indo contra
nossas expectativas, me soltou, se virou e agarrou o
braço dela. — Ih, sobrou pra mim também?

— Não se preocupe, eu dou um jeito de


convencer ele a entrar para o exército e se tornar
um comandante de verdade, aí a gente se livra do
fardo de criar o filho alheio daqui a treze anos.

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— Sei... Daqui a treze anos... Por enquanto,


a gente vai criando então, né? — ela apontou, me
fazendo ficar sem resposta.

Droga. Acho que estou me apegando


demais a esse guri. Pior que não sou somente eu:
Lloyd se desmancha quando ele vem passar o dia
conosco. Acho, mas não tenho muita certeza, que
até flagrei o velhote dando um sorriso, coisa que,
em vinte anos, eu nunca vi meu sensei fazendo.

— Sabe que o Beto disse que pretende


colocar ele na escolinha que tem aqui perto, quando
ele tiver idade? A tendência é que ele grude na
gente cada vez mais.

Não havia tédio na voz de Lena quando ela

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disse isso, o que me fez pensar que talvez ela


estivesse muito apegada ao Guilherme também.

Bom, somos padrinhos dele, afinal de


contas, então acho que não tem muito problema se
isso acontecer.

Até porque eu provavelmente sou um


padrinho muito melhor do que Roberto é pai,
então... Pensando bem, há algo que aquele
imprestável seja bom, além de dar aulas de direito
penal? Acho que não.

Bom, ao menos ele fez uma criança


maravilhosa. Dou meu braço a torcer nisso. Claro
que que Gui puxou muito mais a mãe do que ele,
mas...

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Lena se aconchegou mais no abraço de


Guilherme e esticou a perna para encostar em mim.
Virei de frente para ela e passei o braço por cima
do pirralho, que nem se mexeu, e peguei em sua
mão.

— Ei... — chamei quando vi minha esposa


fechando os olhos para dormir.

— Hm? — ela respondeu e me olhou.

— “Amor nas Alturas” é uma tradução


errada, você sabe, né? Love in High Places
significa algo como “Amor em Alta Conta” —
provoquei, fazendo menção à última coleção
lançada em parceria com a Sissy Walker, inspirada
em uma música da mesma artista que compôs Two

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Way Street.

— Gabriel, vai cagar no mato, vai? — ela


respondeu em voz baixa, me brindando com um de
seus sorrisos a contragosto. Eu sempre a provocava
com isso, desde a primeira vez que vi sua tradução
incorreta da música em um bloquinho de desenho.

Apesar do bico, ela se inclinou por cima do


guri e me deu um beijo na boca.

— Amo você, Costureira.

— Eu também te amo, Segurança. Boa noite


— disse e sorriu do modo que só sorria para mim.

— Boa noite.

Fechei os olhos, sentindo o corpo todo


relaxado e o coração repleto de felicidade.

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Eu realmente sou um homem de sorte,


afinal de contas.

E como.

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Find me in the forest, in the fire (Encontre-


me na floresta, no fogo)

Find me in the midst of your desire


(Encontre-me na névoa do seu desejo)

I got love in high places (Eu tenho amor em


alta conta)

Love in high places

Find me in the secrets, in the lies (Encontre-


me nos segredos, nas mentiras)

Find me in the darkest place, in the light


(Encontre-me nos lugares mais escuros, na luz)
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I got love in high places (Eu tenho amor em


alta conta)

I see the love in all the faces (Eu vejo amor


em todos os rostos)

Love in High Places – Kimbra

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Agradecimentos e redes
sociais
Por incrível que pareça, comecei esses
agradecimentos sem saber o que falar. Depois de
três livros da Costureira e do Segurança,
totalizando quase mil páginas, eu me peguei sem
palavras, por isso decidi explicar umas coisinhas
antes de agradecer.

Lena nasceu em um livro próprio,


chamado... Lena. Só que esse livro, uma duologia,
foi escrito em um momento meio... dark... de minha
vida, então o resultado para mim, como artista, não
foi satisfatório. Quando escrevi Amor nas Alturas,

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que era quase uma fanfic de Lena com Elle, da


série Jack Rock, eu percebi que ali tinha feito
justiça com a costureira, dando uma obra que não
somente me agradou muito escrever, como agradou
à autora de Elle, Aretha, e a muitos leitores no
Wattpad.

Foi quando decidi que Amor nas Alturas


devia ser a história da Costureira, não o livro que
levava o mesmo nome que ela. Tirei as duas obras
iniciais do ar e tratei de trabalhar, junto de meu
editor, revisor, companheiro, amigo, amante e
marido — nas horas vagas —, Raphael, no livro.

Deus é testemunha de como eu incomodei


muita gente na hora de transformar Amor nas

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Alturas em algo satisfatório. Aretha não me


aguentava mais perguntar “posso colocar o
aniversário dele dia tal? Posso colocar dois filhos
em fulano de tal? Posso isso? Posso aquilo?”, Carol
não me aguentava mais ouvir falar de Lena e
Gabriel, Raphael está que quase chora quando vê a
Katina, minha máquina de costura — sim, eu tenho
uma, mas já desaprendi a usar, infelizmente —, e é
exatamente por causa disso tudo, dessa loucura que
foi criar essa história imensa, cheia de locais,
pessoas, detalhes e amores, que eu preciso
agradecer com um texto maior que o de Para
Sempre Noiva, por exemplo.

Agradecer à Dani, da Editora Livros


Prontos, por acreditar em #GabLena a ponto de
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assinar três contratos de uma vez para publicação


do livro físico. Tenho certeza que os livros ficarão
lindos de morrer e que nossa parceria será cada vez
mais longa e sólida.

Agradecer à Aninha, Renata, Lene, as


leitoras do Botando Banca, Rosa, Thati, Danuza,
Júlia, Maya, Dinadélia, Aline, Gil, Lari, Lorena,
Su, Tami, Yka, Taty, todas, todo mundo que me lê,
me apoia, está ali por mim. Sem vocês, C.
Caraciolo não existiria.

Agradecer à Carol Moura, por todo apoio,


por todas as conversas e por dar em cima do meu
marido diariamente — não se preocupem, eu dou
em cima do dela também, isso é amizade real. Você

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não faz ideia de como é especial para mim, sua


pironha.

Agradecer à Aretha V. Guedes, a “mãe” de


Gabriel, que, após precisarmos quebrar o crossover
por motivos contratuais, me cedeu o Gab 2.0, esse
que tem sobrenome e nacionalidade, o gaúcho-
britânico, o Comandante Scherer, o Segurança
Gabriel, o Imprestável Klein, como diria seu sensei,
e, principalmente, o Marido e Tio Gab. Arethão,
muito, muito obrigada por tudo, sua viada linda do
caramba. Mesmo.

Por último, mas não menos importante,


agradecer ao Raphael pelas quatro garrafas diárias
de café que tomamos juntos para editar e revisar a

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trilogia, pela atenção, carinho, detalhamento,


edição e cuidado na hora de trabalhar em meu
texto.

Infelizmente, nosso trabalho é exatamente o


mesmo, somos revisores, então não posso chamá-lo
por um nome fofinho, como Gab e Lena se
chamam de Segurança e Costureira. Mas como
quem está escrevendo isso é a Clara Caraciolo
Taveira, autora, revisora e esposa, eu posso chamar
ele de Revisor e me chamar de Autora, não posso?

Não, melhor não.

Melhor chamar de “Amor”, como sempre


chamamos, desde aquele dia de finados louco, lá
em 2010, quando decidimos, sem nenhum pedido,

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que ficaríamos juntos para sempre.

Você me ensinou a ter o amor em alta


conta, Rapha. Esse livro é seu também, e eu sou
inteiramente sua, ainda que não carregue seu
sobrenome. Te amo.

Obrigada a todo mundo que me ajudou a


escrever e publicar esse livro.

Muita gratidão e manga. Manga é


fundamental, afinal de contas.

