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ANDRÉ LUIS FREITAS DA SILVA

QUANDO TODOS SÃO GUARANI: a guaranização indígena em


escritos do século XVI nas Províncias do Rio da Prata

DOURADOS – 2018
ANDRÉ LUIS FREITAS DA SILVA

QUANDO TODOS SÃO GUARANI: a guaranização indígena em


escritos do século XVI nas Províncias do Rio da Prata

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


História da Faculdade de Ciências Humanas da
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)
como parte dos requisitos para a obtenção do título
de Doutor em História.

Área de Concentração: História, Região e


Identidades.

Orientador: Prof. Dr. Thiago Leandro Vieira


Cavalcante.

DOURADOS - 2018
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S586q Silva, André Luis Freitas Da.

QUANDO TODOS SÃO GUARANI: a guaranização indígena em escritos do


século XVI nas Províncias do Rio da Prata / Andre Luis Freitas Da Silva --
Dourados: UFGD, 2018.
174f. : il. ; 30 cm.

Orientador: Prof. Dr. Thiago Leandro Vieira Cavalcante

Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências Humanas,


Universidade Federal da Grande Dourados.
Inclui bibliografia

1. História Indígena. 2. Guarani Colonial. 3. Guaranização. 4. Cronistas. 5.


Século XVI. I. Título

Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).

©Direitos reservados. Permitido a reprodução parcial desde que citada a fonte.


ANDRÉ LUIS FREITAS DA SILVA

QUANDO TODOS SÃO GUARANI: a guaranização indígena em


escritos do século XVI nas Províncias do Rio da Prata

TESE PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE DOUTOR

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH/UFGD

Aprovada em ______ de __________________ de _________.

BANCA EXAMINADORA:

Presidente e orientador:
Thiago Leandro Vieira Cavalcante (Dr., UFGD) ____________________________________

2º Examinador:
Beatriz dos Santos Landa (Dra., UEMS) __________________________________________

3º Examinador:
Júlio Ricardo Quevedo dos Santos (Dr., UFSM) ___________________________________

4º Examinador:
Cándida Graciela Chamorro Arguello (Dra., UFGD) ________________________________

5º Examinador:
Lúcio Tadeu Mota (Dr., UFGD/UEM) ____________________________________________
RESUMO

Este trabalho descreve e analisa fontes escritas produzidas no transcorrer do século XVI que
trazem informações sobre o Guarani do período colonial. Essas fontes históricas foram
concebidas por cronistas que testemunharam os primeiros contatos e que viveram entre povos
indígenas das Províncias do Rio da Prata. Também por cronistas que escreveram a partir de
seus gabinetes, subsidiados por relatos orais, transmitidos por exploradores do Novo Mundo,
por documentos oficias da administração espanhola e por outros papéis escritos que tratavam
de povos indígenas. O objetivo das descrições e análises é demonstrar pelo viés da História
Cultural, pelos métodos da Étno-história, que alguns escritos desse período histórico são
portadores de uma ideia que consideramos ser de guaranização. Para este trabalho, a ideia de
guaranização que estamos propondo não acontece necessariamente pela via do contato entre
diferentes povos, mas, principalmente no campo narrativo. Portanto, guaranizar é difundir
uma visão genérica, de forma intencional ou não, de que o Guarani colonial foi um povo que
ocupou demograficamente amplo espaço geográfico, reproduzindo características
socioculturais homogêneas em diferentes lugares e diferentes temporalidades, que submeteu
outros povos, devido à sua capacidade guerreira, superioridade de sua cultura e influência de
seu idioma. Portanto, guaranizar é exaltar um povo em detrimento de outro, é invisibilizar
uma pluralidade sociocultural nativa em nome de uma singularidade sociocultural. As
crônicas do século XVI que traçaram os primeiros contornos que identificamos como sendo
de guaranização, e que influenciaram a produção escriturária sobre os Guarani, desenvolvida
nos séculos posteriores, foram produzidas por Luiz Ramíres, Sebastião Caboto, Cabeza de
Vaca e Juan Lopes de Velasco. Esses autores imprimiram em suas narrativas a presença
marcante do Guarani colonial em diferentes espaços e sua forte influência no contexto das
relações interétnicas.

Palavras – chave: Guarani colonial. Guaranização. Cronistas.


ABSTRACT

WHEN ALL ARE GUARANI: indigenous guaranization in writings from the 16th century in
the Provinces of the River Plate

This work describes and analyzes written sources produced during the sixteenth century that
bring information about the Guarani of the colonial period. These historical sources were
conceived by chroniclers who witnessed the first contacts and who lived among indigenous
peoples of the Provinces of the River Plate, and also by chroniclers who wrote from their
offices, subsidized by oral reports, transmitted by New World explorers, by official
documents of the Spanish administration and by other written papers dealing with indigenous
peoples. The purpose of the descriptions and analyzes is to demonstrate by the bias of
Cultural History, by the methods of Etymology, that some writings of this historical period
bear an idea that we consider to be guaranization. For this work, the guaranization idea that
we are proposing does not necessarily happen through the way of contact between different
peoples, but mainly in the narrative field. Therefore, guaranize is to diffuse a generic view,
intentionally or not, that the colonial Guarani was a people that occupied demographically
wide geographical space, reproducing homogeneous sociocultural characteristics in different
places and different temporalities, that submitted other peoples, due to its capacity warrior,
superiority of their culture and influence of their language. Therefore, guaranize is to exalt
one people to the detriment of another, is to make a native sociocultural plurality invisible in
the name of a sociocultural singularity. The sixteenth-century chronicles that traced the first
contours that we identified as guaranization, and which influenced the writing production on
the Guarani, developed in later centuries, were produced by Luiz Ramíres, Sebastião Caboto,
Cabeza de Vaca and Juan Lopes de Velasco. These authors have printed in their narratives the
marked presence of colonial Guarani in different spaces and their strong influence in the
context of interethnic relations.

Keywords: colonial Guarani. Guaranization. Chroniclers.


SUMÁRIO

Introdução........................................................................................................................ 11

Capítulo 1
O Guarani do período colonial 21
1.1. O Guarani do período colonial: contextualizando...................................................... 22
1.2. Guarani do período colonial: perspectivas linguísticas e arqueológicas. .................. 37
1.3. Guarani do período colonial: questões preliminares aos próximos capítulos: Parte I 40
1.4. Guarani do período colonial: questões preliminares aos próximos capítulos: Parte
II - Indícios, sinais e deduções........................................................................................... 43
1.5. O Guarani do período colonial: questões preliminares aos próximos capítulos: 48
Parte III - Motivos para guaranização na conturbada história da morte de Juan Díaz de
Solís...................................................................................................................................
Capítulo 2
O guarani do período colonial em fontes escritas do século XVI: crônicas de 59
bordo
2.1. A gênese Guarani nas primeiras narrativas de viagens ao rio da Prata...................... 60
2.2. O cronista Luis Ramírez: texto e contexto.................................................................. 63
2.2.1. O cronista Luis Ramírez: carta a seu pai................................................................. 67
2.3. O Guarani em Diego García de Moguer: relatório de viagem.................................... 93
2.4. O Guarani em Sebastião Caboto: possível relato de viagem...................................... 102
Capítulo 3
O guarani do período colonial em fontes escritas do século XVI: crônicas de 110
campo e gabinete
3.1. O Guarani em Pero Lopes de Souza: diário de navegação ........................................ 111
3.2. O Guarani em Ulrich Schmídel: diário de campo ...................................................... 116
3.2.1. Os Carió: quiçá Guarani.......................................................................................... 129
3.3. Os Guarani em Cabeza de Vaca................................................................................. 132
3.4. A homogeneização indígena nas províncias do Rio da Prata em Juan López de 147
Velasco: crônica oficial de gabinete..................................................................................
Conclusão.......................................................................................................................... 155

Referências ...................................................................................................................... 161


INTRODUÇÃO

O Guarani do período colonial descrito em sua cultura, sociedade e demografia é


considerado por linguistas como falante de língua pertencente à Família Linguística Tupi-
Guarani, do tronco linguístico Tupi e por arqueólogos como pertencente à Tradição
Ceramista Tupiguarani (sem hífen). Os linguistas inferem que os povos pertencentes à
família Tupi-Guarani teriam iniciado sua dispersão pelo território Sul-americano a partir da
área compreendida entre os rios Madeira, Guaporé e Aripuanã1. Por outro lado, conforme
Beatriz Correa da Silva, estudos na área da arqueologia apontam a dispersão dos portadores
da cerâmica Guarani (Subtradição Guarani) a partir da confluência dos rios Madeira e
Amazonas, “subindo o rio Madeira a oeste, interiorizando-se na Amazônia e descendo rumo
ao sul até o rio da Prata” 2.
Os estudos históricos que tratam do Guarani do período colonial são reflexos, em
grande medida, de narrativas produzidas nos séculos XVI, XVII e parte do século XVIII que
assinalavam a presença desse povo em distantes e distintos ambientes das antigas províncias
do Rio da Prata3. Ao analisarmos papéis escritos nesse período, fica bastante evidente que
informações neles contidas salientam a demografia, a língua falada e aspectos socioculturais,
de tal maneira, que nos transmitem a impressão ou falsa impressão, de que realmente tratava-
se de um grande e único povo amplamente disperso.
Em parte de relações históricas e estudos que se produziram posteriormente à época
colonial, o olhar que se debruçou sobre as fontes que tratam desses personagens históricos, de
maneira geral, reproduziram a ideia de que a categoria indígena Guarani era uma unidade
sociocultural e linguística, demograficamente ampla, que estava assentada em vasto espaço

1
Cf. CORREA DA SILVA, B., Mawé/Awetí/Tupí-guaraní: Relações Linguísticas e Implicações Históricas,
p. 45.
2
CORREA DA SILVA, B., Mawé/Awetí/Tupí-guaraní: Relações Linguísticas e Implicações Históricas, p. 49.
3
Os espanhóis definiram logo no início da exploração e conquista, as terras banhadas pelo rio da Prata e seus
afluentes maiores, como Provincias del Rio de la Plata. De maneira geral elas abarcavam os territórios
pertencentes à atual Argentina, Uruguai, Paraguai, e grande parte dos estados do sul do Brasil e parte do atual
estado de Mato Grosso do Sul. Usamos esse topônimo para referenciar o espaço considerado como de circulação
e habitação dos povos Guarani do período colonial.
11
geográfico, e procuraram explicar os motivos que levaram a esse povo a expandir-se,
conquistar e manter-se impermeável ao tempo e ao contato com outros povos4.
Um dos principais motivos elencados para a distribuição espacial tinha a ver com o
movimento de seus poderosos exércitos, que, obedecendo a grandes convites xamânicos,
reuniam-se em centenas ou milhares de guerreiros. Pensou-se que essas incursões, que por
consequência levavam a expansão, possuíam um caráter estritamente guerreiro, no entanto,
mais tarde, passou-se a acreditar como sendo de caráter religioso5. Em certo sentido,
conforme podemos perceber em Cristina Razzera dos Santos, fundamentada em Susnik, as
questões guerreira, religiosa e econômica não estavam totalmente desvinculadas desses
chamamentos.
Desde de los tiempos de la dispersión de las tribus Tupí-Guaraníes esta
búsqueda con el implícito ethos ogwatá reflejaba objetivos concretos: la
expectativa de alcanzar la plenitud y la perfección a través de motivaciones
guerrero-conquistadoras con los rituales antropofágicos, las tiestas de chicha,
el maracá y los bailes rituales promovidos por el chamán-andante. Sin
embargo, la plenitud a ser alcanzada era a nivel existencial, de manutención
de las pautas culturales de subsistencia6.

Nesses eventos, os grupos confederavam-se e partiam para saquear e conquistar povos


e territórios. Pela força de seus exércitos e pela superioridade de sua cultura, eles conseguiam
impor aos vencidos, sua língua e características de seu modo de ser e viver7.
A proposta de que na época colonial para as terras baixas da América do Sul, em
especial a parte meridional, houvesse um povo dominante, assim como eram os Inca e os
Asteca, por exemplo, para as terras altas, não é totalmente desproposital. O problema é que o
Guarani no papel8, que visualizamos no passado, era fragmentado em seus aspectos
sociopolíticos e culturais, espacialmente e temporalmente. Florestan Fernandes em seus

4
Essa ideia de expansão territorial, conquista de outros povos, imposição da cultura e da língua, além da
manutenção de aspectos socioculturais e linguísticos, podemos perceber em SUSNIK (1979/80).
5
Cf. MELIÀ, B., La lengua Guaraní del Paraguay, p. 16.
6
RAZZERA DOS SANTOS, C., Aspectos de la resistencia Guaraní: los proyectos de integración en el
virreinato del río de la Plata (1678-1805), p. 72/3.
7
CF. RAZZERA DOS SANTOS, C., Aspectos de la resistencia guaraní: los proyectos de integración en el
virreinato del río de la Plata (1678-1805), p. 64.
8
Cf. SANTOS. M. C., El Guaraní de papel.
12
estudos sobre os Tupinambá percebeu a mesma fragmentação e não reconheceu neles,
unidades sociais maiores do que os grupos locais9.
A que se frisar, conforme Thiago Cavalcante, fundamentado em Carlos Fausto, que
“seria ingenuidade afirmar que existe uma simples correlação entre demografia e
complexidade sociocultural ou sociopolítica”10, negando desta forma, a possibilidade de um
povo amplamente disperso e culturalmente homogêneo. No entanto, no caso do Guarani
colonial, há evidências que em nosso entendimento corroboram nossas assertivas, conforme
discutiremos ao longo dos capítulos da tese. Segundo John Monteiro, há “fatores que se
contrapõem a qualquer visão monolítica de uma "nação" Guarani”11.
Bartomeu Melià, observou que “cada época y tipo de relación entablada entre
europeos y guaraníes fue inventando un rostro nuevo para esos indios […]”12. Mas, mesmo
sob rostos novos, o Guarani, continuou a ser visto como uma ampla categoria indígena. Seu
povo foi estimado entre 1.500.000 até 2 milhões de habitantes distribuídos desde “la costa
atlántica de San Vicente, en el Brasil, hasta la margen derecha del río Paraguay, y desde el sur
del Paranapanema y del Gran Pantanal, o lago de los Jarayes, hasta las islas del Delta, cerca
de Buenos Aires”13.
Da mesma forma que o Guarani esteve sujeito a seus diferentes descobridores,
narrativas e análises desenvolvidas nos séculos XIX e XX que se voltaram para os Guarani do
período colonial, também estiveram sujeitas ao seu tempo e espaço, ou seja, a correntes de
pensamento de sua época que procuravam explicar a diversidade cultural humana. Uma
dessas correntes foi o Evolucionismo, linha de pensamento que observou, de maneira geral,
que a humanidade se desenvolvia de forma linear, devendo passar por estágios evolutivos
obrigatórios a todos14. A segunda corrente de pensamento foi a do Difusionismo, que de

9
FERNANDES, F., A função social da guerra na sociedade Tupinambá, p. 63.
10
CAVALCANTE, T. L. V., Etno-história e história indígena: questões sobre conceitos, métodos e relevância
da pesquisa, p. 360.
11
MONTEIRO, J. M., Os Guarani e a história do Brasil Meridional, p. 477.
12
MELIÀ, B., La lengua Guaraní del Paraguay, p. 20.
13
Ibidem.
14
CASTRO, C., [org.]. Evolucionismo cultural: textos de Morgan, Tylor e Frazer, p. 14.
13
maneira geral, pregava um ponto de origem para as inventividades humanas, propagadas
depois para outros locais por diversos meios15.
Essas duas correntes, em certo sentido, colaboraram para manter o status quo do
Guarani colonial, pois ajudaram a explicar a mobilidade dos Guarani, que, ao migrarem a
partir de um determinado ponto para outro, por seu caráter expansionista, difundiram sua
língua e sua cultura. Ou seja, se os Guarani foram interpretados como um povo dominador,
automaticamente se interpretou que havia povos dominados e de cultura inferior.
Para Bruce Trigger, “quase toda a mudança cultural no registro arqueológico era
atribuída a difusão de ideias de um grupo a outro, ou a migrações que levavam à substituição
de um povo e sua cultura por outro de cultura distinta”16. Esse intercâmbio de culturas está
implícito no difusionismo na forma da ideia de aculturação 17. Conforme Jairo Rogge, ao
conceituar aculturação, o que “deveria envolver processos mútuos, multidimensionais foi
interpretado como uma via de mão única, na qual uma cultura doadora transmitiria seus
“valores” para uma cultura receptora, sendo que o caráter passivo dessa última a levaria a ser
assimilada ou absorvida pela primeira”18. Assim como expos Carlos Rodrigues Brandão19,
quando discutia questões ligadas à identidade e etnia, observando que “aculturação é o nome
do processo através do qual, culturas intercambiavam “traços” e “complexos” culturais, de tal
sorte que os de uma delas, mais forte, mais impositiva, envolviam os da outra e do encontro
surgia uma nova cultura”.
Analogamente a ideia de aculturação, se manifesta a ideia de guaranização. Quando
falamos em aculturação, estamos observando que uma cultura se sobrepõe a outra. Quando
falamos em guaranização, indiretamente estamos agregando à cultura dos Guarani, um valor
que eleva a mesma a um nível superior a outras culturas. Por esta ótica, ao dar um significado
ao termo guaranização, o arqueólogo André Soares, observou que “os Guarani não somente
aceitavam os outros grupos como os incorporavam, no processo conhecido vulgarmente como

15
Ibidem, p. 17.
16
TRIGGER, B. G., História do pensamento arqueológico, p. 151.
17
Cf. PANOFF, M.; PERRlN, M., Dicionário de etnologia, p. 55.
18
ROGGE. J. H., Fenômenos de fronteira: um estudo das situações de contato entre os portadores das tradições
cerâmicas pré-históricas no Rio Grande do Sul, p. 27.
19
BRANDÃO, C. R., Identidade e Etnia. Construção da Pessoa e Resistência cultural, p. 90.
14
‘guaranização’. Este processo não negava o ethos Guarani, impositor e guerreiro, mas o
reforçava”20. Conforme Anselmo Neetzow, a guaranização “decorria do tipo de relação social
que esse grupo mantinha com grupos não Guarani”21. Essas relações, conforme observou o
autor, poderiam ocorrer por meio de “raptos, casamentos e guerras22” situações que permitiam
“a dominação Guarani”23.
Muitos trabalhos ao analisarem a atualidade indígena dos povos falantes da língua
guarani, quando procuram fazer um retrospecto histórico desses povos, tendo que se reportar a
época do Guarani do período colonial, geralmente abordam a questão da guaranização. O
mesmo ocorre com quem tem por objeto de estudo o próprio Guarani colonial. Grosso modo,
quando a questão da guaranização está presente, é para explicar questões ligadas a dispersão
linguística e organização sociocultural dos Guarani.
Pelo fato de que neste trabalho procuramos fazer alguns questionamentos e defender
hipóteses sobre o Guarani colonial na forma como é representado em fontes escritas, relações
históricas e análises contemporâneas, no que tange, principalmente, ao seu aspecto
demográfico e sociocultural, procuramos alinhar nosso pensamento a outros olhares
semelhantes.
Os pesquisadores Isabelle Combès e Diego Villar, ao tratarem sobre as representações
dos povos Chané e Chiriguano, que carregam em si duas heranças culturais distintas e ao
mesmo tempo misturadas, visto que a história nos diz que os Chiriguano são filhos de homens
Guarani com mulheres Chané, e que os mesmos carregam apenas traços Guarani, fazem uma
crítica a essa visão. Para eles a ideia de guaranização pode ser resultado da “onipotência da
identificação guaranizante24” que guaranizou os próprios “pesquisadores que, em geral,
apenas realçaram a dimensão guarani em detrimento da herança arawak”25.

20
SOARES, A. L. R., Guarani: organização social e arqueologia, p. 160.
21
NETZOW, A. A., Diferentes interpretações sobre o rio da Prata quinhentista: reflexões sobre uma
abordagem histórico-arqueológica, p. 96.
22
Ibidem.
23
Ibidem.
24
COMBÉS, I.; VILLAR, D., Os mestiços mais puros. Representações Chiriguano e Chané da mestiçagem, p.
45/6.
25
Ibidem.
15
Conforme comentamos mais acima, se a ideia de guaranização pressupõe expansão,
conquista, domínio e assimilação, nos filiamos ao olhar de Isabelle Combés e Diego Villar.
Pois, não é o processo de guaranização em si mesmo que iremos abordar, mas a maneira
como o Guarani colonial foi representado. Neste sentido, para este trabalho, a ideia de
guaranização que estamos propondo, não acontece necessariamente pela via do contato entre
diferentes povos, mas, principalmente no campo narrativo.
Portanto, guaranizar é difundir uma visão genérica, de forma intencional ou não, de
que o Guarani colonial foi um povo que ocupou demograficamente amplo espaço geográfico,
reproduzindo características socioculturais homogêneas em diferentes lugares e diferentes
temporalidades. Que submeteu outros povos, devido à sua capacidade guerreira, superioridade
de sua cultura e influência de seu idioma. Guaranizar é exaltar um povo em detrimento de
outro, é invisibilizar uma pluralidade sociocultural nativa em nome de uma singularidade
sociocultural.
Dada a presença marcante desse povo nos escritos coloniais, numa situação em que se
atribui ao mesmo como habitando desde a margem sul do rio Paranapanema até o nordeste
argentino; desde o Atlântico até o oriente boliviano e proximidades do rio Amazonas;
diríamos, parafraseando Guillermo Wilde26, que somos condicionados, consciente ou
inconscientemente, a perceber os mesmos como sendo uma imensa massa populacional,
distribuída por diferentes espaços geográficos, falando um único idioma e se desenvolvendo
sob uma única cultura.
Portanto, entendemos que o quadro que se desenhou sobre o Guarani do período
colonial, em termos de expansão demográfica, cultural e linguística, ganhou seus primeiros
esboços, em narrativas de cronistas coloniais do século XVI. Essas narrativas influenciaram
decisivamente o olhar de outros agentes coloniais, mas, em especial, a historiografia que se
produziu na posteridade. A partir desta hipótese, nossa tese vai se deter sobre crônicas
elaboradas no século XVI, por indivíduos que testemunharam os eventos e escreveram a partir
de suas experiências junto a esse povo indígena ou por aqueles que escreveram a partir de
seus gabinetes do outro lado do Atlântico.

26
WILDE, G., Territorio y Etnogénesis Misional en el Paraguay del siglo XVIII, p. 84.
16
Observamos que as narrativas que iremos analisar não são sobre o Guarani reduzido e
também não são sobre o índio etnográfico. O Guarani reduzido é posterior ao período
histórico que iremos analisar. Quanto aos falantes da língua guarani, não há instrumentos
metodológicos para aferir a etnicidade dos povos antigos para filiá-los com os povos atuais,
principalmente porque que não temos a fala dos indígenas coloniais, que conforme Fredrik
Barth é fator preponderante para conferir noção de pertencimento e identidade27.
Ao estudarmos o Guarani do século XVI, no papel, metodologicamente falando, nos
utilizaremos da História Cultural, visto que ela nos permite inquirir e confrontar as fontes de
modo a obtermos os resultados que esperamos das mesmas. No entanto, devemos ter a
consciência de que o testemunho produzido no papel é uma projeção do real. Por mais que os
cronistas procurassem, em seu contexto histórico, fixar a realidade tal qual ela se apresentou
diante dos olhos e dos sentidos, o fato testemunhado é um e o fato narrado é outro.
Nossa argumentação se apoia na análise efetuada por Peter Burke quando este debateu
o conceito e o emprego da História Cultural na análise histórica. Para este autor,
fundamentando nossa observação “tudo que é recebido é sempre diferente do que foi
originalmente transmitido, porque os receptores, de maneira consciente ou inconsciente,
interpretam e adaptam as ideias, costumes, imagens e tudo que lhes é fornecido”28. Conforme
este autor, este é um conceito dos teóricos da recepção, entre os quais ele inclui o
antropólogo e historiador Michel de Certeau29. De maneira geral, por esta ótica, o passado
interpretado no presente, por diferentes leitores, ganha novos sentidos, pois, “a característica
essencial da transmissão cultural é que tudo o que se transmite muda"30.
Se considerarmos cada olhar uma sentença, a cada sentença uma nova interpretação,
diferentes testemunhas também podem presenciar um mesmo quadro e apresentar diferentes
versões para o mesmo. Essa é uma questão entre outras possibilidades que podem influenciar
o texto narrado, conforme veremos quando estivermos nos detendo sobre a fala dos cronistas
elencados para análise no segundo e terceiro capítulos. Esse conceito da História Cultural é

27
BARTH, F., O Guru, o iniciador e outras variações antropológicas, p. 27.
28
BURKE, P., Variedades de história cultural, p. 249/250.
29
Ibidem.
30
Ibidem.
17
um, entre outros, que nos transmite a ideia de representação social. Significa em outras
palavras, “o modo como uma realidade social é pensada, construída, dada a ler”31.
De acordo com Antônio Ramos32, a História Cultural “busca decifrar as representações
do mundo social, feitas por diferentes grupos em diferentes épocas”, permitindo neste caso,
análise das narrativas históricas que constituíram sujeitos e lugares e deram sentido aos
mesmos. “A história é sempre texto, ou mais amplamente, discurso, seja ele escrito,
iconográfico, gestual etc., de sorte que somente através da decifração dos discursos que
exprimem ou contém a história poderá realizar o seu trabalho”33.
Trabalhamos no âmbito da História Cultural, pelo fato de que nosso trabalho se insere
no campo da História Indígena. Desta forma, ao realizarmos uma abordagem histórica sobre o
Guarani do período colonial, nos orientamos pelas ferramentas metodológicas da etnohistória.
É por meio desta que nos inserimos no passado colonial indígena, o qual foi visto por lentes
estrangeiras. Neste sentido, de acordo com Thiago Cavalcante, a ferramenta de análise que
iremos nos utilizar “é um método que congrega, principalmente, os aportes da antropologia e
da história, mas também e com grande importância de outras disciplinas, tais como a
arqueologia e a linguística”34.
Em sendo por meio do olhar europeu que acessamos o passado indígena, devemos ter
sempre em conta que esses agentes registraram, conforme sinalizou Edgard Ferreira Neto35,
“o que lhes pareceu mais significativo”. Mas, considerando que o significado pode ser
polissêmico em relação ao significante, ou seja, que o narrado pode ser distinto do observado,
conforme já frisamos mais acima, teríamos ao final, um objeto deformado36.
Neste cenário em que há incertezas sobre o objeto estudado, a etnohistória nos permite
ampliar nossas percepções em relação ao mesmo, pois, seu caráter primevo é o diálogo entre
diferentes disciplinas. Portanto, é com os aportes, em maior grau, da História e, em menor
grau da Arqueologia, da Antropologia e da Linguística, que tratam do Guarani do período

31
CHARTIER. R., A História Cultural entre práticas e representações, p. 16.
32
RAMOS, A. D., O Medo Instrumentalizado: Província Jesuítica do Paraguai, 1609-1637, p. 22.
33
CARDOSO, C. F.; VAINFAS, R., História e análise de textos, p. 540.
34
CAVALCANTE, T. L. V., Etno-história e história indígena: questões sobre conceitos, métodos e relevância
da pesquisa, p. 353.
35
FERREIRA NETO, E., História e etnia, p. 471.
36
Ibidem.
18
colonial, que nos aparelhamos. Esse conjunto de disciplinas, aliadas a leituras de diversas
fontes escritas, nos orientam, nos informam, nos conduzem e possibilitam o surgimento de
insights37. Dando-nos a clareza necessária para analisar, interpretar e fazer a crítica das
crônicas do século XVI, cuja finalidade última é nos fornecerem respostas sobre a construção
do Guarani colonial como sendo uma categoria demograficamente ampla e culturalmente
homogênea.
Pelo que anteriormente esboçamos e considerando que a unidade Guarani do século
XVI era fragmentada, tanto em seu sentido espacial e temporal, quanto nos vários olhares que
se debruçaram sobre os mesmos, não falamos em um Guarani em seu sentido êmico, mas em
seu sentido ético38. Ou seja, tratamos do Guarani na história, mas, não se trata de uma história
de guaranis. Portanto, enfatizamos que nos utilizamos do método étnico-histórico para
analisar fontes escritas do século XVI, que tratam do Guarani colonial.
Quanto à organização, o trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro capítulo
intitulado O Guarani do período colonial, trata sinteticamente de contextualizar o Guarani
daquele período na forma como ele foi representado em fontes históricas, trabalhos
posteriores e contemporâneos ao tempo presente. Incluímos neste tópico, de maneira geral, a
percepção da Linguística e da Arqueologia. Na sequência do capítulo, discutimos a percepção
de exploradores e conquistadores em relação à terra e as gentes. Ao final, trabalhamos com a
notícia que se propagou sobre a morte do navegador Juan Diaz de Solís. O intuito desta última
parte é considerar que a partir das notícias que se veicularam sobre os acontecimentos que
ocorreram a este navegador no rio da Prata, ajudaram em tempos posteriores a influenciar por
meio da escrita na propagação da ideia de guaranização.
O segundo capítulo tem por título O Guarani do período colonial em fontes escritas
do século XVI: crônicas de bordo. Este capítulo tem objetivo de analisar a narrativa dos três
primeiros cronistas coloniais que falaram pela primeira vez em um povo nomeado de Guarani.
Por terem estado no mesmo contexto histórico navegando nas águas do rio da Prata, entre
1526 e 1530, designamos seus escritos como crônicas de bordo, pois, eles ainda estavam em
um contexto de reconhecimento e exploração. As análises que realizaremos, sobre as falas de

37
Cf. GINZBURG, C., Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História.
38
Cf. CAVALCANTE, T. L. V., Etno-história e história indígena: questões sobre conceitos, métodos e
relevância da pesquisa, p. 356.
19
Luis Ramírez, Diego Garcia e Sebastião Caboto, são fundamentais para esta tese, porque
entendemos que nelas está presente a semente da ideia de guaranização.
O terceiro e último capítulo intitulado O Guarani colonial em fontes escritas do século
XVI: crônicas de campo e gabinete, tem a função de analisar fontes escritas do século XVI
que foram produzidas no contexto da conquista, apaziguamento e colonização. Ou seja,
produzidas a partir do momento em que os espanhóis desembarcaram de suas naus para
garantir a posse das terras e das gentes. Neste tópico, além dos cronistas de campo,
direcionaremos nosso olhar para um cronista de gabinete chamado Juan Velasco, que será
fundamental em nossa tese sobre a guaranização, pois, mesmo não tendo sido testemunha
ocular dos fatos narrados, teve acesso a uma série de papéis que trataram da colonização das
províncias do Rio da Prata e do testemunho oral de indivíduos que vivenciaram a conquista.
A título de nota, como optamos em analisar detidamente cada testemunho histórico em
separado, parecerá ao leitor que estamos realizando um looping pelo fato de voltarmos de
maneira recorrente a análises anteriores para atualizá-las ou discuti-las novamente. O motivo
é que a fala de cada testemunho histórico, requer, em determinados casos, as mesmas análises
já realizadas.
Sobre a grafia de nomes indígenas, para este trabalho, a grafia de nomes indígenas
segue o padrão estabelecido por convenção assinada na 1ª Reunião Brasileira de
Antropologia, realizada em 1953, na cidade do Rio de Janeiro. Assim, os nomes não recebem
flexão de número ou de gênero e são escritos com iniciais maiúsculas. Nos casos em que os
nomes são usados como adjetivos, mantém-se o padrão de não flexão, mas utilizamos iniciais
minúsculas.
Sobre a grafia de palavras em Guarani: a maioria das palavras em guarani é oxítona e
não são acompanhadas de acento agudo. Somente as paroxítonas e as proparoxítonas são
acentuadas. Nas vogais que aglutinam o acento e a nasalização, o “til” tem função de acento.
Nas citações, transcrevemos como estão no original.

20
CAPÍTULO 1

O Guarani do período colonial

Este primeiro capítulo tem a função de ser uma chave de leitura para os próximos.
Neste sentido, no âmbito da pesquisa e sua materialização em uma tese, num primeiro
momento contextualizamos por meio de uma síntese, o Guarani colonial, em que
apresentamos aspectos presentes em fontes históricas e análises contemporâneas, incluído a
perspectiva da linguística histórica e da arqueologia guarani.
Ao contextualizarmos o Guarani colonial a partir de diferentes áreas do conhecimento,
buscamos num segundo momento compreender a percepção do europeu em relação ao espaço
nativo e a forma como ele procurou organizar os grupos humanos com quem ele se deparou,
discutindo como se desenvolveu a produção do conhecimento sobre as terras e as gentes do
Novo Mundo e como essa questão pode ter influenciado na percepção dos conquistadores
sobre as terras e as gentes.
Na elaboração das análises deste segundo momento, trabalhamos com a história que se
propagou sobre a morte de Juan Diaz de Solís, com o intuito de considerar que a partir das
notícias que se veicularam sobre os acontecimentos que ocorreram a este navegador no rio da
Prata, ajudaram em tempos posteriores, a influenciar, por meio da escrita, na propagação da
ideia de guaranização.
Lembramos, conforme observamos na introdução, que para esta pesquisa, a ideia de
guaranização que estamos propondo, necessariamente não acontece somente pela via do
contato entre diferentes povos, mas principalmente no campo da escrita, pela pena de quem
escreveu sobre o Guarani do período colonial. Ou seja, entre outras formas, guaranizar pela
escrita é propagar uma ideia na qual está subjacente nas entrelinhas, à tese de que o Guarani
do período colonial formava um povo com amplitude demográfica quase que imensurável,
com características culturais homogêneas e que submetia outros povos devido ao sua
capacidade guerreira e superioridade de sua cultura.

21
1.1 O Guarani do período colonial: contextualizando

No início do século XVI à medida que os barcos portugueses e espanhóis avançavam


em suas primeiras incursões pela orla marítima do litoral Atlântico e grandes rios interioranos
do que seria hoje território brasileiro, uruguaio, argentino e paraguaio, procurando reconhecer
as terras e as gentes que nela habitavam, foram se deparando com uma variedade de grupos
humanos que se comunicavam em grande medida por meio de uma língua que foi considerada
geral39.
O padre jesuíta Fernão Cardim ao escrever os Tratados da Terra e da Gente do Brasil
na década de 1580, citou dez tribos que considerou como sendo as principais que falavam esta
língua. Conforme o religioso40, a partir do litoral da Paraíba até São Vicente havia os
Potyguara, Viatã, Tupinaba, Caaété, Tupinaquim, Tupiguae, Muriapigtanga, Guaracaio ou
Itati, Tegmegminó e Carijo. Em São Vicente habitava o mesmo povo encontrado em Ilhéus,
Porto Seguro e no Espírito Santo, os Tupinaquim. Para o sul, pelo litoral e interior do
continente até o Paraguai, os Carijó. “Todas estas nações acima ditas, ainda que diferentes, e
muitas delas contrarias umas das outras, têm a mesma língua”41.
Em 1627 o Frei Vicente do Salvador, ao escrever sobre a Historia do Brasil, desde o
descobrimento até aqueles dias, comentou que de São Vicente até o rio da Prata os habitantes
eram “os Carijós, os de Rio de Janeiro, Tamoios, os da Bahia, Tupinambás, os do rio de S.
Francisco, Amaupiras, e os de Pernambuco, até o rio das Amazonas Potiguaras, contudo todos
falam uma mesma linguagem”42.
A língua geral nativa falada em grande parte da costa oceânica e interior do continente,
conceituada atualmente como Tupi-guarani43, foi de fundamental importância para o
reconhecimento e conquista das terras e das gentes por parte dos ibéricos. Na colônia

39
Para Aryon Rodrigues (1996, p. 7) o termo língua geral refere-se ao surgimento de línguas nos séculos XVI e
XVII em função do contato e posterior miscigenação entre indígenas, europeus e africanos. O termo língua geral
que utilizamos para este trabalho é conforme Dante Lucchesi (2009, p. 43). Uma língua “empregada na
comunicação entre as tribos de línguas do tronco tupi da costa brasileira”. Ou seja, uma língua desenvolvida por
indígenas para comunicação. Neste aspecto, a língua falada pelos Guarani, assim como Diego de Torres (1609)
observou, se chamava língua geral guarani.
40
Cf. CARDIM, F., Tratados da Terra e Gente do Brasil.
41
CARDIM, F., Tratados da Terra e Gente do Brasil, p. 199.
42
SALVADOR, F. V., História do Brasil, p. 16.
43
Cf. EDELWEISS, F. G., Tupís e Guaranís: estudos de etnonímia e linguística.
22
portuguesa, os jesuítas que desde 1549 já atuavam na catequização e conversão indígena, se
utilizaram desta língua para realização de suas missões. O estudo e conhecimento da mesma
permitiu ao padre José de Anchieta organizar uma gramática no ano de 1595 que chamou de
“Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil” 44. Nas províncias do Rio da
Prata, por sua vez, a língua geral atribuída por parte dos portugueses aos falantes carijós, foi,
conforme Bartomeu Melià45, apreendida e estuda primeiramente pelo franciscano Luis
Bolaños e posteriormente pelo padre Alonso de Barzana em 1591.
Quando a Companhia de Jesus instala oficialmente a Província Jesuítica do Paraguai
no ano de 1604, para atuação efetiva dos jesuítas nas províncias do Rio da Prata, formadas
naquele momento pelas governações do Chile, Tucumã e Paraguai 46, o termo Carió
empregado para identificar os falantes da língua geral que habitavam aquelas terras já havia
sido substituído pelos espanhóis para o temo guarani. Conforme o jesuita Diego de Torres,
“Ay en cada una de estas tres gobernaciones una lengua general que es gran alivio y ayuda
para facilitar la conversión de los Yndios. La Guaraní corre no solo El Paraguay sino el Brazil
y hasta Santa Cruz de La Cierra”47.
Desde 152648 esse termo já estava presente no vocabulário castelhano da conquista,
que o utilizava em paralelo ao uso do termo carió para identificar determinados povos, vindo
a substituir este último de forma mais efetiva na segunda metade do século XVI 49, de tal
maneira que em 1570, Juan Lopes de Velasco, cronista oficial do Conselho das Índias,
observou que “la lengua de los que se llaman guaraníes es la que generalmente se habla en
todas las provincias, aunque tienen lenguaje particular”50.
Enquanto a língua geral para os castelhanos se evidenciava sob o termo guarani, na
colônia portuguesa os colonos se referiam a ela, de maneira geral, como língua Brasílica ou
língua geral da costa do Brasil. Nos escritos de Hans Staden (1557), do calvinista Jean de

44
ANCHIETA, J., Arte de gramática da língua mais usada na costa do Brasil.
45
Cf. MELIÀ, B., Pasado, presente y futuro de la lengua guarani, p. 31/32.
46
Cf. FURLONG, G., Misiones y Sus pueblos de Guaraníes.
47
BOLLO, D.T., Primera carta, del padre Diego de Torres, desde Córdoba del Tucumán (1609), p.8.
48
Conforme veremos na sequencia do texto.
49
Para MÉTRAUX (1948, p. 69.) “Os guaranis foram primeiro conhecidos como Carijó ou Carió, mas o nome
guarani prevaleceu no Século XVII”.
50
VELASCO, J. L., Geografía y descripción universal de las Indias, p. 555.
23
Léry (1578)51 e mais tarde em 1594 na fala do jesuíta Alonso de Barzana52, ela aparece com a
nomeação vaga de língua tupi. Sendo somente em meados do século XIX, que ela passa a se
consolidar como língua tupi, quando a elite intelectual brasileira no afã de construir uma
identidade nacional, identificou no povo Tupi suas raízes humanas e linguísticas53.
No caso da língua geral falada em uma boa parte das províncias do Rio da Prata,
denominada de língua guarani, o jesuíta Antonio Ruiz de Montoya, assim como havia feito
José de Anchieta com a língua geral do Brasil, também reduziu a língua geral guarani a
escrita. Fundamentado especialmente no cenário linguístico da região do Guairá54, onde atuou
durante muitos anos e, com o aporte de trabalhos anteriores do franciscano Luis Bolaños e do
próprio Anchieta, trouxe a luz entre os anos 1639 e 1640, uma gramática, um dicionário e um
catecismo em língua guarani55.
Com esse trabalho, ele irradiou, principalmente para as reduções de índios que se
implantavam em diversos e diferentes ambientes, uma unidade linguística única. Se antes
havia uma língua geral nativa manifestada de diferentes formas ou dialetos, gerando em
muitos casos incompreensão entre os falantes56, a unidade linguística materializada na escrita
permitiria o diálogo e consolidaria de vez o falante e a língua como sendo guarani57, assim
como havia observado o jesuíta Alonso de Barzana.

La lengua que habla toda esta nación, tan a la larga, es una sola, que aunque
la que hablan en el Brasil, que llaman Tupi, es algo distinta, es muy poca la
distinción y que no impide nada; lo cual ha sido de mucho efecto para la
conversión de esta nación58.

Na mesma linha, Antonio Ruiz de Montoya, em seu discurso preliminar da obra Tesouro da
Língua Guarani de 1639, comentou sobre o alcance geográfico da língua guarani.

51
Cf. CHAMORRO, G., Terra Madura, yvy araguyje: fundamento da palavra guarani, p. 34.
52
Cf. MELIÀ, B., Pasado, presente y futuro de la lengua guarani, p. 48.
53
Cf. CHAMORRO, G., Terra Madura, yvy araguyje: fundamento da palavra guarani, p. 34.
54
Cf. MELIÀ, B., Pasado, presente y futuro de la lengua guarani, p. 47.
55
Ibidem, p. 30/31.
56
Cf. FURLONG, G., Misiones y Sus pueblos de Guaraníes, p. 80.
57
Para EDELWEISS (1947, p. 3), foram as obras de Montoya que mais contribuíram para tornar conhecido o
nome guarani.
58
BARZANA, A. In: MELIÀ, B., Pasado, presente y futuro de la lengua guaraní, p. 48.
24
Tan universal, que domina ambos los mares, el del Sur por todo el Brasil, y
ciñendo todo el Perú con los dos más grandiosos ríos que conoce el orbe, que
son el de la Plata, cuya a boca en Buenos Aires, es de ochenta leguas, y el
gran Marañón, a él inferior en nada”59.

Assim como o jesuíta Fernão Cardim que estendeu a abrangência da língua geral do
Brasil até Buenos Aires, Montoya, em sentido contrário, considerou a presença da língua
guarani de Buenos Aires até o Amazonas. Portanto, ambos os jesuítas consideraram em suas
falas como sendo uma única língua nativa de expressão universal. Por esta ótica, no contexto
da presença de uma língua geral na colônia portuguesa e nas províncias do Rio da Prata,
definidas já no primeiro século da conquista e colonização, mesmo que parcialmente, como
língua tupi e língua guarani, podemos aventar a hipótese de que se todo o território fosse de
domínio português ou castelhano, teríamos apenas uma língua geral, guarani ou tupi.
Diante da diversidade de povos contatados pelos agentes ibéricos nas províncias do
Rio da Prata, os Guarani, ao menos nos escritos coloniais se tornaram expoentes e, a ação dos
padres da Companhia de Jesus60 muito colaborou para que isso ocorresse, já que desde que
chegaram ás províncias do Rio da Prata, estenderam sua ação missionária por um amplo
território61.
Ao reconhecer terras, contatar e nomear as gentes, eles registraram aspectos
socioculturais e linguísticos de diferentes povos, pois, se considerarmos um recorte histórico,

59
MONTOYA, A. R., (prologo) Tesoro de la lengua Guaraní.
60
Os jesuítas fizeram a cartografia do espaço físico e elaboraram diversos tratados sobre os mais variados
assuntos, influenciando na administração espanhola local e colaboraram fortemente com a política espanhola
para o Novo Mundo. No ano de 1673 o padre Sebastián Izquierdo, representante das províncias jesuíticas da
Espanha em Roma, lembrava ao Procurador Geral das Índias os serviços prestados pelos religiosos e as
principais finalidades desses serviços. Izquierdo observou que, “los Reyes Católicos, después que la Compañía
se extendió por el mundo, siempre y frecuentemente imbiaron, à expensas suyas, à las Indias, copiosos números
de religiosos de ella, para que allá se ocupasen también á expensas suyas en la conversión y cultura de los indios.
[…] De las cuales Misiones, los piadosísimos Reyes sacaban dos preciosísimas utilidades. La primera era el
rescate de innumerables almas de Indios. […] La segunda utilidad era el aumento temporal con que enriquecían
su Corona, pues no sin verdad puede decirse que los Religiosos de la Compañía en las Indias han agregado á la
Corona de Castilla, por medio de la predicación del Evangelio, mayores distritos de tierras y mayores números
de vasallos que le agregaron, por medio de las armas, los soldados que se las conquistaron”. (PASTELLS, Tomo
II, p. 695/6).
61
De acordo com o historiador Moacir Flores (1983, p. 10), se levarmos em conta as fronteiras políticas atuais, o
território da Província Jesuítica do Paraguai abrangeria as repúblicas da Argentina, Uruguai, Paraguai, sul da
Bolívia, partes do sul e centro-oeste do Brasil.
25
entre 1609 e 163562, os jesuítas, como método de ação missionária, entraram nas aldeias
indígenas para viver, conhecer e ser conhecido pelos locais. No caso dos considerados
Guarani, assumiram a condição de “outros karai”63, como uma fórmula para interferir no
cotidiano social e promover mudanças em aspectos da cultura material e imaterial desses
povos, para que se adequassem a um modo de vida baseado em conceitos europeus da época.
Neste contexto, enquanto povo indígena, os Guarani ganharam uma amplitude
geográfica e demográfica como nenhum outro povo, pois, se a língua geral estava presente em
um amplo espaço geográfico, em nível de discurso nos escritos jesuíticos, os falantes da
mesma também estavam. Somou-se a este quadro de dispersão demográfica, conforme já
estamos observando, a organização dos espaços doutrinais que ao longo de 159 anos, entre
tentativas e acertos fez surgir 5764 espaços comumente chamados de reduções.
Neste caso específico, reduções de índios Guarani, organizadas65 desde a margem
oeste do rio Uruguai, nas proximidades da foz com o rio Ibicuí, até as margens do rio
Mbotetey, no que é hoje o estado de Mato Grosso do Sul, das quais 30 floresceram como
verdadeiros espaços urbanos, onde o povo reduzido tinha na língua guarani seu principal
idioma e nos guaranis seu principal elemento humano66.
Semelhante às doutrinas para os Guarani, os jesuítas organizaram outros espaços
reducionais em outros locais com outros povos nativos. Enquanto alguns não se
desenvolveram como o esperado, outros tiveram pleno êxito. Instalado nas terras baixas do
oriente boliviano no início do século XVIII, houve um complexo de doutrinas abarcando dez
reduções, que se não fosse pela narrativa dos padres que organizaram aquele espaço, poderia
se pensar que se tratasse de um único povo habitando o mesmo. Falamos das reduções de

62
Efetivamente esse foi o principal período de ação missionária para o estabelecimento de doutrinas. Em 1609 é
organizada a primeira redução de Guarani chamada de San Ignacio Guazù del Iguaracamygtà na província do
Paraná e, em 1635 a redução de San Ignacio Caagaçú, no Itatim. Somente em 1682 é retomada a organização de
outros espaços reducionais, mas, diferentemente da primeira fase, as reduções organizadas nesse período são
com grupos oriundos de antigos espaços doutrinais, destruídos pelas bandeiras paulistas ou de espaços que
tiveram que ser divididos, devido ao fato da população local ter aumentado significativamente. A novidade nesse
novo contexto foi introdução de indivíduos pertencentes aos Montese ou Caaguas nas reduções já consolidadas.
63
MELIÀ, B., El guaraní conquistado y reducido, p. 17.
64
FREITAS DA SILVA. A. L, Reduções Jesuítico-Guarani: espaço de diversidade étnica, p. 88.
65
Cf. FREITAS DA SILVA. A. L., Reduções Jesuítico-Guarani: espaço de diversidade étnica.
66
Cf. SANTOS, M. C.; BAPTISTA, J. T., Reduções Jesuíticas e povoados de índios: controvérsias sobre a
população indígena (século XVII-XVIII) e FREITAS DA SILVA. A. L., Reduções Jesuítico-Guarani: espaço de
diversidade étnica.
26
índios Chiquito, que sob o nome desta categoria indígena, era constituído por povos indígenas
com cultura, língua e organização social diferenciada67.
A ideia de se aglutinar diferentes povos sob uma categoria genérica em espaços
reducionais estava de acordo com a política espanhola de identificar, nomear e classificar68 os
povos que viviam em seus territórios de ocupação tradicional. Era uma forma de organizar a
babel humana que vivia dispersa em distantes e amplos ambientes69. O “colonialismo
hispánico, con su dinámica de “una fe, un rey, una lengua”, mediante la “misión por
reducción”, se orientaba más bien hacia la reducción de las particularidades, lo que se hacía a
través de esos centros urbanos que eran las Reducciones, o Doctrinas”70. Desta maneira,
buscavam-se na pluralidade humana elementos considerados comuns a todos, para
singularizar as mesmas sob um único gentílico.
A fala do jesuíta Pedro Lozano é sugestiva neste aspecto, pois, ao escrever sobre o
Chacu Gualamba, comentou de maneira superficial sobre os Toba, Mocovie e outros povos.
Segundo ele, essa diversidade era vista como se fossem apenas um povo, por considerar que
ambos apresentavam mais semelhanças que diferenças, já que na sua visão, todos eram
traiçoeiros e comedores de carne humana71.
Os Toba, no contexto dos séculos XVII e XVIII eram um povo caçador, coletor e
pescador, situados nas imediações do rio Vermelho, no Chaco, eles foram “llamados frentones
por los europeos, porque arrancaban el cabello de la parte anterior de la cabeza”72. Este nome,
Frentone, foi replicado para diferentes grupos que possuíam entre outras semelhanças, estética
no corte de cabelo. Os “Europeos de la Provincia llaman así a las Naciones del Chaco ya que
tienen la frente extremamente espaciosa no solo a causa de los frecuentes cortes de cabello
que se hacen a fin de que no crezcan para recubrirla”73.
Essa forma de perceber os povos nativos por parte dos agentes da conquista e
colonização, somando-se a outros elementos, gerou uma plêiade de macro-etnônimos tanto na

67
Cf. LABRADOR, J. S., El Paraguay Católico. Tomo VI, p. 6-10.
68
Cf. La Recopilación de las Leyes de las Indias, Libro IV.
69
Cf. FREITAS DA SILVA. A. L., Reduções Jesuítico-Guarani: espaço de diversidade étnica.
70
MELIÀ, B., El pueblo guaraní: unidad y fragmentos, p. 152.
71
LOZANO, P., Descripción corográfica del gran Chaco Gualamba, p. 12.
72
TECHO, N., Historia de la Provincia del Paraguay de la Compañía de Jesús. Tomo I, p. 184.
73
JOLIS, J., Ensayo Sobre la Historia Natural del Gran Chaco, p. 65.
27
colônia portuguesa, quanto nas colônias castelhanas, tais como: Guaycurú, Frentone, Mbaya,
Guaná, Guenoa, Chané, Chaná, Gualacho, Tupi, Tapuya e o próprio Guarani. Situação que nos
causa, na atualidade, parafraseando Carlos Alberto Ricardo74, uma confusão semântica.
Assim como já observamos, os jesuítas ao reconhecerem o uso e efetivarem a língua
geral como sendo guarani, identificaram nos falantes, indivíduos Guarani, mas, aqueles que
não falavam a língua geral guarani, eles identificaram genericamente de Gualacho75. Pedro
Lozano em sua história da Companhia de Jesus no Paraguai comentou que “todas estas gentes
usaban del idioma general Guarani, excepto los Gualachos, è Ybirayàras, que tenían lenguajes
peregrinos”76. Em nosso entendimento, esta passagem de Lozano ilustra bem o fato de que
usar o idioma guarani não significava ser Guarani. Ela induz a pensar que povos que
possuíam idioma específico, foram considerados Guarani pelo fato de fazer uso da língua
geral guarani.
De maneira semelhante, no contexto da expansão missionária para organização de
reduções entre os nativos das províncias do Rio da Prata, os jesuítas identificaram e
registraram povos como sendo Guarani em territórios habitados por diferentes povos 77, no
entanto, de maneira geral, eles consideraram esses locais como lugares dos Guarani, assim
como ocorreu nos ligares definidos como Tape, Itatim, Guairá e Uruguai.
Em 1594 o jesuíta Alonso de Barzana78 a partir da cidade de Assunção, observava ao
provincial do Peru, Juan Sebastián, que “los Guaranís pertenecientes á la jurisdicción de la
Villa del Espíritu Santo, son, según dicen, más de 100.000”. Informação semelhante
apresentou em 1609 o primeiro provincial da Província Jesuítica do Paraguai, Diego de Torres
Bollo79, ao comentar ao generalato da ordem dos jesuítas, por meio de uma carta ânua, que,

la Vila Rica tiene cien vecinos casados y cerca de cien mil Yndios tributarios

74
Cf. RICARDO, C. A., Passados 500 anos, sequer sabemos seus nomes.
75
Cf. FERRER, D., Carta ânua para o padre provincial sobre a geografia e etnografia dos indígenas do Itatim
escrita em 1633, p. 45.
76
LOZANO, P., Historia de la Compañía de Jesús de la Provincia del Paraguay, Tomo II, p. 133.
77
Cf. PORTO (1954); SCHALLENBERGER (2006); FREITAS DA SILVA (2013).
78
BARZANA, A., Carta de la Asunción del Paraguay, dirigida á su Provincial, el P. Juan Sebastián, el día 8 de
Septiembre de 1594, p. 97.
79
BOLLO, D. T., Primera carta del padre Diego de Torres, desde Córdoba del Tucumãn en 17 de mayo de
1609, p. 19.
28
sin las mujeres, niños, ni viejos, son labradores que viven en pueblos que
unos tendrán mil vecinos, otros más, otros menos, están apartados unos
pueblos de otros a legua a dos leguas a cuatro leguas y el que más a diez
leguas hablando todos una misma lengua que es la Guarani.

