You are on page 1of 14

A IMIGRAÇÃO NIPÔNICA NO BRASIL: NUANCES E

PERCALÇOS DE INTERESSES POLITICOS E ECONÔMICOS

Silvio Marcio Gomes Oliveira1

INTRODUÇÃO

O principal objetivo deste artigo é apresentar sob uma perspectiva histórica-


analítica, os interesses e objetivos que culminaram na chegada dos japoneses ao Brasil
durante o início do século XX, assim como este processo foi costurado entre os
governos do Brasil e do Japão como forma de minimizar interesses de ambos Países no
tocante a dois objetivos em comum: atender as necessidades do Brasil que naquele
momento necessitava de mão de obra para trabalhar nas fazendas de café,
principalmente em São Paulo e no sul, mais ao norte do Paraná, representando assim, o
que chamamos de a terceira fase histórica do ciclo do café, caracterizada pela existência
de pequenas propriedades e a cooperativa e, do outro lado, o Japão, que precisava de
certa forma, aliviar a tensão social no País, causada por seu alto índice demográfico. 

É deveras importante salientarmos que até a década de 1850, quem formava o


grosso do contingente de trabalhadores braçais para a agricultura no Brasil eram os
escravos negros que desterrados da África, desempenhavam a força humana para a
consolidação de uma agricultura voltada à exportação em larga escala.

Contudo, é importante observar que

Co
mo já vimos, para o Brasil, assim como para os
demais Países do Ocidente, o grande País asiático
até o século XIX era a China da Dinastia Chin. É
compreensível que o Brasil tenha dado preferência
a este País para estabelecer relações diplomáticas,
já que havia interesse para receber imigrantes
destinados a lavoura de café e a potencialidade
demográfica da China já era conhecida para envio
de emigrantes (NINOMIYA:1996, p. 247)

1
Mestre em Serviço Social pela PUC-SP, Pós-graduado em História e Professor Substituto de História da
Universidade Federal de Roraima-UFRR;
Ou seja, num primeiro momento, o governo brasileiro optara pelos chineses ao
invés dos japoneses, e isto tem uma explicação plausível, pois neste momento, o Japão
estava passando por um gradativo processo de mudanças que perpassavam pelo crivo de
uma ampla reforma de cunho administrativa, afinal era de muita importância para o
governo japonês abolir definitivamente o modo de produção feudal que persistia há
séculos e construísse novas províncias que coadunassem com o desenvolvimento
tecnológico que refletia na chegada das industrias, assim como no engendramento de
empresas estatais e por fim com a estruturação do Estado sob o domínio da Dinastia
Meiji.

É importante ressaltar que os primeiros japoneses que aqui chegaram, foi fruto
de um processo de imigração adotado pelo governo japonês que buscava uma
conciliação entre o período de modernização do Japão, iniciada ainda durante a era
Meiji em 1866 e o agravamento das tensões sociais causadas principalmente pela
alternância das relações de produção vigentes que deixavam naquele momento de ser
utilizados por um campesinato manual e passava a se aproximar vertiginosamente de
técnicas modernizadas de agricultura deixando como consequência um alto índice de
camponeses desempregados por não dominarem estas novas técnicas no campo. Não
obstante, é deveras importante ressaltar que junto ao processo de modernização citado

alhures, ao mesmo tempo, houve também uma modificação no tocante a cobrança de


impostos, haja vista que eles foram intensificados e não seria mais aceito pelo governo
japonês o pagamento com materiais e colheitas, mas sim, deveriam ser entregues em
dinheiro o que fez com que vários indivíduos perdessem terras ou passassem por

condições de extrema pobreza.

É imprescindível observarmos que tal alternância gerou um certo desequilíbrio


nas relações sociais, pois agora estes camponeses desempregados e sem perspectivas a
curto prazo, não teriam mais oportunidades dentro de um sistema avançado que os
inviabilizariam dentro deste processo pela sua falta de capacitação com as novas
técnicas implementadas.