Com muito amor (nas alturas),

Clara Caraciolo Taveira

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P.S.: Ouçam Kimbra, 90% das músicas que


apareceram aqui são dela, incluindo Love in High
Places, Old Flame e Two Way Street. Nem sou fã,
deu para perceber?

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Capitu Já Leu

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INVISÍVEL

C. Caraciolo

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Copyright © 2018 Clara Caraciolo Taveira

Todos os direitos reservados.

Título: Invisível

2ª Edição: março de 2018

Autora: C. Caraciolo

Revisão: Raphael Pellegrini (Capitu Já Leu)

Capa: Clara Taveira

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Sinopse
Catarina é invisível.

Salvo quando alguém pensa que ela está

roubando algo. Nesse momento, ela se torna visível


imediatamente.

Negra, mãe solo, moradora de comunidade


no Rio de Janeiro, ela sabe como a vida funciona.
Ou aceita o que oferecem, mesmo que seja um

trabalho abusivo que vai contra as leis trabalhistas


vigentes, ou não tem como pagar as contas de sua
modesta casinha na Rocinha. Ou alisa o cabelo, ou
sabe que será dispensada de mais uma entrevista de
emprego. Ou aceita, ou será chamada de vitimista.

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Ou ela abaixa a cabeça, ou alguém o fará a

força.

Catarina é invisível.

Mas, em um momento totalmente inusitado,

alguém estende a mão para ela e a ensina uma lição


valiosa sobre solidariedade e união. É por meio
desse gesto que a jovem percebe que não somente é
visível, como tem voz, poder de escolha e
possibilidades de construir um futuro melhor para

si mesma, para seu filho, Ryan, e para sua mãe,


Nilma.

Embarque nesse conto ambientado entre o


asfalto e o morro, em que os conceitos de
empoderamento, empatia e união surgem com tanta
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força quanto o possível, e se apaixone com o abrir

de asas de uma jovem negra em uma cidade com


enorme desigualdade social.

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Parte 1

Capítulo 1

Como as coisas funcionam

Catarina se olhou no espelho e verificou se


o cabelo estava bem alisado. Passou as mãos pelos
fios, achatando mais um pouco, e garantiu que os

machucados causados pela química do henê em seu


couro cabeludo não estivessem aparentes. Em
seguida, checou se suas olheiras estavam muito
fortes e aplicou um pouco mais do corretivo de dois

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reais, comprado na feirinha na Rocinha, tentando


disfarçar a meia lua escura.

Era a segunda noite seguida que Catarina


não conseguia dormir. Na primeira, foi por causa

de seu filho, Ryan, de dois anos, que teve febre e


sentiu frio a noite inteira. Na segunda, a ansiedade
atrapalhou seu sono, pois tinha uma entrevista de
emprego no dia seguinte.

Nervosa, ela ajeitou a calça jeans preta e a

camisa branca de botão, checou a sapatilha de


mesma cor, ainda que meio gasta, e colocou a bolsa
de tecido colorido no ombro. Suas mãos tremiam
levemente quando se abaixou e se despediu do
filho, que estava dormindo na cama:
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— Filho, mamãe já volta. Reza para que

volte empregada, viu? Reza de criança é mais forte


que de adulto.

E depositou um beijo suave na face de

Ryan, que não acordou, mas se mexeu na cama,


colocando o dedão na boca e sugando como se
fosse uma chupeta. Catarina sorriu ao ver aquilo,
mas se repreendeu mentalmente. Stephany, a
vizinha, mãe de dois filhos, dissera que não se deve

deixar criança chupar dedo, ou os dentes ficam


tortos, e dentistas são muito caros.

Catarina saiu do quarto de sua modesta


casinha na Rua 2 da Rocinha, maior comunidade da
América Latina, e foi até a sala, onde sua mãe a
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aguardava com um copo de café.

— Brigada, mãe, por ficar com ele. Eu vou


tentar voltar rápido, a entrevista não deve ser tão
demorada — disse ao pegar o copo das mãos

enrugadas de sua mãe, que lhe deu um sorriso


encorajador.

— Quem sabe, minha filha? Seu cabelo tá


escorrido, talvez agora você tenha uma chance
maior do que quando ele tá pra cima.

Catarina bebeu o café de uma vez e deu


uma mordida no pão com manteiga que sua mãe
esquentara no fogão com o auxílio de um garfo. O
sabor da casca queimada pela chama invadiu sua
boca, e ela suspirou de prazer. Desde criança,
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Catarina adorava pão queimadinho, espetado em

um garfo e torrado na boca do fogão, como se fosse


um espetinho de pão francês.

— Quem sabe, mãe... — ela disse antes de

dar outra mordida no pão.

— Para qual loja é essa entrevista mesmo?


— perguntou Dona Nilma, tentando soar animada
ao ver sua filha meio para baixo antes mesmo de
sair de casa.

— Para aquela loja de roupa que não tem


em shopping de rico. “Escolha”, conhece?

Dona Nilma balançou a cabeça e sorriu,


verdadeiramente contente ao ouvir o nome da loja.

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— Ah, minha filha, então você tem chances

sim! Tem um monte de menina preta trabalhando


nessa loja, eu já vi! Eu já até vi um rapaz meio
boiola atendendo! Oh, meu Deus, olha a hora! E eu

aqui te segurando! Vai, minha filha, engole logo


esse pão, dá uma escovada no dente e vai! Eu te
espero para ouvir as boas novas!

Catarina sorriu, fez o que a mãe ordenara,


deu um beijo no rosto da senhora e saiu de casa

rumo ao ponto de ônibus que a levaria até o Centro.


Cumprimentou uns amigos pelas ruelas da
comunidade e esperou pacientemente no ponto até
poder entrar no veículo, olhando o tráfego intenso
de motos, vans e ônibus na rua de acesso à

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comunidade.

Desejou um bom dia ao motorista, que já


era seu conhecido, pagou a passagem e sentou no
final do ônibus, pedindo a Deus, Iemanjá e todos os

santos e entidades conhecidas que obtivesse


sucesso nessa entrevista.

Desempregada há mais de um mês, Catarina


estava tendo dificuldades para encontrar um
trabalho depois que fora demitida do supermercado

onde trabalhava por falsa acusação de roubo. Sem


conseguir se explicar ou mesmo entender o porquê
de uma senhora de idade elegante a acusar de ter
roubado algo de sua bolsa, já que Catarina somente
escorregara no piso molhado do supermercado e
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esbarrara na senhora, a jovem de dezenove anos só

conseguiu gaguejar ao ser abordada por seus


chefes. Isso foi suficiente para eles acharem que ela
tinha intenção de roubar, o que a levou à demissão

imediata.

Ao menos, ela pensou, não foi por justa


causa. Se tamanha desonra constasse em sua
carteira de trabalho, Catarina nunca mais
conseguiria um emprego decente na vida.

Principalmente sendo da cor que era.

Catarina era uma moça inteligente, de


pensamento rápido, que sabia muito bem como o
mundo — ou melhor, como o seu Rio de Janeiro —
funcionava: pessoas negras não são bem-vindas em
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todos os lugares, pessoas de favelas não são bem-

vindas em todos os lugares. Se juntasse os dois em


uma só pessoa, ela se tornaria suspeita de qualquer
coisa.

Por exemplo, uma das coisas que Catarina


aprendera cedo era não perguntar nada a ninguém
que não fosse da sua cor. Uma simples abordagem
para perguntar as horas era suficiente para as
pessoas se afastarem assustadas ou mesmo

fecharem suas bolsas com pressa, mesmo que


tentando disfarçar o impulso inicial de sair
correndo e pedir ajuda a um policial.

A outra era que Catarina era invisível


quando se tratava de qualquer coisa que não fosse
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suspeita de roubo. Quando ficou grávida, aos

dezessete anos, a jovem tinha um trabalho de meio


período, parte de um programa de primeiro
emprego para menores de idade. Quando o

primeiro enjoo de gravidez surgiu, em horário de


trabalho, ela não conseguiu segurar a comida no
estômago até sair do escritório onde era auxiliar:
acabou passando mal em cima de um teclado de
computador.