Na mesma carta, Diego de Torres complementa a informação dizendo que as terras de


São Vicente a Buenos Aires “trescientas leguas, todas pobladas de gente Guarani80”, e que a
língua geral desses guaranis “corre no solo el Paraguay sino el Brazil y hasta Santa Cruz de la
Cierra”81. Em 1620, um informe do jesuíta anônimo82 observou que quase todos os índios da
cidade de Assunção eram Guarani, uma “nación muy extendida y toda tiene una lengua”.
Neste informe também é comentado que “la provincia del Paraná [...] e del Itatín es toda gente
Guaraní”.
E para finalizar, Nicolas Del Techo83, sacerdote e historiador da Companhia de Jesus,
em 1673, escreveu que.

El país que se halla situado entre los ríos Marañón y Paraná, distantes entre
sí más de mil leguas, está casi en el centro de la América meridional. En
dicha región habitan los guaraníes, quienes pueblan además la tierra que se
extiende desde el Paraguay y el Paraná hasta el virreinato del Perú.

Conforme as falas dos jesuítas, podemos perceber que a língua e o povo vão se
intercalando até se tornarem em determinado momento um só. Neste sentido, quando os
índios reduzidos se consolidam como sendo Guarani, começa a ocorrer uma mudança na
forma de narrar. Se da segunda metade do século XVI até o final da primeira metade do
século seguinte, nos escritos coloniais, o gentílico guarani era usado para identificar povos em
diferentes e distantes ambientes geográficos; a partir da segunda metade do século XVII, com
o advento das reduções jesuíticas, ao menos em cartas ânuas e relatórios administrativos
produzidos pelos padres da Companhia de Jesus, os Guarani desaparecem da paisagem
“natural” das terras do antigo Paraguai para somente serem localizados no interior das

80
Ibidem.
81
Ibidem.
82
JESUÍTA ANÔNIMO. Informe de um jesuíta anônimo sobre as cidades do Paraguai e do Guairá espanhóis,
índios e mestiços, p. 166, 169.
83
TECHO, N., Historia de la Provincia del Paraguay de la Compañía de Jesús. Tomo II, p. 133.
29
reduções84. Essa informação não está explicitada, mas por meio da análise das fontes do
período, percebemos que houve uma mudança de perspectiva.
Percebemos que todo o índio que habitava fora dos “muros” da redução, que numa
situação anterior seria nomeado de Guarani, passa a ser definido como falante do idioma
guarani. Esses falantes de guarani que habitavam o interior das florestas foram identificados
principalmente como Caaguas ou Montes. Enquanto os Guarani, reduzidos, passaram a
representar os índios cristãos e civilizados, os Montes e Caaguas foram considerados índios
infiéis e arredios à civilização. Assim como observou o jesuíta Martín Dobrizhoffer quando se
referiu as dificuldades enfrentadas pelos assunsenhos diante de grupos resistentes a
colonização.

Lo que siempre me pareció prodigioso es que la provincia de Asunción no


pereciera con todos los años que fue azotada por tan violentos enemigos. Por
aquí siempre debió temerse la vecindad de los feroces guaycurúes y mbayás;
por allá los cotidianos ataques de los abipones, mocobíes y tobas que dieron
a las ciudades circundantes, gran trabajo y peligro. Agrega a éstos, los piratas
payaguás, más peligrosos durante la paz, que en la guerra. Y callo lo
referente a los bárbaros silvícolas que llaman monteses, montaraces, o en
lengua guaraní, caayguás, que aunque no siempre hostiles, siempre fueron
muy saqueadores y dignos de poca fe para los españoles paraguayos que se
dedicaban a recolectar la yerba en selvas muy distantes de la ciudad, como
en Carema, en Curiy, en Monday o en las costas del Acaray, que están
fácilmente a doscientas leguas de Asunción85.

Já em meados do século XVIII, época dos Montes e Caaguas, na história das missões
de Guarani não houve nem um aumento significativo no número de reduções, por mais que
houvesse uma grande quantidade de índios selvagens espalhados pelo território86. A resposta a
esse comentário, encontramos na fala do jesuíta Bernardo Nusdorffer no ano de 1737. Quando
questionado sobre a falta do antigo ardor missionário dos primeiros jesuítas, ele teria
respondido que o motivo de não fundarem mais reduções no espaço das Missões de Guarani,

84
Em certo sentido, nossa observação se aproxima da fala de Bartomeu Melià (1988, p. 94). Para ele, “lo mejor
de la documentación etnográfica de los jesuitas respecto a los Guaraní se concentra de hecho entre los años de
1594 y 1639, tomando como referencia límite dos documentos importantes: la carta del padre Alonso Barzana a
Juan Sebastián (1594) y la Conquista Espiritual del padre Antonio Ruiz de Montoya (1639). Es el período en el
cual sedan los primeros contactos de los Jesuítas con las naciones genéricamente conocidas como Guaraní”. Em
nosso entendimento essa mudança na documentação é justamente pelo exposto acima.
85
DOBRIZHOFFER, M., Historia de los Abipones. Tomo III, p. 21
86
Cf. FURLONG, G., Misiones y sus Pueblos de Guaraníes, p. 629
30
na proporção em que tinham feito no início da missão, era porque “la conservación de una
Reducción era una conquista continuada”87.
A fala desse importante jesuíta neste ano de 1737 pode ser emblemática, pois sinalizou
o prelúdio do fim de uma época. Em poucos anos, as reduções de Guarani começariam a
encontrar seu ocaso. Novos tempos se avizinhavam, a colônia estava consolidada, o tempo
dos estados nacionais se aproximava e o tempo do Guarani colonial estava findando. A época
dos Kaiowa/Pãi-Tavyterã, Nhandeva e Mbya se aproximava, e com eles o que havia faltado
nos séculos anteriores, ao menos nos escritos, a fala e o autorreconhecimento, para deixarem,
assim, de ser um guarani de papel88.
Conforme veremos na sequência, com o passar dos anos, já nos séculos XIX e XX, em
alguns trabalhos que se produziram sobre o Guarani do período colonial, aspectos sobre a
dispersão demográfica e a ideia de amplitude geográfica, seja como nota introdutória ou como
objeto de análise, se evidenciaram e somaram-se a características gerais sobre a organização
social e cultural desse povo.
O cônego João Pedro Gay, ao escrever a história dos jesuítas no Paraguai, comentou
que “desde as cabeceiras do majestoso Paraguai, do caudaloso Paraná e do soberbo Uruguai o
território era ocupado por uma multidão de tribos selvagens, que geralmente são denominados
Guaranis”89. Para Felix de Azara90, logo após a chegada dos europeus, os Guarani ocupavam a
costa sul do rio da Prata, desde Buenos Aires a las Conchas, seguindo pela mesma costa sem
passar a margem oposta. Estavam assentados em todas as ilhas do rio Paraná, penetrando seu
espaço de habitação umas 16 léguas até mais ou menos os 30º de latitude.
Desse paralelo, os Guarani estariam habitando pela costa oriental do rio Paraná e
também pela costa oriental do rio Paraguai até os 21º de latitude sem passar ao ocidente
desses rios. Seus domínios se prolongavam até o litoral Atlântico, ocupando todo o Brasil.
Ocupavam também a Cayena e estavam presentes em regiões próximas aos Andes.
Por sua vez, o naturalista Johan Rengger, em viagem pelo Paraguai no início do século
XIX, escreveu que os habitantes

87
NUSDORFFER, B., apud: FURLONG, G., Misiones y sus Pueblos de Guaraníes, p. 629-631.
88
SANTOS, M. C., Clastres e Susnik: uma tradução do “Guarani de papel”.
89
GAY, J. P., História da Republica Jesuítica do Paraguay: desde o descobrimento do Rio da Prata até nossos
dias, ano de 1861, p. 7.
90
Cf. AZARA, F., Descripción é Historia del Paraguay y del Rio de la Plata. Tomo I, p. 179.
31
del Paraguay en el tiempo de la invasión española eran los indios de la
nación guaraní. No hay duda de que esta nación fue la más numerosa de
América del Sur (…). Sabemos que se extendían no solamente por el
Paraguay, sino por todo el Brasil actual, abarcando inclusive hasta Guayana
(…). Aunque muchas otras naciones de costumbres, lengua y apariencia
diferentes vivían en medio de la nación guaraní el número de individuos que
la componían se habría elevado a muchos millones91.

No século XX, Pierre Clastres, observou que o povo Guarani formava uma massa
populacional que equivaleria a um milhão e meio de indivíduos vivendo em 350 mil Km²92,
que mesmo estando situadas a milhares de quilômetros umas das outras, as tribos Guarani e
Tupi “viviam do mesmo modo, praticavam os mesmos rituais e falavam a mesma língua”93.
Guillermo Furlong, ao reproduzir o olhar dos antigos jesuítas comentou que estes índios
teriam habitado desde “las riberas del Plata hasta las proximidades del gran río Marañón, y
desde las costas del Atlántico hasta las aguas del Paraná”94.
Por sua vez, Carlos Brandão95, observou que “de um território, entre florestas e
grandes rios, com pouco mais de 500.000 km², os Guarani dominaram uma região de pelo
menos 350.000 km². Concentrados pouco mais tarde basicamente nas imensidões do Chaco”.
Já, Branislava Susnik, em seu trabalho sobre os nativos do Paraguai, observou que ao iniciar a
conquista hispânica “los Avá-Guaraníes hallábanse nucleados en el área comprendida entre
los ríos Paraguay, Miranda, Paraná, Tiete-Añemby, Uruguay, Yacuí, y con algunos asientos en
el litoral atlántico”96.
Esta autora clássica, por meio de sua vivencia entre grupos étnicos de fala guarani do
Paraguai, de seus amplos estudos e de sua profunda e variada obra bibliográfica, é uma das
grandes referências em estudos sobre o Guarani do período colonial, exercendo uma
influência muito positiva sobre o pensamento de pesquisadores contemporâneos a ela e
contemporâneos ao tempo em que produzimos este trabalho.
O que pretendemos observar é que Susnik, fundamentada em seus estudos históricos,

91
RENGGER, J. R., Viaje al Paraguay, p. 109.
92
Cf. CLASTRES, P., A Sociedade contra o Estado, p. 110.
93
Ibidem, p. 99.
94
FURLONG, G., Misiones y sus Pueblos de Guaranies, p. 70.
95
BRANDÃO, C. R., Os Guarani: índios do sul, religião, resistência e adaptação, p. 55.
96
SUSNIK, B., Los Aborígenes del Paraguay. Tomo II, p. 9.
32
identificou no amplo território onde se considerou que os Guarani habitavam, 14 grandes
núcleos populacionais com suas subdivisões internas. Aquilo que os padres jesuítas definiram
como províncias ou áreas de ação missionária, tal como Itatim ou Iguaçu (rio), entre outros,
ela sistematizou como sendo um conjunto de nucleações Guarani. A esses locais Susnik
chamou de Guará e atribuiu características especiais aos grupos que neles habitavam.
Conforme Maria Cristina dos Santos, o termo guará, foi uma atribuição de Montoya para
identificar uma unidade regional97, ou seja, um sufixo que significa “procedente ou morador
de”98.
Entre estas 14 províncias de Guaranis, conforme Susnik, teríamos as seguintes: Cario;
Tobatim; Guarambaré; Itatim; Mbaracay; Mondaí; Paraná; Ygañá; Iguaçu; Chandule;
Uruguai; Tape; Guairá e Carijó99. Esses termos se referem a nomes de territórios, nomes de
caciques, nomes de rios e possivelmente características atribuídas a indivíduos, apelidos que
se transformaram em gentílicos, tais como os Carió e Chandule. Portanto, o termo que seria
para indicar a procedência de determinado local, na interpretação de Susnik passou a indicar
uma unidade sociopolítica Guarani, que vai se diferenciar em relação a outros guarás por uma
espécie de “consciência da unidade e identidade sócio-cultural-regional [...]”100.
De maneira geral, a autora repetiu a fórmula empregada pelos jesuítas, quando os
mesmos reconheceram grupos habitando espaços distantes e diferentes, tanto no tempo,
quanto no espaço e os consideraram Guarani101. A situação ficou mais complexa em Susnik,
quando ela, fundamentada, especialmente nos escritos de Antonio Ruiz de Montoya, que
havia reduzido por meio da escrita, uma pluralidade indígena local, falante de guarani a uma
singularidade étnica Guarani102, colocou os Chandule do século XVI ao lado dos Tobatim do
século XVIII, sob o mesmo guarda-chuva sociocultural de grupos indígenas da província do
Guairá do início do século XVII.

97
SANTOS, M. C., Clastres e Susnik: uma tradução do “Guarani de papel”, p. 211.
98
Cf. CAVALCANTE, T. L. V., Colonialismo, território e territorialidade: a luta pela terra dos Guarani e
Kaiowa em Mato Grosso do Sul, p. 62.
99
SUSNIK, B., Los aborígenes del Paraguay: etnohistoria de los Guaranies. Tomo II, p. 22 - 46.
100
SOARES, A. L. R., O Guarani. Organização social, antropologia, etnohistoria e arqueologia, p. 122.
101
CF. OLIVEIRA, J. E., Cultura material e identidade étnica na arqueologia brasileira: um estudo por ocasião
da discussão sobre a tradicionalidade da ocupação Kaiowá da terra indígena Sucuri’y.
Para saber mais sobre a ideia de guará, utilizado por SUSNIK, ler “Clastres e Susnik: uma tradução do
102

“Guarani de papel””.
33
Esse modelo de guarani, principalmente em seus aspectos linguísticos, na época, foi
replicado para as reduções e reproduzido na posteridade em escritos que trataram do Guarani
do período colonial, com o agravante de que se juntou aos aspectos linguísticos todo o
arcabouço sociocultural identificado nos escritos coloniais, especialmente aqueles elaborados
por Montoya. Com esse quadro geral, uma ideia ganhou sentido, a guaranização.
Conforme observamos mais acima, uma parcela interessante dos escritos jesuíticos
sobre os Guarani nos traz uma ideia de guaranização. Isso esta impresso de forma explicita ou
implícita, quando eles se referiam, em determinadas passagens, a indígenas em seus espaços
tradicionais ou no interior das reduções.
Pela importância de Branislava Susnik para a historiografia do Guarani do período
colonial, a questão da guaranização ganhou relevância, pois, quando ela interpretou o guarani
colonial, baseando-se em documentação histórica, dados arqueológicos e outras análises mais
contemporâneas a ela, fortaleceu a ideia de um povo belicoso e conquistador, que impunha
aos povos mais próximos e mais distantes, sua cultura e sua língua.

El mestizamiento con los protopobladores láguidos ya implicaba


particularidades raciales diferenciales; en el proceso de este cruce racial
predominaba la práctica de que los Avá fundaban sus nuevos “tevy” entre
los grupos avasallados, de donde la simultaneidad de una “guaranización”
culturolinguística. (…). Esse processo aculturativo também ocorria com os
“Yvyrayáras103 del R. Yvaýguarense em pleno processo de “mbyá-ización”.
Muchos grupos de los Guayanás paranaenses y Ñuguáras 104
altoparanaguayenses guaranizados culturolinguísticamente. Los
paleoamazónicos Ypacaraíenses, Eldoradenses y Tacuarenses, fusionados
con los Avá, perdiendo su identidad étnica105.

A partir destas colocações, se analisarmos de maneira geral alguns escritos, tal como o
da própria Susnik, iremos perceber que em determinados trabalhos está presente a ideia de
povos que assumiram a língua ou o modo de ser guarani e, raramente povos guarani que
tenham dominado ou incorporado a língua ou o modo de ser de outros grupos.

103
Conforme podemos ver em CORTESÃO (1951), os Ybirayaras possuíam língua específica e os padres da
Companhia de Jesus tiveram que “reduzir a língua dos mesmos a escrita”.
104
Há variações no termo, pois, ás vezes aparece como Ñiguará ou Miguará. Conforme é possível constatar em
CORTESÃO (1952 / 1955). Esse povo possuía alguns falantes da língua geral guarani, mas tinha idioma próprio.
“En Xeréz habrá 600 cristianos yanaconas y 3. 000 infieles encomendados que hablan el Niguará” (PASTELLS,
1912, p. 386).
105
SUSNIK, B.,Los Aborígenes del Paraguay. Tomo II, p. 11/12.
34
Na tentativa de explicar a complexidade do espaço sociocultural, nos parece ter
ocorrido uma via de mão única em que se exalta apenas um povo em detrimento de outros. É
como se o toque de Midas, além de transformar tudo em guarani, o deixasse impermeável a
influência externa. No entanto, conforme os exemplos abaixo, podemos perceber que esse
padrão narrativo é questionável.

Lo primero que hice en pasando [en (?) . . . . ] estos campos fue buscar un
lengua Guarani que supiese bien la Gualacha y deparóme Nuestro Señor un
Indio tullido el cual era natural del Paraná Pane y antes que nosotros
entrásemos en aquel rio vino el a estas partes con ánimo de volverse luego,
pero el Señor que le quería para maestro nuestro106.

Estos Itatines son de buen natural, y no difieren de los demás guaranis, sino
que tienen más trato y policía de cuantos Guaranis avernos visto hasta ahora,
y también en la lengua tienen alguna diferencia de los demás Guaranis
aunque poca acercándose algo al lenguaje Tupi, de suerte que algunos dicen
que no son verdaderos Guaranis ni Tupis tampoco, sino que es una nación
entremedia entre los Guaranis y Tupis que llaman Temiminos. Son ágiles
para la caza y su común ejercicio de recreación es llevar un palo a cuestas
que pesa más de medio quintal, y corren dos juntos cada uno con su palo a
cuestas, y el que lo lleva más a priesa al término sale por vencedor.

As duas situações são interessantes porque acreditamos que elas nos ajudam a tentar
conhecer a natureza construída do Guarani do período colonial, enquanto demografia ampla e
cultura homogênea, pois, a partir do exemplo de povos considerados Guarani, tais como os
Itatim e Guairá, somos induzidos a pensar que a imposição da língua e da cultura é uma
retórica. Em nosso entendimento, esses grupos tanto influenciavam a vizinhança interétnica
quanto eram influenciados por ela.
A primeira situação, entre outros aspectos, indiretamente nos dá uma ideia mesmo que
tênue, de relações comerciais e intertribais amistosas ao apresentar um indivíduo Guarani que
domina os códigos linguísticos de um grupo linguisticamente estranho ao seu, os Ibirayara,
pois, esse indivíduo enquanto intérprete, ajudou na elaboração de um catecismo e vocabulário.
A outra situação que consideramos mais importante para exemplo, tem a ver com
aspectos linguísticos, precisamente com aspectos socioculturais, pois, a corrida de toras é uma

106
MONTOYA, A. R., Carta ânua do padre Antonio Ruiz de Montoya, superior da missão do Guairá, dirigida
em 1628 ao padre Nicolau Duran, provincial da Companhia de Jesus, p. 293.
35
pauta presente em grande parte dos povos do tronco linguístico Macro-Jê107 atuais e,
possivelmente dos antigos, tais como os Kayapó do Sul108 que teriam habitado entre outras
áreas, o sul do antigo Mato Grosso até as terras do atual estado do Paraná109.
Há alguns anos pesquisadores vêm questionando a categoria guarani do período
colonial que mesmo fragmentado no tempo e no espaço, é percebido, de maneira geral, como
sendo um povo, uma cultura e uma língua. Para o arqueólogo André Soares 110, ao discutir
questões sobre a cultura material e identidade, a lógica e o bom senso são desafiados ao

imaginar um grupo mantendo-se inabalável por uma área de mais de 1.500


km de extensão por 500 km de largura, como provam os registros desde
Campo Grande (MS) até Buenos Aires (República Argentina) e desde o
chaco paraguaio até o litoral paulista, em se tratando apenas dos índios
Guaranis.

O historiador Thiago Cavalcante, em sua obra sobre o mito de São Tomé na América colonial,
ao analisar os contatos entre as diferentes culturas, apropriações, ressignificações e percepções sobre o
outro, em fontes documentais que versam sobre indígenas coloniais, observou que,

falar em Guarani talvez seja tão impreciso quanto falar em índio, tendo a
acreditar que talvez esta perspectiva seja válida para os Tupinambá. Essas
denominações são muito mais ligadas ao aspecto linguístico do que ao
étnico. Portanto, dependendo da abordagem, torna-se problemático tomar a
categoria Guarani como se ela fosse correspondente a um único grupo
étnico111.

Diante das incertezas das fontes documentais e no calor do debate sobre a questão de
se atribuir identidade a cultura material do Guarani do período colonial, Jorge Eremites
observou que “tenho a impressão de que o Guarani genérico, tal qual o imaginamos ou
idealizamos na academia para a proposição de modelos interpretativos de longo alcance,
nunca existiu de verdade”112.

107
MELATTI, J. C., Corrida de Toras, p. 1.
108
NIMUENDAJÚ, C., A corrida de toras dos Timbira, p. 151.
109
Cf. FREITAS DA SILVA. A. L., Reduções Jesuítico-Guarani: espaço de diversidade étnica, p. 108/9.
110
SOARES. A. L. R., Pelo Fim do Frankenstein Guarani, p. 768.
111
CAVALCANTE, T. L. V., Tomé: o apostolo da América. Índios e jesuítas em uma história de apropriações e
ressignificações, p. 20.

36
Essas importantes questões suscitadas pelos autores, refletem o pensamento do
filogogo e etnólogo argentino Rodolfo Shuller que ao escrever o prólogo da obra Geografia
Física y Esférica de las Províncias del Paraguay y Misiones Guaraníes, de Felix de Azara, no
ano de 1904, elaborou uma longa reflexão sobre os Guarani e os Não Guarani, na qual,
questionava a amplitude demográfica desse povo e o fato de alguns autores contemporâneos a
ele, identificarem grupos indígenas das proximidades do rio da Prata como sendo Guarani ou
Guaranizados113. Ou seja, logo no início do século XX, possivelmente entre outros olhares de
mesma natureza, já havia questionamentos sobre a ideia do Guarani do período colonial ser
um Guarani genérico.

1.2. Guarani do período colonial: perspectivas linguísticas e arqueológicas.

O Guarani do período colonial descrito em sua cultura, sociedade e demografia é


considerado por linguistas como pertencente à Família Linguística Tupi-Guarani, do tronco
linguístico Tupi e por arqueólogos, como pertencente à Tradição Ceramista Tupiguarani (sem
hífen). Os primeiros inferem que os povos pertencentes à família Tupi-Guarani teriam
iniciado sua dispersão pelo território Sul-americano a partir da área compreendida entre os
rios Madeira, Guaporé e Aripuanã114, enquanto que arqueólogos apontam a dispersão dos
portadores da cerâmica guarani a partir da confluência dos rios Madeira e Amazonas, subindo
o rio Madeira a oeste, interiorizando-se na Amazônia e descendo rumo ao sul até o rio da
Prata115.
Conforme Beatriz Correa da Silva116, o desenvolvimento da Linguística Histórica
como ciência ocorreu durante o século XIX, consolidando-se a ideia de que o estudo das
línguas poderia fornecer informações históricas, sendo que foi somente no século XX que se

112
OLIVEIRA, J. E., Cultura Material e Identidade Étnica na arqueologia brasileira: um estudo por ocasião da
discussão sobre a tradicionalidade da ocupação Kaiowá da terra indígena Sucuri, p. 99.
113
SHULLER. R., (Prólogo). Geografía Física y Esférica de las Provincias del Paraguay y Misiones Guaraníes.
114
Cf. CORREA DA SILVA, B., Mawé/Awetí/Tupí-guaraní: Relações Linguísticas e Implicações Históricas,
p. 45.
115
Ibidem, p. 49.
116
CORREA DA SILVA, B., Mawé/Awetí/Tupí-guaraní: Relações Linguísticas e Implicações Históricas, p. 2.
37
passou a considerar efetivamente uma dimensão sociológica no estudo das línguas.
Portanto, ao falarmos em Família Tupi-Guarani por meio da linguística histórica,
inferências sobre os aspectos sociais e culturais dos falantes pertencentes a esta grande família
linguística são realizadas, pois, esta disciplina entende que a classificação genética de línguas
em seus diversos subagrupamentos,

reflete não apenas um modelo hipotético de desmembramento de línguas,


mas também de separação dos povos que as falam [...], sendo possível
portanto, formular hipóteses sobre a localização dos povos indígenas no
passado e fazer inferências sobre suas rotas de deslocamento e/ou migração,
sobre a forma de ocupação do território e sobre os contatos que
estabeleceram com outros povos. Além disso, também se pode testar
modelos de sequenciamento histórico-cultural que situam a língua e a
comunicação em relação às forças materiais, econômicas e políticas117.

Portanto, quando tratamos de dispersão Guarani por meio da linguística histórica, o


que temos é a presença da língua falada num amplo espaço, e quando se fala em aspectos
socioculturais, o que se evidencia são inferências, visto a dificuldade de se identificar sujeitos
históricos por meio da linguagem num período muito recuado de tempo.
É comum encontramos trabalhos que versem sobre o Guarani do período colonial que
buscam o aporte da linguística histórica como forma de subsidiar análises sobre estes
indígenas. Nestes casos, seria importante frisar que quando os aportes da linguística estão
presentes, em especial a estes indígenas, a ideia é para denotar a dispersão da língua Guarani,
mostrando que não se trata de etnia ou grupo disperso, já que falar guarani ou a língua geral
guarani, pode não significar ser um indivíduo guarani118.
Conforme Beatriz Correa da Silva há uma tentativa de aproximar as teorias da
dispersão Tupi-Guarani dos linguistas com as teorias da dispersão Tupiguarani dos
arqueólogos119. No entanto, ao contrário da linguística histórica que procura deixar claro suas
inferências, na arqueologia da Tradição Tupiguarani existe uma linha de pensamento que
procura atribuir etnicidade a cultura material de povos coloniais, especialmente por parte
daqueles que estudam o Guarani do período colonial. Essa situação levou à instauração de um

117
Ibidem, p. 6, 73.
118
Cf. SOARES. A. L. R., Pelo Fim do Frankenstein Guarani, p. 787.
119
Cf. CORREA DA SILVA, B., Mawé/Awetí/Tupí-guaraní: Relações Linguísticas e Implicações Históricas
38
importante debate no seio da Arqueologia.
Conforme André Soares120, até a década de 1980 havia um entendimento de se evitar
relacionar etnicidade à cultura material, “pois esta discussão foi rejeitada pelo PRONAPA,
disfarçada pela criação de mais de 60 fases na tradição Tupiguarani que, de tanto
questionadas, abririam espaço para o problema social da interpretação cerâmica” 121. Situação
que começou a mudar quando o arqueólogo José Proenza Brochado rompeu com este
pensamento e dividiu a Tradição Ceramista Tupiguarani em duas subtradições, situando de
São Paulo para o Nordeste a subtradição Tupi (cerâmica pintada), e do Paranapanema para o
Sul, a subtradição Guarani (cerâmica corrugada).
José Proenza “sugere analogia histórica direta como parâmetro interpretativo para
responder a qual grupo étnico pertencia esta cerâmica”122, avançando, segundo André Soares,
em uma área na qual os arqueólogos ligados ao PRONAPA não apresentavam ligação
aparente, de atribuir “etnicidade à cerâmica (tupiguarani). [...] Brochado une as possibilidades
interpretativas da etnografia e da etno-história para compreensão dos sítios arqueológicos
Guaranis”123.
Até este momento, a arqueologia em seus estudos sobre cultura material evitava fazer
ligação direta com um determinado grupo étnico, pois, o conceito de tradição arqueológica
elaborada pelo PRONAPA, estava relacionado a um conjunto de técnicas distribuídas no
tempo e no espaço. Tupiguarani, até então, era o nome da classificação de uma cerâmica que
apresentava determinadas características. Neste sentido, em nosso entendimento, ela poderia
ser uma cerâmica escovada produzida por um grupo Payagua e fazer parte da Tradição
Ceramista Tupiguarani, em alusão à técnica aplicada à peça, e não a um grupo Tupi-Guarani.
Portanto, de maneira geral até a década de 1980 quando se falava em dispersão
tupiguarani, o que se enunciava era a dispersão da tecnologia desta tradição e não do povo.
Mas, a partir das novas premissas este panorama começou a mudar no sentido de que
passaram a identificar o elemento humano na dispersão da cultura material, neste caso em
especifico, a dispersão Guarani. Nesta perspectiva, o arqueólogo Francisco Noelli, partindo

120
CF. SOARES. A. L. R., Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke.
121
SOARES, A. L. R., Índios Guaranis: Seria a diversidade arqueológica das vasilhas cerâmicas um
parâmetros étnico?, p. 164.
122
SOARES. A. L. R., Contribuição à Arqueologia Guarani: estudo do sítio Röpke, p. 24.
123
Ibidem.
39
das premissas da etno-história, linguística histórica e dos resultados de investigações e um
grande conjunto de sítios arqueológicos, asseverou que o Guarani histórico, amplamente
disperso, assim como consta em documentos do século XVII, possui uma continuidade de
traços culturais que vem se mantendo ao longo de dois mil anos124.
A análise de Francisco Noelli faz uma analogia direta entre a tradição ceramista pré-
histórica com um povo colonial genérico, na qual, imprime a aparência de unidade fornecendo
o elemento prístino. Por esta ótica, ao estabelecer ligação entre o passado com o presente
etnográfico de grupos distantes no tempo e no espaço, ele reproduz a narrativa de que o
Guarani estava amplamente disperso, impondo a outros sua cultura, sua língua e seu modo de
ser.

1.3. Guarani do período colonial: questões preliminares aos próximos


capítulos: Parte I.

Primeiramente gostaríamos de salientar dois pontos. Em certo sentido eles irão nos
ajudar na composição do quadro histórico que iremos desenhar sob a perspectiva de
guaranização. O primeiro ponto é que o espaço geográfico do território das províncias do Rio
da Prata era todo marcado por uma rede de comunicações, ou seja, nas províncias dificilmente
haveria algum grupo em situação de isolamento, e um dos principais motivos tem a ver com a
questão genética.
A possibilidade de um grupo entrar em colapso social, seja este organizado em
linhagens, clãs ou que não se defina em nenhuma dessas situações 125, seria muito grande para
o caso de tentar manter casamentos com parentes consanguíneos. Por isso a prática comum
entre os indígenas de raptar mulheres e crianças de outros agrupamentos somava-se a prática
de casamentos intertribais, pois, enquanto um permitia a continuidade biológica e a saúde do
grupo, o outro permitia, também, a construção de alianças políticas, duradouras ou não, que
poderiam influenciar diretamente no sistema organizacional de cada grupo, principalmente
nos aspectos socioeconômicos.

124
Cf. NOELLI, F. S., La Distribución Geográfica de las Evidencias Arqueológicas Guaraní, p. 18.
125
MELATTI, J. C., Índios do Brasil, p. 132.
40
O segundo ponto, é que não devemos lançar nosso olhar para o passado indígena na
véspera do contato com os europeus e pós-contato, especialmente para os povos “fixados” nas
terras baixas da América Meridional, acreditando que estaremos diante de grupos humanos
inoperantes no sentido de estabelecerem contatos uns com outros pela via guerreira, de forma
esporádica ou no sentido de um pré-comércio, negando assim a possibilidade de os mesmos
terem outras perspectivas futuras de desenvolvimento sociocultural por meio das relações
estabelecidas com vizinhos e estrangeiros. Ou seja, negar esta perspectiva é querer manter os
mesmos em um estágio estacionário126 ou acreditar que mudanças culturais tenham ocorrido
apenas de maneira endógena.
Neste aspecto, gostaríamos de frisar a capacidade de absorção de indivíduos
pertencentes a variados grupos nativos no que diz respeito à aprendizagem da cultura material
e imaterial de outros povos ou grupos afins. Os padres jesuítas comparavam entusiasticamente
obras de santos barrocos produzidas por índios reduzidos a obras produzidas por artistas
europeus. “En lo que son singulares es en la imitación” comentou o padre Guevara127.
Essa capacidade de se apropriar das formas e das ideias se reproduzia em outros
ofícios, tais como a carpintaria, fundição, hidráulica, construção, pintura, arquitetura e vários
outros. Uma aptidão que não era exclusiva do índio reduzido. Ele não aprendia a copiar, essa
faceta era da sua natureza. Os grupos em sua “naturalidade” possuíam esta capacidade de
absorção da cultura do “outro”. É claro que tudo dependeria do contexto em que se
apresentavam as novidades e do interesse de determinado grupo em se apropriar das mesmas,
ressignificando, incorporando ou não, em seu rol, uma nova pauta.
Por esta ótica, é interessante termos o cuidado ao associarmos cultura material de um
determinado lugar a determinado povo histórico, pois, poderemos estar correndo o risco de
construirmos um Frankenstein, neste caso, um Frankenstein Guarani128, visto que a presença
de elementos da cultura material em determinado grupo, quer seja semelhante na forma, na
estética e na tecnologia empregada, a elementos da cultura material de outro grupo distinto,

126
Situação análoga acontece na atualidade. Há um pensamento que considera que manter os indígenas atuais
estacionados em suas pautas culturais antigas ou em suas tradicionalidades irá ajudar a proteger os mesmos de
um futuro permissivo. Questões que colocam o jovem indígena em uma encruzilhada. Ou ele se abre para o
novo e deixa de ser índio (ideia por trás do discurso) ou ele se mantém no antigo e tradicional e entra em conflito
consigo mesmo.
127
GUEVARA, J. Historia de la conquistada del Paraguay, Rio de la Plata y Tucumán. Tomo I, p. 55.
128
Ver SOARES (2012).
41
tal como um recipiente cerâmico, pode ser explicada pela via do comércio de trocas, pela
produção própria, em uma situação que houve apropriação dos moldes de outro povo e pelas
mãos das mulheres cativas que levaram seu ofício e seu idioma para a casa, rancho ou toldo
do futuro esposo ou por meio de casamento interétnico.

A las espaldas de los Guayarapos tierra adentro están los Charayes y


Nambiquaruçus o Orejones que entraban en Santa Cruz de la Sierra la
antigua antes que se despoblase. Estos también son Gualachos porque tienen
lengua diferente pero saben la Guarani y son muy amigos de ellos porque
casanse o viven a su modo con mujeres Guaranis, y los Guaranis se casan
con sus mujeres129.

Essa ótica na qual os nativos não viviam em isolamento sociocultural encontra forte
amparo na questão das línguas faladas. Os povos nativos não dominavam apenas o seu
idioma, elas dominavam, dependendo do interesse de cada comunidade e do interesse de cada
indivíduo, línguas faladas por outros povos. Neste aspecto, a noção dos agentes ibéricos de
que havia uma diversidade de línguas, situação que poderia tornar-se empecilho para a
conquista, povoamento e gestão do território, era completamente atenuada pela presença de
línguas regionais e suprarregionais.
As línguas gerais são a nosso ver, a grande prova de que os diferentes povos estavam
em constante comunicação. Pensar que em diferentes ambientes havia indivíduos falando a
língua de outros grupos, que não a sua própria ou usando recursos de uma língua geral, não é
algo descabido.
Conforme Sanchez Labrador, os Mbayá incorporaram em seu vocabulário palavras da
língua guarani para usar em seu dia a dia. Neste sentido, acreditamos que a incorporação de
elementos linguísticos estranhos ao vocabulário próprio, era possível devido a presença
constante de outro idioma no cotidiano de determinados povos. Como os Mbayá possuíam
enfrentamentos constantes com os Guarani, uma das hipóteses é que a incorporação de
elementos linguísticos tenha se dado devido a presença de mulheres e meninos cativos entre
os mesmos.
Tales son estas: Mitá, Mini, que nombran a los chicos y pequeñuelos las dos
naciones. También las siguientes: Ecoluguá, que significa una calabaza
olorosa, que el Guarani llama: Curuguá. Esta Guapoma es corrompida la voz

129
FERRER, D., Ânua do padre Diogo Ferrer para o provincial sobre a geografia e etnografia dos indígenas do
Itatim em 1633, p. 47.
42
Guaraní Iba Pomog, una fruta; otras menos alteradas y acomodadas a su
pronunciación y dialecto130.

Ao finalizarmos esta rápida abordagem sobre aspectos da organização sociocultural


nativa, enfatizamos que nada seria mais correto para o agente da conquista do que tentar
simplificar o espaço social diversificado, estabelecendo nele uma ordem das coisas, tal como
uma mesma língua, uma mesma cultura e um mesmo povo. As chamadas Reduções de Índios
Guarani foram um exemplo típico desta situação. Conforme observamos acima, o próprio
nome já trazia impresso à ideia de que nas mesmas somente havia indígenas guarani, quando,
se sabe que atrás dos muros havia muita diversidade sociocultural131.
Nas considerações que apresentamos, a intenção é reforçar outras possibilidades de
interpretação do espaço social nativo, que não é novidade nos estudos históricos desses povos,
pois, outros autores já fizeram afirmações semelhantes. Portanto, este trabalho tem a intenção
de reforçar o olhar e aquecer as discussões entorno do tema.

1.4. Guarani do período colonial: questões preliminares aos próximos


capítulos: Parte II - Indícios, sinais e deduções132.

Seria um paradoxo produzirmos interpretações históricas sobre representações do


passado se não acreditássemos que essas representações têm algo de real. É como estarmos
logo atrás de um indivíduo em frente a um espelho, a esse indivíduo só o conhecemos pela
imagem refletida. De muito olharmos esta imagem, passamos a reconhecê-lo sem ajuda do
espelho. Essa situação somente ocorre devido ao fato de constantemente enxergarmos a
realidade histórica pelos olhos e pela voz de outras pessoas que nos contam o passado. Dos
muitos olhares sobre os fragmentos, construímos um todo, que mesmo sob as brumas do

130
LABRADOR, J. S., El Paraguay Católico, Tomo II, p. 61.
131
SANTOS, M. C; BAPTISTA, J. T. Reduções Jesuíticas e povoados de índios: controvérsias sobre a
população indígena (século XVII-XVIII), p. 241; FREITAS DA SILVA, A. L., Reduções Jesuítico-Guarani:
espaço de diversidade étnica.
132
A ideia do título é baseada na obra “Mitos, Emblemas e Sinais”, de Carlo Ginzburg, 1979.
43
tempo, nos permite perceber indícios, sinais133 de que há algo mais.
É através desses sinais que iremos procurar construir nossa interpretação histórica, ao
observarmos que, no ano I (um) do século XVI, europeus de diferentes castas começaram a
produzir conhecimentos que se fundamentavam em pequenas amostragens dos povos que
viviam no litoral atlântico e às margens do rio da Prata e seus afluentes maiores, Uruguai,
Paraná e Paraguai. Mesmo que a natureza das primeiras navegações tivesse um caráter
meramente de observação e identificação das terras e das gentes, além de um pequeno
comércio em determinados locais, ou seja, serem de curta duração, relatos escritos por meio
de cartas, diários de bordo, relatórios de viagem ou relatos orais 134 foram produzidos com a
intenção de narrar e descrever a experiencia da navegação.
Essas primeiras impressões sobre as terras e as gentes de parte da América Meridional
produzidas por esses exploradores litorâneos, transformaram-se rapidamente em
conhecimentos para a Coroa castelhana e para aqueles que viriam depois a serviço da mesma
para conquistar, apaziguar e povoar. Foram conhecimentos construídos a partir de um contato
superficial entre os navegadores e os grupos indígenas, mas que influenciaram decisivamente
os rumos da administração espanhola e os escritos posteriores.
A experiência narrada por Américo Vespúcio é um exemplo do que estamos falando.
No retorno a Europa, após ter navegado pelo litoral atlântico no limiar do século XVI,
escreveu ao final de 1502 uma carta para Lorenzo de Médici, na qual expôs suas impressões
sobre as terras e as gentes, em específico sobre um grupo nativo que habitava o litoral das
terras que estavam sendo conquistadas por Portugal. “Não têm lei, nem fé nenhuma, e vivem
segundo a natureza. Não conhecem a imortalidade da alma, não têm entre eles bens próprios,
porque tudo é comum; não tem limites de reinos, e de Províncias; não têm Rei”135.