A partir deste processo, uma das alternativas encontradas pelo governo japonês,
foi estabelecer um contrato com o Brasil, que influenciava a imigração de japoneses
para o nosso território, garantindo desta forma uma estabilidade social para o Japão e de
quebra, mão-de-obra para os grandes fazendeiros do Sul e do Sudeste brasileiro.
Assim, partindo deste pressuposto histórico-econômico-social, este artigo,
pretende discutir e contextualizar os interesses que estavam por trás do acordo de
imigração entre Brasil e Japão e o quanto isso influenciou, de certa forma, as relações
concomitantes entre nós brasileiros e o povo nipônico sob uma perspectiva social,
econômica e cultural.

O TRATADO DA AMIZADE, COMÉRCIO E NAVEGAÇÃO: A


PEDRA FUNDAMENTAL DA IMIGRAÇÃO NIPÔNICA

O Brasil em meados do final do século XIX, ainda estava num processo de

transição e adaptação por conta do fim do escravismo agrícola que houvera sido
tardiamente se encerrado pela Lei Áurea de 18882, proporcionado uma legião de ex-
escravos ávidos por trabalho o que acabou inserindo-os numa demanda crescente de
mão-de-obra barata que mais tarde se deslocaria para indivíduos de outras
nacionalidades, dando início de forma asseverada ao processo imigratório em nossas
terras. Nesta toada, o ciclo do café se encontrava em ascensão eminente, sendo este
produto (o café) a principal commoditie brasileira. Neste aspecto, urge a necessidade
crescente de mão-de-obra apta ao trabalho nos campos e nas lavouras, principalmente
em São Paulo e no norte do Paraná e para suprir estas demandas necessárias, entra em
cena um novo personagem na história: os imigrantes transnacionais.

No caso especifico destes dois Estados, produtores de café, uma destas mãos-
de-obra que se disponibilizaram a vir trabalhar nas lavouras cafeeiras neste período
foram os japoneses. Neste contexto é mister salientar que

A imigração japonesa no Brasil tem como marco inicial a chegada do


navio Kasato Maru, em Santos, no dia 18 de junho de 1908. Do porto
de Kobe a embarcação trouxe, numa viagem de 52 dias, os 781
primeiros imigrantes vinculados ao acordo imigratório estabelecido
entre Brasil e Japão, além de 12 passageiros independentes.
Embora o Japão tenha enviado seus primeiros imigrantes ao Brasil em
1908, os primeiros japoneses a pisar em solo brasileiro foram quatro
tripulantes do barco Wakamiya Maru, que, em 1803, afundou na costa
japonesa. Os náufragos foram salvos por um navio de guerra russo
que, mesmo não podendo desviar-se de sua rota, levou-os em sua
viagem. No retorno, a embarcação aportou, para conserto, em Porto de

2
A Lei Áurea (Lei Imperial número 3.353) foi assinada pela Princesa Isabel no dia 13 de maio de 1888.
A partir dessa data, a escravidão passou a ser considerada crime e quase 700 mil escravos foram
libertados no Brasil (grifo nosso).
Desterro, atual Florianópolis (SC), no dia 20 de dezembro,
permanecendo até 4 de fevereiro de 1804. Ali, os quatro japoneses
fizeram registros importantes da vida da população local e da
produção agrícola da época3.
Como se percebe a incursão nipônica no Brasil, quando de sua primeira
“visita“ oficial datada ainda no estupor do início do século XIX, por náufragos, já dera
aos japoneses uma primeira impressão do que os iria esperar quase um século depois de
sua vinda oficial as terras tupiniquins, apesar de que embora este contato inicial tenha
sido apenas um referencial ao que os japoneses iriam encontrar de fato quando aqui
chegam no século XX, pode-se dizer em suma que