Salvo seus colegas, todos menores de idade,


não houve uma pessoa em toda a repartição da
empresa que fora ver como ela estava. Pelo
contrário, levou bronca de todos os seus chefes e
ainda foi obrigada a pagar de seu salário por um

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teclado de computador novo.

Aqueles momentos passavam em sequência


por sua cabeça enquanto olhava a paisagem do Rio
de Janeiro passando por sua janela, Catarina

relembrava dos momentos em que sua cor fora o


único motivo para ninguém ligar para ela, a
ignorando sumariamente, ou para todos perceberem
sua presença ao imaginarem que a jovem fosse uma
meliante.

Entretanto a jovem nunca se lamentava de


sua situação, sabia que a vida era assim, era assim
que tudo funcionava, desde a época de seus avós,
bisavós, trisavós... Quem mandou nascer preta, ela
se perguntava? Que na próxima vida tomasse jeito
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e nascesse branca e de cabelo bom. Quem sabe

assim ela poderia sair do morro e andar pelo asfalto


tranquilamente, sem temer uma bala “perdida”, um
linchamento, uma falsa acusação ou olhares de

reprimenda ao seu cabelo que insistia em crescer na


direção do céu, e não apontando para o chão?
Quem sabe isso não resolveria tudo em sua
próxima vida?

Quem sabe?

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Capítulo 2

Cinquenta horas semanais

Catarina chegou ao sobrado no centro da


cidade trinta minutos mais cedo do que o
informado pela mulher do RH na ligação feita no
dia anterior. Com o coração aos saltos dentro do

peito, tocou o interfone antigo do estabelecimento e


se identificou, sentindo suas mãos recomeçarem a
tremer quando a porta de ferro se abriu com um
estalo.

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Tentando controlar o nervosismo, a jovem

subiu as escadas e encontrou uma mulher branca,


de cabelo liso, esticado e loiro, a aguardando.
Droga, ela pensou quando viu a mulher a olhar de

cima a baixo. Ela conhecia muito bem esse olhar.

— Bom dia... Catarina, certo? — a mulher


disse ao olhar para um papel em suas mãos. —
Você chegou mais cedo, então vamos fazer a
entrevista agora, tudo bem?

— Claro... — ela disse, tentando soar


segura, mas falhando terrivelmente. Limpando a
garganta, ela tentou de novo — Claro!

A mulher lhe dirigiu um sorriso frio e


profissional e indicou uma saletinha à esquerda da
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escada por onde Catarina subira. No auge do

nervosismo, a jovem nem mesmo olhou ao redor e


avaliou o ambiente elegante do setor de RH da
empresa.

— Pode se sentar, Catarina. Peço desculpas


por ter marcado a entrevista tão em cima da hora,
mas houve um problema em uma de nossas lojas e
surgiu a necessidade de se fazer entrevistas
urgentes.

Catarina, que de boba não tinha nada, logo


percebeu o que a mulher queria dizer: o emprego
era tão ruim, que muitos funcionários se demitiram
de uma vez e não sobrou muita opção a não ser
fazer entrevistas de emergência. Não era a primeira
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vez que a jovem ouvia esse papo torto, apesar de

ser tão jovem.

— Não, tudo bem, veio em boa hora a sua


ligação — Catarina disse, tentando de novo soar

segura, mas não tão segura assim, para que a


mulher não pensasse que ela estava sendo
arrogante.

— Ok, deixa eu olhar seu currículo... Hm...


Você não tem experiência com vendas?

— Sim, eu tenho, mas não tenho como


comprovar na carteira de trabalho. Mas eu trouxe
uma carta do meu ex-chefe, caso possa ajudar... —
ela disse e retirou da bolsa uma folha de caderno
bem dobrada e entregou para a mulher, que leu as
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palavras escritas em segundos.

— Por que você saiu desse emprego? — a


mulher perguntou sem levantar os olhos da carta.

— Porque o meu ex-chefe fechou a loja e

voltou para a cidade onde ele nasceu. Ele deixou


essa carta antes de ir, caso eu precisasse de
referências.

— Sei... Interessante... — a mulher dizia,


mas seu tom era entediado. — Você tem filhos,

Catarina?

Catarina engoliu em seco ao ouvir a


pergunta. Nas treze entrevistas que fizera desde
quando fora demitida, em nove ela ouviu que não

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seria contratada por ser mãe.

— Sim, tenho, mas ele não mora comigo —


ela mentiu, em uma atitude desesperada. — Mora
com a bisavó, minha avó, Nilma.

Essa era a única verdade em sua fala:


Nilma, a quem ela chamava de mãe e que a tratava
como a uma filha, era na verdade sua avó, mãe de
sua mãe, que falecera quando Catarina era pequena.
Mas isso era só um detalhe, uma nomenclatura sem

importância, porém Catarina estava tão ansiosa,


que acabou revelando algo desnecessário.

— Ok, Catarina. Vou te passar as


informações do serviço, para, caso você seja
aprovada na entrevista, já fique sabendo. O trabalho
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é de vendedora. São oito horas diárias de segunda a

sexta, das 9:20 às 18:50, nove horas no sábado, de


9:20 às 20:50, e seis horas no domingo, de 15:00 às
22:00. Os horários são assim para que você cumpra

as 44 horas semanais previstas por lei. Você tem


direito a uma hora de intervalo por dia e a um
domingo por mês e uma folga por semana, mas não
pode contabilizar mais de quatro folgas por mês,
está entendendo? — a mulher falava bem rápido,
como se não quisesse que Catarina tivesse tempo

para refletir sobre todas as informações. — Sua


comissão é de 1% do valor total de suas vendas,
podendo chegar a 2,5% caso você bata sua cota. O
piso do seu salário é um salário mínimo, logo, se

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você não atingir esse valor, ganhará um salário

mínimo de qualquer jeito. Porém, caso você passe


três meses não batendo a cota mínima, será
demitida.

A mulher parou por um momento, bebeu


um gole de algo que provavelmente era café,
pensou Catarina, que conhecia a logo verde e
redonda no copo branco de papel que a mulher
levava aos lábios pintados de batom claro, e voltou

a falar em seguida:

— Nós damos vale-transporte e, caso você


complete três meses na Escolha e seja efetivada,
ticket-refeição de oito reais nos domingos. Alguma
dúvida?
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Catarina balançou a cabeça negando e deu

um pequeno sorriso, tentando parecer uma jovem


burra que não notaria que tinha muita coisa errada
no que a mulher dissera. Mas, como dito antes, a

jovem sabia como o mundo funcionava, e não era


ela quem mudaria isso. Só de conseguir um
emprego que a ajudasse a pagar as contas que
dividia com sua mãe aposentada, já seria uma
bênção.

— Ok, Catarina, muito obrigada. Nós


entraremos em contato.

A jovem agradeceu e foi embora para casa,


pedindo, no caminho de volta, sentada no fundo do
ônibus, que tivesse sorte e conseguisse aquele
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emprego, apesar de saber que era proibido por lei

fazer um funcionário trabalhar mais de oito horas


diárias sem dar hora extra para ele, e que a soma
total das horas trabalhadas seria muito superior às

44 horas previstas por lei.

Não importava, Catarina pensou. Era o


melhor que ela conseguiria sendo quem era: uma
mulher negra, favelada, com um filho, um cabelo
crespo e, consequentemente a tudo isso, invisível.

Assim que chegou em casa, seu celular


vibrou. Atendeu a ligação com o coração aos saltos,
segurando a mão esquerda de sua mãe, que a
recebia com a expectativa marcando seu rosto
enrugado, junta da mãozinha pequena de seu filho,
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que já havia acordado e tinha largado o pãozinho

torrado na mesa para vir falar com a mãe.