133
Ibidem.
134
Os relatos orais a terceiros foram muito importantes para a composição da história das Índias Ocidentais. Isso
significa dizer que nem tudo que os cronistas do velho continente escreveram sobre as terras e as gentes foram
produzidos a partir dos relatórios oficiais elaborados para conhecimento dos reis e da corte. Pedro Mártir de
Anglería ao escrever Décadas do Novo Mundo, comentou que muito de seus conhecimentos sobre as novas
terras e as ações dos castelhanos, adveio das narrativas de navegadores, que lhe contaram informalmente em sua
casa ou no ambiente da corte, as venturas e desventuras da viagem. José Torre Revello (1957, p. 139) que
estudou a vida e obra de Anglería comenta que “descubridores y funcionarios reales, frailes y clérigos, pilotos y
maestres de naos, artesanos y menestrales” cruzaram o oceano e ao retornarem, “de viva voz comunicaron al
insigne humanista primicias que servirían para alegrar el ánimo y fijar la atención de los destinatarios de sus
escritos”. É Anglería que vai usar pela primeira vez em suas crônicas o termo novo mundo.
135
VESPÚCIO, A., Novo mundo: cartas de viagens e descobertas, p. 71.
44
Essa incompreensão consolidou-se como uma impressão pessoal do real. Neste
sentido, suas impressões pessoais se generalizaram tornando-se impressões de outros. O
conceito de que estas populações eram “sem fé, sem lei e sem rei” foi reproduzida por outros
cronistas e tornou-se senso comum na opinião dos agentes ibéricos, a ponto de fundamentar e
respaldar ações de caráter civilizatório no âmbito da conquista e povoamento.
Por mais que o início do conhecimento efetivo por parte de exploradores estrangeiros
das terras que estavam dentro da demarcação castelhana, em especial neste caso, parte das
terras que viriam a ser definidas como Províncias do Rio da Prata, tenha se dado a pouco mais
de 30 anos em relação chegada do Almirante Colombo às Antilhas em 1492 até o ano 1526,
ano em que Sebastião Caboto ancorou na ilha de Santa Catarina, o conhecimento produzido
nestas missões temporárias, antes da chegada de Caboto, serviu de subsídio teórico e prático
para os marinheiros que em tempos posteriores singrariam os mares em direção a esta parte da
América.
Ao dar ênfase a esta ideia de que no contato efêmero dos primeiros navegadores, uma
interessante quantidade de conhecimentos sobre os povos e as terras foi produzido,
gostaríamos de salientar que, em geral, nem um comandante em missão oficial, deveria partir
de portos castelhanos sem conhecimento prévio do que iria encontrar. Quando marinheiros
tocavam pela primeira vez o solo das terras baixas da América Meridional para conquistar e
povoar, já deveriam possuir internalizada uma ideia sobre as gentes.
As terras encontradas eram posses dos reinos de Castella e Portugal, tudo pertencia a
ambas as coroas. Neste sentido, somente viagens oficiais eram autorizadas a estas novas
terras. Mas, ao terem que buscar apoio na iniciativa privada, devido à falta de recursos,
tiveram que dividir os lucros da conquista e exploração com armadores, banqueiros e
comerciantes. Para isso formalizaram contratos de navegação e estabeleceram regras 136. Para
ter o controle sobre a ação de terceiros, a coroa castelhana criou em Sevilha no ano de 1503,
um órgão de governo chamado de Casa de Contratação, para ser o espaço oficial onde se
formalizavam os contratos entre os reis católicos e terceiros.
A Casa de Contratação foi o local onde se assinavam os acordos, as capitulações entre
a administração espanhola e os particulares que saiam para explorar e conquistar. Local onde
se definiam os objetivos e procedimentos a serem adotados no decorrer das expedições. Era o

136
Cf. BÉCKER. J., La politica Española en las Indias.
45
local onde os interessados em navegar para o Novo Mundo137 deveriam se abastecer de
informações e orientações sobre as terras que iriam aportar. Os conhecimentos ali adquiridos,
concebidos a partir de experiências anteriores, ganhavam um caráter oficial que, aliados a um
sistema de normas, conduziam as ações dos navegadores, em especial dos comandantes das
expedições.
Devido ao grande fluxo de serviços, por volta da segunda década do século XVI, a
Casa de Contratação cedeu espaço a outro órgão estatal, o Conselho das Índias. Criado por
volta de 1524, este assumiu questões ligadas à área científica, jurídica, religiosa,
administrativa e governativa, ficando a parte comercial com a Casa de Contratação138.
Praticamente toda a legislação das índias ocidentais castelhanas dos dois primeiros
séculos de colonização, foi concebida a partir desses dois órgãos de governo. A referência que
fazemos a esses órgãos governamentais é para frisar o que procuramos enfocar nesses
primeiros parágrafos, que é a ideia de que com exceção da primeira viagem exploratória, os
indivíduos que seguiram nas expedições posteriores, especialmente os oficiais de bordo,
quando chegavam num determinado local pela segunda vez, estavam munidos de um pré-
conhecimento sobre o que iriam encontrar, um conhecimento prévio construído por outro
agente da conquista em visita anterior, salvo, quando não era o próprio que estava retornando.
Por esta ótica, o conhecimento oficial adquirido nos órgãos administrativos da realeza
espanhola, antes da viagem, possivelmente fundamentava a representação dos conquistadores
sobre os nativos, dava o tom de como as terras deveriam ser identificadas e como seus
possíveis habitantes deveriam ser descritos e narrados nos relatórios posteriores.
A título de exemplo do que estamos comentando, citamos a cédula real139 emitida em

137
Conforme Francisco López de Gómara (p. 4) em sua apresentação da obra Historia General de las Indias, ao
imperador Carlos V, “La mayor cosa después de la creación del mundo, sacando la encarnación y muerte del que
lo crió, es el descubrimiento de Indias; y así las llaman Nuevo Mundo. Y no tanto te dicen nuevo por ser
nuevamente hallado, cuanto por ser grandísimo y casi tan grande como el viejo, que contiene a Europa, África y
Asia. También se puede llamar nuevo por ser todas sus cosas diferentísimas de las del nuestro. Los animales en
general, aunque son pocos en especie, son de otra manera; los peces del agua, las aves del aire, los árboles,
frutas, hierbas y grano de la tierra, que no es pequeña consideración del Criador, siendo los elementos una misma
cosa allá y acá. Empero los hombres son como nosotros, fuera del color, que de otra manera bestias y monstruos
serían y no vendrían, como vienen de Adán. Mas no tienen letras, ni moneda, ni bestias de carga; cosas
principalísimas para la policía y vivienda del hombre; que ir desnudos, siendo la tierra caliente y falta de lana y
lino, no es novedad”.
138
Cf. BÉCKER. J., La politica Española en las Indias.
139
Real cédula por la que se encomienda á Juan Diaz de Solís y á Juan Vespuchi que hagan el padrón real, 24 de
julio de 1512.
46
1512, pela rainha Joana de Castella, na qual ordenava a Juan Diaz de Solís e Juan Vespúcio
que elaborassem um padrón real das terras descobertas e das que viessem a ser descobertas.

Por cuanto á nuestra noticia es venido y por experiencia se ha visto que por
no ser los pilotos tan expertos y tan instructos como sería menester para regir
é gobernar los navíos que llevan á, cargo en los viajes que fazen para las
Indias, Islas é Tierra Firme del Mar Océano, é por defecto de los, por no
saber de que manera se han de regir é gobernar (…) vos mando que amos á
dos juntamente en la nuestra Casa de la Contratación de las Indias de Sevilla
y en presencia de los nuestros Oficiales que en ella están, hagáis juntar todos
los más pilotos que ser pudiere (…) se haga por amos é dos vosotros
juntamente un padrón general que se llame el Padrón Real, en pergamino,
questé puesto juntamente en la dicha Casa de la Contratación, por el cual
todos pilotos se han de regir é gobernar é hacer sus viajes, é para que todos
los tengan en su poder é se rijan por ellos, vos el dicho micer Juan Vispuche
los podáis hacer é fagáis todos los tres lados del dicho padrón real, é no otro
ninguno, (…) é mandamos á nuestros pilotos de nuestro reinos, que de aquí
adelante fueren á las dichas Islas é Tierra Firme del mar Océano descubiertas
y por descubrir, y hallando nuevas tierras ó islas ó nuevos puertos ó
cualquier cosa que sea digna de ponerla en el dicho padrón real, que en
viniendo á Castilla vaya á dar su relación á vos el dicho Juan de Solís é
micer Juan Vispuchi, é á los dichos nuestros Oficiales de la Contratación,
para que luego vosotros lo asentéis en el dicho padrón cada cosa en su lugar,
de manera que los navegantes sean más cautos y enseñados en la navegación
(...).

A produção escrita que tratou especificamente das regiões meridionais do continente


americano, produzida pelos navegadores, começaram a ganhar contornos mais amplos por
volta de 1526/1527, quando Sebastião Caboto e Diego Garcia de Mouguer aportaram na ilha
de Santa Catarina. As interpretações dos relatos produzidos por cronistas dessas duas
expedições tornaram-se a gênese sociocultural de um povo nativo que passou a ser
denominado de Guarani.
Frisamos neste aspecto, que, quando Sebastião Caboto e Diego Garcia de Mouguer
retornaram à Espanha, eles, juntamente com indivíduos da tripulação foram inquiridos a
comparecerem à Casa de Contratação para prestar esclarecimentos sobre a expedição. Essa
era uma formalidade de praxe, quando não fosse o caso dos secretários da Casa de
Contratação, subirem abordo das embarcações quando estas atracavam no porto, para ali
mesmo começarem a tomar esclarecimentos dos fatos ocorridos durante à viagem. Essa era
uma formalidade que, por princípio, deveria ocorrer com todas as expedições que retornavam
à Espanha.

Luego de haber anclado en Sevilla la «Santa María del Espinar», el 28 de


Julio de 1530/ se presentó á bordo el factor de la Casa de la Contratación,
Juan de Aranda, acompañado de un escribano real, para tomar á los
47
tripulantes sus declaraciones acerca de las incidencias que les hubieran
ocurrido en el viaje; siendo de advertir que esa medida no implicaba
prejuicio alguno, pues era lo que entonces se acostumbraba ejecutar en
semejantes casos140.

Quem nos traz essa passagem é Toribio Medina em seu estudo sobre Sebastião
Caboto. O mesmo procedimento havia ocorrido com a expedição destroçada de Solís, quando
retornou à Espanha, mas ao contrário desta, os documentos emitidos no interrogatório da
expedição de Solís desapareceram141.
A documentação oficial produzida no retorno das expedições, com informações
relevantes sobre as gentes e as terras, tornava-se um lastro de conhecimento para nortear
futuros marinheiros que iriam singrar os mares em direção às terras americanas. A
interpretação das informações presentes nessas narrativas é a pedra fundamental para análises
e para a construção da escrita histórica que se desenvolveu sobre algumas populações
indígenas contatadas. As impressões desses primeiros cronistas e a interpretação que delas se
fez, estarão presentes no contexto histórico do povoamento e na produção historiográfica da
posteridade.

1.5. O Guarani do período colonial: questões preliminares aos próximos


capítulos: Parte III - Motivos para guaranização na conturbada história da
morte de Juan Díaz de Solís.

Entre oito e nove anos mais tarde em relação à chagada de Colombo, por volta de
1500/1501, algumas embarcações navegaram pela primeira vez no litoral atlântico,
penetrando nas águas de um grande estuário chamado em uma das línguas nativas, de
Paranaguaçu, atual rio da Prata. Na busca por uma passagem interoceânica, Américo
Vespúcio, sob as ordens do Rei de Portugal Dom Manuel 142, foi o comandante das
pretensamente primeiras naus que singraram esse estuário.
Em 1507, três anos após a morte da Rainha Isabel de Castella, que era quem realmente

140
MEDINA, J. T., El Veneciano Sebastián Caboto al servicio de España y especialmente de su proyectado
viaje a las Molucas por el Estrecho de Magallanes y al reconocimiento de la costa del Continente hasta la
gobernación de Pedrarias Dávila, p. 303/04.
141
Ibidem, p. 298.
142
GÓMARA, F. L., Historia general de las índias.
48
conduzia a política espanhola para as novas terras, houve uma espécie de vácuo da autoridade
real sobre o território, durante um curto período143. A lei que proibia a entrada de estrangeiros
não era mais respeitada144. Temendo perder o controle sobre as terras que ainda eram em
grande parte desconhecidas, o rei Fernando II de Aragão requisitou em 1507 os melhores
pilotos que poderiam prestar seus serviços ao reino.

Impôs a si mesmo o Rei grande cuidado em tratar dos descobrimentos,


porque durante sua ausência destes reinos, [o cuidado] se havia afrouxado
muito. Mandou chamar a Corte a Juan Diaz de Solís, Vicente Yañez Pinzon,
Juan de la Cosa e Américo Vespúcio. Homens práticos na navegação para as
Índias, e havendo conversado com eles, se acordou que fossem em
descobrimento do Sul por toda a costa do Brasil adiante (...)145.

Por volta de 1508, Juan Díaz Solís e Vicente Yañez Pinzon assinaram capitulação com
o rei Fernando II para navegar em caráter exploratório e comercial nas águas do Atlântico Sul,
abaixo da Linha do Equador. Esses capitães de navios deveriam fazer o reconhecimento da
costa sem se aproximar das posses portuguesas e também deveriam buscar o mesmo estreito
procurado por Vespúcio. Solís e Pinzon singraram o rio da Prata estabelecendo contatos
breves com indivíduos nativos que estavam nas margens de algumas ilhas. Conforme as
orientações recebidas, deveriam seguir o descobrimento e exploração costeira sem se demorar
muito nos portos. Dependendo das informações prestadas sobre as terras, ao retornarem da
viagem, os reis fariam uma nova contratação para conquista e povoamento se assim fosse o
caso146.
As impressões que o navegador Juan Diaz de Solís extraiu das terras visitadas,
possivelmente das gentes que viu e do que ouviu das mesmas, foram tão marcantes que
fizeram com que ele, alguns anos mais tarde, firmasse uma nova capitulação147. Na qual ele

143
Cf. HERRERA Y TORDESILLAS (Tomo I, Decada I) com a morte de Isabel I de Castela, com a
incapacidade mental da herdeira Joana de Castella e pela morte de seu marido, Felipe I, o trono de Castella fiou
nas mãos de Fernando II de Aragão, viúvo de Isabel de Castella, que assumiu como regente de sua filha Joana
até sua morte.
144
Cf. Gonzalo Fernandez de Oviedo y Valdés em sua Historia general e natural de las Indias, Tomo II, Livro
VI, que a rainha Isabel, entre outras ações, proibia a presença de pessoas que não pertencessem ao reino, nas
posses espanholas do novo continente.
145
HERRERA Y TORDESILLAS, A. Historia General de los hechos de los Castellanos en las Islas y Tierra-
Firme del Mar Océano, p. 223.
146
Ibidem, p. 224.
147
MEDINA. J. T., Juan Diaz de Solís: estudio histórico, 1897.
49
solicitou a primazia da exploração, conquista e povoamento do novo território. Ele havia
conseguido amostras de prata e parecendo-lhe “bien la tierra y gente, cargó de Brasil y volvió
se á España. Dio cuenta de su descubrimiento al rey, pidió la conquista y gobernación de
aquel río148”.
Por ser piloto maior de Castella, obteve autorização real para empreender esta nova
viagem, assumindo os custos da mesma com o apoio de terceiros. Neste novo contrato, Juan
Díaz de Solís retornou ao rio da Prata no ano de 1515 na qualidade de adelantado. A viagem
estava prevista para ter ocorrido ainda em 1512, mas devido a uma série de contingências,
ocorreu somente três anos mais tarde149. Com o conhecimento adquirido na viagem anterior,
sua nova missão consistia em realizar comércio de ouro, prata, especiarias e o que fosse de
interesse da Coroa, tomar posse das terras que viessem a ser descobertas, elaborar um mapa
dessas terras e realizar a demarcação de limites marítimos entre Castela e Portugal, conforme
capitulação celebrada no ano de 1512150.
Ao navegar pelas águas do rio da Prata em sua margem norte, Solís, desembarcou
acompanhado de um grupo de homens em um local ainda controverso151. Buscando manter
contato com nativos que lhe acenavam das margens, foi emboscado e morto juntamente com
seus homens. Esse fato que se tornou histórico devido a sua relevância e emblemático para a
história escrita sobre os Guarani, veio a público por meio das palavras do primeiro cronista
das índias, Pedro Mártir de Anglería, que assim se referiu ao acontecimento.

Ya navegaba á espaldas de la Cabeza del Dragón y de la castellana Paria, que


caen al Aquilón y miran al ártico (polo), cuando se encontró con los
malvados y antropófagos caribes, de quien en otras partes hemos hablado
latamente. Estos, cual astutas zorras, parecía que les hacían señales de paz,
pero en su interior se lisonjeaban de un buen convite; y cuando vieron de
lejos á los huéspedes, comenzaron á relamerse cual rufianes. Desembarcó el
desdichado Solís con tantos compañeros cuantos cabían en el bote de la nave
mayor. Salió entonces de su emboscada gran multitud de indígenas, y á palos
les mataron a todos á la vista de sus compañeros; y apoderándose del bote,

148
GÓMARA, F. L., Historia general de las indias, p. 133.
149
Cf. MEDINA. J. T., Juan Diaz de Solís: estudio histórico, 1897.
150
Ibidem.
151
Para alguns pesquisadores Juan Diaz de Solís desembarcou em uma ilha batizada de Martim Garcia, pelo fato
de que neste local, foi sepultado no ano de 1808 um despenseiro de uma expedição anterior (Cf. MEDINA
1897). Nesta ilha Solís teria sido emboscado e morto. Para outros historiadores, Solís foi morto por um grupo
indígena na margem norte do estuário que navegava.
50
en un momento le hicieron pedazos: no escapó ninguno. Una vez muertos y
cortados en trozos, en la misma playa, viendo sus compañeros el horrendo
espectáculo desde el mar, los aderezaron para el festín; los demás,
espantados de aquel atroz ejemplo, no se atrevieron á desembarcar, ni
pensaron en vengar á su capitán y compañeros, y abandonaron aquellas
playas crueles152.

De acordo com Herrera y Tordesillas153, os índios “tomando á cuestas los muertos y


apartándolos de la ribera, hasta donde los del navío los podían ver, cortando las cabezas,
brazos y pies, asaban los cuerpos enteros y se los comían”.
Ante a morte do comandante e de alguns oficiais principais, os tripulantes que
restavam nas caravelas que formavam a expedição, sem poder de reação diante do acontecido,
navegaram até o Cabo de Santo Agostinho, local onde carregaram pau brasil. No percurso
entre o rio da Prata e o Cabo de Santo Agostinho, perderam uma embarcação que naufragou
próximo à ilha de Santa Catarina, atual Florianópolis, restando apenas duas naus que
retornaram a Espanha154. Dos tripulantes da embarcação naufragada, os relatos apontam que
sobreviveram onze, mas, apenas dois, terão seus nomes registrados na história ao serem
contatados anos mais tarde155, Henrique Montes e Melchior Ramírez156.
Esses náufragos passaram a viver na ilha e no continente com índios que ali
habitavam, formando família entre os naturais da terra ao se casarem com filhas de alguns
chefes locais. A esses náufragos somam-se a outros indivíduos que em situação de naufrágio,
degredo ou por livre opção de permanecerem nas novas terras 157, foram, em muitos casos, os
guias e interpretes dos conquistadores e colonizadores que chegaram mais tarde.
Não será pelos relatos de Solís que o gentílico guarani ganhará vida pretérita nos
escritos coloniais, o termo guarani somente surge alguns anos mais tarde para a historiografia

152
ANGLERÍA, P. M., De orbe novo decades, p. 202/3.
153
HERRERA Y TORDESILLAS, A. Historia General de los hechos de los Castellanos en las Islas y Tierra-
Firme del Mar Océano. Decada primera, p. 14.
154
Cf. MEDINA. J. T., Juan Diaz de Solís: estudio histórico.
155
Ibidem.
156
CF. RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528.
157
Nas orientações passadas a Diego Garcia para a realização de sua viagem no ano de 1526 é possível
percebermos essas premissas. "(…) é si os pareciere que al servicio de Dios Nuestro Señor é nuestro, conviene
dejar allá alguna persona religiosa ó lega, lo podáis hacer sin apremiarlos para ello, y quedará á cargo la tal
persona ó personas de se informar por entero de todas las cosas de la dicha tierra” (Copia de las Instrucciones
dadas a Diego García, Juan de Sandoval e Gonzalo Hernández Platero para el viaje que han de hacer al Rio de la
Plata).
51
sob a pena de Luis Ramírez158. Para este trabalho, as notícias sobre Solís tornam-se um
recorte histórico devido a sua morte, ou mais precisamente a maneira como teria acontecido.
Neste sentido, se ele foi canibalizado, provavelmente teria sido morto por indígenas
Guarani. Já que nesses territórios os únicos considerados “comedores de carne humana”
seriam os Guarani, pois, os Tupinambá, outros comedores de carne humana, viviam no litoral
português mais ao norte. Mas não foi isso que pensaram os primeiros cronistas do rio da
Prata. “Durante muito tempo se assegurava que Solís teria sido morto por integrantes do
grupo Charrua”159. Para o poeta histórico Martim del Barco Centenera, Solís havia sido morto
por indígenas do povo Timbu.160
A incógnita se criou num primeiro momento na historiografia ao atribuir a morte de
Solís e seus companheiros aos Timbú ou Charrua. Mas, tanto um grupo como o outro não
eram canibais ou antropófagos161. Os Charrua eram povos nômades, caçadores, pescadores e
coletores, habitantes do campo, das margens de rios e lagoas. Os Timbú, muito presentes nas
primeiras narrativas sobre o rio da Prata, não eram Guarani, e não há relatos sobre os mesmos
terem sido antropófagos.
No caso de Solís ter sido morto, canibalizado e os agentes não terem sido os Charrua
ou qualquer outro grupo semelhante, provavelmente seriam os Guarani os promotores dessa
ação. Ítala Irene Becker afirma que a “historiografia posterior ao século XVII, refutou a
posição”, de que Solís tivesse sido morto por indígenas Charruas ou Timbus, afirmando que
“à luz de novos conhecimentos”162 os algozes de Solís teriam sido indígenas pertencentes aos
Guarani.
Por esta ótica e a partir de outros elementos, alguns estudos definem o local como de
habitação Guarani. Tudo estaria em acordo se os prováveis locais onde teria ocorrido o
incidente com Solís não fossem espaços de assentamento e circulação de índios identificados

158
Conforme Bartomeu Melià (1987, p. 17), “as noticias etnográficas relativas a eles (os Guarani), vêm, pois,
sem solução de continuidade, desde 1528, em que pela primeira vez se registra o nome Guarani na carta de Luis
Ramírez”.
159
BECKER, I. I., Os Índios Charrua e Minuano na Antiga Banda Oriental do Uruguai, p. 56.
160
CENTENERA, M. B., La Argentina o la conquista del rio de la Plata.
161
Canibalismo e antropofagia são palavras sinônimas, mas, conforme Eliane Carvalho (2006) “quando
relacionadas a rituais sociais, coletivos, estas práticas são geralmente denominadas de antropofagia, enquanto
que o termo canibalismo é usado mais frequentemente, com relação ao ato de comer a carne para saciar a fome
ou uma vontade, ou associado a um ato arbitrário, uma crueldade”.
162
BECKER, I. I., Os Índios Charrua e Minuano na Antiga Banda Oriental do Uruguai, p. 56.
52
e classificados pela historiografia colonial como de Chaná Timbu, Beguá, e especialmente de
Charrua. A controvérsia se estende se pensarmos que o Guarani do período colonial poderia
não ser canibal e nem antropófago163. Os Tupi foram considerados antropófagos e, sobre essa
questão longos rituais foram descritos164. Sobre a questão dos Guarani serem antropófagos ou
canibais, acreditamos que pairam dúvidas. As poucas passagens na literatura histórica que
afirmam ser este índio um antropófago ou canibal, carecem de novos olhares165.
Felix de Azara166 ao escrever sobre os indígenas do antigo Paraguai observou a partir de
estudos em papeis antigos e do contato que estabeleceu com vários grupos indígenas ao longo
dos muitos anos em que esteve nas províncias do rio da Prata, que o ato de comer carne
humana fazia parte de uma fábula e ao se referir à morte de Juan Diaz de Solís, observou que
o mesmo foi morto por índios Charrua, mas não houve canibalismo167, pois, segundo este
autor, quem teria espalhado essa falsa notícia, teria sido seu irmão e cunhado, que
participavam da expedição168. Para Susnik,

el guaraní nunca fue declarado por "caribe", antropófago, pues esto


significaría, por disposiciones reales, a considerarlo esclavo; pero es
indudable que en los primeros años de la convivencia con los españoles, los
guaraníes, indispensables por su condición de "amigos y acompañantes",
podían ocasionalmente satisfacer su ethos guerrero con los chaqueños por
sus víctimas169 .

O canibalismo sofrido pelos agentes ibéricos nos soa muito estranho, enquanto fato
histórico, se levarmos em consideração algumas questões. Primeiramente porque eram os
primórdios da conquista, ainda não havia um forte histórico de agressão, neste local, por parte
dos estrangeiros que chegavam. Em praticamente todas as crônicas dos primeiros contatos há

163
Entendemos aqui que o canibal era o índio que comia a carne de outro indivíduo sem a necessidade de um
ritual mágico predeterminado. O ato de comer a carne de outro indivíduo poderia servir tanto para saciar o
apetite, quanto ser um marcador cultural para demonstrar a belicosidade guerreira. Antropofagia era o ato de
comer a carne de outro indivíduo, mas, nesse caso de um indivíduo considerado poderoso. Antropofagia
necessitava de um ritual para ser realizado.
164
Conforme podemos ler em Hans Staden (1974) e Jean de Léry (1980).
165
Encontramos passagens sobre canibalismo ou antropofagia em CABEZA DE VACA (1922); SCHMÍDEL
(1903) e em documentação relativa a ação missionária da Companhia de Jesus.
166
AZARA, F., Descripción e historia del Paraguay y del río de la Plata. Tomo I, p. 143.
167
AZARA, F., Descripción e historia del Paraguay y del río de la Plata. Tomo II, p. 5.
168
Ibidem.
169
SUSNIK, B., El Indio colonial del Paraguay. Tomo I, p. 48.
53
uma recepção mais amistosa por parte dos nativos em relação aos recém-chegados e, além do
mais, não identificamos na literatura colonial desta parte da América, especificamente na
região do rio da Prata e seus afluentes maiores, outro caso semelhante ocorrido contra
europeus.
De acordo com Luis Kalil170, ao analisar as crônicas de Staden, Léry e Schmídel sobre
a questão do canibalismo entre os Tupinambá e Carió, “as descrições respondem não apenas
critérios etnográficos, mas principalmente, a critérios religiosos, políticos e morais”, pois,
segundo este autor, a prática narrativa “visava mais do que retratar a verdade, estabelecer
julgamentos morais”.
O canibalismo puro e simples vai contra a própria lógica nativa no estabelecimento de
contato com outros povos, principalmente dos considerados Guarani, é acreditar na velha
concepção de que os povos nativos quando não estavam isoladas em suas aldeias ou toldos,
mantendo intactas suas pautas culturais, estavam atacando uns aos outros. Conforme Anthony
Pagden “las acusaciones de canibalismo contribuían a la deshumanización de los extraños,
pues los hombres que comen a otros hombres nunca podían ser completamente humanos”171,
situação que fundamentaria ações civilizatórias por parte dos europeus contra os nativos. Ao
“relatar um ataque contra os Cario, Schmidl inseriu em sua narrativa a palavra “kannibelesz”,
como uma maneira encontrada para justificar o massacre, o aprisionamento e a escravização
desses indígenas”172. O que devemos reter nesta discussão é que a notícia da canibalização de
Solís ocorrida em 1516 acabou fortalecendo a ideia de que a margem norte do rio da Prata era
povoada pelos Guarani.
O primeiro historiador, ou historiador primitivo conforme Toribio Medina (1897), que
narrou o acontecimento foi Pedro Mártir de Anglería (1516), dando uma versão histórica que
foi reproduzida mais tarde sob a pena de outro cronista das Índias, Gonzalo Fernández de
Oviedo, por volta de 1535 e assim subsequentemente por outros cronistas até o final do século
XVI.
No caso desses cronistas é interessante observarmos que as narrativas desde os
primeiros contatos estavam impregnadas de representações oriundas do imaginário europeu.

170
KALIL, L. G. A., Os canibais tonsurados: a antropofagia nas crônicas de Schmidl, Staden e Léry, p. 17.
171
PAGDEN, A., La caída del hombre natural, p. 119.
172
KALIL, L. G. A., Os canibais tonsurados: a antropofagia nas crônicas de Schmidl, Staden e Léry, p. 8.
54
Sereias e canibais, desde a chegada de Colombo às Antilhas, frequentemente estavam
presentes nos relatos. “Ontem, quando o Almirante ia ao Rio del Oro, diz que viu três serias,
que saltaram bem alto, acima do mar, mas não eram tão bonitas como pintam, e que, de certo
modo, tinham cara de homem”173.
Anglería, que trouxe a história da fatídica morte de Solís, mesmo que por pouco
tempo, havia feito parte do Conselho das Índias, logo no início de sua criação por volta de
1524174. Ele observava em seus escritos que grande parte de seus conhecimentos sobre as
Índias Ocidentais provinham da relação de amizade e confiança que mantinha com pessoas
que haviam se aventurado ao novo mundo, não se furtava ele, desse imaginário que também
povoava as páginas de seus escritos. Em uma carta elaborada para um amigo, ele comentou o
seguinte:

Por tus cartas supe, mi queridísimo Pomponio, que las noticias que te di del
descubrimiento del mundo de los antípodas, hasta ahora oculto, causaron en
ti tal gozo, que te embargaron la voz y te arrancaron lágrimas de alegría; y
bien muestras en tus palabras el efecto que este suceso ha hecho en ti, propio
de tú mucho saber y profundos estudios. Porque ciertamente, ¿qué mejor
manjar puede presentarse a los grandes ingenios? ¿Qué convite más
agradable? De mí sé decir que cuando hablo con las personas discretas que
han viajado por aquellas regiones, siento al oírlas un deleite inefable.
Gócense los miserables con la idea de acumular inmensos tesoros; los
viciosos con los placeres; mientras nosotros, elevando nuestra mente a la
contemplación divina, admiramos su inagotable poder y recreamos nuestros
ánimos con la noticia y conocimiento de cosas tan inauditas y singulares175.

Provavelmente quem narrou para Anglería esta versão, conheceu algum indivíduo
nativo fisicamente em alguma condição especial, ouviu algum relato dos nativos sobre a
existência dos mesmos, ou simplesmente narrou para Anglería versões que o cronista desejava
ouvir e que as pessoas desejavam saber.
Outra hipótese é que o próprio Anglería quando escrevia suas cartas para amigos,
como neste caso a Pomponio Leto, que fazia parte da corte papal em Roma176, impregnava as
mesmas com escritas edificantes, já que ele próprio era segundo as palavras de José Torre de

173
COLOMBO, C., Diários da descoberta da América, p. 111.
174
Cf. TORRE REVELLO, J., Pedro Mártir de Anglería y su obra de Orbe Novo, p. 136.
175
ANGLERÍA, P. M., apud TORRE REVELLO, J., Pedro Mártir de Anglería y su obra de Orbe Novo, p. 140.
176
Cf. VICENTE, J. A. A., Pedro Mártir de Anglería, continuo real y cronista de Castilla. La invención de las
nuevas Indias, p. 213.
55
Revello “iluminado por su profunda fe religiosa”177, ou seja, na qualidade de cronista oficial,
ele se impregnava do atavismo cristão da época, pincelando em seus escritos a ideia de
conversão e civilização dos gentios, fundamentando na mente dos leitores e justificando a
cruzada pela fé. Neste contexto, Anglería acreditava que tinha uma missão junto a
cristandade.

Manifiesta Anglería el anhelo de presenciar la guerra de la nación católica y


participar en ella "contra los enemigos de nuestra fe, y porque joven yo y
ansioso de novedades, no veía en Italia cosa que pudiera alimentar mi
ingenio por la discordia de los príncipes". Consideraba que la Providencia lo
había llevado a España, para registrar en sus escritos los grandes
acontecimientos que en su tiempo vivía la cristiandad: la expulsión de los
moros, la unificación de España y el maravilloso descubrimiento de un
mundo nuevo178.

A escrita oficial sobre a conquista de gentes e terras era também uma tarefa divina,
pois, encontrava sua justificativa nas transformações que os reis católicos promoviam em
nome do Deus cristão no mundo novo, neste sentido, enfeitar um acontecimento que pode ser
irrelevante para a história e transformá-lo em um ato de fé, tal como um oficial ser
canibalizado por selvagens quando age em nome da fé cristã, nos parece bastante plausível
para fortalecer a fé daqueles que levavam a bandeira de Cristo.
Nada mais interessante para justificar a conquista espiritual de um novo território do
que atribuir a morte “mal explicada” de um oficial a serviço do Rei e do Papa a indígenas
canibais. Esta última hipótese não se torna descabida de fundamento se pensarmos, conforme
frisou José Revello, que “Anglería, apenas recogía las noticias que hacían a su propósito, las
dictaba a sus amanuenses, a quienes hacía escribir no todo lo anotado, sino aquello que podía
interesar al destinatario, según su criterio personal”179.
Ainda com respeito à morte desse piloto maior dos reis castelhanos e as dúvidas que
pairam sobre a forma como teria ocorrido a mesma, há o testemunho de outro cronista do
século XVI. Em sua obra “História das Índias”, o frei dominicano Bartolomé de las Casas
escreveu o seguinte:

177
TORRE REVELLO, J. Pedro Mártir de Anglería y su obra de Orbe Novo, p. 135.
178
TORRE REVELLO, J., Pedro Mártir de Anglería y su obra de Orbe Novo, p. 135.
179
Ibidem, p. 140.
56
En este año de 1515 partió de Cádiz, ó del Puerto, Juan de Solís, piloto y
gran marinero, con tres navíos, para ir á descubrir desde el cabo de San
Agustín que ahora llaman la costa del Brasil los portugueses, adelante hacia
el Mediodía, el cual fue costeando y pasó la línea equinoccial 30° y más,
descubriendo aquél el rio que ahora dicen de la Plata, no sé por qué ocasión,
el cual nombró el dicho Juan de Solís el cabo y rio de Santa María. Saltó el
dicho Juan de Solís con ciertos marineros, los que pudieron caber en la barca
ó batel del navío en que iba, en cierta parte de aquella costa; los indios los
mataron y díjose que los comieron. Yo no sé cómo pudieron ver que los
habían comido, pues no osaron parar los demás por aquella tierra, si quizá no
los comieron en la misma costa de la mar y que desde los navíos los
viesen180.

O frei, que viveu durante muitos anos trabalhando com povos nativos, acrescenta certo
tom de ironia em seu comentário, ao desconfiar da forma como teria ocorrido a morte de
Solís. Esta questão, no entanto, não altera a versão histórica que se cristalizou em parte da
historiografia, mas, soma-se a outros argumentos, tal como o desaparecimento da
documentação oficial que se produziu ao retorno da expedição de Solís, conforme observamos
mais acima. Talvez tivéssemos outra versão sobre a forma como se deu a morte desse oficial
comandante.
Os argumentos que estamos elencando podem parecer subjetivos, mas em nosso
entendimento, contribuem para reforçar a hipótese que levantamos por meio da interpretação
de fontes escritas do século XVI, de que não houve canibalismo e de que não havia Guarani
habitando aquelas paragens do rio da Prata, conforme aprofundaremos nos próximos
capítulos.
Em nenhum momento das narrativas que veremos em outro tópico mais a frente,
quando três náufragos de Solís serão contatados próximos à ilha de Santa Catarina e margem
norte do rio da Prata, é apontado que o referido Solís teria sido canibalizado. Falam na sua
morte, mas não a forma como ocorreu. É como se eles não soubessem da versão que se
construiu na Espanha. Acreditamos que um fato desta natureza não se apagaria da memória
dos náufragos devido ao seu caráter simbólico e, portanto, não estaria ausente das narrativas
que se produziram no retorno ao rio da Prata.
Neste sentido, entendemos que quando se afirmam que o território em questão era
habitat Guarani, existe a presença de uma ideia de guaranização, principalmente da forma
como se é observado. Razzera dos Santos, ao analisar o cenário de distribuição dos Guarani a

180
LAS CASAS, B., Historia de las Indias. Tomo IV, p. 294.
57
época da chegada espanhola, comentou que, “las características de sus desplazamientos
representan diferentes etapas del “proceso de guaranización” en las regiones por ellos
ocupadas y de los grupos conquistados en el camino”181.
Entre as características da forma como se dava este processo migratório de dispersão,
conquista e guaranização, a autora observou, assim como Branislava Susnik182, entre outras
coisas, que os Guarani buscavam “la integración interétnica o la sumisión de los grupos
conquistados por la guerra” impondo “sus pautas socioculturales y su lengua como condición
para la comunicación”183.
Ambas as margens do rio da Prata e do rio Paraná eram locais de circulação de
populações que faziam parte de outras matrizes socioculturais. Tal como era a zona entre
Buenos Aires e o rio Carcaranal, “donde se estableció la famosa fortaleza de Gaboto, estaba
en poder de los Querandi-Pampa, indios llaneros, cazadores nómadas (…)”184, e que “los
conquistadores encontraron-se con varias tribus, todas canoeras-pescadoras, que se repartían
ambas as orillas del rio”185, tais como os Charrua e os Chaná Timbu. O cônego João Pedro
Gay, em relação aos charruas comentou em seu trabalho histórico que eles foram os algozes
de Solís e que habitavam toda a extensão entre Maldonado e o Rio Uruguai186.
Portanto, até este momento, com as informações que estamos levantando, podemos
aludir que não havia Guarani assentados nesta área em uma situação de dispersão e conquista
territorial. Se houve Guarani assentado, foi sob outro contexto histórico e não sob a
perspectiva guaranizante de dispersão expansionista, que se dava por meio de uma guerra de
conquista.

181
RAZZERA DOS SANTOS, C., Aspectos de la Resistencia Guaraní: Los Proyectos de Integración en el
Virreinato del Río de la Plata. (1768-1805), p. 63.
182
SUSNIK, B., Los aborígenes del Paraguay. Tomo I.
183
RAZZERA DOS SANTOS, C., Aspectos de la Resistencia Guaraní: Los Proyectos de Integración en el
Virreinato del Río de la Plata. (1768-1805), p. 64.
184
SUSNIK, B., Las Características Etno-Socio-Culturales de los Aborígenes Del Paraguay en el Siglo XVI, p.
84.
185
Ibidem.
186
GAY. J. P., História da Republica Jesuítica do Paraguai desde o descobrimento do Rio da Prata até nossos
dias, ano de 1861, p. 10.
58
CAPÍTULO 2

O Guarani do período colonial em fontes escritas do século XVI:


crônicas de bordo

Este capítulo analisa fontes escritas produzidas no transcorrer do século XVI para
problematizar a questão de que há passagens em certos documentos que guaranizam uma
parcela significativa de grupos humanos que habitavam territórios, que com a colonização
ibérica fizeram parte das Províncias do Rio da Prata. Esses escritos, de forma intencional ou
não, influenciaram relações históricas e estudos que se produziram sobre o Guarani do
período colonial em séculos posteriores, no qual se veiculou a imagem de um povo belicoso,
dominador, amplamente disperso e culturalmente homogêneo, que submetia outros povos
nativos a seu modo de vida, tornando-os guaranizados.
Ao conjunto de povos que formavam o Guarani do período colonial no século XVI,
conforme observado no capítulo anterior, Branislava Susnik187 em seus estudos identificou e
nomeou 14 grupos históricos e 43 subgrupos, classificando-os em sua maioria a partir dos
lugares que habitavam. Desses grupos, os Chandule e Carijó ou Carió, além dos próprios
Guarani, estarão presentes em nossas análises.
Enquanto os Chandule irão desaparecer no decorrer do século XVI, Carió e Guarani,
ora um, ora outro, permanecerão nomeando os mesmos grupos até o momento em que
somente restará apenas o etnônimo Guarani para identificar e classificar povos assentados em
distantes e diferentes espaços. Fato que se dará principalmente com o efetivo trabalho dos
padres da Companhia de Jesus no início do século XVII.
Para uma melhor sistematização, definimos o atual capítulo como crônicas de bordo.
O motivo acontece pelo fato do cronista Luís Ramírez ter elaborado sua descrição enquanto
navegava pelas águas do rio da Prata e seus afluentes maiores, mas também, porque
entendemos ser interessante manter um capítulo em separado para os três cronistas que
escreveram pela primeira vez, entre os anos de 1526 e 1530, sobre um povo local que passou

187
SUSNIK, B., Las Características Etno-Socio-Culturales de los Aborígenes del Paraguay en el Siglo XVI, p.
82/103.
59
a ser nomeado de Guarani.

2.1 A gênese Guarani nas primeiras narrativas de viagens ao rio da Prata.

Se definirmos como recorte histórico a passagem de Américo Vespúcio pelo estuário


do rio da Prata no ano de 1501 até o ano de 1526, época da chegada da armada de Sebastião
Caboto na ilha de Santa Catarina. Poderemos considerar que as navegações na costa atlântica
e margens de grandes rios interioranos, possuíam apenas o caráter de conhecimento e
reconhecimento. Situação que veio a resultar em uma produção de informações pouco
expressivas sobre as gentes e as terras.
Neste sentido, é somente a partir do final de 1526 que narrativas mais amplas sobre as
terras e povos que habitavam o litoral sul e as margens das águas interioranas da Bacia
Hidrográfica do rio da Prata começaram a ser realizadas de forma mais consistente, pois, foi o
momento em que os marinheiros desembarcaram de suas naus para explorar e preparar o
terreno para conquistar, apaziguar, povoar e colonizar. Situação que marcaria definitivamente
o início do fim dos tempos cíclicos188 para as gentes desta parte do mundo na época.
Entre os possíveis motivos que levaram os espanhóis a adotarem tal postura em
relação a esta porção meridional da América, foi o contato efetuado no estuário do rio da
Prata com indivíduos nativos que ostentavam em seus corpos, adornos corporais feitos com
metais preciosos e os entusiasmados relatos fornecidos por náufragos que se referiam à
existência de imensas riquezas nas terras altas a oeste.
Devido a essas notícias recebidas de náufragos que viviam próximos ao que seria hoje
a ilha de Florianópolis. Sebastião Caboto, que estava à frente de uma expedição para as
Molucas, mudou o rumo de seu curso original para procurar tesouros em terras ainda
desconhecidas. Henrique Montes foi um dos náufragos que o influenciou a repensar a viagem
às Molucas. Montes havia feito parte da expedição de Juan Diaz de Solís (1516) e vivia
aproximadamente a 15 léguas ao sul da ilha189, em uma aldeia190 junto ao litoral.

188
Usamos de figura de linguagem para observar que com a chegada dos estrangeiros, findavam-se os tempos
míticos e iniciava-se o tempo linear, histórico.
189
Conforme consta na carta de Luis Ramírez, a ilha de Santa Catarina – atual Florianópolis - foi nomeada pela
expedição de Caboto.
60
Nas palavras do cronista Luis Ramírez, tripulante de um dos navios de Caboto,
Henrique Montes havia observado ao comandante da expedição que,

estaba cierto que entrando por el rio de Solís iríamos á dar en un rio que
llaman Paraná, el cual es muí caudolosisimo [...] dicho rio de Paraná, y otros
que á el vienen á dar, iban á confinar con una sierra á donde muchos Yndios
acostumbraban ir y venir, y que en esta sierra había mucho metal [...] había
mucho oro y plata. [...] é como junto á la dicha sierra avía un Rey blanco191
que traía buenos vestidos como nosotros192.

Sebastião Caboto tinha como objetivo de navegação, ir pelo Estreito de Magalhães em


direção às Molucas e outras ilhas descobertas para comerciar e carregar os navios com ouro,
prata, pedras preciosas, pérolas, especiarias, sedas e outras coisas que achasse de valor193. No
entanto, ao saber das novidades transmitidas a ele de forma entusiástica e ver amostras de
metais preciosos, optou por mudar o curso de sua viajem se deslocando ao rio Prata para
iniciar efetivamente o projeto de conquista, exploração e povoamento, já que no horizonte de
seu olhar, ele apenas vislumbrava as grandes riquezas a oeste. No entanto, é importante
ressaltarmos que ao optar por explorar as terras do rio da Prata, ele alterou o plano original de
sua viagem que tinha como destino ás Molucas. Era Diego García, conforme veremos mais a
frente, que teria esta primazia.

190
Henrique Montes comentou em um relatório oficial de retorno à Espanha, que por volta do início de abril de
1526, (alguns meses antes da chegada de Caboto) as embarcações da expedição de Garcia Jofré de Loaísa,
haviam ancorado no Porto dos Patos (este porto ficava no continente em frente à ilha de Stª Catarina, atual
Florianópolis) para se reabastecerem e, “estando tomando el agua, vino un indio que traía una carta que enviaban
unos cristianos, en que decía la carta cómo les habían dicho los indios que estaba allí una nao, que les diesen
respuesta delo. D. Rodrigo (comandante da nau São Gabriel que fazia parte da expedição) envió al contador de
la nao para que hablase con los cristianos. A cabo de tres días vino un hombre delos con el dicho contador, y dijo
a don Rodrigo que había diez cristianos que se habían perdido allí con un galeón, y que habían quedado cuatro
delos, y que habían allí fecho su asiento: y que su merced mandase bajar la nao cerca de su casa, que eran quince
leguas, que le darían bastimentos y rescataría cierta plata y metal que tenían; y don Rodrigo se bajó con la nao al
puerto donde el cristiano vivía, y don Rodrigo envío a tierra al contador y tesorero para que asentasen en una
casa donde rescatasen con los indios; y el clérigo de la nao fue a hacer cristianos a ciertos fijos que tenían
aquellos cristianos (MEDINA, 1908, p. 261).
191
Para saber mais sobre o mito do Rei Branco, ler COMBÈS (2011).
192
RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528, p. 20.
193
Cf. HERRERA Y TORDESILLAS. A. Historia General de los hechos de los Castellanos en las Islas y
Tierra-Firme del Mar Océano.
61
Sebastião Caboto, um veneziano a serviço dos reis da Espanha, havia aportado na ilha
de Santa Catarina em outubro de 1526194. Como qualquer oficial comandante em missão de
reconhecimento, exploração, conquista de terras e povos, seguia instruções demandadas pela
corte castelhana, tais como as que estão observadas na Recopilación de Leyes de los Reinos de
las Indias de 1680195. Neste conjunto de leis estão presentes as orientações da realeza quanto
aos procedimentos que os marinheiros deveriam adotar quando chegassem a terras
desconhecidas.
Entre esses procedimentos havia um que orientava aos descobridores nomear “las
provincias, montes, ríos, puertos y pueblos”196, enquanto que outro procedimento orientava a
utilizar “algunos indios, y interpretes de las partes donde fueren más propósito [...], y por su
medio hablen, y platiquen con los de la tierra, procurando entender sus costumbres, calidades,
y forma de los comarcanos”197.
Essas normas e orientações que definem as primeiras ações a serem colocadas em
prática em terras estranhas, faz com que Caboto se assemelhe a um demiurgo, assim como
outros tantos agentes da conquista que o precederam e que viriam posteriormente. A primazia
de identificar e nomear, que por consequência facultava classificar e estabelecer os povos no
interior de uma ordem compreensível das coisas198, as quais lhes atribuíam atributos
socioculturais positivos ou negativos, lhes davam essa característica.
É neste contexto que o termo guarani torna-se um etnônimo, nascendo para a
historiografia indígena a partir de uma lógica dos conquistadores ibéricos, que era de nomear
e classificar. Que “los descubridores pongan nombres à las provincias, montes, ríos, puertos y

194
Cf. MEDINA, J.T., El Veneciano Sebastián Caboto al servicio de España y especialmente de su proyectado
viaje a las Molucas por el Estrecho de Magallanes y al reconocimiento de la costa del Continente hasta la
gobernación de Pedrarias Dávila, 1908.
195
La Recopilación de las Leyes de los Reinos de las Indias reunió las Pragmáticas y Cédulas Reales, los autos
acordados, las Ordenanzas, así como cualquier otra fuente legal, con registros de quiénes las habían puesto en
vigor y cuándo se originaron; constituyó así un cuerpo legal del conjunto de disposiciones legislativas reunidas y
ordenadas en 9 libros, que contienen alrededor de 6.400 leyes, constituyendo un elemento indispensable para
conocer los principios políticos, religiosos, sociales y económicos que inspiraron la acción de gobierno de la
monarquía española.
196
La Recopilación de las Leyes de los Reinos de las Indias. De los Descubrimientos, Libro IV, Tít. Primero, Ley
8ª. Que los descubridores pongan nombres à las provincias, montes, ríos, puertos y pueblos.
197
La Recopilación de las Leyes de los Reinos de las Indias. De los Descubrimientos, Libro IV, Tít. Primero, Ley
9ª. Que los descubridores, lleven interpretes, y se informen de lo que esta ley declara.
198
Cf. MONTEIRO, J. M., Tupis, Tapuias e historiadores: estudos de história indígena e do indigenismo, p. 24.
62
pueblos”199. Essa diretiva da corte de Castella possibilitou a construção de categorias étnicas
que perpetuam controvérsias em nossas analises até a atualidade. Neste sentido, com esta
atitude de nomear e por sua vez classificar, os descobridores, parafraseando Manuela
Carneiro, conferiram no caso específico dos Guarani, objetos de nosso estudo, “uma entrada
no grande curso da história”200, pois, muitos povos com organização política e cultural
estranhas entre si, transformaram-se em uma única unidade étnica com devir histórico
pretérito, comum a todos.
No âmbito deste quadro que estamos apresentando, a gênese Guarani, a identificação,
nomeação e classificação desse povo, acontece nas informações produzidas por Luis Ramírez,
Sebastião Caboto e Diego García, sendo este último, comandante de uma pequena expedição
que se encontrou com a expedição de Caboto, quando o mesmo explorava o rio Paraná no ano
de 1527. As dificuldades em se interpretar o Guarani do período colonial, presente em fontes
escritas do século XVI201, em nosso entendimento, surgem nas descrições genéricas efetuadas
sobre povos nativos contatados no decorrer dessas expedições mencionadas acima.
Em sendo no século XVII, conforme frisou Izabel Malinowski, que o “designativo
Guarani generalizou-se para referir-se a grupos Guarani-falantes que tinham características
culturais semelhantes”202, é no decorrer do século XVI, no desenrolar da conquista do rio da
Prata, que a semente da guaranização foi lançada.