Pelo fato de estarem situados em posições antípodas no globo terrestre


e também devido à política isolacionista adotada pelo Japão no início
do século XVII até meados do século XIX, podemos afirmar que os
japoneses nada sabiam sobre o Brasil. Conheciam, contudo, os
portugueses que levaram as armas de fogo àquele país no ano de 1543
e a partir daí, por cerca de meio século, se familiarizaram com o
cristianismo levado pelos jesuítas da Península Ibérica, principalmente
portugueses. Apesar de poucos contatos, ocorridos principalmente na
segunda metade do século XVI, é curioso encontrarmos no léxico
japonês palavras de origem portuguesa como “carta”, “gibão”, “copo”,
“tabaco”, etc., o mesmo ocorrendo com a língua portuguesa, onde
podemos encontrar palavras como “biombo”, de origem japonesa
(NINOMIYA:1996; p.245)

Já em relação ao Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre o Brasil e


o Japão é importante frisar que o mesmo foi celebrado em Paris no dia 5 de
novembro de 1895, entre os ministros plenipotenciários, ou seja, por agentes
diplomáticos investidos de plenos poderes, em relação a uma determinada missão
especial entre Brasil e Japão, intermediado pelo governo francês. Isto, de per si,
facilitou e incentivou os imigrantes japoneses a virem para o Brasil, pois a celebração
do referido Tratado, deu plenas condições de igualdade jurídica, social e política para
que brasileiros e japoneses se sentissem mais seguros em relação a deixar seus
respectivos Países de origem.

Pode-se observar esta segurança jurídica como um agente facilitador da


imigração dos japoneses para o Brasil quando se analisa o Art. XI do Decreto 2.489, de
31 de março de 1897 que promulga

3
Site oficial da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo. Fonte: Museu Histórico da Imigração
Japonesa no Brasil
 ARTIGO XI

Os cidadãos e subditos de cada uma das duas Altas Partes


Contractantes gosarão respectivamente nos Territorios e Possessões da
outra Parte, de inteira protecção para as suas pessoas e propriedades;
terão livre e facil accesso junto aos tribunaes para a defesa de seus
direitos; e, da mesma fórma que os cidadãos ou subditos do paiz, terão
o direito de  empregar advogados, solicitadores ou mandatarios para
se fazerem representar junto aos ditos tribunaes.

Gosarão igualmente de uma inteira liberdade de consciencia, e,


conformando-se com as leis e regulamentos em vigor, terão o direito
de exercer publica ou privadamente o seu culto; terão igualmente o
direito de enterrar os seus nacionaes respectivos, segundo os seus
ritos, nos logares convenientes e apropriados que, para esse fim, forem
estabelecidos e mantidos4. 

Pode-se observar que o referido Tratado, foi o marco jurídico que instala a
chegada dos japoneses ao Brasil, dando-lhes garantias de liberdade e socorro jurídico
visando sua estadia de, em tese, uma forma mais segura ao estabelecer residência por
aqui.

Uma observação importante se refere a chegada da primeira remessa de japoneses


ao Brasil que foi alinhada a criação da primeira Companhia Imperial de Emigração em
1905. O responsável por esta empreitada foi Fukashi Sugimura que ao chegar ao Brasil
para assumir seu posto como ministro-residente da Legação, foi abordado em colóquios
que teve com o presidente e o ministro da fazenda brasileira a respeito da questão
imigratória. O próprio estado de São Paulo, que Sugimura visitara como parte do
cronograma oficial, parecia alimentar grandes expectativas em relação ao trabalhador
japonês.

Assim, em junho de 1905, Sugimura produziu um relatório, que mais tarde seria
enviado ao ministério, onde contava sobre sua viagem por São Paulo e detalhava quão
promissora era a possibilidade de se introduzir o imigrante japonês naquele estado.
Sugimura esperava que, ao ler o tal relatório, todo o país voltasse os olhos em direção à
América do Sul. Pode-se imaginar a motivação do ministro sabendo-se que o relatório
foi enviado em várias partes, cada qual em um navio diferente, pois o ministro temia
que ao enviar o relatório completo de uma só vez o atraso provocado pelo correio
marítimo fosse deveras grande.