Era a mulher pedindo que Catarina voltasse


para o Centro munida de seus documentos, pois ela

havia sido aprovada na entrevista.

Sem largar as mãos das pessoas que mais


amava no mundo, a jovem agachou no chão assim
que desligou o telefone e deixou que as lágrimas de
alívio escorressem pelo rosto, manchando a

maquiagem e retirando o restante do corretivo de


dois reais comprado na feirinha.

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Parte 2

Capítulo 1

Feridas

Dois anos depois de sua contratação,


Catarina era uma das melhores vendedoras de sua
loja. Com seu jeito calmo de falar, mas seu olhar

astuto ao estilo das clientes que entravam na loja


Escolha, a jovem de vinte e dois anos era excelente
no que sua chefe chamava de “fazer cabine”, ou
seja, levar peças semelhantes às que a cliente

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escolhera e pendurar no varão da cortina da cabine


onde as clientes experimentavam as roupas da loja.

Apesar dos altos números que Catarina


rendia à loja, seu salário nunca ultrapassava dois

salários mínimos, salvo no natal, quando as vendas


eram massivas. Além disso, Catarina era tão
invisível dentro da loja quanto no shopping Rio
Sul, localizado na zona sul carioca, o que tornava
seus dias de trabalho muito desagradáveis.

Como usava o uniforme da loja, uma calça


jeans skinny elástica de cor bege e uma bata
colorida com o nome “Escolha” bordado na altura
do seio direito e nas costas, as pessoas não tinham
medo de sua presença nem achavam que ela
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assaltaria alguém. Porém, em diversas vezes, a

jovem era requisitada para desentupir um vaso


sanitário quando ia ao banheiro ou para repor
papel-toalha e coisas semelhantes. Incrivelmente,

mas não tão incrivelmente assim, todas as pessoas


que a confundiam com as funcionárias das limpezas
eram muito brancas e muito ricas. Meros acasos?

Um dia, mais precisamente no dia vinte e


três de dezembro, Catarina foi impedida de tirar seu

dia de folga. Já acostumada com aquele tipo de


privação, pois não era seu primeiro natal na loja, a
jovem optou por não comer nem beber nada
durante o dia, para não precisar ir ao banheiro e
irritar sua chefe.

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Catarina não contava a nenhuma de suas

amigas na comunidade, nem mesmo à sua mãe,


para não a preocupar, mas ela odiava
profundamente sua chefe. Era uma mulher metida,

mesquinha, que a tratava como uma escrava e


zombava dos machucados que nunca saravam em
seu couro cabeludo, causado pela química
constante que a jovem usava para mantê-los
alisados.

Secretamente, a jovem mãe tinha um sonho:


encontrar um emprego que desse mais tempo para
ver o filho crescer e dar uma boa educação a ele.
Não precisava ter um salário volumoso, apenas um
pouco mais de tempo e condições para ela poder

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brincar com seu filho e seus amiguinhos, filhos das

vizinhas, que adoravam brincar com Ryan. Outro


sonho que Catarina tinha, mas esse ela sabia que
nunca poderia realizar, era ter uma menina. Porém

era sensata: se mal podia sustentar um, imagina


dois? Além do mais, ela não tinha tempo nem para
si mesma, quanto mais para namoros, e não se faz
filho sozinha, ainda que criar um sem ajuda do pai
seja algo extremamente comum.

Naquele dia vinte e três de dezembro,


Catarina, no alto de seus joviais vinte e dois anos,
estava exausta da loja Escolha, dos colegas
insatisfeitos que descontavam suas frustrações uns
nos outros, dos superiores que mal olhavam no

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rosto dos funcionários quando iam verificar se tudo

estava bem na loja — uma vez por mês — e


principalmente de sua chefe. A vontade que tinha
era de mandar todos irem tomar em um lugar que

ela nunca pronunciaria na frente de seu filho. Mas,


exatamente por ele, ela aguentava calada aquele
suplício.

Porém, naquele mesmo dia, Catarina não


imaginava que a falta de comida por longas dez

horas ininterruptas de trabalho ia cobrar seu preço.


Infelizmente, ela só soube disso quando bateu seu
ponto, foi ao banheiro do shopping e perdeu a
consciência por alguns segundos enquanto
aguardava na fila para trocar de roupa, já que não

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havia banheiro dentro da loja onde trabalhava.

O que Catarina também não soube


imediatamente é que, de todas as doze mulheres
presentes no banheiro, apenas uma saiu correndo

para ajudá-la quando percebeu que ela estava tonta.


Essa mulher, que parecia quase tão jovem quanto
Catarina, notou que tinha algo de errado quando, ao
terminar de secar as mãos com as toalhas de papel
dispostas em um suporte fixado à parede, deu uma

olhada para ver se uma amiga tinha entrado no


banheiro e notou que Catarina estava tentando se
segurar para não cair.

Saindo em disparada, a mulher largou a


bolsa no chão e conseguiu chegar até Catarina, no
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pequeno corredor onde a fila se formava, dentro do

banheiro mesmo, e a segurou para que ela não se


machucasse com uma possível queda.

— Opa! — a mulher exclamou quando

Catarina apagou. — Ei, inútil, não tá vendo que ela


tá desmaiando? Me ajuda a segurar! O conceito de
sororidade só vale pra mulher branca, é? — gritou
quando uma moça, que trajava uma camiseta com
os dizeres “mulheres unidas” e o símbolo do

feminismo desenhado, levou as mãos à boca ao ver


a cena, mas não fez nada para ajudar.

Uma outra moça, uma adolescente que


havia acabado de entrar no banheiro, empurrou a
pseudo-feminista para o lado e ajudou a mulher que
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segurava Catarina nos braços.

— Obrigada! — a mulher disse e levou,


auxiliada pela adolescente, Catarina até um
pequeno sofá que havia dentro do banheiro. —

Moça... Moça, olha pra mim. Foi sua pressão que


caiu, é? Já almoçou hoje?

Catarina abriu os olhos e tentou entender o


que se passava, mas sua mente estava nublada pelo
cansaço. Estava prestes a fechar os olhos de novo,

quando sentiu algo entrar em sua boca e os abriu de


novo, assustada, porém ainda sem enxergar muito
bem o que se passava à sua frente.

— Pronto, mastiga. É bolo de churros. Tem


coisa melhor que bolo de churros? Veja, tem
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açúcar, que você precisa, tem sal, porque é

amanteigado até não aguentar mais, tem canela, que


eu não sei se ajuda pra algo, e tem doce de leite
que... bom, que é gostoso. Anda, moça, mastiga!

Catarina obedeceu e mastigou lentamente,


sentindo o gosto doce do bolo e quase gemendo de
prazer ao colocar alguma coisa no estômago depois
de tantas horas. Depois de mais alguns pedaços, ela
se sentiu um pouco mais forte e abriu os olhos,

dando de cara com a adolescente e com a mulher


que a ajudara, as duas com os olhos bem
arregalados, uma segurando um pote plástico com o
tal do bolo de churros, e a outra segurando um
garfinho de plástico.

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Surpresa, ela viu que eram pessoas

totalmente distintas: a adolescente era imensa,


muito alta, desproporcional à idade que sua voz
indicava, uns doze ou treze anos, muito branca,

gorda, com olhos imensos e muito claros e cabelos


naturalmente loiros. Já a mulher era quase tão
escura quanto Catarina, magra e pequenininha,
apesar da voz potente. Tinha um nariz largo, lábios
grossos, unhas longas e pintadas de preto e um
cabelo que Catarina só conseguiu descrever como

“imenso” e “quase tão duro quanto o dela”.

Pela primeira vez em dois anos de trabalho,


a jovem mãe não se sentiu sozinha no shopping.
Pelo contrário, sentiu que, de um modo ou de outro,

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naquele momento, ela não era invisível, ainda que,

como sempre, alguém tivesse notado sua presença


pelo motivo errado.

