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R evista de I nterpretação B íblica

L a t in o - A m e r ic a n a / R I B L A

Nv 9 — 1991/2

OPRESSÃO E LIBERTAÇÃO

lyVOZESJ
Petrópolis
e diário pecado tu rv a cada vez m ais sua missão. A confrontação sim bó­
lica se dá quando nosso sentim ento de ser intocáveis aceita sua possibi­
lidade e realidade de pecado e a enfrenta criticam ente. N E L L Y ARROBO RO DAS
Em resum o: nossa m entalidade, sem identidade de reino, por sua
rejeição à crítica que lhe recorda sua possibilidade de pecado, é confron­
tada pela possibilidade de seu crescim ento em justiça ser a m elhor
dem onstração da glória de Deus ao mundo.
Tradução de Leitura da Bíblia desde e com o índio1
Jaime A. Clasen

Gonzalo M. de la Torre Guerrero


Apartado Aéreo 300
Quibdo, Choco
Colômbia

Pequena aproximação do que foi o trabalho pastoral realizado


por M onsenhor Leônidas E. Proafio como bispo de Riobamba,
província de Chimborazo, Equador, e como Bispo Presidente do
Departamento de Pastoral Indígena da Conferência Episcopal
Equatoriana. 2

1. QUEM INICIA ESTA LEITURA


Depois de m uitos anos em silêncio o índio voltou a falar em
Chimborazo. A Palavra de Deus ajudou o índio a falar, a pronunciar sua
palavra a u tê n tic a ... “E o Verbo se fez hom em ” e o NAO-HOMEM, o
refugo vil e desprezível, pôs-se de pé e gritou sobre a alta m ontanha:
aqui estou, aqui existo, estou vivo, sou h o m e m ... s o u ...
“Houve um hom em enviado por D eus. . . ele não era a L uz. . .
ia em nome da luz”, ia sem eando Luz, cultivando Verdade e colhendo a
palavra nova, o grito inédito, a prece chorosa do índio pisoteado.

1. O m a io r m a l que a c o n q u ista fez foi d e ix a r os h a b ita n te s n a tu ra is d e nossas te rra s sem


n o m e (e a cred itav a m que os deix av am sem d e stin o !); d a í a d ificuldade d e ch eg arm o s a u m acordo
d e com o e x atam e n te eles se c h am am . N o P e ru e n a B olívia foi generalizado o te rm o a n d in o s. No
E q u a d o r e ste te rm o n ã o pegou. Ín d io , no E q u a d o r, com o no re s to dos povos d a A m érica, foi algo
in s u lta n te d u ra n te m u ito s a n o s, a g o ra este te rm o e s tá sendo re c u p erad o e em a lg u n s lu g ares é já
m o tiv o d e org u lh o . “In d íg e n a ” foi u tiliz a d o n o E q u a d o r, e ain d a se u sa, com o desejo de designá-los
de u m m odo que n ã o os ofenda, m a s o vocábulo indigena n ã o co b re to d a a re a lid a d e que p re te n ­
dem os e x p re ssa r, p o is in d íg en a q u e r d iz e r o rig in ário d e u m lu g a r. O q u e re je ita m cad a vez m a is é
se re m ch am ad o s c am poneses, p o rq u e essa foi u m a d as p o lític a s im p le m e n ta d as p a ra fazê-los d e sa ­
p a re c e r com o e tn ia , com o c u ltu ra , com o ra ç a , com o povo com c ara c te rís tic a s p ró p ria s , assim ilando-os
a o u tro s que vivem do cam po. Is to com o explicação so b re o u so dos te rm o s índio e indigena n este
tra b a lh o .
2. A a u to ra d e ste tra b a lh o n ã o é teó lo g a, é u m a sim p le s c o m p a n h eira do povo e do povo índio
e m su a re la ç ão com D eus n a h is tó ria d a lib e rta ç ã o , p o r isso deve h a v e r m u ita s la c u n as n o p re sen te
tra b a lh o . A lém disso, p e la p ro x im id ad e vivida com o B ispo d o s ín d io s , atreveu-se a re u n ir estas
inq u ietaçõ es que m a rc a m o cam in h o de v á ria s c o m u n id a d es ín d ia s no país. S e ria p re c iso re c o lh e r
ajspectos h istó ric o s m as isso s e ria m o tiv o de o u tro tra b a lh o realizad o p o r q u em e n tende m ais.
P re te n d e sim p lesm en te que e sta luz d e ix a d a p o r M ons. P ro a n o n o co ração dos ín d io s ilu m in e m uitos
m a is n e sta b e la ta re fa q u e Jesus nos reco m en d o u a o n o s c h a m a r a seu seg u im en to e a seu serviço.

