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Bloco Cecília Meireles, sobre tempo

A persistência da memória. Salvador Dalí. Óleo sobre tela, 1931.

Retrato

Eu não tinha este rosto de hoje,

Assim calmo, assim triste, assim magro,


Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

Tão paradas e frias e mortas;


Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,


Tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?
Encomenda

Desejo uma fotografia

como esta — o senhor vê? — como esta:


em que para sempre me ria
como um vestido de eterna festa.

Como tenho a testa sombria,


derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.

Não meta fundos de floresta


nem de arbitrária fantasia...
Não... Neste espaço que ainda resta,
ponha uma cadeira vazia.
Quando meu rosto contemplo
Quando meu rosto contemplo,
o espelho se despedaça:
por ver como passa o tempo
e o meu desgosto não passa.
Amargo campo da vida,
quem te semeou com dureza,
que os que não se matam de ira
morrem de pura tristeza?
Lua Adversa
Tenho fases, como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e vêm,


no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!

Não me encontro com ninguém


(tenho fases como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...
Discurso
Um poeta é sempre irmão do vento e da água:
deixa seu ritmo por onde passa.
Venho de longe e vou para longe:
mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes
andaram.
Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,
mas houve sempre muitas nuvens.
E suicidaram-se os operários de Babel.
Pois aqui estou, cantando.
Se eu nem sei onde estou,
como posso esperar que algum ouvido me escute?
Ah! Se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém gostar de mim?
Reinvenção
A vida só é possível
reinventada.

Anda o sol pelas campinas


e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... — mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida,


a vida só é possível
reinventada.

Vem a lua, vem, retira


as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.

Não te encontro, não te alcanço...


Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.

Porque a vida, a vida, a vida,


a vida só é possível
reinventada.
Mini Biografia
Carioca, Cecília Benevides de Carvalho Meireles
nasceu no Rio de Janeiro, em 7 de novembro de 1901.
O pai morreu 3 meses antes de seu nascimento, e depois
da morte de sua mãe, quando tinha 3 anos, sua avó
passou a criá-la na ilha dos Açores. Ela recebeu
educação religiosa desde muito nova, demonstrou um
grande interesse em literatura e começou a escrever
poesias ainda criança, aos 9 anos.
Concluiu com “distinção e louvor” o curso primário
na Escola Estácio de Sá, em 1910. Formou-se
professora no “Curso Normal do Instituto de Educação
do Rio de Janeiro”, em 1917, e passou a exercer o
magistério em escolas oficiais do Rio de Janeiro. Já em
1919, com apenas 18 anos, publicou seu primeiro livro
de poemas, intitulado “Espectros”, que continha 17
sonetos de temas históricos. Em 1922, durante a Semana de Arte Moderna, ela participou do grupo
da revista Festa, ao lado de Tasso da Silveira, Andrade Muricy e outros, que defendiam o
universalismo e a preservação de certos valores tradicionais do texto poético. Nesse mesmo ano, aos
21 anos de idade, casou-se com o artista plástico português Fernando Correia Dias, com quem teve
três filhas.
O trabalho de Cecília não restringia-se às salas de aula, entre 1930 e 1931, foi jornalista no
"Diário de Notícias", contribuindo com textos sobre o folclore brasileiro e problemas da área da
educação. O apreço da poeta pela educação materializou-se em forma de livros didáticos e poemas
infantis.
1934 foi o ano que marcou a ida da escritora a Portugal, a convite do governo português, onde
participou de conferências para divulgar a literatura e o folclore brasileiros. Um ano depois, tornou-se
viúva.
No período de 1936 a 1938, Cecília lecionou Literatura Luso-Brasileira na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), período no qual seu livro de poemas “Viagem” foi ganhador do
Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras (ABL). Casou-se com o professor e engenheiro
agrônomo Heitor Grilo, em 1940.
Nesse mesmo ano, Cecília passou a lecionar Literatura e Cultura Brasileira na Universidade
do Texas. Proferiu conferências em Lisboa e Coimbra sobre Literatura Brasileira. Em 1942, tornou-se
sócia honorária do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro. Realizou várias viagens a
diversos países, usando sua voz em inúmeras conferências sobre Literatura, Educação e Folclore.
As obras de Cecília foram traduzidas para muitas línguas, o que tornou-a mundialmente
conhecida, obras estas que renderam a ela muitos prêmios, dos quais vale destacar:
● Prêmio de Poesia Olavo Bilac, da ABL - 1938
● Prêmio Jabuti - 1964
● Prêmio Machado de Assis - 1965 (póstumo)
A poeta carioca da segunda fase modernista faleceu ao entardecer do dia 9 de novembro de
1964, em sua cidade natal, aos 63 anos, vítima de câncer no estômago.
Mini biografia da organizadora
Eduarda Magossi Gonçalves nasceu no início da tarde de 3 de abril de 2003. Limeirense,
descobriu a fascinante companhia da literatura na adolescência, devorando livros em ensolaradas
tardes em meio ao canto dos pássaros na casa de sua avó. Fez todo o Ensino Médio no Colégio
Técnico de Limeira, da Unicamp. Sempre indecisa ao tomar decisões, quis o universo que ela
ingressasse no curso de Letras, aos 18 anos, e redescobrisse a beleza nas linhas escritas dos Clássicos
Antigos, o belo e curioso sistema da língua materna e o carinho pela língua inglesa. Ela espera
adicionar novos hobbies à sua lista, que já contém desenho, pintura, caminhadas, crochê e talvez haja
outros, mas ela provavelmente esqueceu, porque sua memória não é tão boa.
Entre os altos e baixos no isolamento durante a pandemia, a imponente Hogwarts de Harry
Potter tem se mostrado um verdadeiro refúgio. Ah, veja só, ela se lembrou que gosta de design
gráfico também, e de filmes de super heróis, e de música pop, e de história - eu disse que a memória
dela não é lá essas coisas. Por hora, basta saber que o futuro incerto guarda novas descobertas para
essa pessoa complexa que muitos apelidaram “Duda”.

Referências Bibliográficas
Poemas:
https://www.culturagenial.com/poemas-cecilia-meireles/
https://www.pensador.com/melhores_poemas_de_cecilia_meireles/
https://www.maioresemelhores.com/melhores-poemas-cecilia-meireles/

Biografia:
https://www.ebiografia.com/cecilia_meireles/
https://educacao.uol.com.br/biografias/cecilia-meireles.htm

Imagens:
https://rascunho.com.br/colunistas/sob-a-pele-das-palavras/gargalhada-de-cecilia-meireles/
https://www.culturagenial.com/a-persistencia-da-memoria-de-salvador-dali/

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