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Capítulo 2

Dedo da mão esquerda

Três dias depois do incidente no banheiro,


ou seja, no dia vinte e seis de dezembro, quando
Catarina retornara ao seu enfadonho trabalho após
um dia de folga previsto por lei, o dia vinte e cinco,

ela encontrou a mulher negra de cabelo afro que a


ajudara exatamente no mesmo banheiro, no terceiro
piso do shopping Rio Sul.

— Ei, eu lembro de você! A moça que

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passou mal porque não comeu direito! Está melhor?


Passou um bom natal? — perguntou, toda
sorridente.

Como ela estava vestindo a mesma roupa do

dia em que a ajudara, uma calça jeans preta, uma


ankle boot de mesma cor e uma blusa azul com o
nome “Wings” bordado na frente, cobrindo seu
peito inteiro, Catarina logo concluiu que ela era
uma funcionária da loja que levava esse nome e que

ficava exatamente no mesmo andar que a sua.

— Sim, passei... Muito obrigada pela ajuda


naquele dia, acho que não agradeci direito, eu
estava...

— Morta de fome? Exausta? Eu sei,


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querida, caso não lembre, fui eu quem te levou para

tomar soro na enfermaria do shopping. Eu só não


pude ficar com você muito tempo, pois esqueci
minha bolsa no banheiro. A sorte é que a Sandy

ficou com ela.

— Sandy? — Catarina perguntou enquanto


entrava na cabine do banheiro.

— Sim! Aquela adolescente loira que me


ajudou a te carregar. Um amor, né? Quando contei

o que ela fez, todo mundo na loja ficou feliz de ver


alguém legal, para variar. Ela ganhou vale-presente
por isso — a mulher disse em voz alta, para que
Catarina pudesse escutar enquanto usava o
banheiro.
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A jovem riu do comentário da mulher, saiu

da cabine, lavou as mãos, as secou e estendeu uma


delas para a mulher sorridente, dizendo seu nome.

— Ah, desculpa, Catarina, não me

apresentei! Luciana! Mas todos me chamam de


Lula, por razões, bem... óbvias! — ela disse e
levantou a mão esquerda, mostrando que não tinha
o dedo mindinho naquela mão. — Ah, não precisa
fazer essa cara, eu gosto do apelido, é irônico,

ainda que esteja dando um certo trabalho agora que


o ex-presidente foi condenado, né? Enfim, perdi o
dedo num acidente quando era criança, mas foi um
dedo, eu tenho dezenove outros. Muito prazer,
Catarina. Em que loja você trabalha? Ah, a

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“Escolha”... — ela disse ao olhar o uniforme da

jovem mãe.

— Sim, infelizmente... — ela deixou


escapar e tapou a boca com a mão imediatamente,

arrependida pelo deslize.

Lula entortou os lábios numa careta e


perguntou antes de ir retocar a maquiagem no
espelho:

— É ruim assim, é? O que você faz lá?

Catarina ponderou se deveria falar de seu


trabalho para uma desconhecida, afinal, ela poderia
dedurá-la para sua chefe...

— Ééé... Bom, não é que seja ruim, só é...

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cansativo — ela disse, tentando não soar mal-


agradecida.

Luciana parou de retocar o batom escuro e


olhou Catarina pelo reflexo do espelho.

— Quantas horas você trabalha por


semana?

— Provavelmente o mesmo que você,


Lula... Umas cinquenta horas por semana.

O pincel que Lula estava usando para

aplicar o batom líquido caiu de sua mão e sujou


toda a pia branca e imaculada do banheiro. Lula
correu para limpar, pois não queria dar mais
trabalho para as moças da limpeza, e tentou tirar as

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manchas com o auxílio de papel higiênico.

Assim que conseguiu deixar a pia brilhante


e branca de novo, Luciana se virou para Catarina e
perguntou, assombrada:

— Cinquenta horas por semana, Catarina?


Não, na Wings as pessoas respeitam as leis
trabalhistas, sabe? Você ganha quanto de hora
extra, se me permite a pergunta?

Confusa com a surpresa de Lula, Catarina

balbuciou uma resposta:

— Eu não ganho hora extra... A sua loja não


te obriga a trabalhar mais horas, não? Poxa, que
incrível! E eles não implicam com seu cabelo? —

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ela perguntou e apontou para o afro de Lula, que

parecia cada vez mais chocada.

— Catarina, eu não... espera, o que é isso na


sua cabeça? — ela disse quando deu um passo à

frente e colocou as mãos nos ombros da jovem,


pronta para sugerir que ela procurasse um emprego,
mas parando de falar ao ver um machucado em sua
testa.

A jovem se afastou do aperto de Lula e

tentou cobrir a ferida com a franja alisada.

— É só um queimado de henê. Acontece


sempre, uma hora o couro acostuma. Mas,
responde, sua loja não implica com seu cabelo?

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Lula cruzou os braços e mordeu o lábio

enquanto pensava. Seus olhos saíram de foco por


um momento, e Catarina se perguntou o que ela
estaria pensando.

— Lula? Falei alguma besteira?

— Não, imagina! Só estou pensando nisso


que você perguntou. Sua loja não deixa você ficar
com o cabelo natural?

Sorrindo, ela olhou para a jovem de cabelo

afro como se a mesma tivesse perguntado se ela


sabia voar.

— Claro que não, ué. Tem quanto tempo


que você trabalha nessa Wings? Nunca trabalhou

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em outra? Cabelo tipo o nosso é proibido, Lula. A

gente perde emprego, eles mandam prender, porque


é “exótico demais” — ela disse e fez aspas com os
dedos. — Achei que você já soubesse disso... Sério,

essa tua loja não te faz trabalhar mais tempo, não


implica com teu cabelo... O que mais ela tem,
comissão de 3%?

— Quatro, na verdade... — Lula disse,


ainda mordendo o lábio.

Os olhos de Catarina se arregalaram tanto,


que por um momento ela pensou se não poderia
entregar seu currículo na tal da Wings. Mas aí,
depois de olhar rapidamente para Lula, percebeu
que, por mais que também fosse negra, com nariz
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largo e cabelo duro, a jovem parada na sua frente

era mais clara do que ela, que era, como um dia


ouviu na rua, “preta retinta”. A loja provavelmente
contratara Lula por isso, por ela não ser tão negra

quanto Catarina.

— Bom, Lula, a conversa tá ótima, mas eu


preciso almoçar. Podemos falar mais outro dia? —
ela perguntou tentando esconder o traço de
esperança na voz, pois, por motivos nem um pouco

interesseiros, queria conversar mais com Luciana.


Gostara dela de verdade.

— Ah, claro, desculpa! Vai pra praça de


alimentação?

— Não, eu como aqui mesmo, na cabine


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quebrada, ali, ó — disse e apontou para um dos

boxes do banheiro, que tinha uma plaquinha de


“interditado” fixada à porta.

Se é que era possível, Lula pareceu mais

chocada quando viu Catarina pegar sua bolsa, ir até


o banheiro, acenar um tchauzinho, sorrir e fechar a
porta.

Naquele exato momento, Luciana soube que


não poderia deixar aquela moça continuar daquele

jeito, num emprego horrível que não só a


explorava, como nem ao menos oferecia um espaço
para que ela pudesse almoçar em paz. A praça de
alimentação do shopping era impraticável naquele
horário, ela sabia muito bem.
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Foi também naquele momento que Lula

começou a bolar seu plano. Ela só precisaria de


uma mão do destino para conseguir realizar o que
tinha em mente.

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Parte 3

Capítulo 1

Rica

— Bom dia, posso ajudá-la? — exclamou


Marcela, uma das colegas de Catarina na Escolha,
uma jovem de dezoito anos que trabalhava ali

somente por castigo dos pais, que não aceitaram a


escolha da jovem ao se matricular em uma
faculdade de teatro e a obrigaram a custear os dois
primeiros anos de estudo.