2.2 O cronista Luis Ramírez: texto e contexto

Poucas informações são encontradas sobre o marinheiro Luis Ramírez. Lafone


Quevedo203 e Toribio Medina204, que realizaram uma pesquisa histórica sobre Sebastião

199
La Recopilación de las Leyes de los Reinos de las Indias. De los Descubrimientos, Libro IV, Tít. Primero,
Ley 8ª. Que los descubridores pongan nombres à las provincias, montes, ríos, puertos y pueblos.
200
Cf. CUNHA, M. C., Índios no Brasil: história, direitos e cidadania, p. 8.
201
Cf. MONTEIRO, J., Os Guarani e a história do Brasil meridional séculos XVI e XVII.
202
MALINOWSKI, I., Antropología Paraguaya, p.107.
203
LAFONE QUEVEDO, S. A., El Sebastián Gaboto de Henry Harrisse, p. 23.
204
MEDINA, J. T., El Veneciano Sebastián Caboto al servicio de España y especialmente de su proyectado
viaje a las Molucas por el Estrecho de Magallanes y al reconocimiento de la costa del Continente hasta la
gobernación de Pedrarias Dávila, p. 282/3.
63
Caboto, nos falam respectivamente que na armada de Caboto havia quatro naus. Ramírez era
um tripulante do navio do armador Miguel Rifos, no qual não teria uma função específica,
sendo percebido apenas um fidalgo instruído que acompanhava os expedicionários. Sua
presença na expedição possivelmente seria um favor prestado por Juan de Samano, secretário
na corte espanhola205.
Quando a esquadra de Caboto zarpou em fevereiro de 1527 da ilha de Santa Catarina,
Ramírez, conforme suas próprias palavras, estava gravemente enfermo206. Este quadro de
saúde que teria perdurado por um longo tempo, num primeiro momento, impediu a Ramírez
de acompanhar Caboto em sua navegação de contato e exploração no Rio Paraná acima, após
terem ancorado nas águas do rio da Prata em abril de 1527. Conforme o relato do cronista207,
muitos meses ele teve que aguardar num local que foi batizado de São Lázaro, padecendo de
muita fome. Somente cinco meses mais tarde, Caboto enviou um pequeno barco para resgatar
a ele e alguns companheiros que ali haviam permanecido, conduzindo-os até o forte Espírito
Santo, erguido pelos expedicionários nas margens do rio Carcañal.
Conforme Toribio Medina208, Ramírez enviou sua carta em julho de 1528 (dois anos
antes do termino da expedição) por um navio que retornou a Espanha para levar notícias e
buscar apoio logístico para seguir com a expedição. Estas seriam as últimas informações
sobre Luis Ramírez, pois, provavelmente ele morreu algum tempo mais tarde devido a um
ataque indígena ao forte Espírito Santo209.
As advertências que Luis Ramírez faz a seu pai em sua carta, tal como não olhar “a la
mala orden del escribir que como ha tanto que no lo hago estando en esta tierra he perdido el
estilo”210, e a situação dele abordo de uma das embarcações, sem uma função definida,
conforme foi obervado anteriormente, nos leva a crer que o mesmo, um cidadão letrado e
culto para sua época, além de querer viver uma aventura em terras estranhas, queria produzir

205
Ibidem.
206
Cf. RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528, p.15.
207
Ibidem.
208
Cf. MEDINA, J. T., El Veneciano Sebastián Caboto al servicio de España y especialmente de su proyectado
viaje a las Molucas por el Estrecho de Magallanes y al reconocimiento de la costa del Continente hasta la
gobernación de Pedrarias Dávila, 1908, p. 282/3.
209
Ibidem.
210
RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528, p. 15.
64
histórias sobre essas terras. Possivelmente para também contar histórias semelhantes às que
foram narradas por cronistas que lhe antecederam nas viagens ao Novo Mundo.
Ao consideramos Luis Ramírez como alguém interessado em escrever histórias sobre
as Índias Ocidentais a partir de sua própria experiência, estamos nos fundamentando em
Mariano Cuesta Domingo. Conforme este autor, a arte da escrita neste período histórico
estava restrita a um grupo seleto de pessoas que tinham a função, entre outras, de ilustrar as
pessoas e se dedicar ao gênero literário211. Portanto, para Luis Ramíres, viajar para as novas
terras, testemunhar os acontecimentos e canalizar a experiência vivida por meio da escrita,
seria um importante passo a ser dado, da mesma maneira que outros que se "sintieron
capacitados para relatar las vicisitudes que vivieron, las peripecias que soportaron y, además,
para describir la geografía física y humana que fueron conociendo” 212.
Além da hipótese que atribuímos a Ramíres, em conhecer e assim poder contar a
outros, o que viu e sentiu, também havia o não menos importante fato de que o seu
testemunho e a produção narrativa oriunda de sua experiencia poderia lhe galgar algum posto
oficial na corte, maior ascensão social e melhores rendas.

Que sean Vuestras Mercedes ciertos, si Dios allá me vuelve, volveré de arte
con que pueda servir las muchas mercedes que siempre he recibido, y al
presente espero recibir, y esto pueden Vuestras Mercedes tener por cierto,
segundo lo esperamos, será así como digo, y a todo lo que Vuestras
Mercedes oyeren de la bondad de la tierra, pueden dar entero crédito, porque
yo les certifico no pueden decir tanto como es y por nuestros mismos ojos
habemos visto213.

Há uma explicita intenção do cronista em receber benefícios, caso voltasse com vida à
Espanha. Essa percepção teve Juan Francisco Maura quando observou que “Luis Ramírez
venderá su ‘Carta’ para conseguir igualmente una serie de privilegios a raíz de unos sucesos
narrados de los que el es el protagonista”214. Porém, para atingir tal meta, não bastava ser uma
testemunha ocular dos fatos narrados, teria que dominar a arte de contar histórias.

211
Cf. CUESTA DOMINGO, M., Los Cronistas oficiales de India: de López de Velasco a Céspedes del Castillo,
p. 116.
212
Ibidem.
213
RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528, p. 15.
214
MAURA, J. F., Carta de Luis Ramírez a su padre desde el Brasil (1528): Orígenes de lo ‘real maravilloso’
en el Cono Sur, p. 15
65
Conforme Maura215, a técnica de escrita poderia incluir pequenas sutilezas para assim
poder cativar os leitores, pois, Ramírez emprega a mesma técnica utilizada por outros
cronistas ao se utilizar em suas descrições coisas difíceis de acreditar e a de chamar as
pessoas de poco mundo, por não terem elas, a experiência, o conhecimento para se
compreender as maravilhas do mundo, coisas que somente podem ser vislumbradas por
aqueles que as testemunham216. Neste entendimento, a arte de enfeitar a escrita, dominada por
Ramírez, esta presente em passagens de sua carta, tais como: “(…) los indígenas son tan
buenos corredores que cansan a los venados y a falta de agua beben de su sangre”217.
Esta forma de contar histórias que se utiliza de um variado número de figuras de
linguagens e sentidos diversos para atrair e deter a atenção do leitor, não tira do documento a
sua importância e validade histórica. Devemos ter em mente que Ramírez nos legou um
testemunho histórico que retrata lugares específicos e o cotidiano vivido a partir de suas
observações. O que cabe a nós historiadores é interpretar as fontes para assim reconstituir este
passado sob um novo olhar.
Metodologicamente falando, o viés da História Cultural nos permite inquerir e
confrontar as fontes de modo a obter os resultados esperados das mesmas, tendo claro que o
testemunho produzido no papel, é uma projeção do real. Por mais que haja uma proposta do
cronista em fixar a realidade tal qual ela se apresenta diante dos olhos e dos sentidos, o fato
testemunhado é um e o fato narrado é outro. Nossa argumentação, conforme assinalamos
anteriormente, se apoia na análise efetuada por Peter Burke, que procura apresentar as formas
como a História cultural pode ser empregada. Para este autor, fundamentando nossa assertiva
“tudo que é recebido é sempre diferente do que foi originalmente transmitido, porque os
receptores, de maneira consciente ou inconsciente, interpretam e adaptam as ideias, costumes,
imagens e tudo que lhes é fornecido”218.
Sendo assim, diferentes testemunhas podem presenciar um mesmo quadro e apresentar
diferentes versões para o mesmo. Se considerarmos cada olhar uma sentença, a cada sentença
uma nova interpretação. Esse conceito da História Cultural é um, entre outros, que dão a ideia

215
Ibidem, p. 16.
216
Ibidem.
217
Ibidem.
218
BURKE, P., Variedades de história cultural, p. 249.
66
de representação social. Significa em outras palavras, “o modo como uma realidade social é
pensada, construída, dada a ler”219. Portanto, frisando o que já observamos, outras
interpretações sobre os fatos narrados são passiveis de verdade histórica.
Por fim, quanto ao documento que estamos analisando, ele foi descoberto e transcrito
pela primeira vez por Adolfo Varnhagen quando esteve investigando na Biblioteca Alta do
Escorial220. Outras versões foram produzidas desde então. Uma é do historiador chileno José
Toribio Medina221, que utilizou a versão de Varnhagen quando necessário. Uma terceira
versão com nova transcrição que tivemos acesso recentemente, foi produzida pelo historiador
Juan Francisco Maura222, que compara as versões anteriores com a produzida por ele, tecendo
o seguinte comentário:

Cotejo las versiones realizadas anteriormente por el historiador brasileño


Francisco Adolfo Varnhagen (1851), por el americanista español Marcos
Jiménez de la Espada (1902) y por el historiador chileno José Toribio
Medina (1908), no siempre coincidentes con el original, sobre todo en
referencia a los nombres indígenas. La trascripción de Marcos Jiménez de la
Espada es, con diferencia, la más fiel al original. En los casos en que mi
interpretación paleográfica sea diferente a la de los citados autores, aparecerá
aclarado en una nota.

Assim, conforme Maura observou, as três versões da carta de Ramírez que utilizo para
a execução da pesquisa e composição do relatório, quando apresentam divergências nas
transcrições, comentamos e analisamos em notas de rodapé ou no interior do texto.

2.2.1 O cronista Luis Ramírez: carta a seu pai

219
CHARTIER. R., Por uma sociologia histórica das práticas culturais. In: A História Cultural entre práticas e
representações, p. 16.
220
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Tomo XV (1852). Tradução de Francisco Adolfo de
Varnhagen, 1852.
221
MEDINA, J. T., El Veneciano Sebastián Caboto al servicio de España y especialmente de su proyectado
viaje a las Molucas por el Estrecho de Magallanes y al reconocimiento de la costa del Continente hasta la
gobernación de Pedrarias Dávila, 1908.
222
MAURA, J. F., Carta de Luis Ramírez a su padre desde el Brasil (1528): Orígenes de lo ‘real maravilloso’
en el Cono Sur, p. 21.
67
Até o presente momento se considera que é sob a pena de Luis Ramírez, marinheiro de
Caboto, que o Guarani surge para as páginas da história pela primeira vez223, pois, quando
enviou uma carta para seu pai em julho de 1528, narrando sua aventura, ele ainda estava
vivendo a experiência da exploração e conquista a aproximadamente dois anos, desde que
aportaram na ilha de Santa Catarina no ano de 1526.
Ao falar da sua permanência na ilha e adjacências, narrou que no mesmo dia que o
capitão Caboto havia recebido Henrique Montes em sua nau, conforme vimos anteriormente,
também recebeu na parte da tarde, outro naufrago da expedição de Juan de Solís, Melchior
Ramírez era o nome deste personagem. E assim, da mesma maneira que Henrique Montes, ele
confirmou a versão sobre as riquezas da terra, acrescentando que o grupo de náufragos que
haviam permanecido na ilha e no continente era formado por um grupo de sete homens, sendo
que naquele momento, apenas ele e Montes se encontravam na região, visto que os outros
companheiros, entusiasmados com as notícias de grandes riquezas a oeste, haviam partido.
“(…) Junto á la dicha sierra había un rey blanco que traía buenos vestidos como nosotros, se
determinaron de ir allá, por verlo que era, los cuales fueron y les enviaron cartas”224.
Conforme Isabelle Combés, esse rei branco estava presente na mitologia indígena como
Candiré ou Paititi225.
Segundo Luis Ramírez, o náufrago Melchior havia informado que seus companheiros
enviaram notícias para comunicar que eles ainda não haviam chegado às terras onde haveria
tal riqueza, mas que estavam mantendo contato com um povo que habitava nas imediações
dos domínios do dito rei branco. Conforme Ramírez, as notícias davam conta de informar,
entre outras coisas, que os habitantes desse local portavam “en las cabezas unas coronas de
plata é unas planchas de oro colgadas de los pescuezos é orejas (...)”226. Para assegurar a
veracidade das informações, os companheiros de Melchior e Henrique Montes, “les enviaron
doce esclavos y las muestras del metal (…)”227.

223
De acordo com Bartomeu Meliá (1987, p. 21), a carta é considerada o primeiro documento a nomear e
descrever uma população sob o gentílico Guarani.
224
RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528, p. 15.
225
Cf. COMBÉS, I., Pai Sumé, el Rey Blanco y el Paititi.
226
RAMÍREZ, L., Carta de... a su padre desde el Brasil (1528): Orígenes de lo ‘real maravilloso’ en el Cono
Sur, p.26.
227
RAMÍREZ, L., Carta de Luis Ramírez á su padre, p. 445.
68
Os náufragos informaram a Sebastião Caboto que os companheiros que se
aventuraram nas serras, haviam lhes convidado a ir encontrar-se com eles, mas, por temerem
maiores perigos, resolveram permanecer no local onde estavam. Nas palavras de Luis
Ramírez, os náufragos Henrique Montes e Melchior, comentaram que novos mensageiros lhes
trouxeram outras notícias sobre os amigos aventureiros. “Sus compañeros volviéndose a do
ellos estaban una generación de Yndios que dicen los guarenis los avían muerto por tomarles
los esclavos que traían cargados de metal lo cual nosotros hallamos ahora por cierto en lo que
descubrimos por el Paraná arriba”228. Na carta escrita por Luis Ramírez, esta é a primeira vez
que uma palavra semelhante ao termo guarani é utilizada.
Sobre o termo guarani, encontramos uma explicação um século mais tarde em relação
à carta de Ramírez. Na obra Tesouro da Língua Guarani publicada por Antonio Ruiz de
Montoya no primeiro quartel do século XVII, aparece às palavras guaryni ou guarini.
Acompanhadas de outros vocábulos elas expressam diferentes sentidos para a ideia de guerra,
tais como, estar em guerra, ir para guerra, exercita-se para a guerra, capturar inimigo na
guerra, animar-se para a guerra, temer a guerra, entre outras229. De maneira geral, no
vocabulário da língua guarani de Montoya, o termo apresenta o sentido de guerreiro, guerra
ou situações que têm a ver com guerra. No Tupi antigo, o termo guarini, também encerra
sentidos semelhantes para guerreiro e guerrear230.
Na mesma linha de raciocínio, encontramos uma definição do termo guarani nas
palavras do padre Sanchez Labrador. Em relação a Montoya, pouco mais de um século havia
transcorrido quando esse jesuíta afirmou que “Guarani viene de guariní”. Esta assertiva em
relação ao segundo termo, conforme esse eminente jesuíta, “significaba soldado o peleador”.
Sendo esta, “una expresión muy de ellos y los indios de otras tribus los llamaban guaryní o
guaraní”231.
Montoya e Labrador nos ajudam a entender que o termo que remete a ideia de guerra e
ao sujeito que pratica a ação de guerrear, transformou-se em um apodo. Esse apelido genérico
aos olhos do europeu que estava incumbido de identificar, nomear e classificar, serviu como

228
RAMÍREZ, L., Carta de ... a su padre desde el Brasil (1528): Orígenes de lo ‘real maravilloso’ en el Cono
Sur, p. 26.
229
MONTOYA, A. R., Tesoro de la lengua Guaraní. p. 319/338
230
LEMOS B. A., Pequeno Vocabulário Português-Tupi, p. 116.
231
FURLONG, G., Misiones y Sus Pueblos de Guaraníes, p. 71.
69
uma forma de aglutinar sob uma mesma categoria, grupos nativos dispersos. Neste sentido,
entendemos que o termo guarani parece ser uma nomeação apropriada para identificar grupos
nativos que falavam a língua geral da terra, que também se definiu como língua guarani232.
Por este entendimento, ao longo do processo colonial, nos escritos históricos, guarani, tornou-
se um etnônimo para definir um povo com uma história prístina e as interpretações
produzidas a partir desses escritos, ajudaram a corroborar a ideia de amplitude demográfica
desse povo.
Dando sequencia a narrativa, Ramírez nos informa que três meses e meio o pessoal de
Caboto permaneceu na Ilha de Santa Catarina. Durante a estádia, se reabasteceram com
mantimentos, melhoraram as embarcações e construíram um pequeno barco para seguirem
viagem ao rio da Prata. Levando “cuatro muchachos para que en adelante le sirviesen de
intérpretes”233, içaram âncora no dia 15 de fevereiro de 1527. Os jovens indígenas que lhes
acompanharam eram filhos de caciques e foram levados sem autorização dos chefes tribais.
Situação que, entre outras, causou um inquérito administrativo a Caboto no seu retorno a
Espanha e transtornos para os navegadores posteriores, quando estes paravam apara descansar
e reabastecer seus navios com provisões234.
Seguiram costeando o litoral meridional por seis dias até o Cabo de Santa Maria, que
fica na entrada do rio da Prata. No dia seis de abril de 1527 chegaram a um local que
batizaram de São Lázaro, devido ao fato de ser o dia que homenageia o santo da Igreja
Católica. Por um mês a expedição ficou ancorada, sendo tempo suficiente para que os lenguas
que os acompanhavam, entre eles Henrique Montes e Melchior Ramírez, descobrissem que
nas proximidades do local vivia outro cristão chamado Francisco del Puerto, que também
pertencera a expedição de Solís.
Este Francisco se apresentou a Caboto e deu importantes informações sobre a terra e
as gentes. Conforme Felix de Azara, ele teria vivido aproximadamente dez anos entre os
Yaró, até ser contatado pela esquadra que ali chegou. Os Yaró habitavam na banda oriental do

232
Ao escrever em 1609 [PASTELLS (1912), p.8], sua primeira carta ânua, o padre Diego de Torres Bollo
observou que “ay en cada una estas tres gobernaciones una lengua general que es gran alivio y ayuda para
facilitar la conversión de los yndios. La Guarani corre no solo el Paraguay sino el Brazil y hasta Santa Cruz de
La Cierra”.
233
AZARA, F., Descripción é Historia del Paraguay y del Rio de la Plata, p. 8.
234
Cf. HERRERA Y TORDESILLAS, A., Historia General de los hechos de los Castellanos en las Islas y
Tierra-Firme del Mar Océano.
70
rio Uruguai, entre o rio Negro e São Salvador, sendo classificados pela literatura histórica
colonial como pertencentes à povos nômades, caçadores e coletores, que se tornaram
equestres com o passar dos anos, com idioma diferente da língua guarani.
Sobre o exposto acima, observarmos que desde que a expedição saiu da ilha de Santa
Catarina, passou a contar com um grupo de espanhóis que lá estavam 235 e também com quatro
jovens indígenas que embarcaram na mesma ilha para junto com os náufragos exercerem a
função de lenguas236. Somou-se ao grupo, Francisco del Puerto que por ter passado parte de
sua vida junto aos nativos que habitavam as paragens do rio da Prata, tornou-se uma figura
importante na mediação das relações entre os habitantes que viviam as margens do estuário do
Prata e de rios interioranos que desaguavam no mesmo e os expedicionários de Caboto.
A chegada desse náufrago é interessante porque fortalece a ideia da língua geral, pois,
conforme Felix de Azara237, ele aprendeu uma das línguas gerais do território, batizada mais
tarde de língua guarani, entre os Yaró. Não descartamos a possibilidade de que tenha
aprendido a língua geral com indivíduos Guarani que viviam entre os Yaró. Essa situação não
é despropositada se dermos uma rápida olhada em outras crônicas e relações históricas
produzidas nos primeiros séculos da conquista. Veremos que em diversos momentos,
indivíduos oriundos de diferentes grupos viviam junto a outras configurações sociais.
Nos primeiros tempos da colônia, os europeus empregaram o termo cativo para se
referir a muitos desses indivíduos que eles acreditavam viver na condição semelhante à de
escravos. Portanto, nada impossibilita a presença de indivíduos Guarani entre os Yaró238. Há
um caso pitoresco para fundamentar a assertiva sobre a presença de nativos de diferentes
procedências entre outros grupos.
Em um documento de 15 de fevereiro de 1545 que apresenta “los méritos y servicios
del capitán Gonzalo de Mendoza”, que se encontrava desde 1535 nas terras das províncias do
Prata, consta, que por volta de 1536, quando este retornava da ilha de Santa Catarina com
suprimentos e interpretes para ajudar no processo de conquista e colonização das terras,

Cf. RAMÍREZ, L., Carta de ... a su padre desde el Brasil (1528): Orígenes de lo ‘real maravilloso’ en el
235

Cono Sur, p. 29.


236
AZARA, F., Descripción é Historia del Paraguay y del Rio de la Plata. Tomo II, p. 9.
237
Cf. AZARA, F., Descripción é Historia del Paraguay y del Rio de la Plata.
238
Essa questão dos cativos pode ser vista em Ulrich Schmídel, 1599 (1903).
71
deixou no porto de Boa Esperança, casa forte estabelecida na terra dos Timbú um lengua239.

Se acuerda que quedo allí un maestre Pedro que era lengua de los guaraníes
y hombre de buen ingenio para que mediante el los ayudase y entendiese en
todo lo que fuese menester a la dicha gente y pacificación de la tierra e
Yndios dela porque aunque los Yndios que allí trataban eran tenbues y
carcaraes y difieren en la lengua de los guaraníes todavía diz que avía entre
ellos intérpretes guaraníes quel dicho maestre Pedro podía entender240.

Lembramos que entre os nativos o rapto de mulheres e crianças, de ambos os sexos, de


outros povos ou grupos afins, era uma prática recorrente. De maneira geral as vítimas
adotavam os costumes e o modo de vida dos captores como se biologicamente tivessem
nascido em seu meio241. Observarmos que dificilmente se encontra na documentação algo
sobre a fuga de “prisioneiros”. Mulheres e crianças de outros povos, capturadas durante um
confronto ou em outras situações, se incorporavam ao cotidiano de seus captores.
Neste quadro, podemos propor a hipótese que se havia algo semelhante a uma ética no
espaço social nativo, se manter fiel a seus captores, viver entre eles, ou se deixar morrer pelas
mãos dos mesmos, como era o caso do Guarani (guerreiro) capturado na guerra para ser
executado em ritual antropofágico Tupinambá, a ética seria esta, não fugir, por honra a si
mesmo e a sua família. Esse argumento propõe que as sociedades nativas tinham plena
consciência de que sua sobrevivência dependia dessa prática sociocultural. A introdução de
terceiros no meio social, seja pela via pacífica ou guerreira, era uma questão de natureza
biológica, de natureza econômica e de natureza bélica.
Toribio Medina comenta que Francisco del Puerto “debió su salvación á sus pocos
años, (sábese que era grumete), como solía acontecer aún en las guerras entre salvajes, en las
cuales no pocas veces los niños eran incorporados á la tribu vencedora”242. O soldado Antonio

239
Informaciones de méritos y servicios de descubridores, conquistadores y pobladores del Perú. In:
SCHMÍDEL, Ulrich. Viaje al Rio de La Plata, p. 386.
240
Esse documento está anexo à edição de Ulrich Schmídel de 1093. Sobre a passagem acima, o americanista
Lafone Quevedo, respondendo a outros estudos que colocavam os Timbu como sendo grupos Guarani ou
guaranizados, afirmou que nessa passagem “está claro que los caracará y timbú no eran de raza guaraní ni
hablaban su lengua, pero que indios de los guaraní vivían entre ellos y que había quien sirviese de intérprete
valiéndose de la tal lengua que era la que hablaba el «maestre Pedro» traído para ello del Brasil” (SHMÍDEL,
1903 p.385).
241
AZARA, F., Descripción é Historia del Paraguay y del Rio de la Plata. Tomo I, p. 148/9.
242
MEDINA, J. T., Juan Diaz de Solís: estudio histórico, p. 288.
72
Rodrigues que ajudou na fundação de Assunção comentou que se os Garinas, grupo indígena
local, “cativam meninos, fazem-nos, à sua maneira”243.
Não seria um engano considerar que boa parcela dos grupos se mestiçava via raptos de
mulheres, crianças e casamentos interétnicos por meio de alianças. As centenas de mulheres
Carijó, diante da derrota sofrida por seu povo frente aos espanhóis da armada de Pedro
Mendoza, se uniram a seus algozes. O motivo não foi apenas o preço a ser pago pela derrota
sofrida,244 entre outras coisas, além do parentesco por meio da união com os espanhóis,
buscou-se a segurança biológica dos grupos Carijó envolvidos com a mistura do sangue
estrangeiro em seu meio.
Neste contexto, se considerarmos que boa parte dos grupos era formado por mulheres
e homens pertencentes a outras sociedades, seja os mesmos oriundos de raptos ou casamentos
interétnicos, somos levados a deduzir que as configurações sociais da época da conquista se
davam, grosso modo, muito mais pelas características sociais e culturais do que por um viés
biológico de pertencimento e nascimento. A identidade do indivíduo se vinculava aos
aspectos socioculturais da sociedade em que ele vivia do que propriamente pela
ancestralidade comum. Essa questão nos leva a ideia sobre etnicidade proposta por Fredrik
Barth245, na qual se observa que não é somente a origem que faz com que um indivíduo se
identifique com o grupo, mas sim, os valores compartilhados. Situação que permite que eles
se reconheçam e se diferenciem em relação a outros grupos.
Retornando a narrativa, enquanto Caboto subiu em direção ao rio Paraná, Luis
Ramírez, devido ao fato de estar em más condições de saúde, permaneceu nas imediações
onde haviam ancorado até o dia 28 de agosto, quando uma galeota246, o levou juntamente com
seus companheiros até o local onde Caboto havia erguido uma casa forte, chamada de Espírito
Santo247.
Ao navegar pelo rio da Prata, Caboto havia deixado equipamento e um pequeno
efetivo na atual ilha de São Gabriel, sendo que mais à frente havia erguido um forte próximo à

243
RODRIGUES, A., Cópia de uma carta do irmão Antonio Rodrigues para os irmãos de Coimbra, 1553, p. 3.
244
Cf. IRALA (1541); RODRIGUES (1553); SCHMÍDEL (1599);
245
BARTH, F., O Guru, o iniciador e outras variações antropológicas, p. 27
246
Conforme Juan Francisco Maura (2007, p. 29), citando Eduardo Madero, “La galeota era una embarcación
abierta de 20 bancos. Consta en los procesos de Caboto”.
247
Cf. RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528.
73
foz do rio São Salvador com o rio da Prata, a fim de se defender de uma possível hostilidade
de Charrua e Yaró, que observavam a movimentação dos espanhóis. “Guarnecido con milicia
el fuerte, saltó en un bergantín y carabela al majestuoso Paraná, y surgió en el Carcarañal,
pechero suyo por la margen occidental; donde levantó segunda fortaleza, que denominó
Sancti Spiritus”248.
De acordo com Luis Ramírez, Sebastião Caboto “había hecho su asiento y una
fortaleza arto fuerte [...], la cual acordó de hacer para la pacificación de la tierra” 249. Nesse
local onde foi erguido o forte, índios que habitavam o território, pertencentes a diferentes
nações e falantes de diversos idiomas, ao saberem da chegada dos estrangeiros, se
aproximaram a casa forte para se familiarizar com os recém-chegados. Conforme estudos de
Toríbio Medina, foi por orientação do lengua Francisco del Puerto, que Caboto resolveu
erguer um forte nessas imediações, pois, o intérprete teria lhe dito que o rio Carcarañal tinha
sua origem nas serras, local onde se iniciavam as minas de ouro e prata250.
Luis Ramírez escreveu que entre os nativos, “vino una gente de campo que se dicen
Querandís. Gente muí ligera, mantienense de la caza que matan, y en matándola cualquiera
que sea le beben la sangre”251. Para o autor, o motivo de beber o sangue da caça estava no fato
de que nas terras habitadas por eles, havia a pouca água. “Estos Querandís pelean con arcos y
flechas, y con unas pelotas de piedra redondas, tan grandes como el puño, con una cuerda
atada que la guía las cuales tiran tan certero que no hierran. [...] nos dieron muí buena relación
de la sierra y del Rey Blanco”252. Rui Dias de Gusmão observou que, por volta de 1612,
grande parte desses Querandí estava dividida entre os encomendeiros de Buenos Aires.
Conforme o cronista Ramírez, outros povos habitavam as imediações do Carcarañal,
local onde foi erguido o forte Espírito Santo, “las cuales son Carcarais, Chanaes, Beguas,
Chanaes Timbús y Timbús, que son de diferentes lenguajes”253 De acordo com o cronista,
esses povos eram “gente muí bien dispuesta” todos eles furavam os narizes e as suas orelhas:

248
GUEVARA, J., Historia del Paraguay, Rio de la Plata y Tucumán, p. 135.
249
RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528, p. 26.
250
Cf. MEDINA, J. o., El Veneciano Sebastián Caboto al servicio de España y especialmente de su proyectado
viaje a las Molucas por el Estrecho de Magallanes y al reconocimiento de la costa del Continente hasta la
gobernación de Pedrarias Dávila.
251
RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528, p. 26.
252
Ibidem, p. 27.
253
Ibidem, p. 26.
74
“los hombres horadan los labios por la parte baja. Los Carcarais y los Timbús siembran abatí
y cabazas y habas, y todas las otras naciones no siembran, y su mantenimiento es carne y
pescado”254. Ruy Díaz de Guzmán considerava os Timbú e Caracará de melhor trato e
costume que os Querandí, “son labradores y tienen sus pueblos fundados sobre la costa del
río. Tienen las narices horadas, donde sientan por gala en cada parte una piedra azul o verde,
son muy ingeniosos y hábiles”255.
A identificação e nomeação desses povos indígenas é literalmente o batismo dos
mesmos na escrita da história indígena colonial, e o idioma que nomeava presumidamente era
voz da língua guarani. “O idioma general del Brasil, que era el Guarani” era o que nomeava
os grupos, pois os interpretes falavam a língua geral. “Y, por esta razón, vemos que en los
primeros textos, casi todas las naciones, indistintamente, están registradas con nombres
guaranís”256. Confirmando a assertiva de Rodolfo Shuller, o Jesuita Sánchez Labrador nos
exemplifica que o nome de “Guaycurú Guazú trae su origen en el idioma guaraní, y significa,
Guaycurús numerosos, o grandes en número de almas. En realidad que son muchos, porque
en toda la Nación como se colige del segundo nombre”257.
Efetivamente a voz na língua geral não referenciava um etnônimo, mas um estereótipo
percebido. A mesma alcunha poderia ser aplicada a outra população em outro local. No caso
dos Timbú, “es [nome] general de todo indio que horadaba las narices”258. Ou seja, não
importava se um nativo estivesse habitando um local específico do Guairá ou habitando
próximo à Santa Fé. Se este índio usasse adorno em seu nariz, tais como, pequenas pedras
coloridas com formas variadas, haveria boa possibilidade de o mesmo ser apelidado por meio
da língua geral de timbú.
Antonio Serrano259, ao estudar povos indígenas do Uruguai, dizia que “en los
documentos jesuíticos los indígenas de esta amplia región aparecen agrupados en Camperos,
Canoeros e Caaiguás”. Categorias aplicadas a índios que habitavam áreas de campo, rios e o

254
Ibidem.
255
GUZMÁN, R. D., Argentina: historia del descubrimiento y conquista del Río de la Plata,p. 81.
256
SCHULLER, R., (prologo). Geografía Física y Esférica de las Provincias del Paraguay y Misiones
Guaraníes.
257
LABRADOR, J. S., El Paraguay católico, Tomo I, p. 15.
258
LAFONE QUEVEDO, S. A., (prologo). Viaje al Río de La Plata, p. 24
259
SERRANO, A., Etnografía de la Antigua Provincia del Uruguay, p. 31-2.
75
interior das florestas. Essas classificações, segundo o autor, eram usadas tanto para identificar
povos considerados Guarani, quanto para os Guañana visto que esses dois distintos grupos
habitavam os mesmos ambientes.
O Kaiowa é um nome étnico de uma população falante de guarani que se identifica e
se afirma sob este etnônimo, tem sua origem neste contexto comentado por Serrano.
Certamente, indivíduos de outros grupos com linguagem diferente da língua geral guarani, lhe
dariam outro apelido, já que esta era uma prática comum num espaço físico e social onde os
povos circulavam.
Nomear o outro a partir de suas próprias prerrogativas era de natureza social,
independentemente da cultura de cada um. Felix de Azara nos apresenta um exemplo ao que
estamos comentando, sobre um povo chaquenho chamado Lengua. Ele observou que os
“Payaguá, chamavam a esses de Cadulú; os Toba os chamavam de Cocoloth; os Machicuy, de
Etaboslé; os Enimagá, de Cochaboth e os próprios Lengua260 se definiam a si mesmos de
Jugadfechy” 261.
Não é uma tarefa muito fácil localizar registros sobre a autonomeação de grupos na
documentação colonial. Geralmente quando ocorre essa situação, o grupo esta se
autonomeando como pertencente a determinado lugar. Há uma passagem interessante escrita
pelo padre Nicolau Duran, quando narra em uma carta às condições em que se encontravam
às reduções de índios do Guairá entre os anos de 1626 e 1627, que serve como exemplo ao
que estamos enfatizando. Ao falar das características da redução de São Francisco Xavier (de
Guarani), ele havia observado que o referido povoado estava situado em uma área de campo
que “ya desde aquel puesto empieza la nación de los que llamamos camperos, porque habitan
los campos, aunque ellos no quieren tener tal nombre porque se tienen por más nobles que
ellos y su antigua nobleza la tienen puesta en ser naturales de ríos de fama262.
Mas, como não são esses atores coloniais, os nativos de São Xavier, que narram a sua
história, ficaram registrados na documentação colonial como pertencentes ao mesmo grupo

260
Para Rodolfo Shuller (1904, p.388), os espanhóis atribuíam o nome de Lengua a este povo devido a “causa de
la forma particular del barbote, que usan”. O capitão de fragata Francisco Aguirre acrescentou em seu diário
(Etnografía del Chaco, 1793 [1898]) que os Lenguas (nome castellanizado), possuíam o idioma mais elegante no
conjunto das populações do Chaco. Devido às guerras, pestes e aos abortos praticados, em seu tempo esta
população estava praticamente extinta, restando apenas alguns jovens.
261
AZARA, F., Geografía Física y Esférica de las Provincias del Paraguay y Misiones Guaraníes, p. 399.
262
DURAN, N., 12ª Carta ânua da Província Jesuítica do Paraguai, escrita em 1628, p. 233.
76
genérico Campeiro, pelo fato de habitarem região semelhante. “Desde esta reducción de la
encarnación como vimos se comienzan a extender muy dilatados campos, que dan nombre a
los muchos indios que los habitan y se llaman camperos, a distinción de las demás naciones
que todos viven en los montes y ríos”263.
Complementando a ideia acima, incluímos o exemplo que nos traz o jesuíta Sánchez
Labrador que durante muitos anos exerceu seu apostolado entre os indígenas do Chaco. Ao
escrever sobre os Guaycurú, comentou que esta é uma forma imprecisa de se referir a esta
população, pois o correto é a forma como eles se autorreferenciam.

Eyigua-yegi; éste es el nombre que tiene toda la nación, y tanto los de la


Banda Oriental como los de la occidental del río Paraguay son conocidas por
este nombre general, y añaden los particulares de los sitios en que más de
asiento viven. El dicho nombre significa Perteneciente al Palmar de una
especie de palmas llamada Eyiguá. De estas hay muchas en la orilla
occidental del río, en donde en sus principios vivió toda la nación264.

A questão dos nomes atribuídos aos povos nos leva a reforçar a ideia de que os
etnônimos indígenas pós-colombianos se originam em grande medida a partir de apelidos
registrados. Neste caso, de acordo com Viveiros de Castro, estas seriam apenas uma “amostra
de que a identificação dos grupos por meio de etnônimos era fruto de uma incompreensão
total da dinâmica étnica e política do socius ameríndio (...) [o] congelamento e o isolamento
das etnias é um fenômeno sociológico e cognitivo pós-colombiano”265.
Essas questões têm a ver desde o princípio da colonização com a forma como os
ibéricos procuraram fazer a gestão do território conquistado. Não foi apenas um ato de
identificar e nomear, foi classificatório. Neste sentido, de maneira geral, povos nativos que
tinham na atividade agrícola importante fonte de subsistência e por sua vez propensos ao
sedentarismo, foram classificados no rol dos amigos, por outro lado, povos nômades,
caçadores, coletores e pescadores que vagavam pelos campos e matas 266, foram classificados

263
Ibidem, p. 242.
264
LABRADOR, L. S., El Paraguay católico, Tomo II, p. 15.
265
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Histórias Ameríndias, p. 32.
266
Cf. FREITAS DA SILVA, A. L., Reduções Jesuítico-Guarani: espaço de diversidade étnica, p. 37.
77
como inimigos, pois, o discurso que preponderou sobre eles era de que os mesmos se
mantinham sem lei, sem fé e sem rei267.
No rol dos amigos, o Guarani teve maior destaque nos escritos históricos que trataram
do quadro das relações dos espanhóis com os povos nativos desta parte da América. Assim
como ocorreu na colônia portuguesa do Brasil, onde houve uma classificação em que grupos
horticultores que falavam a língua geral, os Tupi, foram considerados os amigos, e os grupos
de língua travada268 foram considerados os inimigos. Nomeados genericamente de Tapuia,
tinham na coleta, na pesca e caça suas principais atividades de subsistência.
Foram classificações genéricas frequentemente utilizadas ao longo do processo
colonial que invisibilizaram uma diversidade de configurações socioculturais que talvez
tenham desaparecidas antes mesmo de se fazer qualquer espécie de registro sobre as mesmas.
Um exemplo dessa classificação aleatória pode ser tomador dos relatos do “Padre José de
Anchieta en 1554 y Gabriel Soares de Sousa en 1587, [que] emplearon respectivamente los
etnónimos de Carijós y Tapuias para los habitantes no-europeos269” que habitavam no litoral
sul e a margem norte do rio da Prata, no atual Uruguai.
Neste contexto em que os atores indígenas coloniais, por uma ação unilateral, política
e cultural270, desapareceram, enquanto outros foram essencializados pela história escrita, os
Guarani, seja como unidade ou fragmento271, ganharam maior destaque. A intenção de
agentes ibéricos de considerar a presença de gente Guarani em distantes e diferentes
ambientes e a materialização deste ato, que podemos chamar de discursivo nos documentos
escritos, levou a importantes pesquisadores, tal como John Monteiro, a afirmar que “não há
como negar que, a partir do século XVI, a experiência guarani se confunde com a história da
expansão ibérica para o interior do continente”272.
A fala do autor reflete em boa medida a presença Guarani em grande parte da
documentação colonial que tem a ver com o antigo Paraguai. Também reflete a guaranização

267
Cf. ASENJO, D. A., Etnónimos indígenas en la historiografía uruguaya: Desensamblando piezas de
diferentes puzles, p. 31.
268
Cf. ABREU, C., Capítulos de história colonial.
269
ASENJO, D. A., Etnónimos indígenas en la historiografía uruguaya: Desensamblando piezas de diferentes
puzles, p. 6.
270
Ibidem.
271
Cf. MELIÁ, B., El pueblo guaraní: unidad y fragmentos.
272
MONTEIRO, J.M., Os guarani e a historia do Brasil meridional: séculos XVI e XVII, p. 476.
78
de papéis produzidos por indivíduos de diferentes procedências. Situação que não passou
despercebida para os pesquisadores Isabelle Combès e Diego Villar que estudam os povos
Chané e Chiriguano.
A tratarem sobre as representações desses dois povos, que carregam em si duas
heranças culturais distintas e ao mesmo tempo misturadas, visto que a história afirma que os
Chiriguanos são filhos de homens Guarani com mulheres Chané, e que os mesmos carregam
apenas traços Guarani, esses pesquisadores fazem uma crítica a essa visão. Eles enfatizam que
a ideia de guaranização pode ser resultado da “onipotência da identificação guaranizante” que
guaranizou os próprios “pesquisadores que, em geral, apenas realçaram a dimensão guarani
em detrimento da herança arawak”273.
O olhar presente nos escritos de indivíduos que singraram o estuário do rio da Prata no
primeiro quartel do século XVI, tal como a carta escrita por Luis Ramírez, integrante da
expedição de Sebastião Caboto, a seu pai no ano de 1528, que traz elementos para a
concepção e constituição do Guarani colonial, é de acordo com Daniel Laponte, “la
construcción del concepto Guaraní (...)”274. É o momento em que o índio guerreiro (guarani)
começa a deixar de ser um adjetivo, um “exónimo interétnico, proveniente de lenguaraces que
nombraron las etnias en su propio idioma275”, e passa a categorizar povos diversos sob o
etnônimo Guarani.

Aquí con nosotros está otra generación, que son nuestros amigos, los cuales
se llaman Guarenís y por otro nombre Chandris estos andan derramados por
esta tierra y por otras muchas, como cosarios, á causa de ser enemigos de
todas estas otras naciones y de otras muchas que adelante diré: son gente
muy traidora, todo lo que hacen es con traición; éstos señorean gran parte
desta India y confinan con los que habitan en la sierra. Estos traen mucho
metal de oro y plata en muchas planchas y orejeras y en hachas, con que
cortan la montaña para sembrar: éstos comen carne humana276.

273
COMBÉS, I.; VILLAR, D., Os mestiços mais puros. Representações Chiriguano e Chané da mestiçagem, p.
45-6.
274
LAPONTE, D., ACOSTA, A., La construcción de la unidad arqueológica Guarani en el extremo meridional
de su distribución geográfica, p. 197/98.
275
ASENJO, D. A., Etnónimos indígenas en la historiografía uruguaya: Desensamblando piezas de diferentes
puzles, p. 25.
276
RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528, p. 27.
79
Aqui com nós esta outra população que são nossos amigos, sendo que os mesmos se
chamam guarenís ou chandris (chandis). Pois bem, fato dado não é fato consumado, neste
sentido, o que podemos reter desta primeira passagem é que o motivo de estarem ali, não
significa que moram ali. O caso dos índios Campeiro que citamos mais acima pode ser um
exemplo para esta questão. Eles estão ali, mas podem não ser dali, pois o local de onde Luis
Ramírez escreveu e datou sua carta corresponde ao forte erguido junto ao rio São Salvador
erguido pelos homens de Caboto.
Conforme Toribio Medina277, “la ubicación de ese sitio no ofrece dificultades, por
cuanto Caboto ha dibujado en su mapamundi el río de San Salvador, cuyo nombre se conserva
en las cartas modernas”. Situado na margem oriental do rio Uruguai, conforme Felix de
Azara, o local onde esses Guarani estariam, era área de circulação de outro povo do campo
chamado Yaró, que ficava entre o rio Negro e São Salvador278. De acordo com Lafone
Quevedo279, “los Guaraníes de San Salvador serían los de las islas, aquí rodeados por tribus
enemigas.”
Quanto a questão do nome guarani, conforme já observamos, tem o significado na
língua geral do rio da Prata de guerreiro. Como é um termo que pode ter outros sentidos na
língua do emissor da mensagem, é muito provável que não seja uma autorreferencia, mas um
apelido aplicado por náufragos que faziam uso da língua geral. Já, o nome chandris (chandis),
é totalmente desconhecido, é como se houvesse um erro na ortografia, impressão ou fosse
uma atribuição dada por um indígena falante de outra língua. Na crônica desses primeiros
exploradores e conquistadores, este nome, não será mais reproduzido. O nome que se fará
presente é o Chandule.
Na sequencia da narrativa a seu pai, Luis Ramírez, não mais se refere a estes nativos
como Guarani, somente usa o termo chandule. Neste caso, é interessante observarmos que
Ramírez não faz menção a esses Chandule como semelhantes aos habitantes da ilha de Santa
Catarina e adjacências, local onde permaneceram aproximadamente cem dias. Lembramos,
que quando lá esteve, relatou em breves comentários que os habitantes daquela costa tinham

277
MEDINA, J. T., El Veneciano Sebastián Caboto al servicio de España y especialmente de su proyectado
viaje a las Molucas por el Estrecho de Magallanes y al reconocimiento de la costa del Continente hasta la
gobernación de Pedrarias Dávila, p. 160.
278
AZARA, F., Descripción é Historia del Paraguay y del Rio de la Plata. Tomo I, p. 160.
279
LAFONE QUEVEDO. S. A., Los indios Chanases y su lengua, p. 118.
80
muitas semelhanças com os Tupinambá da costa de Pernambuco, que ele havia descrito logo
de sua chegada as terras do Brasil. Não perceber ou não relatar possíveis semelhanças que
poderiam haver entre esses povos que estarão sob um mesmo etnônimo, no futuro, novamente
direciona nossa atenção para a ideia da singularização da pluralidade nativa.
No caso especifico dos Guarani, a hipótese mais provável é que a construção desta
categoria indígena executada pela gestão espanhola que procurava organizar o espaço físico e
social deu-se em função da língua geral. Aglutinar diferentes sociedades sob uma mesma
língua, identificando-as sob um mesmo nome é uma ideia bastante plausível. Neste quadro,
grupos não guaranis foram designados como tais por falar a língua dos mesmos. Alfredo
Metraux, nos trás um exemplo que se aproxima do que estamos falando.

Los Tapieté, una típica tribu chaqueña, poseen una cultura muy semejante a
la Mataco y los Chorotí, pero hay que destacar el detalle curioso que estos
indios hablan el dialecto Guaraní de sus vecinos Chiriguano. Es sin duda
alguna a causa de un prolongado contacto con ellos que esta tribu ha
adoptado el lenguaje de los mismos, descartando su propia lengua aborigen,
a pesar de que corren rumores de que aún la siguen usando entre ellos280.

Em uma carta ao jesuíta Bruno Morales, o jesuíta Pedro Lozano281, entre outras coisas,
comentou, ao dissertar sobre os povos que habitavam desde Buenos Aires ao Estreito de
Magalhães, que os Puelche falavam em sua maioria a língua dos Aucae, no entanto, esses
últimos não sabiam a língua dos Puelche. O religioso não mencionou a possibilidade de uma
relação assimétrica entre os dois grupos, deixando entrever que se tratava de duas forças que
se equiparavam, portanto, teria sido uma opção dos Puelche adotar a língua de outro povo.
Com isso, afirmamos que as dinâmicas socioculturais e relacionais dos grupos contribuíram
para que paulatinamente algum grupo, assim como os Tapieté, optasse pela língua de outro
povo com quem mantinha contato, deixando em desuso sua língua materna.
A questão da língua e o que foi falado anteriormente nos ajuda a conceber a hipótese
de que os Chandule descritos por Ramírez, não habitassem aquele local como um habitat
permanente, no sentido de terem ali suas chácaras e casas comunais. As considerações de
Ramírez sobre estes nativos, não seguem o mesmo padrão narrativo que ele realizou

280
METRAUX, A., Etnografía del Chaco, p. 73.
281
LOZANO, P., Carta del P. Pedro Lozano, de la Compañía de Jesús, de la Provincia del Paraguay, escrita al
P. Bruno Morales de la misma Compañía, y Provincia, existente en esta Corte de Madrid 1746, p. 10.
81
anteriormente para descrever povos locais. Durante os quase quatro meses que permaneceu
em um porto de Pernambuco, ele foi bem mais específico ao descrever as gentes que ali
habitavam.