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Antes dele talvez ninguém tenha dado a P alavra. . . o índio fora — am or filial à terra
acostum ado à doutrina ideologicamente concebida p a ra m anter a subm is­ — senso comunitário da vida
são conseguida desde a c o n q u ista ... — senso de acolhida e hospitalidade
— estilo de vida sim ples
Antes dele nunca ninguém escutou a “palavra” do índio subju­ — hum anism o profundo
g a d o .. . essa palavra que m ais era lam ento. — sentido de família
Leônidas E. Proano, Bispo dos índios, título que prim eiro lhe — sentido da festa
fora dado com o insulto, converteu-se em discípulo do índio, começou — capacidade de luta
descobrindo em seus andrajos a dignidade do filho de Deus e pôs seus Um ponto de chegada:
ouvidos atentos ao m ínim o balbucio de seus lábios. Reconheceu que a
Boa-Nova deve ser anunciada aos pobres e a essa tarefa dedicou seus Igreja índia:
esforços. Percorreu os cam inhos poeirentos até ele mesmo se converter — reflexão teológica a partir de sua cosmovisão
em caminho. Subiu m ontanhas escarpadas e adquiriu a estatura de m on­ — m inistros form ados nessa teologia
tanha. Desceu às quebradas e aos vales profundos e a profundidade — vivência de seus valores culturais
habitou nele generosamente. Povo índio:
Discípulo do índio, observou com devoção seus ritos e costum es, — recuperação de sua identidade
não condenou suas crenças, defendeu tenazm ente seus direitos, paciente­ —■defesa de seus valores culturais
m ente descobriu as Sem entes do Verbo em sua form a de vida e a propôs — luta pela autodeterminação
como alternativa para nossa sociedade capitalista, individualista, conflitiva. — libertação de toda form a de opressão
Assim a voz do índio foi c rescen d o ... Não só em Chimborazo, Procurem os situ a r cada um destes pontos para um a m elhor compreensão.
m as por toda parte foi se elevando “um surdo clam or” prim eiro e,
depois, “um grito tum ultuoso e até am eaçador”. O índio, que perm ane­
cera por quase cinco séculos à m argem da história, sentado, cego e 2.1. Ponto de partid a
m endigando tudo, ao passar Jesus grita, recupera a vista, põe-se em pé
e cam inha junto com o povo oprim ido como protagonista da H istória. índio-povo: o índio não é só um ser individual, é um povo.
O senso de povo é profundo na vivência do índio. Ele não se concebe
É m ais ou m enos assim que se inicia a leitura da Palavra de como um ser isolado. É um ser em relação, em comunicação com outros,
Deus desde o início, com o índio, pelo índio e para sua causa. vinculado a um espaço físico, a um a com unidade e a um Ser Supremo.
E assim , Leônidas Proano, à m edida que entrega a Palavra, des­ Nem a conquista espanhola nem a agressão capitalista conseguiram des­
cobre a realidade do índio e devolve Jesus Cristo ao índio, e vai se reali­ tru ir este precioso dom que o índio recebeu.
zando um intercâm bio, e Jesus Cristo chega a se identificar com o índio, índio-povo oprimido: é longa e penosa a história de opressão que
enquanto o índio vai, pouco a pouco, tornando-se filho de Deus, povo de o índio-povo sofreu. Tam bém não foi oprim ido só como indivíduo, m as
Deus, H istória.
como povo. Como povo sem pre foi im pedido de ser, sem pre exposto à
E sta leitura não term inou. Os índios da América a irão comple­ tentação de não-ser, de deixar-de-ser. Sem pre foi oprim ido p ara desapa­
tando em seu caminho à m edida que vão descobrindo que em sua luta recer. Contudo, por ser povo se m anteve “resistindo” po r meio de vários
está sem pre presente o Peregrino, o Deus Amigo, o que ESCUTA — no m ecanism os de defesa e de form as de luta que desafiaram as m ais refi­
presente — OS GEMIDOS DO POVO. nadas políticas etnocidas e graças a isso podem dizer agora: aqui estamos!
índio-povo calado: emudeceu talvez diante da dor indescritível que
o conquistador semeou quando fez retum bar suas botas sobre o território
2. OS ELEMENTOS QUE SÃO LEVADOS EM CONTA ín d io . .. aprendeu talvez a calar diante das repetidas ocasiões em que o
PARA ESTA LEITURA dom inador lhe dizia que é bruto, que é ignorante, que sua língua não é
lín g u a ... ficou calado talvez p a ra evitar que junto com o ouro lhe u su r­
Um ponto de partida: o índio-povo passem tam bém sua sabedoria, sua palavra criadora, tra n sfo rm a d o ra ...
o índio-povo oprim ido ou foi calado tão violentam ente, condenado ao silêncio p a ra que ninguém
o índio-povo calado o escutasse. Talvez se tenha calado, com o povo, p o r tudo isso que foi d i to ...
Alguns valores: as "Sem entes do V erbo”: e talvez tam bém por isso, quando agora recupera sua te rra ou defende
seu território, quando sabe que é possuidor de um a sabedoria, quando
— harmonia na concepção da vida alguém parou p a ra escutá-lo como povo, sua palavra ressoou pelos ares
— religiosidade profunda com tim bre de esperança.
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Porque o índio é povo, entende a Palavra de Deus como dirigida tem po, pancadarias, to rtu ra s . . . em tudo dem onstram grande vigor, e têm
a ele m esmo. Identifica-se com o povo escolhido que é objeto de um am or sabedoria p ara “to u re a r” o inimigo quando não se acham capazes de
de predileção p o r p a rte de Deus. enfrentá-lo.
Porque sofreu e sofre ainda a opressão que o to rn a estranho em Todos estes valores são autênticas “Sem entes do V erbo” a p artir
sua própria terra, o povo índio reconhece como sua a história da liber­ das quais se conseguiu um a com preensão vital da Palavra de Deus.
tação do Egito. Para o povo índio Egito e Babilônia têm nom es de ontem
e do presente: os impérios, os governos do momento. “Vejo que os indígenas realizam m ais a fundo o Projeto de Deus
com sua solidariedade, gratuidade, e n tre g a ... com todos esses valores
E como não reconhecerão no Deus do Êxodo o próprio Pacha- form idáveis que vemos, plasm am de m aneira evidente o que Deus quer.
cámac de seus antepassados, que queria o m undo p a ra a felicidade de O Reino de Deus se realiza na justiça, na partilha, na comunidade, na
todos os hom ens e que cuida de todos escutando até os gemidos que harm onia”.
deles arrancaram os opressores!
“Vejo o povo índio relacionado com o povo judeu que viveu a
Este é, então, o ponto de partida. vontade de Deus de m aneira fraterna. Neste século, como este pequeno
resto de Israel, os indígenas são luz e esperança de todos os povos”.