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A cliente abordada, uma moça muito alta,

com um cabelo cacheado imenso que ia para todos


os lados, quase como a princesa da Disney que a
amiguinha de Ryan adorava, a ruiva que sabe usar

um arco, sorriu e disse:

— Pode! Eu gostaria de ser atendida pela


Catarina. Ela está por aí?

Catarina levou um susto ao ouvir seu nome,


pois não reconhecia aquela mulher como sua

cliente. Não, ela se lembraria de uma moça tão alta


e tão bonita, com olhos imensos e expressivos,
maxilar quadrado e forte e pernas gigantes,
parcialmente cobertas por um coturno que ia até os
joelhos, apesar de o Rio estar enfrentando um verão
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intenso. Bom, ao menos fora do shopping, que

sempre mantinha o ar-condicionado ligado no


máximo.

— Ah... Sim, mas ela está ocupada —

mentiu Marcela, mas Catarina estava tão intrigada


com a mulher que chamou seu nome, que apareceu
ao lado das duas e disse:

— Não, tudo bem, Marcela, obrigada. Bom


dia, senhora. Posso ajudá-la? — disse e ignorou o

olhar que a colega lhe dirigiu antes de sair de perto.

— Pode sim, Catarina. Uma amiga minha


me indicou essa loja e disse que você é a melhor
vendedora daqui. Poderia me ajudar com algumas
coisas? — ela disse e pegou uma lista no bolso da
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calça jeans. — Eu preciso comprar uma camiseta

de algodão, um vestido semi-godê midi, uma saia


godê três-quartos, um blazer básico com botões,
preferencialmente com uma pegada militar, um

sapato tamanho 42, se tiver, um cinto que combine


com o vestido e absorventes internos de tamanho
super. Ah, opa, espera, esse item não deveria estar
nessa lista...

Catarina não conseguiu segurar um sorriso

ao ver a confusão da moça com sua lista, mas logo


em seguida ficou séria e perguntou:

— Esses itens são todos para a senhora?

— Sim! Pode trazer a estampa que você


achar mais bonita. Quer que eu repita a lista?
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— Não, não precisa. O sapato infelizmente

não temos nessa numeração. O blazer acabou, mas


posso verificar em outra loja se temos algum
modelo que te interesse. Eu acho... acho que tem

um blazer estilo militar na ponta de estoque da loja


na Avenida Rio Branco... — ela disse, pensativa.
— Só um minuto, senhora, enquanto eu busco o
restante dos itens.

— Ok, obrigada! — a moça alta respondeu

e começou a olhar as roupas penduradas nas araras.

Poucos minutos depois, Catarina apareceu


com todos os itens que a cliente pedira e começou a
se desculpar:

— Senhora, infelizmente não temos um


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vestido no comprimento que você pediu. Temos um

que é um pouco mais curto e um mais comprido,


mas dá para fazer uma bainha rapidamente.

A moça alta franziu os lábios pensativa e

perguntou antes de tirar as roupas das mãos de


Catarina e ir até a cabine:

— E essa loja faz a bainha?

— Não, mas eu posso fazer para a senhora,


caso não tenha uma costureira de sua preferência.

— Ah, você costura?

— Não, mas sei fazer bainhas. Ou posso te


indicar uma loja de reparos no primeiro piso desse
shopping.

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— Ok, então! Já volto!

Catarina correu até o estoque enquanto a


cliente se trocava e começou a pensar em roupas
que combinariam com o estilo dela. Ela parecia ser

rica, já que suas roupas eram muito bem-feitas, mas


seu estilo era simples e feminino, apesar das botas
militares. Era o que Catarina chamava de roqueiro-
rico. Em minutos, ela separou várias peças e levou
até a cabine da cliente, pendurando-as no varão da

cortina e avisando que pegou outras peças que


poderiam combinar com o que foi pedido pela
moça alta.

A cliente agradeceu, pegou tudo e ficou uns


dez minutos dentro da cabine sem falar nada.
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Catarina deu uma olhada pela fresta no chão, que a

cortina da cabine não cobria, e viu que a cliente


nem ao menos tirou suas botas, o que fez a jovem
vendedora erguer as sobrancelhas. Como ela

pretendia experimentar o vestido ou a saia por cima


da calça jeans?

— Catarina, como são as opções de


parcelamento daqui? — ela gritou de dentro da
cabine, e a vendedora prontamente respondeu

todas. — Ok, então, obrigada.

A mulher saiu da cabine vestida em suas


roupas e entregou as peças exatamente do jeito que
Catarina trouxera da cabine. Com uma pontada de
decepção, a jovem percebeu que não ia vender nada
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para aquela moça, que estava concentrada digitando

algo em seu iPhone.

— Muito obrigada pelo seu tempo,


Catarina! — ela disse e deu um sorriso imenso para

Catarina, que retribuiu educadamente dizendo:

— Imagina, senhora, sempre que precisar.

Ainda sorrindo, a mulher colocou o celular


no bolso traseiro da calça e foi embora da loja.
Catarina ficou olhando ela sair, ainda tentando

entender quem era ela e o que queria, quando viu n


a batinha cor-de-piscina da mulher uma linda
imagem de asas de borboletas nas costas, bordadas
próximas ao nome “Wings”.

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Sua cabeça fervilhou com possíveis

explicações para aquela coincidência toda, até que


chegou à conclusão de que aquela moça deveria ser
gerente da loja onde Lula trabalhava. Ou seja, sua

colega de profissão provavelmente recomendara


Catarina, a ponto de sua superiora vir testá-la.

Ainda pensando no assunto, Catarina foi


riscar seu nome da lista de papel que mostrava a
ordem de abordagem das vendedoras às clientes,

ignorando sem querer a bronca que a gerente dava


por ela pegar a venda de Marcela e nem ao menos
conseguir vender um mísero cinto.

Pela primeira vez em muitos anos, Catarina


não sentiu raiva quando sua chefe cutucou sua
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testa, chamando sua atenção como fazia quando a

jovem estava distraída. Porque não interessava o


que aquela megera poderia fazer, seu coração
estava cheio de outra coisa que a impedia de ficar

com raiva.

Estava cheio de esperança.

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Capítulo 2

Visível

Uma semana se passou desde o dia em que


a desconhecida de botas de combate e cabelo
gigante fora até a Escolha e pedira para ser atendida
por Catarina. Suas esperanças, que antes enchiam

seu peito e transbordavam por seu corpo todo, se


esvaíram rapidamente, e a jovem se deu conta de
quão tola ela fora ao pensar que alguém ia contratá-
la com aquele cabelo duro alisado, aquele nariz de

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chapoca e aqueles lábios grossos de preta retinta.

Não adiantava, ela era isso mesmo, preta,


preta retinta, é claro que a moça branca, alta, rica,
magra não ia querer contratá-la. Catarina já estava

farta de ouvir desculpas esfarrapadas para não


passar em entrevistas de emprego, mesmo sendo
qualificada, mesmo tendo ensino médio completo,
mesmo sendo inteligente, mesmo sendo
competente.

Com raiva, ela colocou um vestido em um


cabide e pendurou na arara, sendo repreendida
imediatamente:

— Opa, bonitinha, tem como manter suas


frustrações sexuais longe do ambiente profissional?
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Se quebrar alguma coisa, sabe quem paga, né,

Catarina? Não sou eu, viu? Esse henê todo que tu


passa na cabeça derreteu teus neurônios, só pode!
— sua chefe disse enquanto cutucava as cutículas.

Catarina sentiu vontade de mandá-la ir à


merda, mas respirou fundo uma, duas, três, quatro
vezes. Tinha que aguentar, não tinha opção,
nenhuma outra loja nem mesmo a chamara para
entrevistas nos dois anos em que estava trabalhando

para a Escolha. Se ela quisesse pagar suas contas,


deveria aguentar por mais alguns anos até a
aposentadoria... Quantos mesmo? Quarenta?