4
Legislação Informatizada - DECRETO Nº 2.489, DE 31 DE MARÇO DE 1897 - Publicação Original
Com a repercussão do relatório, a recém-fundada Companhia Imperial de
Colonização, não tardou em dirigir-se à Legação Brasileira no Japão e ao Ministério das
Relações Exteriores, e em dezembro do mesmo ano, se dirigiu para o Brasil e em 6 de
novembro de 1907, assina o contrato com o Ministério da Agricultura que a época era
comandado por Carlos Botelho5.

O referido contrato estabelecia que:

1- A Companhia Imperial de Colonização deveria recrutar um total de 3 mil


imigrantes-família para trabalhar nas fazendas de café do Brasil dentro
de um prazo de 3 anos. Os imigrantes deveriam ser remetidos até o porto
de Santos, sendo que a primeira leva (composta por mil indivíduos)
deveria chegar no mês de maio de 1908;

2- O governo brasileiro assumia o pagamento das 10 libras da passagem de


navio, devendo os fazendeiros que contratassem os imigrantes restituir-
lhe 4 libras retiradas do salário dos imigrantes.

Desta forma, o recrutamento processou-se com a ajuda de representantes de


cada província, mas somente 781 emigrantes haviam sido recrutados até o final de abril
(600 homens e 181 mulheres, além de 12 espontâneos). A maior dificuldade foi reunir
famílias inteiras de emigrantes, sendo muitas delas “compostas” — ou seja, casamentos
de fachada e parentescos inventados.

DO KASATO MARU AS FAZENDAS DE CAFÉ: A DURA


REALIDADE NIPÔNICA

Consta-se que a primeira embarcação que deu início à imigração japonesa para o
Brasil partiu do Porto de Kobe, em abril de 1908. Durante um mês e vinte e dois dias
navegando dos mares da Ásia até o Oceano Atlântico, a tripulação do navio Kasato
Maru, trazia consigo a esperança e a perspectiva de uma vida prospera e longeva numa
terra inóspita para os mesmos.

5
Jorge Botelho, ocupou a pasta da Secretaria da Agricultura no governo de Jorge Tibiriçá, Presidente do
Estado de São Paulo de 1904 a 1908, que então compreendia também as de Comércio, Obras Públicas,
Viação, Navegação e Iluminação. Foi eleito senador por São Paulo em 1919, sendo reeleito em 1927.
Em meio a uma viagem exaustiva, os imigrantes japoneses desembarcam no
Porto de Santos no dia 17 de junho de 1908, trazendo 781 imigrantes de várias
províncias do Japão. Logo após o desembarque no Porto de Santos, os neófitos
imigrantes rumaram via estrada de ferro para a Hospedaria do Imigrante onde os
mesmos aguardaram quase dez dias para saberem de fato onde iriam se estabelecer.
No dia 27 de junho, logo pela manhã, os imigrantes são enviados para as primeiras
seis fazendas mais prosperas daquela época.

Segundo dados do Museu Histórico da Imigração Japonesa, cada fazenda


recebeu um número quantitativo de famílias divididas da seguinte forma:

Fazenda Dumont (recebeu 51 famílias), Fazenda Guatapará (23),


Fazenda São Martinho (27), Fazenda Sobrado (15), Fazenda Floresta
(24), Fazenda Canaã (24) e dez imigrantes permaneceram em São
Paulo.