2.2. Alguns valores: as “Sem entes do Verbo” “Deus se m anifesta na história dos povos, especialm ente nesses
povos pobres, neste caso, no Povo índio. Temos que com preender a his­
tória do Povo índio como Deus a vê, como Deus se m anifesta nessa histó­
— Harmonia na compreensão da vida graças a sua cosmovisão
ria, como Deus está presente no meio deles”.
globalizante. Não há dualism os nem em seu pensar nem em seu agir.
Não há pressa nem violências. Todos estes parágrafos entre aspas são tom ados do E studo do
Documento de Bogotá sobre Pastoral Indígena realizado por m ons. Proano
— Religiosidade profunda. São hom ens contem plativos, silenciosos, com agentes de pastoral do Equador, em Riobamba, em janeiro de 1986.
profundos, com um grande respeito pela natureza e pelos outros hom ens
como criação de Deus. Contudo, estes valores, estas preciosas sem entes são pisoteadas
pelo Projeto de M orte que se vê a p a rtir do im pério que não reconhece o
— Am or à terra. Sentem-se realm ente vinculados a ela. Conside­ direito à diferença e que, em seu afã expansionista e de controle, procura
ram -na sua mãe. Por isso cuidam dela, trabalham -na com verdadeiro am or uniform izar todos nós p ara que o capitalism o transnacional e financeiro
e devoção. se recupere da grave crise pela qual passa.
— Senso comunitário da vida. Sabem partilhar, são solidários, sua Pisoteia estas sem entes quem não as conhece, quem continua
organização não exclui ninguém. Toda form a de divisão é um a ferida com concepções discrim inatórias e segregacionistas. Instituições, partidos
m ortal. políticos e até a própria Igreja quando não se abre p ara aprender dos
índios e não lhes dá o lugar que lhes corresponde. NESTE SENTIDO
— Senso de acolhida e hospitalidade. Decorre de seu senso com u­ TODOS TEMOS DE DIZER ME A CULPA.
nitário que não é fechado m as aberto a quem necessita. Dão o que têm e
o dão gratuitam ente. São generosos. A pessoa vale m ais que o dinheiro.
3. CULTURA INDIA: PROPOSTA DE INTERPRETAÇÃO
— Estilo de vida sim ples, sem complicações. São práticos e
concretos. M onsenhor Leônidas Proano não foi antropólogo de carreira.
No dizer dos próprios índios “foi um índio entre os índios”. Como pastor,
— H um anism o profundo. H á respeito pelo outro. Fidelidade à como bom p asto r que deve conhecer suas ovelhas, dedicou-se a conhecer
palavra dada. Respeito à vida. profundam ente o complexo e form idável m undo do índio. Pôs em fun­
— Sentido de família. Ela ultrapassa os lim ites do parentesco. cionam ento sua grande capacidade de observação, seu silêncio p ara ir
Uma criança órfã, po r exemplo, nunca ficará só, sem pre encontrará um am adurecendo os resultados de sua observação, sua trem enda capacidade
lar que a acolha. Todos são irm ãos. de escuta p a ra ir aprendendo do próprio índio, seu am or p ara ir sem
cessar às m ais recônditas com unidades e rep artir ali o pão da Palavra e
— Sentido da festa. Tudo é celebrado, dançado. Partilha-se a ale­ da E ucaristia e o pão cotidiano distribuídos nos ponchos e lenços. Pôde
gria e a com ida com unitária. Talvez seja um segredo de sua resistência. ali viver de perto, sentir o sofrim ento de seu irm ão e se perguntar ju n ta ­
m ente com eles e sem cessar: p o r quê? Até encontrar as causas. E, depois,
— Capacidade de luta. Desenvolveram vários m ecanism os de luta im aginar as conseqüências: o que aconteceria s e . . . ? E , finalm ente, buscar
p ara resistir. Têm um a capacidade incrível p ara su p o rtar inclemências do a história, a história verdadeira, a que possa contar os fatos a p a rtir
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do índio; ler, estudar, reunir-se com o u tr o s ... De todo este esforço revelou sobre a terra. A conduta do índio é de respeito ao ritm o da
tiro u um a proposta de interpretação da cultura índia que exponho a natureza; ele respeita o dia e a noite, a sem eadura e a colheita. O ritm o da
seguir como a assim ilei e apoiada po r alguns parágrafos entre aspas que vida do índio é o ritm o da natureza. “Não somos nós que possuím os a
procedem dos próprios índios. terra, é a terra que possui a n ó s”.
O hom em é u m ser de relações: se relaciona com o m undo, se E sta concepção da te rra supõe que haja um a m aneira diferente
relaciona com os outros hom ens e se relaciona com Deus. A m aneira de dominá-la p a ra cum prir com o m andam ento de Deus no Gênesis. Pode-
peculiar de viver estas relações dá lugar às diversas culturas que existem se dom inar pela força, até das arm as; ou pelo amor.
no m undo. A força violenta para dom inar destrói, gera m orte. Tal é o caso
das conquistas através da história. Tal é a form a de domínio que o im pe­
rialism o m antém sobre nossos povos. Tal é tam bém a form a de explo­
3.1. Relações com o m undo ração sem m isericórdia a que o capitalism o subm ete a terra, a qual ele
considera m ero objeto de lucro e comércio.
Para o índio a terra é sua mãe. “Dela nasci. Ela m e dá de comer,
de beber, de vestir. Em seu seio descanso quando estou cansado. A seu O am or respeita. O am or m antém o ecossistem a; não destrói nem
seio hei de voltar quando m orrer. A te rra é nossa vida. Nós estam os prostitui a natureza; não explora os recursos até o esgotam ento; não busca
dispostos a m orrer pela te rra ”. Isto dizem os índios. Isto vivem os índios. a esterilização da terra; não a transform a em m ercadoria porque isso
seria profaná-la. Se a te rra é mãe, com que coração se venderá ou profa­
“O indígena convive com a terra, cuida dela, a m antém , a recu­ nará a própria mãe!
pera e guarda o equilíbrio ecológico” .
Vemos que desta m aneira de se relacionar com a natureza nascem
“Com a terra os indígenas se sentem eles mesmos, é seu sinal espontaneam ente as relações com unitárias com os hom ens e as relações
de identidade, poder-se-ia dizer que a terra é a p rópria cultura do povo religiosas com Deus.
indígena. Um indígena m igrante na cidade está como que p e rd id o . . . está
apagado, não se sente p e s s o a ... não sabe quem é ”.
3 .2 Relações com os hom ens
A terra “é o lugar p a ra viver o espírito com unitário inclusive na
produção: m utirões, troca de serviço. É o lugar dos valores religiosos”. “Deus cria a te rra p a ra que seja o espaço no qual tenham os a
“Não se pode perguntar de quem é a terra, assim como não se possibilidade de vivermos como irm ãos”.
pode perguntar quem é o dono ou a quem pertence o sol, a água, o a r . .. Vemos como surge por si a organização com unitária. As relações
A te rra é, assim, de to d o s ... e p ara todos”. dos índios entre si são fraternas, de ajuda m útua, de divisão eqüitativa
dos bens. A p a rtir do seio da fam ília vai se desenvolvendo esta vocação
A terra “é o dom de Deus: o indígena espera que a te rra dê fruto
com unitária do hom em feito à imagem e semelhança do Deus-comunidade.
para viver e educar seus filhos; a te rra dá ao indígena segurança e ajuda
p ara e n tra r em contato com Deus a fim de agradecer tudo o que lhe d á”. A educação índia — além de m anter um a língua comum, algumas
tradições, alguns costum es, um tipo de roupa — os form a num espírito
“Deus criou a te rra para ela nos dar o alim ento para viver, dos solidário que se traduz num trabalho com unitário, onde o esforço comum
quais o hom em se aproveita. Deus criou na terra plantas, anim ais p ara tem um a recom pensa comum . Desde pequena a criança índia sabe que tem
nos servirem de alim ento. Deus não criou a te rra p ara enfeite, m as p ara de se vincular com seus sem elhantes por um a participação nas tarefas
ser trabalhada e p a ra a subsistência; p a ra vivermos em comunidade, em que estão a seu alcance. E sta educação to m o u possível que fossem salva­
igualdade, em união. Para poderm os m anifestar nossa fé em Deus. P ara ser guardados valores culturais, apesar de quinhentos anos de dom inação e
um a instância p a ra viverm os como irm ão s”. atropelos estru tu rais e cotidianos.
“Deus criou a te rra p ara todos os seres vivos, p a ra todos os seres A educação não é só tarefa da fam ília m as tam bém da com unida­
vivos gozarem dela e assim todos juntos louvarem o Senhor como único de, que ajuda a criança e o jovem índio a se inserir na vida com unitária
Criador do universo. Isto indica que a te rra é a VIDA e nos m o stra que p o r meio do trabalho, da comida, d a festa, da luta pela defesa de seus
Deus pode fazer tudo. Deus é fam ília com o hom em e o to rn a participante direitos.
de seu grande am or dando-lhe tudo o que criou. A te rra é de todos os
seres vivos”. Por causa disso tudo a educação “oficial” e “form al” lhes é tão
estranha e funciona como agente de agressão de sua cultura.
Todas estas reflexões nos fazem ver que esta concepção sobre a
te rra supõe um a conduta que se opõe ao com portam ento que o sistem a Tanto p o r este elem ento da educação como pelo aspecto da
capitalista exige, m as está em com unhão com o pensam ento que Deus nos p ró p ria vida, a com unidade é a prolongação da família.