— Bom dia, posso ajudá-la? — a voz de


uma de suas colegas a tirou de seus devaneios e ela
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voltou o olhar para a entrada da loja.

Com surpresa, viu Lula entrar,


deslumbrante em um penteado que prendia seu
cabelo em dois grandes coques laterais, como em

uma versão afropunk maravilhosa da Minnie, ela


pensou, uma saia longa com a estampa que sua
gerente chamava de “africana”, um top cropped de
couro que deixava uma faixa de pele exposta e
saltos altíssimos.

— Nossa, que cabelo é esse? — ela ouviu


sua chefe sussurrar.

Lula desejou bom dia à vendedora e olhou


ao redor, vendo Catarina atônita no canto da loja.

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— Oba, achei! Caty, vem cá! — ela disse,

acenando para a jovem vendedora, que achou graça


do apelido, mas não se mexeu, com medo de sua
gerente, que a olhava de cara feia, brigar.

Lula seguiu o olhar de Catarina e viu a


gerente loira a impedindo de sair de seu posto,
aguardando sua vez de abordar algum cliente.
Bufando, foi até a gerente e pediu com a maior
educação que conseguiu:

— Bom dia. Você é a gerente? Eu preciso


conversar com sua vendedora por dois minutos, ok?

A gerente olhou para Lula de cima a baixo e


respondeu com grosseria:

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— Ela não pode sair, está em horário de

trabalho. Ela deveria ter avisado às amigas que não


pode sair durante o expediente.

Lula ergueu uma sobrancelha e franziu o

nariz quando percebeu que a mulher ia dar trabalho.

— Ok, mas eu não sou uma amiga, sou uma


cliente, então eu quero que ela saia comigo nesse
minuto. A cliente não tem sempre razão?

A mulher loira parou de cutucar as cutículas

e olhou para Lula.

— Sim, senhora, a cliente sempre tem


razão. Mas quando é cliente. Não sei como
funciona onde vocês moram, mas aqui...

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— Opa, opa, opa. Onde nós moramos? —

Lula disse, aumentando a voz. — Do que você está


falando? Catarina, onde você mora?

— Na Rocinha... — ela disse com a voz

fraca, temendo que sua chefe fizesse algo contra


seu emprego.

— Ah, na Rocinha! Deixa eu ver se


entendi... como é seu nome mesmo, Dona Gerente?
Bom, não me importa. Deixa eu ver se entendi:

você acha que, só porque eu sou preta, eu venho da


comunidade, é isso? Não me leve a mal, Catarina,
não tenho absolutamente nada contra o local onde
você mora, só estou tentando entender a lógica da
Dona Gerente aqui.
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A gerente endireitou a postura e ergueu o

queixo, como se estivesse sendo ofendida por Lula


ao ser chamada de “Dona Gerente”.

— Não foi isso que eu quis dizer. Presumi

que você viesse da favela porque é amiga da


Catarina.

— Ah, sim, e gente de comunidade só tem


amigo dentro da comunidade, é isso? — Lula
perguntou e cruzou os braços.

— Você está distorcendo tudo que eu estou


falando. Por favor, volte para visitar sua amiga em
outro horário, não tenho tempo para discutir esse
tipo de vitimização, tenho mais o que fazer.

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Catarina abriu a boca, de tão espantada que

estava, e olhou a guerra verbal entre Lula e sua


chefe, pensando se deveria ou não dizer algo, mas
Luciana simplesmente respondeu:

— Ah, claro que você tem muito o que


fazer, né? Cutucar as unhas é um trabalho muuuito
árduo. E a julgar pela poeira no caixa, a loja está às
moscas, o que significa que você é uma péssima
gerente, que não motiva ou mesmo treina suas

funcionárias. Realmente, eu estou atrapalhando


uma guerreira, trabalhadora brasileira, que ganha
seu sustento graças ao seu suor, né? — questionou
com ironia, pontuando a última frase com um
soquinho no ar.

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A gerente abriu a boca para responder, mas

Lula ergueu um dedo e disse:

— Não terminei. Mas nem vou terminar,


porque eu sim tenho mais o que fazer do que ficar

vendo uma loja porcaria, com roupas porcarias


sendo gerenciada por uma profissional bostinha e
racista que nem você. Catarina vai sair comigo
você querendo ou não. Volte a cutucar suas unhas,
faça valer a pena seu contracheque, Dona Gerente.

Vem, Caty.

Lula ergueu a mão para Catarina, que estava


com os olhos muito arregalados e as mãos trêmulas.
Antes que ela tomasse uma decisão sobre pegar ou
não na mão de Luciana, sua chefe disse:
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— Ao menos eu tenho um emprego, não

vivo de Bolsa-Família!

Lula abaixou a mão que estava erguida,


entortou a cabeça para o lado e olhou para a gerente

com curiosidade antes de dar a cartada final:

— Deixa eu te contar uma coisinha, Dona


Gerente. Conhece a Wings, a loja imensa que tem
aqui pertinho? A que dá umas três ou quatro da
sua? Então. Ela é minha. Mas eu quero que você

entenda bem o que isso significa. Ela não é minha


porque eu sou gerente. Ela é minha porque eu
fundei ela. Sou proprietária da marca, consegue
acompanhar meu pensamento? Todas as lojas no
Rio de Janeiro, Botafogo Praia Shopping, Nova
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América, Norte Shopping, Rio Sul e Avenida Rio

Branco, mais as lojas em São Paulo e em Brasília,


são minhas. Todinhas minhas, todas as vinte e oito
lojas, entende isso?

Catarina desviou o olhar de sua chefe, que


parecia mortificada, e olhou para Lula, parecendo
muito impressionada em saber que sua nova amiga
não era exatamente sua colega, ou seja, uma
vendedora, mas sim dona da empresa toda.

— Eu não vou esfregar na sua cara o meu


sucesso ou quanto dinheiro eu tenho no banco ou
quantos carros ocupam a garagem dos meus
apartamentos, mesmo eu não estando nem na casa
dos trinta, e sabe por quê? Única e exclusivamente
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porque eu não acredito em competição feminina.

Acho que, se eu tenho que lutar contra alguma


coisa, é contra machismo, transfobia, homofobia e
essas coisas, não contra outra mulher. Você, Dona

Gerente, é uma escrota de marca maior, mas isso


não se deve ao fato de você ser mulher, e sim à sua
personalidade. Então serei superior ao meu desejo
de mostrar quão foda eu sou, levarei sua
funcionária você querendo ou não e não quero
ouvir um pio vindo de seus lábios, senão eu ligarei

pessoalmente para o Fernandes, dono dessa


espelunca de loja que você trabalha, e você perderá
esse cargo tão trabalhoso, tão difícil, em que você
precisa cutucar as unhas todo dia. Tem algo a

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declarar? Não? Ok, obrigada.

Lula disse isso com a maior calma do


mundo, fazendo Catarina a admirar mais a cada
segundo, não somente pelo seu sucesso, mas pelas

suas palavras sobre competição feminina e tudo o


mais. A jovem estava diante de uma mulher segura
de si e incrivelmente carismática e inteligente. Era
exatamente isso que Catarina gostaria de ser.

Sem hesitar dessa vez, Catarina aceitou a

mão de Lula e foi levada para fora da loja em


direção à Wings, onde foi apresentada às sócias de
Lula, Sophia, uma mulher pequenininha, muito
branca e com cabelo escuro e curtinho, e Lena, a
mulher alta de cabelo imenso que fora até a loja,
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mas não comprara nada havia uma semana.

Surpresa, Catarina ouviu as três mulheres


oferecerem um emprego a ela de vendedora com
carteira assinada, vale-refeição, participação em

plano de saúde, plano odontológico completo,


desconto nas roupas da loja e, para a maior alegria
da jovem mãe, um horário mais flexível, que fazia
com que ela pudesse passar mais tempo com sua
mãe e seu filho, mas sem diminuir sua comissão.

