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1940-1960 O periodo é de intensa industrializagéo e urbanizacao para o Brasil. O movimento de arquitetura moderna procura aproveitar os recursos oferecidos pelo sistema industrial nascente. O relacionamento da arquitetura com as estruturas urbanas é reexaminado, sur- gindo alguns edificios e conjuntos resi- denciais com solugées de implantagao eficientes. 87 O periodo que se inicia por volta de 1940, com a Segunda Guerra Mundial, e que nos traz até 1960, com o plano de Brasilia, compreende a fase de mais intensa industrializag4o e urbanizagao da historia do Pais. Ocor- re entdo um vertiginoso avango téenico e econdmico, acompanhado de profundas transformagécs sociais. A ele corresponde também a eclosio do movimento con- temporaneo de arquitetura, cujas primeiras manifesta- cGes poderiam ser recuadas até a Semana de Arte Mo- derna de 1922 em Sao Paulo mas que aguardava as oportunidades adequadas 4 sua expansio. O marco inicial dessas transformagées seria consi- derado o projeto do edificio-sede do Ministério da Edu- cago, no Rio de Janeiro. A partir dessa €poca as obras mais representativas da arquitetura brasileira pro- poriam uma ampla revisio, com a qual seria tentada uma sintonia entre as possibilidades crescentes da estru- tura industrial e as exigéncias cada vez mais complexas do meio. Os problemas da implantagao da arquitetura ur- bana seriam corajosamente enfrentados pelos arquitetos € muitos de seus sucessos seriam devidos ao elevado grau de consciéncia com que reconheciam as suas res- ponsabilidades. As habitag6es individuais isoladas apro- veitariam de modo especial as inovagGes arquitet6ni- cas, decorrentes do avanco técnico e econdmico. Pela primeira vez seriam exploradas amplamente as possi- bilidades de acomodagao ao terreno, em que pese 4 exi- gilidade dos lotes em gera!. Para isso contribuiria prin- cipalmente o uso das estruturas de concreto, que viriam libertar as paredes de sua primitiva fung30 de susten- tagdo e as estruturas de sua rigidez. Agora as lajes de piso e cobertura seriam de concreto, em substituigdo as velhas estruturas de vigas de madeira, com soalhos de tabuas Jongas e revestidas por baixo com forros de estuque ou madeira. Também as vigas e colunas eram agora de concreto; as paredes de tijolos nao mais se- tiam estruturais, mas funcionariam apenas como pai- néis de vedacao. Passavam pois a vigorar os principios da “planta livre”, com ampla flexibilidade, de modo que, pelo me- Nos em teoria, somente seriam satisfeitas nos projetos as exigéncias de funcionalidade e da prépria composi- géo. Se, por um lado, na pratica esses alvos estavam 88 Uma nova arquitetura, TF eremememe: nee eae, uma nova SaroTre tebe longe de um completo atendimento, por outro € inega- vel que seriam superados os entraves que ainda dificul- tavam o desenvolvimento na organizagdo espacial. As ediculas seriam integradas nas edificagdes prin- cipais. A imcorporagéo se operaria de modo a trans- formar em 4reas de servico pequenas parcelas de um dos afastamentos laterais, ou mesmo dos afastamentos das vias ptblicas. Assim, os velhos quintais das resi- déncias isoladas, com seus compromissos rurais, redu- ziam-se agora a pdtios ou corredores murados, deixan- do para usos socialmente mais valorizados a maioria dos espagos externos. Desaparece, entéo, a orientacao frente-fundo dos projetos com toda a antiga cono- tagdo de valorizacio e desvalorizacao. Fundes, fren- tes ou lados viriam a ser jardins e¢ locais de estar, quando conveniente, e até mesmo as frentes, contra todos os preconceitos, ostentariam patios murados das novas areas de servico. A isso corresponderia a pos- sibilidade de mais eficaz disposigéo funcional, deslo- cando-se salas e dormitérios para os locais melhor iso- lados ou sombreados, conforme a condigéo de clima. Corresponderia também claramente um desenvolvimento do paisagismo, de modo a explorar cada parcela de area livre, ligando os espagos externos aos internos. As solugées, os materiais e as proprias arvores sofreriam Tenovac¢io; empregavam-se agora plantas nacionais, re- constituiam-se aspectos da propria natureza do Pais ¢ chegou-se a descobrir o encanto decorativo da “barba- -de-bode”, o mais humilde dos capins nativos. Apoiada, portanto, nas possibilidades oferecidas pela “planta-livre” no interior e pela superacdo dos mais sérios preconceitos no exterior, com a conseqlen- te reconciliagio da habitagao com a paisagem, a arqui- tetura de residéncias atingiria altos padrées de com- posig ao. Tecnicamente a renovacdo nao se restringiu ao uso do concreto. As limitagdes de importagao e¢ necessidades internas do pais, no periodo da Segunda Guerra Mun- dial, que persistiriam cm seguida ¢ até hoje, constitui- riam estimulo suficiente para que nossa industria fosse substituindo completamente os materiais importados, por produtos nacionais, dia a dia mais perfeitos. Es- sas mudangas se refletiriam na arquitetura, Os detalhes, sobretudo, perdidos og vinculos com um processo qua- 90 A 1g xcoxamase’ Es eee _@ estrutura urbana tradicional homo - se automatico de importagao, dos mercados produtores internacionais com tradigdes préprias, passariam por uma revisdo salutar, tanto do ponto de vista funcional, quanto do ponto de vista formal. Janelas, portas, lu- minarias, ferragens, lougas sanitdrias ou elementos de decoracgaéo como cortinas e méveis, tapetes e objetos de adorno, seriam aos poucos influenciados por uma re- novacao geral do gosto, cujas origens podem ser encon- tradas no movimento de arquitetura contemporanea e cujos efeitos alcangariam até mesmo os objetos de uti- lidade doméstica mais eminentemente influenciados pelas tradicdes, como os talheres, loucas e, de certo modo, o vestuario. As mudangas nos sistemas de cobertura, resolvi- dos agora com telhas de novos materiais, com peque- 91 nas inclinagdes, apoiadas sobre as lajes de concreto e ocultas sob discretas platibandas, dariam ensejo a uma geometrizagao geral dos volumes, nos termos dos mo- delos estrangeiros das casas de teto plano, de gosto cubista. Internamente essa inovacao possibilitaria a va- riacdo dos niveis de pé-direito em cada compartimento, acompanhando a declividade suave do telhado. Exter- namente as inovagGes plasticas corresponderiam 4 de- cadéncia do fachadismo e ao tratamento arquiteténico homogéneo de todas as elevagdes. Refletindo as alteragdes sociais da época e a cres- cente democratizagaéo da vida, toda a organizagao es- pacial modificava-se no sentido de valorizar a vida fa- mailiar como uma unidade. Ao mesmo tempo que se enfraqueciam tendéncias exibicionistas vinculadas as salas das casas tradicionais, tentava-se um tratamento arquiteténico consistente de todas as fungdes e parce- las de espaco. Como decorréncia dessa orientagao, nao apenas salas, mas dormitérios, banheiros, vestidrios, passagens ou escadas sofreriam um reexame que os li- yraria do desprestigio anterior, passando a ser enfren- tados como parcelas de um mesmo ambiente, passiveis de um equivalente tratamento arquiteténico. Todo um sentido manual de realizacgio das tarefas domésticas seria rapidamente superado pela crescente industrializa- ¢io do Pais, com o fornecimento de equipamento me- canico de uso domiciliar ¢ iria encontrar nas propo- sigSes de nossa arquitetura contemporanea, as férmu- las mais adequadas 4 reorganizagdo da vida nas resi- déncias, com menores recursos de mao-de-obra. Como conseqiiéncia, os locais de trabalho seriam atualizados, quase naturaimente, pelo emprego de aparelhos de uti- lidade doméstica. Aos objetivos de valorizagdéo da unidade funda- mental da vida familiar, corresponderiam tentativas de organizagao espacial das residéncias com interpenetra- cao de espacgos. Em oposig¢éo ao primitivo fraciona- mento do espago interno das casas tradicionais, com suas salas e saletas, fossem de musica ou de estar, de almogo ou de jantar, de visitas, de estudos e de vestir (ao ponto de se chamarem, no Sul, de salas-de-banho os banheiros), buscava-se uma integragao das partes de uma unidade basica, ndo pela soma, mas por uma con- tinuidade espacial que substituisse o antigo excesso de 92 +. sala; 2. e 3. dormitérios; 4. vazio; 5. gara- gem, paredes e abolisse indmeras portas, chaves, trincos ¢ fechaduras. Em alguns projetos, foi tentada mesmo a ligagdo da sala com o local de servigo, com a conse- qiiente valorizacao social ¢ arquiteténica daquela peca que havia sido a mais rigorosamente desprestigiada pela organizaciio tradicional: a cozinha. Essas inovages pos- sibilitariam a ampliagdo e o enriquecimento do espago interno das residéncias menores, até entéo amesquinhado por um sem-numero de subdivisdes, ao modo das casas maiores. Claro esta que os preconceitos em relagdo a certas parcelas do espaco residencial, em especial em rela- co aos locais de servigo, nao lograriam desaparecer, como até hoje no desapareceram. Contudo, perderam a forca de diretrizes. Mais recentemente vem-se delineando um tipo de orientacao diversa. Ao contrdrio das velhas casas, preo- cupadas com a exibigao de suas salas & rua, surgem agora patios ¢ jardins nos fundos ou na parte central, fonge da vista dos estranhos, para os quais abrem-se quartos ¢ salas, num ambiente de completa intimidade. Esses pAtios aparecem como decorréncia de corpos de construgdo mais ou menos destacados, unidos por es- cadas ou rampas. Sao esses uma clara revelaciio do empenho de conseguir um ambiente de intimidade pa- ra