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“A com unidade se realiza em relação com a te rra ”. Todas as vésperas do meio m ilênio do descobrim ento da América, afirm am com
tarefas agrícolas são realizadas em minga (trabalho com unitário, m utirão): coragem que os antepassados desenvolveram um a “notável teologia”.
a preparação do terreno, o plantio, a capina, a colheita. A minga tam bém Contudo, podem os nos encontrar diante de um m istério sobre os
é usada p ara obras de m elhoria das condições de vida: abertu ra de cam inhos que Deus tem para se m ostrar aos homens. Não podem os cair
estradas, construções de casas particulares ou edifícios com unitários, no desejo de “cristianizar” os índios que viveram antes de 1492, m as
construção de escolas ou de centros de saúde. Tudo isto constrói a tam bém não podem os aceitar que Cristo precisou das caravelas de Cristó­
comunidade. vão Colombo para chegar à América. As Sem entes do Verbo, que encon­
“E a com unidade é construída — como diz Mons. Proano — em tram os nos outros aspectos da vida dos índios, se m anifestaram no reli­
to m o dos lenços e dos ponchos que são estendidos no chão e que servem gioso. Um dos testem unhos valiosos neste sentido é o do tio do Inca
Garcilaso de la Vega, que este recolhe em seu livro Comentários reais.
de toalhas p ara a refeição com unitária com produtos d a te r r a . . . E a E m resum o, o Inca diz o seguinte:
com unidade é construída tam bém por ocasião dos sofrim entos e desgra­
ças, da doença e da m orte. Então os indígenas se m ostram profunda­ — Acreditavam num deus espírito, invisível, “criador e m antene­
m ente solidários”. dor de tu d o ”, fonte de to d a vida, diante de quem se inclinavam com pro­
Por ignorância, por pressa ou po r falta de respeito, pessoas talvez funda reverência quando era pronunciado seu nome Pachacámac. Não
dedicaram nenhum tem plo a ele.
bem intencionadas passaram por cim a desta característica cultural dos
índios e os obrigaram a estabelecer organizações de tipo sindical ou — Acreditavam num deus visível, o sol, In ti em sua língua. Consi-
cooperativo que não correspondem a seu ser íntim o e que contribuíram deravam-no Deus porque era o m ais belo que seus olhos podiam ver e
p ara rom per a vida com unitária. po r sua bondade com todos: é agente de vida, dá luz e calor, e junto com
a chuva fecunda a te rra e am adurece os frutos.
A experiência vai m ostrando que a com unidade, po r surgir da
m ãe terra, “não deixa ninguém no esquecim ento”, vela pelo bem de todos, — Adoravam tam bém a Huiracocha.
valoriza cada qual p o r sua dignidade hum ana e não pelo dinheiro que
possui, põe todos em igualdade de direitos e obrigações. Então, um a — Chamavam a te rra de Pachamama (mãe de todos); era outra
organização de feitio capitalista, que convoca só os m ais ricos, ou destrói deidade, assim como a lua, os rios, as m ontanhas as árvores eram deuses
no índio seu próprio ser ou não se adapta como o sistem a capitalista espera. inferiores que cum priam tarefas de vigilância e proteção.

