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Promiscuidade judicial em Nova York

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Conrado Hübner Mendes 9 de novembro de 2022

Durante a última década se firmou na cultura do Brasil-colônia uma prática cuja jequice
vem pronta: encontros da elite econômica e magistocrática, em cidade estrangeira
glamourosa, na presença somente de brasileiros, sob o pretexto de se discutir tema
nacional. Fora do país fica suspensa a noção republicana de "conflito de interesses", que
busca regular interações entre estado, mercado e funções institucionais.

Para celebrar a Proclamação da


República, seis ministros do STF
(além de um ex-ministro e um ministro
do TCU cotado a cadeira no STF)
participarão da "Lide Brazil
Conference", em Nova York. Como se
sabe, o "Lide - Grupo de Líderes
Empresariais", integrante do Grupo
Doria, é empresa de João Doria
dedicada a "fazer pontes" entre o
mundo corporativo e o mundo público.
Não precisa chamar de lobby se tiver Fachada da sede do STF (Supremo Tribunal
apego ao eufemismo. Federal), em Brasília
- Gabriela Biló -
3.mai.22/Folhapress
Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia,
Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski, além de
Carlos Ayres Brito e Bruno Dantas, sob e moderação de Merval Pereira, antecedidos
pelo "opening speaker" Michel Temer, irão falar sobre o tema "O Brasil e o respeito à
liberdade e à democracia". Para que não faltasse verniz acadêmico nem estrangeirismo,
o "meeting" ocorre no "Harvard Club", espaço ligado à comunidade Harvard.

Tudo bem que a Proclamação da República, como evento histórico, não foi das coisas
mais republicanas. Mas a data ao menos ecoa um ideal, entre outras coisas, de separar
o público do privado, do decoro, da imparcialidade, do combate à falta de noção. Podiam
pelo menos combinar data menos irônica.

O "Lide Brazil Conference", com a presença de ministros, é um obelisco do ethos


antirrepublicano da magistocracia. Por múltiplas razões. Enumero seis para começar.

Primeiro, é evento empresarial. Patrocinado por gigantes das finanças, da construção


civil e da celulose: Banco Master, Acciona, Binance, Bracell, CNseg, Cosan, Eletra, J&F,
Febraban, JHSF, Bradesco, Coelho da Fonseca, Grupo Safra. Um "branding" plural.

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Pesquise conexões dessas empresas com Bolsonaro, com PT, com centrão, com valores
constitucionais, com STF, com ministros do STF. Tem muita coisa. Cada patrocinador
tem interesses presentes e futuros no STF. Mas não é só isso. O evento emite sinal
grave sobre indiferença ética.

Segundo, supondo que presença de um ministro já não ferisse princípios da ética


judicial, não pega mal ter a presença de seis? Da maioria do colegiado? Um não era
suficiente para falar "em nome" do STF? Há limite na disneylândia do patrimonialismo
magistocrático?

Terceiro, escancara como a riqueza tem absoluto privilégio sobre a pobreza na pauta do
STF. Se quiser entender como o STF trata a pobreza, conte as rejeições de habeas
corpus em defesa de miseráveis. Ou como julga políticas públicas que atendem aos
vulneráveis. Não houve ministro em encontro nacional da população de rua, semanas
atrás em Maceió. Apenas Cármen Lúcia é aguardada no da defensoria, nessa semana
em Goiânia. A riqueza o STF encontra em jantares em Nova York.

Quarto, juízes precisam proteger a corte, não jogar contra ela. Quanto mais permitem
individualizar o tribunal, desinstitucionalizá-lo e identificá-lo a pessoas particulares, mais
abrem espaço para o tipo de ataque desferido por Bolsonaro. Crise de legitimidade
passa a depender de um peteleco. Fazem o jogo de Bolsonaro.

Quinto, quem paga as despesas? Se for o Lide, está errado. Se for o orçamento do STF,
mais errado. Pagam do próprio bolso? Não resolveria. São remunerados? Se sim, temos
um problema enorme. Se não, o problema enorme continua.

Sexto, uma dica: o "all-white-male panel" já não pega bem nem no Harvard Club nem na
Harvard University. Nove homens brancos e uma mulher não fazem um ambiente
inclusivo. Ideologia de gênero?

Relembre ataques de Bolsonaro a ministros do STF

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Não há corte constitucional respeitável no mundo que aceite conduta similar. Se


quiserem um modelo, basta olhar para Edson Fachin e Rosa Weber, os que mais bem
praticam esses parâmetros universais de ética judicial. Se a "fumaça do bom direito"
depende da "fumaça do bom juiz", a presença no Lide Conference produz fumaça tóxica.

Na semana passada descrevi formas de Bolsonaro sair vitorioso após derrota eleitoral.
Naturalizar a promiscuidade é uma dessas formas. Quem prefere ser chaveirinho do
poder econômico se deslegitima perante os que questionam sua imparcialidade e sua
autoridade.

Lide com isso.

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