No entanto, ao chegarem as fazendas, os imigrantes se deparam com uma


realidade totalmente alheia aquela à qual os mesmos estavam esperando encontrar e
logo tiveram que encarar a dura realidade das fazendas de café, tais como, instalações
insalubres, excessivas horas de trabalho diário e os baixos salários pagos pelos
fazendeiros. Cecilia Noriko Ito6, relata da seguinte forma a nova vida dos imigrantes
japoneses

O início da vivência no Brasil significava, aos olhos da grande


maioria, uma situação alarmante, as acomodações precárias (nas casas
de pau a pique) e a falta de condições mínimas de higiene nada
condiziam com a proposta oferecida aos imigrantes no Japão. Não
bastasse o desconforto das acomodações e a jornada dura de trabalho
pesado, ainda havia a questão dos baixos salários, que mal
conseguiam pagar as despesas básicas. As inúmeras complexidades
iniciais, aliadas ao desconhecimento da língua e dos hábitos
alimentares, uma vez que os japoneses não tinham o costume de
consumir gordura animal em suas refeições, acabavam motivando a
ideia de fuga noturna nos trabalhadores. Os fazendeiros, por sua vez,
tendo passado pelo processo da abolição da escravatura, ainda não
estavam adaptados ao tratamento da mão de obra assalariada.

Também a esse respeito, Tanaka (2014) aponta que

[...] para os imigrantes, as condições de trabalho encontradas foram


desanimadoras e as dificuldades de adaptação foram grandes, visto
que eram 23 fisicamente muito diferentes, tinham dificuldades com a

6
Presidente do Centro de Pesquisas em Cultura Japonesa de Goiás (CPCJ-GO).
comunicação e também não se acostumavam com a comida brasileira.
Além disso, não conheciam direito o trabalho na lavoura, que era
pesado demais e as condições de moradia e saneamento eram por
demais precárias, não foram raras as epidemias entre a comunidade.
Outro problema foram as crises econômicas que fizeram com que
muitas das promessas de dinheiro fácil não fossem cumpridas gerando
revoltas entre os imigrantes. (TANAKA, 2014, p. 38).

Desta forma, os imigrantes japoneses percebem que seus sonhos trazidos ao


cruzar o Atlântico Sul de uma vida salutar, havia se tornado um pesadelo incontornável,
pois longe de sua pátria, sua cultura e suas tradições, famílias inteiras agora vivem sob o
jugo do trabalho exasperante e precário o que levou o governo japonês através de sua
embaixada no Rio de Janeiro, a oferecer subsídios a fim de incentivar a emigração ao
Brasil, isso já no ano de 1925.

Todo esse processo só veio a piorar com a entrada do Japão na Segunda Guerra
Mundial ao lado dos Países do Eixo, no caso a Alemanha nazista e a Itália fascista, uma
vez que por conta disso, o Brasil rompe as relações diplomáticas com o Japão em 1942,
colocando os japoneses imigrantes como inimigos e interrompendo o processo de
imigração entre o Japão e o Brasil que só é normalizada em 1953 com a retomada das
relações diplomáticas entre ambos. Desta forma

Não é novidade que os japoneses nunca foram totalmente aceitos


desde sua chegada ao Brasil, mas a partir de 1930, a situação deixou
de ser apenas preconceito e esse povo passou a sofrer uma pressão
ainda maior. Isso porque foi nesse período que um “espírito
nacionalista” tomou conta não só da política brasileira, mas de vários
países ao redor do mundo, inclusive do próprio Japão. Arai e Hirasaki
(2008) colocam que vários jornais influentes expressavam que “as
raças orientais são inassimiláveis pelos ocidentais”, o que incitava
ainda mais os brasileiros a sentir ódio por aqueles imigrantes
(SANTOS: 2016, p.26)

Neste caso, percebe-se que as questões de cunho político acabaram


influenciando de forma concreta o processo imigratório dos japoneses no Brasil,
interferindo de forma abrupta nas relações e na vida particular destes imigrantes e que
dão um novo contorno as relações de produção estabelecidas, uma vez que não mais
vistos como bem-vindos por aqui, resta-lhes apenas a perseguição e exploração intensa.