Hay en la tierra muchos mantenimientos de maíz mandio, que son unas


raíces de que se hace mucha buena harina blanca: cómenla con pan, hecha
harina tostada. Hay otras raíces que se dicen patacas: comense cocidas, y
asadas son muy buenas; muchas calabazas, frisóles, habas, gallinas,
papagallos muy buenos: de todo esto llevó la gente mucha cantidad. La gente
de esta tierra es muy buena é de muy buenos gestos, ansí los hombres como
las mujeres: son todos de mediana estatura, muy bien proporcionados, de
color de canarios, algo más escuro, de todos, ellos y ellas, se derraen de los
pelos del cuerpo todo, salvo los cabillos, que dicen que los que tal no hacen
son bestias salvajes; ellos son muy ligeros é muy buenos nadadores; sus
armas son arcos é flechas, lo cual tienen en mucho; é si cuando van á la
guerra toman alguno de sus contrarios, tráenlo por esclavo (…)282.

Nos três meses na ilha de Santa Catarina, conforme citação anterior, ele teceu
considerações sobre cultura material, agricultura e o modo de ser dos habitantes, identificando
semelhanças entre os mesmos e os habitantes de Pernambuco. “Aquí con nosotros está otra
generación (...)”283. Sobre esses chandis ou guarenis, em momento algum ele fala para seu pai
sobre os animais criados, os alimentos plantados, sobre suas casas, ou vestuário, mesmo
permanecendo junto a eles um longo tempo.
O que Ramírez faz neste momento, mudando sua maneira de informar, é simplesmente
expor de forma genérica a natureza comportamental desses indivíduos em relação a outros
grupos e sua localização no território, observando ao final que eles cortam a mata para semear
e comem carne humana. Sobre os de Pernambuco, ele teceu todo o processo antropofágico.
Neste caso, nem ao menos tentou comparar esta prática. É como se neste último caso ele
reproduzisse um clichê das narrativas do período. “Éstos comen carne humana”284.
Desde a época de Cristovão Colombo esta frase se fez presente no vocabulário da
conquista. “Al igual que ocurre con otras crónicas de la época, es preciso dejar un amplio
margen de credulidad sobre la información que nos da el autor ya que no sabemos a ciencia

282
RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528, p. 17.
283
Ibidem, p. 27.
284
Ibidem.
82
cierta dónde empieza y donde acaba la imaginación y la veracidad de sus aseveraciones” 285.
Questões como essa, por mais subjetivas que possam parecer nos mostram que ainda
carecemos de informações para entender a complexidade do Guarani que foi sendo
constituído. “Eles andam espalhados por esta terra e por outras muitas, como corsários, a
razão de serem inimigos de todas estas e outras nações”.
A pergunta que nos vem diante desta afirmação, é como eles podem ser inimigos
destas nações, que neste caso seriam os Timbú, Carcará, Charrua, Querandi e Yaró? Que
relação há, para que esses inimigos odiados se façam presentes entre outros povos belicosos
que os combatem? Seriam esses Guarani, cativos ou parentes dos Yaró e Chaná? Já que
habitavam, principalmente, lugares de circulação desses povos, conforme observamos mais
acima? E por que o autor usa o termo corsário para se referir a esses guerreiros (Guarani)?
Entendemos que estarem espalhados pela terra como corsários é estarem em constante
pilhagem a serviço de outro, visto que, corsário seria um especialista em guerras marítimas a
serviço de um terceiro.
Não podemos supor que o termo corsário, seja destituído de sentido no contexto em
que é empregado. Neste caso, esses Guarani teriam sua razão de ser, ao serem especialistas na
arte da guerra, colocando assim seu ímpeto belicoso286 a serviço de grupos (outros)
aparentados. Lembramos que no contexto social das terras baixas, a literatura histórica afirma
que fazia parte das pautas culturais dos Guarani, casar suas mulheres com indivíduos de
outros grupos e assim por reciprocidade de parentesco prestar serviços ao cunhado287. Essa
pauta cultural de reciprocidade fazia com que houvesse o sequestro de “mujeres por los jefes
más poderosos de otras aldeas” ocasionando “la subordinación de la respectiva parentela [das
mulheres]; las "visitas" en el sentido neolítico desempeñaban la función de "trueque de
servicios" y una norma de reciprocidades”288.
Se nos atentarmos aos Guaicuru, perceberemos que algo semelhante ocorria. Eles
eram grupos errantes e pilhavam outros grupos que encontravam em seu caminho. Sua
especialidade era a guerra, mas, estavam amparados por outros povos de agricultores, que

285
MAURA, J. F., Carta de Luis Ramírez a su padre desde el Brasil (1528): Orígenes de lo ‘real maravilloso’
en el Cono Sur, p.16.
286
Cf. SUSNIK, B., El indio colonial del Paraguay: o Guarani colonial. Tomo I.
287
Ibidem.
288
SUSNIK, B., El indio colonial del Paraguay: o Guarani colonial. Tomo I, p. 11.
83
sendo também guerreiros, os respeitavam, no entanto, não os temiam, lhe dando suporte
humano para a guerra, alimentos para subsistência e sítios para descanso. Estes eram os
Chané-Guaná. Genericamente formados por um conjunto de povos que em suas
especificidades sociopolíticas estabeleciam diferentes alianças com os diferentes grupos de
Guaicuru. Especialmente alianças matrimoniais, respeitando a construção hierárquica de cada
grupo. Ambos os grupos apenas estabeleciam parentesco com grupos que eles considerassem
que estivesse a altura de sua estirpe289.
Os especialistas na guerra, chamados de Guaicuru, também estavam espalhados por
terras das índias e eram inimigos de todas as nações, principalmente dos Guarani, pois, tudo o
que faziam era com traição. Neste sentido, a ideia que a documentação nos traz dos Guaicuru
e a que estamos conjecturando dos Guarani, nos levam a perceber semelhanças,
principalmente se estes últimos estabeleceram algum tipo de parentesco com algum dos povos
do entorno.
O que não seria impossível, pois, conforme Lafone Quevedo, o termo “Cheaná
signifique – mi pariente – en guarani”290, poderíamos aventar a possibilidade de haver
casamento interétnico entre indivíduos desses dois grupos e ações de reciprocidade. Isso não
significa que houvesse a guaranização de um e a chaneização 291 de outro, semelhante à ideia
de aculturação, onde um impõe sua cultura ao outro292. Lafone Quevedo argumenta que as
semelhanças percebidas por Luis Ramírez entre os “Caracaráes, Chanáses, Mbeguás, Chaná-
Timbúes” lhe levam a deduzir que “podían ser tribus emparentadas”293, não significando ser
um mesmo grupo disperso.
O cronista Luis Ramírez, ao falar da dispersão desses Guarani (guerreiros), frisou que
estes assenhoreavam estas índias. Assenhorear, nos da à ideia de domínio, portanto, eles
dominavam estas índias. Mas, não podemos pensar que estas índias seja a mesma
representação visual do espaço que se constituiu quando Irala e Cabeza de Vaca começaram a
explorar alguns anos mais tarde as mesmas terras. Os agentes ibéricos naquele momento, por

289
Cf. SANTOS. L. G., Cerâmica Kinikinau: a arte de um povo tido como extinto.
290
LAFONE QUEVEDO. S. A., Los indios Chanases y su lengua, p.116.
291
COMBÈS, I.; Villar, D., Os mestiços mais puros: representações chiriguano e chané da mestiçagem, p. 46.
292
Cf. SHADEN, E., Aculturação indígena: ensaio sobre fatores e tendências da mudança cultural de tribos
índias em contato com o mundo dos brancos.
293
LAFONE QUEVEDO. S. A., Los indios Chanases y su lengua, p. 130.
84
mais que estivessem subsidiados por informações de náufragos, ainda não possuíam a
dimensão do território. Neste caso, quando ele diz, estas índias, esta sendo circunspecto ao
território que estão, ou seja, entre certa altura do rio Uruguai e certa altura do rio Paraná e
Paraguai. A ilha de Santa Catarina e adjacências, por exemplo, seriam outras Indias.
A concepção de que esse Guarani era o senhor dessas terras, estava ligada à forma
como o narrador (cronista) percebia o contexto em que estava envolvido, como ele operava
mentalmente as informações recebidas e, por fim, como ele traduziu essas informações para
terceiros. A título de exemplo, num contexto histórico que se desenvolveu um pouco mais
tarde, esse Guarani, senhor do território, desaparece, vira fumaça, e o Guarani que se faz
presente, é refém de seus vizinhos interétnicos, esta acuado.
Conforme Schmídel e Cabeza de Vaca, esses Guarani eram os de Assunção. Essa é a
impressão que temos ao ler sobre o constante assédio militar que os Payagua e outros povos
chaquenhos praticavam contra os mesmos294. Em determinado momento, Cabeza de Vaca nos
fala que aproximadamente dez mil Guarani acompanhados de centenas de espanhóis a cavalo,
tremiam de medo diante do iminente ataque que iriam desfechar contra três mil Guaicuru, que
estavam sendo pegos de surpresa em seus toldos, logo ao amanhecer 295.
Portanto, o índio Guarani que, em dado momento histórico, ataca, conquista,
aterroriza, escraviza e guaraniza outros, num segundo momento esta acuado e temeroso diante
de um inimigo que ele considera mais forte. A final, de que guarani estamos falando? 296 Neste
caso, o primeiro é o Chandule, o segundo trata-se do Caryó de Assunção. O tempo que os
separa é de poucos anos e o espaço é de algumas poucas milhas. Neste aspecto, a impressão
que temos ao observarmos o exemplo desses dois povos e de outros tantos considerados
Guarani é que estamos diante de grupos distintos. No caso desses dois grupos que estamos
evidenciando, se realmente são grupos distintos, o que fez com que o segundo grupo viesse a
se tornar Guarani? Provavelmente por uma ideia pré-concebida de que os mesmos
apresentassem “un perfil cultural y homogéneo bastante similar” 297
, pela questão da língua

294
Cf. SUSNIK, B., Las Características Etno-Socio-Culturales de los Aborígenes Del Paraguay en el Siglo XVI.
295
CABEZA DE VACA. Á. N., Naufragios e Comentarios, p. 217.
296
Lembramos que conforme acentuamos no início desde capítulo, estamos trabalhando por meio da História
Cultural, na qual está presente a ideia de representação. Neste sentido, aqui nesta passagem se evidenciam os
objetos que estamos analisando. Conforme Darío Arce Asenjo “a través de las descripciones escritas como de la
iconografía, el indio es antes que cualquier otra expresión y/o percepción, una imagen”, p. 27.
297
MELIÀ, B., El pueblo guaraní: unidad y fragmentos, p. 152.
85
geral ou por uma questão de política espanhola.
Em nosso entendimento todos os elementos foram importantes, mas preponderou a
questão da língua falada como elo que uniu diferentes unidades, sendo permeado por uma
política de agrupar grupos distintos sob um mesmo gentílico. As reduções de Guarani e de
Chiquito, organizadas subsequentemente décadas mais tarde, são reflexos desta ideia. Ambos
os conjuntos reducionais foram formados por povos de matizes culturais e linguísticas
diversos, mas, categorizados como se fosse um único povo298, numa situação que escondia
sua heterogeneidade299.
As reduções de Guarani começaram a ser organizadas logo após a criação da
Província Jesuítica do Paraguai300, por volta de 1609. Foram espaços estabelecidos com
grupos indígenas provenientes de diferentes povos, mas, que tinham na língua guarani seu
principal idioma e nos Guarani seu principal elemento humano. Na avaliação de Maria
Cristina dos Santos e Jean Tiago Baptista301, na “historiografia consolidou-se a imagem das
reduções paraguaias como um espaço absolutamente de população Guarani”, que havia sido
instaurado durante o processo reducional, quando “os próprios missionários assim se referem
a elas: Pueblos de Guaranies”.
A documentação que trata das reduções de índios Guarani não é clara a respeito da
diversidade de povos e línguas faladas no interior das mesmas, diferentemente das reduções
de índios Chiquito. Nessas, que começaram a serem organizadas por volta de 1690, portanto,
quase um século mais tarde, os jesuítas foram mais objetivos ao descrever as diferenças
linguísticas e culturais entre os povos que foram reduzidos sob o gentílico Chiquito, e a
maneira como eles procuraram diluir essas diferenças.
O jesuíta Juan Patrício Fernandez302 escreveu que “estas nuestras Reducciones de
Chiquitos, ay neófitos de tres, y cuatro lenguas. Con todo esto, para quitar este impedimento a

298
Cf. FREITAS DA SILVA, A. L., Reduções Jesuítico-Guarani: espaço de diversidade étnica.
299
CF. WILDE, G., Territorio y Etnogénesis Misional en el Paraguay del siglo XVIII.
300
Cf. FREITAS DA SILVA (2013, p.69), “A partir de 1625 o território da Província Jesuítica do Paraguai
estava formado pelas terras das governações civis de Tucumã, Paraguai, Buenos Aires e parte da governação
civil de Santa Cruz da Serra”.
301
SANTOS, M. C.; BAPTISTA, J. T., Reduções Jesuíticas e povoados de índios: controvérsias sobre a
população indígena (século XVII-XVIII), p. 241.
302
FERNANDEZ, J. P., Relación historial de las Misiones de los Indios, que llaman Chiquitos, que están a
cargo de los padres de la Compañía de Jesús de la Provincia del Paraguay, p. 45.
86
la Santa Sé, se ha procurado, que todos los indios aprendan la lengua de los Chiquitos”. O
jesuíta complementa que se não fosse possível agir desta maneira, teria que existir uma
redução para cada povo de língua distinta. O que tonaria quase impossível a ação missionária.
Ainda sobre as reduções de Chiquitos, o jesuíta Sanchez Labrador comentou que no
interior dos dez espaços reducionais havia os Chiquito, propriamente ditos, com seu idioma
próprio e os Quibiquicas, Paiconecas, Burecas, Itatines, Carrucanecas, Batasicas,
Vejiponecas. Quidabonecas, Tapiquias, Ugarones, Morotocos, Tomdenos, Panonos, Tieques,
Cucurates, Zeriventes, Onorebates, Caypotorades, Zamucos, Paunacas, Quitemos, Napecas,
Paicomecas, Pisocas, Guarayos, Parisicas, Tapuricas, Ugarones, Tunachos, Imonos,
Zarabeca, Curuminacas, Ecorabecas, Otuques, Cucutades, Zatienos, Coraberas, Guaycurúes
e Guanás303.
Conforme podemos observar, as reduções de Chiquito eram formadas por um número
bastante amplo de diferentes povos e línguas. Essas reduções tinham, entre outros objetivos, a
intenção de reduzir a pluralidade sociocultural e linguística a uma singularidade sociocultural
e linguística, nomeada de Chiquito.
A fala do padre jesuíta Cipriano Barace, na sequência, em uma carta escrita em 1680,
indiretamente reforça a assertiva de que havia uma política ibérica que procurava aglutinar
diferentes povos e culturas sob um mesmo gentílico. Ou seja, aumentar o capital demográfico
de um determinado povo em nome de uma melhor organização social e espacial.
Ao questionar a proposta de outro religioso de criar uma missão de índios Mojo, num
local de diversidade humana e linguística, onde os Mojo formavam um pequeno grupo,
Barace argumentou que “el hermano Castillo, que quiere a toda costa hacer esta misión, hace
pasar por mojos a otros indios: unos pueblos de distinta lengua, que están 13 días de camino
por un río arriba, también los quiere bautizar por moxos para amplificar esta empresa”304.
Na sequencia da narrativa, encontramos Luis Ramírez zarpando do forte Espírito
Santo no dia 23 de dezembro de 1527 em direção ao norte. A expedição que partia era
liderada por Caboto e buscava contatar povos que possuíam metais preciosos. Alguns dias
mais tarde aportaram no início de janeiro em uma ilha habitada por Timbú. Esses Timbú,

303
LABRADOR, J. S., El Paraguay Católico, Tomo I, p. 5/9.
304
BARACE, C., Carta del Padre Cipriano de Barace al Provincial sobre la conversión de los infieles. Santa
Cruz de la Sierra, 10 de septiembre de 1680.
87
liderados por dois caciques, em local anterior haviam realizado um comércio de trocas com os
espanhóis que lhes foi pouco vantajoso. Insatisfeitos, voltaram para suas casas, proferindo,
conforme Ramírez, algumas ameaças e tentando flechar os índios lenguaraces que
acompanhavam a expedição. Temendo que esses indígenas atacassem o forte Espírito Santo
que ficava mais abaixo do rio, Caboto os atacou logo ao amanhecer. “(…) matamos muchos
delos y otros se prendieron y les tomamos todo el millo que en la casa tenían é cargamos el
bergantín y quemámosles las casas”305. Os nativos capturados, na condição de escravos foram
enviados ao forte Espírito Santo306.
Sobre esses indígenas, o autor nos fala que “las mujeres destos Timbús tienen por
costumbre de cada vez que se les muere algún hijo ó pariente cercano se cortan una coyuntura
de un dedo307”. Essa pauta cultural dos Timbú é interessante porque ela é percebida em outros
atores sociais do contexto. A mulher Charrua da mesma forma que a Yaró, tinha o costume de
cortar as juntas dos dedos quando morria algum parente308. Mesmo sendo um olhar do
presente lançado ao passado, acreditamos que uma pauta cultural desta natureza, não nos
parece ser algo que os povos optassem por imitar de outro grupo com facilidade. Isso nos leva
a crer que Timbú, Charrua e Yaró pudessem compor um mesmo povo. Eram canoeiros,
pescadores, caçadores, coletores e, além dos campos, habitavam as ilhas. Diferentemente dos
Guarani, eles habitavam uma grande extensão de um espaço geográfico contínuo, muito
semelhante no clima, no relevo e na cobertura vegetal.
Seguindo a narrativa, içaram âncora novamente e navegaram em direção ao norte,
passando, conforme Ramírez, por uma infinidade de ilhas, provavelmente todas desabitadas,
pois, o autor comenta que no trajeto até a foz do rio Paraguai com o rio Paraná encontraram
somente um povo identificado como Mepene. Várias léguas após o encontro dos dois rios,
navegando no Paraná acima, Caboto ancorou em um local que eles batizaram de Santana309.
Nesse local havia uma aldeia sob a liderança de um cacique chamado Yaguarón. “(…) nos

305
RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528, p. 29.
Cf. RAMÍREZ, L., Carta de ... a su padre desde el Brasil (1528): Orígenes de lo ‘real maravilloso’ en el
306

Cono Sur, p. 33.


307
Ibidem, p. 451.
308
Cf. TECHO, N., Historia de la Provincia del Paraguay de la Compañía de Jesús. Tomo III.
Cf. RAMÍREZ, L., Carta de ... a su padre desde el Brasil (1528): Orígenes de lo ‘real maravilloso’ en el
309

Cono Sur, p. 35.


88
trajeron mucho bastimento, así de abatí, calabazas, como raíces de mandioca, patatas y panes
hechos de harina de las dichas raíces de mandioca muy buenos”310.
De acordo com Felix de Azara, o local chamado de Santana era a “la isla de Apipé,
que tiene treinta leguas de largo […] se formó después el actual pueblo de Ytati […]”311. Para
Rodolfo Shuller, citando Pedro Lozano, este local era chamado na língua da terra de Appupén.
Segundo este autor, Appupen e Apipe não são vozes na língua guarani. Para comprovar sua
hipótese, o autor identifica um número considerável de topônimos e nomes de caciques, estes
últimos na Relação de Garay, que terminam em pen, significando que são vozes de povos
pampianos e chaquenhos312.
Em sua narrativa, Luis Ramírez comenta que seis léguas acima do local onde estavam,
havia outra aldeia da mesma geração do cacique Yaguarón, que estavam em constante
conflito. Ambos os povos são identificados como Chandule e usavam adereços de ouro e
prata. Conforme o autor313, para conseguir tal material os Chandule se deslocavam a outra
aldeia, também de Chandule, que ficava sessenta ou setenta léguas da foz do rio Paraguai,
acima, local onde realizavam comércio. Ramírez observa que “estos indios comen carne
humana y son parientes é de la misma generación de los questán en la fortaleza de Santis
spiritus con nosotros”.
Na passagem que citamos mais acima, quando Luis Ramírez comenta dos guarini ou
chandis que estavam com eles no forte às margens do rio São Salvador, observamos que o
referio cronista não havia descrito com maior propriedade a organização econômica e as casas
daqueles indígenas, conforme ele havia feito em descrições anteriores. No caso atual, sobre
esses Chandule de Santana, ele também não realiza uma descrição mais pormenorizada, no
entanto, ao longo de sua narrativa podemos perceber que se tratava de grandes aldeias muito
bem organizadas e com grande fartura de alimentos. “(…) llegábamos a las caserías las cuales

310
RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528, p. 32.
311
AZARA, F., Geografía Física y Esférica de las Provincias del Paraguay y Misiones Guaraníes, p. 5.
312
SCHULLER, R. R., (prologo). Geografía Física y Esférica de las Provincias del Paraguay y Misiones
Guaraníes, p. 91.
313
RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528, p. 29.
89
eran de un indio principal que se llamaba Yaguaron capitán ques de todas estas caserías que
en esta comarca.(…)314”.
Além de Yaguaron “los otros mayorales de la tierra nos trajeron mucho bastimento así
de abatí calabazas como raíces de mandioca e patatas e panes hechos de harina de las raíces
de mandioca muy Buenos”315. O cronista nos induz a pensar que além de existirem muitas
casas, as chácaras eram amplas, pois alimentaram por muitos dias um número considerável de
espanhóis famintos, além dos próprios indígenas e abasteceram as embarcações de Caboto
para retorno ao forte Espírito Santo316.
Durante sua estadia junto a esse povo nativo, Sebastião Caboto aumentou seu interesse
pela terra devido ao fato desses Chandule estarem enfeitados com “muchas orejeras y
planchas de muy buen oro y plata”317. Para Branislava Susnik, esses índios das ilhas são os
mesmos Chandule do delta do Paraná, povo que ela interpretou como estando sob a influência
do cacique Yaguaron. Segundo a autora, com a divisão dos 14 cacicados que compunham
essa população por Garay, por ocasião da fundação da segunda Buenos Aires, “los Chandules
desaparecieron como un grupo étnico”318. No entanto, ao analisarmos o repartimiento de los
indios319 organizado por Juan de Garay de 1580, identificamos os 14 cacicados, mas não é
possível identificarmos em 12 deles, quais seriam os Guarani repartidos e onde estariam
localizados, pois, apenas os primeiros dois cacicados da relação de Garay identificam dois
caciques e suas parcialidades320 como Guarani das ilhas.
Seguindo as informações do cronista Luis Ramírez, Caboto, zarpou da aldeia do
cacique Yaguaron no dia 28 de março de 1528, retornando ao rio Paraguai para subir o
mesmo até umas casas de índios que também seriam Chandule. Conforme informações do
lengua Francisco del Puerto que havia contatado os mesmos a pedido de Caboto, esses

314
RAMÍREZ, L., Carta de ... a su padre desde el Brasil (1528): Orígenes de lo ‘real maravilloso’ en el Cono
Sur, p. 35.
315
Ibidem.
Cf. RAMÍREZ, L., Carta de ... a su padre desde el Brasil (1528): Orígenes de lo ‘real maravilloso’ en el
316

Cono Sur, p. 35.


317
Ibidem, p. 35.
318
SUSNIK, B., Las Características Etno-Socio-Culturales de los Aborígenes Del Paraguay en el Siglo XVI, p.
84.
319
Cf. GARAY, J. Fundación de la ciudad de Buenos Aires por Juan de Garay.
320
O termo parcialidade presente em determinados documentos coloniais se refere a parentes ou de maneira
geral aos seguidores de determinada liderança indígena.
90
nativos tinham comércio constante com aqueles que viviam próximos a serra. “Francisco,
lengua, se informó que tenían mucho metal porque según los Yndios le decían de las dichas
caserías iban mujeres y niños hasta la dicha sierra é traían el dicho metal”321.
É plausível serem as mulheres a realizarem tal comércio pelo fato de serem elas que
estabeleciam as alianças com grupos de um mesmo povo ou de povos estranhos, ao se
casarem com indivíduos masculinos procedentes de outros segmentos sociais, políticos e
culturais. Portanto, em um contexto sociocultural belicoso, mas fora de um período de
conflito, elas seriam o gênero correto para realizar comércio, pois, em teoria não ofereceriam
risco aos seus interlocutores e na ética nativa, poderiam se deslocar livremente para
comerciar.
Nesta passagem também devemos reter outra questão. A serra que elas realizavam
comércio não era as serras a oeste onde viveria o rei branco. É muito difícil crermos que elas
atravessassem o Chaco para tal feito. Se considerarmos o fato que esses Chandule estavam
próximos ou algumas léguas acima do atual rio Vermelho (Bermejo), ou “rio hepetin que en
el lenguaje de los yndios quiere decir rio barriento”322, as regiões altas que elas se dirigiam
não deveria ser muito distante. Neste caso, distante também seriam as serras que definidas
atualmente como serra de Amambaí e Maracaju. Portanto, o provável é que seja alguma
serraria nas imediações. Essa faixa de território seria as índias que estes guaranis
assenhoreavam, conforme observou Luiz Ramírez323.
Navegando o rio Paraná abaixo até a foz com o rio Paraguai. Ramírez enumerou que
subindo o rio Paraná do forte Espírito Santo até ao Porto de Santana, habitavam os Mecoretai,
Camarae e Mepene e, subindo algumas léguas o rio Paraguai a partir de sua foz com o Paraná,
estavam os Ingatu, Beaye, Conamegoal, Berese, Tendeae e Hogae. Sendo todos habitantes das
margens, sem contar os “de la tierra adentro que es cosa innumerable son de diversos
lenguajes no siembran estos ni los de Paraná su mantenimiento es carne y pescado y lo más
natural es pescado porque ay tanto en el rio y pescanlo ques una cosa no crehedera”324.

321
RAMÍREZ, L., Carta de Luis Ramírez, do Rio da Prata a 10 de julho de 1528, p. 33.
322
RAMÍREZ, L., Carta de ... a su padre desde el Brasil (1528): Orígenes de lo ‘real maravilloso’ en el Cono
Sur, p. 36.
323
Ibidem, p. 27.
324
RAMÍREZ, L., Carta de ... a su padre desde el Brasil (1528): Orígenes de lo ‘real maravilloso’ en el Cono
Sur, p. 36.
91
Abrimos um pequeno parêntese para comentar o final desta passagem. A mesma é
interessante porque nos remete ao que discutimos no início do capítulo. Ou seja, sobre as
sutilezas na escrita para cativar os leitores, pois, antes de chegarem na aldeia do cacique
Yaguaron, Ramírez narrava a terrível fome que eles e seus companheiros passaram em suas
embarcações enquanto subiam o rio Paraná. Situação que os levou a se comportarem “como
lobos hambrientos”, pois, entravam nas matas em busca de qualquer coisa que os pudesse
alimentar. Quando nada encontravam “si topábamos que alguno había hallado alguna dar tras
el tuero y a trozos llevarlo a la galera y picarlo poco a poco con un cuchillo grande o con un
hacha muy menudo y comerlo que de aserraduras de tablas a ello había poca diferencia”325.
A dificuldade em encontrar alimentos, da fase inicial, se transformou na fartura de
peixes que o rio oferecia. Tal era esta fartura que a principal atividade de subsistência dos
indígenas, conforme o autor, era a pesca. Acreditamos que com certeza não faltavam anzóis
aos espanhóis para pescar, pelo fato desses serem objetos de troca junto aos nativos 326. O que
parece contradição na escrita, nada mais é do que a intenção do autor em realçar alguns
aspectos da experiencia vivida. Neste sentido, comer os talos de plantas exóticas para sanar a
fome, estar diante de homens com pernas semelhantes às de avestruz ou viver junto a
canibais, era uma artimanha utilizada pelo cronista para cativar e envolver o leitor na sua
narrativa. Desta maneira, quando o cronista observa que os Chandule do cacique Yaguaron
comiam carne humana, ele esta apenas incrementando sua escrita, pois, não da maior
relevância ao tema, como se não houvesse o que evidenciar. Neste caso, acreditamos que ele
simplesmente reproduziu uma voz comum.
Ao comentar que estes nativos do cacique Yaguaron “son parientes é de la misma
generación de los questán en la fortaleza de Santispritus”, da mesma geração dos que estavam
no forte do rio São Salvador e também da mesma geração daqueles assentados próximos ao
rio Bermejo, ele fortalece a ideia da presença destes indivíduos em diferentes locais, mas
deixa dúvidas na forma de assentamento em São Salvador e no Espírito Santo, pois ele não
nos dá maiores detalhes desses locais. Desta forma, assim como já observamos anteriormente,
ao não ser muito específico na descrição desses Chandule, Ramírez nos permite manter a

325
Ibidem, p. 34.
326
Cf. MEDINA, J. T., El Veneciano Sebastián Caboto al servicio de España y especialmente de su proyectado
viaje a las Molucas por el Estrecho de Magallanes y al reconocimiento de la costa del Continente hasta la
gobernación de Pedrarias Dávila, p. 438.
92
interpretação de que estes não habitavam aqueles locais de forma permanente, assim como era
a aldeia do cacique Yaguaron. Não narrar ou descrever minimamente como fez com os
Chandule de outros espaços ou mesmo com outros grupos humanos, provavelmente é sinal de
que naquele momento não havia nada para ele perceber e descrever.
Em nosso entendimento, a carta escrita por Luis Ramírez em algum porto do rio da
Prata e, enviada para seu pai no ano de 1528, possuí um caráter simbólico por ser o primeiro
documento que faz uma referência aos Guarani327; por analogia a carta de Pero Vaz de
Caminha, ser a “certidão de nascimento” das terras banhadas pelo rio da Prata e,
principalmente, por ser a gênese das narrativas que trazem implícita a ideia de guaranização,
que é foco de nossas analises.
Algumas de suas observações tornaram-se premissas históricas que ajudaram a
conceituar o Guarani. “[…] andan derramados por esta tierra y por otras muchas […] á
causa de ser enemigos de todas (naciones) éstos señorean gran parte de esta India y confinan
con los que habitan en la sierra328. Os três tópicos em destaque, entre outros, figuram em
estudos posteriores, somando-se a outros olhares, para caracterizar a ideia de ampla dispersão
espacial, de estarem constantemente em movimento, se impondo a outros povos pela via
guerreira, conquistando e assenhoreando. Ou seja, em outras palavras, impondo sua cultura e
guaranizando.

2.3 O Guarani em Diego García de Moguer: relatório de viagem

Sob as ordens de Carlos V, rei da Espanha, Diego Garcia partiu do porto de La Coruña
no dia 15 de janeiro de 1526 rumo à região banhada pelo rio da Prata e seus afluentes maiores
com a finalidade de tomar posse das novas terras, explorá-las e resgatar alguns náufragos.
Mas, a viagem de García teve tantos imprevistos que ele ancorou apenas em janeiro de 1527
no porto de São Vicente, onde permaneceu por um ano junto a uns portugueses que ali

327
Cf. MELIÀ, B.; SAUL, M. V.; MURARO, V. F., O Guarani: uma bibliografia etnológica, p. 21.
328
RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528, p. 27.
93
viviam329. Conforme vimos anteriormente, o veneziano Sebastião Caboto em viagem as
Molucas, que havia partido quatro meses mais tarde, lhe antecedeu na missão ao aportar na
ilha de Santa Catarina em outubro de 1526.
Ao ter participado das expedições de Juan Dias de Solís e Fernão de Magalhães 330,
García conhecia a terra e dela havia levado amostras de prata e ouro a corte espanhola 331. Por
sentir-se no direito de ter primazia sobre a exploração da terra, solicitou ao rei à conquista e
exploração por um período de oito anos, para ele e os armadores que o financiavam. Da
mesma forma que Ramírez, García entra para a história ao trazer as primeiras informações
sobre parte dos povos nativos que habitavam as margens dos principais rios que formam a
Bacia Hidrográfica do Rio da Prata. Esses dados estão contidos na relação que fez ao rei
Carlos V, no seu retorno a Espanha.
Conforme Toríbio Medina332, este navegador não sabia escrever, portanto, este
documento que acessamos não é um escrito produzido pela própria mão do cronista; (um
diário, uma carta ou algo do gênero), ele foi produzido a partir de um relato oral a oficiais
reais da Casa de Contratação de Sevilha. Portanto, é um documento administrativo333. Neste
sentido, tem um caráter mais formal em comparação às crônicas de outros viajantes, no
entanto, isso não o eximiu do pitoresco. Ou seja, é um testemunho que narra acontecimentos
de viagem a terras ainda desconhecidas sob o espírito literário do século XVI, não se furtando,
portanto, quando necessário, de incorporar a sua narrativa, coisas difíceis de acreditar, talvez,
justamente por sua viagem não ter tido êxito esperado.
Pelo fato do atraso para chegar às terras do rio da Prata, ele se defrontou com a
esquadra de Sebastião Caboto e com a imposição desse capitão. Por ter uma esquadra inferior
em recursos materiais e humanos, ele praticamente se sujeitou a autoridade do outro.
Perdendo tempo no deslocamento e homens no conflito com nativos, praticamente abandonou

329
GARCÍA DE MOGUER, D., Memoria de la navegación que hice este viaje en la parte del mar océano desde
que Salí de Ciudad de la Coruña, que allí me fue entregada la armada por los oficiales de S. M. que fue en al
año de 1526, p. 237.
330
Cf. MEDINA, J. T., Los viajes de Diego García de Moguer al Rio de la Plata.
331
Cf. Memorial de Diego García de Moguer em que o mesmo se oferece a ir descobrir o mar do Sul, passando
pelo Estreito de Magalhães.
332
MEDINA, J. T., Los viajes de Diego García de Moguer al Rio de la Plata, p. 71.
333
GARCÍA DE MOGUER, D., Memoria de la navegación que hice este viaje en la parte del mar océano desde
que Salí de Ciudad de la Coruña, que allí me fue entregada la armada por los oficiales de S. M. que fue en al
año de 1526.
94
sua empreitada. Desta forma, ao retornar a Espanha teve que prestar contas ao Conde D.
Fernando de Andrade, Cristoval de Haro “y otros comerciantes de Sevilla [que] habían
celebrado con el Rey Católico”334.
Sendo um documento da administração espanhola da época, aqueles que escreveriam
sobre os feitos castelhanos no século XVI, o tiveram em mãos. Tal como o cronista maior das
índias, Antonio Herrera, que o citou na composição de suas histórias 335 entre o final do século
XV e início do século XVI. Este documento pertence ao Arquivo das Índias, tendo sido
acessado e transcrito pelo historiador brasileiro, Francisco Adolfo Varnhagen em meados do
século XIX336. Além da transcrição de Varnhagen, estamos utilizando de outra transcrição
impressa que foi elaborada pelo historiador José Toribio Medina. Conforme Bartomeu Melià,
na “etnologia da conquista”337, a memória de Diego García esta entre os primeiros
documentos que trazem importantes informações sobre o Guarani colonial.
Em meados de fevereiro de 1528, Diego García ancorou no Porto dos Patos, próximo a
atual ilha de Florianópolis. Trazia por interprete um português que há mais de duas décadas
vivia na condição de degredado em São Vicente junto com seus irmãos. Nesse local ele
contatou com índios Carijó que habitavam as imediações. “Una buena generación que hacen
muy buena obra á los cristianos, e se llaman Carrioces”338. Essa foi uma peça que faltou em
Ramírez na sua passagem pelo local em período anterior, que encontramos em Garcia.
Os nativos que ali viviam se chamavam Carrioce (Carijó). Provavelmente a
identificação atribuída por Garcia, tenha sido fornecida pelo lengua que o acompanhava, que
falava a língua geral do litoral da colônia portuguesa. Conforme observamos anteriormente,
Caboto havia levado alguns Carijó desse local para lhe servirem de intérpretes em sua

334
ALVEAR. D., Relación geográfica e histórica de la Provincia de Misiones, p. 19.
335
HERRERA Y TORDESILLAS, A., Historia General de los hechos de los Castellanos en las Islas i Tierra
Firme del Mar Océano, p. 178.
336
Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Tomo XV, p. 5.
337
MELIÀ, B.; SAUL, M. V.; MURARO, V. F., O Guarani: uma bibliografia etnológica, p. 21.
338
GARCÍA DE MOGUER, D., Memoria de la navegación que hice este viaje en la parte del mar océano desde
que Salí de Ciudad de la Coruña, que allí me fue entregada la armada por los oficiales de S. M. que fue en al
año de 1526. p. 239.
95
navegação. Por meio de Diego García soubemos que os mesmos foram levados para a
Espanha, onde “tres de los los tiene el asistente de Sevilla”339.
O cronista nos relata que esse fato tornou delicada a relação dos locais com os
estrangeiros que ali aportavam para descansar e reabastecer, mas, pelo visto não
impossibilitou a relação estabelecida com García, pois, lhes deram “muchas vituallas, que se
llaman millo é fariña de mandioca, é muchas calabazas é muchos patos é otros muchos
mantenimientos”340 para que ele prosseguisse em seu itinerário. O cronista não comenta se
algum lengua local subiu a bordo para lhe acompanhar ao rio da Prata, no dia que zarpou
deste porto.
Após alguns dias navegando o litoral sul, ele margeou a banda norte do rio da Prata se
deslocando até a boca do rio Uruguai. “Allí luego me partí me bergantín armado por el rio
arriba porque hallamos rastro de cristianos, é andando por el rio arriba que se llama Ouriáy.
[…] Veinte é cinco leguas por este rio arriba halle dos naos de Sebastião Gaboto 341”. Em todo
o percurso o único grupo que vislumbrou na costa, ele identificou como sendo os Charrua,
nativos que “no comen carne humana [e] mantienense de pescado é caza342.
Ao se aproximar do porto, suas embarcações foram cercadas pela gente de Caboto que
vinha acompanhada por canoas de índios. Pensavam os mesmos que García fosse outro
navegador, um inimigo. De acordo com o que comentamos anteriormente, esse local onde
estava a gente de Caboto, era o forte São Salvador343, local de circulação de Yaró e Chaná,
entre os rios São Salvador e Rio Negro.
Ao considerarmos a fala do jesuíta Nicolas Mastrillo Duran, um século mais tarde,
toda a margem oriental do rio Uruguai, até a redução de Yapeyú, ou mais exatamente até o rio
Ibicuí, era habitada por índios não guarani, pois, desta redução começava “propiamente rio

339
GARCÍA DE MOGUER, D., Memoria de la navegación que hice este viaje en la parte del mar océano desde
que Salí de Ciudad de la Coruña, que allí me fue entregada la armada por los oficiales de S. M. que fue en al
año de 1526. p. 240.
340
Ibidem.
341
Ibidem.
342
Ibidem.
343
Cf. MEDINA, J. T., Los viajes de Diego García de Moguer al Rio de la Plata, p.116.
96
arriba la nación de los indios del Uruguay [que aunque], sus tierras corren con el rio [asta el
de la plata] pero están habitadas de los indios Charrúas, Yaros, i otras naciones”344.
Obsevamos que o espaço onde se encontrava o forte São Salvador e as terras que se
estendiam tanto para o norte, quanto para o sul, eram habitadas por povos não guarani. Neste
sentido, entendemos que não houve um vazio demográfico Guarani em função da colonização
espanhola, permitindo que outros grupos humanos viessem a ocupá-lo, assim como sugerem
alguns estudos.

La presencia europea desequilibró la balanza en detrimento de los Guaraní,


con la introducción de vectores infecto-contagiosos entonces desconocidos
[...] Creo que esto es la clave para comprensión de la modificación de la
territorialidad, pues el colapso liberó espacios para que los Charrúas y otros
grupos volviesen a las tierras que los Guaraní les habían quitado pocos siglos
antes345.

Ao contatar com os tripulantes de Caboto, Diego García soube que os mesmos


aguardavam naquele local porque as embarcações em que estavam eram grandes demais para
singrar o rio Paraná, itinerário que Caboto estava fazendo. Diego García, comenta que leu
“una carta (de Caboto) en la cual avisaba cómo había muerto más de cuatrocientos indios, é
que iba con gran vitoria por el río arriba haciendo guerra á los índios”346. Ramírez não havia
comentado sobre este genocídio, mas, é provável que a aldeia destruída seja os casarios dos
Timbú, que eles atacaram em certo amanhecer, matando muitos, queimando as casas e
escravizando outros.
Após o encontro com a gente de Caboto, Garcia partiu rumo ao forte Espírito Santo
com a pretensão de encontrá-lo. Conforme o cronista, ao chegar neste forte foi possível ver
casas de índios que “tenían cabe la fortaleza sus casas é al derredor en algunas islas, que se
llamaba esta generación Guareníes, é éstos mantenían á los cristianos de la fortaleza”347.
Com esta passagem, voltamos a discutir algumas questões anteriores. Principalmente
sobre a forma como estavam assentados os Chandule ou Guarani no forte Espírito Santo.

344
DURAN, N., Décima segunda carta ânua escrita no ano de 1628, p. 367.
345
NOELLI, F. S., La distribución geográfica de las evidencias arqueológicas Guarani, p. 32-33.
346
Ibidem, p. 10.
347
GARCÍA DE MOGUER, D., Memoria de la navegación que hice este viaje en la parte del mar océano desde
que Salí de Ciudad de la Coruña, que allí me fue entregada la armada por los oficiales de S. M. que fue en al
año de 1526, p. 243.
97
Anteriormente, pela descrição de Ramírez, observamos que a presença desses indígenas no
local provavelmente não caracterizava uma aldeia de horticultores pelo fato do autor não
mencionar as casas e a produção das chácaras, assim como ele havia se referido em sítios de
outros povos. É como se nada houvesse para relatar. No entanto, Diego García nos traz alguns
elementos que faltaram em Ramírez. “Estos comen carne humana. Como arriba digo; tienen é
matan mucho pescado é abatíes, é siembran é cogen abatís é calabazas”348.
São dados importantes e que faltaram em Ramírez, mas não alteram nossa percepção
de que esses guerreiros estavam assentados naquele local devido a fatores que não tem a ver
com expansão por meio da guerra de conquista ou outra forma guaranizante, assim como é
observado em alguns trabalhos. Baseados em Branislava Susnik, esses estudos asseveram que
“el proceso de ocupación Guaraní tuvo lugar por medio de una auténtica guerra de conquista,
que no respetó a las poblaciones (...)” incorporando no sociopolítico “gente no-Guaraní,
aparentemente integrada como esclava, raramente aliada”349. Acreditamos que a possível
presença Guarani nesses espaços não se deva a expansão belicosa. De acordo com as
narrativas, a presença dos mesmos é muito mais em função da presença espanhola que lhes
servem de aliados, do que em uma situação de conquista.
Somos levados a manter a dúvida que enfatizamos anteriormente. Por que Luis
Ramírez não descreveu esse povo que ali habitava? Um grupo local considerado essencial
para a permanência dos espanhóis, visto que em todo o local que ele se deteve, quando havia
certa organização sociocultural, ele a descreveu. Neste caso, é possível que esses Guarani na
condição de amigos dos espanhóis, começaram a assentar-se em maior número no local, após
o fato de os espanhóis terem iniciado um processo de represálias contra grupos locais que lhes
eram hostis. Algo semelhante ao ocorrido com os Carijó assentados na ilha de Santa Catarina,
que começaram a aumentar com a presença da expedição de Caboto, conforme observado
pelo próprio Ramírez em citação anterior.
Branislava Susnik, comentando sobre os Chandule, avalia que com seu dinamismo
expansivo eles haviam penetrado ao sul da confluência dos rios Paraná e Paraguai, mas por
serem pequenos grupos nunca puderam se fixar nas terras ribeirinhas, devido a belicosidade
dos caçadores nômades “aceptando una convivencia periférica interétnica dentro do

348
Ibidem, p. 245.
349
NOELLI, F. S., La distribución geográfica de las evidencias arqueológicas Guarani, p. 20.
98
conglomerado litoral-paranaense”350. Concordamos com Susnik sobre a possibilidade de
relação interétnica, mas discordamos com a possibilidade desses pequenos grupos, conforme
ela observa, terem avançado pela via guerreira. Ainda nos parece muito estranho, esses
Guarani, em pequenas aldeias, estarem inseridos num local onde há uma diversidade de povos
distintos, também extremamente belicosos que o próprio Ramírez apontou como inimigos dos
mesmos.
Talvez possamos incluir outros elementos em nossas assertivas a partir de uma
passagem de Diego García, quando ele navegou rio acima buscando encontrar Caboto. Ao sair
do forte Espírito Santo, ele descreveu um tecido social mais amplo:

La primera generación a la entrada del río a la banda del noreste se llama los
Charruasses, estos comen pescado y cosa de caza y no tienen otro
mantenimiento ninguno la habitan en las Islas. Otra generación que se llama
los Guaraníes, estos comen carne humana como arriba digo, tienen y matan
mucho pescado e abatir, y siembran y cogen abatir é calabazas. Ay otra
generación andando el río arriba que se laman los Janaes, y otros que se
llaman Janaes atembures; estos todos comen abatir y carne y pescado: y de
la otra parte del río esta otra generación que se llaman los carcaraes, y más
atrás esta otra generación muy grande que se llama los Carandies, y otros
más adelante ay que se llaman los Atambues. Todas estas generaciones son
amigos y están juntos hácense buena compañía, y estos comen abatir y carne
y pescado; e luego más adelante de la banda del norte ay otra generación que
se llama Mecotaes que comen pescado y carne; é hay otra más adelante, que
se llama Mepenes, que come carne é pescado é algún arroz é otras...E más
adelante hay otra generación que se llama Conameguaes: comen carne y
pescado; é otra generación que está cabe estos... ríos arriba del Paraguay,
que se llama los Agaces, y estos comen pescado y carne; y luego más
adelante está otra generación de Chandules, que comen abatí, carne y
pescado é vituallas que tienen todas estas generaciones no comen carne
humana, no hacen mal á los cristianos, (antes) son amigos suyos351.