A organização com unitária cria dirigentes com unitários que não — Dispunham de um a casta sacerdotal encarregada do culto, e
buscam seu bem -estar pessoal e procuram , antes, a som a das vontades de várias accllahuasi ou casa de escolhidas, onde m oravam as Virgens do
num a causa comum. Onde se respeitou e se estim ulou o fortalecim ento Sol em clausura e castidade perpétuas, dedicadas a b o rd ar os enfeites
do Sol e de seu filho o Inca.
da com unidade são levados em conta, como nas prim eiras com unidades
cristãs, os pobres: órfãos, viúvas, velhos, que não podem ter um a p artici­ — A m orte era o passo necessário p a ra se reunirem com os
pação igualitária no trabalho, p ara a divisão dos frutos do trabalho a antepassados. A enferm idade era suportada e assistida com unitariam ente.
fim de poderem enfrentar suas necessidades. Ainda conservam traços de sabedoria im ensa no conhecim ento do valor
curativo de ervas, pedras, animais. Mas, não se apegam à vida como
Vivem tudo isto num am biente de austeridade e pobreza porque tam bém não chegam a estados depressivos ou desesperadores.
não há no índio o espírito de acumulação. Vivem dependendo “da ração
diária do m aná” e seguem fielm ente o im perativo de Jesus “a cada dia — A saudação dos índios era a lem brança dos três m andam entos
b asta o seu cansaço”. Da ausência deste desejo de acumulação nasce a fundam entais: Am a shua, am a llulla, ama quilla, isto é, “não roubes, não
espontaneidade p ara dividir, a generosidade, que são form as de expressar m intas, não sejas preguiçoso”.
a confiança total em Deus, que é Pai e Mãe.
Tudo isto nos faz pensar num a religião bem estru tu rad a e espon­
taneam ente acham os a semelhança com alguns elem entos de nossa fé
cristã.
3 .3. Relações com Deus
— Pachacámac tem as m esm as características do Deus da Bíblia
Os índios são religiosos. O religioso atravessa sua vida. Vivem a quem os hebreus cham aram Javé.
tudo em relação a Deus e encontram Deus em todo o criado, como origem — O Sol ou In ti nos faz pensar em Jesus Cristo: o Deus-feito-
e fim de tudo o que existe. Surge-nos a pergunta: serão resíduos de hom em , Deus visível que disse de si mesmo: “E u sou a luz do m undo” .
crenças antigas? E stam os otim izando ou supervalorizando algo que não
é tão real? — podem os continuar perguntando-nos. Os bispos reunidos — Huiracocha, de quem não se sabe m uito, m as que é m encionado
em Bogotá em 1985, em seu docum ento A evangelização dos indígenas nas à m esm a a ltu ra dos dois anteriores, nos faz p ensar no E spírito Santo.
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— A m ãe te rra Pachamama nos faz pensar n a Virgem M aria, m ãe
de Deus e de todos os hom ens. As deidades m enores nos levam a lem brar de evangelização está ao serviço dos interesses norte-am ericanos; que o
os santos a quem consideram os nossos protetores e que não considera­ segredo do êxito que obtêm encontra-se fundam entalm ente n a utilização
m os como deuses, m as sim como m anifestação de algum aspecto de Deus. da Palavra de Deus, na facilidade de conferir responsabilidades aos indí­
genas, na utilização proselitista do dinheiro dando como soldos a pessoas ou
Talvez se critique esta m aneira de ver as coisas, aduzindo que como apoio p ara o desenvolvimento das com unidades, como no caso da
pretendem os recuperar tudo p a ra a fé cristã e que não respeitam os a Visão M undial e da Fundação Interam ericana”.
religião e a religiosidade índia, m as um índio n a época d a conquista se
expressou m ais ou m enos assim: nós não adoram os o sol m as, vendo o E sta interpretação da cultura nos dispõe a entender m elhor o
sol, adoram os o deus que o criou. ponto de chegada.