Ainda em relação ao trabalho nas fazendas de café, podemos frisar que

O desenvolvimento e organização da força de trabalho livre destinada


as fazendas de café de São Paulo foi ao mesmo tempo um processo
econômico e político. A dinâmica da situação decorreu tanto das
razões econômica dos fazendeiros, como do poder de barganha
utilizado pelos trabalhadores ao resistir ás suas imposições (STOLKE
E HALL: 1983.p.81).

Durante o processo de colonização oficial do governo paulista que data a partir


do período Republicano se deu uma nova dinâmica para atrair mão-de-obra imigrante
que foi através da criação de Núcleos Coloniais em diversas regiões do estado ligados à
cafeicultura. Como se sabe, a mão- de- obra estrangeira era de diferentes
nacionalidades, mas em relação aos japoneses, podemos destacar uma diferenciação em
comparação as normas estabelecidas pelos cafeicultores a outros imigrantes,
principalmente os recém-chegados da Europa como suíços, espanhóis, alemães e
portugueses, pois ao invés de instalarem-se nos Núcleos, a primeira leva de imigrantes
japoneses foi, como já citado alhures, para as seis grandes fazendas de café. Isto tem
uma explicação plausível, pois se analisarmos pelo ponto de vista econômico tendo
como foco a realidade de São Paulo, a questão da imigração que se inicia em meados do
século XIX e tem um processo continuo no início do século XX, estava direcionada
exclusivamente ao predomínio da economia cafeeira, assim como a permanente
manutenção de um processo de acumulação do capital com base no modelo de
economia colonial.

Assim sendo, a vinda dos imigrantes japoneses foi justificada não para se
juntarem ao Núcleos Coloniais existentes no Estado, mas para serem utilizados como
mão-de-obra barata para grandes cafeicultores.

Conforme relatório apontado pela Secretaria de Agricultura de 1908, neste


mesmo ano o governo paulista já havia deixado de lado a ideia de investir na criação
destes novos núcleos, procurando acomodar os imigrantes, (com exceção dos
japoneses), nas colônias já criadas anteriormente, pois

“O Serviço de Colonização, um dos de maior importância do Estado,


caracterizou-se, em 1908, pelo augmento das necessarias e
indispensaveis facilidades de localização em benefício da massa
immigratoria de todos aquelles que cooperam para o povoamento do
solo paulista. Assim foi que, em vez de serem creados mais núcleos
coloniaes, tratou o Governo de adoptar medidas, cujo resultado foi a
grande affluencia de tomadores de lotes, já completando a lotação de
algumas colônias, já enchendo enormemente outras” (RELATÓRIO
DA SECRETARIA DE AGRICULTURA DE 1908, 1909, p.171)
O fato de os imigrantes nipônicos manterem essa peculiaridade em relação a
outros imigrantes, não os tornava menos expostos a exploração e as formas vigentes que
os cafeicultores implementaram para aqueles que vinham trabalhar no cultivo e
plantação de café, principalmente no interior de São Paulo, uma vez que estavam
sujeitos a se inserirem nas formas de organização e produção a qual estes fazendeiros
haviam implementado como o contrato de parceria7 e o colonato8 que foi uma forma
dos fazendeiros manterem o modelo de exploração e ao mesmo tempo criar um estado
de dependência permanente para os imigrantes.

Diferentemente de outros imigrantes, os japoneses não tardaram a conquistar


sua independência junto as fazendas de café e iniciam a curto prazo, um processo de
autonomia que visava, antes de tudo, a ruptura com o modelo de exploração a qual
estavam inseridos. Assim