O cronista identifica os povos e descreve-os brevemente em uma sequência que em


nosso entendimento respeita o seu itinerário percorrido, que vai desde chegada ao rio da Prata
até certa altura do rio Paraguai, algumas léguas após a foz com o rio Paraná. Nesta passagem
quatro pontos nos chamam atenção. O primeiro é que todos os povos descritos mantêm
relações amistosas, o segundo ponto é a presença dos Chandule somente no rio Paraguai,
acima de sua foz com o rio Paraná. O terceiro ponto é o que incluí este último nos povos que

350
SUSNIK, B., Las características etno-socio-culturales de los aborígenes del Paraguay en el siglo XVI, p. 84.
351
Ibidem, p. 13/4.
99
não comem carne humana e o quarto ponto, segundo esse cronista, é que os Charrua
habitavam as ilhas.
Não acreditamos que esses cronistas narrassem suas venturas de maneira
despretensiosa. Há sim, interesses em jogo, diferentes é claro, mas aponto de alterar a
percepção de determinados povos contatados em um mesmo contexto e em meses de
diferença, acreditamos que não. Vejamos a questão de Luis Ramírez. Ele escreveu a seu pai
contando, entre outras coisas, que havia Chandule ou Guarani junto ao forte São Salvador,
descrevendo parcialmente sua índole guerreira, seu caráter expansivo e sua aptidão para
comer carne humana. Identifica-os novamente no forte Espírito Santo e no alto Paraná, sendo
mais específico ao observar questões socioeconômicas sobre esses últimos.
Diego García, por sua vez, elabora sua relación aos oficiais da Casa de Contratação
identificando os nativos do forte de Espírito Santo e algumas ilhas ao redor, como sendo
Guarani. Descreveu alguns pormenores do grupo como se houvesse vivenciado algumas
situações cotidianas. No caso dos Chandule, que para Ramírez eram os mesmos Guarani, ele
somente identifica-os no alto Paraguai e os percebe como sendo uma população distinta dos
Guarani. Propriamente ele não faz alusão a esta situação, mas ao colocá-los entre os que não
comem carne humana, não reconhecer neles traços semelhantes aos do delta e atribuir
gentílicos diferentes entre um e outro, nos remete a esta conclusão. Outra questão é sua
observação quanto aos Charrua das ilhas. Normalmente a literatura colonial contemporânea
fala em Guarani das ilhas, atribuindo a eles esses espaços, mas a percepção do cronista é
outra.
A que se devem as distinções e a atribuição de semelhanças? O que um percebeu que o
outro não reconheceu? Será que tudo tem a ver com o fato dos informantes serem outros? E
por que não os compararam com os nativos dos arredores e da ilha de Santa Catarina com
quem tiveram longo contato. Assim como o próprio Ramírez o fez ao perceber semelhanças
entre aqueles e os Tupinambá.
As dúvidas permanecem em aberto sobre quem eram esses Chandule e Guarani,
porque os autores num mesmo contexto, num mesmo período, interagindo com os mesmos
povos os percebem não simplesmente em nuances diferentes, mas, etnicamente falando, como
distintos grupos. E, em nosso entendimento a diferença crucial que se manifesta entre os dois
grupos a partir desses dois relatos é a antropofagia. Num primeiro momento, para Ramírez, os

100
Chandule ou Guarani comem carne humana, num segundo momento, para Garcia, os Guarani
comem carne humana e os Chandule não.
Conforme já frisamos anteriormente, o ato de comer carne por parte do Guarani do
período colonial, talvez seja um falseamento histórico, pois, não há nenhum relato mais
consistente que justifique esta prática. Pero Hernández, ao escrever os Comentários em 1555
para contar apologeticamente a vida de Cabeza de Vaca no Paraguai352, narra um ritual
antropofágico dos Guarani ou Carijó de Assunção, mas, a narrativa se assemelha tanto a
descrição do ritual antropofágico elaborado por Luis Ramírez sobre os Tupinambá da costa do
Brasil, que parece uma cópia melhorada353.
Há outra questão sobre o ato de comer carne humana que podemos evidenciar, que
além de ser interessante para colorir a escrita com a presença de antropófagos ou canibais, a
menção de determinado povo possuir tal pauta cultural, justificava e possibilitava o uso da
força e a sujeição dos mesmos. Sobre essa questão, Lopes de Gomara comentou que,

libres dejaban a los indios al principio los Reyes Católicos, aunque los
soldados y pobladores se servían de ellos como de cautivos en las minas,
labranza, cargas y conquistas que la guerra lo llevaba. Mas el año de 1504 se
dieron por esclavos los caribes, por el pecado de sodomía y de idolatría y de
comer hombres, aunque no comprendía esta licencia y mandamiento a todos
los indios. Después que los caribes mataron los españoles en Cumaná y
asolaron dos monasterios que allí había, uno de franciscos y otro de
dominicos, según ya contamos, se hicieron muchos esclavos en todas partes
sin pena ni castigo, porque Tomás Ortiz, fraile dominico, y otros frailes de
su hábito y de San Francisco aconsejaron la servidumbre de los indios, y
para persuadir que no merecían libertad presentó cartas y testigos en Consejo
de Indias, siendo presidente fray García de Loaisa, confesor del emperador.
Fray García de Loaisa dio grandísimo crédito a fray Tomás Ortiz y a los
otros frailes de su orden; por lo cual el emperador, con acuerdo del Consejo
de Indias, declaró que fuesen esclavos, estando en Madrid, el año de 25354.

Essa questão é importante porque os nativos que fossem classificados como


antropófagos ou canibais, automaticamente perdiam o direito a liberdade e, conforme veremos
na sequencia do texto, em Caboto, esses Guarani dominavam a terra. Portanto, existe uma

352
Cf. MAURA, J. F., El gran burlador de América: Alvar Núñez Cabeza de Vaca.
353
CABEZA DE VACA. A. N., Naufragios y Comentarios, p. 640/41.
354
GÓMARA, F. L., Historia general de las Indias, p. 459/60.
101
coerência política na ótica da conquista em utilizar um subterfúgio para dominar aqueles que
“dominavam” as terras, chamando-os de comedores de carne humana.
Ao finalizarmos, conforme já foi dito mais acima, esta era a segunda passagem de
Diego García por essas terras. Ele teria vindo por volta de 1516 com Juan Diaz de Solís e
provavelmente deve ter testemunhado a morte do mesmo. Com isso queremos dizer que em
momento algum ele se refere à forma como Solís teria morrido. Ou seja, voltando a tema
anterior, é muito provável que Solís não tenha sido canibalizado pelos nativos locais. Pois, um
evento dessa magnitude, a morte de um famoso capitão pelas mãos de canibais, mesmo para a
época, seria facilmente lembrado. Seria uma forma de colorir a narrativa.
Percebemos ao analisarmos determinadas passagens nos escritos de Diego García,
que sua fala é um contraponto a fala de Ramírez no sentido da guaranização. Luis Ramírez
exalta a dispersão dos Guarani pela via guerreira e por consequência a conquista de territórios,
percebendo a presença dos mesmos, enquanto Guarani ou Chandule, em ilhas do rio Paraná,
rio Uruguai e no rio Paraguai. Por sua vez, Diego García elabora um retrato mais sucinto,
observando que os Guarani e Chandule não eram um mesmo povo. Os primeiros moravam em
ilhas do delta do rio Paraná, eram antropófagos e forneciam aos espanhóis, gêneros
alimentícios retirados de suas chácaras. Os Chandule, por sua vez, não eram antropófagos e
habitavam no alto do rio Paraná e um trecho do rio Paraguai. A fala de García não traz a ideia
de guaranização, pois a presença dos Guarani não é realçada pela ideia de expansão
demográfica pela via guerreira.

102
2.4 O Guarani em Sebastião Caboto: possível relato de viagem

Conforme já observamos anteriormente, Sebastião Caboto aportou nas proximidades


da ilha de Santa Catarina em outubro de 1526. Sua missão não consistia em explorar estas
terras. Sua viagem estava programada para as Molucas. Era Diego Garcia quem possuía
autorização real para a exploração e conquista. Ao usurpar o direito de outro navegador e por
acontecimentos ocorridos durante a expedição que havia comandado, Caboto sofreu uma série
de processos administrativos em seu retorno à Espanha355.
Diante da dificuldade em se conseguir informações narradas pelo próprio Caboto e de
outros expedicionários que estiveram sob seu comando, são os fragmentos desses processos
administrativos que, somados a carta de Ramírez, ajudam aos pesquisadores a conhecer os
fatos ocorridos nessa histórica expedição. Sobre a ausência de fontes, Toribio Medina356
afirmou que “para la redacción de las páginas que hemos consagrado á la historia del viaje de
Caboto al Río de la Plata, hemos tenido que valemos, á falta de relaciones ordenadas, de los
datos esparcidos en los autos judiciales que se tramitaron con ocasión de los procesos” abertos
contra Caboto em seu retorno para a Espanha.
As poucas informações sobre sua expedição, excetuando-se a carta de Ramírez, são
encontradas nesses autos processuais. Documentos que deveriam compor um acervo histórico
da expedição desapareceram com os anos, tal como o relatório oficial com o testemunho de
Caboto que teria sido entregue a Casa de Contratação.
O fragmento de uma informação de Caboto que estamos nos utilizando foi retirado dos
escritos de Antonio de Herrera y Tordesillas e é chamado de Relación de la entrada de
Sebastián Gaboto al Rio de la Plata357. Esse recorte, segundo o próprio Toribio Medina358,
que estudou Sebastião Caboto e sua viagem às terras meridionais, contém informações que
põem em cheque sua autenticidade.

355
Cf. MEDINA, J. T., El Veneciano Sebastián Caboto al servicio de España y especialmente de su proyectado
viaje a las Molucas por el Estrecho de Magallanes y al reconocimiento de la costa del Continente hasta la
gobernación de Pedrarias Dávila.
356
MEDINA, J. T., El Veneciano Sebastián Caboto al servicio de España y especialmente de su proyectado
viaje a las Molucas por el Estrecho de Magallanes y al reconocimiento de la costa del Continente hasta la
gobernación de Pedrarias Dávila, p. 205.
357
Ibidem.
358
Ibidem.
103
Conforme Herrera, em sua Terceira Década, publicada por volta de 1601, ao chegar à
corte castelhana, Caboto fez a seguinte relação:

Que la mas principal generación de Indios de aquella tierra, son los


Guaranis, gente guerrera, traidora, i soberbia, i que llaman esclavos à todos
que no son de su lengua, con los cuales siempre andaban en guerra, en la
cual eran muí sangrientos, i crueles, matando à cuantos podían, sin tomar
hombre à vida, i de esta Nación está poblada la Comarca de la Ciudad de La
Plata, de donde en tiempo de Guaynacapá, Rey de el Perú, padre de
Atabalipa, salieron grandes Compañías, i caminando por todas las Tierras
de su Nación, que se extienden más de quinientas leguas, llegaron à tierra
del Perú: i después de haber hecho grandes daños en los Charcas, porque su
forma de guerrear era de noche, i en haciendo sus saltos, se retiraban à las
Montañas, en cuya aspereza se mantenían359.

Antonio de Herrera y Tordesillas foi Cronista Mayor de Indias entre os anos de 1596 e
1625. Ao escrever os feitos dos castelhanos entre 1492 e 1554, teve acesso a uma infinidade
de papeis escritos por dezenas de autores anteriores a ele. Neste aspecto, o tempo transcorrido
estava ao seu favor, ou seja, diferentemente de Anglería que narrava os acontecimentos como
se fosse uma testemunha presente no dia a dia dos marinheiros, talvez devido a questão de a
ele serem transmitidas oralmente as impressões das viagens e de ele estar escrevendo
enquanto o novo mundo estava se descortinando diante dos olhos do velho mundo360, Herrera,
ao contrário, conforme Anderson dos Reis, possuía uma “atitude historiadora, isto é,
consciente do tempo que o separava dos fatos narrados e, por conseguinte, da possibilidade de
interpretá-los valendo-se de sua posição onisciente”361.
Neste sentido, quando ele narrava alguma passagem antiga, imprimia na mesma,
observações que somente alguém com conhecimento posterior poderia fazer. Essa questão é
perceptível quando ele atribui ser do próprio Caboto a fala que teria efetuado ao rei no ano de
1531, no entanto, ao invés de fazer análise em separado, ele insere comentários na mesma,
descaracterizando-a completamente.
De acordo com Toribio Medina “examinando el párrafo copiado por Herrera, se ve
que en él se menciona á Guainacapac y á Atahualpa, cosa á que no pudo aludirse en aquella

359
HERRERA Y TORDESILLAS, A., Historia General de los hechos de los Castellanos en las Islas i Tierra
Firme del Mar Océano, p. 168.
360
Cf. REIS, A. R.; FERNANDES, L., 1492: partos do fecundo oceano.
361
Idem, p. 748.
104
Relación, ya que el Perú aún no estaba descubierto”362. O autor ainda observou que “caso,
pues, de haber existido ese informe de Caboto, debió de ser redactado con mucha
posterioridad á su viaje, y así resulta inadmisible que Herrera diga que la relación que Caboto
dio á su vuelta fue aquélla”363. Medina, acredita “que Caboto no dio relación alguna de su
viaje, ni á su regreso, ni menos después”364.
Essa fala de Caboto, encontramos reproduzida na obra História da Republica Jesuítica
do Paraguai desde o descobrimento do Rio da Prata até nossos dias, do Cônego João Pedro
Gay365, sendo muito provável que ela também esteja presente em outros trabalhos. O que
gostaríamos de observar, é que concordamos com as observações de Toribio Medina sobre a
possibilidade de a mesma não ser de Caboto. Justamente por que contém informações sobre o
povo Inca, que somente foi conquistado por volta de 1532. Portanto, aproximadamente dois
anos após o retorno deste navegador a Espanha.
Sebastião Caboto, tal com Luis Ramírez e Diego Garcia, transmite uma informação
sobre os Guarani de forma superficial. Conforme Carlos Fausto, ao falar sobre os indígenas
do período colonial, as narrativas informam sobre a unidade dos costumes e da língua em
detrimento de informações “sobre diferenças interétnicas, sinais diacríticos de identidade [e]
distinções dialetais”366.
Em todo o caso, mesmo não sendo mais claro em suas descrições, Sebastião Caboto
ajudou a conceber a imagem do Guarani do período colonial com os atributos que o tornaram
hegemônico em relação a outros povos, ao menos nas narrativas históricas e algumas análises
que se desenvolveram.
Conforme já observamos anteriormente, a ideia de guaranização que trabalhamos, não
acontece apenas por meio das relações interétnicas, mas, por meio da pena do narrador, que
exalta um povo em detrimento de outros. Neste sentido, no curto período em que esteve nessa

362
MEDINA, J. T., El Veneciano Sebastián Caboto al servicio de España y especialmente de su proyectado
viaje a las Molucas por el Estrecho de Magallanes y al reconocimiento de la costa del Continente hasta la
gobernación de Pedrarias Dávila, p. 205.
363
Ibidem.
364
Ibidem.
365
GAY, J. P., História da Republica Jesuítica do Paraguai desde o descobrimento do Rio da Prata até nossos
dias, ano de 1861.
366
FAUSTO, C., Fragmentos de historia e cultura tupinambá: da etnologia como instrumento critico de
conhecimento etnohistórico, p. 385.
105
região, ao observar que os Guarani eram o principal povo das terras do rio da Prata;
guerreiros conquistadores; senhores de grandes domínios territoriais e que chamavam a
todos que não falam sua língua de escravos, ele guaranizou pela escrita.
Considerando que as terras baixas da América Meridional era um espaço físico
compartilhado por diferentes povos, querermos atribuir uma imensurável área de domínio
para um único segmento sociocultural ou querermos atribuir uma pauta homogeneizante que
deriva de um povo em deslocamento no espaço físico, que busca novas terras para cultivo e
uma “mítica terra sem males”367, que impõem a outros grupos sua cultura material e imaterial,
condicionando esses grupos há uma esfera linguística que não lhes é própria, é guaranizar no
papel368.
Não podemos negar que Caboto em algum momento tenha emitido algum parecer
sobre a terra e as gentes, mas, quando Herrera tornou pública sua obra, na qual acrescentou
informações aludidas a viagem de Caboto, somos levados a admitir a possibilidade de que há
informações estranhas. Neste sentido, na suposta fala de Caboto, há enunciados de Herrera.
Não nos esqueçamos, que não importa a época que a escrita tenha sido produzida, conforme
bem salientou Michel de Certeau, “toda a escrita decorre de uma prática histórica”369, com
isso, não queremos dizer que buscamos encontrar a mesma prática historiográfica de um
historiador moderno, nestes escritos antigos, mas, eles escreveram movidos por intenções
particulares ou subjacentes a profissão, a partir de um lugar social e com um futuro leitor em
mente.
As dúvidas que elencamos ao final da fala de Diego Garcia permanecem. O Chandule
que Ramírez considerou ser o mesmo Guarani é percebido em Diego Garcia como sendo
outro. Eles entram para a história indígena colonial como pertencentes ao grupo que se
convencionou chamar de genericamente de Guarani, no entanto, na escrita histórica esses
Chandule irão desaparecer enquanto grupo étnico alguns anos mais tarde, conforme
observação anterior de Susnik.
O que podemos reter é que os mesmos, assim como os Chiriguano e os Itatim, foram
resultados de uma forja interétnica ocorrida por meio de casamentos. Conforme Isabelle

367
Cf. BARBOSA, P. A., La tierra sin mal: historia de un mito.
368
SANTOS, M. C., Clastres e Susnik: uma tradução do “guarani de papel”.
369
CERTEAU, M., A escrita da história, p. 65.
106
Combès e Diego Villar, “a mestiçagem ameríndia não é um problema exclusivo de índios e
brancos e tampouco começou somente com a chegada dos colonizadores”370. Até esse
momento, é a explicação mais plausível para a presença desses Chandule no centro do raio de
ação de povos que a historiografia consagrou como inimigas dos Guarani. Ou seja, os
Chandule habitavam locais nas margens dos rios Paraná, Uruguai e Paraguai, onde o Charrua,
Yaró, Chaná, Timbú, Querandí, entre outros povos, convergiam.
Se permanecerem algumas dúvidas relativas a esse povo, o mesmo não acontece com a
ideia de guaranização. É na visão de Luis Ramírez e no improvável relatório de Caboto que o
Guarani hegemônico que conhecemos ganhou ares totalizantes. Não queremos com isso
atribuir aos navegadores de passagem, a pretensa ideia de substantivar o espaço social do
território em questão. Mas, a ideia de expansão e amplo domínio territorial pela via guerreira,
a imposição da língua como definidor de lugar social e a ideia de amigos dos espanhóis são a
marca indelével dos Guarani. Que estará presente em narrativas que se perpetuaram na
historiografia indígena colonial. Por esta ótica, a ideia de guaranização nasce em Luis
Ramírez e se perpetua na questionável fala de Caboto.
Ao finalizarmos, incluímos logo a baixo uma tabela que faz parte do livro Quatri
Partito, conhecido comumente por Espelho dos Navegantes, produzido por Alonso Chaves no
ano de 1538. Alonso de Chaves ao longo de sua vida foi navegador, piloto maior a serviço de
Castella, cosmógrafo e cartógrafo. Autor de diversos trabalhos de relevo para a navegação
espanhola da época acompanhou a Sebastião Caboto em sua navegação ao rio da Prata na
condição de piloto.
A obra Espelho dos navegantes que Chaves organizou, conforme María Cuesta371, foi
proibida sua publicação na época devido a gama de informações nela contida. Segredos de
navegação que poderiam colocar em risco os interesses espanhóis. O mesmo afirma María
Vicente ao observar que “probablemente, la obra de Alonso de Chaves no llegó a publicarse
por el contenido de11ibro cuarto, un derrotero general de navegación a las Indias, que debía
mantenerse en secreto”372.

370
COMBÈS, I.; VILLAR, D., Os mestiços mais puros: representações Chiriguano e Chané da mestiçagem, p.
40.
371
CUESTA, M. P., Una colección de historiografía náutica del siglo XVI, p. 132.
372
MAROTO, M. I.V., El arte de la navegación en el siglo de oro, p. 207.
107
Vindo a público de forma completa somente em 1983, a parte que indexamos ao
trabalho se refere ao XXIII capítulo, que trata do rio da Prata, que esta na quarta parte do
livro, que é referente às particularidades das Índias Ocidentais. Conforme podemos observar,
nele aparecem topônimos referentes aos Querandi, Janaé, Carcará e Mepene.
A presença deste material não é desproposital, é para mostrar que na confecção do
mesmo estão ausentes topônimos que poderiam se referenciar aos Guarani ou Chandule. Não
consideramos irrelevante este dado, pelo fato de que ele nos leva a crer que em sua ação de
reconhecer, identificar e nomear as terras e povos, os espanhóis não levaram em consideração
a presença de Guarani ou Chandule, pois não há registro dos mesmos neste primeiro material.
A questão de não existir registros de Guarani ou Chandule para identificar lugares,
pode estar denotando a ausência real desses povos naqueles espaços, no sentido de que não
eram territórios de habitação fixa dos mesmos. Eles não pertenciam às ilhas próximas ao delta
do rio da Prata. Passaram a habitar o mesmo em caráter temporário motivados,
principalmente, pela presença espanhola na região. Esse quadro tem um caráter bastante
subjetivo, no entanto, pode estar explicando a questão que tem a ver com o fato de Luís
Ramíres não ter descrito em sua narrativa os aspectos socioculturais dos Guarani ou
Chandule, que com eles estavam. Também pode estar nos mostrando o porquê de Diego
García ter registrado aspectos econômicos desse grupo, dois anos mais tarde.
Reforçamos que tem um caráter subjetivo, mas pode explicar que no interstício de dois
anos houve tempo suficiente para que os Guarani ou Chandule construíssem suas casas e
fizessem suas chácaras próximas ao forte Espírito Santo. Com essa questão, reforçamos a
hipótese de que os prováveis Chandule ou Guarani das ilhas e imediações não habitavam os
sugeridos espaços num contexto de expansão pela via guerreira. A presença dos mesmos tem
a ver com a presença espanhola na região. Essa ótica é outra versão a ideia de que contágios,
guerras e escravidão tenham levado aos Guarani a desaparecerem desses locais. O motivo do
desaparecimento teria sido a própria ausência dos mesmos daqueles espaços.

108
Tabela I: Quatri Partitu en cosmographia pratica i por outro nõbre llamdo Espeio de Nauegantes. Livro 4º/ Capítulo XXII

http://bibliotecadigital.rah.es/

109
CAPÍTULO 3

O GUARANI COLONIAL EM FONTES ESCRITAS DO SÉCULO XVI:


Crônicas de campo e gabinete

Este capítulo tem a função de analisar fontes escritas do século XVI, que foram
produzidas no contexto da conquista, apaziguamento e colonização. Ou seja, produzidas a
partir do momento em que os espanhóis desembarcaram de suas naus para conquistar as terras
e as gentes. Ele se constituiu para ser espaço de análise de papéis produzidos por cronistas
após o período de reconhecimento. São documentos que irão ajudar a compor a hipótese de
que, a guaranização é uma ideia que esteve presente em materiais escritos no decorrer da
conquista europeia das terras baixas da América Meridional, em um momento histórico que
antecedeu às ações jesuíticas nas terras das antigas províncias do Rio da Prata. Período no
qual o Guarani se efetivou por meio da organização das reduções de índios como o Guarani
reduzido ou o Guarani missioneiro. Representava um povo, uma cultura e uma língua,
transcendendo assim, a diversidade sociocultural que o constituía373.
Ao definirmos este capítulo como crônicas de campo e gabinete, reforçamos a
proposta de que eles foram produzidos no âmbito da conquista, apaziguamento e povoamento
das terras, tanto por indivíduos que testemunharam os eventos, quanto por aqueles que
escreveram a partir de seus gabinetes, subsidiados por meio do testemunho de terceiros, orais
ou escritos, com a intenção de informar: dar a conhecer.
Os textos que iremos arrolar têm sua origem na memória histórica de Pero Lopes de
Souza, Ulrich Schmídel, Pero Hernández (Álvar Núñez Cabeza de Vaca) e na obra de Juan
López de Velasco. Com exceção deste último, os primeiros foram todos testemunhos oculares
que por um menor ou maior período, navegaram ou viveram nas terras das províncias do Rio
da Prata.

373
Conforme podemos perceber nas análises de WILD (2009), SANTOS e BAPTISTA (2007) e FREITAS DA
SILVA (2013).
110
3.1 O Guarani em Pero Lopes de Souza: diário de navegação

Pero Lopes de Souza chegou ao rio da Prata aproximadamente dois anos após o
retorno de Caboto e Diego García à Espanha. Sendo que foi por volta de novembro de 1531
navegava por um local chamado Cabo de Santa Maria, próximo à entrada do rio da Prata.
Nesse local, ele e sua tripulação permaneceram alguns dias, devido as fortes tempestades que
assolavam a região. Conforme Adolfo de Varnhagen374, o rei de Portugal Dom João III, ao ter
notícias sobre a presença espanhola no rio da Prata, armou uma expedição comandada por
Tomé de Souza para efetivar a posse de seus domínios e colonizar a terra que pelo Tratado de
Tordesilhas, lhe pertencia.
Enquanto as narrativas anteriores se deram na forma de carta e relatórios, a narrativa
que interpretaremos nesse momento foi produzida na forma de um diário. Ambos são relatos
de viagem e fazem parte das crônicas coloniais. Assim como já observamos no capítulo
anterior, esses escritos foram elaborados por indivíduos que materializaram suas impressões
apreendidas no dia a dia da experiência vivida ou em um tempo posterior ao fato vivenciado.
Importa-nos reter que esses testemunhos históricos foram produzidos por diferentes
europeus do século XVI, alguns provenientes de diferentes países e de diferentes segmentos
sociais, narrando, cada um per si, aquilo que a seu modo de ver era interessante contar para
quem interessava ouvir. Neste sentido, a presença de Pero Lopes em nossas análises não se
deve ao fato do mesmo ter mantido contato com algum povo identificado como Guarani,
Chandule ou Carijó. Sua presença se deve aos contatos esporádicos com grupos identificados
como sendo Charrua e Beguoaa e, por um nativo que lhes falou algumas palavras na língua
geral. As informações que extraímos de sua narrativa nos ajudam a ampliar a compreensão do
cenário sociocultural das margens daquela grande enseada que foi chamada de rio da Prata.
Pero Lopes nos conta que em uma quarta-feira do dia 11 de novembro de 1531,
navegava em um bergantín pela margem setentrional do rio da Prata quando um grupo de
nativos, remando em pé, em quatro grandes canoas se aproximou de seu barco.

Traziam arcos e flechas e azagaias (lança) de pau tostado e, eles com muitos
penachos todos pintados de mil cores; [...] a fala sua não entendíamos; nem

374
VARNHAGEN, F. A., Diário da navegação da armada que foi a terra do Brasil em 1530, sob a Capitania-
Mór de Martin Affonso de Souza, escrito por seu irmão Pero Lopes de Souza, p. 21.
111
era como a do Brasil; falavam do papo como os mouros (...) as suas almadias
eram de dez, doze braças de comprido, e meia braça de largura. A madeira
era de cedro, muito bem trabalhado. Os remos eram largos, parecendo umas
pás muito compridas. Nos cabos dos remos havia enfeites de penachos. Cada
almadia remava quarenta homens, todos em pé375.

Pero Lopes não identificou que grupo era esse, mas observou que não falavam a língua
geral das terras portuguesas, portanto, entendemos que não poderiam ser percebidos como
Guarani ou Chandule. Sua fala era gutural, possivelmente poderia ser a mesma fala ou ter
semelhanças com o modo falar dos Charrua, descritos anteriormente por Diego García,
quando havia navegado por aquele mesmo litoral376.
Pero Lopes havia navegado até os esteiros dos índios Querandi377, local não muito
distante do que teria sido o forte Espírito Santo, organizado por Caboto. Ao retornar, seguindo
seu itinerário de exploração, sua atenção foi despertada quando estava próximo a uma ilha
denominada como ilha dos Corvos. Batizada por esse nome devido à grande quantidade de
pássaros marinhos que havia na mesma.

Diante de um arvoredo ouvimos grandes brados, e fomos demandar onde


bradavam: e saiu a nós um homem á borda do rio, coberto com peles, com
arco e flechas na mão; falou-nos duas ou três palavras guaranis, e
entenderam-nas os linguas que levava; tornaram-lhe a falar na mesma língua,
ele não em tendeu; disse-nos que era Beguoaa Chanaa, e que se chamava
Ynhandú. Chegamos com o bergantín a terra, e logo vieram mais três
homens e uma mulher, todos cobertos com peles de animais. A mulher era
muito formosa, trazia os cabelos compridos e castanhos. Os homens traziam
na cabeça uns barretes de cabeça de pele de onças, com dentes e com tudo.
Por meio de acenos, entendemos que havia um homem com outro grupo, que
chamavam Chanás, e que sabia falar muitas línguas378.

Sobre esse Beguoaa Chana, o caso é interessante no sentido que ele chamou atenção
da tripulação do barco usando a língua geral da terra, mas, ao ser inquirido por falantes que
usavam os recursos linguísticos do que seria a mesma língua geral, não soube responder.

375
SOUZA, Pero Lopes de. Diário da navegação que foi á terra do Brasil em 1530, p. 41.
376
Cf. GARCÍA DE MOGUER, D., Memoria de la navegación que hice este viaje en la parte del mar océano
desde que Salí de Ciudad de la Coruña, que allí me fue entregada la armada por los oficiales de S. M. que fue
en al año de 1526.
377
SOUZA, P. L., Diário da navegação que foi á terra do Brasil em 1530, p. 47/8.
378
Ibidem, p. 48.
112
Lembramos, conforme discutimos no primeiro capítulo, que a língua geral das posses
espanholas teria se efetivado como língua guarani, somente na segunda metade do século
XVI. Neste caso, esse indígena contatado falava-a parcamente devido ao fato de pertencer a
outra matriz sociocultural ou, sendo ele um falante de língua da família Tupi-Guarani, sua
língua não era intercomprensível com a língua dos Carijó que acompanhavam Lopes de
Souza. Parece não ser este o caso, pelo fato de que o nome Beguoaa Chana denota que o
mesmo pertenceria a outros grupos nativos.
Para Rodolfo Schüller, o nativo identificado como sendo um Beguoaa Chana
pertencia ao que ele denomina ser do grupo Charrua e seus congêneres. Pois, de acordo com
o autor, os nativos identificados com os gentílicos - Beguoaa Chana ou Chana Timbu – são
vozes na língua guarani, mas não são Guarani. “Chanáes, Beguaes y Chanáes Timbus era una
gente tan dispuesta como los Charrúa. También ellos se horadaban las narices y el labio
inferior, y, eran orejones”379.
Quanto ao homem que vivia com os Chana e falava muitas línguas, nos perguntamos
se a caso seria ele o mesmo Francisco del Puerto que esteve com Caboto e mais tarde
abandonou a expedição, desaparecendo do cenário histórico? Não citamos anteriormente esta
passagem da carta de Luis Ramírez, na qual Francisco del Puerto teve desavenças com alguns
tripulantes de Caboto e desapareceu justamente em um momento que os Chandule teriam
emboscado e matado alguns espanhóis380.
A título de observação nos chama atenção o termo guarani empregado na passagem
acima para identificar a língua falada pelo nativo. Se, por volta de 1531/1532, época em que
esse português navegava pela região, à palavra guarani nomeava a língua falada, podemos
inferir que esse é o primeiro registro por escrito designando a língua geral como língua
guarani. Se essa questão estiver correta, reforça a hipótese de que o Guarani colonial foi
concebido a partir da língua geral guarani.
O diário que acessamos foi localizado por Francisco Adolfo Varnhagen em meados
do século XIX, sendo publicado pela primeira vez em 1839. Varnhagen esteve à frente de
mais três edições, no entanto, ele teria desaprovado a segunda edição 381. Uma quinta edição

379
SHULLER. R. R., (prólogo). Geografía Física y Esférica de las Provincias del Paraguay y Misiones
Guaraníes, p. 117.
380
CF. RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528, p. 15.

113
foi publicada em 1927 com prefácio de Capistrano de Abreu e comentários de Eugênio de
Castro. Sob a supervisão de Paulo Prado, essa última edição se baseou na terceira e quarta
edição de Varnhagen382. Essa quarta edição Varnhagen foi melhorada com a inclusão de
novos documentos e comentários sobre as passagens históricas383. Junto à versão pública da
primeira edição que estamos trabalhando, cotejamos a quarta edição de Varnhagen e a quinta
edição comentada por Eugênio de Castro.
Pero Lopes de Souza em sua navegação de reconhecimento pela margem norte do rio
da Prata, num local chamado rio dos Beguaes, que segundo Schüller384 estaria a oito milhas
do cabo de Santa Maria, manteve contato com um grupo local.

A gente dessa terra são homens musculosos e grandes, de rosto são muito
feios. Trazem o cabelo comprido, alguns deles furam os narizes e nos
buracos trazem metidos pedaços de cobre que brilham muito. Todos andam
cobertos com peles. Dormem no campo onde a noite lhes encontra. Não
trazem outra coisa consigo, que não seja peles e redes para caçar. Trazem
por armas um - piloro de pedra do tamanho de um falcão – e dele sai uma
corda de uma braça e meia de comprido e no cabo há um maço de penas de
ema. E atiram com essa arma como uma funda. Trazem também umas
azagaias feitas de madeira, e umas maças de madeira do tamanho de um
côvado. Não comem outra coisa, se não, carne e pescado. São muito tristes.
A maior parte do tempo choram. Quando morre algum deles, segundo o
parentesco, se cortam os dedos. Por cada parente morto, uma junta. E vi
muito homens velhos, que tinham apenas o dedo polegar. O falar deles é de
papo como os mouros. Quando vinham nos ver, não traziam nem uma
mulher. Não vi mais que uma velha, que quando chegou a nós, lanço-se no
chão de bruços e não mais levantou o rosto. Com nem um presente nosso
eles folgavam. Não mostravam contentamento com nada. Se traziam pescado
ou carne, davam-no de graça. E se lhes déssemos alguma mercadoria eles
não folgavam. Se mostrávamos o quanto havíamos trazido, não se
espantavam. Nem havia medo em nossa artilharia, se não, suspiravam
sempre. Nunca tinham outro modo, se não de tristeza385.

381
Cf. ABREU, Capistrano. (prefácio) Diário da navegação de Pero Lopes de Souza (de 1530 a 1532).
382
Cf. ABREU, C., (prefácio) Diário da Navegação de Pero Lopes de Souza (1530-1532).
383
Cf. BATALHONE JÚNIOR, V. C., Uma história das notas de rodapés: a anotação da história geral do
Brasil de Francisco Adolfo Warnhagen (1854-1953).
384
CF. SHULLER. R. R., (prólogo). Geografía Física y Esférica de las Provincias del Paraguay y Misiones
Guaraníes.
385
SOUZA, P. L., Diário da navegação que foi á terra do Brasil em 1530, p. 54/5.
114
Esses indígenas descritos apresentam todas as características das populações
consideradas atualmente Pampiana386, sendo que naquele período viviam essencialmente da
caça, pesca, coleta e alguns, como os Timbú, eram horticultores. Fisicamente possuíam
estatura alta e forte massa muscular, sendo identificados na literatura colonial como Charrua,
Minuano, Chana e Timbu. Usavam boleadeiras de pedra e lanças compridas da mesma forma
que os Querandí.
Os relatos que estamos acompanhando desde o capítulo anterior, conforme já
esboçamos, reforçam a hipótese de que todo o litoral uruguaio do século XVI, seguindo pela
margem norte do rio da Prata até a foz do rio Paraná com o rio Paraguai, toda extensão na
parte argentina que se inicia no cabo de Santo Antonio até a altura do rio Vermelho, além da
margem leste e oeste do rio Uruguai até onde se estabeleceu no século XVII a redução de
Yapeyú, conforme o jesuíta Nicolas Mastrillo Duran, citado no capítulo anterior, era habitado
por povos que podemos chamar de não guarani. Povos indígenas nômades e seminômades,
caçadores, pescadores, coletores e alguns horticultores, que a história colonial se encarregou
de nos mostrar que eram extremamente aguerridos.
No entanto, para o etnólogo Alfred Métraux, fundamentado em documentação
colonial, análises contemporâneas e dados arqueológicos, o

Guarani, chamado pelos primeiros cronistas "Guarani das ilhas" Chandris,


ou Chandules, viveu no século 16 nas ilhas do Rio da Prata, e no lado sul do
Delta do Paraná de Santo Isidro nas proximidades do rio Carcaranal, (lat. 34
° S., longo 58 ° W.). Havia alguns enclaves guaranis ao longo da costa
uruguaia em Martin Chico, e de São Lazaro a São Salvador. Vasos de
cerâmica inconfundíveis A origem guarani foi encontrada perto de São
Francisco Soriano e Concórdia no Uruguai, na ilha de Martin Garcia e em
Arroyo Malo, entre o rio Lujan e o rio Paraná de las Palmas387.

Na perspectiva que estamos colocando, a presença destes possíveis enclaves Guarani


não aconteceu numa situação de expansão pela via guerreira, conforme consta em alguns
materiais. Se por um lado eles realmente habitavam esses espaços, possivelmente estavam ali
assentados por meio de casamentos interétnicos ou na condição de grupos cativos. De acordo

386
BECKER, I. B., Os Índios Charrua e Minuano na Antiga Banda Oriental do Uruguai, p. 69.
387
METRAUX, A., The Guaraní, p. 70.
115
com as descrições que estamos analisando, observamos que, com exceção dos Chandule de
Santana, eles seriam pequenos grupos.
Já comentamos sobre os casamentos e sobre os cativos no capítulo anterior, mas
traremos outro exemplo para ajudar a corroborar nossas hipóteses. O jesuíta Pedro Lozano, ao
descrever os povos do Chaco, comentou sobre os Mataguayos, um povo indígena composto
segundo ele, por cinquenta tribos.

Hay unos llamados Mataguayes Coronados, y otros Mataguayes


Churumatas. Los Coronados hablan la lengua guaraní, aunque la materna
suya es diferente. Los Mataguayes Churumatas entienden y hablan diversas
lenguas, como son la Quichua, la Guaraní y la Ocloya, por los diferentes
cautivos que tienen en sus tierras, y entienden también la lengua de los
Tobas388.

Um ponto aqui nos interessa, é adoção de uma das línguas gerais das antigas
províncias do rio da Prata, como língua franca por parte dos Churumata. Eles, conforme
Lozano, adotaram a língua guarani. Muitos podem ser os motivos que levam um grupo a
adotar outra língua para uso corrente. Neste caso, não podemos falar em etnogênese389 porque
não temos a dimensão da mudança ocorrida e até que ponto essa mudança teria afetado
aspectos da cultura desse povo. No entanto, podemos usar a imaginação histórica para a
possibilidade de Luís Ramíres e seus compatriotas de expedição terem encontrado um grupo
em condição semelhante a esses Churumata Coronado e, nomeá-los como Guarani ou
Chandule por falarem a língua geral. Pois, se fortalece o olhar que foi devido principalmente à
língua falada por diversos povos que a unidade Guarani no período colonial foi conferida390.

3.2 O Guarani em Ulrich Schmídel: diário de campo

388
LOZANO, P., Descripción corográfica del gran Chaco Gualamba, p. 81.
389
De acordo com Miguel Alberto Bartolomé em As Etnogêneses: Velhos Atores e Novos Papéis no Cenário
Cultural e Político (p.40/1), a etnogênese “refere-se ao dinamismo inerente aos agrupamentos étnicos, cujas
lógicas sociais revelam uma plasticidade e uma capacidade adaptativa que nem sempre foi reconhecido pela
análise antropológica”, o autor ainda observa que etnogênese é “o processo básico de configuração e
estruturação da diversidade cultural humana”, que pode ser motivada tanto por fatores internos ao grupo, quanto
externos. Portanto, a divisão ou união de determinados grupos podem ser geradores de etnogênese, ou geradores
de novas configurações sociais.
390
Cf. MELIÀ, B., El Guaraní conquistado y reducido, p. 18.
116
O soldado alemão Ulrich Schmídel chegou à região banhada pelo rio da Prata e seus
afluentes maiores aproximadamente seis anos após o retorno das expedições de Sebastião
Caboto e Diego García à Espanha e aproximadamente quatro anos após a rápida passagem de
Pero Lopes. Neste intervalo de tempo não identificamos registros históricos que pudessem
assinalar a passagem de novas expedições. Mas, isso não nos impossibilita afirmar que a
presença estrangeira já era uma realidade na vida das gentes desta terra.
Elementos da cultura material ibérica circulavam de mão em mão entre os nativos.
Vestuário, adornos, machados, enxadas, facões, anzóis, punhais, espadas entre outras tantas
coisas, ornamentavam, ostentavam e alimentavam os sentidos daqueles que as possuíam. Isso
acontecia enquanto animais do velho mundo, domesticados ou alçados, procriavam em
lugares ermos, pisoteando sobre sementes de plantas estrangeiras lançadas ao solo391.
Além do contato com outra humanidade, que de acordo com Tzvetan Todorov só foi
conhecida pelos espanhóis após a conquista392, a nosso ver, esse foi o panorama simbólico
que o soldado alemão Ulrich Schmídel encontrou. É por meio das edições do diário que ele
nos legou, publicado após seu retorno a Europa, que possuímos um retrato histórico dos povos
locais que até então não havia sido produzido na época, em referência a esta parte meridional
da América.
Ao seguirmos os passos do aventureiro Ulrich Schmídel no século XVI, por meio de
seus escritos, nos norteamos por uma narrativa que pode ser definida como relatos de viagem
pelo fato de ter sido constituída, assim como o próprio nome já diz, no decurso de sua viagem
pelas terras do Novo Mundo. Desta forma, num sentido histórico, conforme o pensamento de
Thissiane Fioreto, o relato de viagem possui “uma face histórica que busca registrar os fatos
que viveu o viajante393” e o “contexto sócio-histórico e político da época”394.
Esse relato é fruto de um diário que na acepção do próprio nome deveria ser
semelhante ao diário de Pero Lopes de Souza, não o era. E não se trata de diferenças de
cunho pessoal, de nacionalidade, idioma, cultura, estilo de escrita, entre outras, a assimetria

391
Para saber sobre a chegada de plantas exógenas em solo americano na época do contato, ler BEINART;
MIDLETON (2009). Transferências de plantas em uma perspectiva histórica: o estado da discussão.
392
Cf. TZVETAN, T., A conquista da América: a questão do outro.
393
FIORETO, T., “Verissima et ivcvndissima descriptio...”, de Ulrico Schmidl: literatura de viagem ou relato de
viagem?, p. 240.
394
Ibidem.
117
que estamos propugnando entre um e outro tem a ver com a intervenção de terceiros sobre o
que seria a versão original de cada relato.
Enquanto o diário de Pero Lopes de Souza foi transcrito da língua vernácula de
Portugal do século XVI para a língua vernácula do século XIX e posteriormente para o
português do Brasil no início do XX, portanto, transcrito e publicado numa mesma língua e
manuseado por poucas mãos, a memória escrita de Schmídel que chegou até nossos dias,
esteve sujeita a maiores intervenções ao longo das diversas edições e reedições publicadas.
De acordo com seu biógrafo Bartolomé Mitre395, ele foi publicado em alemão pela
primeira vez no ano de 1567 em Frankfurt, sendo reeditado na mesma língua alemã em 1597
por Teodoro de Bry e editado novamente pelo mesmo editor em 1599 com tradução de
Gothard Arthus para o Latim. No mesmo ano de 1599, outro editor chamado Levinus Hulsius
publicou uma quarta edição em língua alemã e simultaneamente em latim396. Conforme
Thissiane Fioreto, esse editor “por não concordar com a tradução de Arthus e julgá-la ruim,
optou por realizar uma nova tradução para o latim”397.
Desde a primeira edição, o historiador Efrain Cardozo identificou 42 publicações do
diário de Schmídel até o transcorrer do século XX398. Neste contexto editorial, o historiador
Kalil399 firma que atualmente se reconhece a existência de três manuscritos em diferentes
cidades alemãs. Um estaria em Hamburgo, outro em Stuttgart e o último em Munique. Existe
a possibilidade de que Levinus Hulsius tenha possuído uma quarta versão que teria se
perdido. Conforme Marion Lois Huffines400 há informações desencontradas entre estes
manuscritos, tais como “a exclusão de trechos repetidos ou truncados, a divisão da obra em
capítulos, a introdução de expressões religiosas e de citações de autores clássicos, entre
outras”401.

395
MITRE, B., Viaje al Río de la Plata, p. 7.
396
Ibidem.
397
FIORETO, T., “Verissima et ivcvndissima descriptio...”, de Ulrico Schmidl: literatura de viagem ou relato de
viagem?, p. 162.
398
Cf. KALIL, L. G. A., A conquista do Prata: análise da crônica de Ulrich Schmidel, p. 150.
399
Ibidem, p. 59.
400
KALIL. L. G. A., A conquista do Prata: análise da crônica de Ulrich Schmidel, p. 150.
401
Ibidem, p. 57.
118
Copistas, tradutores, editores, que se debruçaram sobre os manuscritos originais que
tiveram em mãos, promoveram alterações no texto a fim de prender a atenção de futuros
leitores as narrativas que eles tornavam pública. Segundo Thissiane Fioreto, eles “tentavam
corrigir e alterar o texto de Schmidl para adaptá-lo ao que consideravam ser o esperado pelo
público leitor de relatos de viajantes, gênero bastante comum naquele momento402” dos
séculos XVI e XVII.
Sobre a questão da modificação em textos, Louis Gaulin403 comentou que durante
muito tempo os copistas realizaram intervenções pessoais em trabalhos de terceiros, numa
situação em que “acrescentavam ou cortavam o texto, interpretavam o conteúdo, corrigiam”.
Conforme Thissiane Fioreto, Levinus Hulsius, havia informado a seus leitores que a obra de
“Schmidl teria sido corrigida a partir da comparação com outros relatos de viajantes, isso para
que tivesse certeza de que seu conteúdo estava em conformidade com aquilo que diziam os
historiadores espanhóis, italianos e franceses sobre as terras do Novo Mundo”404.
Essas questões, por si só, seriam suficientes para colocar em suspenso o conteúdo do
diário. No entanto, o seu caráter histórico que nos interessa para a tese, é considerado por
muitos estudiosos como documento fundamental para conhecer o contexto natural e
sociocultural desta parte sul da América405. Neste sentido, nos utilizamos de duas versões do
diário de Schmídel para compor análise que estamos realizando. A primeira e principal para
nosso trabalho, foi traduzida para o espanhol da edição latina de Hulsius (1599) pelo
historiador Lafone Quevedo. Atualmente o manuscrito original da mesma se encontrara em
Munique406. Essa edição publicada em 1903 possui anotações biográficas e bibliográficas de
Bartolomé Mitre. Outro trabalho que estamos utilizando para cotejar com publicação em
espanhol, foi extraído da tese da pesquisadora e latinista Thissiane Fioreto, que se utilizou
entre outras versões, da edição de 1599 do editor Teodoro de Bry.

402
FIORETO, T., “Verissima et ivcvndissima descriptio...”, de Ulrico Schmidl: literatura de viagem ou relato de
viagem?, p. 161.
403
GAULÍN, J. L., A Ascese do texto ou o retorno as fontes, p. 178.
404
FIORETO, T., “Verissima et ivcvndissima descriptio...”, de Ulrico Schmidl: literatura de viagem ou relato de
viagem?, p. 163.
405
Para saber mais sobre o diário de Ulrich Schmídel e as controvérsias que encerra, indicamos KALIL (2008) e
FIORETO (2015).
406
KALIL. L. G. A., A conquista do Prata: análise da crônica de Ulrich Schmidel, p.68.
119
Consideramos a obra de Quevedo e Mitre, importantes pelo fato dos mesmos
acrescentarem diversas notas de cunho etnográfico e comentários importantíssimos sobre
algumas passagens. Com um olhar contemporâneo em relação à época em que o diário foi
escrito, Lafone Quevedo utilizou-se de outros trabalhos e análises históricas para tornar a
narrativa que eles estavam publicando mais segura para ser analisada e interpretada. Além do
mais, Quevedo e Mitre anexaram documentos históricos relativos a outros atores coloniais
que dividiram a experiência do contato e conquista com Schmídel. Conforme Luis Kalil, os
editores procuraram dar um caráter mais científico a obra407.
Essas questões nos levam novamente ao trato das fontes coloniais. Conforme já
comentamos anteriormente, os cronistas do período não eram isentos de interesses pessoais e
estavam sujeitos ao contexto social e cultural da época, em especial a própria produção
escrita. Conforme podemos apreciar na fala de outros estudiosos do período, fica muito clara
a ação de copistas, tradutores e editores sobre as narrativas daqueles que testemunharam
eventos.
Desse contexto escriturário a ideia de representação do passado colonial se
evidência. Pois, em um primeiro plano temos o cronista, que, sujeito e vivendo em uma
determinada época, percebe, registra e traduz os objetos para o papel a partir de sua cognição.
Num segundo plano, temos um profissional, um editor, que buscará tornar pública a memória
escrita do cronista, não sem antes, intervir na mesma, esteticamente e teoricamente.
Este último aspecto que observamos foi elaborado por Roger Chartier ao analisar a
escrita da História cultural. Conforme este autor, para se compreender a produção escrita e os
sentidos que ela carrega, temos que saber que há dois tipos de dispositivos na produção de um
texto,
(...) os que decorrem do estabelecimento do texto, das estratégias de escrita,
das intenções do autor; e dos dispositivos que resultam da passagem a livro
ou impresso, produzido pela decisão editoria ou pelo trabalho de oficina,
tendo em vista leitores ou leitoras que podem não estar de modo nenhum
com os pretendidos pelo autor408.