A visão da m orte os m antinha na esperança. A visão da vida cen­


tra d a nos três m andam entos fundam entais encontra-se com a visão cristã 4. PONTO DE CHEGADA: POVO ÍNDIO-IGREJA ÍNDIA
da m oral e estes m andam entos se convertem , assim, em garantia de um a
vida com unitária e de um culto verdadeiros. 4 1. P ara onde conduz a leitura da Palavra de Deus?
Por causa de tudo o que foi exposto, e pelo que disseram índios
que se aprofundaram em seus valores culturais e religiosos, eles (quer — Conduz a produzir ou aprofundar a fé.
dizer, várias com unidades índias) chegaram a aceitar a fé cristã. — Conduz a iniciar ou radicalizar o com prom isso cristão.
O que os índios reclam am agora da Igreja católica? — Conduz a interpelar a vida pessoal e a vida social.
Permito-me transcrever textualm ente o que m onsenhor Leônidas — Conduz à conversão do pecado pessoal e à subversão da socie­
Proano diz no Plano Nacional de Pastoral Indígena: “Os indígenas m ani­ dade que propicia e m antém a situação estru tu ral de pecado.
festam agora, abertam ente, sua desconform idade com a m aneira de evan­
gelização insuficiente em conteúdo, reduzida à aprendizagem mecânica da — Conduz a to m a r patente o Reino de Deus através do testem u­
Palavra de Deus, cultual e sacram entalista; evangelização insuficiente em nho pessoal e através da luta transform adora da sociedade que d estrua
extensão pelo fato de te r deixado praticam ente no abandono comunidades “o pecado do m undo” e construa “o novo céu e a nova te rra ” pela instau­
num erosas distantes geograficamente dos centros paroquiais; evangelização ração dos valores do Reino.
desfocada, feita a p a rtir da cultura envolvente e dom inante, interesseira
— Conduz a celebrar a Vida e a Palavra num só movim ento de
e exploradora, alheia ao núcleo central da cultura indígena; evangelização
am or que reconhece Deus agindo n a história.
desconfiada que converteu o índio em ‘objeto’, em receptor e não em
sujeito criador de seu processo de evangelização e prom oção hum ana
integral”. Com os índios esta leitura conduz a algo m ais concreto:

Reconhece, contudo, que a Igreja católica, lam entavelm ente nem — A fé se insere em sua vida e em sua cultura.
todos os que agem em nom e dela, m udou em sua m aneira de evangelização — O com prom isso cristão aparece como algo vital, perm anente.
e em seu com portam ento. A esta m udança se deve a im portância capital
que as com unidades indígenas dão à leitura refletida da Palavra de Deus, — A Palavra desem penha a tarefa de “re-criar” tudo: o coração, a
à captação da Mensagem e sua colocação em prática, ao nascim ento de comunidade, a t e r r a ... tudo!
Comunidades Cristãs Indígenas e à proliferação de m inistérios tais como
— A Palavra dinam iza a transform ação: procura adequar a vida
anim adores, catequistas, m issionários, leitores. Assim, a Pastoral Indígena
começou a aparecer no território equatoriano. pessoal e com unitária às exigências que descobrem sem cálculo nem
consideração.
E em relação às seitas?
— O Reino de Deus tom a-se o ponto de atração, a referência, a
Deixo que Mons. Proano continue: “H á indígenas católicos que m anifestação das m ais profundas aspirações dos índios.
estão conscientes do dano que as seitas estão causando. Alguns, inclusive,
passaram pela experiência de ter participado da vida e da atividade de O Reino de Deus é concebido como o presente que Deus fez ao
algum a seita protestante. Com conhecimento de causa, então, afirm am : hom em em seu filho Jesus Cristo que vem nos revelar o rosto do Deus
que a evangelização das seitas é parcialm ente m oralizante, pois se conten­ vivo e verdadeiro. Aceitar o Reino nos leva a viver e defender certos
tam em proibir a chicha (aguardente) ou o cigarro e não fom entam a p rá ­ valores: a gratidão, a vida, a verdade, a justiça, a liberdade, o am or, a
tica da verdade e do am or ao próxim o; que, por isso mesmo, a evange­ fraternidade, a alegria e a paz.
lização é enganosa e hostilizante, divisionista e destruidora tanto da com u­
nidade como da cultura; que, consciente ou inconscientem ente, este tipo E sta vivência e esta defesa de valores do Reino devem ocorrer
no tem po e no espaço, nas diversas experiências históricas, ciente que
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de um a Igreja que lhes entregue o Deus libertador, irm ão, próxim o, que
sua plenitude se d ará som ente no céu. Desta busca perm anente de um a come em sua m esa, que chora com suas dores e participa de suas alegrias.
vivência cada vez m ais nítida dos valores do Reino de Deus nascem a
inconform idade e a esperança do cristão. É um a tarefa de nunca acabar. 2) A construção do Povo índio dentro do povo equatoriano. Est
É um a tarefa que enche um a vida, em bora um a vida não baste p ara vê-la Povo índio tem de ser constituído pelas diferentes nacionalidades que
term inada. têm como tarefa:
Segundo M onsenhor Leônidas Proano, este Reino tem que ir se — A recuperação de sua identidade sem se deixar envolver pela
realizando em duas dimensões: a Igreja e a sociedade. sociedade dom inante que os deixa sem nom e e sem destino.
— Na Igreja, que deve ser sinal visível, legível do Reino, isto é, — a defesa de seus valores culturais, sobretudo a defesa da terra
com o um a m ostra de que este Reino é possível e viável historicam ente; e como núcleo da cultura índia. A te rra não só como porção que lhes per­
m ite extrair os alim entos a nível fam iliar e com unitário m as tam bém
— na sociedade, que devemos procurar que se atenha cada vez
com o território, isto é, espaço vital indispensável p ara que o povo sobre­
m ais às exigências do Reino, se querem os contribuir para a realização do
viva e desenvolva sua cultura, a vida com unitária e o culto a Deus em
Plano de Deus de “recapitular todas as coisas em C risto”. O cristão deve
realizar este trabalho com grande hum ildade em união com os outros que tranqüilidade, segurança e liberdade;
vivem o m esm o esforço. — a luta pela autodeterm inação, isto é, a salvaguarda de sua
Quanto ao índio, M onsenhor Proano descobriu que a leitura da organização própria, a tom ada de decisões políticas de acordo com seus
Palavra de Deus suscitava dois objetivos: Igreja índia e povo índio. Mon­ interesses, o direito de expressar seu ser e seu pensam ento rom pendo
senhor distinguia que, p ara todo cristão com prom etido, o prim eiro na toda form a de dependência ou dominação;
intenção era o social, o povo; m as o prim eiro na realização era a Igreja, — a libertação de toda form a de opressão que será antes a con­
e ir da Igreja p ara o povo. seqüência de tudo o que foi dito antes e a realidade a que se chega
num a luta perm anente.
4.2. Os dois objetivos da P astoral ín d ia
5. CONCLUSÃO
1) A construção da Igreja índia, no seio da Igreja católica, que
seja capaz de assum ir os valores culturais e as m anifestações religiosas Com esta tarefa o povo índio se converte em redentor do con­
próprias, de modo que a Palavra se encarne na identidade índia através:
junto do povo equatoriano:
— da reflexão teológica, a p a rtir de sua cosmovisão; — ajuda-nos a recuperar nossa identidade a p a rtir da raiz mais
— da form ação dos m inistros e dem ais servidores nesse pensa­ p u ra e m ais nobre;
m ento e nessa teologia;
— ajuda-nos a construir um a cultura com características próprias,
— da vivência dos valores culturais na liturgia assum indo ritos, diferente do amerioan way of life que procura se im por em nossos povos
símbolos, sinais que facilitem a comunicação, a com preensão e a celebra­ p ara tirar-nos o ser depois ou ao mesmo tem po em que o im pério saqueia
ção da mensagem de Jesus. nossos recursos;
— ajuda-nos a descobrir nossa vocação de povo, nossos interes­
Isto seria um passo form idável que contribuiria para um enrique­
ses, nossa consciência, nosso pensam ento;
cim ento da Igreja católica em toda essa gama im ensa de valores que vimos
quando analisam os a cultura índia; e tam bém contribuiria p a ra um reju ­ — dá um a form a própria a nossa luta libertadora e nos põe diante
venescimento da p ró p ria Igreja ao se enraizar verdadeiram ente nas Sem en­ de um m odelo realizável e nosso de nova sociedade.
tes do Verbo sem pre novas nas culturas dom inadas, justam ente porque
a dom inação não as deixou emergir, não perm itiu que estreassem nem Assim, o índio não lê a Palavra de Deus por ler nem p ara satis­
sequer que fossem usadas. fação devocional. . . a lê dentro de um horizonte de redenção: libertando-
se, liberta o povo m estiço, tan to s anos agente interno da dom inação im pe­
A “Nova Evangelização”, m ais do que pregação com novos conteú­
rialista; construindo-se como povo, propõe um a Nação nova; fazendo se
dos, devia ser novas atitudes de escuta, de acolhida, de reconhecim ento,
testem unha de Jesus, devolve à Palavra de Deus sua força que tira a Igreja
de celebração da presença de Deus no povo índio e nos oprim idos de
do sono e da com odidade e contribui assim p a ra renová-la como realidade
nosso c o n tin e n te ... esta atitude nos facilitaria o m aravilhoso descobri­
histórica e dinâm ica, ao m esm o tem po que p o rtad o ra do Espírito de Deus
m ento, este sim, verdadeiro descobrim ento do m undo índio; e perm itiria
p a ra o m undo m ergulhado no pecado.
a autodescoberta dos índios como sujeitos de evangelização e de edificação
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Missão insubstituível do índio nesta hora da América Latina.
(E parece que estam os n a últim a hora!) Cham ado urgente aos hom ens
e m ulheres de fé a fim de que dediquem suas forças, sua imaginação e
seu coração à causa índia n a perspectiva do índio, p a ra ler ju n to s a
Palavra de Deus que nunca volta v a z ia ... Chamado urgente aos hom ens
e m ulheres de boa vontade p ara em penhar suas energias na causa do
índio a fim de apoiar suas aspirações a fortalecer-se como povo, respei­
tando suas propostas e decisões. Cham ado urgente ao fndio-povo, à mãe-
índia, ao índio jovem e c ria n ç a ... a to d o s ... “que todos sejam convo­ RECENSÃO
cados” . . . estam os na grande minga de acolher o reino de Deus no povo
índio p ara que possa cum prir a m issão de “servo de Javé” neste século!