Depois de três ou quatro anos no cafezal, a vida do imigrante começava a


adquirir estabilidade. Por exemplo: na Fazenda Sobrado, que acolheu alguns
dos imigrantes da primeira leva, ganhava-se em média somente 910 réis por
dia (o equivalente a 0,54 iene. Vale a pena lembrar, um riquixá ganhava, em
1902, entre 0,40 e 0,50 ienes por dia). Uma vez acostumados ao trabalho, os
imigrantes ganhavam, em novembro de 1908, entre 0,60 e 1,20 ienes por dia.
Mesmo nas fazendas onde o valor pago fosse menor, era possível cultivar nos
dias de folga outras espécies (tais como arroz, milho, feijão, cana-de-açúcar e
hortaliças) entre os pés de café ou em terras mais afastadas do cafezal e criar
animais, transformando o excedente numa espécie de “renda extra”. Três
anos depois, na mesma fazenda (isto é, em julho de 1911), era possível juntar
cerca de 1.200 mil réis por ano (o equivalente a 840 ienes), podendo ser
subtraídos dessa quantia entre 350 e 420 ienes para serem enviados ao Japão;
a situação nas outras fazendas era mais ou menos similar (Fonte: National
Diet Library Japan).

Dessa forma, se engendra os primeiros agricultores independentes, que


adquiriam lotes de terras usando o dinheiro acumulado durante o trabalho nas fazendas,
pratica comum entre os colonos que desejavam sua independência, ou mesmo aqueles
que não tivessem acumulado uma soma muito vultosa, formavam parcerias (dando
7
De acordo com o contrato de parceria, o fazendeiro financiava o transporte dos imigrantes de seu país de
origem ao porto de Santos, adiantava o custo do percurso de Santos á fazenda, assim como os
mantimentos e instrumentos necessitados pelos imigrantes até que eles pudessem reembolsa-lo com
ganhos de suas primeiras colheitas. O fazendeiro designava aos trabalhadores o número de pés de café
que eles poderiam cuidar, colher e beneficiar e atribuía-lhes um pedaço de terra para o cultivo de seus
próprios gêneros alimentícios. Além disso, os imigrantes recebiam uma casa, aparentemente grátis. Sua
remuneração consistia em metade dos ganhos líquidos com o café e com as colheitas de gêneros
alimentícios. Os trabalhadores ficavam obrigados a repor os gastos feitos pelos fazendeiros em seu favor
com pelo menos metade dos seus ganhos anuais com o café. O contrato inicial não especificava sua
duração, mas declarava o volume do débito acumulado pelo imigrante por conta das suas despesas de
transporte e outros adiantamentos. (STOLCKE E HALL: p.80)
8
Um sistema misto de remuneração por tarefas e por peça, o colonato, uma formula que prevaleceria nas
fazendas de café da década de 1880 até meados do século vinte (ibdem).
origem à chamada “agricultura de parceria”), alugavam as terras ou as adquiriam
através de sua compra a prestações. Como muitos pensavam em retornar ao Japão
tempos depois, havia indivíduos que consideravam a aquisição das terras como um
prejuízo a ser evitado.

Mas o processo que diminui gradativamente o número de imigrantes japoneses


ao Brasil, tem notoriedade na década de 1960, quando o Japão passa a apresentar um
grande desenvolvimento econômico, fato este que corresponde aos dias atuais, pois
segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) há uma projeção que o PIB do
Japão cresça 2,4% em 2022 e avance 2,3% em 2023, de acordo com o relatório mais
recente divulgado em abril deste ano.

CONCLUSÃO

O processo de imigração iniciado entre o final do século XIX e o início do XX,


marcou de forma significativa o modelo de acumulação capitalista no Brasil. Com a
crescente produção em escala do café, a mão-de-obra por aqui encontrava dificuldade
em obter indivíduos que pudessem suprir a demanda nas fazendas de café do Sudeste e
norte do Sul.

A derrocada do escravismo no Brasil, ocorrida em 1888, dificultou ainda mais o


trabalho árduo nos cafezais e obrigou os grandes latifundiários a buscarem uma nova
solução para o problema que os cercava. Com a promulgação do Tratado de Amizade,
Comércio e Navegação, os fazendeiros viram nesta ação uma grande oportunidade para
ampliar o fluxo migratório transnacional; isso se consolida com a chegada de imigrantes
de várias partes do mundo, inclusive do Japão.