Ao final dessa dinâmica de concepção, produção e leitura de um texto, o que temos é


a representação de uma determinada realidade. Que para ser compreendida deve ser lida de

407
Ibidem, p. 159.
408
CHARTIER, R., A História Cultural entre práticas e representações. p. 127.
120
forma indireta, situação que Carlo Ginzburg define como método indiciário, o qual permite
interpretar objetos opacos por meio de sinais e indícios409. Por esta ótica, em nossa análise,
quando não há clareza no objeto pesquisado, por exemplo: quando as coisas se apresentam de
forma muito superficial, buscamos por sinais, indícios e nos servimos de insights a partir do
próprio texto, mas também, a partir do aporte de outros trabalhos e análises históricas que nos
subsidiam.
Neste sentido, um dos primeiros sinais que percebemos na leitura do texto é que os
quase vinte anos que o soldado alemão permaneceu junto aos povos nativos, ele, em momento
algum, se refere a índios Chandule ou Guarani como povos oriundos de um mesmo extrato
cultural. Acreditamos que na percepção do cronista, esses povos enquanto entes sociais não
existiam, mesmo dividindo a experiência da conquista com outros companheiros de expedição
que tiveram percepção diferente410. Em momento algum Schmídel cita os mesmos. O índio
que existiu na mesma significação que a historiografia posterior consagrou para Chandule e
Guarani, foi o Carijó ou Carió.
Será com a categoria indígena Carió, além de muitas outras, que Schmídel irá lidar.
O autor irá se referir a esses nativos de forma positiva, acrescentando elementos em seus
comentários que qualificam esse povo, sem desprestígio a outros e sem enaltecimentos
exagerados quando se refere a aspectos de sua cultura e sua dispersão espacial. Essa é uma
característica que entendemos ser positiva na fala de Schmídel, pois, parece haver “un instinto
de imparcialidad sin afectación” 411, mesmo que ele carregue nas tintas quando quer se referir
à quantidade de indivíduos no território.
Quando ele se refere a grupos sociais diversos não percebemos no mesmo a pretensão
de deformar o objeto percebido, mesmo que isso possa soar positivo. Parece não haver
intenção no autor em tornar o grupo observado e descrito melhor do que ele realmente lhe
pareça ser. Mesmo atribuindo a determinado grupo um caráter que seja especial aos olhos dos
agentes da conquista, esse não será em detrimento dos demais. Por esta ótica, mesmo com
todas as intervenções externas ao texto, por insights oriundos das muitas leituras e estudos de

409
Cf. GINZBURG, C., Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História, p. 177.
410
Um dos participantes da expedição foi Domingo Martinez de Irala, capitão na expedição de Pedro Mendoza e
posteriormente governador do Paraguai. Em um relatório de 1545 ele vai se referir textualmente a Guarani ou
Carió para designar o povo que habitava o local onde se estabeleceu as primeiras fundações de Assunção.
411
MITRE, B., (notas). Viaje al Río de La Plata, p. 15.
121
documentos e textos históricos, ao analisarmos a narrativa de Schmídel, temos a impressão de
estarmos olhando o espaço social nativo muito próximo da realidade aparente que se
desenhava diante do mesmo. Não no que tange aos gentílicos, mas na organização
sociocultural e distribuição espacial, visto que Schmídel seria, conforme Bartolomé Mitre, um

observador atento y tranquilo de la naturaleza, sin imaginación y


despreocupado aunque no exento de preocupaciones vulgares y de
prevenciones personales, narra seca y concisamente los hechos, establece las
fechas, determina las distancias, describe lo que ve como lo comprende, sin
ornamentos de estilo ni divagaciones, y sólo de vez en cuando formula un
juicio, hace una reflexión o consigna datos etnográficos, geográficos,
estadísticos, astronómicos o de historia natural, que en breves rasgos nos dan
un retrato, bosquejan una comarca, describen un animal o una planta,
señalan un punto en el espacio o dan idea de razas y costumbres perdidas,
suministrando a la vez elementos preciosos para la cronología y para la
historia de la colonización inicial del Río de la Plata por la raza europea412.

Quando a expedição de Pedro de Mendoza atravessou o Atlântico e tocou o litoral


português, ancorou por quatorze dias em um local chamado de porto Rio de Janeiro. Após
este tempo transcorrido eles navegaram diretamente ao rio da Prata. Segundo o diário de
Schmídel, os navios que compunham a esquadra não pararam no porto de Santa Catarina, que
era local para reabastecimento de gêneros alimentícios e aquisição de lenguas da terra.
Acreditamos que a não contratação de lenguas nesse local, fato que se confirma no
documento “Información de los méritos y servicios del capitán Gonzalo de Mendoza”413, pode
ter influenciado a forma como Schmídel percebeu o contexto humano local. O motivo é
bastante simples: Schmídel trata em sua crônica somente dos Carió. Lembramos que no
percurso dos rios da Prata, Paraná e Paraguai, onde outros cronistas identificaram Guarani e
Chandule, ele somente identificou os Carió no lugar onde os espanhóis organizaram
Assunção. Talvez ele tenha sido influenciado pelos conhecimentos de um português chamado
Gonzalo de Acosta, que acompanhava a expedição de Pedro Mendoza na qualidade de lengua
da terra.
Lembramos que a forma como Diego García e principalmente Luis Ramírez
construíram suas percepções sobre os povos locais, foi em grande medida devido a influência

412
Ibidem, p. 5.
413
SCHMÍDEL, U., Viaje al Río de La Plata, p. 370.
122
dos náufragos que na qualidade de lenguas e tradutores culturais transmitiram percepções que
eram próprias ao contexto em que estavam vivendo.
Os náufragos da ilha de Santa Catarina Melchior Ramires e Henrique Montes que
relataram a Caboto sobre como os Guarani (guerreiros), lhes haviam informado da morte de
cristãos quando esses retornavam das terras altas a oeste, onde teriam se deslocado para
buscar metais preciosos, provavelmente seriam os mesmos interpretes que mais tarde nas ilhas
do rio Uruguai e no delta do rio Paraná, identificaram grupos locais utilizando a mesma
categoria empregada anteriormente, guarani.
Já, a presença dos Chandule nos relatos, deve ser creditada a influência do naufrago
Francisco del Puerto que a mais de dez anos vivia nas imediações do estuário do Prata, entre
outros povos locais. Por estar familiarizado e envolvido com outra dinâmica sociocultural,
visto que eram outros grupos indígenas que habitavam o local, Francisco del Puerto teria
identificado como Chandule os mesmos nativos que Henrique Montes e Melchior Ramírez
identificaram de Guareni. Este seria o possível motivo que levou Luis Ramírez a nominar
determinados nativos de Guareni ou chandule, conforme consta no capítulo anterior.
A dúvida que fica é por que Diego García que chegou um pouco mais tarde a região
do rio da Prata identificou os Guarani no delta do rio Paraná e os Chandule somente no rio
Paraguai? Por qual motivo ele classificou um e outro como grupos distintos e não percebeu
semelhanças com os nativos de Santa Catarina?
Neste último caso, a razão, talvez seja a presença do lengua Gonzalo de Acosta414.
Um português que vivia em São Vicente e que acompanhou Diego García na expedição ao rio
da Prata. Ao retornar à Europa com Diego García, Gonzalo de Acosta prestou serviços à
Espanha. Conforme obsevamos mais acima, ele retornou ao rio da Prata na expedição de
Pedro Mendoza, como um de seus principais lenguas. Também foi um dos principais lenguas,
na expedição comandada por Cabeza de Vaca que chegara ao rio da Prata alguns anos mais
tarde.
Lembramos que para os portugueses de São Vicente os povos litorâneos mais ao sul
eram chamados de Carijó. Neste sentido, é muito provável que Gonzalo de Acosta, que por
muitos anos teria morado em São Vicente, não considerasse serem os Chandule, Guarani e

414
MEDINA, J. T., Los viajes de Diego García de Mouguer al Rio de la Plata, p. 105.
123
Carió, um extrato social de um mesmo povo415. Por enquanto permanece a incógnita.
Conforme John Monteiro, a presença dessas aparentes incoerências nos relatos históricos são
questões de difícil solução416.
Com essa questão, retornamos ao debate anterior, só que ao contrário da
desconfiança sobre quem eram os Chandule, questionamos a forma como se construiu o
Guarani enquanto marcador étnico naquele contexto. Se hipoteticamente o considerarmos
como sendo uma alusão dos náufragos de Santa Catarina, que por meio da língua geral,
apreenderam a concepção da palavra guarení no sentido de soldado peleador - nossos
guerreiros, nossos guarenís – e a empregaram de forma generalizada para aqueles que lhes
eram aliados e falavam a língua geral. Teríamos um quadro em que a singularização da
pluralidade humana nativa se concebia a partir de uma função social comum, visto que
também haveria guarinis em outros grupos, ou seja, também havia guerreiros em outros
grupos.
Mas, definir um povo ainda nos primórdios da conquista por meio de um termo que
provavelmente não era uma alcunha comum, seria devido à incompreensão do espaço
sociocultural nativo ou a necessidade de se identificar uma unidade humana dominante numa
terra onde às forças pareciam se equivaler. Se não havia lei e rei, ao menos um povo forte era
necessário. Desta forma podemos imaginar que nada seria mais interessante aos agentes da
conquista, diante de uma babel humana imensurável, do que construir uma narrativa própria,
falando sobre um povo que era horticultor, guerreiro e que possuía uma língua que outros
tantos povos falavam. Um povo com aptidão para se tornar cristão e submeter-se a autoridade
real. Numa situação em que na qualidade de súditos forneceriam mulheres e homens para mão
de obra e soldados para a guerra.
Neste quadro hipotético, podemos conjeturar que naquele momento histórico não
havia, ao menos, um grupo para ser chamado de Guarani, mesmo entre os nativos locais,
guarani (guarení) não chegava a ser uma alcunha ou um adjetivo empregado por um grupo a
outro, era um termo para identificar uma forma de guerra, uma prática guerreira ou um
indivíduo guerreiro. Não sendo uma característica específica de um único povo. Portanto, é

415
Para saber mais sobre a participação de Gonzalo de Acosta nas expedições espanholas ao rio da Prata, ler El
portugués Gonzalo de Acosta al servicio de España de José Toribio Medina, (1908).
416
MONTEIRO, J. M., Os guarani e a historia do Brasil meridional: séculos XVI e XVII, p. 477.
124
muito provável que quem transformou esse termo em uma alcunha teriam sido os próprios
espanhóis.
Conforme comentamos mais acima, a expedição de Pedro de Mendoza chegou ao
porto de São Gabriel no rio da Prata, aproximadamente seis anos após o retorno de Caboto a
Espanha. Mesmo com os incidentes entre as gentes de Caboto e indígenas locais, acreditamos
que mudanças profundas no cenário humano não devem ter ocorrido. Com essa observação
queremos enfatizar que ao longo do tempo, Schmídel e seus companheiros de jornada tiveram
contato com os mesmos povos contatados anteriormente.
Desta forma, o primeiro povo contatado próximo ao porto de São Gabriel, foi
chamado de Zechuruass (charrua), enquanto que na margem oposta, sul do rio da Prata, eles
contataram os Querandí. Os dois grupos, de acordo com a narrativa possuíam muitas
semelhanças. Estabelecidos nesta parte sul, os espanhóis erguerem um forte chamado Buenos
Aires e mantiveram boas relações com os locais.
Conforme o cronista, durante o tempo em que ali estiveram “estos carendies traían a
nuestro real y compartían con nosotros sus miserias de pescado y de carne por 14 días sin
faltar más que uno en que no vinieron”417. No entanto, essa relação de amizade durou pouco,
ao menos pela parte dos ibéricos, visto que, quando os Querandí pararam de fornecer
alimentos aos estrangeiros, provavelmente por que suas próprias reservas estavam
terminando, os espanhóis tentaram manter pela força o status quo deste intercâmbio.
Diante da ruptura das relações com este grande grupo local e com a falta de
alimentos, Pedro de Mendoza enviou trezentos e cinquenta homens para navegarem o rio
Paraná acima para contatarem outros grupos nativos para que pudessem lhes fornecer
provisões. Tentando seguir o curso do rio Paraná em quatro pequenos barcos a remos,
chamados bergantins, esta expedição ficou afastada cinco meses do forte de Buenos Aires. Ao
transcorrer desse tempo, retornou ao forte sem ter obtido sucesso, pois, os nativos com quem
tentavam contato, abandonavam e queimavam suas casas e suas plantações418.
Devido a fortes conflitos com os Querandi e a fome que se generalizou, segundo
relatos, centenas de homens pereceram. Um trecho da carta de Isabel de Guevara, que fez
parte da expedição de Pedro de Mendoza, escrita a rainha da Espanha duas décadas mais

417
SCHMÍDEL, U., Viaje al Río de La Plata, p. 55.
418
Cf. SCHMÍDEL, U., Viaje al Río de La Plata, p. 57.
125
tarde, ilustra esta passagem.

A esta provincia del Rio de la Plata, con el primer gobernador dela, don
Pedro de Mendoza, avemos venido ciertas mujeres, entre las cuales a querido
mi ventura que fuese yo la una; y como la armada llegase al puerto de
Buenos Aires, con mil é quinientos hombres, y les faltase el bastimento, fue
tamaña la hambre, que, al cabo de tres meses, murieran los mil419.

Do total de homens da expedição, pouco mais de quinhentos sobreviveram. Nova


expedição foi organizada. Um grupo permaneceu abordo dos navios que estavam ancorados e
o restante preparou-se para subir novamente o rio Paraná em busca de alimentos e de um novo
local para um estabelecimento definitivo. Após navegarem por oitenta e quatro milhas em
aproximadamente dois meses, chegaram a umas casas de índios que habitavam algumas ilhas.
Identificados como Timbú, os espanhóis calcularam o número dos mesmos em quinze mil
homens de guerra. De acordo com Schmídel, os homens eram “altos y bien formados, pero
las mujeres, por el contrario, viejas y mozas, son horribles, porque se arañan la parte inferior
de la cara que siempre está ensangrentada”420. Atualmente, a partir de outros relatos e estudos
históricos, podemos observar que essas tatuagens apontadas pelo cronista eram uma pauta
cultural comum às mulheres de muitos grupos chaquenhos.
No local, o cronista nos conta que permaneceram por quatro anos. Neste ínterim,
Pedro de Mendoza retornou a Espanha por estar com a saúde debilitada, vindo a óbito durante
a viagem. Mas, uma promessa sua registrada em testamento foi respeitada, que era de enviar
logo após a sua chegada aos portos espanhóis, mais homens, alimentos e utensílios diversos
para ajudar os que permaneceram no rio da Prata421.
Na ilha dos Timbú, onde estava grande parte da tripulação, o capitão Juan de Ayolas
dividiu novamente os expedicionários. Deixou uma parte de seus comandados junto aos
nativos locais e continuou a navegar, explorando o rio acima. Do local onde estavam, batizado
de porto Boa Esperança, subiram o rio Paraná na expectativa de encontrar um rio chamado
Paraguai. Conforme Schmídel, nas margens desse rio haveria um grande povo ribeirinho,

419
Carta de Doña Isabel de Guevara á la princesa gobernadora Doña Juana, exponiendo los trabajos hechos en
el descubrimiento y conquista del Río de la plata por las mujeres para ayudar á los hombres, y pidiendo
repartimiento para su marido, p. 619.
420
SCHMÍDEL, U., Viaje al Río de La Plata. p. 59.
421
Ibidem.
126
chamado Carió. Segundo o autor, as notícias sobre esse povo davam conta de que o mesmo

tienen trigo turco (maíz), y una raíz con el nombre de manteochade


(mandioca) y otras raíces como padades (batatas) y manteoch propie y
mandeoch mandepore. La raíz padades (batatas), se parece a la manzana y
es del mismo sabor; mandeoch propie sabe a castaña; de mandeoch poere se
hace vino, que beben los indios. Estos carios tienen pescado y carne, y unas
ovejas muy grandes como las mulas de esta tierra (Alemania); tienen
chanchos del monte, avestruces y otras salvajinas; gallinas y gansos en gran
abundancia422.

Considerando as narrativas anteriores que seriam as primeiras efetuadas de maneira


mais ampla sobre os povos nativos desta parte do Novo Mundo, esta também seria a primeira
vez que o termo carió aparece para identificar um povo nativo. Este fato se torna interessante
se considerarmos que também pode estar ligado a questão dos interpretes. Lembramos que a
expedição de Pedro Mendoza na qual Schmídel fez parte, navegou diretamente do porto Rio
de Janeiro até o porto São Gabriel. Não houve, portanto, uma parada em São Vicente e Santa
Catarina.
Por esta ótica, reforçando o que já discutimos anteriormente, os prováveis guias e
lenguas eram marinheiros de expedições anteriores, nativos locais ou algum europeu daquele
porto chamado Rio de Janeiro, que conhecia a região para onde a expedição se dirigia. Nas
relações coloniais os habitantes nativos do porto do Rio de Janeiro eram identificados como
Tupinambá. Na língua geral do litoral português, os habitantes nativos litorâneos ao sul de
São Vicente eram chamados durante grande parte do século XVI de Carijó. Acreditamos que
isso ajuda a explicar o porquê de Schmídel não identificar Guarani ou Chandule em sua
narrativa.
No percurso até o paraíso dos Carió, a expedição de Ayolas localizou e identificou
outros grupos. O primeiro teria sido os Coronda, habitantes das ilhas, homens altos, que
falavam o mesmo idioma, furavam e enfeitavam o nariz à semelhança dos Timbú. Nesse local
onde se concluiu haver doze mil homens de guerra, eles receberam dois cativos Carió para
lhes servirem de lenguas e para guiá-los rio acima.
Trinta milhas acima dos Coronda, localizaram casas de nativos próximas a uma
grande lagoa na margem esquerda do rio Paraná. Identificaram os habitantes das mesmas

422
SCHMÍDEL, U., al Viaje Río de La Plata, p. 163.
127
como Gulgaise. Conforme a narrativa nos informa423, esses Gulgaise falavam a mesma língua
e tinham costumes semelhantes aos do rio abaixo. Lafone Quevedo deduz que eles fossem os
Quiloaza424.
Após quatro dias de descanso e reabastecimento neste local, deixaram para trás o que
Schmídel estipulou em quarenta mil homens de guerra. Navegando dezoito dias sem encontrar
grupo algum e estando a sessenta e quatro milhas dos Gulgaise, localizaram na margem
direita do rio Paraná, casas onde provavelmente viviam dezoito mil homens de guerra com
suas famílias. No físico e ornamentos seriam semelhantes aos povos contatados
anteriormente. No entanto, esses falavam outro idioma, sendo chamados de Mocoretá425.
Dezoito milhas acima localizaram um povo chamado de Zeckennaus Saluaischco
(Chana Selvagem). Uma “gente petiza y gruesa, no tienen más de comer que pescado y miel.
Esta gente, tanto hombres como mujeres, mozos como viejos, andan en cueros vivos, así
como fueron lanzados al mundo”426. Conforme o autor, seu hábitat natural ficava a vinte
milhas do rio Paraná, mas devido ao baixio do rio, os dois mil homens de guerra que
compunham esse povo, haviam se dirigido para as margens do Paraná, a fim de pegar pescado
e combater os Mocoretá.
Algumas milhas acima toparam com outro povo nativo que foi chamado de Mepene.
Esse seria composto por aproximadamente uns dez mil homens de guerra. Conforme
Schmídel, os mesmos viviam espalhados por quarenta milhas de comprimento e de largura
nas margens do rio Paraná. O cronista não nos dá maiores detalhes sobre esse povo, mas
observa que eles atacaram os espanhóis com quinhentas canoas e que somente lutavam na
água427.
Subindo rio acima navegaram por oito dias até chegar à foz do rio Paraná com o rio
Paraguai. Algumas milhas acima desse último rio chegaram às casas dos Kurgmaibei
(Curumeguá).
Son altos y corpulentos, así hombres como mujeres. Estos hombres se
horadan las narices y en la aberturita meten una pluma de papagayo;

423
Ibidem.
424
QUEVEDO, S. L., Viaje al Río de la Plata, p. 61.
425
Ibidem, p. 165.
426
Ibidem, p. 166.
427
Ibidem, p. 167.
128
las mujeres se pintan la parte inferior de la cara con unas rayas largas
de azul, que les duran por toda la vida; y se tapan las vergüenzas con
un pañito de algodón desde el ombligo hasta las rodillas428.

Lafone Quevedo429 observou que os traços desses indígenas têm muito a ver com os
traços dos Toba ou Abipone, que fizeram parte do rol dos Guaicuru. Schmídel não tece
maiores considerações, mas observa que eles foram muito bem tratados e no local
permaneceram três dias. No quarto dia, seguiram o curso do rio Paraguai acima até as
tolderias dos Agace, fixados na altura do rio Bermejo. Esses eram nativos que tinham como
seu principal habitat, a água. Conforme Schmídel, ao som de guerra esperaram os espanhóis.
Um forte combate foi travado na terra e na água, em que morreram centenas desses guerreiros
e quinze espanhóis. Schmídel os considerou os melhores guerreiros que encontrou. Lutavam
tanto em terra quanto na água, sendo neste último domínio sua especialidade430.
Os espanhóis não podendo pilhar os vencidos porque estes haviam se antecipado a
estratégia ibérica da pilhagem, escondendo suas provisões e suas famílias em locais distantes
do campo de batalha, seguiram rumo aos casarios dos Carió que estava cinquenta milhas
acima dos Agace. Para os espanhóis, a terra dos Carió era o paraíso na terra e, para nós, os
Carió foram o centro daquilo que entendemos ser o Guarani colonial. Ou seja, se houve um
povo que possa ser etnicamente definido como Guarani no período em que estamos tratando,
este povo seria os Carió.

3.2.1 Os Carió: quiçá Guarani

Ao chegar à cidade desses nativos que estaria a 50 milhas dos Agace, a expressão que
Schmídel usou para se referir à fartura de alimentos que ele e seus companheiros encontraram,
é que o deus cristão permitiu431,
que encontrássemos como nos haviam avisado, milho, umas raízes brancas,
as batatas que se parecem às maçãs e tem também o mesmo sabor, e

428
SCHMÍDEL, U., al Viaje Río de La Plata, p. 169.
429
QUEVEDO, S. L., Viaje al Río de la Plata, p. 62.
430
SCHMÍDEL, U., al Viaje Río de La Plata, p. 170.
431
SCHMÍDEL, U., Viaje al Río de La Plata, p. 171.
129
mandioca que tem sabor de castanhas, da qual tiram os índios seu vinho.
Também tem em abundância peixe e carnes, veados, javalis, avestruzes,
ovelhas indianas, grandes como mulas e coelhos, galinhas e cabras, assim
como mel do que fazem também vinho. Também há muito algodão432.

O cronista permaneceu quase vinte anos explorando o território por terra e água.
Neste aspecto, ao possuir uma ideia geral da área de mobilidade do povo Carió, ele comentou
que o território dos mesmos era de quase 300 milhas de comprimento433. Números
expressivos se considerarmos que uma milha terrestre, neste caso, pode ser calculada em
aproximadamente 1,600 metros de comprimento.
Essa medida nos daria um território de aproximadamente 480 km de extensão. Um
pouco diferente da afirmação de Domingo Martinez de Irala, que em sua relación434 de 1541,
atribuiu um território de 30 léguas ao redor de Assunção para os Carió. Considerando que
uma légua equivale a aproximadamente 7 km, teríamos 210 km ao redor de Assunção.
Schmídel ainda observa que subindo o rio Paraguai a partir de Assunção, havia
aproximadamente 80 milhas (128 km) para se chegar até a última aldeia Carió, estabelecida
rio acima. Sendo que neste trecho do rio pela margem oriental, a cada 5 milhas (8 km) havia
uma grande aldeia Carió. Essas aldeias dos Carió eram vistas acima do rio Paraguai 435 (acima
da antiga aldeia Lambere, local onde foi erguida Assunção).

A cada 5 milhas concluídas (percorridas) até a aldeia encontramos sempre


alguém dos Carios que habitavam próximo ao rio Parabor. Estes, no
caminho, forneceram para nós o alimento necessário, sem dúvida peixes e
carnes, galinhas, também gansos, ovelhas índicas e avestruzes. Quando então
chegamos até a aldeia do último dos povos Carios, que é chamado
Vvveybingen, distante 80 milhas da cidade de Noster Signora Desumsion,
nos provemos de comida e outras coisas necessárias, tanto quanto era
possível fazer436.

432
FIORETO, T., “Verissima et ivcvndissima descriptio...”, de Ulrico Schmidl: literatura de viagem ou relato de
viagem?, p. 46.
433
SCHMÍDEL, U., Viaje al Río de La Plata, p. 171.
434
IRALA, D. M., La relación que dejó Domingo Martinez de Irala en Buenos Aires al tiempo que la despobló
(1541).
435
SCHMÍDEL, U., Viaje al Río de La Plata, p. 172.
436
FIORETO, T., “Verissima et ivcvndissima descriptio...”, de Ulrico Schmidl: literatura de viagem ou relato de
viagem?, p. 54.
130
Calculando hipoteticamente a população Carió assentada na margem oriental do rio
Paraguai, num trecho equivalente a aproximadamente 128 km acima de Assunção,
considerando que a cada 8 km teríamos uma grande aldeia, que nos da um total de 16 aldeias
com uma média populacional de 3 mil pessoas. Teríamos um entorno populacional de 48 mil
habitantes437.
Esses habitantes, considerando a visão do autor que se refere a parte masculina dos
moradores, eram “hombres petizos y gruesos (...). Los varones tienen en el labio un agujero
pequeño en el que meten un cristal amarillo, que en lengua de ellos se llama parabol
(barbote), de dos jemes de largo y grueso como el canuto de una pluma”438.
A descrição do tipo físico dos mesmos é muito semelhante aos Chana Selvagem,
descritos anteriormente. No entanto, se fossem os mesmos, acreditamos que seria muito
provável que Schmídel se apercebesse dessa questão, já que ele vai perceber a presença dos
Carió em outras regiões mais distantes.
Voltamos a frisar que em nosso entendimento, este cronista parecia simples e
objetivo em suas observações, conseguindo distinguir diferentes grupos em seus aspectos
linguísticos e culturais quando fosse o caso. Assim como observou Bartomeu Melià ao
comentar que “ingênuo, imediato, não pouco irônico, Schmidl, observa bem e descreve com
precisão”439.
Com isso, queremos salientar que há uma diferença muito grande de sentido, quando
se procura afirmar que um povo está em grande parte do território, ocupando os mesmos pela
força, numa situação em que impõem a outros povos sua língua e cultura, em relação a outra
afirmação, quando se observa que um povo é a “gente (...) más caminadora de cuantas
naciones hay en el Río dela Plata” siendo “grandes guerreros por tierra”440, conforme narrou
Schmídel.
Em nosso entendimento, uma das chaves na ideia de guaranização em papéis
escritos, antigos ou contemporâneos, é a forma como se expressa a provável presença de

437
Baseado nas informações de Schmídel, realizamos essa conta hipotética, mas, se considerarmos que em cada
aldeia onde houve resistência dos Cariós contra os espanhóis a média de guerreiros informada por Schmídel é de
3 mil homens e replicássemos para o restante das supostas aldeias que margeavam o rio Paraguai, teríamos um
número de habitantes bastante superior.
438
SCHMÍDEL, U., Viaje al Río de La Plata, p. 172.
439
MELIÀ, B.; SAUL, M. V.; MURARO, V. F., O Guarani: uma bibliografia etnológica, p. 21.
440
SCHMÍDEL, U., Viaje al Río de La Plata, p. 172..
131
determinado povo em amplo território e como se procura explicar essa presença. Para Caboto
“la mas principal generación de Indios de aquella tierra, son los Guaranis, gente guerrera,
traidora, i soberbia, i que llaman esclavos à todos que no son de su lengua”441. Para Luis
Ramírez “éstos andan derramados por esta tierra y por otras muchas, como cosarios, a causa
de ser enemigos de todas estotras naciones (...) éstos señorean gran parte desta India”442.
Conforme o capítulo anterior, percebemos claramente o princípio de guaranização
nas falas de Luis Ramírez e no dito relatório de Sebastião Caboto. Pois, além dos mesmos
generalizarem e ampliarem a presença do povo Guarani em espaços contínuos e amplos,
atribuíram aos mesmos, entre outros elementos, o caráter de principal povo do território.
Essa situação se apresenta de forma diferente em Schmídel. O soldado alemão
vislumbrou uma ampla população Carió, mas definiu limites, pois, ele também percebeu a
presença de outros grandes povos no território. E, quando ele distinguiu o caráter guerreiro
desses Carió, a organização de suas aldeias, sua rica produção de alimentos, ele não
amplificou o caráter sociocultural dos mesmos em relação a outros povos. Ele não tornou os
Carió melhores do que outros. Essas questões podem parecer simplistas, mas produziram
reflexos em parte da historiografia indígena colonial que se construiu nos anos que seguiram.

3.3 Os Guarani em Cabeza de Vaca

Sem dúvida, juntamente com Ulrich Schmídel, Cabeza de Vaca é provavelmente um


dos cronistas mais conhecidos do século XVI. É quase leitura obrigatória quando se busca
conhecer o contexto humano das terras das províncias do Rio da Prata no período da
conquista e colonização. Álvar Núñez Cabeza de Vaca chegou às terras meridionais no ano de
1541 na condição de “adelantado, gobernador y capitán general del Río de la Plata443” e, é
por meio de suas memórias escritas e do que escreveu sobre sua passagem por estas terras,

441
HERRERA Y TORDESILLAS, A. Historia General de los hechos de los Castellanos en las Islas i Tierra
Firme del Mar Océano, p. 168.
442
RAMÍREZ, L., Carta de Luis Ramírez, do Rio da Prata a 10 de julho de 1528, p. 27.
443
MAURA, J. F., El Gran burlador de América: Álvar Núñez Cabeza de Vaca, p. 25.
132
que temos um olhar mais amplo sobre o indígena que foi categorizado de Guarani naquele
período.
Quando Cabeza de Vaca chegou a estas terras, não seria a primeira vez que ele pisava
o solo do Novo Mundo. Segundo sua própria memória histórica, ele havia estado no que seria
hoje a América do Norte alguns anos antes, quando havia participado de uma expedição
comandada por Pánfilo de Narváez no ano de 1527. Sobrevivendo a naufrágio, fome,
hostilidade nativa e cativeiro, foi um dos três sobreviventes de um total de 600 homens que
teriam feito parte dessa expedição444.
A partir das informações de sua crônica de viagem publicada pela primeira vez no ano
de 1542 na cidade de Zamora, sob o título La relación que dio Álvar Núñez Cabeza de Vaca
de lo acaecido en las Indias en la armada donde ya por gobernador Pamphilo de Narbaez
desde el año de veinte y siete hasta el año de treinta y seis que volvió a Sevilla con tres de su
compañía445. Estima-se que ele e seus companheiros tenham percorrido mais de oito mil km
desde a derrocada final da expedição que teria acontecido em algum ponto da costa da Flórida
até a cidade do México.
Aproximadamente três anos após seu retorno à Espanha, por volta de 1540, Cabeza de
Vaca foi requisitado pelo imperador Carlos V para comandar uma expedição de socorro aos
homens de Pedro de Mendoza, que estavam no rio da Prata. Conhecendo as aventuras de
Álvar Núñez e seus serviços prestados à Coroa por meio da Relación que o próprio Vaca teria
efetuado aos oficiais reais, o imperador concedeu a Álvar Núñez a governança geral da nova
capitania e título de adelantado446.
Quem narra a passagem desse eminente personagem pelas terras do Prata, é Pero
Hernández. Escrivão de Cabeza de Vaca, “hombre de su confianza y testigo presencial de los
sucesos que narra”447. A crônica dessa aventura sob a pena de Pero Hernández é publicada
dez anos após o retorno de Cabeza de Vaca a Espanha sob o título de Comentários. É quase
um anexo a reedição da crônica de 1542 que Vaca trouxe novamente a público na cidade de
Valladolid no ano de 1555, só que dessa vez sob o título La relación y comentarios del

444
Cf. MAURA, J. F., El Gran burlador de América: Álvar Núñez Cabeza de Vaca.
445
Cf. El JABER, L., Álvar Núñez Cabeza de Vaca: Gustos y olvidos. Legalidad, viaje y escritura, p. 2.
446
Cf. CABEZA DE VACA, A. N. Naufrágios & comentários, p. 147.
447
PÉREZ, R. F., (introdução e notas). Álvar Núñez Cabeza de Vaca: naufragios e comentarios, p. 104.
133
gobernador Álvar Núñez Cabeza de Vaca de lo acaecido en las dos jornadas que hizo a las
Indias448. Conforme Loreley el Jaber, o título que conhecemos comumente como Naufrágios,
foi utilizado somente em 1749 por Andrés González Barcia, quando publicou uma nova
edição449.
Da mesma forma que os documentos de outros cronistas que analisamos
anteriormente, este apresenta certas dificuldades no que tange a interpretação histórica. Neste
sentido, além do que já discutimos anteriormente sobre o cuidado que devemos ter com o
contexto da produção escrita, com as intenções dos indivíduos que viveram a ação e
testemunharam os fatos, além dos interesses de copistas, tradutores e editores, há que se ter
especial atenção ao fato de que a crônica, Comentários, foi escrita por Pero Hernández.
Secretário de Cabeza de Vaca, já estava no Paraguai quando da chegada deste. Ele
fazia parte da expedição de Pedro de Mendoza na qualidade de escrivão da armada. Conforme
Serrano y Sanz,

Comentarios, obra de Pero Hernández, apasionada como escrita por un


partidario de Alvar Núñez y que en cierta manera es una apología, más que
historia imparcial, que no otra cosa podía esperarse de las circunstancias en
que fue compuesta, cuando la ambición y el odio mutuo de los
conquistadores hizo de las Indias un campo de Agramante450.

A tendência a uma narrativa a favor de Cabeza de Vaca, que o historiador Serrano


identifica como sendo quase uma apologia, tem a ver com uma sedição interna ocorrida entre
os conquistadores espanhóis estabelecidos em Assunção na época. Acontecimento que
resultou na prisão de Vaca e sua condução a Espanha para ser julgado. O documento escrito
por Pero Hernández sobre a trajetória de Cabeza de Vaca, desde sua chegada às províncias do
Rio da Prata, seu cárcere e condução para a Espanha, é nas palavras de Juan Francisco Maura,
uma “auto propaganda continua y descarada a lo largo de la narración con la descripción de
todas las virtudes del protagonista: valor, generosidad, entrega, compañerismo, lealtad a la
Corona y comportamiento Cristiano”451. A apologia a Cabeza de Vaca seria uma maneira de

448
Cf. El JABER, L., Álvar Núñez Cabeza de Vaca: Gustos y olvidos. Legalidad, viaje y escritura, p. 2.
449
Ibidem.
450
SERRANO Y SANZ, M., (edição e notas). Relación de los Naufragios y Comentarios, p. 21.
451
MAURA, J. F., El Gran burlador de América: Alvar Núñez Cabeza de Vaca, p. 186.
134
recuperar a imagem do mesmo perante a opinião pública, pois, no seu retorno a Espanha ele
foi “juzgado y condenado al destierro en África, hasta 1556 en que obtuvo el perdón por parte
de Felipe II”452.
Cabeza de Vaca necessitava melhorar sua imagem, retomar sua honra e seu antigo
prestígio perante a Corte espanhola. Trazer novamente ao público a crônica, Naufrágios, e na
sequência a crônica, Comentários, esta última escrita em terceira pessoa, tem a ver com essa
pretensão. Enquanto a edição de 1542 “sería mucho más concisa, mientras en la entregada al
publico Álvar Núñez daría paso a su fantasía e imaginación”453.
Muitos pesquisadores que estudaram a vida e obra de Cabeza de Vaca são unânimes
em afirmar que a Pero Hernández coube muito mais a pecha de escrivão do que cronista, pois,
o verdadeiro cronista seria o próprio Cabeza de Vaca que narrou os fatos e induziu a escrita
dos mesmos. “Resumiendo, podemos decir, como ya se ha apuntado, que se trata de unas
memorias exculpatorias de su fracasada gobernación, firmadas por un hombre de toda su
confianza”454.
Em nosso entendimento, especialmente para nosso trabalho, Comentários, a crônica
que trata da presença de Cabeza de Vaca nas terras do rio da Prata é um dos textos coloniais
do século XVI que traz impresso a marca da guaranização, principalmente quando é narrada a
marcha que o então governador do Paraguai realizou desde a ilha de Santa Catarina até
Assunção. Conforme análise que realizaremos de sua passagem até chegar ao rio Paraná,
todos os povos nativos com quem ele manteve contato eram Guarani.
A edição que estamos utilizando para desenvolvermos nossas análises sobre a
contribuição de Cabeza de Vaca aos estudos históricos coloniais, foi publicada pela Editora
CALPE no ano de 1922 em Madrid, como parte de um conjunto publicações intituladas
Grandes Viajes Clásicos. De acordo com Juan Miguel Vigil, o conteúdo das obras “estaba
relacionado con el descubrimiento y colonización de América”455. Estamos utilizando outras
edições da crônica, Naufrágios e Comentários, para cotejar com a edição da CALPE. A
edição brasileira em formato pocket publicada pela L&PM de 1999 com prefácio de Henry

452
PÉREZ, R. F., (introdução e notas). Álvar Núñez Cabeza de Vaca: naufragios e comentarios p. 1115.
453
Ibidem, p. 99.
454
PÉREZ, R. F., (introdução e notas). Álvar Núñez Cabeza de Vaca: naufragios e comentarios, p. 104.
455
SANCHEZ VIGIL, J. M., La editorial CALPE y el Catálogo general de 1923, p. 269.
135
Miller e introdução de Eduardo Bueno; a edição espanhola digital da editora Himale de 2013
com prefácio e notas de Roberto Ferrando Pérez; a edição espanhola da Librería General de
Victoiano Suárez de 1906, com anotações, prefácio e notas de Manuel Serrano y Sanz.
Cabeza de Vaca e sua tripulação aportaram em março de 1541 nas imediações da ilha
de Santa Catarina, partindo da mesma numa caminhada rumo à Assunção em novembro do
mesmo ano. Chegando a seu destino final aproximadamente cinco meses mais tarde. Ao
superar obstáculos naturais como, rios, florestas, montanhas e campos, Cabeza de Vaca
permeou sua narrativa exclusivamente com a presença Guarani. Em momento algum ele
acusou o fato de estar tratando com outros povos. Todos os povos do caminho eram Guarani.
O único momento em seus Comentários que ele empregará o termo carió será no início de sua
aventura nas terras meridionais, quando recebeu notícias sobre a situação dos espanhóis
estabelecidos em um local chamado Assunção456.
Lembramos, conforme discussão no primeiro capítulo, que os comandantes de
expedição adquiriam junto a Casa de Contratação ou Conselho das índias, um pré-
conhecimento do que iriam encontrar. Enquanto Cabeza de Vaca organizava sua expedição,
as relações de viagem de Caboto e Diego García já faziam parte da documentação oficial
espanhola e, conforme capítulo anterior, Sebastião Caboto havia definido o principal povo das
províncias do Rio da Prata como sendo os Guarani.
Observamos que entre os lenguas que acompanhavam Cabeza de Vaca havia um que
foi requisitado pela corte espanhola para guiá-lo. Conforme pontuamos anteriormente,
tratava-se de Gonzalo de Acosta. Um português que durante muitos anos havia morado em
São Vicente e serviu de interprete nas expedições de Diego García, Pedro Mendoza e, agora,
trabalhava com Álvar Núñez. Da mesma maneira que os portugueses de São Vicente definiam
aos nativos mais ao sul do litoral atlântico de Carijó, assim também o fez Gonzalo de
Acosta457.
O percurso que Vaca teria efetuado ao sair da ilha de Santa Catarina seria um dos
ramais de um caminho principal que a literatura histórica consagra como Peabiru. Um
caminho construído e utilizado pelos indígenas para se dirigirem ao interior do continente.

456
Cf. CABEZA DE VACA. A. N., Naufragios y Comentarios, p. 161.
457
Conforme podemos observar em El Portugués Gonzalo de Acosta al servicio de España (MEDINA, 1908),
há somente referência aos Carió.
136
Thiago Cavalcante em seu trabalho sobre o mito de São Tomé, nos dá maiores informações
sobre o mesmo.

A extensão total do caminho é calculada na atualidade em cerca de três mil


quilômetros. Suas trilhas passavam pelos atuais estados brasileiros de São
Paulo, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul e pelos atuais países sul-
americanos Paraguai, Bolívia e Peru. Ele seria dividido em cinco rotas,
sendo a mais importante a que se estendia entre São Vicente e Assunção,
passando pelos rios Tibagi e Piquiri no atual estado Paraná. Uma segunda
via partiria de São Vicente, chegando ao rio Paranapanema e posteriormente
atingindo o Ivaí. A terceira sairia de Cananéia até o vale do Tibagi. Outra
rota incluía o interior catarinense, partindo do rio Itapocu até encontrar o
ramal paulista. A última passaria pelo vale do rio Uruguai458.

Ao sair da ilha de Santa Catarina e subir em direção ao norte, Cabeza de Vaca e seus
comandados chegaram ao rio Itabuco - designado por Itapocu, passa atualmente pelo
município de Jaraguá do Sul e tem sua foz no oceano Atlântico - costearam o mesmo e ao
décimo nono dia de caminhada passando somente por lugares desabitados “(...) no teniendo
de comer, plugo a Dios que sin se perder ninguna persona de la hueste descubrieron las
primeras poblaciones que dicen del Campo donde hallaron ciertos lugares de indios”459. Em
homenagem a família de seu pai, Cabeza de Vaca nomeou essa região de Província de Verá.
Nessa região eles localizaram as primeiras povoações indígenas e chegaram a três
aldeias que estavam próximas uma das outras. Cada uma com seu cacique principal
receberam os espanhóis com muitos mantimentos, demonstrando muita alegria.

Esta es una gente y generación que se llaman guaraníes; son labradores, que
siembran dos veces en el año maíz, y asimismo siembran cazabi, crían
gallinas a la manera de nuestra España, y patos; tienen en sus casas muchos
papagayos, y tienen ocupada muy gran tierra, y todo es una lengua; los
cuales comen carne humana, así de indios sus enemigos, con quien tienen
guerra, como de cristianos, y aun ellos mismos se comen unos a otros. Es
gente muy amiga de guerras, y siempre las tienen y procuran, y es gente muy
vengativa; de los cuales pueblos, en nombre de Su Majestad, el gobernador
tomó la posesión, como tierra nuevamente descubierta, y la intituló y puso
por nombre la provincia de Vera460.

458
CAVALCANTE, T. L. V., Apropriações e ressignificações do mito de São Tomé na América: a inclusão do
índio na cosmologia cristã, p. 82.
459
CABEZA DE VACA, A. N., Naufragios y Comentarios, p. 166.
460
CABEZA DE VACA, A. N., Naufragios y Comentarios, p. 167.
137
Conforme Jefferson de Lima Picanço e Maria José Mesquita, ao fazerem um trabalho
sobre a cartografia do sertão do Tibagi461, a região que a expedição estaria atravessando se
define atualmente como os campos de Curitiba. Ana Paula Colavite 462 ao traçar o caminho do
Peabiru no estado do Paraná, atualizou um mapa elaborado por Reinhard Maack em 1959,
que entre outros elementos, apresenta um dos ramais do Peabiru que se dirige até a ilha de
Santa Catarina, provável itinerário de Cabeza de Vaca.
Seguindo seu itinerário, após dois dias de caminhada chegaram a um rio que
chamaram de Iguaçu. Passaram o mesmo e após mais três dias de jornada chegaram ao rio
Tibagi. “De dos leguas cerca de este río vinieron los indios con mucho placer a traer a la
hueste bastimentos para la gente; por manera que nunca les faltaba de comer, y aun a veces lo
dejaban sobrado por los caminos”463.

Mapa 1: Peabiru em São Paulo, Paraná e Santa Catarina, segundo Reinhard Maack (1959), adaptado por Ana Paula Colavite.

Revista da AMPEGE, v. 5, p. 86 - 105 2009.

Aproximadamente dois meses após o início da jornada e após terem passado por

461
PICANÇO, J. L.; MESQUITA, M. J.; O Sertão do Tibagi, os diamantes e o mapa de Ângelo Pedroso Leme
(1755), p. 4.
462
COLAVITE, A. P.; BARROS, M. V. F., Geoprocessamento Aplicado a estudos do caminho do Peabiru.
463
CABEZA DE VACA, A. N., Naufragios y Comentarios, p. 168.
138
diversas povoações de índios Guarani464 chegaram no dia 14 de janeiro de 1542 a um rio que
na crônica aparece como Iguatu.

A los 14 días del mes de enero, yendo caminando por entre lugares de indios
de la generación de los guaraníes todos los cuales los recibieron con mucho
placer, y los venían a ver y traer maíz, gallinas y miel y de los otros
mantenimientos; y como el gobernador se lo pagaba tanto a su voluntad,
traían le tanto, que lo dejaban sobrado por los caminos. Toda esta gente anda
desnuda en cueros, así los hombres como las mujeres; tenían muy gran temor
de los caballos, y rogaban al gobernador que les dijese a los caballos que no
se enojasen, y por los tener contentos los traían de comer; y así llegaron a un
río ancho y caudaloso que se llama Iguatu (…) Este Iguatu está de la banda
del oeste en veinte y cinco grados; será tan ancho como el Guadalquivir. En
la ribera del cual, según la relación hubieron de los naturales y por lo que vio
por vista de ojos, está muy poblado, y es la más rica gente de toda aquella
tierra y provincia, de labrar y criar, porque crían muchas gallinas, patos y
otras aves, y tienen mucha caza de puercos y venados, y dantas y perdices,
codornices y faisanes, y tienen en el río gran pesquería, y siembran y cogen
mucho maíz, batatas, cazabi, mandubíes (1), y tienen otras muchas frutas, y
de los árboles cogen gran cantidad de miel465.

Vamos abrir um parêntese nesta passagem para comentarmos a questão do nome desse rio
Iguatu. Não encontramos esse rio em mapas antigos e atuais: não significa que não exista. Na edição
brasileira de Naufrágios e Comentários publicada pela Editora L&PM de 1999, esse rio Iguatu é
considerado o rio Iguaçu. Também na edição espanhola da Editora Himali de 2013, é considerado o
rio Iguaçu. No entanto, fica nossa dúvida, pois o governador vai chegar ao rio Iguaçu somente ao final
de janeiro de 1542.
A postrero día del dicho mes de enero, yendo caminando por la tierra y
provincia, llegaron a un río que se llama Iguazu, y antes de llegar al río
anduvieron ocho jornadas de tierra despoblada, sin hallar ningún lugar
poblado de indios. Este río Iguazu es el primer río que pasaron al principio
de la jornada cuando salieron de la costa del Brasil466.

O próprio narrador, conforme podemos perceber teve consciência de que já haviam


passado o rio Iguaçu no início da jornada. Acreditamos que o Iguatu seja na verdade o
Piqueri, pois, há duas passagens neste documento que contribuem para esta hipótese. A
primeira é quando Pero Hernández fala da chegada Cabeza de Vaca, na sequência da

464
CF. CABEZA DE VACA, A. N., Naufragios y Comentarios, p. 170-176.
465
CABEZA DE VACA, A. N., Naufragios y Comentarios, p. 179.
466
Ibidem, p.181.
139
narrativa, ao rio Iguatu, comentando sobre a situação de alguns espanhóis. “Estando en este
río del Piqueri una noche mordió un perro en una pierna a un Francisco Orejón, vecino de
Ávila, y también allí le adolecieran otros catorce españoles, fatigados del largo camino” 467.
Na outra passagem, Pero Hernández comenta o seguinte: “habiendo dejado el gobernador los
indios del río del Piqueri muy amigos y pacíficos, fue caminando con su gente por la tierra,
pasando por muchos pueblos de indios de la generación de los guaraníes468” para chegar,
conforme citação acima, ao final de janeiro no rio Iguaçu.
Outro documento que reforça ser o rio Piqueri é a Relación General que Cabeza de
Vaca apresentou aos oficiais do Conselho das Índias no ano de 1545 para informar sobre os
acontecimentos que se sucederam a partir de sua presença nas províncias do Rio da Prata.
Conforme podemos observar, a passagem abaixo é muito semelhante a descrição que se
encontra presente nos Comentários, e a data de chegada é a mesma.

Por el mes de enero del año de mili é quinientos é cuarenta y dos años llegué
á un río que se llama Piquiri, que es tierra donde hallé mayor población de
gente y más rica de bastimentos que hasta allí avía visto, é de muchas
gallinas y patos y caga y pesquerías; toda la ribera deste río está poblada de
mucha gente, y toda la tierra y población que pasé se comunica y entiende
por un solo lenguaje y toda es una generación que se llaman Guaraníes469.