a vida social e da familia. A possibilidade de con- trolar essa paisagem interior, de modo a conquistar uma perspectiva de repouso, em contraposicao & ex- terior, incontrolavel e de modo crescente opressiva, vem sendo manipulada de formas diversas pelos ar- quitetos. Rino Levi, por exemplo, voltaria algumas de suas casas tao decididamente para o interior, que os jardins externos seriam totalmente abertos para a rua. O custo excessivo dos terrenos e sua conseqiiente exi- gilidade, o aspecto cada vez mais desordenado e mesmo convulsionado da paisagem urbana e o custo sempre 93 menor do concreto, em relagdo a outras técnicas, jus- tificam © aparecimento de algumas solugdes desse tipo de residéncia, constituidas de uma caixa de concreto construida quase sobre os limites laterais — cujos afas- tamentos sao desprezados por excessivamente exiguos — com um patio interior e outro de fundos. Vilanova Artigas, dentro da linha de evolugdo de sua obra, cons- tréi essa perspectiva interior como um jardim cercado por dois blocos, ligados por rampas. Os jovens Ro- drigo Lefévre e Sergio Ferro constroem-na como um jatdim dentro do préprio espago arquiteténico, prote- gido por cobertura de pladstico e controle de insolagao. Em casos como esses obtém-se uma abertura total dos compartimentos para o espago interior; naqueles, quan- do se impdem, aparecem os vidros de separagao. Esse emprego crescente do concreto em larga es- cala tem permitido uma exploragao mais ampla da composi¢éo em varios planos, sendo esses freqliente- mente associados a uma intengéo simbdlica. O con- creto surge também como o elemento plastico funda- mental, razio pela qual é deixado ao natural, numa solugio que ja tem sido chamada de brutalista. Nessas oportunidades tém sido colocadas também algumas for- mulacées de técnicas construtivas de pré-moldados, par- cialmente inadequadas para residéncias individuais, mas significativas de um desenvolvimento que j4 se anuncia. Nessa época, sob a pressio do crescimento e da concentragao demografica, multiplicaram-se os prédios de apartamento cujas vendas foram facilitadas pelo sis- tema de condominio. A sclugio da questao de pro- priedade do lote seria dada pelo sistema da proprie- dade de uma “quota-parte ideal” cujo correspondente material viria a ser um direito de construir nem sem- pre suficientemente esclarecido. A transformagao nas relagdes entre o lote urbano e a arquitetura chegou nesse caso a um ponto maximo dc adaptagao das ve- Thas solugdes coloniais. Por outro lado, logo apés a Segunda Guerra Mundial comegaram a aparecer alguns conjuntos de edificios de apartamentos cuja implantagao ja apre- sentava caracterfsticas totalmente renovadoras. Assim ocorreria no Parque Guinle, no Rio de Janeiro, onde o projeto de Lacio Costa conseguiria uma disposigao dos edificios que simultaneamente valorizaria o parque e 94 garantiria a integragdo daqueles na paisagem. Apro- aimadamente nessa época, em Sao Paulo, proje- tando © edificio Louveira, 4 Praca Vilaboim, J. Vilanova Artigas utilizaria dois blocos isolados, com um jardim intermedidrio, aproyeitando também muito da excepcional situacao do terreno junto a praga. Com tais implantacoes, esses edificios rompiam com os com- promissos herdadosx das residéncias individuais e po- de-se dizer que neles, pela primeira vez, um edificio de apartamentos nao upresentava mais quintal. Desse modo, dava-se passo significative para o estabeleci- mento de uma nova escala nas rclagdes entre arquitetura e lote urbano ¢ encontravam-se, para novas formas de habitagao, novos esyuemas de implantagio. Também desse tempo, © conjunto residencial de Pedregulho, na Guanabara, projetado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy, deveria servir de residéncia para funcionérios da antiga Prefeitura do Distrito Federal, com baixo padrao de vida, As dimensdes do terreno disponivel e a prépria escala do programa conduziriam o arquiteto a esbogar uma unidade de vizinhanga onde seria tenta- da a solugdo de toda uma série de questdes até entio consideradas como fora do plano da habitacdo, mas que haviam sido resolvidas dentro dessa na ordem tradicional — e que, por isso, estavam sendo ignora- das em nossos dias. Desse modo, além dos pavilhdes residenciais, foram projetados e construidos equipa- Mentos para uso comum, como escola primiiria, am- bulatério médico, mercado e praca de esportes. No edificio Louveira, no Parque Guinle ou no conjunto de Pedregulho, os arquitetos brasileiros vinham apontando os caminhos para solucionar os problemas basicos de implantagao da arquitetura urbana no sé culo XX. A grande oportunidade, porém, ainda esta- ria por vir. Seria o plano de Brasilia. on

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