Os japoneses advindos da cultura enraizada no modo de produção feudal, viram


nesta conjuntura uma grande oportunidade de darem continuidade aquilo que sempre
fizeram a vida toda (trabalho agrícola), assim como uma eminente oportunidade
também para uma vida prospera em novas terras. Por outro lado, fazendeiros ávidos
pelo lucro e por mão-de-obra barata, já tinham em mente as formas de proporcionar aos
imigrantes japoneses uma nova maneira de coloniza-los, frustrando assim, o sonho
incipiente dos imigrantes asiáticos.
Neste enredo de decepção, sonhos despedaçados e ressignificação, começa a
jornada dos imigrantes nipônicos no Brasil que, como vimos, foi bem diferente daquilo
que os mesmos almejavam ao sair do Japão. A exploração e a dificuldade de adaptação
ao clima temperado do Brasil e as novas formas de exploração impostas pelo novo
modo de produção vigente aos olhos dos mesmos, fizeram dos japoneses atores sociais
que se condicionaram ao emaranhado e complexo modelo de interesses particulares que
os tornavam apenas peças repositórias para atingirem a pujança econômica dos grandes
latifúndios brasileiros, trazendo à tona o pensamento de Sérgio Buarque de Holanda no
qual remonta a formação da própria sociedade brasileira que foi engendrada por meio
das raízes coloniais na construção da nossa cultura nacional.

O legado que os imigrantes japoneses deixaram traduz a resiliência a qual este


povo sempre teve em diversos momentos da história que perpassa por uma
transformação desenvolvimentista e industrial no final do século XIX, duas de suas
cidades destruídas por bomba atômica em 1945, o avanço tecnológico dos dias atuais e
a própria imigração que mostrou aos japoneses uma nova forma de adaptação e
prosperidade econômica no Brasil.

Que essa mesma resiliência e capacidade de mutação social, seja o escopo para
outros povos que passam pelo drama da imigração impulsionada por guerras,
fenômenos naturais, sociais e políticos causados, em grande parte, pela incapacidade
dos indivíduos que detém o poder em racionalizar e humanizar as relações com seu
povo.
REFERÊNCIAS:

NINOMIYA, M. O centenário do Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre


Brasil e Japão. Revista USP, [S. l.], n. 28, p. 245-250, 1996. DOI: 10.11606/issn.2316-
9036.v0i28p245-250

A.C. Fátima; ANBG. Meia volta ao mundo, imigração japonesa em Goiás. Goiânia:
ANBG, 2008.

SAKURAI, Célia. Os Japoneses. São Paulo: Editora Contexto, 2007.

SAITO, Cecilia Noriko. O Imigrante a a Imigração japonesa no Brasil e no Estado de


Goiás. Dossiê Imigrantes: O Imigrante e a imigração japonesa. Revista UFG, Goiânia:
2011.

TANAKA, Aline Midori de Moraes. Imigração e colonização japonesa no Brasil - um


resumo. Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGDir./UFRGS, Porto
Alegre: 2014.

SANTOS, Méllanie Christina Batista; OS imigrantes japoneses no Brasil: a inserção e a


adaptação à sociedade brasileira após a Segunda Guerra Mundial, BRASÍLIA – DF:
2016.

STOLCKE, Verena e HALL, Michael M. A introdução do trabalho livre nas fazendas


de café de São Paulo. Revista Brasileira de História/Unicamp. São Paulo: 1983.

Site Câmara dos Deputados: https://www2.camara.leg.br/legin/

Site Alesp: https://www.al.sp.gov.br/noticia/

Almanaque do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil. São Paulo: Editora Escala,


2008.,
https://www.ndl.go.jp/brasil/pt/s3/s3_1.html, “100 anos de imigração japonesa no
Brasil”.

You might also like