Tradução de
Jaime A. Clasen

Nelly Arrobo Rodas


Apartado 207
Ib arra
E quador

GUTIÉRREZ, Gustavo. Dios o el oro en las índias. Siglo


XVI. Lima, CEP e Instituto Rartolomé de las Casas, 1989,
178 p .

Nunca existiu ontem nem existirá am anhã um cristianism o ou


um a cristologia puros, tam pouco no século XVI espanhol ou hispano-
am ericano. J á sabíam os disto, m as a novidade é que, p o r ocasião do
V centenário da chegada de Colombo à América, isto aparecerá m ais claro
nas pesquisas e nas interpretações. A pequena obra de G. Gutiérrez faz
p a rte disto, em bora se tra te som ente dos prim eiros quatro capítulos de
um a obra m aior que abrangerá doze.
Um prim eiro capítulo, intitulado “a m orte antes do tem po”, nos
introduz nessa trem enda realidade de despojo e m orte dos índios, que
teve como pequena contrapartida a luta pela justiça de um bom núm ero
de m issionários dom inicanos e franciscanos, m as tam bém de outros m uitos
cristãos, antes de Las Casas te r iniciado sua “prim eira conversão” por
volta do ano 1514. Após esse m om ento Las Casas irá se convertendo em
cam peão indiscutível dessa causa, já que soube m o strar como ninguém
a m agnitude e a gravidade dessa trem enda injustiça e até, diríam os hoje,
seu caráter estrutural.
Os dois capítulos seguintes nos situam num a etapa posterior já
à m orte de Las Casas, ocorrida em 1566, e num lugar que ele não conse­
guiu visitar, o Peru. Trata-se da cam panha ideológica e política em preen­
dida pelo Vice-rei Francisco de Toledo p ara justificar o dom ínio espanhol
sobre o im pério incaico. E n tre as tergiversações históricas, ideológicas e
teológicas que ocorreram , destaca-se o triste e vergonhoso Anônimo de
Yuray: acha providencial a abundância de ouro n as índias porque graças
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