Sem nem pestanejar, Catarina aceitou o


emprego e recebeu um abraço de Lula quando as
lágrimas teimaram em cair de seus olhos, borrando
sua maquiagem e sujando o tecido da blusa de
Luciana.
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Não era habitual que as três donas da marca

Wings viessem pessoalmente cuidar de uma


contratação em vez de deixar a cargo do RH, mas
Luciana viu um potencial imenso na jovem e

decidiu que seria unir o útil ao agradável. Ninguém


entendida Catarina tanto quanto ela, já que Luciana,
mesmo não tendo nascido no Brasil, era negra,
portanto sofria na pele o preconceito, em níveis
diferentes, claro, mas sofria.

A relação profissional entre Catarina e a


Wings foi a melhor possível. Suas empregadoras
acreditavam em crescimento dentro da empresa,
então logo a jovem se tornou subgerente, depois
gerente e, futuramente, foi convidada a trabalhar no

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escritório central, com um salário fixo e vantajoso.

Educadamente, ela recusou a proposta, já que


realmente gostava de estar em loja, de resolver
pepinos, treinar novas funcionárias que, assim

como ela, tinham potencial, mas pouca


oportunidade. Além disso, o dinheiro que tirava em
datas comemorativas era vantajoso, mais até do que
o salário fixo.

Havia também outro motivo para sua

recusa: um certo funcionário que ela conhecera


quando fora transferida para a maior Wings de
todas, no prédio do escritório central da marca. Um
certo trabalhador que a notara assim que ela
apareceu na loja pela primeira vez.

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Um certo homem chamado Marcos, que,

anos depois, lhe deu uma aliança e uma filha.

Tudo se encaixou, na medida do possível,


para Catarina. Um emprego que ela amava, uma

família perfeita, ao lado de Marcos, Ryan, Jéssica e


sua mãe, segurança e estabilidade. Catarina
continuava sendo invisível para diversas pessoas, e
sua luta para existir enquanto mulher negra e da
favela nunca ia cessar.

Porém, para quem a importava, Catarina era


totalmente visível.

E é assim mesmo que deveria ser.

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Fim

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Agradecimentos

Muito obrigada a todos que leram,

comentaram, opinaram, enfim: a todos que me


ajudaram, de algum modo, a trazer Catarina do
Wattpad para a Amazon.

A história de Catarina foi inspirada em


diversas amigas e colegas de trabalho que eu

conheci quando trabalhei em lojas de roupas no Rio


de Janeiro e que enfrentam um leão por dia apenas
por serem quem são: negras, mulheres, periféricas,
uma dessas coisas ou todas juntas.

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Eu, como mulher branca, tenho plena

consciência dos meus privilégios, por isso dedico


do fundo do meu coração esse conto a todas que
passam pelas coisas que Catarina passava (muitas

vezes, até coisas piores, inimagináveis para quem


nasceu privilegiada apenas por ter menos melanina,
como eu). Muitas delas, creio que a maioria, não
têm uma Luciana para ajudar, lembrem-se disso
quando forem atendidas por uma Catarina em uma
loja e não receberem o maior e mais descansado

sorriso do mundo.

Jamais foi meu objetivo tomar a voz de


ninguém ou lucrar com o sofrimento do povo
negro. Exatamente por isso, esse conto só não é

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100% gratuito porque a Amazon não me permite

deixar mais do que quatro dias de gratuidade a cada


três meses. No dia em que eu puder mantê-lo de
graça para sempre, o farei sem hesitar.

Agradeço de coração novamente. Muito


obrigada.

Com amor,

Clara

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Conheça outros livros da


autora
Para Sempre Noiva – disponível na
Amazon, publicado pela Editora Livros Prontos
pelo selo Botando Banca!

Sem Alternativa – em breve disponível na


Amazon, pelo selo Botando Banca!

Liam – em breve disponível na Amazon.

Não Me Dê Flores! – em breve disponível


na Amazon.

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[1]
“Encontre-me na floresta, no fogo
Encontre-me no meio de seu desejo
Eu tenho amor em alta conta
‘Amor nas alturas’

Encontre-me no sagrado, na dor


Encontre-me na seca, na chuva
Eu tenho amor em alta conta
Eu vejo o amor em todas as faces”
[2]
Inicialmente, a banda contratante de Gabriel e Lena, na
versão Wattpad de Amor nas Alturas, era exatamente a Jack
Rock, da série best-seller de minha amiga Aretha V. Guedes.
Mas, por razões contratuais envolvendo concursos literários,
nós tivemos que quebrar o crossover. Você pode conferir os
livros da JR na Amazon: Elle – Música, Amor e Amizade,
Elle – Sombras do Passado, Elle – Amor e Redenção, Chris e
o box de contos!
[3]“Quando você está viajando por todo o mundo
E eu estou deitado sozinho
Sei que há algo sagrado e livre reservado
E recebido somente por mim

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Ninguém sabe, mas você tem um sorriso secreto


E você o usa só para mim”
[4]
OTP: one true pairing, ou seja, uma combinação perfeita
entre dois personagens de uma história, fanfic ou mesmo
pessoas da vida real. Também conhecido como “ship”, OTP é
um termo muito utilizado em fandoms. No Brasil, um “ship”
famoso é o “Brumar”, ou seja, do relacionamento do jogador
Neymar com a atriz Bruna Marquezine.
[5]
Não é como um passeio no parque amarmos um ao outro
Mas quando nossos dedos se entrelaçam
Não posso negar, não posso negar, você vale a pena
Porque depois desse tempo todo
Eu ainda estou a fim de você.
[6]
Eu deveria ter superado esse frio na barriga
Mas estou a fim de você (estou a fim de você)
E, querido, até mesmo nas nossas piores noites
Estou a fim de você (estou a fim de você)
Deixe-os se perguntarem como chegamos tão longe
Porque eu realmente não preciso me perguntar nada
Sim, depois desse tempo todo
Eu ainda estou a fim de você
[7]
Algumas coisas apenas
Algumas coisas apenas fazem sentido
E uma delas é você e eu
Algumas coisas apenas
Algumas coisas apenas fazem sentido
E mesmo depois desse tempo todo
Estou a fim de você
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Querido, nenhum dia se passa


Sem que eu esteja a fim de você.
[8]
“O relógio está correndo, está ficando sem tempo, então
devemos festejar a noite toda”
[9]
“Então cubra seus olhos, eu tenho uma surpresa, espero
que você tenha um apetite saudável”
[10]
“Garoto, quando você está comigo, te dou um gostinho.
Farei como se fosse seu aniversário todos os dias. Eu sei você
gosta de doce, então você pode ter seu bolo. Te darei algo de
bom para comemorar”
[11]
“Então vista sua roupa de aniversário. É hora de trazer os
grandes, grandes, grandes, grandes balões!”
[12]
Mas no momento em que você aparece, você me acorda,
me acorda, me acorda dos sonos da minha cabeça, das favelas
de solidão.
[13]
E não há nenhuma conspiração no jeito que dois corações
se encontram, quando o amor é uma via de mão dupla (O
amor é uma via de mão dupla).
[14]Mas eu não ligo para a história quando eu tenho você na
minha frente.
[15]
Não posso fazer você se apaixonar por mim...O amor é
uma via de mão dupla.
[16]
Você ainda é o que me segura
Consegue sentir queimando?
Consegue sentir queimando ainda?
[17]
“Deixando ir, deixando ir
Te dizendo coisas que você já sabe
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Eu explodo, eu explodo,
Te pergunto onde você quer que a gente vá.
Você tem andado em duas rodas a vida toda,
Não é como se eu estivesse pedindo para ser sua esposa.
Eu quero te fazer meu, mas é difícil de dizer.
Isso está saindo de modo brega?”
[18]
“Eu amo tudo o que você faz, quando me chama de
idiota...”
[19]
“Não posso fazer você se apaixonar por mim”

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