O rio Piqueri é um afluente do rio Paraná que foi de grande importância para a
conquista e povoamento de um local que algumas décadas mais tarde em relação à passagem
de Cabeza de Vaca, será chamado de Guairá. O rio Piqueri em suas margens e afluentes
menores era densamente povoado, sendo local de diversas encomiendas de espanhóis470. Junto
à foz do mesmo com o rio Paraná os espanhóis organizaram uma vila chamada Ciudad Real.
Após a passagem pelo rio Piqueri (Iguatu), o governador se dirigiu com sua expedição
ao rio Iguazu e dali seguiu até o rio Paraná. Conforme algumas passagens do relato que
estamos apresentando, encontraram-se somente com índios que ele considerou serem Guarani.
Neste sentido, esse foi o contexto emoldurado pela narrativa de Pero Hernández, do contato
humano que teve Cabeza de Vaca na sua marcha até Assunção. Se eles passaram por algum

467
Ibidem, p. 179.
468
Ibidem, p. 181.
469
CABEZA DE VACA, A. N., Relación general, p. 14.
470
CF. CORTESÃO, J., Jesuítas e bandeirantes no Guairá (1549-1640).
140
outro povoado ou grupo que caracterizasse ser outra população, evitaram apontar diferenças
ou não os reconheceram como diferentes.
Há nestas passagens alguns pontos que gostaríamos de discutir. O primeiro é sobre a
região do Campo onde o governador passou. Essa região, em meados da primeira metade do
século XVII esteve em evidência na literatura jesuítica do Paraguai pelo fato de que os padres
da Companhia de Jesus estavam expandindo as reduções do Guairá para uma área que até
aquele momento era pouco conhecida. Na literatura jesuítica produzida no início do século
XVII, os povos nativos que habitavam essa região do Campo foram classificados
genericamente de Campero, Cabeludo ou Coroado e foram considerados povos que faziam
fronteira com grupos Guarani, mas não pertenciam aos mesmos471.

Mapa 2: Etnografia do Guayrá organizada por Carlos Teschauer. Adaptado para este trabalho com a inclusão de povos
considerados não guarani - em destaque -.

TESCHAUER, C., Vida e obras do padre Roque Gonzáles de Santa Cruz: primeiro apóstolo do Rio Grande do Sul, 1928.

Essas regiões de campo, planalto e grandes serras, tanto no atual estado do Paraná,
quanto nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, são percebidas por estudiosos dos

471
Cf. FREITAS DA SILVA, A. L., Reduções Jesuítico-Guarani: espaço de diversidade étnica.
141
povos de língua Jê, como sendo espaços de circulação e habitação dos mesmos 472. Povos que
são considerados horticultores e ceramistas473. Além dos mesmos, na região entre o rio Piquiri
e o Iguaçu havia outro grupo não Guarani que foi chamado de Chiqui. Sobre esses indígenas,
o padre Ruiz de Montoya observou que eles,

tienen sus casas redondas y pequeñas, todos son labradores, su cosecha es


de maíz. No cuidan de otra cosa y dese comen poco, su sustento es de
piñones y caza de venados, puercos y antas, cogen los a la flecha, o en
trampas, o gestos muí largos y grandes que hacen los cuales los ponen al
modo que las nasas en los ríos para coger camarones474.

Também próximo a Vila Rica do Espírito Santo, havia outro povo não Guarani que foi
chamado de Ibirayára. Conforme Pedro Lozano, esses formavam 10 mil homens de guerra,
eram amigos dos espanhóis, horticultores e habitavam o campo de forma dispersa, não se
concentravam em aldeias475. Todos os grupos desta região que não falavam a língua guarani
foram chamados genericamente de Guanana e Gualacho476. São identificados como
pertencentes à família linguística Jê Meridional, cuja dispersão deu-se do Sudeste ao Sul do
Brasil, inclusive atingindo áreas correspondentes a atual província de Misiones na
Argentina477.
Para o arqueólogo Igor Chmyz, geralmente as cidades (vilas), tais como Vila Rica do
Espírito Santo, que os espanhóis organizaram no antigo território do Guairá, foram
estabelecidos próximos aos caminhos construídos por indígenas. Conforme veremos mais à
frente478, ramais do Peabiru passavam pelo rio Piquiri e tinham sentidos diversos. Próximos a
esses ramais, em prospecções realizadas na década de 1970 no baixo rio Piquiri e médio rio

472
Conforme podemos observar em SILVA (2001) e PROUS (2006).
473
Conforme SILVA (2001).
474
Carta Ânua do padre Antonio Ruiz de Montoya superior da missão do Guairá dirigida ao padre Nicolau
Duran em 1628, p. 297.
475
LOZANO, P. Historia de la Compañía de Jesús en la Provincia del Paraguay. Tomo I, p. 72.
476
Cf. TECHO, N., Historia de la Provincia del Paraguay de la Compañía de Jesús. Tomo III, p. 119.
477
Cf. SILVA, S. B., Etnoarqueologia dos Grafismos Kaingang: um modelo para a compreensão das
sociedades Proto-Jê meridionais.
478
Cf. SCHMYZ, I., Nota prévia sobre as pesquisas arqueológicas no vale do rio Piquiri.
142
Iguaçu, o arqueólogo e sua equipe identificaram uma grande quantidade de sítios a céu aberto
e subterrâneos que afirmam serem da Tradição Itararé479.
Outra consideração não menos importante está na Relación General que o próprio
Cabeza de Vaca efetuou aos oficiais do Conselho das Índias no ano de 1545 para informar
sobre acontecimentos que sucederam a sua presença na província do Rio da Prata. Ao seguir
uma mesma linha cronológica do relato produzido por Pero Hernández para um amplo
público leitor, dez anos antes, Cabeza de Vaca redigiu de forma oficial sua relação histórica.
Na qual consta a sua passagem pelo rio Itabuco e de sua chegada logo no início de novembro
de 1541 a região do campo. “Al cabo destos diez é nueve días plugo a Dios nuestro señor que
sin perder ninguna persona llegué a las primeras poblaciones que dicen del Campo”480.
O governador nesta passagem pela região do Campo não vai se referir aos Guarani.
Ele somente fala em pueblos de índios que saem a lhe receber. Enquanto que na versão
pública do relato, desde sua chegada aos povos do Campo até o rio Piquiri, diretamente ele se
refere cinco vezes a presença de Guarani em diferentes paragens, e indiretamente se refere
quatro vezes, “(...) habiendo pasado por algunos pueblos de indios de la generación de los
guaraníes”481; “(...) pasaron por cinco lugares de indios de la generación de los guaraníes”482;
“(...) pasaron por muchos pueblos de indios de la generación de los guaraníes”483; “(...) yendo
caminando por entre lugares de indios de la generación de los guaraníes”484.
Em seu relato aos oficiais da administração espanhola é somente no mês de janeiro de
1542 quando chega ao rio Piquiri que ele vai fazer menção aos mesmos.

Por el mes de enero del año de mili é quinientos é cuarenta y dos años llegué
á un río que se llama Piquiri, que es tierra donde hallé mayor población de
gente y más rica de bastimentos que hasta allí avía visto, é de muchas
gallinas y patos y caga y pesquerías; toda la ribera dese río está poblada de
mucha gente, y toda la tierra y población que pasé se comunica y entiende
por un solo lenguaje y toda es una generación que se llaman Guaraníes485.

479
Ibidem, p. 24.
480
CABEZA DE VACA, A. N., Relación general, p. 10.
481
CABEZA DE VACA, A. N., Naufragios y Comentarios, p. 171.
482
Ibidem, p. 175.
483
Ibidem, p. 176.
484
Ibidem, p .178.
485
CABEZA DE VACA, A. N., Relación general, p. 14.
143
Essas questões nos levam a pensar que dificilmente a expedição de Cabeza de Vaca
não tenha contatado outros grupos indígenas que não aqueles identificados como sendo
Guarani. A não presença de outros povos nestas passagens levou a se interpretar a hipótese de
que a expedição de Cabeza de Vaca tenha contornado o território de povos, hoje considerados
de língua jê, pelo fato das disputas intertribais.
Não concordamos com o olhar que enxerga, por um lado os Guarani, e por outro, seus
inimigos históricos. Como se esses povos erguessem fronteiras instransponíveis para quem
não pertencesse ao seu meio e vivessem assim, numa eterna luta intertribal. Nossa assertiva
com relação ao fato de Cabeza de Vaca somente ter encontrado com Guarani em seu caminho,
possivelmente tem mais a ver com sua opção narrativa486. Pois, que impacto favorável teria na
corte espanhola se constantemente ele fosse auxiliado por pequenos grupos indígenas,
irrelevantes, desconhecidos, quando ele poderia ser guiado e amparado em sua marcha, por
um grupo nativo que já ganhava destaque, como principal povo, nas narrativas que lhe
antecederam?
Um estudo que pode nos ajudar em nossas observações sobre a provável presença de
outros povos no percurso de Cabeza de Vaca, tem a ver com a pesquisa realizada sobre o
caminho do Peabiru, pelo arqueólogo Igor Chmyz e sua equipe de arqueólogos, por volta da
década de 1970. Nessa época, quando a cultura da soja começava a avançar pelas terras do
estado do Paraná, ele e sua equipe conseguiram apontar um traçado parcial da rota no
município de Campina da Lagoa, com trinta quilômetros de extensão em sentido sudoeste/
nordeste487.
Ao concluir as pesquisas a equipe de especialistas constatou que o dito caminho e seus
ramais era resultado de uma construção realizada por grupos da Tradição Arqueológica
Itararé, ligada ao grupo linguístico Jê, que os grupos indígenas Kaingang e Xokleng se filiam
atualmente. No estado do Paraná, a Tradição Itararé é anterior a Tradição Tupi-Guarani488.

Pensávamos, como é que um caminho, com essa extensão atravessando

486
Conforme podemos ver em MAURA (2008), Cabeza de Vaca procurava constantemente adequar suas
narrativas para tender seus propósitos junto a corte espanhola.
487
CF. CHMYZ, I; SAUNER, Z. C., Nota prévia sobre as pesquisas arqueológicas no vale do rio Piquiri, p. 16.
488
Ibidem.
144
territórios ocupados por grupos que tradicionalmente eram inimigos, como
ele poderia ser usado? Como é que um membro do grupo Jê poderia
continuar sua caminhada entrando em território Tupi-Guarani e vice-versa?
Então a coisa ficava complicada. Naquela época eu pensava, inclusive, que
seria muito difícil a própria filiação do caminho a um determinado grupo
indígena, mas hoje estou convencido de que ele está ligado de fato ao Jê, à
tradição arqueológica que nós chamamos de Itararé489.

A equipe de arqueólogos, segundo Igor Chmyz, constatou que esses caminhos


construídos pela Tradição Itararé, que os Tupi-Guarani utilizavam, guardam semelhanças com
as estradas que contornam nossas cidades. Devido à grande quantidade de sítios que eles
localizaram em suas margens490. Eles apontam muitas semelhanças com os caminhos
indígenas localizados nos estados de Goiás e Minas Gerais, que também foram construídos
por povos Jê. Sendo que estes últimos estariam filiados aos Kayapó. Lembramos que os
Kayapó Meridionais teriam habitado até o interior do Rio Grande do Sul e podem ter ligação
com os Ibirayara491.
Pensar na possibilidade de que os conhecidos caminhos históricos tal como Peabiru e
seus ramais tenham sido caminhos que apenas passavam por territórios de Guarani ou que
fossem caminhos exclusivos de Tupi e Guarani é uma forma de guaranizar o espaço físico.
Indiretamente é atribuir uma ideia de que este povo estava em um grau de desenvolvimento
superior aos demais povos do campo e da floresta. É fazer crer que quem conduzia a história
dos povos sem história nesta parte das terras da América Meridional eram os Tupi e os
Guarani. De maneira análoga, é semelhante ao pensamento ideológico de uma parcela da
historiografia indigenista de parte do século XIX e XX que buscou idealizar o Tupi para fins
de se construir uma matriz para a nacionalidade brasileira492.
Não podemos crer que a presença marcante de povos, principalmente de língua
Macro-Jê nas terras do sul, em relatos históricos produzidos a partir da segunda metade do
século XVIII e posteriormente no século XIX, se deve ao extermínio dos povos considerados
de língua Tupi-Guarani, permitindo que os primeiros retomassem seus antigos territórios ou
ocupassem novos espaços, semelhante ao que teria observado Aryon Rodrigues quando disse

489
CHMYZ, Y., O Peabiru foi Aberto pelos Itararés. Entrevista a Luiz Osmar Gabardo, p. 22.
490
Ibidem.
491
CF. FREITAS DA SILVA, André. L. Reduções Jesuítico-Guarani: espaço de diversidade étnica.
492
Cf. MONTEIRO, J. M., Tupis, Tapuias e historiadores: Estudos de História Indígena e do Indigenismo.
145
que com as bandeiras criou-se um “vazio demográfico (dos Guarani), que só aos poucos
voltou a ser ocupado, mas então já por outros indígenas, os Kaingáng (da família linguística
Jê)”493. Com isso queremos observar que os grupos que hoje se atribui ser de língua Jê, podem
estar presentes em relatos históricos do passado como sendo Guarani.
Talvez, devemos pensar que o oleiro que produziu a cerâmica guarani, tenha sido
outro que não o próprio Guarani, ou que a presença de falantes de guarani em determinados
locais não se deva ao fato de serem nativos falando sua língua materna, mas sim indivíduos
fazendo uso de uma língua geral que diferentes povos dominavam. Acreditamos que o
exemplo logo abaixo possa ilustrar esta última situação.

Como el P. Francisco Díaz estaba tan versado en los varios idiomas con que
se diferencian unas naciones de otras en la lengua Guaraní, á todos universal,
pareció le que hablaban con más expedición y propiedad que los camperos;
hízoles varias preguntas, pero constantes negaban su nación494.

Quem narra é o jesuíta Francisco Jarque. Ele fala sobre uma missão do jesuíta Diaz
Tano no Guairá na redução de São Francisco Xavier entre os anos 1626 e 1630. Quando Diaz
Tano lá estava, o cacique Guarani chamado Tayaoba, que tinha a intenção de receber os
missionários em sua aldeia, enviou seu filho a São Francisco Xavier para investigar a forma
como os padres trabalhavam. O filho de Tayaoba vestiu-se ao modo dos Campero para se
passar por um integrante do povo do Guarayrú.
Conforme a passagem a cima, Diaz Tano percebeu que não se tratava de um índio
Campero pelo fato do mesmo dominar o idioma guarani com mais precisão e propriedade do
que falaria um Campero. Ou seja, a língua guarani era uma língua geral e neste caso os
Campero que não eram Guarani, faziam uso da mesma para falar com outros grupos ou com
os próprios indígenas que tinham a mesma como primeira língua ou língua materna.
Da mesma forma que nós, falantes da língua portuguesa, utilizamos a língua inglesa
para falar com indivíduos de outros povos ou para falar com indivíduos que têm na língua
materna o inglês, que necessariamente podem não ser ingleses, mas americanos dos EUA.
Será que Cabeza de Vaca e alguns lenguas europeus teriam a precisão de diferenciar pela

493
RODRIGUES, A. D., As línguas gerais Sul-americanas, p. 9.
494
JARQUE, F., Ruiz Montoya en Indias (1608-1652), p. 175.
146
língua falada os diferentes indivíduos sem ter a clareza do universo humano daquelas terras e
como ele era organizado?

3.4 A homogeneização indígena nas províncias do Rio da Prata em Juan


López de Velasco: crônica oficial de gabinete.

Desde que o almirante Colombo chegou às Índias Ocidentais, os olhares do mundo


antigo se voltaram para as façanhas castelhanas que atraiam curiosidades alheias desde a
queda de Granada e a expulsão dos Mouros495. Isabel, a Católica, tendo ao seu lado Fernando
de Aragão, expandia o poder de Castella e submetia outros reinos ao seu cetro real. Estava à
frente da expansão e fortalecimento da Igreja Católica enquanto descortinava o novo mundo
para uma Europa renascentista. Los Hechos de los Castellanos, singraram os mares do tempo
por meio dos registros escritos produzidos por uma plêiade de cronistas que escreveram suas
histórias juntamente com a aurora da expansão marítima espanhola.
O primeiro grande cronista foi Pedro Mártir de Anglería que, de ouvir, conforme
comentamos no primeiro capítulo, escreveu suas Décadas del Nuevo Mundo sendo seguido
por outros na produção escrita, tais como Gonzalo Fernández de Oviedo, Bartolomé de las
Casas e Francisco López de Gómara496, entre outros. Á medida que os feitos dos castelhanos
aumentavam, o número de papéis e documentos também se avolumavam ao longo da
passagem dos anos.
Cronistas diversos, historiadores e geógrafos, presentes ou não a cena do
acontecimento, foram de extrema importância para o registro dos acontecimentos que se
desenvolviam nas Índias Ocidentais até o início da década de setenta do século XVI.
Momento em que o Rei Felipe II, devido à má gestão dos arquivos e papéis do Supremo
Conselho das Índias, em que “se desconocía el medio y el hombre objeto de la normativa”497,
resolveu criar o cargo renumerado de cronista e cosmógrafo maior dos estados e reinos das
índias, ilhas e terra firme de mar oceano. Posto que coube a Juan López de Velasco.

495
Cf. CUESTA DOMINGO, M., Los Cronistas oficiales de Indias. De López de Velasco a Céspedes del
Castillo.
496
Ibidem.
497
CUESTA DOMINGO, M., Los Cronistas oficiales de Indias. De López de Velasco a Céspedes del Castillo, p.
119.
147
A necessidade de se criar esse cargo oficial no Conselho das Índias quase um século
após a chegada de Colombo a América se deve a necessidade da coroa espanhola em saber a
real situação das novas terras. As ordenanzas de 24 de setembro de 1571 expressavam o
“interés que aquel conocimiento tenía para la Corona; conocer para gobernar: recibir la
descripción de todo lo relativo a las Indias (…), de su naturaleza y usos de sus pobladores así
como de los asuntos temporales, eclesiásticos y seglares, pasados y presentes”498.
Portanto, a pessoa nomeada para essa função deveria estar apta a sintetizar um quadro
do que havia, de quem vivia, e como eram todas as terras das índias ocidentais pertencentes
aos reis da Espanha. O quadro social, cultural, político, físico e natural.

En ese estudio aparece por qué determinaciones y procedimientos, creada la


Casa de la Contratación de Sevilla por el rey D. Fernando V, se recogían las
noticias facilitadas por los navegantes descubridores de tierras ignotas y
cómo en progresivo avance se fueron sometiendo á reglas uniformes las
informaciones, obligando á los pilotos á consignarlas en libro diario con
prevención de situar los cabos, puertos y ríos por sus alturas y rumbos; de
tener cuenta con los vientos y corrientes; de escribir por separado relaciones
y comentarios de lo que veían y de dar fe de todo á su regreso (…)499.

Foi com a chegada em junho de 1567 do licenciado Juan de Ovando ao Conselho das
Índias, na qualidade de visitador daquele órgão de Estado, que começou a ganhar forma a
ideia de se criar um cargo de cronista oficial. Juan de Ovando chegou para realizar uma
espécie de auditoria interna no Conselho das Índias. Ele montou uma equipe de investigação
na qual constava Juan Lopez de Velasco como secretário. Este já trabalhava no Conselho
desde 1563.

Este equipo colaboró con Ovando durante los cuatro años que duró la visita:
tuvieron a su cargo recoger testimonios mediante la real cédula del 23 de
enero de 1569. El interrogatorio que la acompañaba sobre el Consejo y las
instituciones indianas, redactar informes y cartas, y organizar la gran
investigación que lanzó Ovando pretendía conseguir una información
completa sobre la administración de las Indias en todos sus aspectos500.

498
Ibidem.
499
CESÁREO, Fernández Duro. Geografía y descripción universal de las Indias, recopilada por el cosmógrafo-
cronista, Juan López de Velasco, desde el año de 1571 al de 1574, publicada por D. Justo Zaragoza.
500
BERTH, J. P., Juan López de Velasco. cronista y cosmógrafo mayor del Consejo de Indias: su personalidad y
su obra geográfica, p. 348.
148
Conforme Jean Berth o primeiro projeto de Ovando era conhecer as coisas das índias
e o segundo projeto, era reorganizar sistematicamente todas as disposições legislativas desde
que se conquistou o Novo Mundo501. Em agosto de 1571 o visitador encerrou os trabalhos e
com a aprovação do resultado por de Felipe II, em setembro do mesmo ano, autorizou a
criação de “un nuevo oficio, el de "cosmógrafo cronista" del Consejo de Indias” 502. Esse
funcionário real deveria fazer a “recopilación de la historia general, moral y particular así
como de los acontecimientos memorables y de las cosas naturales excepcionales y
especialmente todo lo relativo a la cosmografía y descripciones de las Indias”503.
Em outubro do mesmo ano, Velasco foi o escolhido para assumir a função. Foram
diversos os motivos que levaram Velasco a assumir o cargo, entre os mesmos, estaria sua
grande experiência e familiaridade com as coisas das Índias, pois há alguns anos ele já estava
à frente de questões administrativas do Conselho das Índias. A confiança de Felipe II que o
tornará secretário particular alguns anos mais tarde e do próprio visitador Ovando, lhe
permitiram galgar o cargo.
De acordo com Alejandro Camacho, por seu trabalho, Juan Lopez de Velasco
atualmente é conhecido e reconhecido como um dos mais importantes humanistas espanhóis,
pois, ele também foi responsável pela mais importante obra sobre a ortografia espanhola do
século XVI, que ajudou a fixar uma norma comum para a escrita do castelhano, além de ter
sido um grande pedagogo voltado especialmente para “la alfabetización y los maestros de
primeras letras”504.
Para responder a importante demanda da Coroa espanhola, esse primeiro cronista
oficial das índias passou a ter acesso a uma série de papéis e documentos arquivados sob a
guarda dos oficiais da Casa de Contratação e do Conselho das Índias, além de outros
documentos produzidos por cronistas anteriores e contemporâneos a ele. Um desses cronistas
foi Alonso de Santa Cruz.

501
Cf. BERTH, J. P., Juan López de Velasco. cronista y cosmógrafo mayor del Consejo de Indias: su
personalidad y su obra geográfica, p. 148.
502
Ibidem, p. 149.
503
CUESTA DOMINGO, M., Los Cronistas oficiales de Indias. De López de Velasco a Céspedes del Castilla, p.
119.
504
CAMACHO, A. G., Las ideas pedagógicas de Juan López de Velasco: alfabetización y maestros en la
España de Felipe II, p. 88.
149
Cosmógrafo e um dos cronistas maiores das Índias, havia acompanhado a expedição
de Sebastião Caboto, vivendo a aventura do rio da Prata como capitão de navio e tesoureiro.
De volta a Europa se dedicou aos estudos e a escrita. Tornou-se cosmógrafo da Casa de
Contratação, produziu várias obras, tais como o Islario General e organizou uma vasta
documentação que tratava sobre os assuntos do Novo mundo505. Essa documentação de Santa
Cruz, com sua morte, estava nas mãos de herdeiros. Tão importantes eram esses papéis para o
Estado espanhol, que os mesmos foram confiscados e repassados ao Conselho das Índias para
acesso de Juan Lopes de Velasco506.
Após dois anos de dedicação, nasceu em 1574 a Geografía y descripción universal de
las Indias, que logo foi submetida para análise ao Conselho Real das Índias. Em sua obra,
Velasco procurou responder às demandas do Conselho das Índias e do rei Felipe II. Ao
discorrer sobre uma gama de assuntos referentes às novas províncias de Castella na América,
ele também escreveu sobre a questão indígena, em especial sobre aqueles que habitavam nas
províncias do Rio da Prata.
Así como estas provincias son grandes, son muchas las naciones de indios
que hay, y más la diversidad de lenguas que platican, aunque se reducen á
dos diferencias de naturales; unos que llaman gandules, por la mayor parte
muy altos, más que españoles, bien hechos y de buenas facciones, enjutos y
morenos, y bien proporcionados, de buenas fuerzas aunque sin maña, mal
vestidos; no siembran, y se sustentan de la caza y pesca, holgazanes, y su
más continuo ejercicio es la guerra: los otros son los indios labradores
guaraníes, que quiere decir guerreros, porque van muy lejos de su tierra á
guerrear, de estatura de españoles, y bien agestados, que hacen sus
sementeras, y entretanto que se crían también ejercitan la guerra, caza y
pesca: entre ellos, los que están alrededor de la Asunción, son los que más
se derraman por la tierra, y así la lengua de los que se llaman guaraníes es
la que generalmente se habla en todas las provincias, aunque tienen
lenguaje particular507.

Poderíamos até afirmar que Velasco é nosso Toque de Midas no que tange a ideia de
guaranização do espaço nativo nas províncias do Rio da Prata no século XVI. Não é
simplesmente o que ele escreveu, mas o que ele constatou a partir de sua experiência nos
vários anos de trabalho no Conselho das Índias, principalmente das leituras e análises dos

505
Cf. CUESTA DOMINGO, M., Estudio crítico: Alonso de Santa Cruz, p. 17.
506
BERTH, J. P., Juan López de Velasco. cronista y cosmógrafo mayor del Consejo de Indias: su personalidad y
su obra geográfica, p. 153.
507
VELASCO, J. L., Geografía y descripción universal de las Indias, p. 555.
150
inúmeros papéis produzidos ao longo de setenta anos, se considerarmos desde a passagem de
Américo Vespúcio no ano I do século XVI pelas terras meridionais.
Vale lembrar novamente, conforme já pontuamos, que os capitães tinham como
obrigação “descrever para o rei suas atividades e como eram as novas terras descobertas”508.
Tinham que apresentar suas relaciones de viagem aos oficiais reais. Além do mais, a
tripulação de um modo geral, por interesses particulares, também produzia informação por
iniciativa própria. Ulrich Schmídel e Luis Ramírez são exemplos.
Também houve outra gama de documentos gerados em processos administrativos
que os oficiais do Conselho das Índias abriam contra e a favor de membros das expedições.
Nesses pleitos, a tripulação era chamada a testemunhar. Informações que muitas vezes não
estão presentes nos relatórios oficiais ou nas edições públicas aparecem somente nesses
processos. Sebastião Caboto e Cabeza de Vaca sofreram essas ações processuais devido a
fatos ocorridos em suas expedições.
Entendemos que o acesso a diferentes documentos escritos e, possivelmente a outras
fontes orais, permitiu a Velasco ser objetivo. Por mais que haja uma diversidade de nações
com linguagens diferentes, elas se reduzem apenas duas diferenças naturais. O primeiro
grupo são os vagabundos errantes, chamados Gandule; o segundo grupo são os guerreiros
agricultores, chamados Guarani.
Se considerarmos que o parecer de Velasco foi ao encontro da demanda do rei, que
buscava saber a real situação de seus domínios para assim fazer a gestão do território, ele
estava oficializando ao monarca espanhol que: em uma de suas províncias havia uma
pluralidade de povos que trabalhavam a terra, que eram agricultores, guerreiros e que falavam
diferentes línguas, mas que deveriam ser vistos como sendo um único povo por apresentarem
semelhanças e terem linguagem comum a todos.
Entendemos que essa passagem define de forma categórica o Guarani colonial. É por
esse motivo que diferentes povos indígenas podem ter sido percebidos como sendo Guarani,
pois, eram horticultores, guerreiros e falavam a língua geral. Não podemos estranhar o
comentário atribuído a Antonio Ruiz de Montoya509, enquanto reduzia a língua geral do

508
PORTUGAL, A. R., Confluência cultural nas Crônicas das Índias, p. 43.
509
FURLONG, G., Misiones y sus Pueblos de guaraníes, p. 80.
151
Paraguai, ao observar que povos muitas vezes próximos uns dos outros não se entendiam,
muito provavelmente porque não eram Guarani.
Em relação ao quadro que estamos expondo, algo nos chama atenção e tem a ver
com as categorias aplicadas. É a semelhança entre os termos gandule e chandule. Conforme
Velasco, de maneira geral os Gandule eram guerreiros e não cultivavam a terra. Para Luis
Ramírez, de maneira geral os Chandule eram guerreiros e andavam espalhados pela terra. Para
Julio Baroja, que elaborou um estudo sobre a presença dos Mouros em Granada, a palavra
gandul para os espanhóis, uma herança da língua árabe, tinha um significado semelhante “a
un hombre que pudiendo trabajar y hacer algo de provecho se dedica a la holganza. De gandul
se a formado incluso un verbo gandulear”510.
Esse termo, conforme estamos percebendo, foi apropriado pelos espanhóis para ser
aplicado aos indígenas que resistiam ao sistema colonial. Conforme Ana Zavala “existía la
visión del indio nómada que se había resistido a la evangelización y que causaba estragos a
las poblaciones fronterizas, como salvaje, bárbaro, hostil, gandul, enemigo, al que se le debía
combatir con las armas511. Julio Baroja nos observa que para os mouriscos a palavra gandule
era referência a um jovem membro de uma milícia urbana512. Conforme este autor, os
mouriscos de Granada haviam formado esquadrões guerreiros com os jovens para defender
áreas da cidade contra possíveis ataques.
O que estamos tentando formular com essa exposição, é um quadro hipotético em
que existe a possibilidade de que Luis Ramírez, conforme capítulo anterior, tenha se referido
aos Chandule (guarenis/guerreiros), quando teria identificado semelhanças com os Gandule
dos Mouros, possivelmente na forma de fazer guerra e na forma como estavam inseridos no
contexto dos povos nativos. Lembramos que Ramírez havia se referido aos Chandule como
corsários. Corsário é uma espécie de miliciano dos mares a serviço de alguém que o contrata.
Os Gandule dos mouriscos atuavam em forma de guerrilha e estavam a serviço do seu rei. Os
Chandule/guareni formavam um grupo de guerreiros.

510
BAROJA, J. C., Los Moriscos del Reino de Granada, p. 171.
511
ZAVALA, A. L. R., Indio/indígena 1750-1850, p. 1672.
512
Cf. BAROJA, J. C., Los Moriscos del Reino de Granada, p. 171
152
Tudo isso é mera hipótese que ainda carece de uma maior fundamentação, mas fica o
registro para pesquisa futura. Lembramos que o termo chandule somente está presente na
documentação dos anos iniciais da conquista e colonização, desaparecendo logo em seguida.
Observamos que tal qual asseverou Lopes de Velasco, que nas províncias do Rio da
Prata havia apenas dois povos hegemônicos, os Guarani e os Gandule, o jesuíta Nicolau
Duran, aproximadamente 60 anos mais tarde, observou que Guarani é o “nombre general que
comprende todas las naciones del Paraguay que son muchísimas”.513 Na mesma linha de
pensamento do cosmógrafo real, esse eminente religioso era a autoridade maior dos jesuítas
nesta parte da América Meridional. Sendo provincial em Córdoba no ano de 1628, velava
pelo bom funcionamento da estrutura inaciana na Província Jesuítica do Paraguai,
coadunando com as prescrições da corte espanhola e do generalato romano. Em sua descrição,
ele não negou a existência de outras especificidades nativas, assim como o fez Velasco, mas
reafirmou a assertiva propugnada pelo mesmo.
Ao concluirmos, observamos que Cabeza de Vaca e Ulrich Schmídel formam um
dueto interessante para a história indígena colonial, em especial a dos Guarani. Ambos
estiveram no mesmo processo histórico, sendo que o segundo chegou a ser subalterno do
primeiro enquanto a conquista se desenvolvia no antigo Paraguai. No entanto, enquanto Vaca
desconheceu os Carió em sua narrativa, Schmídel, por sua vez, desconheceu os Guarani. Mas,
conforme podemos observar nas discussões mais acima, enquanto Cabeza de Vaca realçou a
presença Guarani, enaltecendo sua economia doméstica, seu modo de ser, sua atitude
guerreira e sua demografia, Schmídel, por outro lado, foi um fator moderador. Pois, não
apenas atestou a presença e aspectos da cultura dos Carió, demarcando lugares no espaço
físico para esses, como reconheceu e enalteceu a presença de outros povos indígenas. Neste
sentido, quando entendemos que houve guaranização na narrativa de Cabeza de Vaca,
entendemos que a narrativa de Schmídel é um forte contrapondo a esta ideia.
Quanto a Juan López de Velasco, não nos restam dúvidas de que nos seus escritos a
ideia de guaranização é uma marca indelével. A questão de amplitude demográfica,
linguística e cultural do povo Guarani é evidenciada ao considerá-lo o principal povo das
províncias do Rio da Prata. É muito provável que o enunciado de Velasco sobre os Guarani só
foi possível porque deste o início da conquista e colonização os agentes ibéricos passaram a

513
DURAN, N. Décima segunda carta ânua escrita no ano de 1628, p. 234.
153
reconhecer os falantes da língua geral como sendo Guarani, pois, pelo que Pero Lopes deu a
entender, guarani era o nome da língua.

154
CONCLUSÃO

Conforme procuramos observar na introdução desta tese, não estamos trabalhando


com populações etnográficas, ou seja, com os povos atuais que possuem como idioma próprio
língua da família Tupi-guarani. Entre os quais podemos citar os Mbyá, os Xetá, os Ñandeva
(Txiripá), os Kaiowá (Paĩ Tavyterã), os Chiriguano, os Tapieté e os Izoceño que estão
distribuídos no Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia. Mas, trabalhando com o Guarani do
período colonial, um guarani no papel, que não é o Guarani reduzido, pelo fato de que as
reduções organizadas por jesuítas se desenvolveram em tempo posterior ao período que
analisamos.
Para Thiago Cavalcante “se hoje existe diversidade étnica entre os grupos falantes da
língua Guarani, é fácil deduzir que esta diversidade era bem maior nos séculos XVI e
XVII”514. No entanto, conforme observou Jorge Eremites515, “como perceber um fenômeno
assim a partir dos registros textuais incompletos (etno-históricos) e evidências arqueológicas”,
ou seja, como podemos analisar o passado colonial indígena a partir de conceitos do presente,
se nos falta a voz dos atores indígenas, principalmente.
Neste sentido, se os indivíduos pertencentes ao povo Kaiowá e ao povo Ñandeva,
atualmente são vozes consonantes que conseguem fazer-se ouvir e registrar, sendo porta vozes
de suas próprias histórias, o mesmo não ocorreu com os antigos povos indígenas do período
colonial, em especial do século XVI. Pois, as vozes desse longínquo passado foram legadas
por agentes da exploração, da conquista e do povoamento, que nos transmitiram informações
sobre os povos indígenas, privilegiando na maior parte dos casos, conforme Carlos Fausto, a
unidade de costumes e línguas em detrimento de informações “sobre diferenças interétnicas,
sinais diacríticos de identidade [e] distinções dialetais”516.

514
CAVALCANTE, T. L. V., Tomé: o apóstolo da América. Índios e Jesuítas em uma história de apropriações
e resignificações, p. 21.
515
OLIVEIRA, J. E., Cultura Material e Identidade Étnica na arqueologia brasileira: um estudo por ocasião da
discussão sobre a tradicionalidade da ocupação Kaiowá da terra indígena Sucuri, p. 99.
516
FAUSTO, C., Fragmentos de história e cultura tupinambá: da etnologia como instrumento critico de
conhecimento etnohistórico, p. 385.
155
Portanto, é nesse contexto em que a voz indígena está ausente para falar em causa
própria, que elaboramos nossa análise sobre dados históricos referentes ao Guarani, em
especial do século XVI e, indiretamente sobre trabalhos posteriores que postularam a ideia de
que o mesmo era uma unidade sociocultural demograficamente ampla e homogênea, seja,
como exemplo, habitando as serras do Tape (atual Rio Grande do Sul) ou a planície
pantaneira do Itatim (atual Mato Grosso do Sul), em meados da primeira metade do século
XVII, ou habitando por volta de 1526, ilhas do delta do rio Paraná (Chandule) e uma parte da
densa floresta subtropical de Mata Atlântica da região do Alto Paraná 517, por volta de 1698
(Tobatim).
Observamos que logo na chegada ao rio da Prata, os espanhóis passaram a
implementar uma política de reconhecimento, identificação e nomeação das terras e das
gentes, seguindo orientação dos monarcas castelhanos, conforme consta na Recopilación de
Leyes de los Reinos de las Indias518. Por esta ação adâmica519, a categoria indígena Guarani
foi concebida para a história. No papel, ela deve sua existência à língua geral presente nas
terras das províncias do Rio da Prata, pois, foi sob a égide de uma língua composta de dialetos
de muitos falantes que se congregou uma variedade de grupos nativos.
Entre esses grupos, se encontravam os que foram notadamente nomeados de Carijó
(ilha de Santa Catarina), Chandule/Guarani (ilhas no rio Paraná e rio Uruguai) e Carió (rio
Paraguai). As relações estabelecidas com esses grupos foram por meio da língua geral que os
guias e interpretes europeus, estabelecidos no litoral português ou nas posses espanholas,
falavam. Além dos mesmos, os guias indígenas que acompanharam Sebastião Caboto, Diego
García, Pero Lopes de Souza, Pedro de Mendoza e Cabeza de Vaca, dominavam essa língua
geral, que de maneira ampla, era falada na costa atlântica desde a foz do Amazonas até o rio
da Prata, se dirigindo em sentido leste/ oeste para o interior do continente.

517
Conforme DI BITETTI; PLACCI e DIETZ (2003), no atual território paraguaio a Ecorregião Florestas do
Alto Paraná abrange uma área que esta dividida pelos departamentos de Alto Paraná, Amambay, Caaguazú,
Caazapá, Canindeyú, Concepción, GuairaItapuá, Paraguarí e San Pedro.
518
La Recopilación de las Leyes de los Reinos de las Indias. De los Descubrimientos, Libro IV, Tít. Primero,
Ley
8ª. Que los descubridores pongan nombres à las provincias, montes, ríos, puertos y pueblos.
519
Cf. CUNHA. M. C., Índios no Brasil: história, direitos e cidadania.
156
Esta língua, que é definida como pertencente à família linguística Tupi-Guarani, já, em
1531/1532520 aparece na documentação como sendo língua guarani e, em 1609, nas palavras
de Torres Bollo521, como língua geral guarani. Neste sentido, tomando por base as palavras do
português Pero Lopes de Souza, ainda num contexto de reconhecimento, além de outras
passagens da documentação jesuítica do início do século XVII, é possível deduzirmos que os
Carió de Assunção, os Carijo de Santa Catarina e os Chandule, falavam a língua guarani e de
Guarani foram nomeados.
Se a questão da língua falada foi decisiva para a concepção da categoria Guarani,
outros fatores não foram menos importantes, um deles foi a percepção de que os índios
nomeados de Guarani se deslocavam no espaço geográfico percorrendo grandes distâncias
para, por meio da guerra, conquistar e ampliar seus domínios. Neste sentido, da língua geral
falada e desse modo de ser, naturalizou-se no cotidiano colonial o termo guarani para ser a
representação de uma categoria indígena que tinha seu nome derivado da palavra guariní,
guareni, que em sentido lato, tinha haver com guerra, guerreiro e guerrear, conforme
discutimos no segundo capítulo. Também, aliada a questão da língua falada e ao modo de ser,
somou-se o importante fato desses grupos, serem todos, em maior ou menor grau,
horticultores.
Portanto, diante da babel de línguas faladas e da grande diversidade sociocultural, esse
conjunto de fatores que foi identificado, primeiramente nos Carijó, Carió e Chandule - mesma
língua, semelhanças na produção de alimentos e aptidão para a guerra e o trabalho - sanou os
anseios dos espanhóis no decorrer do século XVI. Diante de tais fatores, consolidaram, ao
menos no papel, uma unidade sociocultural para fazer frente a fragmentação sociocultural e
linguística, que na prática, se desenvolvia. A organização de povoados, as reduções de índios
no século XVII e sua consolidação no século XVIII, foi a resposta encontrada para efetivar a
ideia de um povo, uma língua e uma cultura, concebida no século XVI, mesmo que de forma
discreta.
Diante do quadro que se iniciou no século XVI e que se estende até a atualidade, em
que por um lado o Guarani do período colonial é visto como tendo sido uma unidade
linguística, culturalmente homogênea e demograficamente dispersa e por outro lado,

520
SOUZA, P. L., Diário da navegação que foi á terra do Brasil em 1530, p. 47/8.
521
BOLLO, D. T., Primera carta, del padre Diego de Torres, desde Córdoba del Tucumán (1609), p. 8.
157
fragmentado sociopoliticamente522, alguns pesquisadores estão se utilizando do termo
Guarani falante, quando querem se referir a esse povo. Um exemplo é a fala de Pablo
Antunha na sua obra La Tierra sin mal: historia de un mito, quando observa, de maneira
geral, que:

A medida que pasaba el tiempo y que los grupos particulares iban siendo
mejor conocidos, surgió una enorme cantidad de etnônimos específicos para
individualizar a estos “guaraníes”, tales como “itatines” o “tapes”, por
ejemplo, para referirse a los habitantes de las misiones jesuíticas instaladas
en las provincias homónimas del antiguo Paraguay. En cuanto al nombre
“guaraní”, acabó fijándose, por un lado, como etnónimo específico de
algunos grupos, como los antiguos “chiriguanos” del Chaco, o los Ñandevas
de Mato Grosso do Sul. Continúa sin embargo funcionando como una
macrocategoría o una categoría genérica, general y hasta caricatural, que
designa a todas las personas que hablan la lengua guaraní y sus variantes.
Para evitar confusiones, prefiero referirme en estos casos a grupos “guaraní-
hablantes”523.

Na visão de Pablo Antunha, o guarani falante passa a ser uma chave de leitura para se
tentar escapar da confusão semântica que se apresenta quando o nome guarani está em
evidência. Essa confusão semântica ganha contornos, porque diferentes unidades
socioculturais como Tape, Itatim e Tobatim, por exemplo, foram percebidos como diferentes,
mas considerados todos Guarani. Esse é o espírito da guaranização, diferentes grupos, em
diferentes tempos e lugares, percebidos como se fosse um único povo. Uma unidade
sociocultural ampla e homogênea.
A visão que se construiu com caráter hegemônico sobre o Guarani do período colonial,
a qual o percebeu como sendo um povo com uma mobilidade geográfica notável, que
ampliava seus territórios ao conquistar outros povos, aos quais impôs sua cultura, seu modo
de ser e sua língua, mas, ficou imune aos mesmos, é herdeiro de uma narrativa guaranizante
que começou logo no início da exploração e conquista das terras e das gentes das províncias
do Rio da Prata. Pois, foi sob a pena dos cronistas Luiz Ramírez, Sebastião Gaboto, Cabeza
de Vaca e principalmente do primeiro cronista oficial do Conselho das Índias, Juan López de
Velasco, que ganhou os primeiros contornos que se realçaram na posteridade.

522
MONTEIRO, J. M., Os guarani e a história do Brasil meridional: séculos XVI e XVII, p. 477.
523
BARBOSA, P. A., La tierra sin mal: historia de un mito, p. 14.
158
Así como estas provincias son grandes, son muchas las naciones de indios
que hay, y más la diversidad de lenguas que platican, aunque se reducen á
dos diferencias de naturales; unos que llaman gandules, por la mayor parte
muy altos, más que españoles, bien hechos y de buenas facciones, enjutos y
morenos, y bien proporcionados, de buenas fuerzas aunque sin maña, mal
vestidos; no siembran, y se sustentan de la caza y pesca, holgazanes, y su
más continuo ejercicio es la guerra: los otros son los indios labradores
guaraníes, que quiere decir guerreros, porque van muy lejos de su tierra á
guerrear, de estatura de españoles, y bien agestados, que hacen sus
sementeras, y entretanto que se crían también ejercitan la guerra, caza y
pesca: entre ellos, los que están alrededor de la Asunción, son los que más se
derraman por la tierra, y así la lengua de los que se llaman guaraníes es la
que generalmente se habla en todas las provincias, aunque tienen lenguaje
particular524.

Essa passagem dá o tom do que foi a representação que os espanhóis conceberam para
a categoria indígena Guarani ainda no período da conquista e como ela ganhou um caráter
oficial na fala de Juan López de Velasco. A partir da fala desse cronista de gabinete, também
podemos inferir que Tupi, Tapuia, Gandule, além do próprio Guarani, eram todas faces
diferentes de uma mesma moeda. Por um lado, índios bons e por outro, índios maus. A
diferença é que o Guarani colonial se etnificou, ou seja, se perpetuou nos escritos como sendo
uma unidade sociocultural indígena, enquanto os outros permaneceram como sendo categorias
genéricas.
Conforme discorremos no terceiro capítulo, se pensarmos que Velasco começou a
trabalhar sua obra em 1570, devemos considerar que as informações que o fundamentaram
são de período anterior. Portanto, além dos documentos legados por Alonso de Santa Cruz
que esteve com Sebastião Gaboto em 1526 nas terras do Rio da Prata, provavelmente Velasco
serviu-se dos relatórios, entre outros papéis, de Diego Garcia, do próprio Gaboto e de Cabeza
de Vaca para constituir de maneira oficial a categoria Guarani, que se concebe com a ideia de
ampla dispersão espacial, forte belicosidade e presença marcante da língua em todo o
território.
Neste sentido, a fala de Velasco encontrou ressonância na fala de Luís Ramírez “estos
andan derramados por esta tierra y por otras muchas, como cosarios, á causa de ser
enemigos de todas (las naciones) […] señorean gran parte desta India y confinan con los que

524
VELASCO, J. L., Geografía y descripción universal de las Indias, p. 555.
159
habitan en la sierra”525; na fala de Sebastião Gaboto “que la más principal generación de
Indios de aquella tierra, son los Guaranís, gente guerrera, traidora, i soberbia, i que llaman
esclavos à todos que no son de su lengua, con los cuales siempre andaban en guerra”526; na
fala de Cabeza de Vaca “, y tienen ocupada muy gran tierra, y todo es una lengua […]. Es
gente muy amiga de guerras, y siempre las tienen y procuran, y es gente muy vengativa”527.
Vozes que foram produzidas no incipiente contexto de reconhecimento das terras e das
gentes, tornaram-se posteriormente marcadores demográficos e socioculturais dos Guarani
para a época da colônia. Em relações históricas e análises mais contemporâneas, esses dados
estão presentes, tanto para explicar a expansão ou a possível presença desse povo em espaços
diversos, quanto para explicar o modo de ser dos mesmos e a forma como ocorreram os
processos de conquista e a disseminação da cultura e da língua. Em síntese, para explicar os
processos de guaranização.
É fato que quando queremos nos reportar ao passado colonial para termos um olhar
mais próximo de determinadas especificidades nativas, nos deparamos com a praticamente
intransponível categoria indígena Guarani. Se na documentação escrita, por exemplo,
conseguimos rastrear o etnônimo Guató desde o início do século XVI até os dias atuais, como
habitando determinados espaços do rio Paraguai, reproduzindo sua cultura canoeira, os
Guarani, ao contrário, são uma profusão de povos de tempos e lugares distintos, que é muito
difícil determinar. Por isso, concluímos que houve guaranização em escritos do século XVI,
pois, narrativas de natureza genérica nos induzem enxergar a pluralidade sociocultural de
parte das terras das antigas províncias do Rio da Prata como sendo formada por um povo
amplo em seu caráter demográfico e homogêneo em seus aspectos socioculturais.
Ao concluirmos este trabalho, que não esgota o assunto sobre o tema que discutimos,
ao contrário, acreditamos que ficaram nuances para serem aprofundadas, mas, considerando
que nossos objetivos foram alcançados, esperamos que o mesmo, de forma positiva, possa
fazer parte desta grande árvore que são os estudos sobre o Guarani colonial, cujos ramos não
param de crescer, suscitando novas e revendo velhas controvérsias.

525
RAMÍREZ, L., Carta do Rio da Prata em 10 de julho de 1528, p. 27
526
HERRERA Y TORDESILLAS, A. Historia General de los hechos de los Castellanos en las Islas i Tierra
Firme del Mar Océano, p. 168.
527
CABEZA DE VACA, A. N., Naufragios y Comentarios, p. 167.
160
REFERÊNCIAS

FONTES

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_____________________________. Naufrágios & Comentários. (Prefácio de Henry


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___________________________. Relación general [1545]. In: Relación de los Naufragios


y Comentarios, Tomo II, (Edição e notas de Manuel Serrano y Sanz) Madrid: Librería
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__________________________. Álvar Núñez Cabeza de Vaca: naufragios e comentarios.


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